ENS - Carta Mensal 438 - Setembro/2009

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"Casal cristĂŁo, fecundidad e evangĂŠlica:'

Lema: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor:' Js14, 1S

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Equipes de Nossa Senhora

EDITOR IAL

Casa l, célula de evangelização,

Dél Carta Mensal .. .... ....... .. .... .. ..... .. 01

Mariola E Elizeu Calsing ........... .. ... 39 A Mensagem de Henri Caffarel

SUPER- REGIÃO A Palavra de Deus nas ENS .... ...... .. 02 Serviço, tempo de crescimento no amor ... ... .. ............ 03 Reunião de equipe, local de encontro com O Ressuscitado ............. .... ... .... .. ... . 04

VI DA NO MOVIMENTO Mensagem do Papa .... .... ............ .. . 06 Segundo Encontro

para as ENS do Brasil,

Pe. Flávio Cavalca de Castro .... .. .... 47 Casal cristão, dom de Deus para os filhos, O. Tarcisio

Nascentes dos Santos .......... ........ .. 56 Casa l crist ão : dom de Deus para os f ilhos,

Silvia e Chico ....... .... ............ ..... .... .. 61 Pai e mãe, dom para os filhos,

Maristela e Mareio ...... ........... ........ 7 3

Nacional das ENS ...... ........ ... ...... .... 07

Entrega da pedra na Catedral ,

Abertura do Encontro .. .. .... .. ..... .... 08

Dom Murilo S.R. Krieger .. ....... ..... . 79

Mensagem do Núncio Apostólico,

Casal cristão: ide e evangelizai,

Dom Lorenzo Baldisseri .... ........ ..... 13

Dom Dimas Lara Barbosa ..... .. .. .... . 80

Casal cristão, célula de evangelização,

"Casais, ide e evangelizai!",

Padre Angelo Epis ....... ... .... ............ 18

Pe. Frei Avelino Pertile ........... ...... . 86

Casal cristão, célula de evangelização,

Mensagem final da Super-Região,

Cario e Maria Carla Volpini ..... ..... . 23

Graça e Roberto Rocha .... ..... ...... ... 93

Carta Mensal é uma publicação mensal das Equipes de Nossa Senhora Registro "Lei de Imprensa" n• 219.336 IJvro B de 09.10.2002

I

Avani e Carlos Clélia e Domingos Sola e Sergio

Pe. Geraldo Luiz B. Hackmann

Equipe da Carta Mensal

Jornalista Responsável: Catherine E. Nadas (mtb 19835)

Graciete e Gambtm (responsáveis)

Projeto Gráfico: Alessandra Carignant

Edição:

Editoração Eletrõnica e Produção Gráfica: Nova Bandeira Prod. Ed. R. Turiassu, 390 • 11° andar, cj. 115 • Perdizes- São Paulo Fone: (Oxx11) 3473.1282 Foto de capa: arquivo Nova Bandeira Impressão: Prol Tiragem desta edição: 22.400 exemplares

Cartas, colaborações. noti-

cias, testemunhos e 1magens

devem ser enviadas para:

Carta Mensal R. Luis Coelho, 308

5° andar • conJ. 53 01309-902 • São Paulo· SP Fone: (Oxx11) 3256.1212 Fax: (Oxx11) 3257.3599 cartamensal@ens.org.br

AJC Gracicte e Gambtm


A Carta Mensal é definida primeiramente como "um veículo de Comunicação da Super-Região" . Um meio para levar aos irmãos as comunicações da Super-Região e orientações do Movimento às equipes e aos equipistas e ser ressonância da busca da santidade acontecendo nos casais do nosso Brasil. Ao findar seu tempo de serviço, esta Equipe da Carta Mensal agradece a Deus as luzes do Espírito Santo que atuaram sobre suas limitações, no esforço de manter a Carta Mensal fiel a Deus e ao Movimento, para o bem dos casais. Agradece a Deus pelos irmãos que contribuíram com seus artigos para a edificação dos leitores. À bondade divina cabe avaliar e recompensar a contribuição de cada um, quem teve artigos publicados e aqueles cujos textos não foram aproveitados. Que Deus abençoe também as pessoas da Editora e da agência dos Correios, que fizeram com amor os serviços contratados para a Carta Mensal. Há cinco anos, anunciava-se um sotaque gaúcho na Carta Mensal, mas esta Equipe se esforçou para que nela repercutissem todos os CM 438

sons e acentos dos brasileiros. Nos próximos cinco anos , Zezinha e Jailson, de Recife/PE, com as bênçãos de Deus e a proteção da Mãe Maria e com os "sotaques" que o Espírito lhes inspirar, continuarão este serviço, distribuindo pelo Brasil inteiro "a seiva do Movimento", formando e fortalecendo a unidade de todos nós em torno dos princípios fundadores das Equipes, em unidade com a Igreja e na fidelidade à Palavra de Deus. Esta é uma edição especial, quase totalmente dedicada ao 2° Encontro Nacional realizado em Florianópolis. São riquíssimas conferências, homilias, testemunhos e mensagens para a nossa vida de cônjuges e de pais, nós que desejamos ser "casa" que serve o Senhor. Quem não esteve presente poderá saboreá-los e quem os escutou recuperará a memória deles, todos aprofundando-se nos seus conteúdos, pois, se no Encontro congraçamo-nos em fraterna unidade, os frutos dele serão produzidos ao longo de nossas vidas. Que Deus abençoe a todos. A Equipe da Carta Mensal


A PALAVRA DE DEUS NAS ENS Caríssimos! Neste último editorial, quero chegar ao coração de cada casal das ENS pelo caminho de duas parábolas: "Eis que o semeador saiu a semear". "Uma parte da semente caiu à beira do caminho/ .. ./, outra, em terreno pedregoso/ .. ./, outra, entre espinhos/ .../ e outra, em terra boa". O Divino Semeador, diariamente passa pelo campo do coração equipista, na hora da Escuta da Palavra. Como espero eu por este momento? Fico eu à sua espera, aguardando o momento de sua chegada? Fico eu atento e ao seu lado, quando me fala na Escuta da Palavra, guardando-a no coração ou, deixo-a jogada dentro de mim, sem saber que fazer dela? O Divino Semeador espalha a semente da palavra, derrama a chuva e aquece o coração com o seu Espírito, para que produza frutos em abundância. Deus quer abundância! Mas, nem a chuva e nem o calor aquecem e fecundam o coração sem ascese e sem oração. Não basta estar com Deus em oração; é necessário purificar o coração. Pensamos o suficiente sobre a ascese? A razão pela qual produz pouco fruto talvez não seja nem a falta de escutar e nem a falta de oração, mas a falta de ascese. A Palavra para nascer e frutificar precisa terreno limpo. Ainda que o tempo dedicado à Escuta da Palavra seja breve , ao chegar ao fim do mês alguma transformação deverá acontecer. Se não 2

há mudança de vida , podemos questionar todos os PCE. O crescimento das ENS no Brasil mostrou como é verdadeira a parábola do grão de mostarda. A pequena semente, o casal Moncau, tornou-se uma grande árvore, cobrindo quase todo o solo brasileiro. Encontrou um terreno preparado e deu frutos. Mas esta árvore poderá tornar-se estéril. Não queremos alargar os horizontes ocupando espaços, fazendo da quantidade uma glória. É hora de colocar o fermento ou o adubo para que o número cresça por estas forças e conquiste os espaços pelo sabor dos seus frutos . A árvore já é gigantesca, mas o solo, os casais equipistas, podem empobrecer-se . A fecundidade vem pelos canais interiores e secretos, vem de fora, vem do Alto. Um Deus, um Jesus Cristo buscado com ardor pela vivência profunda da espiritualidade conjugal é o fermento. Chega de árvores sem frutos ocupando espaço. O mesmo Jesus não tolerou a figueira que só tinha folhas e deu um limite de tempo. As ENS não são árvores de enfeite , mas destinadas a produzir frutos, atraentes pelo sabor do Evangelho. Casais das ENS, transformai vossa vida em Evangelho vivo! Esta é a missão das ENS tão desejada pela Igreja hoje .• Pe. Frei Avelino Pertile - SCE/SR CM 42?


SERVIÇO, TEMPO DE CRESCIMENTO NO AMOR Amados irmãos: Este é o último artigo que escrevemos no exercício da responsabilidade pela Super-Região Brasil. Nele trataremos de alguns aspectos do Serviço que foram relevantes para nós. Os cinco anos dessa responsabilidade passaram num piscar de olhos. Resta-nos manifestar nossa gratidão a Deus pela oportunidade que tivemos de servir, pelas pessoas que conhecemos, pelos momentos de convívio fraterno que experimentamos, pelas famílias que nos acolheram, pela multidão de equipistas que rezaram por nós, pelo Brasil que descobrimos, enfim, pelo que aprendemos e pudemos oferecer de nós mesmos nesse tempo. Quando entramos nas ENS (1984) , falava-se muito que, ao servir, ganhávamos mais do que dávamos. Custou-nos compreender e realizar essa "contabilidade". Quem ganha, perde! Quem perde, ganha! Como seria possível "ganhar" se, servir era amar incondicionalmente , sem nada querer em troca? Aquele que acha a sua vida, a perderá, mas quem perder sua vida por causa de mim a achará. (Mt 10, 39) Hoje, levamos a marca do poder que o serviço ao amor tem de transformar a vida das pessoas. Diz o Padre Caffarel, só quem ousa crer em Deus aprende a maravilhar-se com a misericórdia que brota do Seu coração generoso. Só quem ama crê

que não há vida cristã sem serviço. O serviço aproxima de Jesus e nos torna parecidos com Ele. Servir é fazer-se dom para os outros. É também oportunidade para amar mais e para alargar o coração. Para o cônjuge e para os outros. Sentimos o profundo valor atribuído à escolha e à unção à responsabilidade como sinal e fruto da fidelidade com que se deve exercêla. Em todos os lugares, experimentamos a capacidade imensa dos equipistas em acolher-nos, pois assim acolhiam a mensagem de amor proposta pelo Movimento. A presença maciça nos eventos, a abertura da casa, o convívio familiar, o carinho, a oração .. . Dívida humanamente impagável, mas recompensada por Jesus que assegura a sua presença na missão dos discípulos missionários: Quem vos recebe, a mim recebe, e quem me recebe, recebe o que me enviou. (Mt 1 O, 40) Levamos dessa experiência , como herança, uma maior conscientização do valor dessa obra maravilhosa do Padre Caffarel, que são as Equipes de Nossa Senhora, do seu desejo profundo de nos conduzir para Deus, do seu empenho em ajudar-nos a percorrer os caminhos do amor conjugal e de mostrar-nos que o casamento é caminho para Deus. Que a nossa Santa Mãe Aparecida continue a guiar os nossos passos para Jesus! Graça e Roberto, CRSR


PAlAVRA DO PROVINC IAL

REUNIÃO DE EQUIPE, LOCAL DE ENCONTRO COM O RESSUSCITADO As Equipes de Nossa Senhora não são fruto de uma boa ideia, são uma inspiração de Deus , a reunião de discípulos de Jesus Cristo, cônjuges cristãos que, em nome de seu divino Mestre, pretendem transformar pelo amor e caridade fraterna o mundo marcado pelo pecado. Na nova aurora que surgiu no jardim da Igreja pós-Vaticano II, o Espírito de Deus encontrou espaço fecundo no coração de Padre Caffarel. Este, atento aos sinais dos tempos e à moção do Ruah de Deus, deixa-se por ele guiar e funda um dos mais belos instrumentos de ajuda mútua para as famílias, em nossos tempos, as ENS. Estes núcleos que se agrupam em célula setorial, regional, nacional e internacional estão qual ramo enxertado na videira. A videira que é Cristo, a videira que é seu corpo místico, a Igreja. O segredo da fecundidade dessas comunidades familiares é o amor, a caridade fraterna. Se este acaba, com ele se esvai a esperança de conversão e de mudança do mundo. É esse amor que deve nortear cada equipe e em cada uma deve estar presente desde sua criação. Muitos são os pontos que po4

dem unir as pessoas e dar sentido a seus relacionamentos, como trabalho, afinidades, parentesco, simpatias etc. Agora existe um elã que torna diferente o convívio entre as pessoas. Esse ponto comum a que nos referimos é o amor a Jesus Cristo. Quando pessoas se reúnem e têm em consenso essa prioridade em suas vidas, a qualidade das relações interpessoais vai sendo enriquecida como produto do amor que eles buscam plenificar em suas vidas É esse amor que as famílias pósmodernas precisam experimentar. O amor que torna possível a liberdade, que solidifica as relações, que faz esquecer-se de si em favor do crescimento do outro. O amor que é qual chama viva a arder sem consumirse, e que devora ao mesmo tempo o egoísmo, a altivez e o orgulho. CM 438


Os casais de uma equipe de Nossa Senhora se reúnem em nome de Cristo e não em nome de seus interesses ou de outros quaisquer. É justamente Cristo que potencializa esse encontro e o faz fecundo, uma fonte de evangelização de outros casais , outras famílias . O movimento das ENS não é uma sociedade de pessoas extraordinárias, é uma associação de discípulos de Jesus Cristo, pessoas que buscam com simplicidade o essencial. Uma equipe sem amor não faz sentido, e nela tudo será obscuro, tudo fica daninho. Ao contrário, é o êxito na caridade que se deve buscar, mais do que qualquer título ou empreendimento. O amor deve se levantar vitorioso em cada equipe, assim como na vida pessoal, do casal e da família dos equipistas. Os pequenos grupos possibilitam uma melhor relação entre os casais, bem como o exercício da entreajuda, marca das Equipes . Nessas pequenas comunidades, a dinâmica do amor-caridade encontra um ninho adequado para o florescimento dos frutos que alimentam a Igreja e a humanidade. As reuniões das equipes não são meros encontros. Existe uma realidade sobrenatural por trás de cada encontro. É o Espírito Santo enviado por Jesus Cristo a força que congrega numa pequena igreja os casais e SCE. O Espírito que fazia Cristo presente na primitiva comunidade cristã é o mesmo que anima o Movimento. Em cada reunião, Jesus ressusCM 438

citado apresenta-se vivo e glorioso, como fez com os apóstolos quando estes estavam no cenáculo, trancados por medo dos judeus. Mesmo as portas estando cerradas, Jesus ressuscitado entra e apresenta as marcas da paixão em suas mãos, pés e lado. Em cada reunião, todo equipista pode experimentar o poder do Ressuscitado. Ele confere a Paz, derrama seu Espírito, confirma a Igreja e faz o envio de cada um para anunciar aquilo que experimentaram. Por isso, cada reunião de equipe deve empreender um esforço para encontrar Jesus Cristo, fora disso corre-se o risco de trair a inspiração original dada a seu fundador. As conseqüências do afastamento da inspiração inicial são terríveis , sendo a primeira delas a perda da identidade. Encontrar Jesus é antes de tudo pôr-se à escuta Dele. Mas escutar no sentido bíblico, com o coração de discípulo, aquele que arde enquanto fala o seu Mestre. O fruto dessa escuta é a busca por uma sincera conversão, a metanoia. Itens indispensáveis em cada reunião são a oração e a entreajuda, duas realidades profundamente cristãs. A oração é a mola propulsora de toda e qualquer ação. Fora disso, a ineficácia dos frutos ou mesmo a ausência destes é inevitável. Cada casal é assim, além de discípulo, apóstolo de nosso Senhor e leva adiante a inspiração inicial dada a Padre Caffarel. Eneida e Áluaro CR Prouíncia Nordeste 5


SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI

tendo sabido que as Equipes de Nossa Senhora do Brasil vão celebrar o II Encontro Nacional nos dias 16 a 19 de julho de 2009, deseja exprimir-lhes Seu vivo apreço pelo braseiro de luz divina e calor humano que o Movimento conseguiu, ao longo destes anos, avivar- ou mesmo reacender- em inúmeros casais, reforçando sua convicção ncs valores da família e do lar cristão sobretudo através duma regular revisão e partilha de vida conjugal e da entreajuda fraterna dos associados. Estreitando num abraço paterno os mais de vinte mil integrantes existentes nessa amada nação. o Sumo Pontífice sobre todos implora o fogo do Espírito Santo para que, reproduzindo as virtudes do Lar de Nazaré, tornem-se renovado fermento cristão na sociedade incrementando nela o sacramento do Matrimônio como fonte de harmonia e santificação do lar. Com estes votos que çonfia ao Céu pela mediação de Nossa Senhora sob cujo manto se acolheram e reúnem, o Santo Padre concede aos membros do Movimento e a sua direção, como penhor de abundantes favores divinos para suas pessoas e familiares, seus assistentes espirituais e demais colaboradores, uma especial Bênção Apostólica. Vaticano, 25 de maio de 2009. .a.

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Substituto da Secretaria de Estado de Sua Santidade

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SEGUNDO ENCONTRO NACIONAL DAS ENS FLORIANÓPOLIS • 16 A 19 DE JULHO DE 2009 Mais de cinco mil pessoas, entre casais, Sacerdotes Conselheiros Espirituais - entre eles bispos - e Acompanhadores Espirituais das Equipes de Nossa Senhora e Convidados, participaram do 2° Encontro Nacional das ENS do Brasil, desde a tarde/noite de 16 de julho até as 14 horas do dia 19 de julho de 2009. Foi um grande momento de fraternidade, de fortalecimento da unidade do Movimento, de celebração e de aprendizado. Apesar de ser uma edição especial, este número da Carta não poderá contar tudo sobre o que foi vivenciado no Encontro. Nesta, serão transcritas as comunicações oficiais, deixando para outras edições comentários e apreciações.

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ABERTURA DO ENCONTRO Graça e Santos Roberto Rocha, CR SR Brasil 16 de julho de 2009

Amados irmãos das Equipes de Nossa Senhora: A vós todos, convocados por Deus para receber neste 2° Encontro Nacional um grande sopro do Espírito; a vós todos, convidados a vos aprofundar no convívio fraterno, no sentido de pertença às Equipes de Nossa Senhora e a ampliar o senso de brasilidade que a expansão do Movimento permite hoje experimentar; a vós todos que, confiantes nas orientações de Lourdes 2006, testemunhais a felicidade que brota do amor vivido no matrimónio; a vós todos, comprometidos com a difusão da espiritualidade 8

conjugal e do sacramento do Matrimónio às novas gerações, a graça e a paz de Deus nosso Pai e do nosso Senhor Jesus Cristo! Desejamos partilhar convosco a alegria que sentimos ao longo dos dois últimos anos ao acompanharmos o empenho realizado para marcar presença neste 2° Encontro Nacional em Florianópolis. Manifestamos o nosso agradecimento por confiarem no desafio assumido pela Equipe da SuperRegião e por acreditarem na seriedade, no compromisso e na abertura de coração das equipes de trabalho, especialmente dos equipisC:M 438


tas de Santa Catarina que, juntamente com o povo florianopolitano, se dispuseram a acolher a realização deste 2° Encontro Nacional. Alegra-nos ver tantos equipistas (casais, viúvos e viúvas, conselheiros espirituais) de todos os recantos do País, deixando para trás o conforto dos lares, superando as barreiras das distâncias, das viagens, do clima, do recurso financeiro, para investir tempo em participar deste momento de ação de graças a Deus por reconhecê-Lo como fonte do amor e todo o bem . Deus seja louvado por contarmos aqui com a presença de mais de 5.000 equipistas trazendo-nos a riqueza dos diferentes matizes culturais que caracterizam as 25 unidades da federação onde existem Equipes de Nossa Senhora hoje. Essa diversidade que trazem é a expressão visível da fecundidade nascida da difusão da mensagem do Pe Henri Caffarel , quanto à grandiosidade e à beleza da vocação ao matrimônio, quanto ao chamado do casal à santidade e quanto à importância da espiritualidade conjugal na formação dos cônjuges e da família . Quando a Equipe da Super-Região elegeu o texto do livro de Josué "Eu e minha casa serviremos ao Senhor" (Js 24,15) como lema deste 2° Encontro Nacional , o fez centrada no grande tesouro que é a família brasileira, em especial daquelas famUias fragilizadas pela cultura do consumo e pelo afastamento dos valores cristãos; o fez pensando em tantos casais que perderam

o brilho do olhar por não crerem mais no amor e por terem perdido a consciência do seu papel na construção da sociedade do amanhã. Esta escolha também foi centrada na importância do testemunho dado por Josué, em seu nome e em nome de toda a sua descendência, na grande Assembléia de Siquém. Depois de reunir todas as tribos de Israel, seus anciãos, seus chefes, seus juízes e seus escribas e, depois que todos se colocaram na presença do Senhor, Josué narra a ação de Deus na caminhada feita desde a saída do Egito até a entrega, como herança, da terra que Deus havia prometido a seus pais, e incita a todos a servir ao Senhor na perfeição e fidelidade (cf. Js 24,14). "Quanto a mim e a minha casa, diz ele, serviremos ao Senhor". Esta narração notável realça a solicitude exigente e a fidelidade de Deus para com o Seu povo eleito e revigora no nosso coração a certeza-esperança da presença benevolente da mão de Deus em todos os acontecimentos que ocorrem em nosso lar e em nossas vidas. Por isso, nos reunimos em Brasília em 2003! Por isso estamos aqui, dando o segundo passo das Equipes de Nossa Senhora rumo ao desejo de promover a cada seis anos uma grande "assembléia" de equipistas do Sul e do Norte, do Leste e do Oeste e de todo o Brasil. Ainda pouco sabemos das maravilhosas experiências vividas pelos milhares de equipistas que foram instrumentos de Deus na orientação e concretização da nossa caminha-


da. Ainda necessitamos discernir um pouco mais sobre o mistério da conduta providencial dos iniciadores das ENS no Brasil, Nancy e Pedro Moncau, a quem o Senhor preparou durante 14 anos de espera e de buscas até dar-lhes a resposta que desejavam, através de correspondência que mantiveram com o Pe. Caffarel em Paris. Ainda pouco conhecemos do nascimento da nossa 1a Equipe, da expansão do Movimento pelo interior de São Paulo e por outros Estados do País até nossos dias. O Encontro é oportunidade de partilharmos essa rica e diversificada experiência vivida no seio da Equipe, do Setor, da Região e da Província. Florianópolis é o lugar do Encontro. Cidade privilegiada pela posição geográfica (como Siquém). Nasceu predestinada a ser cartão postal da obra generosa do Criador, visível a olho nu na beleza dos seus recursos naturais. Foi a primeira cidade fora do Estado de São Paulo a acolher um Setor das ENS e teve uma inegável importância na expansão do Movimento para o Sul do País. Cremos que o desígnio de Deus nos conduziu até ela pela presença harmoniosa do Seu amor no coração fervoroso de sua gente simples, alegre, acolhedora e hospitaleira. O mesmo encantamento que sentimos ao aqui chegar foi experimentado pelo Padre Caffarel em 1972. Ele registrou isso nos anais do Movimento, publicando o editorial intitulado "Regressando do Brasil", no qual relata uma experiência vibrante vivida no seio da famuia equipista que o hospedou nesta cidade.

Digna de nota é a conclusão do Padre Caffarel a respeito deste episódio, referindo-se ao testemunho de fé presenciado na relação de pais e filhos naquele lar. Ele conclui, dizendo: "A oposição de gerações não é irreconciliável. Acho que é possível fazer muita coisa, que é necessário fazer muita coisa. Encontrei os nossos amigos brasileiros muito atentos a isso."


Mensagem atualíssima para nós que buscamos ser fecundos portadores da Boa Nova aos casais e famílias do nosso tempo, que oferecemos a nossa vida como dom aos nossos filhos e queremos ser testemunhas da esperança que habita em nosso corações. Fazemos aqui um parêntese para dizer-lhes que este editorial consta no livro Henri Caffarel, cen-

telhas de sua mensagem (incluído na sacola deste Encontro). O direito de publicá-lo em Português, uma vez que o original fora editado em Espanhol pelas ENS da Colômbia, nos foi gentilmente cedido por Clarita e Edgardo Berna!, Casal Responsável pela Super-Região Hispano-América, aqui presentes. Clarita e Edgardo, alegra-nos podermos acolhê-los neste Encon-


tro, na certeza de que a sua estada entre nós permitirá que continuemos aprofundando os laços fraternos cultivados desde os primórdios do Movimento na Colômbia e no Brasil. Sejam bem-vindos! Quando o Pe. Caffarel esteve em Florianópolis, existiam no Brasil cerca de 350 equipes. Hoje somos uma rede formada por mais de 3.040 equipes espalhadas em aproximadamente 500 municípios brasileiros (Dados de Jan 2009) . A expansão tornou visível a fecundidade e isso leva-nos a crer que somos um ramo vivo não só das ENS, mas da Igreja, pois sabemos que um ramo só produz frutos quando, ligado à videira, corresponde à vida que lhe foi comunicada. Já em 1960, Pe Caffarel dissera numa carta dirigida a Nancy e Pedro Moncau "creio que o desenvolvimento do Movimento no Brasil só é possível explicar por uma ação do Senhor. Mas, ao mesmo tempo, não posso deixar de pensar que ele encontrou em vocês um instrumento particularmente dócil e preparado por sua graça". O Brasil e o mundo necessitam de casais santos, que olhem para o futuro, tranquilos por saberem que o seu ministério implica fazer da própria vida dom para o cônjuge e para os filhos. Necessitamos de casais que saibam que esse compromisso é ponto de partida para viver em todas as dimensões da vida o amor leal como único mandamento. Esse é o desafio que nos será apresentado com o tema Casal cristão, fecundidade evangélica.

Por fim , para bem valorizarmos a importância da internacionalidade e consolidarmos o nosso desejo de comunhão e de unidade, podemos contar hoje aqui com a presença do CR pelas Equipes de Nossa Senhora no mundo e o seu Sacerdote Conselheiro Espiritual. Prezados Maria Carla e Cario, caro Padre Angelo Epis: O Encontro de Rorianópolis é a oportunidade única que tivemos para mostrar-lhes a "cara" da Super-Região Brasil, para mostrar-lhes a vitalidade da nossa caminhada, a nossa fidelidade ao Movimento e também para lhes oferecer o calor da nossa acolhida e da nossa amizade. Gostaríamos de lembrar algo que nos marcou profundamente na sua posse, em Lourdes 2006: o primeiro compromisso da responsabilidade: Servir o Movimento na pessoa de todos os que dele fazem parte, estabelecendo uma rede de relações, feitas de palavras e olhares que nos permitam sermos fecundos na marcha de amor que o Senhor quer para nós. O tema deste Encontro - Casal cristão, fecundidade evangélica - é uma resposta a este apelo. Convoca todos os equipistas brasileiros para fazerem ressoar no País inteiro a mensagem profética do Padre Caffarel de que o amor conjugal é caminho de crescimento, de perfeição e de santidade para o casal cristão. Desejamos que os olhares destes 5.000 equipistas, que representam o olhar de amor de outros 37.000 que aqui não puderam estar, possam fazer parte da rede de olhaCM 438


res que vocês sonharam construir e que possamos fazer deste momento um sinal da comunhão que necessitamos para caminharmos unidos no amor. Sejam bem-vindos! Por fim , somos profundamente gratos a Deus por todos vocês, por acreditarem que o fruto sempre é expressão do amor sem medidas e da morte do grão de trigo e, ainda, por crerem na importância de suas

presenças como resposta a um apelo de Deus que quer contar com cada um para concretizar o projeto das Equipes de Nossa Senhora, que quer ajudar os casais a descobrir e a viver todas as dimensões do sacramento do Matrimónio em fidelidade aos ensinamentos da Igreja . (Art. 3° dos Estatutos Canônicos). Tenham todos um ótimo Encontro e sejam felizes!

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MENSAGEM DO NÚNCIO APOSTÓLICO Dom Lorenzo Baldisseri Homilia • 16 de julho de 2009

Com alegria venho hoje a Florianópolis para presidir esta Celebração Litúrgica, na abertura do 2° Encontro Nacional das Equipes de Nossa Senhora, do qual participam representantes do Brasil, convidados especiais de outros paises, autoridades eclesiásticas, civis e militares. Quero saudar todos os presen-

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tes, em particular o Arcebispo de Florianópolis, Dom Murilo Krieger e os outros Arcebispos e Bispos, e em particular Graça e Roberto Rocha, Casal Responsável pela SuperRegião Brasil das Equipes de Nossa Senhora, assim como os Padres assistentes, os dirigentes do Movimento e os palestrantes, os amigos e os convidados especiais. O tema: "Casal cristão, fecundidade evangélica", com o lema "Eu e minha casa serviremos ao Senhor", reflete bem aquilo que será tratado no Encontro, nas palestras que serão proferidas, nos sub-temas que serão debatidos nos grupos de estudo e, finalmente , nas reflexões conclusivas que servirão de diretrizes para o trabalho do Movimento nos próximos anos. Em primeiro lugar, quero agra-


decer o convite que me foi dirigido para abrir este evento nacional, que marca a vida e a atividade dinâmica das Equipes de Nossa Senhora, instituição reconhecida pela Santa Sé como Movimento Internacional de espiritualidade conjugal, presente em 73 países. Desejo parabenizar os Dirigentes pela iniciativa e faço votos que este Encontro tenha pleno êxito, já que, com certeza, será um excelente prosseguimento do primeiro, que aconteceu há seis anos, garantindo assim um bom trabalho apostólico futuro. Como Núncio Apostólico, Representante do Santo Padre o Papa Bento XVI, tenho a honra de trazer as saudações e o afeto paternal de Sua Santidade, que já enviou uma mensagem particular ao Encontro, e assegurar-lhes que o Sumo Pontífice segue com grande interesse os trabalhos de Florianópolis, efetuados pelos casais cristãos, que testemunham com a palavra e com a vida o amor humano, a família, os valores evangélicos da vida, da solidariedade e da ética cristã. O Santo Padre lhes envia uma especial Bênção Apostólica. Irmãos e Irmãs em Cristo: Acabamos de ouvir a Palavra de Deus nas duas leituras, a primeira do Antigo Testamento e a segunda do Novo. O lema: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor" é tirado exatamente da primeira Leitura, do Uvro de Josué, e vem a calhar bem aos tempos atuais, podendo dar uma sólida pista de reflexão e de estudo. O povo de Israel, apesar das -

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conquistas e dos sucessos na ocupação da terra prometida e dos avanços conseguidos na estabilização pátria, apresenta-se como um povo que perde o rumo e a orientação certa, tanto na vida individual como coletiva, que se afasta da lei do Senhor e comete delitos, violências, latrocínios, matanças, e não segue o Deus verdadeiro que o libertou da escravidão do Egito. Josué toma solenemente a palavra diante todos e os admoesta com vigor, dizendo: "Temei ao Senhor e servi-o de coração integro e sincero. Lançai fora os deuses a quem vossos pais serviram do outro lado do Rio Eufrates e no Egito e servi ao Senhor" (Js 24,14-15). É um grito de denúncia e de vigoroso apelo, que tem força e validade imperativa também hoje, frente a uma sociedade que ostenta e adora os novos ídolos, como o dinheiro, o poder, o sucesso, que se entrega à loucura da droga e se gloria da ideologia do super-homem, desembocando assim no relativismo, no hedonismo e no niilismo. Dentro desse funesto quadro, a instituição mais afetada e lacerada é a família, a partir do matrimônio e do amor humano. Josué reag iu energicamente frente à realidade catastrófica constatada no seu povo e diz: "Quanto a mim e à minha casa, nós serviremos ao Senhor". Irmãos e Irmãs , estas são as palavras que hoje todos nós queremos repetir com força e que os casais cristãos devem proclamar diante de Deus e diante da sociedade:

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mostrar ao mundo que Deus existe e continua a oferecer sua misericórdia, que Deus opera e trabalha como a semente escondida na terra, que não se vê, mas que lá está presente com seu poder de fazer nascer, como e quando quiser, a nova planta da vida. Cinco mil pessoas hoje aqui reunidas querem mostrar ao mundo que é possível amar a Deus e construir a família segundo aquilo que manda a natureza, criada e abençoada por Deus. Somos muitos, embora, no contexto brasileiro e mundial, sejamos poucos . Mas não importa ser o pusillus grex, uma 'pequena grei' , como diz Jesus na sua parábola. A história da salvação, assim como é narrada pela Bíblia, é uma sequência eloquente e muito clara de como Deus age na humanidade e no cosmos inteiro. Deus quer a colaboração dos homens na humildade e na kénosis, na generosidade e na entrega, e nos manifesta a cada momento que ele é Deus Criador e Senhor do Universo. Onde está o super-homem, que o filósofo F. Nietzsche proclamou com Zarathustra e seus seguidores da inteligência de hoje? O que representa para o destino humano o homem que quer ser Deus? O super-homem é uma cópia deformada do projeto de Deus ; uma falsificação da perspectiva do homem feito para a vida. O homem que se faz deus é uma utopia que se equipara à fantasia e à ilusão. Justamente, ao contrario, o Gênesis afirma que Deus criou o homem, e o fez à sua imagem e semelhança 4~8

para garantir que ele possa viver para sempre. Para garantir essa vida, o filósofo imanentista pensou que o homem poderia criar-se a si mesmo e assim declarar que Deus está morto, sem se dar conta de que o super-homem é a mera mistificação do ser pensante, mistificação que humilha a própria razão, como diz Bento XVI na última Encíclica Caritas in veritate, recentemente publicada: ''A razão sem a fé (em Deus) é destinada a se perder na ilusão da própria onipotência", e a seguir: "O humanismo que exclui Deus é um humanismo desumano" (n.78). Queridos irmão e Irmãs, a firmeza de Josué e de sua casa, que diz: "Quanto a mim e a minha casa, nós serviremos ao Senhor", é garantia de que Deus continua inspirando homens de bem, homens de Deus, homens e mulheres de família, como Josué e a sua casa, e como os milhares e as centenas de milhares de casais que ao longo dos séculos testemunharam e testemunham que, apesar do mau uso da liberdade humana que conduz à transgressão e ao afastamento de Deus, reconhecem e proclamam ao mundo intei-


ro que Deus é primeiro, que Deus é único, Senhor, Providente e nosso Salvador em Jesus Cristo. Passando ao Evangelho que acabamos de ler, encontramo-nos numa situação bem diferente, pois contemplamos um panorama de vivência familiar que nos comove e estimula. O texto de Lucas diz: "E quando se completaram os dias da purificação, segundo a lei de Moisés, levaram o menino a Jerusalém para apresentá-lo ao Senhor, conforme está escrito na Lei do Senhor: 'Todo primogênito do sexo masculino será consagrado ao Senhor"' (Lc 2, 22). São palavras muito simples e singelas, mas que efetivamente abrem um horizonte de humanidade que transcende e emociona. É como mergulhar na história de uma família distante no tempo, mas muito próxima pelo frescor da narração e pela riqueza da mensagem. Trata-se de um casal da Palestina, caminhando para Jerusalém e seus arredores de pequenas cidades , como Belém, onde nasceu Jesus, e Ain-Karim, onde morava a prima Isabel com seu filho João, e que, no meio de tantas pessoas, leva nos próprios braços seu primeiro filho, como a coisa mais preciosa da vida. O casal é José e Maria, que vai ao Templo a fim de poder cumprir os preceitos da circuncisão, da purificação e da apresentação; atos rituais que, no seu conjunto, significam fidelidade e obediência às prescrições mosaicas de louvor e de agradecimento; agradecimento a Deus pelo dom da vida, pelo dom de um b

filho que eles receberam como cooperadores do amor de Deus Criador e Senhor. O sábio Simeão, acostumado a acolher em seus braços as crianças recém-nascidas, inspirado pelo Espírito Santo, ao ver o menino Jesus, louvou a Deus e pronunciou palavras proféticas: "Agora, Senhor, segundo a tua promessa, deixa teu servo ir em paz, porque meus olhos viram a tua salvação (... ): luz para iluminar as nações e gloria de Israel, teu povo (v.32) . São expressões que evocam o anúncio da feliz notícia do nascimento de Jesus, quando o anjo disse aos pastores: "Anuncio-vos uma grande alegria , que o será para todo o povo: Hoje, na cidade de Davi, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias, Senhor" (Lc 2,10-11). Sim, nasceu o Messias e seu nome "Salvador" causou "uma grande alegria" . Foi a alegria de todos aqueles que esperavam o dia da restituição da inocência original e da vida douradura. Foi o Natal do Menino Jesus, o Salvador. Foi e é o Natal de todos aqueles que, como acertadamente comenta João Paulo II na Encíclica Evangelium vitae , "manifesta o sentido pleno de todo nascimento humand' (n. 1). Que alegria na família quando nasce um filho! Que bonito ver os pais que se comovem ao ver uma nova vida nos próprios braços! Que bom olhar para José, Maria e Menino Jesus, como modelo de Família, cujo supremo arquétipo é a própria Trindade Divina! A família , irmãos e irmãs, recorCM 438


demo-lo, é Santuário da vida, é serviço à vida, é colaborar com Deus para transmiti-la, protegê-la, educá-la, levá-la à sua plenitude, acompanhando-a até seu declínio natural. Sua missão é revelar o amor divino e constituir a célula da sociedade e a igreja domestica. Na família, os cônjuges se tornam interpretes livres e inteligentes do amor divino, que se manifesta e se dilata no mundo. Não podemos imaginar e jamais aceitar que a família perca sua natureza e sua missão radical e legitima de procriar e educar os filhos; não podemos admitir que o matrimônio, a união de um homem e uma mulher, não seja o fundamento da família, como comunidade natural de amor, aberta à vida . Hoje temos de afirmar claramente e com vigor que não existem diversos tipos de família; existe a família, a família fundada no matrimônio de um homem e uma mulher.

A esse respeito, gostaria de citar aqui o que João Paulo II diz sobre a família e o matrimônio na Carta Apostólica Novo míllennio ineunte: "Deve ser assegurada (... ) uma especial atenção à pastoral da família, ainda necessária na época atual, que registra uma crise generalizada e radical desta instituição fundamental" (47) . E sobre o matrimônio continua: "Na visão cristã do matrimônio, a relação entre o homem e a mulher, relação recíproca e total, única e indissolúvel, corresponde ao desígnio de Deus que, ofuscado na história pela 'dureza do coração' , foi restabelecido no seu esplendor primordial por Cristo, mostrando o que Deus quis 'no principio' (Mt 19,8) (lbidem) . É com estas palavras de certeza e de verdade sobre o amor humano, sobre o matrimônio e sobre a família que quero desejar pleno êxito a este Encontro, com as bênçãos do Senhor. Amém.


CASAL CRISTÃO, CÉLULA DE EVANGELIZAÇÃO Padre Angelo Epis - SCE ERI Homilia - 17 de julho de 2009

Leitura: At 18, 1-4, 24-26 - O casal Priscila e Aqui/a acolhe Paulo. Salmo: Sal103(102) 1.2a.14-15.24.27-28- Bendize o Senhor! Evangelho: Mt 10,5-9.23-33 - A missão dos doze. Queridíssimos irmãos; Antes de tudo, a minha cordial saudação e a alegria de estar aqui com vocês neste Segundo Encontro das Equipes brasileiras. O seu País, particularmente amado por Padre Caffarel, é hoje também amado por todos os casais das Equipes de Nossa Senhora espalhadas pelo mundo. Neste momento, em particular, todos os casais são gratos porque a sua Super-Região aceitou hospedar o próximo Encontro Internacional, em 2012. A ERI, com asolicitação que nos foi dirigida, quis destacar a vivacidade e a força .de seu País . Ao mesmo tempo, com esta escolha, quis dizer a todos que o Movimento é internacional e que sair dos limites da Europa para escutar as exigências, perguntas e propostas de vocês é escutar todos os equipistas do mundo. Em nome de todos, obrigado! A palavra de Deus que vocês escolheram sugere algumas reflexões, que eu quero propor-lhes. Jesus revela o seu rosto mais autêntico, na própria medida de Deus. Vendo as multidões, vendo-nos, vendo a nossa contemporaneidade, Jesus tem um sentimento de compaixão. Não de juízo, não de crítica, não de indiferen-

ça, não de raiva. De compaixão! Neste gesto percebo o reflexo do amor de Cristo que permite a Padre Caffarel a sabedoria de responder aos primeiros casais que procuravam uma espiritualidade: "Façamos o caminho juntos! ". Isto é, gastemos uma parte do nosso tempo, da nossa vida, para alguma coisa importante. Busquemos a vontade do Senhor no matrimónio cristão. No matrimónio há o chamado para a santidade! O matrimónio é lugar de santificação. Hoje, diante de nós, está uma multidão, um mundo cheio de dúvidas, que busca a verdade. Nós somos o sinal de Cristo e junto com Ele temos que ter compaixão, não julgar. Juntos com Jesus devemos procurar caminhos, não fechar esC'\!1438


tradas. Por isso Jesus inventa a Igreja! Vocês casais, junto com suas famílias, são a Igreja doméstica. Não nos contentamos em ser um número na Igreja, mas quisemos ser pedras vivas que edificam o templo vivo ao redor de Cristo. Não é fácil entender e amar a Igreja. São muitas suas fragilidades , muitos os contra-testemunhos, muitas as pessoas que se dizem crentes e que nem vivem como homens, muitas as incoerências, muitos os erros na história para não duvidarmos quando se fala da Igreja. A escolha e o envio dos doze por parte de Jesus é um sinal também para nós. Com aqueles doze inicia-se a construir o Reino, primeiro junto com Ele para, depois, se tornarem capazes de conduzir para pastagens verdejantes por onde primeiro eles serão conduzidos. O nosso encontrar-nos, às vezes, nos faz alcançar os nossos limites e nos faz defrontar com o desejo de uma Igreja que vive , pensa e faz sempre as mesmas coisas. Estamos com certeza apaixonados por percursos de unidade , mas não de unanimicidade. Olhar para os doze, enviados dois a dois, nos faz pensar e nos encoraja: ninguém sonharia em colocar juntos doze pessoas tão radicalmente diferentes para realizar um projeto! Pescadores acostumados à praticidade e à rudeza colocados ao lado de intelectuais como Mateus e João; tradicionalistas como Tiago junto com publicanos, pecadores públicos, terroristas como Simão do grupo dos Zelotas, dispostos a matar o invasor romano.

Israel inteiro está neste grupo, a inteira humanidade em sua intensa diversidade. A Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus, diferentes entre si em tudo, exceto no amor ao Mestre, chamados a anunciar o Evan~elho com simplicidade e verdade. A humanidade ferida e frágil que necessita de um guia, Jesus propõe um pedaço da humanidade, igualmente frágil e ferida , transfigurada pelo Amor. A missão proposta aos doze é desconcertante: devem dirigir-se às ovelhas perdidas de Israel. É um convite atual e urgente: a Igreja precisa de testemunhas que a reconduzam ao aprisco do Pai. Os primeiros destinatários do anúncio do Evangelho somos justamente nós cristãos. Peço-lhes que neste encontro não pensem para quem anunciar o Evangelho: acolham-no vocês, acolhamo-lo nós. A pobreza e o escândalo da Encarnação é também isso: Deus escolhe se fazer anunciar por meio de pessoas inconstantes e duvidosas. Nós somos, para os irmãos desgarrados, o consolo de Deus. Não tenham medo! É a outra expressão que lemos na Palavra de hoje. Não tenham medo: vocês valem mais do que muitos passarinhos! Um Deus que cuida dos passarinhos e depois se perde amoroso em contar os cabelos da minha cabeça. E, no entanto, os passarinhos continuam a cair, os inocentes a morrer, as crianças a serem vendidas. E Deus a tranquilizar os seus: "Não temais, nem um passarinho cairá em terra sem a vontade


de vosso Pai". E nos garante: nem um passarinho cairá em terra "sem que Deus saiba" , de um Senhor envolvido no vôo e na dor das suas criaturas. Nada acontecerá na ausência de Deus, mas no mundo pessoas demais caem no chão sem que Deus queira, coisas demais acontecem contra a vontade de Deus: cada ódio, cada guerra, cada injustiça. Mas nada acontece "sem que Deus saiba". Ele se inclina até mim. Entrelaça a sua esperança com a minha, o seu respiro com o respiro do homem, está no reflexo mais profundo das nossas lágrimas para multiplicar a coragem. Por isso, o mundo precisa de homens e mulheres que são reflexo do amor de Deus. Não tenham medo daqueles que matam o corpo: o corpo não é a vida, você não é o seu corpo. Assim mesmo o reencontrará: nem mesmo um cabelo se perderá. Para o amante nada daquilo que pertence ao amado é insignificante. A imagem dos passarinhos e dos cabelos contados, destas criaturas efêmeras e frágeis, me leva aos ministérios que somos chamados a cumprir: Leva-me aos mais frágeis entre os irmãos, aos idosos, aos doentes, aos excepcionais, aos que não podem mais trabalhar e produzi~ e se sentem inúteis e impotentes. E a ele que Jesus diz: "Não temas: tu vales mais. Ainda que a tua vida fosse leve como a de um passarinho ou frágil como um cabelo, tu vales mais, porque existes, vives, és amado, e Deus se entrelaça com a tua vida". O amor conjugal nos torna todos os dias sabedores das palavras que de-

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vemos dizer a estes nossos irmãos: Senhor, fiz pouco durante a minha existência e agora não consigo fazer mais nada. E Ele responde: Tu vales mais, não porque produzes, trabalhas, tens sucesso, mas porque existes, gratuitamente como os passarinhos, fragilmente como os cabelos, nas mãos de Deus. Sobre ti está a sua cura, sobre ti está o seu respiro. Onde você acaba, começa Deus. Gritem dos telhados! Eis a função da Igreja: anunciar a cada homem a ternura de Deus. Para isso precisa encher os pulmões e gritar dos telhados aquilo que experimentamos dentro de nós. Nesta não-lógica de Deus, que confia nas nossas frágeis mãos o anúncio, encontramos hoje o seu desejo de anunciar aos homens o seu verdadeiro rosto. Somos chamados a gritar dos telhados que Deus conta também os cabelos da nossa cabeça, que Deus não é feio e incompreensível como o imaginamos, que Deus ama carinhosamente os passarinhos e conhece seus sofrimentos, que Deus, o Deus de Jesus, é esplêndido. Gritar dos telhados que Deus é grande, que Deus nos ama, que Deus está presente, como o coração do apaixonado que, cheio, quer comunicar a todos a sua experiência. Ao homem indiferente ou arrastado pelo caos da vida, Jesus anuncia o rosto suave de um Deus que caminha conosco. Gritem dos telhados! E me lembro de todas as situações em que nos envergonhamos de ser cristãos, em que afirmamos que cremos, sim, mas com muitos parênteses, com muitas objeções, para não CM 438


fazer má figura diante da "modernidade", toda vez que tentamos ser cristãos "politicamente corretos", quando nos entregamos aos compromissos para ser acolhidos neste hipócrita mundo liberal, que é liberal somente com quem pensa como ele. No fundo, porém, temos medo da nossa fé , acreditamos que devemos quase desculpar-nos por crer, que as nossas razões vacilam diante do pensamento moderno. Mas é assim? Talvez sim, para muitos. Precisamos aprofundar a nossa fé , sacudir a poeira da rotina e do tradicionalismo, para redescobrir o rosto extraordinariamente humano e misericordioso, confiável e racional do Deus de Jesus Cristo. Gritem dos telhados! Não nas Igrejas, não nas sacristias, não ao pequeno rebanho, mas na praça, no bar, no escritório. A fé esteve por muito tempo escondida nos tabernáculos, sem ter a coragem de contagiar a nossa vida. Não é este talvez o drama da nossa fé? O de ficar timidamente escondida nos estreitos espaços do Espírito? Não é talvez porque Deus foi expulso da nossa economia, das nossas escolhas, das nossas famílias, da nossa cultura, para ser idolatrado no tempo do sagrado que muitos homens olham com desconfiança para o Evangelho, como se quase fosse uma renúncia à plena humanidade? Gritemos do telhado este Evangelho, responsabilizemo-nos por ele , entremos no grupo de quem leva a sério a ânsia de plenitude que inquieta o Senhor. Sejamos claros, porém: nada de

integralismos nestes tempos de excessos religiosos, em que se sopra sobre o nunca adormecido espectro das guerras de religião. Viver o Evangelho com seriedade não leva de forma alguma a agir sem o respeito ditado pela caridade . Respeito absoluto pelas ideias e pela experiência humana, com certeza, mas também a exigência de ser reconhecidos cidadãos plenos, com uma experiência forte e reestruturadora da sociedade. Existe o risco de brandir a fé como uma arma, ou o risco da insignificância. "O amor nos empurra", dizia São Paulo. É o amor em Deus e no homem que faz gritar nos telhados, é a percepção da salvação que pode encher os corações que nos faz sair para indicar a quem vive no medo e na solidão que existe uma plenitude e que esta plenitude tem o rosto e o olhar de Cristo. O crente, operário da compaixão. "Jesus, vendo as multidões,

teve compaixãd'. O fim de uma carga infinita, belíssima. Jesus sente dor pela dor do mundo. De fato: ''A messe é grande", mas não pela quantidade de pessoas, mas porque está brotando no mundo uma grande colheita de cansaços, de espigas inchadas de lágrimas, uma messe de medos como de ovelhas que não têm pastor. É este seu apostolado que Jesus confia aos discípulos. Torna-os operários de um trabalho que descreve com seis verbos: preguem , curem, ressuscitem, sanem, libertem e doem. Em primeiro lugar tem o ministério da pregação apostólica, mas unido ao ministério da 2


piedade divina , numa relação desbalanceada, de um a cinco. O trabalho nos campos do Senhor se exprime em gestos concretos, em cinco obras que mostram como "o Reino dos céus se aproxima" para quem tem o coração ferido, e numa sexta obra que proclama a proximidade de Deus. O discípulo é chamado a tomar conta da causa de Deus junto com a causa do homem, a tomar conta dos rebanhos e das messes, das dores e das asas, de um mundo bárbaro e magnífico. Áquila e Priscila, após ter vivido a experiência da prova que os afastou de Roma, tornam-se acolhedores com Paulo e com outros que encontraram em seu caminho. Revelam a Paulo, desanimado pelos fracassos e amedrontado, o rosto daquele Deus que lhe havia dito "Eu estarei contigo" com a sua acolhida. Ensinam a Apolo com a catequese o caminho da plena comunhão com Cristo. Este casal nos faz vislumbrar um estilo. Lembra-nos um pouco a palavra do Evangelho: "O Senhor escolheu outros setenta e dois discípulos e mandou-os, dois a dois, adiante de si, por todas as cidades e lugares para onde tinha de ir.. ." (Lc 10,1) . Isto é, ninguém é mediador único do Evangelho, e ninguém é enviado sozinho. O Evangelho pede sempre uma lógica de companhia, de compartilhamento, de comunicação, também na fase embrionária da comunidade. A vida conjugal é este lugar onde se faz experiência do anúncio, dois a dois. Colhemos nesta pequena Igreja doméstica um verdadeiro estilo

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evangélico: somos pelo menos dois! Estamos em comunhão, porque o Evangelho é uma palavra maior do que eu e a minha compreensão, e não posso carregá-lo sozinho, senão corro o risco de carregar minhas opiniões, minhas convicções, sacralizando-as. Por exemplo, Paulo, procurava nunca andar sozinho, como se depreende das narrativas dos Atas. Tinha sempre um ou dois companheiros com ele. Às vezes, um parava numa cidade, enquanto Paulo prosseguia; depois um outro voltava para manter os cantatas e aprofundar a catequese. A obra evangélica nunca é realizada por um 'dom Quixote' heróico e solitário... Precisa ser ágil, ter sempre de alguma maneira uma dimensão de sinodalidade, um caminhar juntos no nome do Evangelho. E é uma comunhão não idilíaca, mas trabalhosa; o próprio Paulo se cansa, e briga, e se separa. Brigou com Barnabé e Marcos, depois brigará com Pedro. Cansa-se em compartilhar as opiniões daqueles que têm tendências mais próximas daquelas do hebraísmo do que daquelas que ele desenvolveu. Neste âmbito, o casal, vocês casais são chamados a viver a comunhão entre vocês, em suas casas e a colocar a serviço as suas capacidades. Neste sentido o Movimento nos quer ser ajuda para levar o Evangelho do amor ao mundo. Como amava dizer-nos Padre Caffarel: lembrem-se de que o motor e o coração de tudo é a Eucaristia. Do viver e fazer Eucaristia deriva o seu estilo de casal a serviço do Evangelho. CM 438 I


CASAL CRISTÃO, CÉLULA DE EVANGELIZAÇÃO Cario e Maria Carla Volpini, Casal Responsável ERI Conferência • 17 de julho de 2009.

Queremos, primeiramente, transmitir-lhes toda a nossa alegria por estarmos aqui com vocês, neste grande encontro que vê reunidos tantos casais deste País, onde as ENS são, realmente, uma semente fecunda de amor e testemunho vivo da mensagem de Pe. Caffarel. E queremos agradecer ao Roberto, à Graça e a todos os casais da SR Brasil que, ao nos convidar para falar, nos presentearam com este encontro com vocês. A palavra do Senhor que vocês escolheram como fio condutor para estes dias - "Eu e minha casa serviremos ao Senhor" (Js 24,15) - é um tema muito interessante, porque acompanha a reflexão teológica destes anos, que quer uma fé vivida na história do cotidiano; também a nossa apresentação, que abordará o tema do casal cristão

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célula de evangelização, está ligada a esta palavra do Senhor, porque a primeira coisa que nos perguntamos foi: por que o casal pode e deve ser célula de evangelização? Simplesmente porque onde um homem e uma mulher se amam e, acolhendo-se, neste amor se encaminham juntos para fazer nascer a própria humanidade, ali transparecem os traços do rosto de Deus. Disso resulta que, se o rosto de Deus é o rosto do Amor, o casal tem que anunciar através de sua própria vida esta mensagem do amor divino. Mas, a seguir, vieram as outras perguntas que construíram o percurso desta reflexão: Como, Quando, Onde, o casal pode tornar-se ícone vivente do amor de Deus? Como? Simplesmente vivendo e se amando. Quando? Em qualquer momento e a cada dia de sua vida. Onde? Nos lugares onde todo casal vive seu cotidiano. E se as cidades, as terras, as nações são diferentes, existe um lugar comum a todos os casais do mundo, a todas as famílias do mundo, que pode ser habitado num teste23


munho espontâneo e contínuo de evangelização: a casa. Queremos lembrar a este respeito as palavras do astronauta Erwin, enquanto girava em órbita em torno da Terra: "A lua é bonita; o céu é profundo e maravilhoso. Mas é somente na terra que o homem pode morar, porque lá embaixo tem alguém que pensa em mim , que me olha e me espera". Devemos estar cientes de que, entre as tantas experiências que a vida nos oferece, aquela do habitar está entre as mais fortes e importantes, porque habitar um lugar significa crescer através e graças "àquele lugar", lá onde podemos ter relações e tecer a trama que constrói a nossa vida. Todos vocês têm amor, atenção e cuidado com as suas casas, porque sabem que só assim poderão torná-las vivas, sabem que a sua realidade de cônjuges está fortemente ligada ao lugar onde vocês moram, sabem que dentro de suas casas se estabelecem todos os dias relações diferentes e que, graças a elas, a sua identidade de pessoas e de crentes terá sempre novos espaços de crescimento e de desenvolvimento. Não é por acaso, portanto, que se diz "habitar a casa, habitar a vida", porque realmente em nossa casa aprendemos cada dia a existir e cada dia nos transformamos, conforme a multiplicidade de experiências que nela vivemos. E não é em outro lugar, a não ser na casa, que todo casal pode aprender a se tornar célula de evangelização. Casa, para nós significa lugar de

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crescimento, espaço interior, o tempo que passa, vontade de se fechar em casa e vontade de fugir de casa, respiro de emoções ... Com certeza, a casa representou um lugar de crescimento, graças a todos aqueles que dentro dela viveram, trazendo sua bagagem de riqueza, onde mais falamos entre nós, onde mais nos confrontamos conosco e com os outros , onde reelaboramos através da palavra, da reflexão e da oração o que nós estávamos vendo, escutando e vivendo "fora". Deu-nos sempre alegria abrir a casa aos outros e o fizemos sempre por escolha e por prazer, mas não tivemos medo de ficar sozinhos em casa, para saborear a nossa presença mútua e para ter a possibilidade de falar e comentar e conjeturar e planejar o nosso amanhã. Não é talvez por acaso que, apesar de passarmos muito tempo fora de casa em razão dos nossos compromissos, o nosso maior desejo diante de um dia livre não seja tanto aquele de ir a um cinema ou passear sozinhos, mas sim ficar em casa, possivelmente em silêncio ou falando em voz baixa, é como se a familiaridade das paredes, dos móveis, das coisas conhecidas, conseguisse confortar os nossos cansaços e as nossas desorientações. Às vezes temos vontade de ir embora, de sair de casa, quando esta se torna testemunha das nossas tensões e da nossa incapacidade de superá-las; quando sabemos que lá dentro o clima está pesado

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e seria necessano um esforço a mais para o qual não estamos prontos, quando não a sentimos acolhedora e protetora, mas ameaçadora e anunciadora de mais tempestades. É realmente um escapar, um fugir, mas é também , de alguma forma , o desejo de não sobrepor sentimentos negativos a tudo aquilo de bonito e de bom que ela nos permitiu viver. E quando o prevalecer do negativo se torna mais forte, quando os nossos limites de caráter e de fé impedem um passo de crescimento, sentimos a casa estranha, longe, não pertencente ao nosso ser, incapaz de nos dar alívio. Mas o que é realmente estranho? A casa que fica ali nos esperando com toda a sua carga de vida vivida no seu interior ou a nossa maneira de nos colocarmos um diante do outro e, juntos, diante dos filhos e diante de Deus? A coisa certa, então, é voltar para casa, porque fora dela nos sentimos ainda mais perdidos, ao passo que voltar significa ter vontade de recomeçar. A casa, finalmente , como lugar de cultura e de expressão da nossa escolha de fé , porque a sua decoração, os seus objetos, os livros, são a nossa história, são sinais do caminho percorrido, das orientações, das experiências, do crescimento maior ou menor realizado. Objetos que nos falam de um amigo, de um evento, fotografias que nos fazem lembrar pessoas ou situações e renovam dentro de nós a experiência vivida, folhas e papéis que nos falam do nosso tra-

balho profissional, dos nossos compromissos, inclusive com os outros, revistas e boletins que nos falam de realidades diferentes das nossas e a respeito das quais queremos saber mais e desejamos compartilhar, e outras realidades, como todas aquelas ligadas ao mundo das ENS, para as quais sabemos que estamos trabalhando, ainda que de forma diferente, junto com muitos outros, numa sinergia de esforços que constrói o reino de Deus. Tudo isto está presente em nossa casa e nos envolve e, sem que nos apercebamos, sustenta o nosso trabalho de cada dia. Compreendemos, então, que a casa não é apenas um lugar de abrigo realmente necessário para o desenrolar da vida, mas sim o lugar fundamental para que a vida se manifeste em todas as diferentes nuances das nossas emoções, sentimentos, afetos que às vezes podem ter os tons claros e serenos da harmonia, às vezes os tons fortes da alegria e da energia projetual e, às vezes, os tons apagados e cinza dos momentos sombrios e difíceis. Em todo caso, a casa é sempre um espaço excelente onde o casal anuncia todos os dias a sua escolha de vida e de fé, onde o casal é, sem que talvez o saiba, a célula pequena e grande de uma constante evangelização mútua e dos outros. A casa, com o passar do tempo, assume os traços de quem nela mora, porque se alimenta da vida de seus moradores, assume formas , aspectos "humanizados" . Cada casa tem o seu rosto: é, de acordo L


com os seus moradores, acolhedora, fria, cativante, espartana, desarrumada ou caótica, elegante ou simples; a casa, em silêncio, acompanha as histórias da vida de uma pessoa, de um casal, de uma família e, em silêncio, registra todos os acontecimentos tranquilos ou dramáticos que se desenrolam na vida cotidiana e, no fim , só uma casa realmente vivida dá a sensação de ser habitada. Um quarto de hotel poderia estar até mais bem decorado do que o nosso quarto, dotado de mais conforto, mais moderno e elegante, mas quem de nós escolheria viver para sempre num quarto de hotel? Cada casal pode desenvolver a sua realidade de evangelização, começando justamente pela casa onde mora, porque uma casa é um projeto de intimidade: objetos, luzes, cheiros, quartos, cantos, quartos de despejos, luzes e penumbras; decoração, lâmpadas, quadros, livros, móveis, roupa de cama, fotografias, perdem pouco a pouco o seu valor objetivo, não são mais o que foram , para assumir no tempo o valor simbólico de alguma coisa que nos dá o significado de todos os valores que escolhemos e de todas as coisas em que acreditamos. Morar é "sentir-se em casa, abrigados por um espaço que não nos ignora, entre coisas que falam da nossa vivência, no meio de rostos que não precisamos reconhecer, porque em seu olhar há os traços da nossa história". A casa vivida, não é uma "caixa inerte" e morar, portanto, não 1 i... 26

significa simplesmente "estar num lugar", mas, sobretudo, construir relações significativas, relações com pessoas e objetos. O caminho que faremos juntos hoje para lhes falar do casal cristão célula de evangelização é o de atravessar uma casa, para compreender como cada espaço que cada casal viveu em sua própria casa pode se tornar espaço de vida e não apenas isso, mas cada lugar pode se tornar lugar "sacramental", se se tornar sinal da presença de Deus. Não é o credo, não é a liturgia, não são as instituições nem as tradições que fazem com que a Igreja seja Igreja , sacramento de Cristo. Mas é a fé no Senhor presente que vivifica o credo, se manifesta na liturgia, se encarna nas instituições e vive nas tradições. Tudo isso dá forma ao sacramento, que é o instrumento mediante o qual o Senhor invisível se faz visível na terra. O mesmo ocorre na casa, lugar familiar e sacramental: existem quartos, corredores, mesas , quadros nas paredes , como em todas as casas dos homens . E, contudo, são diferentes, porque o espírito que enche de afeto e de significado todas estas coisas é diferen te e as torna familiares e "sacramentais". Do lado de fora talvez ninguém veja e possa distinguir. Somente o coração sabe e discerne e descobre , nas frágeis e frequentemente contraditórias aparências externas, um segredo íntimo e divino : a presença do Senhor ressuscitado que vivifica todas as coisas. (Boff) CM 438


A SAlA DE ESTAR, A I JOSS/ SALA DE lSTAR As casas de hoje mudaram de aspecto em sua estrutura interior, espelhando desta forma também as mudanças ocorridas na cultura familiar e na sociedade. A sala de estar sofreu também uma grande transformação. Num passado não muito distante, todas as casas tinham um quarto que era mais reservado que os outros, separado do hall de entrada e dos outros quartos. Era quase sempre um quarto fechado, não utilizado diariamente pela família, sempre arrumado, era uma sala geralmente ampla ou algumas vezes de dimensão menor, mas sempre

decorada com muito cuidado, que tinha específicas funções de representação e de recepção dos hóspedes e que se abria somente em ocasiões especiais. A sua função visava mais a uma finalidade exterior de representação da família, que procurava mostrar o melhor de si à sociedade, do que a uma concreta utilização para os vários membros da família. Era um ambiente não vivido, envolvido pela penumbra, que precisava ser preservado dos efeitos danosos da luz, da poeira, mas sobretudo das pessoas que ali moravam, reduzindo-o assim a um espaço inutilizado. Atualmente, no entanto, é na sala de estar que se desenrola a vida cotidiana da família. Hoje as nossas casas têm finalmente um espaço plenamente vivido de dia e de noite, onde frequentemente se fazem as refeições, se brinca com as crianças, se executam as tarefas domésticas, se assiste à televisão, se trabalha com o computador, um espaço onde se compartilham amizades e relações familiares, sem se preocupar com o aparecer. A sala de estar é um espaço comunitário particular: o indivíduo neste espaço pode manter a própria realidade pessoal e ao mesmo l


tempo ter consciência de viver com e no meio dos outros. Quando a vida familiar não é serena e harmoniosa, esta coexistência de privado e comunitário pode ser também fonte de tensões, sobretudo quando pesam os silêncios e o fechamento. Na sala de estar, de fato, celebram-se também as grandes reuniões e festas familiares: deveriam ser as ocasiões em que as diferentes gerações se confrontam entre si, mas às vezes se transformam numa mistura de silêncios e incompreensões e o ar que se respira, de prazeroso e alegre, se torna pesado e sombrio. Quanto espaço para um casal cristão ser evangelizador e instrumento de mediação e de tolerância recíproca na própria casa! A sala de estar é o lugar onde o casal e a família vivem e celebram a sua vida afetiva e relacional , mas também a sede do encontro com a história. Aqui, de fato, encontramos os outros e nos deparamos com pessoas que nos trazem outros valores, outras culturas, outras histórias. Através destes encontros, verificamos o nosso modo de viver e transmitimos aos filhos a nossa ideia de sociedade. A sala de estar é, portanto, o ambiente da casa particularmente aberto para o exterior, a interface entre o dentro e o fora . Precisamos que esta sala continue acolhendo toda possibilidade de encontro, de palavra, de relação, de comparação; precisamos que permaneça um lugar aberto à comunicação e à hospitalidade . Este é 28 I

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um espaço forte de evangelização para quem entra e é acolhido em nossa casa. "Sempre quisemos uma sala de estar grande, capaz de acolher pessoas, amigos, parentes, capaz de se tornar lugar de encontro. Acreditamos que hoje, mais do que nunca, precisamos alimentar a profecia da salvação, através do encontro e do relacionamento com os outros: hoje, onde tudo nos fala de interesse individual, de proveito pessoal, de projetas no singular, todo casal para ser célula evangelizadora deve viver a casa, especialmente a sala de estar, como espaços abertos ao compartilhamento e lugares de encontro. Esta é a nossa forma de fazer morar Deus no nosso cotidiano do lar. Se Deus vem ao nosso encontro através dos outros, por que não acolhê-Lo sempre, não buscáLo sempre, não recebê-Lo sempre em nossa casa? Para nós sempre foi importante fazer entrar em nosso ambiente privado não somente o amigo de sempre, mas também o hóspede de passagem, que nos traz seu mundo, sua história e sua cultura; para nós tem um significado particular "abrir portas e janelas" para fazer entrar no privado o público, no individual o coletivo. Deus habita a nossa casa, porque rezamos para Ele juntos com os amigos das ENS e juntos O procuramos engajados numa busca compartilhada, fazemo-Lo sentar à mesa conosco quando, em amizade, antes de uma refeição, nos lembramos dEle. Anos atrás, todos pensavam que a televisão fosse o C!\11438


instrumento capaz de nos abrir uma janela para o mundo, parecia, de fato, que em nossas realidades familiares somente este objeto pudesse executar a função de nos colocar em contato com o mundo exterior. Hoje, a melhor coisa a fazer é deixar apagado o máximo possível este instrumento de falsa comunicação, que não nos traz mais o mundo na sua realidade, mas o esconde atrás de uma folha de papelão colorido, e utilizar o tempo para uma reflexão cada vez mais atenta e comparada com a dos outros sobre as coisas que acontecem à nossa volta. Hoje, a coisa melhor é sentar ao redor de uma mesa e procurar ler e entender, no olhar do outro, a história que se realiza todos os dias à nossa volta. "

A COZINHA, A NOSSA COZINHA A cozinha é um dos lugares da casa que talvez tenha sofrido no tempo as maiores transformações em termos de organização e de espaço. Uma vez era o lugar no qual existia a lareira, quem não se lembra das casas dos avós? Muitas vezes havia uma grande lareira que esquentava todo o ambiente e na qual se cozinhava diretamente sobre o fogo. A convivência na mesma peça trazia um clima familiar quente, no qual não havia um espaço individual, e tudo era de todos. Hoje, talvez devêssemos dizer que, lamentavelmente, as nossas cozinhas se reduziram ao essencial, se cozinha sobre as chapas de cozimento e no forno elétrico, e, em

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algumas situações, se chega também à eliminação da cozinha propriamente dita para transformá-la num canto para cozinhar. Entrar na cozinha e compartilhar as inúmeras sensações que ela oferece é uma experiência que permite viver de forma mais consciente um lugar da casa que representa o calor, o contato com o concreto, o núcleo de uma casa viva, que na cozinha exprime a ligação entre alimento e vida no cotidiano. A cozinha, de fato, assim como os nossos dias, os nossos gestos e as nossas palavras, é um lugar de transformação, onde nada pode permanecer igual. Pensemos, por exemplo, no trabalho do fogo: graças a ele as coisas que chegam cruas, como a natureza as produziu, saem diferentes, de acordo com as exigências do prazer. O que é duro deve ser amaciado; os aromas e os sabores que estão aprisionados devem revelar-se: cozinhar é como dar o beijo mágico das fábulas que desperta o prazer adormecido. Não é isso que acontece na vida? Não é isso que um casal deve testemunhar para ser evangelizador: transformar as coisas com o fogo do amor ... ? O advento da sociedade tecnológica levou a uma rápida evolução não só dos aparelhos eletrônicos e eletrodomésticos, mas também no tempo gasto para cozinhar. O cozimento em fogo lento, que requer tempos longos e muita atenção, foi aos poucos substituído pelo pré-cozido e pelo congelado já pronto, no qual se perdem e se confundem as características peculia29


res, para se chegar a uma comida homogênea e sem personalidade, igual em todos os lugares do mundo. Cozinhar em fogo lento significa ter tempo para gastar sem pressa, deixando que o calor modifique lentamente o alimento e a sua estrutura. A metáfora é clara: muitas vezes corremos o risco de não reservar o tempo necessário para cozinhar as nossas relações e modificá-las através do calor das relações profundas; é necessário, no entanto, estar atentos em respeitar os tempos de cozimento, os tempos de cada um: pode acontecer, de fato, que uma relação inicialmente ainda crua, seja cozida rápido demais, ou que seja esquecida no fogo, a ponto de cozer demais e perder o seu sabor e, portanto, o seu significado. A cozinha é o lugar

da casa onde se vive também com o nariz: o perfume do pão na mesa e do vinho bom nos fazem lembrar a última ceia; no Cântico dos Cânticos a amada reconhece o amado pelo perfume , no Coelet (Eclesiastes) se louva o comer e o beber como a coisa melhor para um homem. Existe uma espécie de "perfume de Deus" nas relações que vivemos, um perfume graças ao qual podemos nos relacionar com os outros para caminhar juntos em direção à fonte deste perfume. "Há anos carregamos no nosso coração o valor da "teologia do café": o casal que de manhã, assim que se levanta, se reencontra diante de uma xícara de café para bebericá-lo juntos e tendo à frente um novo dia, vive um momento de união particular, que pode ser real-

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mente lido em termos de fé. Aquele é o momento em que tudo ainda deve ter de começar: os compromissos individuais, os horários frequentemente imprevisíveis, as incumbências mais ou menos agradáveis que serão executadas durante o dia, as exigências dos outros que muitas vezes nos trazem inquietude, tudo, por um instante mágico, fica como que suspenso e os dois cônjuges podem até trocar um gesto de ternura, renovar no olhar a promessa de amor, rezar juntos ... Nós dois amamos muito este momento precioso da manhã, quando a casa ainda não ganhou vida e o cheiro do café tão peculiar e tão familiar nos esquenta, enquanto as palavras que trocamos têm ainda tons baixos, as conversas não são muito articuladas e complexas, mas apenas esboçadas

e a troca não é somente de informação sobre os compromissos de cada um, mas dizer ao outro a respeito de seu dia, para que o outro possa de alguma forma acompanhálo e compartilhá-lo. Às vezes o café, levado na cama, é um pequeno presente que é dado ao outro, se este não tem pressa de levantar: com certeza é um presente apreciado, que ajuda a começar melhor o dia, porque nos sentimos imediatamente, mesmo através deste pequeno gesto, acolhidos e amados; o levantar-se juntos e o bater papo enquanto se espera que o aroma do café faça despertar a casa é um pequeno espaço da vida conjugal de um significado e valor particular. É estranho como nunca pensamos devidamente na importância que tem na vida de todos os dias a linguagem dos sentidos; talvez seja melhor dizer que não temos, particularmente, noção do valor do o/fato, considerado, de forma errada, relativamente secundário em relação aos outros sentidos. Temos certeza, no entanto, que uma casa sem cheiros seria muito fria, um pouco asséptica e certamente pouco acolhedora; também os cheiros da cozinha, frequentemente mantidos "sob controle", para não invadir em demasia as outras peças da casa, na realidade dão alegria e segurança: são o sinal de uma realidade familiar presente e viva, são o sinal de quem trabalha para você que fica fora de casa, são o sinal concreto de um anúncio da alegria de encontrar-se com os outros, com os filhos, os amigos ... " 31


O QUARTO DE DORMI R, O NOSSO QUARTO DE DORMIR O quarto de dormir é um quarto central , misterioso, rico como poucos outros de conteúdos metafóricos . Outros espaços da casa nos falam da família que ali vive, de sua história, de suas escolhas, mas o quarto de dormir do casal remete ao âmago da realidade que está na origem da família: o casal. Aqui o casal testemunha a si mesmo o amor de Deus. Este quarto tem um simbolismo extremamente rico: é o lugar onde se celebra a liturgia do desvelamento: isto é, do encontro com o outro que se revela no tempo da vida conjugal, do conhecimento profundo que se torna comunhão, da nudez acolhida pelo amor, da alteridade mais irredutível que se torna riqueza para os dois e se remete ao totalmente Outro. "E descobriram que estavam nus" (Gn 3,7). A criação estará finalmente completa quando o homem não mais se assustar por estar nu. Na vida de cada homem, ser capaz de desnudar-se, de ser autêntico, de não vestir máscaras, é possível só depois de um caminho de amadurecimento, que nasce da experiência de sermos acolhidos plenamente por aquilo que somos, sem reservas, sem esforço. Sentir-se plenamente acolhido pelo parceiro nos dá uma identidade certa, estável, madura, que não precisa de camuflagens; permite enfrentar a vida sem vestir máscaras, ser autênticos, ir ao encontro do outro, tornar-se dom para ele. 32

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O quarto de dormir é o lugar onde se cumpre a vida teo/oga/ dos cônj uges: onde nos levantamos amparados pela esperança, nos deitamos para exprimir um amor total, nos abandonamos, com uma confiança sem reservas nos braços do outro, ao sono e ao sonho; este quarto é como uma metáfora do mistério da vida, dada e recebida, da manifestação de um Deus que decidiu se encarnar e se fazer comunhão. É o quarto da vida mais íntima de um casal, aquela que se realiza através da relação sexual, relação que, em todo casal, tem uma formidável potência cognitiva, porque é a forma mais íntima e intensa de dialogo, é premissa à comunhão completa. Isto não significa que a sexualidade deva ser a única forma de comunicação, nem que a harmonia sexual possa prescindir do diálogo do casal, que consiste, em primeiro lugar, de comunicação verbal, de projeto formulado conjuntamente. Mas no casal entrosado o encontro dos corpos significa a totalidade do dom, sentir prazer em doá-lo ao outro, expor-se na mais desarmante nudez, oferecer toda a própria fraqueza ao outro, para que a cubra com o seu amor, conhecer o outro em profundidade, penetrar em seu mistério, entrar em seu mesmo comprimento de onda, registrar uma sintonia profunda, fazer de duas histórias, de duas individualidades, de duas personalidades, de dois corpos que se descobrem complementares porque diferentes, uma entidade de relacionamento única, uma só carne. O enCM 438


contro sexual é a perfeita imagem da comunhão do casal: um fazer a unidade sem assimilar o outro, receber do outro o que lhe falta, possuí-lo doando-se , encontrar a si mesmo perdendo-se. A noite no quarto do casal é nudez real e simbólica, abandono confiante em quem dorme a seu lado e fé na força positiva da vida, mas isto só é possível se a noite chegar após um dia de harmonia. Caso contrário, o quarto de dormir fica imbuído de saudades, ansiedades, remorsos, já que é frequentemente testemunha do encontro e do confronto entre a abordagem da vida masculina e feminina, às vezes tão difícil de conciliar e de tornar complementar e recíproca. O cônjuge que dorme ao seu lado pode se tornar assim o sinal de um compartilhamento imperfeito, incompleto, que talvez tenha procurado dar uma explicação, uma interpretação às suas ansiedades, mas não tem sido capaz de assumi-las emotivamente. A noite se torna sintonia plena, entendimento perfeito, abandono mútuo, só quando o compartilhamento é, ao mesmo tempo, a construção racional de um projeto de vida e a coparticipação emocional das alegrias e das ansiedades do dia. "Uma característica que marcou desde cedo o nosso relacionamento sexual foi a clareza e a sinceridade: nunca fizemos amor contra a vontade, não lembramos de ter feito alguma vez amor para agradar o outro e muito menos por dever, e isto às vezes teve como conseqüência receber alguns "não", deixar de-

satendidos os desejos, mas que alegria pensar hoje que toda vez que fizemos amor fomos levados pelo sim mais profundo, pelo desejo mais verdadeiro e recíproco, pelo mais completo oferecimento ao outro no desejo do outro. Aquele ser tomado pela Vida em seu instinto mais vital e pela Vida em seu espírito mais alto é o que se experimenta no amor entre um homem e uma mulher. A experiência do encontro sexual é também experiência de criação no verdadeiro sentido da palavra, porque experimentamos como uma positiva realidade de amor vivido seja fonte de energia e gere novos espaços de vida. Compreendemos e, sobretudo, acreditamos intensamente que, quando realizamos na forma mais plena o encontro de amor, no mesmo momento realizamos também aquela unidade de humanidade que Deus quis complementar no homem e na mulher, que somos realmente imagem de Deus, porque exprimimos em nossa relação mais profunda a relação trinitária de Deus Pai e Filho e Espírito, que somos a realidade mais verdadeira, terrena e concreta da imagem misteriosa da natureza humana e divina de Deus. Mas a vida, se for realmente vivida plenamente, deve poder experimentar também a dor, a solidão, a aridez de certos momentos, e na privacidade do nosso quarto reencontramos o espaço adequado para retornarmos a nós mesmos, para retomar o fio dos pensamentos, para procurar na reflexão silenciosa ou conjugal sobre a Pala-


vra a resposta que não encontramos em outros lugares. A solidão não tem somente a cara do desespero, mas também da procura de nós e de nossa interioridade, e somente um canto privado da casa pode nos dar de presente esta experiência de procurar e encontrar a si mesmo. A solidão que procuramos na privacidade do nosso quarto é também manifestar a cura para nós mesmos. De qualquer forma , nos amamos porque nos damos de presente aquilo de que necessitamos: um pouco de silêncio, um diálogo interior, um descanso. A dor pode encontrar conforto no calor tépido que te acolhe, de um cobertor que te cobre, na penumbra que te protege da luz muito forte, que te fala de uma realidade não aceitável naquele momento. Sim, a cama pode representar o abrigo momentâneo no ventre materno, onde procurar segurança e retomar energias diante de dificuldades que nos parecem muito árduas, uma pequena regressão que exprime o justo desejo de voltar, de vez em quando, a ser crianças e experimentar não somente a insegurança dos pequenos, mas também o desejo de ser amados e acolhidos, para aprender a amar e a acolher. A consciência de sentirmo-nos fracos e de precisarmos de ajuda nos permite entender quem é fraco e precisa de ajuda.

O BANHEIRO, O NOSSO BANHEIRO Nunca como nestes últimos anos assistimos à difusão de um cuidado especial para com o banheiro, seja

em suas peças fixas como em seus conteúdos. Proporcionalmente, também a despesa relativa a produtos para o nosso corpo tornou-se uma voz consistente no orçamento familiar. Estes cuidados com a limpeza e esta cura do corpo são apenas o fruto de uma maior "civilização" ou uma necessidade de "mimar" o nosso corpo com perfumes e cremes e de "esquentá-lo", enquanto sentimos ao nosso redor uma maior "frieza" relacional dada pelo individualismo cada vez mais dominante? Antigamente, na civilização romana, por exemplo, o banheiro era um lugar de relação (as termas, os banhos públicos). Hoje é impensável algo parecido, aliás, diante de uma liberdade sexual cada vez maior, sentimos quase vergonha se alguém inadvertidamente entra no banheiro que nós estamos ocupando .. . Nos despimos na praia, mas não dividimos o banheiro: por que esta diferença entre as nossas nudezas? Talvez porque num lugar público, na praia, na discoteca, na rua .. . mostramos, ou acreditamos mostrar, a parte mais "apetecível " de nós , aquela certamente mais cuidada e controlada, enquanto no banheiro de casa, na nossa privacidade, somos como somos, na nossa verdadeira nudez e pobreza ... Então, talvez devamos, mais uma vez, refletir que simplesmente temos medo de nos mostrar como realmente somos ... E este constrangimento, serealmente o vivemos desta forma , não pode não se estender também ao relacionamento com o nosso cônjuge, com o qual talvez tenhamos dic~

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ficuldade em nos mostrar nas nossas nudezas e pobrezas. Entrar no banheiro, muitas vezes, é o desejo de afastar-nos de tudo, é reencontrar um espaço só para nós mesmos, é talvez a necessidade de tomar distância de tudo e de todos. Fechar a porta à chave em alguns casos nos dá uma sensação de abrigo; quem sabe se é apenas a vontade de "estar em paz", ou sentimos que alguma outra exigência nos leva a querer ficar sós? Muitas vezes no banheiro, sozinhos, nos olhamos no espelho não tanto para nos avaliar esteticamente, mas para nos interrogar. Olharnos nos olhos e perguntar-nos "em que ponto estamos". Desta forma o banheiro se torna um lugar de procura de nós mesmos, um lugar onde lemos no espelho que está dentro de nós mesmos e não podemos trapacear, porque diante daquele espelho estamos só nós ... Levantamos questões que mais nos atingem "por dentro", nos dizemos as coisas que somos capazes de confessar somente a nós mesmos, quando estamos a sós e os nossos olhos nos enviam as perguntas que a nossa boca talvez não seja capaz de formular abertamente. É fazer um balanço, um resumo da própria vida, um olhar para Deus e colocar-se em sua presença para julgar-se, mas também um perdoar-se, um acolher-se de novo, um reencontrar as forças para tentar retomar o caminho. A água que no banheiro, como na cozinha, enche este lugar é, mais ainda, o símbolo de um fluir da vida que traz consigo dor e amor, aco-

lhida e perdão. Desejo de se faze rem novos e de renascer toda vez de uma maneira nova. "Estamos cientes de que o nosso corpo fala tanto quanto a nossa boca e que, de fato, vivemos uma estrita correlação entre intimidade, afetividade e corporalidade. Se estamos bem conosco mesmos e com o mundo que nos rodeia, o nosso corpo se distende, se abre a gestos de acolhida e, quando estamos em dificuldade relacional ou vivemos uma situação de fechamento, manifestamos também uma rigidez corporal como defesa. As barreiras levantadas pelo próprio corpo, mesmo invisíveis, são muito resistentes e só uma igualmente forte capacidade de calor e de emotividade afetiva consegue conduzir de volta, pouco a pouco, à distensão positiva, que significa abertura à relação. Às vezes, sentimos a necessidade de estar a sós conosco mesmos, porque é necessário fazer as contas com o próprio eu diante de certas posições a serem assumidas, ou de certas decisões a serem tomadas, quando o outro que está a seu lado pode ser companheiro, mas não pode substitui-lo nas escolhas que você fez ... Outras vezes, porém, o banheiro é também o lugar onde nos abrigamos para buscar conforto para uma dor tão grande que parece que não possa ser compartilhada; ali, no banheiro, se pode chorar e, depois, enxaguar o rosto e, após têlo regenerado com água fresca, procurar retomar o caminho, e a porta que se abre de novo significa "estamos prontos para recomeçar... "


O PORÃO, O NOSSO PORÃO A vida de cada dia nos leva a correr atrás de compromissos e de necessidades e, muitas vezes, não nos sobra tempo para uma justa e oportuna reflexão sobre as coisas e as experiências, mesmo sabendo que, cientes ou não, tudo vem atrás de nós e que nada daquilo que vivemos é perdido. E isso ocorre também se e quando a memória parece não ser nossa amiga, também se e quando nos ofusca e confunde as lembranças que a custo conseguimos distinguir, também se e quando parece jogar de esconde-esconde com o nosso coração, fazendo pular viva e vital diante de nossos olhos uma voz ou um rosto que acreditávamos perdido para sempre. A vida de hoje, com os seus tempos tão rápidos e prementes, parece nos querer obrigar a proceder sem nunca dirigir o olhar para o passado, com o corpo e com a mente constantemente projetados para frente : para frente para fazer, construir, realizar, afirmar, se tornar.. . Sem nenhuma dúvida é por si só positivo caminhar na vida serenamente, voltados para frente , com vontade de projetar todo dia novas modalidades de ser e novos espaços de criatividade, mas seria um grande erro pensar em abrir mão do que foi e do que fomos , pensar em poder privar a mente da reflexão consciente a respeito do percurso feito, dos caminhos percorridos, das trilhas procuradas e não encontradas, e seria um erro ainda mais grave pensar em poder privar

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o coração da experiência forte do "sentir-se vivos", que pode nascer de uma emoção profunda trazida por uma lembrança longínqua. O porão, real ou simbólico, é o lugar da memória tangível, lá onde se colocam objetos que, aos poucos, não servem mais ao nosso presente, mas dos quais sentimos que não podemos desfazer-nos, porque estão muito carregados de significado e de valor, é o lugar que visitamos de vez em quando, impelidos por uma exigência concreta, mas também solicitados pelo desejo de nos afastar do presente para reencontrar antigas emoções ou para reviver sensações que pertencem somente a nós. Não são todas as casas que têm um porão real, mas cada casa esconde um pequeno porão, uma gaveta, um canto de armário, um mezanino obtido pelo rebaixamento de um forro ou, de forma ainda mais essencial, uma mala ou uma caixa de papelão capaz de conter a bagagem das lembranças, o fio da memória, as raízes de cada história. Às vezes, realmente, vamos mexer nas coisas velhas, não para buscar algo específico, mas só pelo desejo de passear entre objetos que não fazem parte do nosso cotidiano, que, porém, têm ainda para nós e dentro de nós um forte significado. São coisas que nos fazem voltar no tempo, trazendo para a memória momentos ou episódios distantes, que conservam ainda todo o poder de uma emoção profunda que nos toma totalmente num instante, anulando qualquer distância. Na realidade, nem precisamos CM 438


ter também um porão real no qual ir procurar coisas ou objetos que nos conduzam atrás no tempo: carregamos o porão secreto dentro de nós, num canto da nossa mente, no espaço profundo do nosso coração, lá onde tudo o que se viveu está presente, onde talvez algumas situações, algumas experiências, algumas sensações estejam apenas colocadas na sombra, prontas a reencontrar toda a sua força emocional impetuosa, se somente uma palavra, um gesto, uma lembrança venha a lhes devolver luz e vida. O porão de cada homem é o lugar escondido que contém a bagagem de cada vida. O que há de inexistente , mas real, no nosso porão? Muitíssimas coisas, muitíssimas pessoas, muitíssimos acontecimentos que construíram os nossos trinta e mais anos de casamento têm algumas figuras importantes como aquelas dos nossos pais, com os quais mantivemos relações diferentes no tempo, às vezes conflitantes e depois cada vez mais serenas; surgem rostos de um avô e de um tio particularmente amados e que consideramos fundamentais para a nossa formação, rostos de amigos que não estão mais entre nós, mas que sentimos fortemente presentes ao nosso lado. E, depois, estamos nós com as palavras que nos dissemos no decorrer dos anos, com os gestos de acolhida, de confronto, de perdão e de amor que demos um ao outro. Somos um casal com muitos anos de casamento, e um caminho tão longo não pode acontecer sem obstáculos e assim foi também para 43~

nós: ao lado dos dias de amor e de entusiasmo, vivemos também os dias de decepção, de solidão, de sofrimento e de dor; contudo, hoje conseguimos dizer "obrigadd' também por estes dias, porque é a experiência da alegria e da dor que permite crescer sempre mais em "humanidade". A nossa vida de casal foi e ainda é toda uma sucessão de ir e vir ao encontro e de encontro ao outro, uma sucessão de sentimentos que, às vezes, nos fazem convergir e outras vezes parecem que nos fazem afastar.. . Queremos referir-nos a todos aqueles momentos em que prevaleceu o egoísmo em nossa vida, o desejo da própria afirmação, a fraqueza e o cansaço, momentos gerados por nós mesmos , quando estivemos muito cansados para dedicar as nossas energias em favor do outro, quando estivemos muito fracos e pobres para renunciar à tentação sempre presente de nos sobrepor ao outro, quando estivemos muito ocupados conosco mesmos para perceber que estávamos esquecendo o outro e suas necessidades. Mas não existem coisas que não nos perdoamos, não temos rancores se agitando nos antros cavernosos da nossa mente, temos, porém, ainda coisas para nos perguntar e coisas que esperamos um do outro. Zonas de sombra que ainda esperam a luz, uma luz que nos ajude a tornar mais claros certos cantos, que nos permita colocar em foco certos pensamentos e certos sentimentos que ainda moram em nossa intimidade de forma desordenada ou, 1


talvez, desfocada, ou escondida. Uma luz capaz de iluminar a escuridão: pode ser o raio de sol que se infiltra na atmosfera obscura do lugar, pode ser a mão que encontramos pronta a nos acolher e sustentar em nosso avançar às vezes um pouco às cegas, pode ser a Palavra de Deus Pai que chega de repente, para nos abrir caminhos e trilhas, também entre as coisas, os objetos, as lembranças, os sentimentos, que, sozinhos, não havíamos conseguido vislumbrar... Iluminar as zonas de sombra da nossa vida significa buscar a orientação da Luz de Deus, significa, concretamente, continuar a se mover entre as coisas do mundo, entre as coisas dos homens, inclusive na escuridão do porão ou na escuridão de alguns dias e de alguns momentos, certos de que estamos nos movendo entre as coisas de Deus, significa ter a consciência de que, quando dirigimos a Deus a oração "de nos fazer morar todos os dias de nossa vida na casa do Senhor... " (S I 27), na realidade é o que já nos foi dado, mesmo que nem sempre nos lembremos, e continuemos a pensar, como quando éramos crianças, que "Deus é o Ser perfeitíssimo que está no Céu, na terra e em todo lugar" e, assim dizendo, O tornamos invisível e desencarnado da vida cotidiana, da história das pequenas histórias, do coração de todos aqueles que vivem ao nosso lado. Se é Luz do mundo, ou melhor, já que é a Luz do mundo, o nosso Deus, aquele que se fez Homem por nós, deve ser Luz também no nosso 38 I

quarto de dormir, para dar profundidade divina ao nosso unir-nos conjugal; nas nossas salas de estar, para impregnar de sua sabedoria os nossos discursos que orientam nossas escolhas; nas nossas cozinhas, para ensinar-nos a compartilhar a alegria do alimento preparado, oferecido e saboreado juntos; nas nossas varandas, para iluminar os rostos de quem corre o risco de passar pela rua indiferente e despercebido aos nossos olhos,; nos nossos sótãos, para fazer resplandecer de um significado novo todas as coisas vividas com dor ou com amor, mas que não devem ser esquecidas. Se a evangelização é entregue por Deus às nossas pobres vidas, se a oração é realmente abandono entre os braços do Pai: nEle depositamos as nossas esperanças, nEle colocamos as nossas dores e as nossas preocupações, com Ele conseguimos olhar o amanhã dos nossos dias, também quando a fadiga cotidiana deixa nosso olhar baixo e incapaz de levantar-se em direção a horizontes mais amplos e luminosos. Este é o único modo que a vida nos ensinou para procurar ser um casal cristão, célula de evangelização e mensageiros do amor de Deus para a humanidade. Isso é o que quisemos compartilhar com vocês hoje, para que as suas casas sejam habitadas pelo amor de Deus e possam doar, a quem nelas entrar, o respiro e o perfume do amor de Deus: que as nossas casas tenham sempre este espaço de oração que se faz vida e de vida cotidiana que se faz sacramento de Deus. CM 438


CASAL, CÉLULA DA EVANGELIZAÇÃO Mariola e Elizeu Calsing - Região CO I Testemunho • 17 de julho de 2009

No dia em que fomos convidados pelo Casal Responsável pela Super-Região Brasil para dar este testemunho, Graça e Roberto simplesmente nos disseram: não nos perguntem por quê! Como têm sido nossas atitudes quando convidados a realizar algum trabalho na Igreja e em nosso Movimento das Equipes de Nossa Senhora, aceitamos como mais uma missão divina, e começamos a fazer nossa reflexão sobre as razões do convite. Percebemos , ao longo de nossos vários "Dever de Sentar-se" preparatórios à redação deste testemunho, que nada tínhamos de especial para partilhar, principalmente para uma ocasião como essa. Passamos a refletir sobre nossa caminhada juntos, desde a época do namoro, que começou de uma forma, digamos, muito abençoada. Nós nos conhecemos em uma festa, num sábado à noite, na casa de um amigo, e depois de alguma conversa, de dançarmos, de mais conversa e mais dança, Elizeu pediu para me ver no dia seguinte. Disse a ele que já era de madrugada e que certamente dormiria até mais

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tarde no domingo, mas que a única certeza que tinha era de participar da Missa das 17 horas. Prontamente ele se dispôs a ir à Missa comigo. Disse a ele que não era necessário me acompanhar, que poderíamos nos ver depois da Missa, mas ele respondeu que também costumava ir à Missa aos domingos. Isso dito em pleno Rio de Janeiro para uma mineira de família tradicional, que lhe havia alertado para os perigos dos rapazes das cidades grandes. Assim, nosso primeiro encontro com vistas ao namoro deu-se na Igreja de São Paulo Apóstolo, em Copacabana. Nossa reflexão, ao preparar este testemunho, foi procurar entender os desígnios de Deus ao longo de nossos quase 34 anos de casados, a serem completados em setembro próximo. Nosso casamento foi realizado


pelo Pe. Oscar, tio do Elizeu, e que tinha mais três irmãos padres . Casamo-nos na capela da Casa Grande da Fazenda da Floresta, em Juiz de Fora e no dia anterior ao casamento confessamo-nos juntos com o Pe . Oscar - na verdade foi mais uma conversa informal para que ele pudesse me conhecer um pouco mais, pois ao Elizeu conhecia bem. Lembrou-nos ele de Mt 7,24-27, de que o casamento cristão deve ser alicerçado sobre a rocha, que é Cristo. Ou seja, conhecendo as circunstâncias em que nos encontrávamos e nossa fé , disse que deveríamos construir sobre Cristo e com Cristo nosso casamento, a exemplo de cada um de nossos pais; disse que construir nosso casamento sobre Cristo e com Cristo deveria ter o seguinte significado: fundamentar em Sua vontade nossas aspirações, expectativas, sonhos, ambições e todos os nossos projetas pessoais, conjugais e familiares . Apesar de termos feito o curso de noivos, de vermos o exemplo de nossos pais e de praticarmos a religião católica, não internalizamos, desde logo, que o sacramento do Matrimônio deveria ser uma fonte de graças e de bênçãos para cada um de nós dois, e que deveríamos irradiar estas graças e bênçãos para todos os que nos cercam. Não internalizamos que um deveria ser evangelizador do outro; que um deveria ser responsável pela santificação do outro. Poderíamos , àquela altura , apenas intuir que o sacramento 40 _I_

que recebíamos tinha um significado maior do que conseguíamos entender. Mas a nossa juventude, a nossa paixão, a vontade de estarmos juntos, a despreocupação inerente à imaturidade fizeram com que postergássemos a compreensão da real dimensão do ato que celebráramos. Temos sido abençoados ao longo de nossa existência juntos. Temos quatro filhos maravilhosos: Gustavo de 31 anos; Renata de 28 anos; Gabriela de 24 anos e Rafaela de 21 anos. Todos, certamente, cresceram aprendendo os mesmos valores humanos e cristãos, e cresceram, principalmente, acompanhando-nos em suas diversas fases da vida, em nossas diversas atividades sociais, profissionais e religiosas. Pela graça de Deus , nada, ao longo destes anos, impediu-nos de realizar nosso projeto de vida conjugal e familiar, que sempre procuramos estruturar, principalmente a partir de nossos diálogos conjugais muito frequentes e na oração. Mas, na verdade, nosso projeto de vida conjugal e familiar, alicerçado no projeto de Deus a nosso respeito, aquele que vamos percebendo e entendendo no cotidiano de nossas vidas, só começou a ter consistência quando entramos para o Movimento das Equipes de Nossa Senhora, há 29 anos atrás, depois de três anos e meio de casados. Mesmo sem compreender seus objetivos e mística, mas atendendo a um convite de uma amiga de faculdade , que me disse que era C.:\11

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algo muito bom para fortalecer a amizade entre os casais e para ajudar no crescimento da espiritualidade conjugal, logo percebemos que estávamos encontrando um grande tesouro para nós dois. Não tínhamos qualquer envolvimento paroquial até então. Éramos daqueles espectadores acomodados, que se beneficiavam do trabalho pastoral desenvolvido pelos outros. Passamos a nos interessar tanto pelo Movimento, que logo fomos convidados a participar de uma Sessão de Formação. Gostávamos de toda a literatura produzida pelo Movimento, da qual éramos ávidos leitores. Pouco tempo depois, éramos convidados a entrar para a equipe de Setor, desempenhando a função de casal social e espiritual, com o objetivo de ajudar na animação dos casais , de contribuir com a expansão sustentada do Movimento, quando seu crescimento acontecia bastante rapidamente. Nessa época, ainda não tínhamos nossas carreiras profissionais estruturadas. Estávamos, na verdade , iniciando nossas carreiras com muita dificuldade e já com dois filhos pequenos: de 4 e de um ano de idade. Aconteceu que , mesmo assim , fomos convidados a ser casal responsável de setor. Em menos de dois anos, assumimos a responsabilidade da Região CentroOeste , hoje dividida, em função da expansão do Movimento das ENS, em seis regiões diferentes, pois incluía o Centro-Oeste e o Norte do país.

Por volta de 1985/86, um Sacerdote Conselheiro Espiritual das Equipes, recém chegado ao Brasil para assumir a coordenação do Setor Família da CNBB, convidou-nos a fazer parte de sua equipe de assessores, para contribuir com a organização da Pastoral Familiar no Brasil. Mesmo aceitando, pois não haviam muitas alternativas em contrário, tivemos que fortalecer a vivência de nossos PCE, principalmente a Oração Conjugal e o Dever de Sentar-se, embora sem descuidar da Leitura e Meditação da Palavra de Deus. Paramos para fazer um bom Retiro e refletir se não estávamos abraçando coisas demais . Mesmo porque não entendíamos bem as razões destes chamados. Três passagens importantes do Evangelho serviam de base para nossas reflexões e angústias, pelo medo de não dar conta das atividades todas . A primeira: Àquele que muito se deu , muito será pedido, e a quem muito se houver confiado, mais será reclamado. (Lc 12,48) Realmente, estávamos recebendo muito, em todos os aspectos de nossas vidas e de nossos familiares. Nossa vida profissional a esta altura já estava se consolidando. Uma segunda passagem importante: "Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus". (Lc 9,62) Esta exigência da vocação apostólica de todo batizado não nos deixava alternativas. Não que qui-


séssemos estar em tantas frentes de trabalho na Igreja e no Movimento, mas não dava para parar e deixar de trabalhar para a construção do Reino de Deus já entre nós. A terceira passagem fala da necessidade de nos abandonarmos à Providência de Deus: "Não vos preocupeis com a vida, quanto ao que haveis de comer, nem com o corpo, quanto ao que haveis de vestir". (Lc 12,22-32) Nessa época estávamos comprando nossa casa própria. Mas, percebemos que, pelo acúmulo de atividades, estávamos dando um passo um pouco maior do que nossas possibilidades. Chegou um momento que estávamos sem condições de pagar uma destas prestações intermediárias da casa. Fazíamos um Dever de Sentar-se para rever como ia nossa caminhada ou como estávamos concretizando nossos projetas de vida conjugal e profissional, com as luzes da casa apagada, usufruindo da iluminação pública que lançava um brilho todo especial na sala onde estávamos sentados e também rezando. Eis que, de repente, toca o telefone e, do outro lado alguém perguntava pelo Elizeu, que não conseguia localizá-lo fazia muitos meses. Ele estava ansioso em pagar por um trabalho de consultoria feito há mais de um ano. A quantia era um pouco a mais do que precisávamos para pagar o banco, para que ele não executasse a promissória que vencia no dia seguinte. Desse modo, ainda que estivéssemos super preocupados, talvez

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esquecidos desta passagem do Evangelho que tanto conforto nos trás, Deus proveu e nossa preocupação se esvaiu. Nossa vida não foi um "mar de rosas" nesse tempo todo. Diversas dificuldades aconteceram, mas a Providência Divina sempre estava conosco, nos iluminando, nos amparando e permitindo que nos aprofundássemos em nossa fé , esperança e caridade. Isto nos fortalecia como casal. Ajudávamo-nos mutuamente; um se responsabilizava pelo outro e o Espírito Santo nos iluminava e ensinava naquilo que deveríamos dizer e fazer. E quando hoje me perguntam se estou no caminho da santidade, digo que sim, graças ao Elizeu, que tomou a si esta tarefa . Costumo dizer, e os irmãos de equipe bem o sabem, que Elizeu é a minha "montanha", na concepção bíblica do termo - usada para, em sentido figurativo, destacar aquele lugar em que se está mais próximo de Deus - pois é isto que ele encarna para mim. Com ele estou mais perto de Deus, sendo certo que , sem ele, como que me afasto da presença divina. Com efeito, somos ele e eu uma só carne. Aliás, tenho tido a oportunidade de testemunhar esta maravilha em várias oportunidades da vida, inclusive na área profissional. Por ocasião da minha sabatina no Senado Federal, perante a Comissão de Constituição e Justiça, declarei, na presença de todos os Senadores que ali estavam e, na verdade, C\11 438


para todo o Brasil que estivesse sintonizado na lV Senado, que Elizeu, com seu amor, seu carinho, sua dedicação, seu companheirismo, sua cumplicidade e suas orações tem feito minha vida, a cada dia, valer a pena ser vivida. Podemos dizer, com toda tranquilidade, que temos vivido nossa vida espiritual a partir do nosso amor um pelo outro, compreensão que só alcançamos com a vivência que nos propiciou o Movimento das Equipes de Nossa Senhora ao longo de todos estes anos. Aqui queremos fazer um reconhecimento público à nossa Equipe de base, à nossa querida Equipe 19, de Nossa Senhora das Famílias, que sempre praticava a ajuda mútua e nos apoiava em nossas atividades e ajudava em diver-

sas necessidades, quando tínhamos que nos ausentar de casa e de nossos filhos , por exemplo. Casais de nossa equipe estudavam com eles, iam pegá-los no colégio, levavam para passear, apareciam nos finais de semana lá em casa quando estávamos em viagem pelo Movimento ... Nosso Conselheiro Espiritual, na época, muitas vezes se mudava para nossa casa em finais de semana, levava os filhos para a Missa aos domingos e até nas festinhas que eles tinham de ir; enfim, todos realizavam assim a prática do verdadeiro espírito de equipe, de acolhimento e de solidariedade. Nem concluímos nosso período regulamentar de casal responsável de região, fomos convidados para participar da ECIR- Equipe de Co-


ordenação lnter-regional, a atual Super-Região Brasil. Novo desafio! Ou seja, estávamos continuando nosso trabalho no Movimento das Equipes de Nossa Senhora e na Igreja, com a convicção de que teríamos que irradiar estas graças e bênçãos para outros casais, para outras famílias , para todos os que nos cercam no dia-a-dia. Em 1994, Ano Internacional da Família, e ainda participando do Setor Família da CNBB, contribuímos com diversas atividades da Campanha da Fraternidade sobre a família. Também , neste mesmo ano, ocorreu o Encontro Internacional das ENS em Fátima, quando tivemos a felicidade de participar de um painel com casais de diversos países para debater sobre a situação da família e sobre os valores familiares que estavam sendo mais valorizados em nosso país e no mundo. Nosso diálogo conjugal sempre foi um ponto forte em nossas vidas. Participando intensamente das atividades da ECIR, tivemos a oportunidade de nos fazer presentes em diversos EACRE pelo País afora, o que nos fazia conhecer a realidade de nosso Movimento e verificar in locu seu crescimento e a alegria dos casais e conselheiros espirituais pelo seu crescimento espiritual e conjugal. Um fato interessante aconteceu no intervalo entre um EACRE e outro na Região Nordeste. Estávamos em Fortaleza junto com D. Nancy Moncau . Elizeu teve de retornar a Brasília no domingo à 44 --~

noite por razões profissionais, e nos encontraria no final de semana seguinte. Nós duas, portanto, fomos à cidade do Recife e ficamos hospedadas na casa de um casal equipista. À noite, antes de dormir, e já no quarto, conversava muito com D. Nancy. E, numa destas noites, ela me confidenciou que, antes de dormir e de fazer a Oração Conjugal, sempre conversava com Pedro Moncau sobre as coisas da vida, da família, do Movimento e de tantos acontecimentos do dia-a-dia. Disse-me ela que tinha sido a primeira vez que conversava com alguém, daquele modo, depois da morte de seu esposo. Que tinha saudade destes momentos em que faziam uma retrospectiva do dia e concluíam com a Oração Conjugal e o Magnificat. Foi a partir deste, digamos, "desabafo" de D. Nancy que passamos a fazer nossa oração conjugal deste mesmo modo, revendo os acontecimentos do dia, entregando-os a Deus, conversando sobre o dia seguinte. Neste momento, gostaríamos de homenagear D. Nancy, que tanto amava o Movimento das Equipes de Nossa Senhora. Contribuímos com a coordenação do I Encontro Nacional das ENS, realizado em Brasília, e D. Nancy nos enviou uma mensagem na ficha de avaliação, traduzindo seu sentimento por ter participado daquele evento, e que inclusive foi publicada na Carta Mensal de outub ro de 2003 . Dizia ela : "Quando fizerem o próximo EnC!\4438


contra, estarei com 100 anos . Mas, se estiver viva e puder andar, já estou inscrita". É esse ânimo renovado que sempre procuramos viver em nossas vidas, mesmo vencidos, algumas vezes , pelas dificuldades e pelo cansaço das inúmeras atividades, notadamente do trabalho profissional. Inúmeras vezes começávamos a trabalhar nos assuntos do Movimento e da CNBB tarde da noite, depois que tínhamos colocado os filhos para dormir. Era comum ficarmos trabalhando até duas, três horas da madrugada. Entretanto, jamais deixamos de participar ativamente de tudo que dizia respeito a nossos filhos , à nossa família. Também participamos de um projeto editorial, junto com Heléne e Peter Nadas, de São Paulo, como editores de uma revista, Família e Vida , juntamente com outros casais equipistas e conselheiros espirituais. Infelizmente, aquele projeto, depois de alguns anos, teve que ser interrompido, uma vez que não alcançou sua sustentabilidade econômica. Mas, representou um instrumento muito importante e útil de evangelização e de defesa dos valores cristãos do casamento e da família. Aliás, é interessante dizer que no local de trabalho sempre tivemos inúmeras oportunidades de testemunhar nossas convicções religiosas e nossa conjugalidade. Fomos e temos sido procurados constantemente para dialogar so438

bre nosso Matrimônio e vida familiar, como também para aconselhar e orientar pessoas e casais em dificuldades, ou com necessidade de simplesmente desabafar e ser ouvidos por alguém com calma e atenção. Muitos nos vêem como um "casal certinho" , que convive bem e em harmonia, sem conflitos aparentes, com uma família feliz e bem estruturada. É verdade em grande parte! Procuramos, como já dissemos , nos apoiar mutuamente e nos completar um ao outro, até porque temos origens familiares muito distintas, embora criados a partir dos mesmos valores humanos e cristãos. Queríamos dizer que sempre fomos muito abençoados com as pessoas que ainda hoje trabalham em nossa casa. A Ana Aparecida, que nossos filhos apelidaram de Tati , por exemplo, está conosco desde quando nosso filho mais velho tinha um ano de idade. Portanto, ela está conosco há 30 anos e tem dedicado, literalmente, sua vida para nos ajudar e ajudar no desenvolvimento e criação de nossos filhos . Tanto, que representa uma segunda mãe para eles. Hoje, eu (Elizeu) estou aposentado e Mariola chegou no topo da carreira da magistratura do trabalho. E continuamos a servir nosso Movimento, participando de uma Equipe Satélite recém criada; a servir nossa Igreja, trabalhando no Tribunal Eclesiástico da Arquidiocese de Brasília. 4


Se damos este testemunho de nossa caminhada como casal e família, tanto no Movimento das Equipes de Nossa Senhora quanto na Igreja , não é , certamente, para nos vangloriar. Aliás , neste mesmo sentido, uma passagem de lCor 9,15-18 tem sido marcante para nós e tem ajudado a direcionar constantemente nossas vidas. O apóstolo Paulo, escrevendo aos coríntios sobre seu exemplo como evangelizador e missionário, diz claramente que "anunciar o evangelho não é título de glória para mim ; é, antes, uma necessidade que se me impõe " . E continua: "Ai de mim se eu não anunciar o evangelho". E conclui com duas frases marcantes: • Faço tudo isto por causa do evangelho, para dele me tornar 12articipante; e, • Aquele que anuncia o evangelho, que viva do evangelho. Portanto, e concluindo, queremos agradecer a Deus por termos tido a oportunidade de apresentar este breve testemunho. Talvez aí esteja uma razão do convite de que falamos no início, feito pelo casal responsável pela Super-Região Brasil : não podemos guardar para nós as maravilhas que o Senhor, nosso Deus, tem operado em nós como casal , em nossa família , em nossa equipe de base , em nossa comunidade eclesial e em tantas outras dimensões da nossa vida . Fazendo esta breve retros pectiva , chegamos à conclusão 46

de que nossa vida humilde e sincera , por onde passamos , talvez tenha ajudado a mudar mentalidades , a renovar estruturas , a inovar caminhos , a abrir corações para condutas mais justas e evangélicas , a tornar pessoas mais felizes , a converter nossos irmãos. No início deste ano estávamos participando da missa das 18h30min em nossa Paróquia , depois do trabalho, quando, ao se formar a fila da comunhão, uma moça jovem, que conhecemos, casada e com dois filhos , se aproximou de onde estávamos e nos disse que ela e o marido queriam viver como nós vivíamos e que ela comungava nesta intenção! Queremos finalizar da mesma maneira como iniciamos nosso testemunho. Se iniciamos nosso namoro participando da Eucaristia, é nela que temos encontrado o sabor e o gosto para permanecermos no nosso amor. Na Eucaristia rememoramos o sacrifício de Cristo pela humanidade e, eu e Elizeu , rememoramos , ainda , toda a nossa vida juntos. A cada santa Missa que participamos , voltamos às nossas origens e agradecemos a Deus por tantas graças e bênçãos recebidas. Como casal , saímos fortalecidos de um momento como este aqui para continuarmos nossa missão com ardor renovado e com a respo nsabilidade de continuar contribuindo para a construção do Re ino de Deus entre nós . Muito obrigado! ( v1 438


A MENSAGEM DE HENRI CAFFAREL PARAAS ENS DO BRASIL Pe. Flávio Cavalca de Castro, redentorista Conferência • 17 de julho de 2009

Pe. Henri Caffarel foi um enviado de Deus para os casais, para ajudá-los na procura da santidade. Viveu num momento histórico, quando renascia a reflexão sobre a vida de Igreja e o sentido do matrimônio1. E teve contato pessoal com pioneiros na renovação da pastoral familiar e juvenil. 2 Desde logo, porém, apontou as características de sua teologia do matrimônio, afirmando que a diferença sexual é estrutura fundamental do ser humano, que o amor humano e o casamento têm lugar privilegiado na história da salvação, e que a mística matrimonial deve voltar-se mais para a vida do que para a moraJ.3 Pe. Caffarel, por gênio e formação, era pessoa mais prática do que teórica, e sempre procurou respostas práticas para as necessidades encontradas. Procurado por casais interessados em fazer do casamento um caminho de perfeição cristã, não lhes ofereceu resposta, mas convidou-os para que juntos a buscassem, à luz da oração e da vida, num caminho gradual de muitas descobertas. Puderam entrever o amor divino refletido no amor do casal

que, vivido, é o sacramento do Matrimônio. Descobriram na caridade infusa a salvação e a sublimação do amor matrimonial. Assumiram, sem ilusões, a sexualidade no seu pleno sentido humano e cristão. Avançaram pelos caminhos da espiritualidade, superando a espiritualidade individual para assumir a espiritua-

1. M. J. ScHEEBEN (1835-1888): Os mistérios do cristianismo. DIETRICH VON HlLDEBRAND (18891977): O matrimônio, o mistério do amor fiel. A. Christian: Ce sacrement est grand. Témoignage d'un foyer chrétien. (1938). AMBROISE-MARIE ROBERT CARRÉ op (1908-2004): Compangnons d 'éternité. PIERRE DuPOUEY: Lettres et essais. 2.

Ambroise-Marie Robert Carré op, Paulo Doncoeur sj, Jean Viollet

3.

JEAN Ail.EMANo: HENRI CAFFAREL, Um homem arrebatado por Deus, Ed. Das Equipes, p. 36-37.

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!idade conjugal. Assumiram alegremente a missão de difundir os valores do amor e do casamento. A serviço dos casais, Caffarel pôs uma inteligência viva, uma simpatia cativante e um estilo muito pessoal. Agora, porém, devo apresentar sinteticamente sua mensagem para os casais equipistas do Brasil. Foram eles privilegiados, podendo usufruir de um estreito e enriquecedor contato com ele, através de três visitas e muita correspondência. Vou destacar os pontos salientes de sua orientação para as equipes do Brasil. I- OS CONTATOS DE CAFFAREL COM O BRAS I L Os primeiros contatos Tudo começou de modo inesperado, muito além dos planos de Caffarel, para quem o Brasil certamente, bien !à bas, pouco significava. Nos planos de Deus, porém, do outro lado do Atlântico consolidava-se a cabeceira de uma ponte: o casal Nancy e Pedro Moncau que, havia mais tempo, estava em busca de um aprofundamento para seu matrimónio. Em novembro de 1949, em S. Paulo, um grupo de casais ouvia uma palestra sobre família. No final, o domicano Pe. Desmarais disse que tinha conhecido na França os "Grupos de Casais do Pe. Henri Caffarel". Logo no dia 30 Pedro Moncau escreveu para Caffarel , pedindo-lhe informações sobre sua proposta para a espiritualidade conjugal. Em dezembro, Caffarel respondeu, dizendo que os grupos de

casais por ele orientados "têm o objetivo essencial de ajudar os casais a tender para a santidade, nem mais nem menos". E providencia que se remeta para o Brasil a documentação básica sobre a proposta. Deve ter logo depositado grande esperança em Pedro e Nancy, porque escreve: "Se tiver tempo de tomar conhecimento desses documentos e interessar-se por eles, ficarei pessoalmente muito feliz em conhecer sua opinião. Não hesite em escrever-me e colocar-me a par de seu modo de pensar. Não receio as contradições e desejo vivamente receber sugestões úteis. " A reação de Pedro foi imediata: "Era isso que eu há tanto tempo procurava!" . Nancy e o grupo de casais não foram menos entusiastas. Em 13 de maio de 1950 reuniu-se a primeira equipe do Brasil. Pedro e Nancy foram eleitos como casal responsável pela equipe. Ao comunicar o fato a Caffarel, são surpreendidos por ele: não serão responsáveis apenas por essa equipe, mas pelo desenvolvimento das Equipes de N. Senhora em todo o Brasil! Insistia, porém , Caffarel: "Permita-me, entretanto, que o aconselhe a não iniciar senão com casais muito desejosos de compreender as exigências de sua fé e de vivê-las melhor. Vale mais ter menos equipes em uma região, mas que elas sejam portadoras de uma imagem muito pura." As visitas ao Brasil Por três vezes Pe. Caffarel visitou o Brasil. Basta ler os testemuC.M 438

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nhos de D. Nancy de muitos outros para perceber o impacto causado por sua presença e por suas palavras.

Primeira visita, e 5 a 9 ae julho de 1957 Havia dez equipes em S. Paulo e três no interior. Dias 6 e 7 houve reuniões de estudo e espiritualidade com um número bem reduzido de casais. O que talvez tenha decepcionado Caffarel um pouco. O dia 8 foi dedicado a encontros com os dirigentes de então. Destaco um toque de previsão nas palavras sobre a organização que deveriam providenciar: "Organizem a Equipe de Setor não para as necessidades de hoje, mas prevendo um número três a quatro vezes maior de equipes. "4 Depois dessa visita, Caffarel escreveu ao casal Nancy e Pedro: "É quase inacreditável verificar que, através dos oceanos e sem contato com o Centro, vocês apreenderam tão perfeitamente o espírito das Equipes e tenham realizado equipes tão autenticamente Equipes de N. Senhora. Quantas vezes, depois de minha volta de S. Paulo, depois de minha volta da América, bendisse o Senhor por isso!" {1-10-1957) A visita trouxe novo ânimo para o Movimento. Nos seis meses seguintes surgiram oito equipes em S. Paulo e três nos outros estados, e depertou-se um comprometimento maior com os serviços a serem 4.

N ANCY

prestados à Igreja. Surgiram os "Círculos Familiares", que ofereciam dois anos de conscientização para casais não equipistas, e "Cursos de Preparação para o Casamento". Tanto que, na organização do Movimento no Brasil, se criou um departamento especial de "Ação Apostólica".

Segunda visita. ou u:Jro-nouembro de 1962 De 1° a 4 de novembro, houve em Valinhos/SP uma sessão de formação para quarenta casais que exerciam responsabilidades maiores no Movimento. Essa "Formação de dirigentes" foi de importância fundamental para o futuro, tendo repercussão imediata nas equipes de base. Conforme o testemunho de Pedro e Nancy, além das palestras e reuniões públicas, houve reuniões reservadas aos dirigentes que acabaram sendo decisivas para a caminhada das ENS. Caffarel percebeu nas equipes sintomas de fadiga e apatia. Com os dirigentes brasileiros fez-se um diagnóstico e procuram-se soluções. Terceira visita, setembro de 1972 As equipes no Brasil já eram 350. Foram duas semanas de presença que, segundo testemunho de Nancy Moncau, foram marcantes e de influência duradoura na vida das equipes brasileiras. Houve duas Sessões de Formação, uma em

CAJADO M oNCAU, O sentido de uma vida, Ed. Loyola, 1986, p . 137.


ltaici (110 casais) e outra em Florianópolis (50 casais), e três Encontros Gerais com Equipistas em S. Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro.

li- OS PONTOS FORTES DE SUA MENSAGEM AOS CASAIS DO BRASIL 1. As ENS e as exigências do apostolado no Brasil Logo na primeira visita ao Brasil, 1957, Caffarel precisou orientar as Equipes cada vez mais solicitadas pelas necessidades do apostolado leigo no Brasil, principalmente na pastoral voltada para os casais e as famílias . Conforme o testemunho de Pedro Moncau, Caffarel aceita em princípio a hipótese de as Equipes de Nossa Senhora no Brasil deverem ter um apostolado familiar organizado. Considera , assim as Equipes de N. Senhora como tendo dois setores: um de espiritualidade, outro de ação. (. . .) Mas é preciso nunca esquecer que as Equipes de N. Senhora não são um movimento de ação, mas de aprofundamento. As Equipes formam cristãos integrais e, portanto, apóstolos"5 Essa decisão levou na época à criação de um Departamento de 5. 6.

7. 8.

Ação Apostólica, com cursos de preparação para o casamento e os Círculos Familiares. 6 2. As equipes são pequenas comunidades-igreja As Equipes são e devem ser verdadeiras comunidades-igreja; nisso está sua força . Esse o tema desenvolvido numa palestra intitulada Ecclesia , que ainda hoje deve ser objeto de estudo e meditação. Antes de muitos , Caffarel afirmou: "Num país como o Brasil o grande problema não é tanto converter os católicos, mas formar comunidades vivas e atuantes. " 7 Na terceira visita, em 1972, voltou ao tema: "Creio mesmo que todos os problemas atuais de "primavera renovada" da Igreja sejam resolvidos pela tentativa de suscitar em toda parte pequenas igrejas (ecclesias), à imagem da primeira equipe reunida em torno de Cristo, formada por Ele e transformada pelo Pentecostes. A Igreja, nossa grande, nossa querida, nossa bem amada Igreja Católica só será salva na medida em que as massas amorfas de cristãos constituírem equipes coerentes, ao redor do Cristo, animadas pelo Espírito de Cristo. Essa é a missão das Equipes de Nossa Senhora na Igreja de hoje."8

Pedro Moncau, in NANCY CAJADO MoNCAU, O sentido de uma vida , Ed. Loyola, 1986, p. 136. NANCY CAJADO MONCAU, Equipes de Nossa Senhora no Brasil, Ensaio sobre seu histórico, S. Paulo, 2000, p. 56-57. O. c. p. 56 O. c. p. 274. E continuava: "Vamos ver agora as peque nas igrejas, que são as equipes de Nossa Senhora. Temos a certeza de que não são uma reunião qualquer, mas uma ecc/esia, porque Jesus Cristo disse: "Se dois de vós se reunirem sobre a Terra para pedir, seja o que for, consegui-lo-ão de meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estão reunidos

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3. A responsabilidade das E\JS pelo Brasil É um ponto em que insiste já em sua primeira visita: As ENS precisam ter consciência de sua importância para o Brasil. É preciso manter fidelidade à proposta inicial, e fazer lento trabalho de expansão. Afirmava : "Eu vos conclamo a empreender e levar adiante uma ação sistemática e organizada: fundar uma equipe em todos os pontos principais do Brasil, lançar sobre vossa Pátria uma imensa rede da qual as equipes sejam os nós." 9 E preciso formar equipes que sejam celeiros de apóstolos, sempre a serviço da Igreja , sempre obedientes e capazes de pensar os problemas . Nunca deixar que a ação impeça a formação (oração e estudo) , porque senão a ação nos perderá. Em mensagem posterior, para o EACRE de janeiro de 1958, ele insiste: "Meu conselho é o mesmo:

máximo de mística e maxzmo de disciplina." "O Brasil precisa de santos. É preciso que cada um de vocês, a cada dia, procure a perfeição cristã para a qual Cristo nos convidou ... É preciso que vocês se ajudem mutuamente a tender para essa perfeição". Conforme D. Nancy, essas palavras despertaram grande espírito missionário nas ENS. A partir daí começou a grande expansão do movimento no Brasil. Em 195 7 havia 13 equipes no Brasil. Em outubro-novembro de 1962 já eram 167. Depois da visita, em dezembro escreveu aos dirigentes: "As notícias que recebo do Brasil, depois de minha partida, causam-me muita alegria. O aumento numérico de suas equipes prova bem a sua irradiação. E no princípio deste novo ano peço ao Senhor nas minhas orações, não somente que suas equipes se multipliquem, mas que sua vida interior cresça dia a dia." 10

em meu nome, aí estou eu no meio deles"(Mt 18 ,19). O problema é esse. Será que nossa Equipe de Nossa Senhora é uma ecc/esia, unida em torno de Cristo, que chama, que ensina , que forma e que sopra seu Espírito sobre cada um dos membros da equipe, ou é um mero círculo de estudos ou uma reunião de amigos? Não insisto mais porque estou justamente querendo propor à vossa reflexão este ponto! Que deveremos fazer de nossa equipe para que ela se pareça mais com a equ ipe que Jesus reun iu em torno dele, que ele formou e transformou no dia de Pentecostes?

Olhando por todo o mundo, penso que uma minoria das equipes são reuniões e não pequenas ecclesias. Creio que, na grande maioria, as equipes são ecclesias, isto é, estão reunidas em redor de Cristo como os apóstolos antes da Asce nsão, mas não são ecclesias de depois de Pentecostes, habitadas pelo Espírito Santo. " 9. O. c. p. 57 10. NANCY CAJADO MONCAU, O sentido de uma vida, Ed . Loyola, 1986, p . 140-141. E continuava: "Meu conselho é o mesmo: máximo de mística e máximo de disciplina. É preciso a todo o preço que elas sejam esta sementeira onde o Senhor encontrará aqueles homens e mulheres que darão testemunho de Cristo entre seus irmãos, nos postos mais humildes, como nos mais elevados. Mas isto só acontecerá se as equipes forem verdadeiramente escolas de vida cristã, cenáculos onde os apóstolos de Cristo venham abrir seus coracões ao Espírito de Deus. O Brasil necessita de santos. É preciso que cada um de vocês, a cada dia , procure a perfeição cristã para a qual Cristo nos convidou, quando nos d isse: "Sede perfeitos como


4. Sinais de cansaço e apatia Na segunda visita, em 1962, Caffarel detecta sinais de cansaço e apatia nas equipes brasileiras. Em reunião com os dirigentes locais, procura fazer um diagnóstico. 11 Levantaram-se diversas causas: 1) Formação religiosa insuficiente de muitos casais, que não lhes permite avançar conforme as propostas do Movimento. 2)Falta de casais ligação eficientes, falta de formação para as responsabilidades. 3) Falha no início de novas equipes, falta de espiritualidade, falha dos casais pilotos. 4) Situação social e económica, exigindo trabalho exaustivo dos casais. Caffarel aceita apenas uma explicação: equipes mal formadas , admissão de casais imaturos para a proposta equipista, com motivação puramente humana. E insiste: Há um só motivo válido para entrar nas equipes: a procura de Deus, para mais conhecê-lo e mais bem servi-lo" .12 Não se deixou comover pelas considerações apresentadas: Condições especiais do cristianismo no Brasil Sucesso das equipes na conversão de muitos casais.

Número limitado de casais capazes de assumir plenamente a proposta equipista. Não se pode fechar as equipes para tantos casais que poderiam ser conquistados para Cristo. Sua resposta foi taxativa: Esses casais imaturos sejam cultivados em iniciativas paralelas às equipes, durante um ano ou ano e meio, para que possam assumir um cristianismo adulto. Mesmo que isso signifique perda de várias equipes e o afastamento de muitos casais. Insistiu: ':4. vida do Movimento no Brasil depende disso." "Mais valem 500 equipes fortes do que 5000 medíocres", como tinha escrito em carta de 1957 ao Pe. Corbei\. 13

5. As ENS: Movimento missionário e não de conservação A Igreja tinha passado pelo Concílio Vaticano II, que a marcara profundamente. As equipes não poderiam deixar de ser também afetadas e provocadas. Caffarel tinha sido consultor da Comissão para o Apostolado dos Leigos, na preparação do Concílio. Promoveu entre os sete mil casais equipistas de então uma pesquisa: "O que o povo

vosso Pai celeste é perfeito". É preciso que vocês se ajudem mutuamente a tender para essa perfeição. Escrevendo isso, penso no Monumento aos Bandeirantes, que exprime tão bem a tensão vigorosa, tenaz, paciente, encarniçada, para um fim que se quer atingir a todo o custo. Como ele, sejam bandeirantes espirituais, tendam com todas as suas forças para a perfeição cristã e sintam-se responsáveis pela construção no Brasil de uma Igreja forte e irradiante, para ~ nfrentar um futuro que se anuncia, ao mesmo tempo, cheio de ameaças e de esperanças ... 11 . N ANCY C AJADO M oNCAU, Equipes de Nossa Senhora no Brasil, p. 81 12. o. c. p . 82 13. O. c. p . 82

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fiel espera do próximo Concílio, no campo do matrimónio?" Houve seis mil respostas, publicadas e enviadas a todos os bispos e ao Vaticano. Ainda mais, tinha acontecido também a Assembleia Episcopal Latino-Americana de Medellin. As equipes perguntavam-se , também no Brasil, como deveriam corresponder aos novos impulsos do Espírito. Houve uma reunião de reflexão, convocada pela ECIR,14 que apontou alguns pontos que deveriam ser enfrentados: falta alguma coisa para sustentar o avanço das equipes depois dos primeiros anos; falta de abertura para fora e de fecundidade espiritual; a direção do Movimento tem pouco cantata com as bases, o que gera falta de iniciativas e consequente desinteresse; é a hora da palavra e mais ainda da ação apostólica. 15 Numa segunda reunião formouse uma equipe para estudar todo o assunto, equipe que promoveu uma pesquisa entre os casais e conselheiros. Esse material foi depois en-

caminhado ao Encontro Anual de Responsáveis Regionais e de Setor e Coordenação em abril de 1969. Dessa reunião participaram um casal francês do Centro Diretor Internacional e o Pe. Tandonet (que iria suceder ao Pe. Caffarel). Foi nesse contexto que se deu a terceira visita do Pe. Caffarel em setembro de 1972. Não poderia deixar de procurar respostas para as inquietações vividas pelo Movimento no Brasil. Segundo ele, a resposta estava na linha de fidelidade à inspiração original das equipes, e num esforço para corresponder às necessidades e oportunidades da nova realidade vivida pela Igreja. Quanto a isso, insistiu que "as equipes não podem ser apenas um movimento conservador da fé: é preciso que sejam fermento. Não basta possuir o ensinamento do Mestre, é preciso possuir o Espírito de Cristo, o mesmo Espírito Santo que, no Pentecostes, transformou tímidos seguidores em testemunhas ardorosas do Senhor." 16

14. O. c. p. 104: "Em 7 de outubro de 1968 a ECIR, participando do clima reinante, envia aos Casais Responsáveis dos quatro setores de São Paulo, ao Casal Regional da Capital e ao do Rio de Janeiro, que vinha a São Paulo com freqüência, uma carta com os seguintes dizeres: "Profundamente preocupada com a estagnação que se registra em certas equipes, o desânimo que aflige determinados equipistas e as crises que atingem um ou outro Setor depois de vários anos de entusiasmo e progresso. Preocupada também com a conseqüente perda de vitalidade que isto representa para o Movimento e o empobrecimento decorrente para o mesmo das numerosas defecções entre os seus melhores elementos, tanto no Brasil como em outros países. Sentindo ao mesmo tempo a necessidade urgente de examinar o lugar e a responsabilidade do Movimento na Igreja e no mundo de hoje, face ao aggiornamento pós-conciliar, face também à evolução acelerada do mundo e às regras que regem a vida dos organismos. A ECIR, ao entregar-se a uma reflexão em profund idade sobre o assunto, deseja contar com a colaboração de vocês e convida-os a unir-se a esta reflexão por ocasião de uma reunião a ter lugar, sábado, 19 de outubro, das 15 horas em diante, no Secretariado" . 15. O.c. p. 105 16. o. c. p. 116

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Nesse contexto, em que se fala de comprometimento missionário, de abertura dos equipistas para a ação apostólica, gostaria de lembrar a observação fe ita por Marcel Delpont, acompanhante de Caffarel. Perguntome até se não a teria feito incitado por ele. Depont faz primeiro um elogio: parabéns pela abertura para meios culturais mais modestos e para casais jovens, o que favorecerá a renovação dos quadros. Depois faz uma pergunta incômoda: "Que é feito dos "Círculos familiares", iniciativa de apostolado familiar que tinha dado tantos frutos? Tanto mais que, depois da visita anterior, essa nova forma de apostolado familiar havia sido apresentada como exemplo para as equipes da Europa ... (Se me perdoam , aqui faço um parêntesis para repetir agora a mesma pergunta: "Que é feito dos "Círculos Familiares"?)

6. Não desanimar os fracos Ao mesmo tempo que se mostrava exigente na cobrança da fidelidade ao carisma, Caffarel insistia que se tivesse cuidado para não desanimar os casais que abraçam sinceramente o Movimento, mas ainda não conseguem praticar plenamente sua propos54

tas. Conselho que não pode ser esquecido. Como também não se deve esquecer o que disse na mes ma ocasião: Atenção para com os que não abraçam as propostas do Movimento, mas têm até objeções contra, ou não querem progredir.

7. Espiritualidade conjugal Depois de insistir que as famílias equipistas devem ser fontes de vocações sacerdotais , que se deve cuidar sempre da formação, e que a proposta das equipes não é apenas a prática do mínimo exigido pe la moral, Caffarel toca num ponto central: "Não estou certo de que os equipistas tenham bem compreendido o que significa espiritualidade conjugal. Há grande preocupação


de vida espiritual, marido e mulher individualmente. Mas a espiritualidade conjugal é mais do que duas espiritualidades individuais vividas lado a lado. Há um mistério do casal que é preciso aprofundar. É fonte de graças." 17 n. ENS do Br· si/ e o futuro Depois de deixar a espiritualidade conjugal como o grande e final desafio às equipes do Brasil, Caffarel diz o que encontrou aqui e o que espera para o futuro: "Muita coisa vi, muita coisa aprendi e parto acreditando cada vez mais na missão das Equipes de Nossa Senhora no Brasil" .18

III A DÍVIDA DOS CASAIS FQUI PISTAS BRASILEIROS COM CAFFAR[L A dívida dos casais equipistas brasileiros para com o Pe. Caffarel ficou mais que evidente no que se disse até aqui. Ele não lhes demonstrou apenas carinho e consideração. Ofereceu-lhes uma proposta-resposta para sua vida e confiou-lhes um tesouro valioso de espiritualidade que devem fazer frutificar. As ENS do Brasil formam o maior contingente no mundo: não é preciso salientar a responsabilidade daí resultante . Têm elas de corresponder ao dom de Deus e às expectativas do Movimento. Devem resgatar a dívida com Caffarel

dando toda a contribuição que lhes for possível para o crescimento da mística das ENS. Não podem os equipistas do Brasil esquecer o que lhes disse em setembro de 1972, num quase testamento : "Não posso, absoluta mente, contentar-me em transmitir-vos ideias prontas. As Equipes de Nossa Senhora devem ser continuamente reinventadas, e por isso é preciso que nestes três dias, nós reflitamos juntos. Não vou enunciar dogmas, vou propor temas para reflexão, o que é muito diferente. (... )Há uma grande crise na Igreja. Não devemos ser um movimento conservador, que mantém a fé na Igreja; temos de ser um fermento de renovação, se não de revolução espiritual. Se as Equipes de Nossa Senhora, depois do Concílio, não forem fermento de renovação na Igreja, serão postas de lado, para dar lugar a novos movimentos mais ousadamente revolucionários e capazes de trabalhar pelo "aggiornamento" da Igreja . (. . .) Essa é a questão que eu levanto. E estou certo que nem eu nem vocês podemos aceitar a ideia que as Equipes de Nossa Senhora só foram úteis durante um quarto de século. Nós queremos que elas sejam úteis para os séculos futuros , mas isso supõe que elas sejam repensadas em função dessa Igreja que precisa delas mais do que nunca." 19

17. O. c. p . 124 18. o. c. p . 124. 19. N ANCY CAJADO MONCAU, o.c. p. 265-266

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CASAL CRISTÃO, DOM DE DEUS PARA OS FI LHOS D. Tarcisio Nascentes dos Santos Homilia • 18 de julho de 2009

INTRODUÇÃO "Os filhos são, sem dúvida, o maior dom do matrimônio e constituem um benefício máximo para os próprios pais" (GS SOb) . Os filhos são, pois, um dom para os pais, para o casal. A nossa reflexão, porém, pretende considerar esta mesma dimensão de dom, mas num sentido inverso e recíproco, ou seja: o casal cristão, dom de Deus para os filhos. Mas antes mesmo de nos voltarmos para o casal cristão , convém ter presente que, segundo o plano de Deus, o casal humano, abstraindo mesmo do seu ser cristão, é dom de Deus para os filhos .

O CASAL, DOM DE DEUS PARA OS FI LHOS Desde a origem, o matrimônio - "esta grande realidade terrena e humana!" -e tudo o que dele faz parte - o dom mútuo do homem e da mulher, a sua comunidade de vida , o amor, a união carnal , a fecundidade ... - é dom de Deus para os filhos. De fato, o mesmo Deus que disse, "não é bom que o homem esteja só" (Gn 2,18) e que "desde a origem fez o homem varão e mulher" (Mt 19,4), querendo comunicar-lhe uma participação especial na sua obra criadora, abençoou o homem e a mulher dizendo: "Sede fecundos e multiplicai-vos"(Gn 1,28) . Por isso, ')f

"o autêntico fomento do amor conjugal, e toda a vida familiar que dele nasce, sem pôr de lado os outros fins do matrimônio, tendem a que os esposos, com fortaleza de ânimo, estejam dispostos a colaborar com o amor do Criador e Salvador, que por meio deles aumenta cada dia mais e enriquece a sua família" (GS 50), com seus novos filhos . O matrimônio, portanto, "não é fruto do acaso, ou produto de forças naturais inconscientes: é uma instituição sapiente do Criador, para realizar na humanidade o seu desígnio de amor" (HV 8). Os esposos, mediante a doação pessoal recíproca, que lhes é própria e exclusiva, tendem para a comunhão dos seus seres, em vista de um aperfeiçoamento mútuo pessoal, para colaborarem com Deus na geração e educação de novas vidas. A doação recíproca, no seio do ('\11

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casal, não é uma fusão ou simples justaposição. A personalidade de cada um dos cônjuges, afirma Paulo VI, "permanece distinta, e, longe de se dissolver na doação mútua, afirma-se e afina-se, cresce ao longo da vida conjugal, segundo esta grande lei do amor: dar-se um ao outro para se darem juntos" (Discurso às ENS, em 4 de maio de 1970, 6) . "A união do homem e da mulher é a imagem da Trindade de Deus; realiza a pluralidade na unidade" (Pe. Caffarel, A missão do Casal Cristão, nota 15, p. 88) . Dãose, pois, os cônjuges, um ao outro, para, juntos, como um só ser, se darem aos filhos. Na raiz do "ser casal dom de Deus para os filhos" está o ser dom recíproco, o ser reciprocamente dom um para o outro; e, vice-versa, o ser reciprocamente dom um para o outro leva ao ser "casal dom de Deus para os filhos". É o amor, efetivamente, "o cimento que dá a sua solidez a esta comunidade de vida e o ímpeto que arrasta para uma plenitude cada vez mais perfeita" (Paulo VI, lbid. , 6) . E cada um dos cônjuges empenha-se, com todo o seu ser, nessa aventura. Paulo VI assim o expressa: "Todo o ser nisso participa, nas profundezas do seu mistério pessoal e dos seus componentes tanto afetivos, sensíveis e carnais como espirituais, até constituir cada vez melhor aquela imagem de Deus que o casal tem a missão de encarnar dia a dia, tecendo-a das suas alegrias como das suas provações, tão certo é que o amor é mais do que o amor". E - sabedor

das exigências próprias do verdadeiro amor conjugal e consciente de que, quando no coração do homem desperta um amor autêntico, ao mesmo tempo nasce ou acorda nele o desejo de Deus - ele afirma categoricamente: "Não há amor conjugal que não seja, na sua exultação, impulso para o infinito, e que não se queira, no seu arrebatamento, total, fiel, exclusivo e fecundo (cf. HV 9) ". "É nesta perspectiva, prossegue ele, que o desejo encontra a sua plena significação"; e conclui, enfim , com esta consideração sobre o ato conjugal: "Meio de expressão tanto como de conhecimento e de comunhão, o ato conjugal mantém, fortifica o amor, e a sua fecundidade conduz o casal ao pleno crescimento: torna-se, à imagem de Deus, fonte de vida" (Paulo VI, ibid. , 6). Toda esta grande realidade humana do amor entre o homem e a mulher, com tudo o que ela implica, é boa por sua origem. Mas como tudo o que existe no homem, foi ferida e deformada pelo pecado. Em Cristo, porém, encontra a sua salvação e a sua redenção. Cristo Salvador, portanto, Redentor do homem e Redentor do mundo, veio curar, mais ainda, enobrecer admiravelmente tudo o que faz parte da união do homem e da mulher. Nele, com efeito, tudo adquire nova profundidade e plenitude. E "quantos casais não têm encontrado na sua vida conjugal o caminho da santidade, nesta comunidade de vida que é a única a estar fundada sobre um sacramento!" (Paulo VI, ibid., 6).


O CASAL CRISTÃO,

DOM DE DEUS PARAOS FILHOS Criação nova "Obra do Espírito Santo (cf. Tt 3,5) , aregeneração batismal faz de nós criaturas novas (cf. Gl 6,15), "chamados a viver, também nós, uma vida nova" (Rm 6,4). Nesta grande empresa de renovação de todas as coisas em Cristo, o casamento, também ele purificado e renovado, torna-se uma realidade nova, um sacramento da nova aliança" (Paulo VI, ibid. , 7) .

União "no Senhor" "Membros de Cristo, um e outro "no Senhor" , também a sua união se faz "no Senhor", como a da Igreja, e esta é a razão por que ela é "um grande mistério" (Ef 5,32) , um sinal que não só representa o mistério da união de Cristo com a Igreja, mas ainda o contém e o irradia pela graça do Espírito Santo, que dela é a alma vivificante" (Paulo VI, ibid., 8). Pelo batismo, o cristão fica ligado a Cristo, e o amor que existe no coração de Cristo passa para o coração do cristão. Quando se casam dois batizados, para se amarem, dispõem portanto deste amor divino, a caridade. Esta não afasta os elementos humanos do amor. Pelo

contrário, estimula-os e enriqueceos (cf. Pe. Caffarel, a Missão do casal Cristão, nota 22, p. 90) Plenitude do amor cristão "Tal é o mistério em que enraíza o amor conjugal e que ilumina todas as suas manifestações. Mistério da Encarnação, que eleva as nossas virtualidades humanas, penetrando-as interiormente. Bem longe de desprezá-las, o amor cristão as leva, com efeito, à sua plenitude, com paciência, generosidade, força e doçura" [... ) "Casados no Senhor", os esposos não podem, pois, unir-se senão em nome de CM 438


Cristo, a quem pertencem e por quem devem trabalhar como seus membros ativos. Não podem, portanto, dispor do seu corpo, sobretudo enquanto é princípio de geração, senão no espírito e para a obra de Cristo, porque são membros de Cristo" (Paulo VI, ibid. , 9).

Fecundidade do lar '"Colaboradores livres e responsáveis do Criador' (HV 1) , os esposos cristãos vêem a sua fecundidade carnal adquirir, por isso, uma nobreza nova. O impulso que os leva a unir-se é portador de vida e permite a Deus que aumente o número de Seus filhos . Tornado-se pai e mãe, os esposos descobrem com assombro, nas pias batismais, que o seu filho é, desde então, filho de Deus, 'renascido da água e do Espírito' (Jo 3,5) , e que lhes é confiado para que velem, sem dúvida, pelo seu crescimento físico e moral, mas também pelo desabrochar e pela expansão, nele, do 'homem novo' (Ef 4,24) . Este filho já não é apenas o que eles veem, mas também o que eles creem, 'uma infinidade de mistério e de amor que nos deslumbraria se o víssemos face a face '. Também a educação se torna verdadeiro serviço de Cristo, segundo a sua própria Palavra: 'O que fazeis a um destes pequeninos, é a mim que o fazeis' (Mt 25,40). E se acontece que o adolescente se fecha à ação educativa dos pais, estes participam então, dolorosamente, na sua própria carne, da paixão de Cristo perante as recusas do homem" (Paulo VI, Ibid. , 10).

O casal cristão dom de Deus

para os filhos, enquanto gera· os e educa-os "no Senhor Queridos casais, queridos pais, Deus não lhes confiou um tarefa tão importante - a geração e educação de seus filhos - sem lhes fazer um dom prodigioso, o seu amor de Pai. Através dos pais que amam o seu filho em que vive Cristo, é o amor do Pai que se difunde em seu Filho bem-amado (cf. 1Jo 4,7-11). É a autoridade de Deus que se exerce através da de vocês. É a providência de Deus - providência de "Pai, de quem toda a paternidade tira o seu nome, no céu e na terra" (cf. Ef 3,15)- que se difunde através da dedicação de vocês. É através de vocês, do amor paterno e materno de vocês, que seus filhos , renascidos no batismo, farão a descoberta do amor paternal de Deus e a primeira experiência da igreja. É através de vocês, do amor recíproco que os une "no Senhor", que os seus filhos farão a descoberta do Deus que é "Comunhão de Pessoas", fonte e modelo da nossa união, como filhos de Deus, na verdade e no amor (cf. GS 24) . Certamente, o preceito de "honrar pai e mãe" deve suscitar no coração dos filhos a consciência de que "amor com o amor se paga". De tudo isso, queridos casais, fala-nos o Senhor na primeira leitura de hoje, tirada do livro do Eclesiástico. De forma breve e com imagens vivas, próprias da mentalidade hebraica, a passagem proclamada, partindo da "obediência" e do "amor", os dois pilares de uma boa


convivência social no Povo de Deus, inculca-nos sobretudo os deveres dos filhos para com os pais e o valor religioso dessas atitudes que lhes são exigidas. Mais precisamente: - A "autoridade", paterna e materna, vem de Deus (w. 3 e 6). Obedecer aos pais é obedecer a Deus. Os benefícios que obtêm aqueles que honram os seus pais: expiação dos pecados (v. 4); oração escutada por Deus (v. 6) ; vida longa e próspera e o respeito dos próprios filhos (w. 6-7). Certamente , o casal cristão, dom de Deus para os filhos; os pais, chamados à geração e educação dos filhos, vivenciarão muitos momentos de aflição. A cena do evangelho de hoje é, neste sentido, iluminadora . Aproveitando uma prática religiosa muito cara aos judeus piedosos, a peregrinação anual a Jerusalém, Lucas oferece-nos uma narrativa com uma mensagem de alcance extraordinário. Realçamos os seguintes pontos: - Maria e José são modelo do exemplo que os pais devem dar aos filhos no cumprimento dos seus deveres religiosos; - As aflições de toda ordem por que os pais têm de passar com frequência nas responsabilidades que têm pelos filhos; O respeito pela vontade de Deus. Deus está antes que os pais: "Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai"? 'Jesus é filho carnal de Maria, pela qual está ligado fisicamente à 60

humanidade. Está ligado a ela por afeto e submissão filial. Mas essa relação fica relativizada e submetida a outra superior. Jesus é filho legal de José, pelo qual fica registrado oficialmente como descendente de Davi. Mas também a sua relação com José fica relativizada e submetida à relação de Jesus com o Pai" (comentário da Bíblia do Peregrino) . O respeito pela personalidade e vocação pessoal de cada ser humano, pois os filhos não são pertença dos pais. - Atenção ao mistério que encerra o destino pessoal daqueles que estão a caminho da sua realização pessoal, guiando-se, em toda a sua vida, pela resposta que devem dar a Deus. Maria e José não compreenderam a atitude de Jesus (v. 50), nem o que se estava passando. Maria, porém, conservava todas estas coisas no seu coração (v. 51), refletindo sobre elas. E Jesus ia crescendo em sabedoria , tamanho e graça diante de Deus e dos homens (v. 52), no aconchego daquele lar, o da sagrada família; sob os cuidados daquele casal, Maria e José. Que assim possam crescer, queridos casais, os filhos de vocês; que eles possam crescer como discípulos-missionários de Jesus Cristo e vocês, sob o influxo da graça, possam resgatar sempre o discipulado e a missão que convém a todo casal cristão, chamado a ser dom de Deus para os filhos. Amém. • CM 438


CASAL CRISTÃO: DOM DE DEUS PARA OS FI LHOS Silvia e Chico, Casal Ligação da Zona América da ERI Conferência • 18 de julho de 2009.

SAUDAÇÃO No ano passado, numa de suas vindas a São Paulo, local onde se realiza a maioria das reuniões da Equipe da Super-Região Brasil, Graça e Roberto brindaram-nos com uma visita à nossa casa, para conversarmos sobre assuntos próprios do Movimento. Nessa oportunidade, convidaram-nos para fazer uma palestra neste II Encontro Nacional. Confessamos que tentamos demovê-los deste convite. Primeiramente porque estávamos convencidos de que esta multidão impressionante aqui reunida mereceria algo melhor do que nós. Em segundo lugar, sentimos o peso da responsabilidade e não podemos esconder de vocês o medo que esse tipo de convite sempre nos provoca. Mas eles não aceitaram nossas ponderações. Mais tarde, quando escrevíamos esta palestra, lembramo-nos de algo que o Pe. Caffarel falara aos casais responsáveis: "quando vocês já não sentirem medo, está na hora de arrumar suas coisas e ir embora". Assim , é por ainda sentir medo que podemos seguir confiando que a graça de Deus fale em nós, e bem mais alto que a nossa voz. INTRODUÇÃO A fim de introduzir o assunto, voltemos nosso olhar ao povo de Israel -!8

cativo no Egito. Ali estava privado dos seus direitos. Vivia e trabalhava como escravo. Deus resolve interferir para salvar o seu povo e lhe envia um profeta: Moisés. Cumprindo as ordens do Senhor, Moisés liberta-o e conduz esses fugitivos. Nesse percurso, lhes faz entender um grande acontecimento, maior que a própria liberdade: o fato de que Deus os escolhera para ser o seu povo. Nesse caminhar, Moisés testemunha a Aliança que o Senhor quis celebrar, mas por causa de sua fraqueza, Moisés recebe uma reprimenda e, assim, não poderá entrar na terra prometida. 6


É substituído por Josué , que completa sua obra. Após lutas e guerras, e contando sempre com a intervenção de Deus, os israelitas tomam posse da terra prometida. Por que estamos falando nisso? A Equipe da Super-Região definiu o lema deste II Encontro Nacional, "Eu e minha casa serviremos ao Senhor", extraindo-o das palavras de Josué por ocasião de um grande encontro com as tribos de Israel. Nesse encontro, na cidade de Siquém, repartiu a terra prometida a cada uma das doze tribos e lhes disse: mantenham-se fiéis à aliança com nosso Deus. Cativeiro, libertação, povo escolhido, aliança com Deus e promessa cumprida. Esta a síntese da teologia começada com o Êxodo e que se completa no Livro de Josué. "Eu e minha casa serviremos ao Senhor". O que essa frase pode dizer hoje, a nós, reunidos nesta grande assembléia de Florianópolis? Qual é a nossa história? Qual a grande intervenção de Deus? Qual a promessa cumprida? A que fomos convocados? "Eu e minha casa serviremos ao Senhor é, antes de mais nada, uma profissão de fé , imagem antiquíssima de outras profissões de fé a nós também pedidas. É a profissão de fé no valor do sacramento do Matrimónio. Acreditamos que o casal é a obra-prima de Deus, que intervém na sua história pessoal. Acreditamos neste Movimento que vem nos ajudar a descobrir o mistério do amor conjugal. Olhemos para nós mesmos, e 62

alegremo-nos por participar de um movimento já consolidado, espalhado por 70 países, e no caso do Brasil , constituindo uma grande rede que cobre quase todo o território nacional. Neste Encontro de Florianópolis, somos convocados a tomar consciência dos presentes que Deus concedeu a nós, casais. Poderemos sentir semelhante contentamento, como os participantes do encontro de Siquém ao entrar na posse da terra prometida, e certamente queremos responder nosso sim à proposta de Josué: "Eu e minha casa serviremos ao Senhor". Mudando o que deve ser mudado, é possível estabelecer uma analogia entre o que se passou com o povo de Israel e nós, um novo povo, constituído de casais cristãos unidos pelo sacramento do Matrimónio. Retornando para os anos de 1930-1940, pode-se dizer que, no âmbito da Igreja, os casais cristãos viviam prisioneiros das ideias que os colocavam longe do acesso à santidade, que era privilégio dos religiosos e celibatários. Os casados nada encontravam nas atividades da Igreja que pudessem desenvolver como casal. Eram vistos com ares de suspeição, inferiorizados na escala da espiritualidade, porque estariam muito preocupados com o cônjuge, os filhos, com o sustento material da família. Os desejos da carne, como se dizia, eram olhados como resquício do pecado, ou se não tanto, apenas toleráveis para evitar um mal maior. A esse cativeiro moral que disCM 438


criminava os casados e reduzia o matrimônio a instituição de segunda categoria, acrescentavam-se circunstâncias desalentadoras da sociedade e da cultura da época: cresciam as uniões livres, insinuavamse os divórcios , pontuavam-se ideias de limitação da prole pelo temor da explosão demográfica. Em contrapartida, surgiam, isoladamente é verdade , algumas poucas vozes que procuravam restabelecer o valor do amor conjugal. E, ainda, como está escrito nas primeiras palavras dos nossos Estatutos, "multiplicavam-se os casais que aspiravam a uma vida integralmente cristã". O clamor desses casais, novo povo, ecoou no coração de Deus, que mais uma vez vem intervir na história, agora em favor do amor conjugal e do matrimônio, e lhe suscita um profeta para livrá-lo do jugo do pensamento reinante. Envia a esse povo um guia, que o conduzirá à descoberta das belezas do matrimônio cristão segundo o plano do Criador. O profeta enviado por Deus, conhecido de todos nós, chama-se Pe . Henri Caffarel. O assunto que iremos desenvolver é o casal cristão, enquanto dom para os filhos. Assim, tínhamos necessariamente que evocar a figura do casal, pois se não formos verdadeiramente casal, não poderemos ser dom. Evidente que não estamos nos referindo a um casal qualquer, mas ao casal cristão, libertado das amarras, plenificado pelo amor de Deus, e por Ele tornado fecundo.

III. CASAL CRISTAO Partimos da afirmativa de que o casal é um dom de Deus para os filhos . Será verdade? De que forma ser dom? Há meios disponíveis para que isso se concretize? Permaneçamos ainda olhando para as nossas origens, voltados às fontes do nosso Movimento. Será suficiente lembrar que a semente foi lançada quando o Pe. Caffarel reuniu-se inicialmente com 4 casais. Eram casais jovens, ricos de um amor novinho em folha. Casais cristãos convictos, que queriam viver em profundidade o seu amor conjugal sob o prisma da fé, mas imergidos no cotidiano de sua vida de casal. Tinham firmeza de objetivo. Seu pedido ao Pe. Caffarel era claro: "Com certeza, Deus pensa algo de muito belo a respeito desse amor humano, que é a nossa riqueza e a nossa esperança. Ajude-nos a descobri-lo" . Em sua simplicidade, Pe. Caffarel reconheceu que não detinha maiores informações, nem conhecimentos próprios, em suma, não podia lhes oferecer uma resposta pronta. No entanto, veio não uma resposta, mas uma proposta, que todos conhecemos: "Procuremos juntos!" A partir desta decisão, de um modo novo e diferente, mas não menos extraordinário que as façanhas de Moisés e de Josué, iniciava-se a trajetória dos casais equipistas em busca das potencialidades do amor que os unia. "Dois amores que constituíam sua força, sua alegria, sua razão de viver: o amor de Cristo e o amor conjugal". o


Não será necessário percorrer todos os passos da nossa história de 70 anos, mas em cada passo encontramos as marcas da graça de Deus. Podemos afirmar que a fecundidade evangélica do Pe. Caffarel e daqueles casais pioneiros foi generosamente distribuída, passada de mãos em mãos, ou melhor, de coração a coração, e foi assim que chegou até nós. As ENS visam o casal. Ele é sua razão de ser. Oferece-lhe uma proposta, dá-lhe uma pedagogia, ensina, exorta, incentiva, enfim, indica ao casal um caminho de felicidade. Olhemos para o interior de nós mesmos, e nos veremos testemunhas das inúmeras transformações pelas quais passamos: o tempo da conversão, do aprendizado, do crescimento e até, para muitos de nós, o da maturidade na fé. Como casal, recebemos demais, não é verdade? Porém, conta o Pe. Caffarel que uma vez recebeu uma carta amigável de um casal equipista, mas que lhe apresentava uma queixa. Dizia reconhecer que o Movimento tinha sido útil, que fazia muito pelos casais, pelo desenvolvimento do amor conjugal, mas muito pouco pela educação dos filhos. E concluía a carta de um modo que, não o disse o Pe. Caffarel, mas o dizemos nós, pareceu-nos um tanto quanto deselegante: Dizia que rezava pedindo a Deus que suscitasse um super-Pe. Caffarel, que desse atenção ao objetivo de ajudar os filhos dos equipistas. Pe. Caffarel respondeu que não discordava daquela aspiração, mas 64

enquanto ele também rezava e esperava que Deus atendesse esse pedido- enviar um super-Caffarel - tomava a liberdade de lembrar ao distinto casal que a prática do mandamento novo, "amai-vos uns aos outros, como eu vos amei", aplica-se também ao relacionamento entre pais e filhos . Amar como Jesus amou: Somente através desse amor à maneira do amor de Cristo é que estaremos assumindo o ministério de ser dom, presente de Deus para os filhos.

IV. DOM DE DEUS PARA OS FI LHOS Em princípio, tudo de bom que o pai e a mãe fazem pelos filhos pode ser considerado um dom, um presente. A própria geração da vida é um grande dom. Não nos esqueçamos dos casais que não puderam gerar a vida biológica, mas descobriram outras maneiras de distribuir seu amor. Quando o casal luta, trabalha e se esforça para cuidar da subsistência dos filhos, propiciar-lhes acesso aos estudos, dar-lhes um nível razoável de conforto, uma casa que os abrigue, não se pode negar que isso tudo é dom para o filho. Mas essas coisas comuns podem ser dadas por qualquer casal. Não precisa ser casal cristão, muito menos equipista. Por sua vez, nem todo cuidado, desvelo ou atenção com os filhos poderá merecer o título de amorcaridade, de amor assemelhado ao de Jesus. Talvez não passe do mero cumprimento de uma obrigação moral, ou mesmo de uma simples CM 438


resposta de quem se sente responsável pela manutenção, pela educação da prole. Para ser dom de Deus, o casal cristão forçosamente se interessará em transmitir a fecundidade evangélica, que corresponde a uma força criativa, geradora de vida. Ser dom é trabalhar o terreno, é fecundar o espírito dos filhos com sementes da sabedoria divina. Por outro lado, nem mesmo se poderá medir ou avaliar a fecundidade de ser dom pela constatação dos frutos produzidos. Talvez esses frutos demorem a vir; talvez não nos seja dado contemplá-los. A fecundidade de ser dom não se mede pelo resultado do que cada casal cristão conseguiu recolher dos filhos , mas daquilo que deixamos Deus realizar neles através de nós. Temos de nos convencer de que não somos detentores do poder e do controle. Eles não são nossa propriedade , e com a liberdade que lhes cabe, poderão escolher os seus destinos, talvez perto, talvez distanciados dos nossos caminhos. Apesar dessa inexorável liberdade, diante da qual, por vezes, pagamos pesado preço, cremos que podemos nos pôr de acordo de que um casal cristão que se preze não pode deixar a família navegar ao sabor das ondas. É preciso ter um projeto.

V. COM UM OLHAR ,......., OAMA HÃ Um projeto é algo que nos leva a querer incorporar valores que reputamos importantes e que almejamos possam ser assimilados ou +

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aproveitados pelos filhos, sabe-se lá quando ou como. Sempre nos lembramos das palavras sábias do Pe. Mario José Filho, ex-conselheiro espiritual da então ECIR, quando mostrava o contraste entre o comum e o normal. É comum hoje ser desonesto. Mas não é normal. É comum aceitar que se use qualquer meio para alcan)ar um fim , mas não é normal. E comum não se sustentar sentado o que se falou em pé, mas não é normal. É comum a infidelidade conjugal, mas não é normal. É comum tirar-se vantagem, resolver tudo com aquele jeitinho conhecido, mas não é normal. É comum marido e mulher viverem em espírito de competição dentro do lar, mas isso não é normal. É comum as crianças e os jovens não conhecerem limites para nada, mas isso não é normal. É tão grande a perda de valores do mundo que se poderiam multiplicar os exemplos na linha do comum e do normal. É a conseqüência do relativismo gritante em que vivemos, e que o Papa Bento XVI cataloga como um dos maiores perigos para a humanidade, e que bate constantemente às portas de nossa casa. Tudo é relativo, não existem mais verdades absolutas. Acreditar em quê , em quem, para quê? Quem de nós não ouviu um filho dizendo: "eu penso assim e está acabado!" Ou uma frase como esta: "Que bobagem, pai! Todo mundo faz isso?" Enfim, vemos atônitos que hoje cada um se sente no direito de estabelecer os


seus próprios parâmetros. Quem pretende ser dom de Deus para os filhos tem de reagir, de confrontar essa forma perniciosa de pensar, de ser e de agir. Pensamos que não seja difícil estabelecer um projeto para o casal! Nem se trata de colocar nesse projeto apenas nossos sonhos, ou só o que julgamos importante. Trata-se , mais, de perguntar o que Deus espera de nós, como casal? Falamos que não é difícil um projeto conjugal, ou seja, do marido e da esposa. A pergunta que se segue é: poder-se-ia falar também num projeto da família? Pode uma família, com filhos em diversas faixas de idade, que pensam diferente, que podem optar por outros caminhos , ter um projeto comum , construir alguma coisa juntos? Se pensarmos num projeto da família, ou seja, construído ativamente pelo casal junto com seus filhos, concluiríamos que seria quase uma utopia, algo acessível apenas para uma minoria de famílias privilegiadas, excepcionalmente harmoniosas. Mas se admitirmos que os pais podem fazer um projeto de família, isso passa a ser perfeitamente factível. Evidentemente, um projeto assim será algo bem mais aberto, flexível, centrado mais em atitudes do que em ideias e decisões. Um projeto disposto a evoluir lentamente, e que tem por objetivo apenas dar um certo "rosto comum", sem pretender fazer que os filhos pensem todos da mesma forma ou que observem fielmente o jeito de ser dos pais. Um projeto de família represen66 -

ta o esforço empreendido pelo casal, uma luz a indicar de que modo a família pode caminhar nas penumbras difíceis da vida. Trata-se de algo que, sem ferir a liberdade dos filhos , abra-lhes uma oportunidade de descobrir os valores que nos fazem felizes e, sobretudo, revelar-lhes o que é o amor e como se ama. O documento Conclusões de Puebla, em seu n° 583, fala dos rostos do amor humano, como um processo de evolução da pessoa humana: o rosto do amor conjugal, o rosto do amor do pai e da mãe, o rosto do amor filial e o rosto do amor fraterno. Silvio Botero, sacerdote e doutor em teologia, destaca que todos esses rostos são o amor em potência, aguardando a oportunidade para se manifestar na vida do homem . O casal cristão pode, se assim o quiser, ser dom vital para os filhos. Aliás, nada melhor para acender o amor na família que possibilitar coisas feitas em comum, nem que seja um almoço de fim de semana, um programa de lazer, rezar juntos etc. Falamos em projeto de família não necessariamente como ações a realizar, mas como atitudes a serem assimiladas. Não é à toa que o Movimento propõe a nós, casais, Pontos Concretos de Esforço que nos levem a vivenciar as três atitudes fundamentais : a clareza da verdade, o encontro e a comunhão com o próximo, aqui incluídos os filhos , e nos ensine a buscar o amor e a vontade de Deus. Quando os filhos são pequenos, LM

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é mais fácil incutir em seus corações, até mesmo por palavras, os valores que os ajudem a abrir-se ao conhecimento de Deus. Quando eles crescem, já não há quase espaço para esse tipo de abordagem, não cabe forçar nada. Resta assim o cultivo das atitudes e dos exemplos que arrastam e abrem o coração. Mercedes e Álvaro Gomes Ferrer, ex-casal responsável da ERI, numa palestra sobre os meios que o Movimento disponibiliza em favor dos casais, especialmente na sua relação com os filhos , elencaram algumas pistas que gostaríamos de compartilhar com vocês . São apenas pistas que não esgotam a matéria, de maneira que podemos permanecer inteiramente abertos à nossa própria criatividade. Eis alguns pontos para um esboço do nosso projeto de família. a) Ensinar a olhar - Talvez haja aqui pessoas que entendam da arte da pintura, mas provavelmente a maioria, como nós, limite-se a gostar ou desgostar de um quadro. Quando, porém, nos deixamos conduzir por um especialista, descobriremos o sentido das sombras que fazem realçar a luz. Percebem-se os detalhes , as expressões, os matizes, os contrastes que nos permitem ver muito além do alcance dos olhos, e nos fazem penetrar na alma do artista. Também podemos aprender e ensinar a olhar cada pessoa com atenção, com ternura e compaixão. Se assim a olharmos, poderemos percebê-la como pessoa única, dig-

na de um amor exclusivo. É assim que Deus nos olha: olhar amoroso, criativo, cheio de misericórdia. b) Ensinar a escutar- Não é fácil escutar. Não se trata de uma atitude passiva: fechar a boca e pronto. E uma atitude ativa, talvez até mais exigente que o próprio falar. Implica descentralizar o foco de si para o outro. Quem não esquece de si mesmo não terá tempo para ouvir. Não se trata, tampouco, de apenas prestar atenção para poder entender o pensamento do outro, mas também é escutar com todo o corpo, com os olhos, com o sorriso, com o coração, e tudo o que for capaz de mostrar acolhimento. c) Ensinar a pensar - Que nossos filhos reconheçam que não fazemos o papel de "animais arrastados pelo tropel da boiada". Que vejam que somos capazes de pensar, de ter senso crítico. Que não nos deixamos levar pelas primeiras notícias dos jornais ou da T\1, geralmente manipuladas e tendenciosas. Já dizia o filósofo Descartes : "penso, logo existo". Quem pensa e reflete exercita uma das principais características do ser humano. Que nossos filhos possam beneficiar-se da retidão no pensar que aprimoramos através do estudo e discussão do tema de nossas reuniões mensais, que nos vejam gastando tempo com boas leituras, que nos sintam interessados no conhecimento da fé. Que não nos vejam envergonhados por mudar 6


de ideias, porque estamos sempre abertos a aprender algo novo. d) Ensinar a entusiasmarse - O entusiasmo é essa atitude interior que faz a vida ser bela. Não se trata de atitude de quem não tem problemas, mas da capacidade de prestar atenção ao raio de luz em vez de perder tempo com a escuridão que tenta esconder essa luz. Entusiasmar-se é transformar qualquer coisa comum em algo interessante, é saber alegrar-se com o que é simples. Num antigo editorial escrito pelo Padre Bernard Olivier, que foi conselheiro espiritual da ERI, ele dizia: "A felicidade é para aqueles que são felizes". Pensem se isso não é verdade! É que há pessoas que, por mais coisas boas que lhes estejam ocorrendo, estão sempre amarguradas, enquanto outras transformam em bem tudo o que lhes ocorre de ruim. e) Ensinar a dialogar- O Pe. Caffarel, no livro a Missão do Casal Cristão, dizia que o amor humano que os pais têm para com os filhos precisa evoluir para o amor caridade, pois o amor de um pai ou de uma mãe, por estar tão enraizado no humano, está longe de ser um amor caridade. E diz mais: se não aprendermos a usá-la com os filhos quando pequenos, dificilmente chegaremos à segunda etapa, onde a caridade será ainda mais necessária, junto aos filhos adolescentes ou adultos. E para se instalar essa caridade, continua o Pe . Caffarel "se exige L

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que, já no plano humano, se tenha estabelecido um verdadeiro diálogo, em que cada um seja acolhedor para com o outro". E prosseguindo em seus comentários: "quantos filhos, quantos homens e mulheres, entre vós que me escutais, poderiam subscrever esta página de um grande escritor francês ao evocar a memória do pai: "Que conheci eu dele? Uma função, a função paterna. Um governo de direito divino, que exerceu sobre mim, sobre nós, trinta anos seguidos, com toda a consciência. Mas ele, o ser que ele era quando se encontrava só em presença de si mesmo, quem era afinal? Nada sei sobre isso. Nunca exprimiu perante mim um pensamento, um sentimento onde pudesse ver qualquer coisa de íntimo. E de mim, que sabia ele?" Diálogo é lugar de encontro, uma via de mão dupla para conhecer e dar-se a conhecer, onde devem cair as máscaras, revelar-se o mais profundo do nosso ser, enfim, abrir-se para criar laços fortes de confiança e cumplicidade. f) Ensinar a amar - No Natal de 1945, Pe. Caffarel publicou um editorial chamado "Deus, o primeiro a ser amadd'. É esta a grande orientação que o Movimento proclama, incitando os casais para que busquem fazer com que o amor a Deus ocupe o lugar prioritário, seja ardentemente procurado. A essência da perfeição reside no amor de Deus. O casal cristão vive essencialmente da dinâmica de dois amores, que são como lados de uma CM 438


mesma moeda: amor ao cônjuge e amor a Deus. Este é um aprendizado para toda a vida, para o qual não há férias, recessos ou aposentadoria. Ensinar que amar a Deus passa necessariamente pelo caminho da ascese, do exercício e do esforço de cada dia. Assim como o amor a Deus, também o amor humano não evolui se não se incluir nele a abnegação, esta espécie de despojamento de si mesmo, de fazer renúncias para o bem do outro. São palavras que soam tão estranhas aos jovens de nosso tempo, mas que eles podem assimilar através do exemplo contagiante de nossa vida feliz como casal. Portanto, não basta ser feliz um pouco, nem ser feliz por pouco tempo. Trata-se da arte de conservar o frescor primaveril dos primeiros encontros, dos primeiros olhares, mesmo quando com o passar dos anos, chegam os netos e roubam boa parte do nosso tempo e nossa ternura.

VI. LIÇÕES QUE AVIDA ENSINA Mas poderiam vocês nos perguntar: como conseguir transmitir todas essas coisas? O que podemos lhes dizer é que não será preciso escrever um tratado, nem que os falatórios serão a melhor arma, mas que o projeto que criamos fale através da vida e que a nossa felicidade seja a prova dessa verdade. Considerem o fato de que nós, equipistas brasileiros, de alguma maneira somos filhos espirituais de Pedro Moncau e Nancy Cajado

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Moncau. Através deles chegou-nos o Movimento das ENS. Sem dúvida, eles foram um dom para nós. Não tivemos a oportunidade de conviver com Pedro Moncau. Uma única vez o vimos, mas nem sequer falamos com ele. No entanto, foi o próprio Pe. Caffarel quem afirmou ter sido ele a pessoa que melhor compreendeu o espírito das ENS. Basta essa afirmação para que nos convençamos das marcas da sua fecundidade. Gostaríamos de caminhar para o fim desta palestra, partilhando um pouco do muito que aprendemos com Dona Nancy, com quem tivemos um relacionamento de mãe e filhos. Ao término do I Encontro Nacional em Brasília, ela nos disse: se tiver um segundo encontro daqui a seis anos, eu estarei com 100 anos e já estou inscrita. Ela não pôde estar presente , mas sabemos que está inscrita no coração de todos nós. Fez de sua vida um projeto sagrado em prol das ENS. Ouvimos muitas de suas conferências, todas de uma sabedoria profunda. Mas foi o seu modo de ser o que mais nos cativou. Ela nos fazia sentir importantes. Quando assumimos a função de responsáveis pelo Brasil, várias vezes sentimos seu olhar amoroso: dizia-nos que tínhamos recebido uma unção especial de Deus para aquela função. E se punha respeitosa diante do que pensávamos para o Movimento. Tinha a capacidade de enxergar b


com o coração as coisas mais triviais. Uma vez, como eu era geralmente o encarregado de preparar as músicas para as liturgias, cheguei para Dona Nancy e perguntei: "a senhora tem alguma música predileta para o momento do ofertório?" E ela com olhar brilhante me disse: gosto muito daquela que fala: "De mãos estendidas ofertamos". E me atrevi a perguntar por que ela gostava. A resposta que veio foi: "É porque quando a gente está de mãos estendidas, elas estão longe do corpo e não dá para reter nada". Ela era uma espécie de membro-honorário da Equipe da SuperRegião. Nós a convidávamos para todas as nossas reuniões e ela, apesar da avançada idade , se fazia sempre presente. Era uma presença silenciosa, atenta. Nunca a vimos ter arroubos de dona da verdade. Falava com a mesma dignidade com que sabia escutar. Nunca vimos Dona Nancy fazer coisas importantes ao impro-

viso. Com ela tudo era cuidadosamente estudado. Algum tempo após a Rede Vida ter lançado o programa Tribuna Independente, o Movimento foi convidado para ali estar presente. Dona Nancy aceitou ser a entrevistada. E lá fomos para São José do Rio Preto. Ela e nós ficamos hospedados em casa do então Casal Provincial Rosinha e Anésio. No dia seguinte, o programa ia ao ar à noite. Depois do almoço, Dona Nancy pediu que nós dois, mais Rosinha e Anésio, nos sentássemos e começássemos a sabatiná-la com as mais diversas perguntas. Ela respondia e queria saber se tudo estava bem. Assim, passamos duas ou três horas, reforçando sua preparação para o programa, sobre questões que ela já dominava com tranquilidade. Nossa maior convivência com Dona Nancy foi quando ela já estava com mais de 85 anos. Tinha uma saúde frágil. Mas era uma mulher comprometida, pronta a se atualizar,

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e sempre fazendo alguma coisa. Basta lembrar: escreveu um livro das nossas memórias, quando já tinha 90 anos. Quis aprender e aprendeu a usar o computador. Não recusava convites para dar palestras no Movimento. Sua derradeira obra, que vem espalhando frutos pelo nosso País, são as Comunidades Nossa Senhora da Esperança, destinada a viúvos, viúvas e pessoas sós. Foi sua resposta ao apelo que havia chegado ao Movimento e que ela abraçou com generosidade. Apenas para demonstrar um traço de seu entusiasmo, de sua alegria de viver, quando Dona Nancy apresentava à Equipe da Super-Região a estrutura do movimento que estava desenvolvendo, e dizia que podiam participar viúvos ou viúvas, pessoas sós homens ou mulheres, alguém perguntou: "Dona Nancy e se acontecer de se apaixonarem e resolverem se casar". E ela com seu jeito brejeiro: "Se isso acontecer, a gente vai à festa! " Era de justiça relembrar a me-

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mória de Nancy e Pedro Moncau para realçar o grande dom que foram para cada um de nós, deixando-nos como herança, através de seu amor e fidelidade, as Equipes de Nossa Senhora, fato este que nos permitiu estarmos aqui reunidos como uma grande família.

CONCLUINDO Se desde a distante Siquém ainda soam em nossos ouvidos as palavras "Eu e minha casa serviremos ao Senhor", nesta assembléia de Florianópolis somos desafiados , como casais, a construir para nossos filhos e para as gerações vindouras um mundo novo, capaz de entender e viver o amor. Através do Movimento, o Senhor oferece-nos a oportunidade de alçar os grandiosos voos que decorrem da prática do amor-caridade, desse amor que não se acovarda diante das forças do mundo e que é capaz de ir sempre adiante; que não se fecha em conchas, mas

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estende as mãos e está pronto a servir; que quer ser resposta às aspirações mais profundas e, por isso, convence de modo sempre melhor. Se alguém dentre nós, talvez, carregue um sentimento de culpa por ver filhos distantes da Igreja, distantes de Deus, uma sensação de que não conseguiu lhes transmitir a fé , nem os valores em que acredita. Se, por acaso, sofremos na própria carne com os desencontros da adolescência e todas suas preocupantes conseqüências. Se vemos, com tristeza, algum filho casado chegar ao fim de uma promissora relação de amor. Se dói constatar que os jovens não mais acreditam no amor, que família é coisa do passado, que ter filhos é um acidente genético, tranquilizemo-nos ao lembrar da parábola do semeador. Tudo o que foi feito com retidão pelo casal cristão em favor dos filhos age à semelhança da semente que morre na terra. Ninguém vê , ninguém sabe, mas a vida ali está em constante transformação, desejosa de se tornar flor e fruto. Semear é, pois, preciso. Olhamos para vocês aqui reunidos e encontramos muita beleza, verdade, bondade e alegria. Olhamos para vocês e renasce mais forte a esperança, porque sabemos que ninguém ficará sentado à beira do caminho. Possa cada casal aqui presente e os milhares de outros que ficaram em suas casas oferecer-se como dom para a sua família próxima, filhos e parentes, e para a grande família remota, quais sejam l

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todos os que buscam e não encontram os caminhos da felicidade. Pe . Ricardo Dias Neto, conselheiro espiritual de nossa equipe , já falecido, compôs este canto chamado Balada da Oblação Universal, com a qual encerramos nossa fala , pedindo a Deus que cada um de nós seja oferta para a construção de um mundo de amor. Eu sei. .. que é imenso o campo que eu devo arar I E as sementes no bornal a me esperar I Enquanto negra a noite cobre tudo em mim. Eu sei ... que logo atrás dos montes vai surgir um sol tão lindo a me convidar I A caminhar por entre os sulcos que deixei. Eu sei .. . que dentre os dedos vou deixar cair I Uma semente mágica no chão, igual a um sacramento de libertação. E eu ... um dia sei que hei de caminhar I Por entre iluminados espigais a sa/modiar de novo o Criador. Eu sei. .. que a vida inteira é cur-

ta pra viver I Um ideal tão grande e não morrer. Mas ser eternizado em cada coração. Eu sei ... que um sonho assim pra se realizar I Precisa muita lágrima rolar e então regar o chão que nossa mão plantou. Eu sei. .. que o trigo e a uva pra se transformar, I Precisa que os esmaguem fortes mãos, I Pra que possam tornar-se logo vinho e pão. E eu sei ... que assim será pra quem disser o sim I Colocará no altar o coração I Dizendo: Comei todos deste pão! CM 438


PAI E MÃE, DOM PARA OS FI LHOS Maristela e Mareio, Região RS l Ttestemunho • 18 de julho de 2008

"O Senhor fez em mim maravilhas e Santo é o seu nome!" Bom dia queridos irmãos! Estamos aqui com o propósito de contar-lhes um pouco sobre as nossas vidas. Vida que se agitou muito com o chamado para estarmos aqui hoje, pois foi necessário abrir nossos corações e refletir sobre algo que conscientemente não mexemos todos os dias. Então vamos lá. Somos Maristela e Mareio, pais das

meninas Laura, com 9 anos e Antônia, com 3 anos. A primeira vez que nos vimos, e não trocamos nenhuma palavra, foi na Paróquia Cristo Redentor, em Porto Alegre. Nos reencontramos e nos conhecemos na fila de matrícula da faculdade para realizar o mesmo curso, impressionante, parece coincidência, mas não é. Construímos uma amizade que dois anos mais tarde tornou-se namoro. Estamos casados há 14 anos e pertencemos às Equipes de Nossa Senhora há quase o mesmo tempo, pois casamos em julho de 1995 e nossa pilotagem, com a Graça de Deus, começou em setembro do mesmo ano, na Equipe Nossa Senhora de Schõensttat, no Setor A. Hoje, somos integrantes da Equipe Nossa Senhora Medianeira de todas as Graças, Setor E, Porto Alegre, Região Rio Grande do Sul I. É muito bom recordar, .. . mas vamos ao tema proposto para nosso testemunho e que partilharemos com vocês: pai e mãe, dom para os filhos. Nesse tempo de casados procuramos construir nossa vida com base nos fundamentos cristãos, o que não é tão fácil assim, afinal, somos humanos. Ao mesmo tempo, sabemos que não é impossível, ainda mais quando nos entregamos à vontade do Pai e podemos con-


tar com meios que nos ajudam e facilitam a espiritualidade conjugal, como propõe o movimento das ENS. Quanto ao início da nossa caminhada, refletimos sobre os desafios enfrentados para constituir uma família, ou melhor, tornar-se uma família com as exigências dos dias de hoje, sem esquecer que estamos inseridos num contexto de um país com instabilidades, injustiça social e severas desigualdades. Tivemos de associar estudo e trabalho - uma rotina desde o início do nosso casamento. O tempo sempre escasso e o convívio limitado. Como muitos casais sabem , as dificuldades são de toda ordem, mas, no meio de tudo isso, sempre houve uma clara intenção de não abrir mão da dimensão espiritual. Na busca das condições básicas que elegemos, assumimos determinados comportamentos ou ideias. Nos envolvemos com mais trabalho, compromissos, estresses de notícias próximas e distantes, que nos afetam pela facilidade e rapidez com que as informações circulam hoje. Tudo isso tem um preço no nosso dia-a-dia. Como consequência, ficamos mais suscetíveis às discussões e desarmonias, terreno fértil para um convívio conjugal e familiar comprometido. Então, nesse contexto de vida, nos sentimos cada vez mais encurralados. Preocupados com tantas prioridades, as quais, muitas vezes, não são exatamente as nossas prioridades essenciais - temos consciência disso! 74

Tão atrapalhados, chegamos a pensar no "momento ideal" para ter filhos. Quando e como tornarse família . Mas .. . pensando bem, quando isso acontece não estamos esquecendo que somos "criaturas" e não "criadores"? Com essas motivações, pautamos nosso testemunho por algumas reflexões, tal como segue: Nossa primeira reflexão é que a vida nos impõe abandonos! O Evangelista João (12 ,24) nos ensina que é preciso que o grão morra para tornar-se fruto. Dessa forma , reconhecemos que foram muitas as vezes em que nos abandonamos na esperança e na certeza de um dia melhor em nossas vidas. A começar pela decisão de nos unir em matrimónio. Foi nosso primeiro abandono - o da casa dos nossos pais. Trocamos o conforto da vida de filhos para as responsabilidades de formarmos nossa própria família. Tomamos essa decisão pela expectativa de felicidade na construção de uma vida nova a dois! Logo em seguida, começamos a pensar na chegada dos filhos. Nesse momento, vivemos um novo abandono: o da comodidade da vida a dois. Sabíamos que a partir da chegada de um filho, nada mais seria como antes, então, nos entregamos a essa partilha de vida que só termina quando chamados de volta à casa do Pai Celeste. Como a maioria dos casais , acreditávamos que a paternidade biológica seria um acontecimento CM 438


natural e, de certa forma, planejada. Engano nosso! Tivemos de pensar na paternidade pela adoção, o que nos exigiu ainda outro abandono: do projeto biológico da paternidade. Indiscutivelmente, mereceu uma entrega a Deus , nosso Criador, fonte de vida nova! Ao mesmo tempo, percebemos que, fosse filho biológico ou do coração, por sua natureza humana sofreria o abandono do seio de quem fisicamente o gerou. Afinal, o filho recém-nascido também abandonase na providência divina, com a esperança de uma vida nova junto à família que Deus lhe concedeu! O Frei Cantalamessa, no VI Encontro Mundial das Famílias, ocorrido em janeiro deste ano na Cidade do México, nos relembra que a família é um projeto de Deus, onde "matrimônio e família são ideais a se descobrir e viver em plenitude, constituindo uma poderosa forma de evangelização para toda sociedade". A segunda reflexão que fazemos é que a vida é dinâmica. A vida nos revela fatos novos, inesperados, de tempo em tempo. Mas por que isso acontece? Por certo, esses momentos existem porque Deus quer que possamos amadurecer nossos pensamentos e atitudes diante da vida. Percebemos que, quando isso nos acontece, são momentos evidentes de conversão, pois nos exigem mudanças de atitude e tomadas de decisão - acima de tudo, uma oportunidade de reencontro com o que é essencial, com o que está no plano de Deus, I

com a pequenez da condição de "criatura" que somos. Queremos partilhar com vocês o que aconteceu de inesperado conosco nos primeiros anos de casados. O tempo começou a passar, passar... e nada de engravidarmos. Então, começamos a realizar algumas consultas, exames, algumas frustrações, mais exames e a possibilidade de um diagnóstico de infertilidade. É, a vida é dinâmica, mesmo. De uma hora para outra , tudo muda. O que fazer com essa notícia? Não nos sentimos amedrontados, em pânico ou sem esperança. Talvez, naquele momento, perguntávamos apenas o porquê disso acontecer conosco, mas, a resposta já vinha como num sopro em nossos ouvidos. Bastaram alguns dias, após os resultados que traziam a impossibilidade de gravidez e recebo um telefonema da Maristela, que estava em seu trabalho, na UTI-neonatal de um hospital. "Sabe quem está no meu colo?" Disse-me ela. Maristela estava com uma menina chamada Michele. Contou-me que se tratava de um bebê que estava ali aguardando ser encaminhada a uma casa de passagem - uma espécie de orfanato, onde bebês esperam pelos trâmites legais e por seus pais adotivos. Naquele instante a Graça de Deus se fez presente em nossas vidas e descobrimos, a partir daquele momento, que seríamos pais. Nos sentimos verdadeiramente grávidos. Nossos corações transbor-


davam de felicidade , na alegria de realizarmos o projeto de família, ser pai e mãe. Afinal, nos casamos para sermos felizes e cremos nas palavras de São Paulo aos Romanos (8, 28) : " ... tudo concorre para o bem daqueles que amam o Senhor... ". Se esse é o caminho para um casamento fecundo, que seja feita a sua vontade! Na realidade , não nos movimentamos para adotar a pequena Michele. Ela apenas foi instrumento de Deus para apascentar nossos corações e dar um passo importante no início da caminhada para a adoção! Então, percebemos que gerar vida era, antes de mais nada, um estado de espírito. O que fizemos naquele momento foi dar nosso "sim". Um "sim" que liberta. Nos libertou da dimensão onipotente de "criadores de vida", da sensação de autônomos no mundo, para nos reconhecermos como dependentes de Deus. O que fizemos foi dar nosso "sim" ao plano de Deus. Nesse processo, renovamos também o "sim" como esposos. Confirmamos os votos de estarmos juntos na alegria e na tristeza e de receber os filhos que Deus confiasse ao nosso cuidado. Aceitamos ser pais adotivos e, da mesma forma que acontece com pais biológicos , receber a missão e o compromisso de fazer crescer uma vida nova, por todos desconhecida. A partir desse momento nos sentíamos grávidos no coração, 76 I

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na alma, todo nosso ser. Depois disso, nos encaminhando para uma nova reflexão, percebemos que quem quer realmente ser pai e mãe, quer apenas uma coisa: quer amar! E amar é um dom! O dom de ser instrumento de Deus . Por quê? Porque Deus é amor. Então, evidentemente, nos damos conta de que não somos nós que amamos, mas Deus é quem ama através de cada um de nós! Nesse dia entendemos nossa terceira reflexão: O amor gera vida! No evangelho escrito por São Mateus , Jesus disse que "o que fizerdes a uma dessas criancinhas, a mim estarás fazendo" . Bom, num primeiro momento, pode-se pensar no bem que estamos fazendo a ela, na benevolência, na caridade, no desprendimento. Nada disso. Se o que ocorre verdadeiramente dentro de nós é gerar vida nova na perspectiva de que Deus é amor, então, é essa criança que estará nos fazendo o bem. É ela que nos fará caridade, nos permitirá amar e vai nos transformar com o amor de Deus que ela infund irá em cada um de nós! Foi nesse espírito que recebemos a notícia de que nossa filha Laura estava nos esperando, numa pequena cidade de imigração italiana do interior do RS. A recebemos em nossos braços como o mais lindo presente, que aqueceu a vida de todos, pais, tios, avós, bisavós,

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amigos e irmãos em Cristo, naquele inverno sulino de 1999. Era 30 de agosto, ao chegarmos no hospital, ainda sem descer do carro, a Assistente Social me diz: "Mareio, vem ver tua filha, ela é a tua cara! ". Dessa forma fomos acolhidos pela pequena Laurita. Lembramos de Efésios (1 ,3-5), onde está escrito que Deus também nos adotou como filhos. Assim, nos tornamos dons uns para os outros - misteriosamente, sem a herança biológica: nos tornamos imagem e semelhança do Deus-Pai que nos adota (não é isso mesmo!). Para todos nós, pais e mães, essa entrega é absolutamente ne-

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cessária! E bem apontada pelas palavras do Pe. Caffarel em seu livro Amor e Graça, onde ele nos diz: "Só a vida é criadora de vida" e, portanto, "Só se dá a vida, dando a sua própria vida! ". Estando numa maternidade e paternidade tão convictas, decidimos amamentar a Laura. Coloquei-a no peito, com persistência, e aguardei que o corpo reagisse e o leite descesse. Até que no dia de Nossa Senhora Aparecida, instantes após receber o sacramento do batismo, Laura recebeu um pequeno mimo de Deus: o leite materno. Então, concretizou-se aquilo que acreditávamos sem nunca

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ter visto, apenas ouvido falar como o leite que mana da Terra Prometida descrita no Livro de Ezequiel (20, 6) . Há ainda espaço para surpresas? Sem dúvida. Em maio de 2005, Laura próxima dos seus 6 anos de idade, algo de novo passa a nos movimentar. Maristela estava grávida. Era fato inesperado, mas muito bem-vindo. Acima de tudo, por acreditarmos que essa benção veio pela presença de Laura em nossas vidas. Pois, em nossos braços, ela, Laura, nos fez pai e mãe. Nos tornou fecundos. Naquele momento, mostrounos que "tudo é possível naquele que nos fortalece" (FI4,13) , quando menos esperávamos. Então o Salmo 129 serviu-nos de reflexão: "Senhor, Tu me sondas e me conheces; Tu conheces o meu sentar e o meu levantar; de longe entendes o meu pensamento". Nosso querido Pai sabia que queríamos aumentar a família e tomou a decisão por nós, não deixou o tempo passar, nem que acreditássemos em nossa independência no universo. Naquele mesmo ano, entre o Natal e o Ano Novo, nasceu Antónia. Hoje uma espoletinha de 3 anos, que salta e pula que nem pipoca; nos tonteia com seus "porquês" ; imita e segue os passos de sua mana Laura. Quanto aos filhos , um pensamento sempre nos norteou: serão erros e acertos na educação e o ponto de referência é a coerência! Frei Cantalamessa refere a ima18 I

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gem plural do casal, o "nós", que aos filhos deve se reproduzir em "eu e tua mãe, "teu pai e eu". Os pais são os primeiros catequistas - nossa quarta reflexão . João Paulo II afirmou que "a família foi criada por Deus para ser uma escola de amor". Nisso nos baseamos, cientes de nossos defeitos e virtudes. Temos convicção de que a família será o espaço de sedimentação de valores, onde também deve acontecer a divergência e a convergência; o perdão e a reconciliação; o exercício de sermos melhores, mesmo carregando uma bagagem de qualidades positivas e negativas , que às vezes aproximam, outras afastam. Somos assim , seres humanos, limitados, que devem seguir o caminho indicado por Jesus Cristo para alcançar a virtude e a salvação! Então, ser pai e mãe, para nós, é buscar em casal a vida de fé, de un ião e amor. Esse testemunho, entrelaçado na educação dos filhos, é que se faz dom! Essa herança é que nos torna dons para os filhos , muito mais do que a genética ou um testamento recheado de bens materiais. Deixaremos vocês, agora, com algumas imagens que ilustram essa caminhada ... que resgatam momentos de nossa vida .. . nada diferente da vida de vocês ... imagens que desenham alegrias e tristezas, realizações e frustrações ... mas que, com a graça de Deus, se permitem ilustrar a vida de pais que querem , desejam, ser dons para os filhos! CM 438


ENTREGA DA PEDRA NA CATEDRAL Dom Murilo S.R. Krieger, scj Arcebispo de Florianópolis

1. Lemos no Livro do Apocalipse (Ap 2, 17) que o SENHOR dará ao vencedor "uma pedrinha branca, na qual estará escrito um nome novo, que ninguém conhece, a não ser quem a recebe". 2. Hoje, são vocês, equipistas, que entregam ao SENHOR, o grande vencedor em suas vidas, uma pedra que não é branca, mas na qual estão inscritos os nomes de to-

dos os casais que participam deste 2° Encontro Nacional das Equipes de Nossa Senhora. Nesta pedra, o SENHOR poderá ler também os nomes dos demais casais do Brasil e do mundo que participam ou já participaram das Equipes de Nossa Senhora. Mais: nela, um nome sobressai- o do Pe. Caffarel. Bendito seja Deus pela vocação que lhe deu de trabalhar junto às famílias, para ajudá-las a buscar a santidade! 3. Ao receber, pois, a pedra que o Papa Bento XVI abençoou e que ficará guardada nesta Catedral, quero, em nome da Arquidiocese de Aorianópolis, agradecer ao SENHOR a presença das Equipes de Nossa Senhora nesta Igreja Particular. Vocês, equipistas, são, entre nós, um testemunho vivo de que "Deus é amor"! 4. Faço minha e lhes relembro uma mensagem de Bento XVI às famílias: "Se permanecerem abertas ao Espírito Santo e pedirem sua ajuda, ele não deixará de lhes comunicar o amor de Deus Pai, manifestado e encarnado em Cristo. A presença do Espírito Santo ajudará os esposos a não perder de vista a fonte e a medida de seu amor e de sua entrega, e a colaborar com Ele para refleti-lo e encarná-lo em todas as dimensões de sua vida" (Bento XVI, Valência, 09.07.2006). 5. Deus os abençoe! Deus abençoe os que lhes são caros! 7


CASAL CRISTÃO: IDE E EVANGELIZAI Dom Dimas Lara Barbosa Conferência - 19 de julho de 2009 "A família é um dos tesouros mais importantes dos povos latino-americanos e caribenhos e é património da humanidade inteira. Em nossos países, uma parte importante da população está afetada por difíceis condições de vida que ameaçam diretamente a instituição familiar. Em nossa condição de discípulos e missionários de Jesus Cristo somos chamados a trabalhar para que esta situação seja transformada e a família assuma seu ser e sua missão no âmbito da sociedade e da Igreja" (DAp 432).

1. ÁQUI LA E PRISCI LA: EXEMPLO DE UM CASAL CRISTÃO "Paulo deixou Atenas e foi para Corinto. Aí encontrou um judeu chamado Áquila, natural do Ponto, que acabava de chegar da Itália, com sua esposa Priscila, pois o imperador Cláudio tinha decretado ora

que todos os judeus saíssem de Roma . Paulo entrou em contato com eles. Como tinham a mesma profissão - eram fabricantes de tendas - passou a morar com eles e trabalhar ali" (At 18,1-3). Começou, assim, uma amizade duradoura. Esse casal acompanhará Paulo em suas viagens apostólicas. Continuam narrando os Atos dos Apóstolos que , saindo de Corinto, Paulo "navegou para a Síria e com ele Priscila e Aquila" (At 18,18). Dessa forma foi-se acendendo neles o desejo de levar Cristo a muitos . O Apóstolo deixa-os em Éfeso (cf. At 18,19) e parte para Cesareia, Jerusalém e Antioquia, passando depois pelas regiões da Galácia e da Frígia (cf. At 18,1923) . Nesse meio tempo, chega a Éfeso um homem chamado Apolo, "homem eloquente , versado nas Escrituras. Tinha recebido instrução no caminho do Senhor e, com muito entusiasmo, falava e ensinava com exatidão a respeito de Jesus, embora só conhecesse o batismo de João" (At 18,24-25). GM 438


Sobre esta passagem, comenta um santo dos nossos dias: "Áquila e Priscila, um casal de cristãos, ouvem as suas palavras e não permanecem inativos e indiferentes. Não lhes ocorre pensar: este já sabe bastante; ninguém nos manda darlhe lições. Como eram almas com autêntica preocupação apostólica, aproximaram-se de Apolo, levaram-no consigo e instruíram-no mais acuradamente na doutrina do Senhor" (cf. At 18,26) 1 . Depois de receber a instrução desse casal, como Apolo "estava querendo passar para a Acaia, os irmãos apoiaram-no e escreveram aos discípulos para que o acolhessem bem. A presença de Apolo aí foi muito útil aos que tinham abraçado a fé - pela graça de Deus pois ele refutava vigorosamente e em público os judeus, demonstrando pelas Escrituras que Jesus é o Cristo" (At 18,27-28). Aquele simples casal cristão, fabricante de tendas, ajudou a preparar um dos grandes pregadores do início do cristianismo. "Talvez não se possa propor aos esposos cristãos melhor modelo que o das famílias dos tempos apostólicos: o centurião Cornélia, que foi dócil à vontade de Deus, e em cuja casa se consumou a abertura de Igreja aos gentios (cf. At 10,2448); Áquila e Priscila, que difundiram o cristianismo em Corinto e em Éfeso, e que colaboraram com o apostolado de São Paulo (cf. At

18,1-26); Tabita, que com a sua caridade assistiu aos necessitados de Jope (cf. At 9,36). E tantos outros lares de judeus e gentios, de gregos e romanos, aos quais chegou a pregação dos primeiros discípulos do Senhor. Famílias que viveram de Cristo e que deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs, que atuaram como centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo, que contagiava os que os conheciam e que com eles se relacionavam. Assim foram os primeiros cristãos e assim havemos de ser nós, os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz e da alegria que Jesus nos trouxe" 2 .

2. "NINGUÉM DÁ O OU E NÃO TEM" A evangelização não é uma técnica, não é apenas uma transmissão de conhecimentos sobre a religião católica. É fruto da conversão pessoal que, como exemplo de vida, faz com que outros sejam atraídos para Cristo. Aqueles primeiros casais de cristãos não tinham livros, ainda não tinham o Novo Testamento, não haviam sido escritos os catecismos nem os manuais de teologia. Anunciavam a Cristo com as suas palavras, mas especialmente com as suas vidas. Daí a grande importância do

1. SÃO JOSEMARIA ESCRIVÃ, Amigos de Deus, n. 269. 2.

SÃO JOSEMARIA ESCRIVÃ, É Cristo que passa, n. 30.

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exercício pessoal das virtudes humanas e cristãs, que são a demonstração clara que queremos seguir a Cristo. A compreensão, o mútuo respeito e outras virtudes aprendidas no lar, como a primeira e melhor escola, têm repercussão num âmbito mais amplo. Se no seio da famuia se aprendeu a dialogar, a compreender os pontos de vista dos outros, a ceder à própria opinião, a prestar serviços, será mais fácil transmitir esses modos de proceder à sociedade. ''A promoção de uma autêntica e madura comunhão de pessoas na família converte-se em (... ) exemplo e estímulo para as relações comunitárias mais amplas num clima de respeito, justiça, diálogo e amor" 3 . Por isso, "é fundamental que os pais dêem, nas suas famuias , um exemplo de vida coerente" 4 . E mais: "É urgente, em todas as partes, refazer o espírito cristão da sociedade (... ). Os fiéis leigos - devido à sua participação no ofício profético de Cristo - estão plenamente implicados nesta tarefa da Igreja. Em concreto, correspondelhes testemunhar como a fé cristãmais ou menos conscientemente percebida e invocada por todos constitui a única resposta válida aos problemas e expectativas que a vida coloca a cada homem e a cada sociedade. Isto será possível se os fiéis leigos sabem superar, neles mesmos, a ruptura entre o Evan3. 4. 5. 6.

gelho e a vida, recompondo na sua vida familiar cotidiana, no trabalho e na sociedade, essa unidade de vida que no Evangelho encontra inspiração e força para realizar-se com plenitude" 5 . Aqui é grande a importância da vivência dos sacramentos por parte do casal, sobretudo a Eucaristia, onde se unem profundamente a Cristo, e a Confissão frequente , onde se levantam e recebem a orientação segura para começar e recomeçar sempre.

3. PRIMEIRO LOCAL DE EVANGELIZAÇÃO: O PRÓPRIO LAR A família é a primeira escola das virtudes sociais6 . Com frequência, parece ser mais cômodo, mais fácil, mais gratificante cuidar dos filhos dos outros que dos próprios. No entanto, seria um grave erro edificar a vida espiritual e apostólica às margens do próprio lar, evangelizar os de fora, em detrimento dos de dentro, dos que estão mais próximos de nós. Os lares cristãos são chamados a serem sementeiras de vocações, sacerdotais, religiosas e leigas, de pessoas decididas a serem santos de verdade. Certamente, a formação na fé , como acontece com todo processo educativo, deve ser progressiva, adequada à idade de cada um, respeitando a situação concreta em

JOÃO PAULO II, Familiaris consortio, 22/11/1981 , n. 43. JOÃO PAULO II, Homilia, 3/11/1982. JOÃO PAULO II, C hristifideles laici , 30/ 12/1988, n. 34. CONCÍUO VATICANO II, Decreto Gravissimum educationis, n.3.

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que cada um se situa. Deve, sobretudo, ser regada com muito amor. Enquanto busca a santificação, a família: a) É chamada a ser uma comunidade orante, a brilhar pelo dom e pela arte da oração, ser escola de oração, de que Maria e o próprio Jesus são modelos e mestres. A oração é para a família um dom . O seu artífice é o próprio Espírito Santo, que desperta em nós o desejo de orar, conduz a nossa oração e, para que ela seja possível, cria a necessária comunhão entre nós e o Pai. Assim, a oração é a expressão da luz e da beleza do Espírito Santo em nós e fonte de profunda alegria para quem crê. b) É chamada a fazer a experiência do perdão, da partilha, da correção fraterna, do acolhimento, do amor, na vivência dos valores propostos por Jesus, de modo que todos contribuam para a santificação uns dos outros. c) É chamada a ser igreja doméstica, vivendo intensamente o amor, que se manifesta de modo especial no serviço, na atenção, no cuidado, na busca do bem maior. d) Não pode ser uma comunidade fechada em si mesma, mas deve estar presente no mundo e também nele exercer a sua missão, de modo que a Igreja se faça presente na realidade secular. e) Fiel à vocação a que foi chamada pela graça do Batismo e do Matrimónio, deve testemunhar,

no mundo, os valores do Evangelho, o que supõe a condição de discípulos e missionários. Corresponde, portanto, aos pais fazer que seus filhos , "superando os limites da própria família, abram seu espírito à idéia de comunidade, tanto eclesiástica como temporal" 7 . O que se pode fazer no lar? Eis apenas alguns exemplos: Dever de Sentar-se: estendê-lo de vez em quando aos filhos, sobretudo quando já têm suficiente discernimento. Orações familiares em conjunto: bênção dos alimentos, orações juntos antes de dormir etc. - Leitura e explicação da Bíblia, conforme a idade dos filhos. - Aproveitar os tempos fortes , como a Novena de Natal em família, Campanha da Fraternidade, Aniversários, Mês da Bíblia, Mês Vocacional , Campanha Missionária ... Montagem do Presépio (Bento XVI, Advento de 2008) Retomar a prática do Terço em família (João Paulo II em Aparecida, 1980) Fomentar a generosidade com os mais necessitados (visitas a creches, orfanatos, asilos etc.) - A missão dos avós (Bento XVI na Espanha) 4. MISSÃO NA FAMÍLIA E DA FAMÍLIA Além disso, as portas do lar deveriam estar abertas a outras pes-

7. CONCILIO VATICANO II, Decreto Apostolicam actuositatem , n.30.


soas e famílias, num espírito marcadamente missionário. O Papa João Paulo II, dirigindo-se a um grupo de casais que promoviam atividades de orientação familiar, animava-os a "ajudar um grande número de famílias a educar seus filhos , começando por procurar a melhora pessoal, um conhecimento mais objetivo dos vossos filhos e tomando consciência da necessidade de preocupar-vos também pelos filhos dos outros. Neste campo, em primeiro lugar é preciso estar bem convencidos do lugar originário e fundamental que ocupa a família, tanto na sociedade como na Igreja"8 . A missão do casal cristão, portanto, vai muito além do dever de cuidar da própria família. A comunidade familiar é convocada a estar aberta às outras comunidades semelhantes e à sociedade inteira, como células de um organismo sadio que, mesmo tendo vida própria, cooperam para o bem do corpo inteiro. A confluência de gerações dentro de uma mesma família é uma riqueza que é preciso apreciar: pais

e filhos, os avós e outros parentes próximos e, também, conforme a situação, as pessoas que se ocupam do serviço doméstico. Muitos desses servidores foram evangelizados e até batizados ou celebraram sua Primeira Eucaristia no seio da família em que trabalhavam. E mais! "A família, em virtude da sua natureza e vocação, longe de encerrar-se em si mesma, abrese às outras famíl ias e à sociedade, assumindo sua função social"9 . "A vida familiar pode, assim, alcançar um grande eco, um efeito multiplicador enorme em prol de toda a sociedade. A família cristã hoje, sobretudo, tem uma vocação especial para ser testemunha da aliança pascal de Cristo, mediante a constante irradiação da alegria do amor e da certeza da esperança, da qual deve dar razãd' 10 . Como já consideramos no início, assim se comportaram os primeiros cristãos. Os Atas dos Apóstolos narram como a primeira preocupação das pessoas casadas que se convertiam, por exemplo Lídia

8. JOÃO PAULO II, Discurso ao VII Congresso Internacional sobre a Família , 7/11/ 1983, n.1-2. 9. JOÃO PAULO II, Exortação Apostólica Famlllaris consortio, 22/11/1981 , n.52. 10. lbidem.

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(cf. At 16,14) , o guarda da prisão (cf. At 16,33) ou o chefe da sinagoga (cf. At 18,8), consistia em transmitir a fé em Cristo aos demais membros da família. "Diante de uma sociedade que corre o perigo de ser cada vez mais despersonalizada e massificada e, portanto, desumana e desumanizadera, tendo como resultados negativos tantas formas de 'evasão' como são, por exemplo, o alcoolismo, a droga e o próprio terrorismo - a família possui e comunica, ainda hoje, energias formidáveis, capazes de tirar o homem do anonimato, de mantê-lo consciente da sua dignidade pessoal, de enriquecê-lo com uma profunda humanidade e de inseri-lo ativamente, com sua unicidade e irrepetibilidade, no tecido da sociedade" 11 . Em outras palavras, não bastam as atividades desenvolvidas em âmbito paroquial ou eclesial. É preciso levar a fé cristã a toda a sociedade. Ir ao encontro dos "novos areópagos e centros de decisão" 12 . Ter a coragem de enfrentar os ambientes difíceis, lugares aparentemente refratários à mensagem evangélica. Para isso, é preciso estar preparados para enfrentar temas difíceis e saber dar razão da nossa esperança (cf. 1Pd 3,15). Mostrar que vivemos porque acreditamos, não porque nos disseram que é assim que se deve fazer. É preciso formar-se bem e com profundida-

de; estudar os temas atuais, especialmente os mais atacados, e dar respostas convincentes, não apenas decoradas, mas aquelas que se podem defender com argumentos sérios, também lógicos e científicos, sem se esquecer de pedir as luzes do Espírito Santo para tomar a dianteira. Outro local importante para a ação do casal cristão são as escolas onde estudam seus filhos. A mobilização dos pais e seu envolvimento nas decisões, sejam elas referentes à infra-estrutura material, sejam de cunho pedagógico e formativo, tornam-se cada vez mais necessários. Como alerta a Conferência de Aparecida, "as novas formas educacionais de nosso continente ... aparecem centradas prioritariamente na aquisição de conhecimentos e habilidades e denotam claro reducionismo antropológico... com frequência, elas propiciam a inclusão de fatores contrários à vida, à família e a uma sadia sexualidade. Dessa forma, não manifestam os melhores valores dos jovens nem seu espírito religioso; menos ainda lhes ensinam os caminhos para superar a violência e se aproximar da felicidade, nem os ajudam a levar uma vida sóbria e adquirir as atitudes, virtudes e costumes que tornariam estável o lar que venham a estabelecer, e que os converteriam em construtores solidários da paz e do futuro da sociedade" 13 .

11. lbidem, n.43. 12. Documento de Aparecida, n.491. 13. Documento de Aparecida, n.328 .

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"CASAIS, IDE E EVANGELIZAI!" Pe. Frei Avelino Pertile Homilia • 19 de julho de 2009

Queridos e amados casais das ENS de todo o Brasil! Minha saudação aos que aqui se encontram fisicamente e aos presentes no coração de cada um de nós. Nenhum casal equipista do Brasil está oculto aos nossos olhos neste momento solene da vida do movimento das ENS. Ninguém se sinta ausente, porque em cada um dos presentes estão todos os que não puderam fazer-se presentes. Onde está nosso tesouro aí está nosso coração. Que belos momentos de convivência, passados juntos nestes dias! Dizemos belos momentos, pois tudo parece pouco quando o amor é grande. Curto parece o tempo, breves as horas, diante de tudo o que vimos e ouvimos. A felicidade experimentada é tão grande que gostaríamos de tornar eternos cada um desses momentos. O clima familiar, a certeza da presença de Jesus Cristo, a experiência de sentir que somos uma família onde todos se amam, torna cada ato aqui vivido um momento de céu antecipado. Mas, na terra tudo é passageiro. Está chegando o momento de despedir-se e voltar cada um para sua casa e sua terra. Quando Pedro, no glorioso dia da Transfiguração, disse a Jesus : "É bom estarmos aqui. .. ", era chegada a hora de descer da montanha e voltar para o dia a dia da vida. Quando Jesus estava se preparando para a grande despedida, em 86

seu excesso de amor, não sabendo mais o que dizer e o que dar, ainda encontrou no fundo do seu coração um presente, talvez o maior, a Eucaristia, onde não só estava dando alguma coisa, mas dando-se a si mesmo. Encontrou a forma de estar sempre vivo e ressuscitado no meio do povo. Vamos partir daqui com o propósito de fazer da nossa vida, "uma eucaristia", colocando-nos ao serviço da Igreja, no movimento das ENS. Servir é a forma de permanecer ao lado de todos, pois, formamos um só corpo. Servir é a forma humana de amar. C.\<1 438


"Nada acontece por acaso!" Tudo está previsto, tudo está nos esquemas e planos de Deus. As passagens bíblicas deste domingo parecem escolhidas para este momento, mas foram presenteadas pelas mãos generosas de Deus, que sempre servem o melhor para seus filhos. Deus sabe das necessidades do mundo de hoje. Deus, "Pai e Mãe", sabe o que é bom e útil, neste momento que há de marcar a caminhada das ENS no Brasil. Meus queridos casais! Encontramo-nos diante de uma página evangélica, falando da experiência missionária dos Apóstolos. Os discípulos, em sua primeira experiência apostólica como enviados do Mestre, comprovaram o poder e a força da Palavra de Jesus. Voltaram felizes ao convívio do Mestre, por tudo o que puderam experimentar em seu íntimo e por tudo o que puderam perceber naqueles que os acolheram. A experiência do servir deixa uma marca que nem o tempo e nem a eternidade podem apagar. As palavras rascunham, mas não descrevem uma experiência. A alegria do servir é uma riqueza que pode ser percebida pelos outros, mas não pode ser dada. Os Apóstolos constataram, que, quando o assunto é Jesus Cristo, Pessoa e Mensagem, o povo acorre em massa para escutar, como um rebanho sedento, buscando água para matar a sede. A pregação dos Apóstolos, apaixonados por Jesus e cheios de um ardoroso zelo pela sua mensagem, fez com que a busca de Jesus crescesse sempre mais. Eram ("

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sempre mais numerosos os que procuravam encontrar-se com Jesus. O contexto desta passagem do Evangelho fala do martírio de João Batista; e os versículos seguintes, do milagre da multiplicação dos pães e dos peixes. O sangue derramado por João Batista foi semente que rendeu mais de cem por um. A multiplicação dos pães e peixes é um símbolo da fecundidade da palavra de Deus e da abundância dos frutos da semente que soube morrer. Soube morrer João Batista, entregando a cabeça e soube morrer o menino, entregando os cinco pães e os dois peixes. Estes homens foram escolhidos e chamados, um por um, para estar junto de Jesus. O chamado encerra uma missão. Jesus sabe que o seu plano se há de concretizar sempre e somente através dos seus escolhidos, chamados e enviados. Ao chamar, Jesus não disse para quê chama, mas disse simplesmente, olhando para cada um: "Segue-me" (Mt 9,9). Mestre, onde moras, disse um dos convidados? Jesus não entregou um cartão e nem pegou a caneta para escrever seu endereço, mas simplesmente respondeu: "Vinde e vede" (Jo 1,39). O convite foi para que fossem morar com Ele e vissem com os próprios olhos, quem era, o que fazia e como vivia. Eles deixaram tudo e o seguiram. O passo primeiro e decisivo para ser discípulo é estar ao lado do Mestre para escutá-Lo. Primeiro nos tornamos discípulos e depois Apóstolos missionários. É por este 81


caminho que nos quer levar o Pe. Caffarel. A bagagem do missionário é Jesus Cristo, guardado no cofre do coração e da mente; a cartilha dos conteúdos da pregação é a Palavra de Jesus, não escrita em papel, mas no coração que escuta diretamente dos lábios de Jesus, nos momentos de convivência íntima e familiar. A mensagem do missionário de Jesus não é preparada diante do computador, nem diante de livros ou da internet, mas é preparada na escuta amorosa de Jesus. O coração e a mente se abrem para acolher o amor de Deus que se derrama, quando silenciosamente nos prostramos diante dele. Assim procedia Jesus diante do Pai. Passava longas horas, noites inteiras em diálogo com o Pai. "Meu alimento é fazer a vontade do Pai". Como descobrir a vontade do Pai se não nos colocamos à sua escuta, silenciosamente? Jesus subia ao monte para orar, levantava-se bem cedo e retirava-se a um lugar solitário e deserto, para estar a sós com o Pai . Na Bíblia, subir à montanha significa colocar-se mais perto, aos pés de Deus. Quando Deus queria encontrarse com Moisés para mostrar-lhe a sua vontade, levava-o ao alto da montanha. De lá Moisés voltava trazendo a mensagem da vontade de Deus para o seu povo. A consciência de ser chamado 88

por Deus é um dos passos mais importantes para tornar-se discípulo. Por que Jesus chama? Será para dar uma tarefa que deve ser cumprida com urgência? Certamente não é esta a finalidade primeira do chamado. Deus chama primeiro para que fiquemos com Ele, para que nos tornemos seus amigos, para fazernos sentir que somos amados e para dizer a Ele que o amamos, até podermos dizer com Pedro: "Senhor, Tu sabes que eu Te amo" . O convívio permite que haja uma abertura do coração de ambos os lados. Este é o primeiro e definitivo passo para tornar-se discípulo. O grave erro que cometemos muitas vezes é ver no chamado uma ordem para executar tarefas, ainda que santas. A execução de tarefas, a missão, vem depois, bem depois e sua eficácia depende da primeira parte do chamado (ser discípulo) . Deus , certamente quis e quer precisar da colaboração humana, da ação dos casais. Mas, mais do que da nossa ação, Ele quer o nosso coração. Eu sou o importante para Ele e não a minha ação, pois esta é dele, mais do que minha. CM 438


"Sem mim nada podeis fazer" . "Pela graça de Deus sou o que sou/ ...{frabalhei mais do que todos eles; não eu, mas a graça de Deus que está comigo" (1Cor 15, 10). Seguindo a trilha do Evangelho de hoje, queremos entender e precisamos nos convencer que Jesus chama, não em atenção às nossas qualidades, pois não precisa delas, mas para que sejamos discípulos; para que tenhamos a coragem e a determinação de ir e ver onde mora, a coragem e a determinação de sempre, como discípulos, permanecer aos seus pés. Se os passos do discipulado não forem preenchidos, poderemos até partir em missão, mas, muito brevemente, começaremos a sentir o cansaço, e o peso dos fracassos levar-nos-á ao abandono da missão. A desilusão do servir oriunda de fracassos tem sua explicação: querer ser missionário sem ser discípulo. Dizia Teresa de Jesus: "Quem - se cansa e nem cansa " . ama nao O discípulo que conhece o mestre é enviado para revelar primeiro a pessoa e depois sua mensagem de amor. A intimidade com Jesus se aprofunda com o conhecimento; e o conhecimento depende do convívio em que prevalece a dinâmica da escuta e interiorização da palavra. Não é esta a mensagem do Pe. Caffarel com o tema da "oração interior" para fazer de cada Equipe uma Escola de Apóstolos? Jesus chamou os discípulos para junto de si e depois os enviou com uma missão bem definida: • Curar os doentes,

• Expulsar os demônios, e • Anunciar que o Reino de Deus está próximo. O casal cristão feito discípulo pela Escola de Jesus é enviado, não para fazer milagres, mas para curar os enfermos e oferecer o remédio: Jesus Cristo. O matrimônio é fonte de graça, de vida e de amor. O sacramento do matrimônio é uma fonte pura porque nasce do mesmo Deus. "Deus é amor". O amor do casal contamina-se, quando se afasta da nascente. Portanto, é missão do casal cristão curar o matrimônio que se afastou da fonte do amor. Que diremos aos casais doentes no amor? Caríssimos casais das ENS, ofereçam o testemunho de vida matrimonial evangelicamente vivida. Sejam vocês o Evangelho vivo! Para isto nasceram as ENS: Para mostrar que o Evangelho também se vive na vida matrimonial. Casal doente no amor é alérgico ao remédio das palavras, mas não é alérgico ao remédio do testemunho. Mostrar que a trilha do Evangelho é caminho de vida feliz para os casados. Casais das ENS, tornaivos um evangelho ambulante, uma voz profética corajosa nos areópagos onde o evangelho do matrimônio é contestado, não negando o Evangelho, mas criando um evangelho paralelo próprio. A vossa vida feliz, por ser o que sois, por acreditar e viver a mensagem evangélica, será uma força que há de arrastar multidões . No Evangelho está a força e o poder de Deus (cf. Rm 1,16). O testemunho de tantos


casais é a prova. Vós, casais, consagrados pelo "grande sacramento" do amor, semelhante ao de Cristo para com sua Igreja, tornai-vos para os outros, sinais visíveis e eficazes, verdadeiros sacramentos. Vossa vida, vivida evangelicamente, é um sinal da presença desta graça, um sinal eficaz para tantos que buscam a felicidade experimentada por vocês. Falem com a convicção e com a unção que nasce da força misteriosa do Evangelho feito vida. Falar de um amor matrimonial que não brota de uma experiência é como escrever no ar em noite escura. A força da palavra está oculta, mas não passiva, na vida de cada um de vocês. O testemunho de uma vida feliz é um remédio infalível e sempre eficaz. A segunda missão confiada por Jesus: expulsar demônios. No tempo de Jesus havia muitos possessos. Há, hoje, muitos possessos do demônio de verdades distorcidas, semeadas pela mídia comandada pelos falsos profetas, possuídos de falsas ideias sobre o matrimônio, ideias que não têm sua raiz no Evangelho de Jesus Cristo. "Eu sou a Verdade", disse Jesus; os demônios das falsas ideias sobre a Igreja, seu Corpo Místico, sobre sua doutrina e autoridade. O casal cristão tem o remédio, mais ainda, o casal cristão é o remédio. Sua simples presença pode expulsar estes demônios disfarçadamente apresentados no palco do mundo. A vida é o melhor argumento, mas nem por isso podemos 90

calar. O calar-se também é um demônio que precisa ser expulso. São do Apóstolo Paulo as palavras: "Não temas/ .. ./, continua a falar, não te cales" (At 18,9). Em terceiro lugar, Jesus os enviou para que anunciassem que o Reino de Deus está próximo. Este lembrete é um convite à conversão que não pode ser adiada. O II Encontro Nacional das ENS nos envia a proclamar que o Reino de Deus está próximo. Esta proclamação se faz pela conversão. João Batista foi enviado para endireitar caminhos e aplainar vales. Em outras palavras, diríamos, para abrir corações. "Abri as portas para Cristo!" dizia João Paulo II , para que possamos entrar no novo milênio com algum sinal de esperança. O Cristo está aí, às portas , chamando e esperando por mim e por ti. Não será este II Encontro Nacional um solene badalar dos sinos, chamando para que lhe seja aberta a porta do coração, e assim poder entrar e estar conosco? Quantos matrimônios de portas fechadas para Cristo! E o Senhor da vida batendo à porta, pedindo licença para entrar! "Eu sou o Caminho", disse Jesus. "Ninguém chega ao Pai senão por mim". Converter-se é abrir o coração para que entre Aquele que se fez nosso Caminho. Quando Pedro terminou o discurso no dia de Pentecostes, muitos, tocados pelas suas palavras, perguntaram : "Irmãos, que devemos fazer?" (At 2, 37) . Aquele povo entendeu e acoCM 438


lheu a mensagem, colocando-se à disposição para fazer tudo o que eles ensinaram. As palavras tocam quando brotam de um coração movido e transformado pela força do Espírito Santo. Coração tocado por Deus é coração a caminho da conversão. Casais das ENS, vós sois enviados àqueles que abraçaram a mesma vocação de vocês, mas ainda não experimentaram o sabor do Evangelho, àqueles que ainda não se encontraram com o Senhor. Vós sois chamados a abrir caminhos por onde passardes, deixando o rastro da vossa vida. Jesus se comoveu vendo aquela multidão que o buscava, vindo de todos os lados. Certamente ouviram falar dele e a notícia ouvida despertou interesse. Para quem está no escuro, basta qualquer raio de luz para fazer nascer a esperança. A fome de Deus é mais devoradora que a fome de pão. Essa fome faz correr para qualquer lugar onde se vislumbra um sinal de sua presença. Sem saber, há uma busca de Deus. Jesus, com sua sensibilidade humana, convida os discípulos, que voltam da breve experiência apostólica, a se retirarem com Ele para descansar e ficar um pouco a sós com eles. Mas as multidões não deixam em paz nem Jesus e nem os Apóstolos. Quando a sede de verdade aperta o coração busca-se incansavelmente e bebe-se qualquer coisa que aparece. Vendo este povo faminto do pão da verdade, Jesus exclamou: Parecem ovelhas sem pastor! Queridos casais! Vocês são pro-

curados com a mesma ânsia, com a mesma fome espiritual, com a mesma sede daqueles que procuravam Jesus e seus discípulos. Há muitos casais que vos querem conhecer, ouvir e ver. Buscaram o matrimónio para saciar a fome de felicidade, mas não encontraram o que procuravam. Estes precisam escutar de vocês, e, sobretudo, ver em vocês onde encontrar o que buscam com tanto esforço e sem êxito. Vocês são os enviados, os portadores desta luz. O rebanho sem pastor é cada dia maior. "O que vos digo às escuras, dizei-o à luz do dia, o que vos é dito aos ouvidos, proclamai-o sobre os telhados" (Mt 10,26). Precisamos mostrar o rosto feliz, porque é esta a identidade cristã. A lâmpada é para estar no candelabro e brilhar. Há muitos casais prostrados pelas estradas do mundo, porque não há quem lhes ofereça um pedaço de pão da alegria de ser casal cristão. A fome de vidas exemplares deixa muitos casais prostrados à beira do caminho. Domina a escuridão, porque faltam casais convertidos e convencidos. É preciso ser convertido para sentir compaixão da multidão. Hoje, a Igreja vem prostrar-se diante de vocês, queridos casais das ENS. Que Deus dê entranhas de misericórdia e compaixão e realize o milagre, não mais multiplicando pães e peixes, mas o milagre da multiplicação de equipes de Nossa Senhora verdadeiramente dignas deste nome, fiéis ao ideal inspirado por Deus e concebido pelo Pe .


Caffarel. Que os casais que desfilam diante de vocês sintam vontade de conhecer o segredo de ser feliz! Quando os Apóstolos disseram a Jesus: "Está aqui um menino que tem cinco pães e dois peixes, mas o que é isto para tanta gente? Mande a multidão para suas casas", Jesus disse, "Dai-lhes vós mesmos de comer". O Brasil é grande, a população é numerosa. Somos nós os cinco pães e os dois peixes que nas mãos do Senhor se multiplicam para a todos saciar. Não deixemos de dizer ao Senhor: Senhor, temos cinco pães e dois peixes somente, mas entregamos esta insignificância e a colocamos ao vosso dispor. Ofereçamos os cinco pães da nossa disponibilidade e do nosso sim generoso no ordinário da vida. Não escondamos os cinco pães das nossas aparentes fraquezas, do nosso pouco tempo, das nossas poucas qualidades, da nossa pouca cultura e saber. Para Deus, o nosso pouco é o único necessário para o grande milagre. O pouco de cada um é o começo do milagre. Não neguemos este pouco! Quem criou o mundo, com tudo o que nele existe, do nada, muito mais fará com o pouco que nós colocamos em suas mãos. Aliás, o que oferecemos tem o tamanho, a grandeza e o valor daquele a quem oferecemos. O que damos e fazemos para Deus é de valor infinito, como Deus é infinito. "Casal cristão, ide e evangelizai". Sede a alegria de Jesus e não a decepção. Cada Equipe seja um Colégio Apostólico, convidado, acima de tudo, para estar com Jesus, 92

mas também destinado para ir, porque há muitas ovelhas que ainda não pertencem ao rebanho do Senhor. É preciso conduzi-las, estas também, para que haja um só rebanho ao redor de um só pastor. Voltem às suas Províncias, Regiões, Setores e Equipes e partilhem o que sentiram e viram neste Encontro. Aceitem o convite de passar um tempo com Jesus, estejam atentos a este convite que Ele vos fará frequentemente, ainda que os que buscam a felicidade no matrimónio vos procurem e não vos deixem em paz. Ide, evangelizai. Acolhamos com fé e coragem este pedido do Senhor, neste momento solene. Nós podemos tornar real o sonho do Senhor: Um só Rebanho. Ele confia em nós. Confiemos nós também nele. Nivelemos as duas confianças, a de Deus para conosco e a nossa para com Deus, e a missão terá o êxito desta confiança. Voltaremos cada dia muito felizes, partilhando com todos a alegria de servir, partilhando os milagres que vimos acontecer quando nos colocamos como instrumentos conscientes e responsáveis em suas mãos. A confiança que Ele tem em nós se transforme em compromisso acolhido com alegria. Coragem, queridos casais, Ele vai conosco! Esta é uma promessa de Deus. E Deus é fiel. Sejamos testemunhas desta fidelidade , para que os casais do Brasil possam testemunhar: Cremos que este é o caminho, porque vimos com nossos olhos. • CM 438


MENSAGEM FINAL DA SUPER-REGIÃO Graça e Roberto Rocha - CR SR Brasil 19 de julho de 2009

Amados irmãos: Lemos no Eclesiastes (Ecl 3,1) que há sempre um momento para tudo e um tempo para cada propósito debaixo do céu. Depois de dois anos de preparação, veio o Encontro. Respondemos como os Apóstolos que subiram à montanha chamados por Jesus (Me 3, 13) . Agora, é tempo de nos despedirmos. Depois das belas mensagens de vida, segue a mensagem do fim ... . Para nós cristãos, fim é novo começo, é ressurreição, é vida mais plena e o envio torna-se assim prenúncio da vida nova que virá. Por isso, iniciamos agradecendo a todos os participantes deste Encontro aqui presentes, casais, viúvos e viúvas, sacerdotes conselheiros e acompanhadores espirituais. Suas presenças são a razão da nossa alegria e o motivo da nossa gratidão pela oportunidade que nos deram de servir. Vendo-os aqui diante de nós neste momento, já sentimos o primeiro alento que vem do futuro para acalentar em nossos corações o desejo de realizarmos em 2.015 o 3° Encontro Nacional. A "pedra" abençoada pelo Santo Padre Bento XVI que deixamos na Catedral da Arquidiocese de Florianópolis e as pedras que trouxemos de nossas cidades, des(

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tinadas a ser parte do fundamento de uma casa para uma família pobre, serão sinais perenes do compromisso mútuo de amor fiel que selamos neste 2° Encontro. Caros Maria Carla e Cario Volpini, Casal Responsável pelas ENS no âmbito internacional, caro Padre Angelo Epis, SCE da ERI, estamos imensamente felizes com as suas presenças no Brasil. Esperamos que as experiências vividas entre os equipistas brasileiros te93


nham-lhes permitido aprofundar os laços de amizade e de fraternidade necessários para construirmos a internacionalidade do nosso Movimento. Queremos confessar-lhes de público que a experiência da "página em branco" que encantou a todos os participantes do Encontro de Roma, em janeiro último, agora, com as suas primeiras linhas já escritas, designando o Brasil como sede do Encontro Internacional de 2.012, assusta-nos um pouco. Entendemos a necessidade do Movimento de realizar o seu primeiro evento internacional fora da Europa. Diante disso, não nos sentimos no direito de privar milhares de brasileiros, que jamais poderiam participar de uma experiência internacional, de viver uma oportunidade como esta . Somos gratos pela confiança em nós depositada e pedimos que transmitam aos equipistas do mundo inteiro que a Super-Região Brasil dará a todos os que aqui vierem o que tem de melhor: "a nossa vontade de servir o Movimento na alegria, na justiça e na fidelidade ". Queridos Silvia e Chico, Casal Responsável pela Zona América, já começamos a sentir a imensa alegria pós-encontro que vocês

sentiram seis anos atrás. Somos gratos por nos terem animado continuamente para a realização deste Encontro. Caros Clarita e Edgardo , Casal Responsável pela Super-Região Hispano-América, a sua presença no Brasil encanta-nos, assim como nos encanta o árduo compromisso que têm de animar e manter a unidade do Movimento na América de língua espanhola, do México à Argentina. Agradecemos sua presença , agradecemos por nos permitirem mostrar-lhes um pouco da vida das ENS no Brasil. Irmãos equipistas da Com issão Organizadora do 2° Encontro Nacional : (.

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Foi uma experiência maravilhosa acompanhá-los passo a passo na preparação e concretização deste evento. Uma obra realizada na espontaneidade do amor comunicado pelo Espírito, presente na doação e engajamento de mais de 150 casais, quase todos pertencentes à Região SC I, contando ainda com auxílio de casais das regiões SC II, RS I, SP-Sul II. Na pessoa de Sílvia e Glauco, Casal Coordenador deste Encontro e que generosamente acolheu o desafio de realizá-lo em Florianópolis, queremos saudar todos os componentes dessa Comissão Executiva, destacando que poucos equipistas receberam, como vocês, uma oportunidade tão exigente em atitudes interiores. Deus sempre concede a graça na proporção da exigência que faz. Na pessoa do Pe. Ney Brasil, agradecemos ao Coral que abrilhantou todo o nosso Encontro. Agradecemos aos nossos palestrantes pela comunicação de vida que nos deram com as suas colocações. Lembramos ainda a atividade invisível e indispensável de alimentar o banco de dados realizada pela Equipe de Inscrições, constituída de membros de todas as províncias e coordenada por Vera e José Renato, assim como o trabalho seguro e fiel realizado por Eunice e Milton na organização financeira necessária à realização do Encontro. Queremos ainda partilhar a ale-

gria que sentimos neste momento com os irmãos da Equipe da Super-Região, presença amorosa e acolhedora em nossa vida, apoio seguro e participação marcante no discernimento de todas as questões de fundo deste Encontro. Em especial, o nosso reconhecimento ao estimado Frei Avelino, amigo e conselheiro espiritual sempre empenhado em nos conduzir pelos caminhos da oração e em nos manter fiéis ao carisma e à mística do Movimento. Por fim, agradecemos ao estimado Dom Murilo Krieger, Arcebispo de Florianópolis, pelo acolhimento à ideia do Encontro e pelo engajamento efetivo na sua realização. Sem a sua participação não teríamos ido tão longe. Sentimos na sua presença a presença amiga e solidária do bom pastor que dá a vida por suas ovelhas. (Cf. Jo 6,11). Receba a gratidão e o reconhecimento das ENS. Desde o Encontro Internacional de Lourdes, vivemos no Brasil a vocação e missão das ENS, animados pelo desejo intenso de sermos comunidades vivas de casais, profundamente sintonizados com as suas três linhas mestras que nos querem como: testemunhas de uma felicidade fundadas no evangelho, testemunhas do Evangelho do matrimônio, e testemunhas comprometidas em difundir a espiritualidade conjugal e o sacramento do Matrimônio às novas gerações 1• Daqui até 2012, acentuaremos

1. EPIS, Pe. Ângelo. Plestra "Sou eu que falo comtingo". Colégio de Roma, 2009. p . 1)

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alguns pontos específicos do tema deste Encontro: Casal cristão, fecundidade evangélica. O primeiro deles é o desafio de abrirmos as portas e janelas das nossas casas para arejá-las, para retirar o mofo, para que possamos viver e testemunhar toda beleza do mistério do amor conjugal. Assim poderemos realizar um sonho do Padre Caffarel de que todo lar cristão seja efetivamente uma fração do universo que se tornou Reino de Deus. Um segundo ponto é o desafio de sermos dons para os filhos. Lembram de ontem? Só seremos dons se formos efetivamente casais, mas, só seremos casais se aprendermos a colher a vida como os israelitas deviam colher o maná na caminhada no deserto. Cada um colha o que basta para comer sem nada guardar para amanhã. (Cf Ex 16, 19). Seremos capazes de caminhar de mão vazias? Sem levar nada além do cajado? Só o tranquilo abandono à Providência poderá ajudar-nos a resgatar as energias do amor conjugal para fecundar a vida com encontros capazes de gerar unidade e comunhão sempre mais plena. Saímos deste Encontro cheios de esperança. Desejamos que Deus nos conceda a graça de podermos ser resposta a essa multidão de pessoas, de casais, de famílias, de jovens que mesmo cheios de incertezas e dúvidas, ainda buscam a verdade.

E, com essa esperança, finalizamos, destacando o terceiro ponto de aprofundamento, o nosso compromisso missionário, presente na poesia "Vão, eu estarei com vocês"2, da qual declamaremos as três últimas estrofes:

••• Casal cristão, você me ama?

É a pergunta do Senhor! Sejam minhas testemunhas, Mas levem o coração ardendo de amor, E por obra do Espírito Santo Sejam sinais do amor transformador. Assim seremos missionários. Ainda há muito por descobrir, Acreditar no amor, botão de esperança, "Prenúncio da flor" que haverá de vir. De mãos unidas e disponíveis Um futuro novo iremos construir. Vamos lançar as redes Em águas mais profundas, então, E a pesca será milagrosa Nesta grande missão. Porém , Jesus, nós te pedimos: Conduze-nos pela tua mão!

2. Livrete de Liturgia, p . 78. Poesia inserida na Cerimônia de Envio do 2° Encontro Nacional, de autoria de Zaida (do Rubens) .

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MEDITANDO EM EQUIPE Como a Bíblia, livro inspirado por Deus, comunica a palavra da vida e mostra o desígnio de Deus para a humanidade, nenhum casal cristão poderá prescindir da leitura da Palavra de Deus, pois nela encontrará a luz para ter uma vida vivida segundo a vontade de Deus e o caminho para viver sua vocação matrimonial e sua missão de educadores dos filhos.

ESCUTA DA PALAVRA EM 1COR 4,5-18. Sugestões para a meditação 1. Como o casal está vivenciando a Escuta da Palavra? 2. Como conseguir traduzir em vida o apelo à conversão feito pela Palavra de Deus? 3. Como a Bíblia ilumina a vida familiar? Pe. Geraldo

ORAÇÃO LITÚRGICA (Salmo 1) Feliz o homem que não segue o caminho dos ímpios, não envereda pelo caminho dos pecadores nem toma assento na reunião dos insolentes, mas na lei do Senhor se compraz e nela medita, dia e noite!

É como a árvore plantada à beira das águas correntes: ela dá fruto a seu tempo, e sua folhagem não murcha; tudo que ele empreende prospera . Não são assim os ímpios: são como a palha que o vento arrebata. Por isso os ímpios não ficarão de pé no julgamento, nem os pecadores, na assembléia dos justos. Pois conhecer o Senhor é o caminhar dos justos, o caminhar dos ímpios, porém, é sem rumo.


Equipes 1 M - s-t-a Movimento de Espiritualidade Conjugal

R. Luis Coelho, 308 • s• andar, cj 53 • 01309·902 • São Paulo • SP Fone: (Oxx11) 3256 .1212 • Fax: (Oxx11) 3257 .3599 secretariado@ens.org.br • cartamensal@ens.org.br • www.ens.org.br


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