Paulo Mendes da Rocha: Entre as águas e as pedras de Veneza

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Entrevista - Arquitetura Paulo Mendes da Rocha: entre as águas e as pedras de Veneza Dalva Thomaz Desenhadores por caminhos distintos, Paulo Mendes da Rocha e João Filgueiras Lima (Lelé) compõem a representação brasileira na Bienal de Arquitetura de Veneza 2000. Impecável qualidade técnica e vigor propositivo estão unidos na mostra. Essa é a grata novidade. Recentemente contemplado com o Prêmio Mies van der Rohe de Arquitetura Latino-americana, Paulo Mendes da Rocha é portador de um trabalho refinado, na contramão dos modismos. Sua obra exibe a simplicidade de desconcertantes soluções proporcionadas pela tecnologia de ponta, aliada à busca inquietante de qualificar o espaço arquitetônico diante dos valores universais que a presença humana sugere. Rebelde com causa, sua mão desenha com a sensibilidade de quem tem a História integralizada na cabeça: ao projetar propõe o futuro para falar do passado no presente. Na montagem do Pavilhão do Brasil da Bienal Internacional de Arte de 1986 trabalhou numa espécie de cerimônia do arquiteto-em-ação. Agora, entre as pedras de Veneza, tão saudadas por John Ruskin, expõe três projetos para falar das águas. Nada mais próprio. Paulo Mendes da Rocha propõe falar em Veneza do que, enfim, há séculos se fala em Veneza. Dalva Thomaz — Quase de saída, há tempo de saber como recebeu o convite para a representar o Brasil da Bienal de Arquitetura de Veneza. Foi surpresa? Que propostas você pretende levar? Paulo Mendes da Rocha — Foi surpresa e muito grande. Fui surpreendido com a notícia que João Filgueiras Lima e eu iríamos representar o Brasil na Bienal de Arquitetura de Veneza. Mas o que valeria destacar na minha opinião, é a importância da Arquitetura na cultura brasileira. Arquitetura emerge no Brasil muito inventiva, pela obra de Niemeyer e pelo conjunto da obra arquitetônica em nossa História. A importância vem de no Brasil se ter feito um discurso com Arquitetura sobre a extraordinária situação de construir o habitat humano. Na cultura universal isso assume destaque porque é o momento na história em que se reflete mais uma vez, de modo novo sobre a Natureza. Na Arte, na arquitetura clássica, o paradigma da Natureza sempre esteve presente. E a modernidade se inaugura, Argan escreve isso muito bem, quando surge a dimensão social do espaço. A reflexão criativa de arquitetura no Brasil mostra um contraponto, um revival novo da relação Natureza e Sociedade, uma vez que a América é um continente novo, quase vazio. Tenho impressão que para o pensamento acadêmico-crítico europeu é importante essa reflexão da arquitetura brasileira sobre o Homem mais uma vez perante a Natureza, do ponto de vista técnico-científico: recompor territórios para instalar cidades. Os desejos dessa cidade, já modernos, estão além da pura representação, lugares mais altos, acrópoles de Atenas... Era a necessidade de construir um porto de mar junto a áreas de manguesais, coisas assim. Como a cidade de Santos: a obra de Saturnino de Brito no saneamento nós assumimos como valor arquitetônico pela reconfiguração do território. Nos dias de hoje, quase, a construção do Aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro com o desmonte hidráulico do Morro do Castelo, é uma reconfiguração do território para instalar um sítio urbano, um lugar. Nossa arquitetura toma importância porque considera essa espacialidade: jardins do Burle Marx junto ao mar, no Rio; São Paulo e a topografia enérgica a ser enfrentada: túneis, viadutos, e o extraordinário na história da cidade, entre classicismo e modernidade, é que a Natureza aparece. A arquitetura brasileira soube ver isso não só como paisagem pictórica mas como fenômeno: mecânica dos fluidos, mecânica dos solos, constituição do território, estabilidade dos materiais etc. Na minha opinião, e de muitos, foi pela interpretação de modo criativo, que a arquitetura surgiu interessante aqui. Então, comparecer como representação brasileira num simpósio internacional como


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