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CONTORNOS

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

ASVOLTAS QUE AVIDA DÁ SEMPRE NO MESMO LUGAR E SEMPRE DIFERENTE.ASSIM SÃO BH,A CONTORNO E A HISTÓRIA DE SARAIVA, QUE HÁ 20 ANOS DIRIGE O ÔNIBUS CIRCULAR NA AVENIDA-SÍMBOLO DE UMA CIDADE QUEVAI ALÉM DE SEUS LIMITES SILVANA ARANTES E MARCÍLIO DE MORAES

A

cada vez que percorre os 12 quilômetros da Avenida do Contorno, José Paulo Saraiva dos Santos para 35 vezes, para que os passageiros do ônibus circular SC01 entrem ou saiam de um veículo que ele se orgulha em dirigir. “Estou fazendo uma função que gosto. Gosto de dirigir, de trabalhar com o público”, afirma. Em seus 44 anos de vida, Saraiva acumula 20 nessa função, na mesma empresa e na mesma linha do transporte coletivo na capital mineira. Nascido na pequena Brasília de Minas (cerca de 31 mil habitantes), na Região Norte do estado, a 520 quilômetros de Belo Horizonte, Saraiva, como é conhecido entre os colegas, considera que chegou ao ponto certo.Estáhojeondequeriaestar,nacidadequesetornou sua desde que veio morar com a família, no Bairro Sagrada Família, aos 3 anos. “O que planejei era estar trabalhando, com saúde e ver minha família crescer. Graças a Deus estou conseguindo ver isso e estou tendo trabalho e saúde. Para mim, é o suficiente.” A família cresceu sem timidez. Saraiva é pai de FláviaTamiresdeOliveiraSantos,de24,AnaLuizadeOliveira Santos, de 21, e dos gêmeos Paulo Vítor de Oliveira Santos e Marcos Paulo de Oliveira Santos, de 18 anosrecém-completados.Fláviaestudaeducaçãofísica e Ana Luiza, administração. Paulo Vitor e Marcos Paulo foram trabalhar na mesma empresa que o pai. “Conseguiarrumarparaelesaqui(umacolocação)como menor aprendiz – um como mecânico e outro na áreadealmoxarifado,queéoqueelesqueriam.Porisso é que falo que estou me realizando. A mais velha também passou por aqui. Só a outra que não. Todos trabalharam na empresa. Era o que eu queria. Crescer e botar eles para trabalhar.” Em seu segundo casamento, o motorista vive hoje

noJardimFelicidade(RegiãoNorte),depoisdejátermorado em Santa Luzia, na Região Metropolitana, e no Ribeiro de Abreu (Região Nordeste). Transportando pessoas, Saraiva observa as histórias que cada um carrega consigo. “Tem pessoas que entram aqui com uma série de dificuldades, tanto financeiras quanto de doenças.Tododiavocêestávendoaquilo.Àsvezesvocêsofre junto com eles, porque eles desabafam com a gente.” E às vezes são eles, os passageiros, que ajudam o motoristaasuavizaropesodasaflições.“Teveumafase em que meu pai estava internado”, conta. Seu JoaquimRibeirodosSantos,de68,ficousobcuidadosmédicosdurante45diasnaSantaCasa,tratando-sedeum enfisema pulmonar. Saraiva achou que o pai foi tão bem atendido lá que hoje lhe dói ver a situação de penúria do hospital. “A Santa Casa está sendo tratada de forma muito desumana. Há vários profissionais e várias famílias que precisam de lá, e não dão a ela o que elamerece.BHfazendo120anos,precisamolharmais para a saúde.” Nos dias em que viu o pai lutando para respirar, o motorista perdeu o sorriso. E isso não passou despercebidopelospassageiros.“Agentepassaporumafase diferente da vida, que a gente nunca teve. Vim trabalhartriste,umasenhoraentrou,encosteiparaelapróximo ao meio-fio. Era uma senhora bem de idade. Ela me deu um bom-dia que saiu tão de dentro que não tem muito como explicar.” Usuáriafrequentedalinha,apassageiracomentou que o comportamento habitual de Saraiva era outro. Ele costuma sorrir e brincar, principalmente com os colegas de trabalho, mas evita se exceder em simpatia com desconhecidos, sobretudo com as mulheres. “É que nosso trabalho exige muita seriedade. A gente não pode estar trabalhando aqui e sorrir para todo

mundo,porquenemtodomundovaiteramesmainterpretação do que eu estou querendo passar. Principalmente em questão do sexo feminino. As pessoas pensam de maneira diferente. Então eu fico mais sério.Demonstromeusemblantesério.Mas,brincoucomigo,eubrinco.Conhecendoapessoa,jáficomaissolto, como se diz.” Àpassageiraquenotousuatristezaeledecidiucontar sobre a internação do pai e desabafar que “a situação não estava boa”. Depois de ouvi-lo, a usuária do SC01 prometeu rezar pelo Seu Joaquim. E deixou Saraivaumpoucomudado.“Euestavamuitotriste,mas comecei a focar mais na frente e ver que não adianta nada eu estar triste e não procurar mais demonstrar aquela alegria que tenho.” O encontro ficou gravado na memória, mas Saraiva perdeu de vista uma amiga cujo nome ele não sabe. “Sempre estou atento para ver se a vejo de novo, para eu agradecer a ela, igual agradecimuitoaDeus(quandoopaitevealta).Elame ajudou muito naquele dia.” Nestemêsdeinverno,comaquedadatemperatura,SeuJoaquim teveumapioraevoltou aserinternado. Saraiva está novamente preocupado com a situação do pai, a quem visita todos os dias, enquanto seus filhosserevezamparapassarasnoitesaoladodoavô.

A AVENIDA

Batizada de 17 de Dezembro, data da lei que determinou a criação de BH, a Avenida do Contorno foi pensada pela Comissão Construtora da Nova Capital (CCNC) e projetada pelo engenheiro Aarão Reis para ser o limite da área urbana, mas só foi concluída quase 50 anos depois, na década de 1940. Com quase 12 quilômetros de extensão, a avenida, que oficialmen-

te começa perto da Avenida Oiapoque, não separa a áreaurbanadasuburbanacomoimaginaramosidealizadores da nova capital, mas delimita a região central. Nessa mancha urbana circundada pela via estão cinco bairros (Centro, Funcionários, Barro Preto, Santa Efigênia e Lourdes), além de parte dos bairros FlorestaeSantoAgostinho.Comumapopulaçãodequase80milpessoas,aáreade8,9quilômetrosquadrados concentragrandepartedainfraestruturadeserviçose comércio da capital. Nos seus limites, 3,1% dos moradores de BH vivem em 2,7% da área da cidade. No interior da Contorno estão 13 hospitais, dois grandesshoppingcenters,trêscentrosdecompraspopulares, oito teatros, sete cinemas, 10 museus, o Parque Municipal, a sede da administração municipal, a antigasededogovernoestadual(hojeumcircuitocultural) e a sede do Legislativo estadual. No universo contidopelaContornoestáaindaomaiorpolocomercial da capital, no Hipercentro de BH, por onde passam, diariamente, mais de 500 mil veículos e 2 milhões de pessoas, muitas delas chegando pela via que corta16bairroseparaosquaisfuncionacomoligação a outras regiões. Apenas no Hipercentro estão 21.141 lojas, que faturam mais de R$ 22 milhões por dia. Ao longo da via há 25 bens culturais tombados pela PBH. ParaveroqueessaContorno tem,nada melhor do que percorrer a via. Duas linhas de ônibus (SC01A e SC01B), que não operam aos domingos, fazem diariamente183viagenspeloperímetrodaavenida(exceto sábados e feriados, quando o número de viagens é reduzido).Emmarço,essaslinhastransportaramquase 365 mil pessoas, número 13 vezes maior que a população de BH em 1900, o que dá a dimensão do crescimento da cidade em 120 anos.


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ESTADO DE MINAS DOMINGO, 30 DE JULHO DE 2017

OTRAÇO QUE NOS UNE

PERSONALIDADES MINEIRAS FALAM AO COLUNISTA HELVÉCIO CARLOS SOBRE BH DENTRO E FORA DA CONTORNO PRISCILA FREIRE ARTISTA PLÁSTICA

Nasci em BH no Hospital São Lucas, com o doutor Hugo Werneck. Vivi minha infância na Rua Sergipe, 440, Bairro dos Funcionários, perto da Igreja da Boa Viagem, da Praça da Liberdade e do Minas Tênis Clube.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

Restos do antigo Curral Del Rey onde as magnólias ainda perfumam as noites do Bairro dos Funcionários.

BH FORA DA CONTORNO É...

O pôr do sol na lagoa da Pampulha, de preferência no Museu de Arte, quando a lua cheia aparece de um lado, refletida na água, e o sol incendeia o céu do outro lado. É ainda o nosso belo horizonte.

UM PLANO PARA BH...

Está dentro da minha vida. Moro além da Contorno, mas gostaria de ter ainda a perspectiva do viaduto que nos foi arrancado, na Avenida Afonso Pena, pelo absurdo prédio ligando as duas torres do Sulamérica. Só para começar, pois seria triste lembrar que a única cidade art-nouveau do mundo foi pouco a pouco sendo destruída.

MARY ARANTES DESIGNER

Nasci em Rio do Prado, no Vale do Jequitinhonha. Mudei-me para BH aos 12 anos. Hoje, tenho 60 e muito orgulho de morar aqui, cujo estilo de vida e um certo provincianismo me fazem apaixonar cada vez mais por ela. Meu lugar favorito é o paredão da Serra do Curral, lugar que escolhi para viver. Acordar e ver essa serra, símbolo da cidade, imponente e forte, apesar das escavações das mineradoras, me fortalece!

BH DENTRO DA CONTORNO É...

É um pedaço da cidade que fica rosa em agosto… Um pedaço da cidade que foi onde tudo nasceu. É lindo pensar que a Contorno ia contornar a cidade, ser um limite entre o rural e o urbano.

BH FORA DA CONTORNO É...

Para mim é o Bairro Lagoinha, um bairro nostálgico, que carrega nosso passado, porém de forma triste, com casarões maravilhosos em ruínas, completamente abandonados.

UM PLANO PARA BH...

Eu me aposentei agora e um dos meus sonhos para a cidade é fazer junto à SLU um trabalho de coleta seletiva do lixo da moda, o que geraria renda e trabalho sustentável para muita gente. Iniciei este projeto quando fui curadora do Minas Trend e agora quero retomá-lo.

GUSTAVO GRECO DESIGNER

Nasci aqui e vivo aqui desde então. Tenho meus momentos de fuga pelo mundo, mas sempre volto. Sobre um lugar favorito, depois que fizemos a identidade da Pampulha para sua candidatura a Patrimônio da Humanidade me apaixonei pelo conjunto moderno e, principalmente, pelo pôr do sol visto da Casa do Baile. É nosso e, muitas vezes, passa despercebido.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

A relação com a minha vida. Nasci, cresci e estudei dentro da Contorno. Essa parte da cidade tem a ver com a minha infância, a casa dos meus avós, o primeiro curso de inglês, a natação.

ANDERSON NOISE DJ

Nasci no Bairro do Renascença, onde meu pai e minha mãe continuam morando, e vivi lá por 25 anos. Depois, me mudei para São Paulo e há cinco anos voltei para BH. Moro na Savassi. Um lugar favorito na cidade é todo o complexo arquitetônico da Pampulha.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

Prática, pois com poucos passos você consegue ir a bons bares, fazer compras em ótimos supermercados, encontrar com os amigos ou até mesmo passear em um shopping. Entretanto, o formato triangular das ruas faz com que o nosso trânsito seja um dos mais caóticos. E adoro tudo que a Praça da Liberdade é e representa para BH, sua beleza e seus museus me encantam e me fazem sempre levar algum amigo que vem visitar a cidade para conhecer.

UM PLANO PARA BH...

Falo sempre que, em vez de me mudar daqui, quero mudar o aqui. BH tem grandes talentos e o melhor plano seria retê-los aqui para que a cidade se tornasse cada vez melhor. Para isso, é importante que a própria cidade os valorize e que o mercado fomente a economia local.

Grande, ficou tão cheia de boas opções? que gostaria de ter tempo para poder conhecer tudo que a cidade oferece, como a Praça do Papa, o Mirante e o Parque das Mangabeiras. Quando não estou tocando fora da cidade, adoro ir ao restaurante Xapuri, na Pampulha, onde se pode comer uma boa comida mineira.

UM PLANO PARA BH...

Voltar com os voos domésticos para a Pampulha, pois nós, que trabalhamos viajando, sofremos por depender do aeroporto de Confins. E, se São Paulo e Rio de Janeiro, que são grandes capitais como a nossa, têm aeroportos dentro da cidade, nós também precisamos. Um outro plano para Belo Horizonte é acabar com a lei arquitetônica que a prefeitura criou para que todas as novas construções tenham marquises e, por último, um melhor tratamento com a nossa segurança.

Nasci em Carmo do Rio Claro, vivo em Belo Horizonte, onde o Bairro de Lourdes é meu lugar favorito na cidade

BH DENTRO DA CONTORNO É...

O ponto zero da cidade

BH FORA DA CONTORNO É... O ponto sem limite

UM PLANO PARA BH... Cidade segura e modelo para o Brasil

BH DENTRO DA CONTORNO É...

Uma cidade que mantém a tradição, mantendo a história viva com os parques e casas históricas.

BH FORA DA CONTORNO É...

Uma cidade que cresceu com o tempo, modernizando para se tornar uma cidade grande, porém, ao mesmo tempo mantendo as tradições mineiras.

UM PLANO PARA BH...

Continuar crescendo, evoluindo a cada dia para ser uma cidade ainda melhor

IVO FARIA CHEF

Nasci no Bairro 1º de Maio, vivi em Belo Horizonte 90% da minha vida e amo a Pampulha.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

O coração de BH pulsava dentro da Avenida do Contorno. Hoje podemos observar que entramos em uma decadência comercial e executiva deste cinturão que nos aperta a cada momento. Estamos agonizando.

BH FORA DA CONTORNO É...

Fora da Contorno, ou dentro, BH é uma cidade que não tem nenhum produto a oferecer, neste momento. Nenhuma empresa sobrevive sem um bom produto a oferecer. Faz anos que BH vive à deriva.

UM PLANO PARA BH...

PEDRO PAULO CAVA DIRETOR DE TEATRO

Nasci e fui criado no centro da cidade, bem na Rua São Paulo. O Centro é a minha preferência para trabalho e lazer. Moro fora do Centro, mas vivo e trabalho nele. Um dia voltarei a morar no Centro.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

O coração e a alma da cidade, onde mora o passado que nos faz relembrar de uma cidade mais humana e amena, mais tolerante e, sobretudo, menos violenta. É onde se encontram pessoas, onde se acha de tudo que se procura e precisa. É também onde a vida ainda é menos cara e onde tudo acontece às vezes de repente e às vezes previsivelmente. É onde moram os 120 anos desta cidade.

BH FORA DA CONTORNO É...

É um sem fim que não entendemos mais de tanto que se espalhou. Bairros que nem imagino onde são ou como apareceram ali do dia para a noite. Tudo parece muito longe e a cidade ficou dividida entre riqueza, classe média e miséria das centenas de aglomerados sem estrutura onde vive uma população que sofre para se mover em direção ao trabalho e com o cansaço que a leva de volta pra casa. Irreconhecível como parte da cidade. Os bairros mais antigos, como Santa Tereza, Carlos Prates, Serra e Santo Antônio, e outros ainda mantêm um ar de cidade de interior e a população que ali permaneceu constituiu uma espécie de amizade quase familiar.

UM PLANO PARA BH...

Limitar o crescimento desenfreado, despoluir, horizontalizar, colorir, utilizar as praças e logradouros públicos para reunir os moradores em eventos culturais, artísticos e sociais. Promover lazer para relaxar a dureza dos corações empedernidos das almas agressivas, aumentar a segurança e melhorar a mobilidade. Humanizar, enfim.

Investir fortemente em uma cidade de eventos, congressos, feiras. É a única solução para Belo Horizonte. Atibaia, Campinas, Campos do Jordão, Curitiba, Fortaleza e outras cidades que investiram em prestação de serviços saíram do anonimato.

BRUNO SOARES TENISTA

Nasci no hospital Felício Rocho, vivi a maior parte de minha vida no Gutierrez. O Clube Campestre é meu lugar favorito fora da cidade, no meio das montanhas.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

A sensação de uma cidade do interior onde todos se conhecem e é mais tranquila

BH FORA DA CONTORNO É...

Uma metrópole com seu caos, bagunça e loucura de uma cidade que cresceu e se transformou em metrópole.

UM PLANO PARA BH...

Que ela continue crescendo, de preferência, de forma organizada. Que continue sendo essa cidade grande, oferecendo essa sensação de cidade do interior.

AGNES FARKASVOLGYI CHEF

Nasci aqui, no Bairro de Funcionários. Moro no Santo Antônio e meu lugar favorito é, sem dúvida nenhuma, o viaduto Santa Tereza

BH DENTRO DA CONTORNO É...

Cor de rosa e xadrez.

BH FORA DA CONTORNO É... Multicolorida e sinuosa.

GUSTAVO PENNA ARQUITETO

Nasci na Antônio de Albuquerque, 867. Vivi em muitos cantos da cidade, mas meu lugar de trabalho é desde sempre uma casa centenária na Avenida Alvares Cabral, 414, mantida com paixão e capricho. Dali posso ir ao Parque Municipal, que ainda tem grandes árvores e outras belezas. Outro lugar que amo é o sopé da Serra do Curral, especialmente em uma tarde de abril.

BH DENTRO DA CONTORNO É...

TEREZINHA SANTOS, EMPRESÁRIA

Nasci em Belo Horizonte, minha primeira casa foi no Cidade Jardim. Sempre vivi no Santo Antônio, meu lugar favorito.

BH FORA DA CONTORNO É...

BH FORA DA CONTORNO É...

Quando saí de casa, fui morar fora da Contorno. Meu primeiro escritório e a Greco hoje também são fora desse perímetro. Achei simbólico isso. Talvez tenha a ver com a característica de eu não me ater aos limites e a vontade de querer sempre ir mais longe.

MARCELO MELO TENISTA

UM PLANO PARA BH...

Um plano bacana para BH seria um transporte público eficiente que todos pudessem usar e ter acesso.

BEATRIZ APOCALYPSE DIRETORA DO GIRAMUNDO

Nasci em Belo Horizonte, vivo e trabalho no Bairro Floresta. Lugar favorito? Ah! Giramundo!

BH DENTRO DA CONTORNO É...

O sonho de uma capital montanhesa de lirismo e esperança, embalado por um pensamento urbanístico racional e generoso que não foi capaz de antecipar as forças do interesse imediatista.

É trânsito; é local de encontro com amigos (bares ótimos); é pra namorar (praças lindas); é se embelezar (salões bacanas); é se cuidar (hospitais e consultórios); é pra gastar (ótimas lojas); é pra comer bem (ótimos restaurantes e lanchonetes); é festa!

BH FORA DA CONTORNO É...

BH FORA DA CONTORNO É...

A realidade desarmônica, tamanho que já não sonha e só administra as fatalidades.

UM PLANO PARA BH...

Vamos comemorar os 120 anos da Saudade de Belo Horizonte! Saudade de um futuro que teríamos hoje. Um futuro da gentileza, da alegria, da inventividade de um planejamento que some todas as histórias e que tenha forças para construir nossa autoestima e coisas belas para todo lado.

É trânsito; é tumultuada; é menos concentrada; é longe; é pra rezar; é bar; é teatro; é parque; é diversão; é Giramundo; é museu.

UM PLANO PARA BH...

Construção de túneis e metrô subterrâneo. Melhoria nos transportes públicos. Mais investimento na educação. Mais teatros. Mais árvores. Mais informações turísticas. Mais atividades nas praças. Mais apoio à cultura.


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ESTADO DE MINAS

DOMINGO, 30 DE JULHO DE 2017

GINES GEA RIBERA/ ARQUIVO EM

1938

Trecho no Bairro Floresta, com a Serra do Curral ao fundo e a chácara Raul Mendes à esquerda

ARQUIVO EM - 11/12/1941

O que vem à sua mente ao ouvir as palavras Avenida do Contorno? Provavelmente ,uma imagem de um endereço específico ou de um trecho da serpenteante via que abraça a Região Central de Belo Horizonte. Hoje coberta por asfalto, que convida à circulação rápida, e marcada por uma profusão de grandes edifícios, a Contorno transformou em passado cenas bem diferentes. Cenas de quando seu calçamento era de pedra, de quando seus “congestionamentos” no horário de pico eram repletos de... fuscas. E de quando as placas do comércio propagandeavam tanto marcas multinacionais como avisos caseiros do tipo “compra de sucata cortes de bronze e latão”. São instantâneos de algumas dessas características, que a 1941 avenida exibiu entre as décadas de 1930 e 1970, que o Com o Bairro Santa Tereza no alto e à direita, Estado de Minas publica nesta página, com imagens o cruzamento com a Avenida dos Andradas de seu acervo fotográfico que são memórias da cidade. A pesquisa é da arquivista Irene Campos.

ARQUIVO EM - 14/9/1942

1942

Obras de construção do hospital Felício Rocho, no Barro Preto, região então quase deserta

MEMÓRIAS EM CONSTRUÇÃO ARQUIVO EM - ANOS 1970

Década de

1970

Construção dos canteiros centrais no cruzamento com a Avenida Prudente de Morais, no Cidade Jardim IGINO BONFIOLI/ARQUIVO EM - ANOS 1930

EVANDRO SANTIAGO/ARQUIVO EM - 4/5/69

Década de

1930

1969

ARQUIVO EM - 10/9/74

1974

1969

Fiéis chegando para a missa na Igreja Nossa Senhora das Dores, no Bairro Floresta

Trecho na Lagoinha. À esquerda, obras da Rodoviária de Belo Horizonte

Movimento nas imediações do Colégio Marconi, no Bairro Gutierrez

ARQUIVO EM - 11/1/69

Trânsito às margens do Ribeirão Arrudas, no Bairro Lagoinha ARQUIVO EM - ANOS 1970

Década de

1970

Movimento de pedestres na área comercial do Bairro Lagoinha


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ESTADO DE MINAS

DOMINGO, 30 DE JULHO DE 2017

O PLANO

ORIGINAL ARQUITETO ANDRÉ PRADO ESCREVE SOBRE O PAPEL DA AVENIDA DO CONTORNO NO PLANEJAMENTO DA CIDADE DE BELO HORIZONTE E APONTA OS ARTIFÍCIOS DE SEPARAÇÃO ESPACIAL ENTRE A POPULAÇÃO URBANA E A SUBURBANA Ao concluir a planta geral para a nova capital de Minas Gerais, o engenheiro Aarão Reis, chefe da equipe responsável pelo projeto, encaminhou ao governo do estado, em 23 de março de 1895, um ofício em que faz uma descrição geral da proposta. No documento, o engenheiro explica o traçado da área urbana principal da nova cidade formado por ruas largas dispostas como uma malha geométrica formando quarteirões rigorosamente quadrados com 120 metros de lado a que se sobrepunham avenidas, ainda mais largas, formando uma segunda malha girada em 45 graus em relação à primeira. O documento explica que haveria também uma zona suburbana, ao redor da área urbana, composta por bairros com ruas não tão largas, “traçadas de conformidade com a topografia”, formando quarteirões com geometria irregular e lotes de áreas diversas. E já aparecia na proposta também, em volta dessa área suburbana, uma outra zona suburbana ainda mais periférica, composta por chácaras e pequenos sítios para produzir os alimentos que abasteceriam a nova cidade. O ofício explicava que o projeto apresentava um limite que separaria inequivocamente a área principal das áreas periféricas: “Essa zona urbana é delimitada e separada da suburbana por uma avenida de contorno, que facilitará a conveniente distribuição dos impostos locais e que, de futuro, será uma das mais apreciadas belezas da nova cidade”. Neste mesmo documento, que consta em Belo Horizonte: Memória histórica e descritiva, de Abílio Barreto, o engenheiro ainda explica às autoridades do estado que a área urbana dentro desta “avenida de contorno” não seria totalmente ocupada inicialmente: estavam reservados para os primeiros 30 mil habitantes que viriam para a cidade, áreas específicas na área urbana principal, nas seções urbanas de I a VII, e também fora dela, nas seções suburbanas de I a VI. O que o documento nos mostra é que não é verdadeira uma noção bastante difundida sobre a história de Belo Horizonte, consagrada pelo senso comum, de que a cidade planejada originalmente para ser a capital do estado estava dentro da Avenida do Contorno e que a cidade que cresceu do lado de fora representa um crescimento urbano posterior e espontâneo, e que teria acontecido sem qualquer planejamento urbano. O próprio sítio eletrônico da Prefeitura Municipal narra assim a história da cidade e da avenida. Um rápido exame sobre documentos oficiais que narram o processo de elaboração da cidade e, principalmente, sobre a planta original de Belo Horizonte apresentada por Aarão Reis mostra que já havia no projeto original a previsão de áreas suburbanas externas à Avenida do Contorno e que muitas dessas áreas deveriam ser – e de fato foram – ocupadas antes que outras dentro dos seus limites. As notáveis diferenças entre os traçados urbanísticos, extremamente rígido e regular no lado de dentro da Avenida do Contorno e mais livre e irregular do lado fora, contribuíram para reforçar esse mito de que a cidade do lado de dentro

LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS

CONFIRA NO EM.COM.BR Contornos, a segunda das 12 partes da série de reportagens multimídias do especial BH120 do Estado de Minas traz conteúdo exclusivo de vídeos, entrevistas, fotografias e infografias. No site você poderá conferir ainda as datas de divulgação dos próximos temas.

teria vindo primeiro do que a cidade do lado de fora. Também não é verdadeira a ideia de que o engenheiro Aarão Reis e sua equipe desconheciam ou não davam importância à topografia do sítio, noção recorrentemente ilustrada pela própria Avenida do Contorno, que tem um trecho específico dos seus quase 12 quilômetros onde, graças à maior inclinação do terreno e aos encontros com as ruas transversais, passou a ser conhecido como “Tobogã da Contorno”. Os projetistas conheciam e reconheciam as especificidades do relevo do sítio, mas deliberadamente optaram por manter a regularidade ortogonal do traçado, admitindo maiores inclinações das vias do lado de dentro da Avenida do Contorno, incluindo a própria avenida e, ao contrário, admitiram traçados mais livres, mantendo inclinações mais suaves das ruas, no lado externo. A comparação entre as malhas urbanas propostas no projeto original de Belo Horizonte para o lado de dentro da nova capital, a dita “área urbana”, e para o lado de fora, chamado de “área suburbana”, deixa claro que a equipe poderia, se esse fosse o partido conceitual do projeto urbanístico, ter criado ruas com inclinações mais suaves também do lado de dentro.

SEPARAÇÃOTEMPORAL

A Avenida do Contorno não representa um limite que separa fases distintas da implantação da nova capital de Minas, já que áreas dentro e fora dos seus limites foram construídas e ocupadas desde 1897. E as diferenças entre os traçados urbanos em seu interior e nas áreas imediatamente externas a ela não decorrem de um distanciamento temporal, o que, pelos diferentes contextos socioculturais, poderia ter gerado diferentes soluções de desenho urbano. Essas diferenças já estavam pensadas no projeto original. Mas o que então essa avenida perimetral, que Aarão Reis dizia que seria uma das mais bonitas da cidade, de fato separava? A ideia da Avenida do Contorno, desde o início, era a de se criar uma via que limitasse uma área em relação a outras, como um contorno, o que indica uma forte intenção de marcar um limite, e consequentemente definir uma forma, um desenho para a nova capital, evitando assim a noção de uma cidade que parecesse transbordar infinitamente à medida que fosse crescendo, sem um desenho urbano lógico e racional. Considerando o contexto cultural do Brasil do final do século 19 e ainda a formação da equipe do projeto fortemente influenciada por ideais iluministas e racionalistas e por projetos como os de Washington e La Plata, pode-se presumir que a intenção era marcar a área central da cidade com uma clara noção de distinção em relação às áreas externas, suburbanas. A avenida, mais do que qualquer coisa, delimitava simbolicamente um limite, que estava relacionado à forma urbana, mas também, e principalmente, a uma distinção social e cultural. Ao longo de todo o século 19, houve no Brasil um forte processo de decadência econômica do campo e de as-

REPORTAGENS: Silvana Arantes, Helvécio Carlos, Marcílio de Moraes, Karen Santos e João Vítor Nunes

EDIÇÃO DETEXTOS: Rafael Alves

REVISÃO: Ademar Fulgêncio

PROJETO GRÁFICO: Júlio Moreira

FOTOS: Leandro Couri Arquivo EM

ARTES: Janey Costa, Lélis e Quinho

COORD. MULTIMÍDIA: Fred Bottrel, Rafael Alves e Renan Damasceno DIRETOR DE REDAÇÃO: Carlos Marcelo Carvalho

LELIS

censão econômica das cidades. O crescimento urbano desse período trouxe consigo o crescimento das áreas urbanas e dos edifícios que abrigavam populações pobres. Na época da construção de Belo Horizonte, as cidades mais importantes do país já experimentavam um aumento significativo das populações de menor renda atraídas pela oferta de empregos de menor qualificação, e que era composta principalmente de negros, recémlibertos com o fim da escravidão no país, transformados de escravos rurais em cidadãos urbanos de segunda classe.

LIMITES SOCIAIS

A estrutura de dominação social que vigorava no campo, representada pelo binômio casa-grande/senzala, ao migrar para a cidade transforma-se na separação sobrado/mucambo, como nos ensina Gilberto Freyre. Mudou o cenário de fundo, mas estava mantida a mesma estrutura de dominação social. A construção da nova capital de Minas Gerais atraiu pessoas de diversas partes do país, antigos escravos e até imigrantes. Os espaços destinados a essas pessoas não eram obviamente as áreas nobres da nova capital, de avenidas largas e traçado geométrico, mas sim as áreas suburbanas, fora da Avenida do Contorno. Aos que não conseguissem comprar os lotes das áreas suburbanas formalmente criadas pelo plano urbanístico, restava a opção de construir por conta própria seus “mucambos” informalmente. Os primeiros assentamentos ocupados por pessoas de menor renda com habitações construídas pelos próprios moradores – o que hoje chamamos de favelas – surgem antes mesmo da inauguração da capital. Pesquisas históricas mostram que em 1895, dois anos antes da inauguração, essas favelas já tinham mais de 3 mil moradores, em sua grande maioria operários que trabalhavam na construção da cidade, mas para quem não havia lugar no plano urbanístico. A Avenida do Contorno, agora com quase 12 décadas, foi concebida por razões urbanísticas para dar forma à nova capital; por razões econômicas, para facilitar a cobrança de impostos, como diz o próprio Aarão Reis em seu ofício; mas, principalmente, como um elemento que marcava um limite claro que abraçava aquilo que representava uma cidade ideal em seu sentido econômico, de urbe, destinada aos funcionários públicos, comerciantes e pessoa de maior renda da sociedade e consequentemente os fluxos mais expressivos de capital e também no seu sentido político, como polis, abrigando os palácios do governo estadual e órgãos públicos, de onde o estado seria administrado. O projeto previa que fora da avenida, na zona suburbana, ficariam os que manteriam a cidade funcionando, funcionários de renda média e baixa e pequenos agricultores. Naqueles tempos da República Velha, em plena hegemonia dos ideais liberais, os que não tinham condições de pagar pela sua moradia nem mesmo nas áreas suburbanas deveriam encontrar suas próprias formas de sobreviver fora da cidade ideal. A Avenida do Contorno pode ser considerada, portanto, um marco no planejamento urbano no sentido da segregação socioespacial. Nosso pecado original. Continuamos hoje, 120 anos depois, a criar novas “avenidas de contorno”, reais ou imaginárias, isolando as áreas centrais para poucos e empurrando para áreas cada vez mais distantes os muitos que mantêm a cidade funcionando. ● André Prado, arquiteto e urbanista, professor da Escola de Arquitetura da UFMG, autor de Ao fim da cidade, sócio do escritório Arquitetos Associados.

EDIÇÃO ANTERIOR Movimentos, a primeira das 12 partes da série em homenagem a BH, publicada em 16 de julho, está disponível no site Em.com.br/BH120.


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