Esquinas ­ nº 48 ­ Arte

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GIULIA LANZUOLO

desde 1994, explica que o “engajamento está relacionado à liberdade de expressão e que, para eles, o teatro deve ser uma ferramenta para melhorar o mundo e as relações humanas”. O espetáculo do grupo que melhor refletiu esse posicionamento foi Utopia, realizado em comemoração aos quatro anos do Espaço Parlapatões neste ano. Na peça, o palhaço Leo Bassi criticava os dois extremos da política: a direita pelas injustiças sociais e a esquerda pela falta de paixão e de ideias. “Tem que se fazer piada com quem estiver no poder. O humor tem que ser anárquico. Engajado, ele só empobrece porque não permite olhar o outro lado”, argumenta Barretto.

MOvido a Feijão Desde 2006, a Companhia do Feijão estabeleceu sua sede na região central de São Paulo. Quando fundada, em 1998, pelo ator e diretor Pedro Pires e pela atriz Camila Bolaffi, era um teatro itinerante. “Desde o início, a ideia era falar de assuntos que nos incomodavam e isso ainda acontece. A nossa responsabilidade é com os dias de hoje”, explica Pires. Apesar de serem críticos e irônicos ao retratarem a política nacional, a Companhia do Feijão não tem o título de engajada. “De forma alguma somos panfletários ou temos respostas e receitas políticas”, afirma Zernesto Pessoa, diretor do grupo. “A gente é engajado no sentido de fazer com que o teatro seja um lugar de discussão do homem e da sociedade”, complementa Pedro Pires O marco inaugural do grupo foi o espetáculo Movido a Feijão, que rendeu nome à Companhia. Pires conta que estavam fazendo uma pesquisa de campo para a primeira peça, ainda sem título, quando viram “atrás de uma das carrocinhas de catador de papel escrito: movido a feijão”. Apesar das instabilidades da área, Pedro afirma que a Companhia independe de modismo de mercado. “A moda muda rapidamente e de repente vai pra onde acha que vai dar dinheiro. Não seguimos isso”, pontua. Pessoa enfatiza que “o importante é que o teatro os mobilize”. Nem todos que transitam pelo universo das artes cênicas pensam assim. Para o crítico de teatro Michel Fernandes, responsável pelo site Aplauso Brasil e membro da Associação Paulista de Críticos de Arte, esse tipo de teatro é algo fora de seu tempo. “Depois da ditadura, falar em teatro político ficou um pouco ultrapassado, pois, teoricamente, ia contra uma proibição que vinha com a censura”.

Cortejos de Dionísio Ainda na Praça Roosevelt, encontram-se as sedes Espaço dos Satyros I e II. O grupo, que surgiu entre as décadas de 1980 e 90, tinha a intenção de fazer um teatro vinculado à pesquisa e à experimentação. O nome vem da mitologia grega: Satyros eram as divindades que abriam caminho para os cortejos do deus Dionísio e que deram origem ao teatro. Em 1990, o grupo encenou seu primeiro sucesso inspirado na obra de Marquês de Sade, Sades ou Noites com os Professores Imorais, que mais tarde foi remontada sob título Filosofia na Alcova. A peça trata “de uma menina inocente apresentada a um mundo corrupto, que só vive de aparência”, diz o dramaturgo Rodolfo Vázques. “Nós éramos a menina e aquele mundo, o governo Collor”. O teatro “político-terapêutico” do grupo prega maior consciência sobre o conflito da exploração humana. Para Vázquez, “o engajamento é inevitável, mas não necessariamente político”. A Companhia não faz teatro marxista e não trabalha com uma perspectiva ideológica clara, mas leva a política ao plano social e das relações pessoais. “Redu-

Parlapatões Nas proximidades do centro está a Praça Roosevelt, famosa pela vida cultural agitada desde a década de 1960. Lá fica a sede do grupo Parlapatões desde 2006. Fundado em 1991 por Hugo Possolo e Alexandre Roit, o grupo começou realizando espetáculos circenses que, aos poucos, ganharam forma teatral e que depois foram integrados aos espetáculos de rua. A Companhia não se vê como um grupo de teatro político. Raul Barreto, ator do grupo

zir as pessoas a classes é diminuir o poder do teatro”, comenta o dramaturgo.

o Latão Na Vila Madalena está a Companhia do Latão. Desde o início, em 1996, o grupo se compromete a ser um teatro de pensamento político que “vai contra certas práticas sociais e ideologias dominantes”, como conta Sergio de Carvalho um dos idealizadores e atual diretor do projeto. A Companhia optou por não assumir diretamente um posicionamento partidário, mas faz uso do marxismo e da dialética como referência crítica. “No teatro épico, você não perde a emoção da personagem ou o gosto de ir ao teatro, mas coloca o prazer em outro nível, seja ele político ou econômico”, afirma Felipe Moraes assistente de dramaturgia do grupo. O engajamento do Latão está também na forma como ele é pensado e encenado. “Não existe arte revolucionária sem forma revolucionária”, diz Moraes. Isso porque as peças da Companhia pretendem gerar uma tomada de posição por parte de quem assiste em relação ao que se desenrola no palco. Segundo Moraes, os espectadores compreendem os conflitos de acordo com uma dimensão social em vez de uma dimensão psicológica. “A história do Latão é de modificação da obra do dramaturgo alemão Bertold Brecht, segundo um contexto nosso e também um tempo nosso”, define Carvalho ao falar da atualidade do trabalho da companhia. O Latão e a Academia têm íntima relação. O grupo pesquisa e escreve artigos que, dependendo da verba, são compilados em livros como Introdução ao Teatro Dialético – Experimentos da Companhia do Latão (Expressão Popular:2009). Além dessas obras, a Companhia publica a revista Vintém, com discussões sobre arte no Brasil e o jornal Traulito. DIVULGAÇÃO

Espetáculos grandiosos, releituras de textos clássicos, atores e palcos famosos são algumas imagens do que se entende por teatro. Estas características foram originadas do chamado Teatro Italiano e até hoje vingam nos espetáculos comerciais brasileiros. Já os “engajados” lutam por incentivos do governo, encenam peças a baixos preços e têm a intenção de instigar o espectador. No Brasil, estas peças surgiram com o Teatro de Arena, em 1953. Por conta da proposta inovadora, o grupo vivia numa corda bamba financeira, que só teve fim quando, em 1958, com a encenação Eles não usam Black-Tie, dirigida por Gianfrancresco Guarnieri.

Por trás da cortina: bastidores da Companhia do Feijão ESQUINAS – 2º SEMESTRE 2010

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