Entrevista para Revista FAAP

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ENTREVISTA

HIPER

CONECTADO EM 20 ANOS DE FAAP, DE ALUNO TÍMIDO A PROFESSOR DA FACULDADE DE COMUNICAÇÃO, ERIC MESSA VEM INOVANDO A FUNDAÇÃO COM SUA PAIXÃO POR EDUCAR E POR SE CONECTAR COM O MERCADO. A PÓS EM COMUNICAÇÃO E MARKETING DIGITAL E O NÚCLEO DE INOVAÇÃO EM MÍDIA DIGITAL – IDEIAS SUAS – SÃO AMOSTRAS DE QUE VEM MUITO MAIS POR AÍ

POR GUILHERME WERNECK FOTOS CLAUS LEHMANN

Em 2013, Eric Messa foi eleito um dos 50 profissionais mais inovadores do mercado de comunicação e marketing digital pela revista ProXXima, publicação anual especializada na área. O curioso é que, entre grandes nomes vindos do mercado publicitário, ele era um dos poucos que não atuavam em agência – seu habitat era a sala de aula. Tímido, mas assertivo, Messa – professor da Faculdade de Comunicação e Marketing desde 2002 e coordenador geral do Núcleo de Inovação em Mídia Digital da FAAP – tem como missão na vida fazer justamente a intersecção entre o ensino e o mercado. Construiu sua reputação não apenas por conta de sua atuação como professor, mas por manter sempre laços estreitos com os profissionais da área, relações cultivadas por meio de sua principal paixão: a comunicação digital. Neto de japoneses de um lado e de italianos e portugueses de outro, Messa, 39 anos, cresceu em um ambiente em que a educação era muito valorizada, principalmente pelo 42

seu avô, imigrante que trabalhou na lavoura de café. Fascinado pelos computadores desde pequeno, ele descobriu no tempo da antiga BBS – a primeira plataforma de comunicação entre PCs, antes da formação da rede mundial de computadores – que o que mais lhe interessava era usar o computador para se comunicar e, por isso, decidiu estudar Comunicação. Entrou no curso de Publicidade na FAAP em 1995 e, no mesmo ano, abriu com a ajuda do pai uma empresa que fazia websites para marcas. “Ela funcionou por dez anos, atravessou inclusive a bolha da internet”, lembra. Apesar do sucesso do negócio, decidiu fechar a empresa por uma razão: queria se dedicar mais à educação. Porém, sua alma de empresário fez com que nunca se afastasse do mundo dos negócios. “Decidi estudar redes sociais, 43


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1 Com cerca de 3 anos, ao lado da irmã, em 1979

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2 Ao lado de alunos, durante o Festival de Criatividade Cannes Lions, na França, em 2011 3 Em 2010, entre as então alunas Nicole Cassiano e Marina Maior. Nicole foi monitora da sua disciplina e hoje trabalha com mídias sociais

mas nunca usei as redes só para falar com amigos. Por meio delas, fui estabelecendo diálogos com profissionais de publicidade.” Essa proximidade ajudou não só a trazer a realidade das agências para as aulas, como a levar o pensamento sobre redes, formulado a quente, de volta ao mercado. Isso se deu não só através de seus contatos, mas também por publicar constantemente – Messa colaborou com o coletivo Update or Die e foi colunista de O Estado de S. Paulo e do jornal especializado Meio&Mensagem. Nesses 20 anos na Fundação, a sua paixão por educação encontrou o seu lugar: além de professor, ele criou o curso de pósgraduação em Comunicação e Marketing Digital em 2013, idealizou e montou o Núcleo de Inovação em Mídia Digital também no mesmo ano e foi o responsável pela implantação de projetos de intersecção com o mercado, como o Mídias Sociais 360o

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– um estudo feito pela FAAP desde 2014 que revela o comportamento das marcas e de seus seguidores nas redes sociais. “Sou cria da FAAP, virei professor por causa dela e posicioná-la mais perto do mercado se tornou minha missão.” Você sonhava em ser professor? A educação sempre foi importante em casa. Meu pai é psicólogo e minha mãe estudou matemática. Meu avô veio do Japão trabalhar em lavoura de café e depois teve uma lavanderia. Sempre teve um senso de ética muito forte e para ele as profissões mais importantes eram a de médico e a de professor. Isso acabou influenciando a minha escolha de certa forma. Foi difícil fechar sua empresa, que ia bem, para se dedicar à carreira acadêmica? Em 2001, fazia mestrado em Semiótica, cuidava da empresa e ainda dava aulas na FAAP à noite. Era um momento crítico, ficou difícil levar tudo ao mesmo tempo. Sabia que ia ter de escolher. Foi a experiência de dar aulas – que começou com 44

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“COMO PROFESSOR, SINTO-ME PRIVILEGIADO DE PODER FAZER EXERCÍCIOS DE REFLEXÃO CRÍTICA EM SALA DE AULA, COLOCANDO EM DISCUSSÃO A PRODUÇÃO DA COMUNICAÇÃO E OS LIMITES ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NO CONTEXTO DA EXPOSIÇÃO NAS REDES SOCIAIS”

monitorias quando ainda era estudante na FAAP – que me levou a fechar a empresa. Analisando a minha vida, vi que estava no mestrado porque amava dar aulas. Como se tornou professor da FAAP? Em 1997, ainda aluno, fiz monitoria com o professor Ronaldo Entler e depois com o professor Rubens Fernandes Junior. Na época me envolvi bastante com o curso e fui responsável pelo primeiro site da FACOM na internet. Um ano e meio após me formar, fui convidado pela professora Maria del Mar, que morava ao lado da minha agência de comunicação digital, para dar aula de Direção de Arte como assistente. Não tinha planejado voltar para a faculdade como professor. Aconteceu naturalmente, achei legal. FOTOS: ARQUIVO PESSOAL

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4 Em fevereiro de 2016, Eric com seu filho, na época com 1 ano

Um dos seus grandes feitos na FAAP foi a criação do Núcleo de Inovação em Mídia Digital. Por que decidiu montá-lo, qual a importância dele? A FAAP me chamou para apresentar um projeto com o propósito de evidenciar melhor

para o mercado a expertise da FAAP na área de comunicação digital. Tínhamos gaps nessa relação, e o primeiro passo foi criar o núcleo. Em novembro de 2013, criamos o primeiro produto, que foi a pós em Marketing Digital, com o foco de mesclar um embasamento teórico com aulas mais perto do mercado. Foi um megainvestimento de tempo e dedicação que teve resultado imediato, pois em março de 2014 começaram as aulas da primeira turma. Fiquei feliz com o resultado. Vemos hoje pouquíssima inovação no modelo de negócios da mídia. Como você vê esse modelo sustentado por anúncios? É o único que existe. Mas não acredito que vá sustentar todos os microcanais que existem hoje, seja um jornal, uma revista ou um blog. O que está claro é que não dá para sustentar empresas tão grandes como eram as de comunicação antigamente, como a editora Abril e o Estadão, por exemplo. Agora, onde vai existir espaço para todos esses profissionais trabalharem? É o modelo da cauda longa mesmo: em45

INOVANDO

SAIBA MAIS SOBRE O PROJETO DE MÍDIAS SOCIAIS CRIADO PELO PROFESSOR

Um dos projetos mais interessantes de Eric Messa e do Núcleo de Inovação em Mídia Digital são os relatórios do Mídias Sociais 360o (http://www.faap. br/ms360faap), feitos em parceria com a empresa de monitoramento de mídias sociais Social Bakers. Os professores da FAAP Adriano Cerullo, Karina Bousso, Rodrigo Parron e Thiago Costa analisam a cada três meses o desempenho de cem marcas no Facebook, no Twitter, no Instagram e no YouTube. O pulo do gato é traduzir em gráficos que criam relacionamento e insights a partir dos dados brutos coletados na plataforma do Social Bakers. “Apesar de ser um material muito interessante para os alunos, meu foco foi o mercado”, conta Messa. “Ao transformar esses dados em um relatório visual, usando professores com habilidades complementares, conseguimos um ótimo resultado. É um produto que deu certo, usado por alunos, profissionais de marketing, publicitários e pela mídia especializada, que traz inovação não apenas para o mercado, mas para a FAAP.”


entrevista

presas menores, de nicho, sustentadas por publicidade também nichada. Como inovar nesta relação entre veículo de comunicação e publicidade? A única coisa que consigo ver – e sei que esbarra em um limite ético difícil de lidar – é que o dinheiro venha mais por meio do branded content [conteúdo criado sob medida para marcas], do patrocínio ou formatando um produto para uma marca. E, se há uma empresa envolvida, vêm todas as questões das amarras do discurso da marca. Ainda assim, se esse discurso for transparente, será válido. Isso é uma revolução para a publicidade, que estava confortável apenas dizendo para as pessoas comprarem determinado produto? A publicidade está se revolucionando por completo, entre aspas, por causa do meio digital e das redes sociais. Digo entre aspas

porque acredito que os meios de comunicação são capazes de interferir no comportamento da sociedade. Se formos pensar na sociedade que vivia o auge da televisão, ela tinha um comportamento diferente da que hoje vive o auge das redes sociais, que obrigam você a interagir. Qualquer aparelho ou interface digital não funciona se você não interagir. Você tem de escolher o que buscar no Google, que filme ver na Netflix. Isso cria uma sociedade muito mais participativa e colaborativa em relação ao consumo de informação. Isso irradia para outros meios? Claro. Interfere na linguagem na TV, por exemplo, que tem de buscar ser mais colaborativa e participativa. A publicidade viu

tOP five

o professor seleciona os cinco livros mais importantes da atualidade CULTURA DA CONEXÃO_ de Henry Jenkins, Joshua Green, Sam Ford (editora Aleph): discorre sobre o futuro da circulação de conteúdo com os meios digitais. GADGET – VOCÊ NÃO É UM APLICATIVO_ de Jaron Lanier

(editora Saraiva): a obra defende uma tecnologia mais humanista.

MCLUHAN POR MCLUHAN_ de Stephanie McLuhan e David Staines (editora Nova Fronteira): reúne entrevistas e conferências do principal pensador da globalização.

fotos: Divulgação

traz um balanço dos aspectos tecnológicos, estéticos e socioculturais da produção atual e dos usos dos meios de comunicação.

CULTURA E ARTES DO PÓS-HUMANO_ de Lucia Santaella

(editora Paulus): analisa o surgimento da cultura digital, substituindo a cultura de massas.

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FOTO: CLAUS LEHMANN

A MIGRAÇÃO DIGITAL_ de Lorenzo Vilches (editora Loyola):

“QUALQUER APARELHO OU INTERFACE DIGITAL NÃO FUNCIONA SE VOCÊ NÃO INTERAGIR. VOCÊ TEM DE ESCOLHER O QUE BUSCAR NO GOOGLE, QUE FILME VER NA NETFLIX. ISSO CRIA UMA SOCIEDADE MUITO MAIS PARTICIPATIVA E COLABORATIVA EM RELAÇÃO AO CONSUMO DE INFORMAÇÃO”

isso acontecer também. A comunicação da marca sempre foi unidirecional. Era ela falando: “Compre o meu produto”. Mas esse consumidor mais participativo e colaborativo não aceita isso. Uma tendência é que as pessoas busquem hoje mais experiências, o que faz com que o mundo off-line e on-line se combinem, não? Essa ponte entre on e off é o que atrai as pessoas, que já entendem que não são dois mundos separados. A propaganda não pode estar apenas no meio da timeline da pessoa, ela tem de interferir positivamente no cotidiano das pessoas. Aí eu vou olhar pra ela. O seriado Dallas, para lançar a temporada do ano passado, fez um vídeo no YouTube com um personagem dizendo que queria quebrar o mercado e que seus postos iam vender gasolina pela metade do preço. No 47

dia seguinte em Nova York tinha o posto do seriado vendendo gasolina pela metade do preço. Fez fila, as pessoas gravaram, compartilharam e ali estava a mensagem para assistir ao novo episódio (leia mais no box na página 49). Isso é estar inserido no cotidiano. A saída é vender a experiência relacionada ao contexto da pessoa. A gente vive um momento muito delicado do país, com as opiniões muito inflamadas. Acredita que a lógica da timeline acaba criando mais campo para a intolerância? Sim, completamente. Mas vejo isso no sentido de um processo de adaptação a esse meio novo. Passamos da fase em que a pessoa era demitida por xingar o chefe no Twitter, mas estamos numa época em que poucas pessoas percebem-se no meio dessa bolha criada pela timeline. As pessoas não percebem que cada


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rede da qual ela participa, como Facebook e Instagram, é apenas uma microrrede desse grande universo que é hoje a mídia digital, que inclui muitos outros canais e é muito maior do que o que aparece em sua própria timeline. Como professor, sinto-me privilegiado de poder fazer exercícios de reflexão crítica em sala de aula, provocando os alunos sobre essa questão de eles estarem inseridos apenas numa microrrede, colocando em discussão a produção da comunicação e os limites entre público e privado no contexto da exposição nas redes sociais. Como você pensa a questão da exposição, já que para as novas gerações privacidade é bem mais maleável? Nessa era da exposição, a gente está construindo uma coisa nova que eu chamo de panóptico social. O termo panóptico vem dos modelos construídos para vigiar uma sociedade. Vários filósofos já construíram essa ideia de que estamos sempre sendo observados – e o último foi o [Zygmund] Bauman, usando o termo pós-panóptico para falar do digital. O governo continua a vigiar, mas não é através de câmera, é por meio de dados – o e-mail que o governo americano lê da Dilma, por exemplo. Em paralelo, tem o panóptico social. Não existe mais apenas um governo que vigia, a própria sociedade está se autovigiando. As redes sociais montaram uma lógica em que a primeira página não é mais o seu perfil, como era no Orkut, mas as publicações dos outros. Passar o dia todo vigiando as pessoas dá a abertura para você achar que pode criticá-las. A era da intolerância nasce aí. Ao passar o dia dizendo gostei e não gostei, chega-se ao ponto de achar que determinada pessoa não pode publicar determinada coisa na “sua” timeline, quando a timeline, no fundo, não é dela. Você estuda redes, que são mutáveis, muito rápidas e imediatas. Como traduzir essa realidade para o aluno e como 48

produzir conhecimento sobre isso? O meu olhar vem do ponto de vista semiótico, da minha linha de pesquisa. Quando uma coisa chega no seu auge ela já se transformou. Para mim, se renovar é amadurecer. Desde que surgiram as redes sociais, resolvi estudá-las e entendi que não poderia fazer isso com o olhar distanciado. Não dá para usar todas, mas crio perfis nas principais (como Facebook e Twitter) e começo a inseri-las no meu cotidiano, para perceber suas dinâmicas e aí levar para o universo das marcas. Às vezes até tem momentos embaraçosos. Quando surgiu o Tinder, criei uma conta para ver como era e tive que negociar o uso com a minha esposa [risos].

O MELHOR DA PUBLICIDADE

AS CAMPANHAS MAIS INTERESSANTES DOS ÚLTIMOS TEMPOS, SEGUNDO ARTIGO PUBLICADO POR ERIC MESSA CAMPANHA DE LEITE ALEMÃ

Em 2011, o Leão de Prata de Titanium e Integrated do Festival de Cannes Lions foi para uma campanha alemã que lançou uma marca de leite exclusivamente para promover a temporada de apresentação da orquestra sinfônica do Dortmund’s Concert Hall. A temporada conseguiu o maior retorno financeiro da história do Dortmund’s Concert Hall.

Você se considera num momento de mudança pessoal? Fiz muitas coisas na vida, mas nos últimos quatro anos fiz muitas coisas marcantes. Casei em 2012, meu primeiro filho nasceu em 2015, agora em maio chegou o segundo filho e em agosto completarei 40 anos, uma idade emblemática. Esse mesmo período também foi importante para mim profissionalmente, pois implementei a área de mídias sociais dentro do departamento de marketing da FAAP, idealizei o Núcleo de Inovação em Mídia Digital, o curso de pós em Comunicação e Marketing Digital e lancei o projeto Mídias Sociais 360o, que desde 2014 publica relatórios trimestralmente. O casamento transformou você? Casei tarde, mas no momento certo, pois encontrei a pessoa certa. Sempre fui muito racional, sempre coloquei metas na vida e achava que casamento era assim também. Minha esposa trouxe para mim o lado emocional e eu consegui ver o casamento como essa coisa de filme romântico. Logo que comecei a namorar veio essa impressão de que dava para a gente ficar juntos para o resto da vida. Nunca tinha sentido isso antes.

NETFLIX

A Netflix criou um produto que oferece um benefício valioso aos seus consumidores. Trata-se de uma meia que detecta o momento em que você começa a dormir enquanto assiste à televisão e, nesse instante, a meia emite um comando que pausa a transmissão do conteúdo para você não perder nenhum momento do que estava assistindo. TNT – DALLAS

Já a TNT, para comunicar a nova temporada do seriado Dallas, inseriu por um dia no cotidiano dos moradores de Nova York um posto de gasolina (com a marca do seriado), que vendia gasolina por um preço bem abaixo do mercado. PORTO SEGURO

Criada em 2009, a campanha Trânsito+gentil já passou por diversas fases, sempre focadas em oferecer informação e serviços aos motoristas em prol de um aumento da segurança no trânsito, pois obviamente a diminuição de acidentes é extremamente vantajosa para a empresa.

FOTOS: REPRODUÇÃO

“A PROPAGANDA NÃO PODE ESTAR APENAS NO MEIO DA TIMELINE DA PESSOA, ELA TEM DE INTERFERIR POSITIVAMENTE NO COTIDIANO DAS PESSOAS. AÍ EU VOU OLHAR PRA ELA”

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