ESPECIAL
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ESTADO DE MINAS D O M I N G O ,
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CONTORNOS
LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS
ASVOLTAS QUE AVIDA DÁ SEMPRE NO MESMO LUGAR E SEMPRE DIFERENTE.ASSIM SÃO BH,A CONTORNO E A HISTÓRIA DE SARAIVA, QUE HÁ 20 ANOS DIRIGE O ÔNIBUS CIRCULAR NA AVENIDA-SÍMBOLO DE UMA CIDADE QUEVAI ALÉM DE SEUS LIMITES SILVANA ARANTES E MARCÍLIO DE MORAES
A
cada vez que percorre os 12 quilômetros da Avenida do Contorno, José Paulo Saraiva dos Santos para 35 vezes, para que os passageiros do ônibus circular SC01 entrem ou saiam de um veículo que ele se orgulha em dirigir. “Estou fazendo uma função que gosto. Gosto de dirigir, de trabalhar com o público”, afirma. Em seus 44 anos de vida, Saraiva acumula 20 nessa função, na mesma empresa e na mesma linha do transporte coletivo na capital mineira. Nascido na pequena Brasília de Minas (cerca de 31 mil habitantes), na Região Norte do estado, a 520 quilômetros de Belo Horizonte, Saraiva, como é conhecido entre os colegas, considera que chegou ao ponto certo.Estáhojeondequeriaestar,nacidadequesetornou sua desde que veio morar com a família, no Bairro Sagrada Família, aos 3 anos. “O que planejei era estar trabalhando, com saúde e ver minha família crescer. Graças a Deus estou conseguindo ver isso e estou tendo trabalho e saúde. Para mim, é o suficiente.” A família cresceu sem timidez. Saraiva é pai de FláviaTamiresdeOliveiraSantos,de24,AnaLuizadeOliveira Santos, de 21, e dos gêmeos Paulo Vítor de Oliveira Santos e Marcos Paulo de Oliveira Santos, de 18 anosrecém-completados.Fláviaestudaeducaçãofísica e Ana Luiza, administração. Paulo Vitor e Marcos Paulo foram trabalhar na mesma empresa que o pai. “Conseguiarrumarparaelesaqui(umacolocação)como menor aprendiz – um como mecânico e outro na áreadealmoxarifado,queéoqueelesqueriam.Porisso é que falo que estou me realizando. A mais velha também passou por aqui. Só a outra que não. Todos trabalharam na empresa. Era o que eu queria. Crescer e botar eles para trabalhar.” Em seu segundo casamento, o motorista vive hoje
noJardimFelicidade(RegiãoNorte),depoisdejátermorado em Santa Luzia, na Região Metropolitana, e no Ribeiro de Abreu (Região Nordeste). Transportando pessoas, Saraiva observa as histórias que cada um carrega consigo. “Tem pessoas que entram aqui com uma série de dificuldades, tanto financeiras quanto de doenças.Tododiavocêestávendoaquilo.Àsvezesvocêsofre junto com eles, porque eles desabafam com a gente.” E às vezes são eles, os passageiros, que ajudam o motoristaasuavizaropesodasaflições.“Teveumafase em que meu pai estava internado”, conta. Seu JoaquimRibeirodosSantos,de68,ficousobcuidadosmédicosdurante45diasnaSantaCasa,tratando-sedeum enfisema pulmonar. Saraiva achou que o pai foi tão bem atendido lá que hoje lhe dói ver a situação de penúria do hospital. “A Santa Casa está sendo tratada de forma muito desumana. Há vários profissionais e várias famílias que precisam de lá, e não dão a ela o que elamerece.BHfazendo120anos,precisamolharmais para a saúde.” Nos dias em que viu o pai lutando para respirar, o motorista perdeu o sorriso. E isso não passou despercebidopelospassageiros.“Agentepassaporumafase diferente da vida, que a gente nunca teve. Vim trabalhartriste,umasenhoraentrou,encosteiparaelapróximo ao meio-fio. Era uma senhora bem de idade. Ela me deu um bom-dia que saiu tão de dentro que não tem muito como explicar.” Usuáriafrequentedalinha,apassageiracomentou que o comportamento habitual de Saraiva era outro. Ele costuma sorrir e brincar, principalmente com os colegas de trabalho, mas evita se exceder em simpatia com desconhecidos, sobretudo com as mulheres. “É que nosso trabalho exige muita seriedade. A gente não pode estar trabalhando aqui e sorrir para todo
mundo,porquenemtodomundovaiteramesmainterpretação do que eu estou querendo passar. Principalmente em questão do sexo feminino. As pessoas pensam de maneira diferente. Então eu fico mais sério.Demonstromeusemblantesério.Mas,brincoucomigo,eubrinco.Conhecendoapessoa,jáficomaissolto, como se diz.” Àpassageiraquenotousuatristezaeledecidiucontar sobre a internação do pai e desabafar que “a situação não estava boa”. Depois de ouvi-lo, a usuária do SC01 prometeu rezar pelo Seu Joaquim. E deixou Saraivaumpoucomudado.“Euestavamuitotriste,mas comecei a focar mais na frente e ver que não adianta nada eu estar triste e não procurar mais demonstrar aquela alegria que tenho.” O encontro ficou gravado na memória, mas Saraiva perdeu de vista uma amiga cujo nome ele não sabe. “Sempre estou atento para ver se a vejo de novo, para eu agradecer a ela, igual agradecimuitoaDeus(quandoopaitevealta).Elame ajudou muito naquele dia.” Nestemêsdeinverno,comaquedadatemperatura,SeuJoaquim teveumapioraevoltou aserinternado. Saraiva está novamente preocupado com a situação do pai, a quem visita todos os dias, enquanto seus filhosserevezamparapassarasnoitesaoladodoavô.
A AVENIDA
Batizada de 17 de Dezembro, data da lei que determinou a criação de BH, a Avenida do Contorno foi pensada pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) e projetada pelo engenheiro Aarão Reis para ser o limite da área urbana, mas só foi concluída quase 50 anos depois, na década de 1940. Com quase 12 quilômetros de extensão, a avenida, que oficialmen-
te começa perto da Avenida Oiapoque, não separa a áreaurbanadasuburbanacomoimaginaramosidealizadores da nova capital, mas delimita a região central. Nessa mancha urbana circundada pela via estão cinco bairros (Centro, Funcionários, Barro Preto, Santa Efigênia e Lourdes), além de parte dos bairros FlorestaeSantoAgostinho.Comumapopulaçãodequase80milpessoas,aáreade8,9quilômetrosquadrados concentragrandepartedainfraestruturadeserviçose comércio da capital. Nos seus limites, 3,1% dos moradores de BH vivem em 2,7% da área da cidade. No interior da Contorno estão 13 hospitais, dois grandesshoppingcenters,trêscentrosdecompraspopulares, oito teatros, sete cinemas, 10 museus, o Parque Municipal, a sede da administração municipal, a antigasededogovernoestadual(hojeumcircuitocultural) e a sede do Legislativo estadual. No universo contidopelaContornoestáaindaomaiorpolocomercial da capital, no Hipercentro de BH, por onde passam, diariamente, mais de 500 mil veículos e 2 milhões de pessoas, muitas delas chegando pela via que corta16bairroseparaosquaisfuncionacomoligação a outras regiões. Apenas no Hipercentro estão 21.141 lojas, que faturam mais de R$ 22 milhões por dia. Ao longo da via há 25 bens culturais tombados pela PBH. ParaveroqueessaContorno tem,nada melhor do que percorrer a via. Duas linhas de ônibus (SC01A e SC01B), que não operam aos domingos, fazem diariamente183viagenspeloperímetrodaavenida(exceto sábados e feriados, quando o número de viagens é reduzido).Emmarço,essaslinhastransportaramquase 365 mil pessoas, número 13 vezes maior que a população de BH em 1900, o que dá a dimensão do crescimento da cidade em 120 anos.