Minha vida e os brinquedos - Selma Maria

Minha vida e os brinquedos parte 1

Selma Maria

Como começa a minha trajetória com o brinquedo?!

Talvez quieta, pois gostava de brincar de escondeesconde. Aquele silêncio, no canto de algum lugar, sozinha, para não me descobrirem, continua dentro de mim como um tesouro e aparece às 5 da manhã todos os dias, pois é nessa hora que escrevo, imagino, crio e brinco com as palavras.

Desde pequena gosto de ficar quieta para poder esconder coisas no meu corpo. Veja bem, não na roupa, dentro de bolsos, mas dentro do nariz, da boca. Coisas que levavam minha mãe à loucura, de ter que levar a filha no pronto-socorro em dia de tempestade.

Cresci, mas continuei a gostar de uns brinquedos esquisitos para uma criança urbana que nasceu na cidade de São Paulo. Uns não-brinquedos de loja tradicionais.

Agora, era o barro que me encantava. Quando eu tinha 6 anos eu e minha família fomos morar numa roça e meu pai trazia da beira do rio, uma argila deliciosa de pegar, mexer. Moldava bonecas, panelinhas, contas de colar. Um deles dei de presente para a minha mãe e guardo até hoje comigo. De novo, era quietinha e com as mãos que eu brincava.

Nesse ano histórico de 2020, em que o mundo se cala, um movimento é crescente entre as pessoas: a inquietude sobre uma nova vida que se impõe a todos nós.

Mas esse movimento inquieto, de insegurança pode ser temperado com algo muito contrário a isso, como numa receita onde colocamos sal e uma pitada de açúcar: a quietude. Que é tão necessária para caminharmos na vida com poesia.

Se na correria do dia, não vivemos nossa quietude, para as crianças, talvez esse momento de se aquietar, se apresentou, fez convite para essa nova década do século XXI.

Ficar quieta, ser quieto não é exatamente ficar parada, muda. É, sim, entrar num estado de criação, com um olhar para dentro para se colocar em movimento. É aquele movimento antigo onde as crianças sempre nos ensinam a ver o mundo como um grande brinquedo onde todos os dias há algo para se fazer curiosa, descobrir. Inventar.

Tem sido assim há milhões de anos. Não fui eu, nem você que inventamos isso.

Essa quietude está em todas pessoas. E até nas onças. Lembre do movimento delas de ficarem bem quietas antes de caçar algum bicho com aquele olhar pensativo e concentrado.

Criança vive o presente. Esse é o presente que a infância nos dá. É na quietude que nasce um brinquedo inventado com a imaginação com quase nada na mão. E muita poesia.

Quantos brinquedos são feitos por miúdos, gurias, curumins, crianças, meninas e meninos de nove lugares no mundo onde se fala a língua portuguesa? Muitos!

Isso eu descobri em uma grande pesquisa que fiz sobre como se brinca no Brasil, Moçambique, Angola, Portugal, São Tomé e Príncipe, Macau, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Timor-Leste.

Uma bola pode ser chamada de fubeca, karambola, berlinde, bilosca, e até de macacos no nariz!

Tudo vai depender de onde você estiver e de qual material ela foi feita.

Para uma paulistana, berlinde e fubeca é bola de gude, macacos no nariz quer dizer meleca, e Karambola é uma fruta que tem bola no nome e formato de estrela muito gostosa que começa com a letra C.

Na luz de um candeeiro vejo um brinquedo brasileiro.

Em MACAU, vi um dragão, rodar um pião.

Em GUINÉ-BISSAU, faço uma fogueira virar brincadeira.

Em PORTUGAL, lá na Serra da Estrela faço um brinquedo sem medo.

No TIMOR-LESTE, diz um lagarto: — Aqui eu brinco e não parto!

Em SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE, brincar de faz de conta é o que conta.

Em CABO VERDE, quando vejo batizado de boneca, minha lágrima não seca.

Em ANGOLA, a criança usa brinco de argola e se enfeita quando a noite chega.

Em MOÇAMBIQUE, o baobá pede que todo mundo brinque...

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