O uso de recursos gráficos expressivos como reforço da mensagem impressa.

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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Érico Carneiro Lebedenco

O uso de

recursos gráficos

expressivos como

reforço da mensagem impressa.

Pós-graduação em Tipografia Tipografia: Projeto Editorial

SãoPau lo – 201 2 01 4.02


Artigo desenvolvido para a disciplina Tipografia – Projeto Editorial Profª Maria Helena Werneck Bomeny São Paulo 2014.02


O uso de recursos gráficos expressivos como reforço da mensagem impressa.

A escrita surgiu como uma maneira de se registrar informações e transmitir ideias de um indivíduo para outros de uma mesma sociedade. Os sistemas utilizados são variados e evoluíram substancialmente até se consolidarem com o desenvolvimento da impressão com tipos de metal no século XV, em especial os sistemas com caracteres latinos. Os elementos de expressão existentes na escrita, particulares ao escriba responsável pela reprodução da informação em livros e documentos, foram substituídos pela padronização das formas das letras e suas combinações pré-estabelecidas. O fortalecimento do alfabeto dual (maiúsculas e minúsculas), e posteriormente das combinações tipográficas em famílias, atendiam a necessidade paradoxal de variedade de expressão, porém limitada dentro de um sistema controlado. Muitas dessas variações surgiram por causa de diferenças culturais ou adaptações tecnológicas que atendiam as necessidades existentes. Na sua maioria visando melhorias na compreensão das informações contidas no texto.


Os livros e as revistas se configuraram nos principais veículos de comunicação impressa até o século XX, possuindo um conjunto de características que devem ser respeitados. Para o profissional das artes gráficas algumas destas características são definidas por limitações técnicas existentes ao processo de impressão e outras definidas pelos padrões estético-culturais, as vezes quase dogmáticos. De acordo com Beatrice Warde (1932), a impressão deve ser vista como um veículo, e o que existe de mais importante nela é o fato de que transmite pensamentos, ideias e imagens de uma mente para outras. Warde defende a “transparência” dos tipos e da composição de modo a não interferir na leitura do observador. O excesso de elementos e uma personalidade muito expressiva podem prejudicar a experiência de leitura, tornando-a uma comunicação ineficiente. A impressão exige humildade intelectual, e, por lhes faltar isso, muitas das grandes artes estão até agora patinando em experiências constrangedoras e sentimentaloides. Não existe nada de simples e insípido na realização de uma página clara. A ostentação vulgar é duplamente mais fácil que a disciplina. (WARDE, 1932, p.61)

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A humildade intelectual que Beatrice Ward cita como exigência na impressão faz referência ao trabalho do compositor de textos, artista gráfico ou designer, que são responsáveis em formatar o veículo utilizado na transmissão da mensagem do autor para o leitor. Apenas como intermediários em uma cadeia, fica a restrição de não comprometerem o conteúdo do texto, fazendo com que a mensagem seja compreendida pelo leitor da melhor maneira possível, em fidelidade ao original do autor. Mesmo partindo da premissa de que a importância está no conteúdo do texto, existem movimentos artísti-


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cos que desafiam os limites do texto impresso. Seja em relação as formas das letras ou na diagramação do texto. Os futuristas de 1920 ou os artistas psicodélicos de 1960 abusam na extravagância das letras, exploram a relação entre as formas, pesos, cores, e produzem uma leitura não-linear na qual o leitor é provocado a buscar a informação contida no impresso. Nesses movimentos artísticos, o meio utilizado para comunicar é tão importante quanto o seu conteúdo, fortalecendo a mensagem ou fazendo uma auto-crítica de forma visual. É necessário destacar que na maior parte dos casos essa exploração dos limites entre o meio e a mensagem não se apresenta em material voltado para as massas. As propostas futuristas se limitavam aos círculos praticamente fechados de artistas. Já a psicodelia estava ligada fortemente aos movimentos musicais e se tornou mais “popular” pelos cartazes de shows de rock. Os livros e as revistas têm necessidade de se manterem comercialmente viáveis. Um rompimento muito brusco dos cânones da tipografia e da diagramação de texto clássica, provocam rejeição no leitor. Com o design gráfico tendo raízes nas artes, compreende-se que os materiais desenvolvidos pelos movimentos artísticos, principalmente do início do século XX, servem como material de estudo. E dentro de um ambiente de pesquisa controlado, experimentações como fragmentação da informação, leitura não-linear, processos de impressão como meio de expressão, combinação de cores como carga semântica, entre outras explorações, são incentivadas visando amadurecimento estético-formal do profissional. A experiência é um método emprestado das ciências que consiste na observação de um fenômeno sob condições que o investigador pode controlar. É uma abor-


dagem empírica fundamental à ampliação do conhecimento humano. Dessas experimentações, desenvolvidas em ambiente acadêmico ou de modo pessoal, são transpostas novas soluções gráficas para outros trabalhos ou projetos comerciais. É uma prática que muitos designers mantém constante em suas vidas como uma maneira de ampliar seu repertório de trabalho. A experimentação no design como um método de exploração não necessariamente possui um resultado ou um destino definido. Nem todos os experimentos apresentam resultados “bons”. Na maior parte dos casos, o processo se mostra mais interessante que o resultado final. Até mesmo falhas durante a composição ou a reprodução de determinado trabalho podem gerar alternativas interessantes não previstas pelo profissional. Examinem cuidadosamente as telas e as chapas, observem a rotação dos cilindros de uma impressora, acompanhem o trabalho dos linotipistas, verifiquem até mesmo as primeiras provas que são descartadas, e descobrirão muitas possibilidades novas, e inteiramente gráficas, que ampliarão infinitamente os horizontes da concepção artística.(BRODOVITCH, 1930, p.51)

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Naturalmente, por mais que se tente controlar todas as variáveis possíveis na composição gráfica e impressão, resultados inesperados surgem de combinações improváveis. Porém o design gráfico enquanto método prevê a reprodução. Com isso, o acidente fortuito deve ser sistematizado e incorporado ao processo de trabalho. O design moderno, com suas diretrizes funcionalistas, é o modelo de trabalho mais difundido. Assim os experimentos produzidos dentro de um ambiente controlado são convertidos para se adequarem aos


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postulados funcionalistas. Seguindo a analogia feita por Beatrice Warde em “A Taça de Cristal”, o conteúdo deve ser preservado de qualquer interferência expressiva presente no veículo, evitando assim qualquer prejuízo de informação. Os impressos desenvolvidos com a mentalidade do design moderno possuem características projetuais rígidas que, por consequência intencional, apresentam padrões e estruturas que se repetem sistematicamente. No final do século XX as fórmulas modernas aplicadas indiscriminadamente aos projetos de design desgastaram o potencial existente nessa abordagem gráfica. Jovens profissionais buscavam metodologias ou doutrinas que permitissem maior liberdade criativa. Nesse período, os experimentos desenvolvidos por quem estudava design demonstram ecos das construções não lineares futuristas, as deformidades tipográficas dos cartazes psicodélicos e até mesmo a linguagem visual vernacular. Essas experimentações são incentivadas no ambiente acadêmico, enquanto profissionalmente, de forma paradoxal, a exploração dessa linguagem experimental não é aceitável. Segundo Steven Heller (1993) esse tipo de trabalho exige que o espectador ou leitor aceite formatos não-tradicionais que, na melhor das hipóteses, orientam o olho para uma finalidade específica através de uma série de caminhos não-lineares, e, no pior resultado, em confusão. Mas por trás da aparente confusão e casualidade, muitas vezes se esconde um sistema teórico coeso, com metodologias bem definidas e hierarquia de informação. A princípio, as justaposições de material visual discordante parecem orgânicos, mas na verdade pouco é deixado ao acaso. O resultado é um catálogo de desarmonia no serviço da contemporaneidade, um artefato que já está solidificado em um estilo de design dos anos 1990. Um


estilo que presume que mais é melhor do que menos, a confusão é melhor do que a simplicidade, a fragmentação é mais esperta do que a continuidade e que a feiúra é a sua própria recompensa. (HELLER, 1993).

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Segundo os critérios vigentes até os anos 90, a desarmonia e a fragmentação enquanto linguagem gráfica são vistos em desarranjo com uma comunicação eficiente. Esse tipo de recurso está “errado” ou é “feio”. Servem apenas enquanto estudos em um ambiente isolado para em seguida passarem pelo filtro do design modero. Mas nesse período de efervescência cultural, avanços tecnológicos permitem a manipulação das imagens e letras de forma mais prática, e consequentemente em escala industrial. Graças ao uso do computador para editoração eletrônica e das impressoras digitais, as experiências com resultados mais expressivos podiam ser reproduzidos mais facilmente, sem perder a personalidade do trabalho original. Ao contrário do que se pode imaginar, um dos mais conhecidos postulados funcionalistas continua válido nos projetos de design gráfico mais expressivos. “Forma segue função”. O inusitado em relação aos projetos desenvolvidos nos anos 90 é que o “feio” também comunica, e isso pode ser utilizado como ferramenta para expressar o conteúdo de um texto impresso de forma eficiente aos olhos do observador. Imagens em camadas, elementos vernaculares, reproduções em baixa resolução e combinações de diferentes tipos de uma só vez, desafiam padrões e propõe novos paradigmas na comunicação. A intenção não é mais a complacência em transmitir informação, mas sim chocar o observador. Indiferentemente do gosto estético do leitor, esse é um confronto que não passa desapercebido.


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Feiúra como ferramenta, uma arma, mesmo como um código não é problema quando é resultado da forma seguindo função. Mas a feiúra como sua própria virtude – ou como uma reação instintiva ao status quo – diminui todo o projeto de design.(HELLER, 1993).

Ironicamente essa linguagem pós-moderna sofreu do mesmo mal que se abateu sobre o design moderno. Inevitavelmente, quando os experimentos finalmente ganharam o gosto popular, se tornando presentes em revistas de temas variados, livros e até mesmo anuários corporativos, esse movimento de resgate expressivo se tornou um conjunto de maneirismos reproduzidos indiscriminadamente. Uma linguagem que atualmente é vista como datada, tanto quanto os movimentos aos quais repudiava. A lição deixada pelas experimentações dos designers nos anos 90 é que a comunicação não-linear, interferências gráficas no texto, deformidades, choque visual e expressão pessoal, podem se mostrar comercialmente viáveis, contanto que estejam de acordo com o conteúdo da mensagem criada pelo autor. Produz-se assim diálogos estéticos, tanto com o conteúdo do texto, quanto com os olhos do observador.


Referências WARDE, Beatrice. “A taça de cristal ou a impressão deve ser invisível”. POYNOR, Rick (org.). Textos clássicos do design gráfico. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. BRODOWITCH, Alexey. “O que agrada o homem moderno”. POYNOR, Rick (org.). Textos clássicos do design gráfico. Tradução Fernando Santos. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010. HELLER, Steven. O culto ao Feio. Revista Eye. Nº 9, Vol. 3. 1993. Disponível em: <eyemagazine.com/feature/article/cult-of-the-ugly>. Acesso em: 23 set. 2014.

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