ENS - Carta Mensal 1969-1 - Abril

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Editorial pg,

Quem vos ouve a mim ouve . .

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Oração para a próxima reunião 15


Publicação mensal das Equipes de Nossa Senhora Casal Responsável: Nancy e Pedro Moncau Jr. Redação e Expedição: Rua da Consolação, 2567 - Conj . 102 São Paulo - SP

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'

EDITORIAL

"QUEM VOS OUVE A MIM OUVE"

O "Suplemento" de março anunciou a "orientação do ano" - A Igreja, mestra da verdade" . O longo texto a seguir, do Pe. Danielou, vai servir de apõio às nossas reflexões ·e destina-se a ser estudado como tema de uma das próximas reuniões, de acõrdo com as orientações da página 13.

É de grande importância, na hora atual, que se tenha uma visão exata do lugar essencial ocupado pela hierarquia e, mmto especialmente, pelo Santo Padre, no conjunto da economia cristã.

O essencial do ensinamento do Concilio, do ponto de vista dogmático, foi justamente pôr em destaque qual o lugar da hierarquia dentro da Igreja. Com efeito, os textos mais estudados, mais elaborados, são os que dizem respeito ao Episcopado e às relações entre o Episcopado e o bispo de Roma, o Soberano Pontífice .Pode-se dizer que êste é o ponto doutrinário mrus importante do Vaticano ll que assim completou o Vaticano I ,no qual foram definidas a infalibilidade e a jurisdição universal do Soberano Pontífice. Ao descrever o que é esta estrutura da Igreja, o Vaticano II completou o ensinamento que o Vaticano I não pudera concluir em virtude da guerra de 1870, o que dete:rminou a sua L'lterrupção. -1-


Acontece que, logo após o Vaticano li - e temos aí um dos aspectos mais paradoxais da situação pós-conciliar - êste ponto vem sendo muito contestado por um certo número de cristãos e muito i"norado pela maioria dos outros que, deixando de lado os destaques dogmáticos relativos a um certo número de pontos, apenas se detiveram em outros aspectos do Vaticano li, como seja, tudo o que se relaciona com a renovação da Igreja no plano pastoral. Devo acrescentar que Paulo VI, numa declaração que os jornais publicaram em 26 de abril do ano passado - e que era como que um prólogo à proclamação que fêz no encerramento do ano da fé - acentuou três pontos: - A Igreja tem a grande preocupação de se adaptar aos problemas ·de hoje; - os dogmas do simbolo dos Apóstolos são absolutamente imutáveis e qualquer contestação que lhes diga respeito está totalmente fora de questão; - a estrutura divina da Igreja, isto é, essencialmente, a constituição de todo o orgnismo d sacerdócio e dos sacramentos, é imutável, não admite nenhuma espécie ele modificação. É

dêste terceiro ponto que vai se tratar aqui. I

O PROBLEMA DA AUTORIDADE "Alergia" à autoridade

Antes de mais nada, quais são, resumidamente, algumas das razões que levam ao fato de encontrarmos, a respeito desta estrutura da Igreja, uma certa alergia? Alguns colocam a tônica sôbre as dificuldades do sacerdócio; outros sôbre a tendência secularista; outros, finalmente, põem em questão a autoridade. -~-


:t êste terceiro aspecto que, a meu ver, suscita mais particularmente a crise atual encontrada na Igreja, esta discussão radical em relação à autoridade. A autoridade, sob tôdas as suas formas, é considerada como uma alienação, no sentido marxista da palavra: para certos indivíduos. reconhecer que alguém os supera e que nêle devem confiar com relação a certos assuntos, é considerado contrário à própria evolução do homem moderno - e isto funciona de modo absoluto em todos os planos.

No plano humano

Que haja um certo número de mutações no nível humano que mereçam ser levadas em conta, não devemos absolutamente contestá-lo - e João XXIII já o indicara muito bem na encícli0 ca PACEM IN TERRIS" : uma participação do operário no andamento da emprêsa, um acesso dos povos de côr a um diálogo de igual para igual com as outras nações, uma promoção da mulher na família e na sociedade, um lugar de maior destaque> dos jovens, são outros tantos aspectos que podemos propugnar. Temos aí problemas reais e, sob êste ponto de vísta, cabe encarar, não a supressão da autoridade, mas sim uma nova concepção de autoridade e de suas relações com o conjunto do bem comum. Alguns desenvolvem porém esta teoria apenas no plano humano, levando -a a teses totalmente subversivas e, não hesita·· mos em dizê-lo, absurdas, pois é evídente que o fator autoridade funciona necessàriamente tanto nas emprêsas, como na família e na sociedade. De outra forma seria uma autêntica desorilem . No plano religioso

E quando isto é transposto para o plano religioso, chega-se a contestar radicalmente a autoridade no plano doutrinário, o que nos conduz à aberração pura. Se continuassemos nesta linha, chegaríamos na Igreja, à mais completa anarquia: com efeito, se qualquer teólogo puder considerar-se inspirado pelo Espírito -3-


Santo e tendo o direito de contestar o que afirma a hierarquia, mergulharemos na confusão total. Ora, é justamente o que acontece hoje em dia, em certa medida: o Papa publicou uma enciclíca sôbre o sacerdócio e o celibato sacerdotal, e vemos artigos recentes dizerem que esta encíclica é totalmente nula; o mesmo acontece com a encíclica "HUMANAE VITAE" ... Se o padre X ou o casal Y se consideram com direito de julgar o que diz o bispo de Roma, qualquer pessoa pode então fazer o mesmo e dizer o que quiser. . . É evidente que, nesta altura, caímos na ma1s pura anarquia. Acabo de chegar do Canadá onde fiz, numa cidade o Quebec, uma série de conferências sôbre os problemas da Igreja. Um Jovem intervtio, dizendo-me "Mas hoje o Esprito Santo sopra em tôda a parte; porque deveria soprar mais na hierarquia do que nos leigos? Ao que respondi: "Não ponho de nenhum modo em dúvida q\le o Espírito Santo sopra também sôbre os leigos, mas há uma doutrina que é tão antiga quanto a Igreja, é a do dtscernimento dos espíritos - ou seja, que o importante é saber, quando algo sopra, se é o Espírito Santo, ou o Mau Espírito. E, nêste caso, é preciso o julgamento de alguém ... " E o que é o Magistério senão, justamente, alguém que pode julgar se é o mau ou o bom espírito que sopra? É evidente que. sem isto, teremos profetismo contra profetismo e confusão total no plano das doutrinas. Assistiríamos então a uma espéc1e de fragmentação da Igreja. Não seria mais a Igreja una de Jesus Cristo, que E:le confiou ao bispo de Roma e aos bispos, mas teríamos a IgreJa do Padre X, do Cônego Y. . . isto é teríamos trinta e seis pequenas igrejas, cada uma com o seu pequeno papa, acotovelando-se umas às outras. Eis exatamente onde chegariamos se ignorássemos o fato de que, nesta liberdade de expressão das opiniões, coisa sadia em sí, é preciso no entanto que haja a possibilidade de discernir onde está a fé e onde está o que se situa fóra da fé. Na Igreja

Atualmente a Igreja corre o perigo de se fragmentar em pequenas capelas e é evidente que os seus respectivos profetas -4-


têm em comum o reconhecerem que não se acham submetido~ a nenhuma autoridade. Quer defendam as opiniões de um integrismo desordenado ou as de um progressismo igualmente desordenado, uns e outros rejeitam o fato de que há uma autondade na Igreja. Encontramo-nos então em face da mesma atitude: a recusa de obediência à Igreja, em virtude da contestação fundamental da legitimidade desta autoridade. Dito isto, onde situar, nesta perspectiva, o papel do sacerdócio, do episcopado e do bispo de Roma? Em primeiro lugar direi qual é a sua função comum; depois, qual é a função própna do episcopado, finalmente, qual é a função própria do bispo de Roma. II

A TRIPLlCE FUNÇÃO DA IGREJA A função da hierarquia na Igreja, é tríplice. Transmitir a verdade É, em primeiro lugar, uma função de verdade. É aos Apóstolos que Cristo confiou a sua mensagem, afirmando que, para conservá-la, estaria com êles até o fim dos tempos. Há portanto na Igreja uma autoridade doutrinária - autoridade doutrinária esta que não é humana mas divina e que por isso se impõe a nós de maneira absoluta. A fé católica é que a revelação, que é uma autondÇ~de divina, que é a Palavra de Deus, foi confiada à Igreja por Cristo para que, através dos séculos, continue a anunciá-la e a e:xplicá-la. E quero acentuar, sob êste ponto de vista, porque os problemas históricos têm importância, o fato marcante de Cri5io não ter escrito livros, mas sim funóado uma igreja. É isto muito importante. Se Jesus Cristo não escreveu nenhum livro, é porque sabia o que fazia. Confiou a sua mensagem não .a livros mortos, mas a homens vivos, e, do ponto de vista da continuação de sua mensagem, a fundação da Igreja e o ato essencial de Cristo.

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Portanto. os homens da Igreja ião homens como os outros, mas a êles Cristo confiou a Palavra de Deus. E é por isso, sejá dito de passagem que a Igreja tem o direito de pretender proclamar a verdade. Há quem acuse a Igreja de um orgulho desmesurado, quando afirma possuir a verdade. Mas a Igreja é pobre; nada tem de seu, mas afirma ter recebido um dom; não se trata, de forma nenhuma, de orgulho, direi mesmo que é humildade. Quando anuncio a Palavra de Deus, não apresento as minhas 1déias, mas dou simplesr:1ente testemunho de alguém. O que eu digo não vem de mim, mas de Deus. A Igreja é possuidora da verdade, no mais estrito sentido da palavra porque est"l verdade não é, em absoluto, uma opinião humana, mas a própria revelação de Deus. E é por isso que a Igreja tem por missão proclamar a verdade, ensiná-la e mantêla inalterável, contra tôda espécie de heresias, de deformações ou alterações, quaisquer que elas sejam. Comunicar a santidade

Em segundo lugar, cabe à Igreja o papel de dar a SANTIDADE. E isto tem a sua expressão essencial através dos sacramentos. Porquanto, o que o Cristo nos traz, não é simplesmente uma doutrina, mas uma vida. Todo o cristianismo consiste em suscitar homens vivos, vivendo uma vida do Espínto (no sentido do Espírito Santo), isto é, vida transfigurada pela graça, transfigurada pelas energias do Espírito. Ora, esta vida que está Nêle e que habita a humanidade que é a sua, Cristo a confiou à Igreja sua esposa, para ser distribuída ao mundo. Manter a unidade

Em terceiro lugar a hierarquia unifica: é a sua função de governo; é ela que mantém a UNIDADE. A unidade, é certo, existe no povo cristão como tal, mas esta unidade precisa ter um instrumento que antes de tudo represente, que a impeça de ser poeira de homens, que congregue. E é por isso que a fun-6-


ção do "Hierarca", nos Padres da Igreja, é essencialmente a de presidir a assembléia cristã. No momento em que há uma assembléia, é preciso que ela seja representada e unificada por alguém, de maneira visíveL Lembro-me de ter ouvido, em certa ocasião, um protestante dizer que era precisan1ente por isso que êle, protestante compreendia o papel do Papa: reconhecia que era necessário que a unidade da Igreja tivesse uma certa expressão; que ela fosse representada em algum lugar por alguém. É preciso que haja algo que represente c, de certo modo, opere a unidade.

m O EPISCOPADO A-

Papel do Episcopado

Esta função hierál·quica é realizada, antes de tudo, pelo Episcopado. É preciso reler, a êste respeito, a Constituição "LUMEN GENTIUM". O que vemos principalmente destacado nesse estudo sôbre o Episcopado? 1.o -

Os Bispos, sucessores dos Apóstolos

Um primeiro ponto é a continuidade do Episcopado e do "Apostolado'' : isto é, os bispos são, essencialmente, os sucessores dos Apóstolos. Achamo-nos aqui em presença de um dado histOricamente certo: Cristo constituiu os Apóstolos como uma instituição à qual confiava a sua mensagem. E aqui precisamos repelir uma idéia falsa que muitas vezes ouvimos exprimir-se assim: a Igreja l.eda começado por ser uma espécie de arrebatamento místico e ter-se-ia tornado em seguida uma instituição hierárquica - segundo esta lei geral que tudo começa em mística e acaba em política, usando a Expressão de P eguy. . . :Este ponto de vista, bastante sedutor à primeira vista, nada tem que ver com a verdade histórica: a mística e a instituição, no cristia1úsmo,

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são igualmente originais, isto é, uma e outra se originam no próprio Cristo. Jesus Cristo quis essencialmente comunicar um espírito c, por outro lado, quis essencialmente constituir a institUição pela qual êste espírito seria comunicado. Isto é fundamental: a hierarquia da Igreja é de instituição divina, corresponde a uma vontade explícita de Cristo. Não se pode dizer que o Evangelho é essencialmente um espírito, e que todas as questões de instituição, de Igreja, de sacramentos, são secundários, são mvenções humanas. É absolutamente contrário à verdade histórica. Já no Novo Testamento vemos os Apóstolos constituindo homens que continuam a sua missão, isto é, em essência, a missão de anunciar o Evangelho, distribuir os sacramentos, constituir igrejas. O ministério será progressivamente distribuido em dois níveis : o nível supremo que é o episcopado, e a participação nêste que constitui o sacerdócio. Mas tudo isso acha-se contido originàriamente nessa plenitude do sacerdócio que era representado pelo "Apostolado". 2.o -

Os Bispos, responsáveis pelo conjunto da Igreja.

:t!:ste "apostolado", éste Episcopado, tem a responsabilidade do conjunto da Igreja. Cristo não nomeou um bispo de Jerusalém, um bispo de Damasco, etc. Cristo confiou a totalidade da Igreja à totalidade dos Apóstolos. E, nêste sentido, o conjunto dos bispos é responsável pelo conjunto da Igreja. É o que se denomina colegialidade, princípio que foi particularmente acentuado pelo Vaticano II. Desta colegialidade, o Concilio é a expressão por excelência, porquanto, num concílio, o conjunto dos bispos preocupa-se com os problemas do conjunto da Igreja. Não obstante isto, mesmo no nível ordinário, uma cooperação dos bispos de diferentes países nos problemas do conjunto àa Igreja, é algo de perfeitamente normal, tanto no plano do ensinamento, como no do governo. -3-


3.o -

Os Bispos, responsáveis pelas dioceses.

:l!:ste Episcopado colegial localisou-se nas diversas igrejas particulares, tornando-se o bispo, então, aquêle que arca com a responsabilidade própria de uma certa comunidade. É isto o que constitui o episcopado diocesano. O bispo diocesano é o sucessor dos Apóstolos que, para um determinado território, se acha investido da tríplice missão de anunciar a fé, assegurar a vida sacramental (associando a sí os padres, por meio da ordenação que só êle pode conferir e, enfim, realizar a unidade da igreja local. Na confusão atual dos espíritos, espera-se do episcopado que êle afirme. de maneira simples mas firme, aquilo que constitui verdadeiramente u essencial da fé. Não o fazer, levaria ao grave inconveniente de abandonar pràticamente a fé às opiniões dêste ou daquele, e lançar em profunda confusão o espírito dos cristãos. Se lançarmos um olhar sôbre os grandes séculos da antiguidade cristã, veremos que O&" grandes doutores foram bispos: um Agostinho, um Atanásio, um Cirilo de Alexandria, um Hilário de Poitiers, de quem celebramos o ano passado o centenário, e que soube, numa época muito conturbada, ajudar o Episcopado das Gálias a discernir o que correspondia ou não à verdade. femos aí uma função essencial do bispo B -

O papel eminente do Soberano Pontífice.

O Concílio deu talvez a 1mpressão de reduzir um pouco o pa· pel do Papado, dando maior importância ao Episcopado, (*) entretanto a situação, logo após o Concilio, torna evidente, mais Ô<' que nunca, e~ta importância absolutamente soberana do Papado. E, antes de tudo, o Papado é de instituição divina: esia· mos em presença, não de uma exigência simplesmente hun1ana, (*) E isto pelo fato que o Vaticano I não teve tempo de tratar

do Episcopado. Vaticano II completa Vaticano I. -9-


mas de alguma coisa que se origina da própria in:!tituição de Jesus Cristo. É um autor protestante, Oscar Cullman, que num livro sôbre São Pedro, acentuou que, se uma coisa era certa no Evangelho, é que Cristo tinha instituído Pedro chefe dos Apóstolos e, por conseguinte, tinha dado a êle, dentre os demais apóstolos, uma responsabilidade absolutamente única, de tal sorte que a sua autoridade fosse uma autoridade própria e singular, distinta daquela dos Apóstolos. É importante as!>lnalar que a questão foi muito discutida e analisada no decorrer do (utimo Concílio e dizer que a autoridade do Soberano Pontífice é dupla. O !lapa, chefe do Celégio Episcopal.

De um lado é êle chefe do colégio episcopal, isto é, o colégio episcopal não pode legitimamente reunir-se sem êle: um concílio no qual não estivesse presente o bispo de Roma, não seria um concilio catóhco. o Papa é aquêle que, em última análise, confere ao concilio seu elemento decisivo. Somente êle pode convocá-lo. Representa no meio do colégio dos bispos, um papel particular; não é simplesmente um bispo em meio a outros bispos. Aliás, é uma das razões pelas quais, no Concilio, alguns tinham contestado a legitimidade da expressão "colégio episcopal". No sentido estrito, um "colégio" é um conjunto de responsá· yeis que são todos iguais. Ora, o colégio episcopal apresenta esta particularidade que todos não são iguais já que há um que representa alguma coisa além dos outros. Sob êste ponto de vista, a assembléia dos bispos constitui algo que não é simplesmente análogo ao que pode ser, por exemplo, um colégio de altos funcionários. Autoridade pessoal do Papa

Mas por outro lado, e isto é essencial, o Soberano Pontüice, como tal e pessoalmente, dispõe de uma autoridade soberana -10-


que está ligada à função que lhe é própria e que, portanto, não depende nem mesmo do conjunto do Episcopado. Poder-se-ia muito bem imaginar uma situação onde houvesse conflito entre os bispos e, num caso desta ordem, o Sobera no Pontüice, em virtude da função que é sua, tem autoridade para decidir soberanamente, em virtude do poder próprio e dos dons próprios que lhe são conferidos. :ll:ste fato dá à estrutura da Igreja o seu caráter muito particular e acentua precisamE!n· te a import.ância -- do próprio ponto de vista da instituição divina ·- da autoridade do Soberano Pontífice. Isto se evidencia de maneira muito clara, no exercício mesmo desta autoridade. Porquanto é um fato. aliás particularmente notável, que esta autoridade do Soberano Pontífice, aparece no passado com uma continuidade extraordinária, como tendo sido o que manteve a fé em momentos em que havia na Igreja divisões e problemas terríveis. Roma foi sempre o centro de referência da verdade última; a ponto que os nossos irmãos separados, e isto é importante que seja dito, reconhecem que o bispo de Roma ocupa um lugar que é único. Não têm êles a mesma teologia que nós em relação a êste lugar, mas reconhecem a sua importância. Penso em primeiro lugar nos ortodoxos. Em tôda a antiguidade cristã grega, o bispo de Roma sempre aparece como a referência suprema em matéria de fé, a pedra de toque última. Em outros termos, quando havia conflitos de doutrma, era finalmente a comunhão com o bispo de Roma que constituia a pedra de toque da ortodoJda. E alguns protestantes reconhecem, também êles, que há aí alguma coisa que, na sua origem, está ligada ao Evangelho, embora considerem que no decurso da história o papado a~surrüu funções e um papel que não se originavam de suas funções essenciais. Direi, para terminar, que experimentamos muito particularmente na situação atual, a extraordinária importância do ensinamento de Paulo VI. Terminado o Concilio e num momento em que havia tanta confusão e incerteza, o ensinamento de Paulo VI constitui a referência essencial no que diz respeito à autenticida -11-


de da fé. A respeito de um certo número de questões muito chscutidas, os discursos do Santo Padre constituem uma soma de doutrina absolutamente sólida. Tocamos aí, incontestavelmente, em outro nível que o ensinamento corrente dos teólogos ou mesmo dos bispos não pode atingir. Há certamente uma graça especial conferida à séde de Roma para o ensinamento que apresenta uma garantia de autenticidade, não apresentada pelo ensinamento corrente de um bispo, qualquer que êle seja. Há uma infalibidade do Episcopado quando está reunido colegialmente num concilio e em união com o bispo de Roma, mas nem todo bispo, como tal, é infalível. Tem êle uma graça própria que é a graça de seu estado para ensinar a fé, mas não tem o carisma da infalibidade. Pedra de toque da verdade

O Soberano Pontífice, bem entendido, não é infalível em todos os seus ensinamentos: só é infalível quando proclama a fé de maneira sonele e "EX CATHEDRA". Mas tem entretanLo ~si.a graça muito particular de ser como que uma pedra de toque da fé autêntica. Quer isto dizer - e parece-me ser isto importante acentuar hoje - que esta estrut.ura hierárquica da Igreja, particularmente no campo da doutrina, nada tem de comum com formas sociológicas ultrapassadas que reclamariam ser substituídas por outras. Faz parte da instituição divina e imutável da Igreja e se nos apresenta necessária hoje mais do que nunca. Nesta estrutura da Igreja, por outro lado, tomamos mais exatamente consciência ainda hoje, do quanto o papel do Soberano Pontífice, na medida em que aparece como a pedra de toque última da verdade, representa uma imensa esperança num mundo em que as opinões mais diversas se opõem e se anulam. O fato de podermos pensar que há ilm ponto de referância, e referência esta de ordem divina, um lugar onde podemos estar certos que o Espírito de Cristo está agindo e ao qual nos possamos referir, é unJa imensa graça de Deus de que precisamos tomar consciência mais profunda. Quando, hoje em dia, vemos a -12-


extraordinária confusão de tantos espíritos, que não sabem onde se agarrar em meio ao tumulto das opiniões humanas, pode-se dizer que é uma das marcas da divindade da Igreja o fato de ser precisamente aí esta suprema referência da fé. É por isso, penso eu, que é de tal modo importante que assinalemos êste aspecto ,não somente do conteúdo da fé, mas também daquilo que constitui o seu órgão. Porquanto, finalmente, o papado é justamente o órgão pelo qual o ensinamento autêntico de Jesus Cristo continua a ser anunciado através de todos os tempos e até os nossos dias. Jean DANIELOU, s. j.

NOTA Como dissemos na introdução dêste artigo, êste Editorial foi previsto oara servir de tema de estudos a uma das próximas reu · r" ões de equipe . Quisemos com isto, apresentar aos equipistas uma base doutrinai à orientação do ano . Cada equipe interromperá pois, por um mês, o estudo em qul' estiver empenhada. Depois organizará as coisas da melhor forma possivel, tendo em vista o fato de que nada obriga a terminar o estudo de uma série de temas num ano, como alguns pensam. Cabe ao Responsável de Equipe organizar, juntamente com o seu conselheiro Espiritual, um questionário que permita uma ass:·milação do artigo acima, no seu conjunto. Sugerimos o seguinte questionário que poderá, portanto, ser alterado para melhor adaptálo às p eculiaridades da própria equipe. Questionário 1.

O que, nêste tema, mais chamou a sua atenção?

2.

Qual a idéia central do tema? Por que acha você que esta idéia é a mais importante?

3.

Quais os pontos que se prestam particularmente ao esclarecimento daquêles que o cercam (filhos, amigos), como ponto de partida para um diálogo religioso?

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TEXTO

A IGREJA, MESTRI DI VERDADE Assim como • Filho fel enviado pelo Pai, assim também tle enviou os Apostolos (cf. Jo. 20,21), dizendo: Ide, pois, e fazei discípulos meus todos os povat;, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a observar tudo quanto eu vos mandei. E eis que estou convosco todos os dias até o fim dos séculos" (Mt. 28,18-20). ll:ste solene mandamento de Cristo de anunciar a verdade salvadora, a Igreja o recebeu dos Apóstolos com ordem de cumpri-lo até os confins da terra (cf. At. 1,8). Por isso faz suas as palavras do Apóstolo: "Ai de mim se não evangelizar!" (1 Cor. 9,16). E por isso continua incessantemente a enviar os pregado-

res, até que as Igrejas nascentes sejam plenamente constitui· das e continuem elas me&mas o trabalho de evangelizar. Pois pelo Espírito Santo é ela compelida a cooperar para que efectivamenle se cumpra o plano de Deus, que constituiu Cristo como princípio de salvação para todo o mundo. "LUMEN GENTIUM", n.o 17

-aj.


ORAÇÃO PARA A PRóXIMA REUNIÃO TEXTO DE MEDITAÇÃO

(Mat. 7, 24-29).

:8:ste texto encerra o grande "discurso evangélico" no qual Jesus apresenta o espírito novo do Reino de Deus: "Todo aquêle, pois, que ouve as minhas palavras e as põe em prática, será como o homem prudente que edificou a sua casa na rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes, sopraram os ventos e investiram sôbre a casa, porém esta não desabou, porque estava fundada na rocha. Mas aquêle que escuta estas minhas palavras e não as põe em prática, será semelhante ao homem insensato que edificou sua casa na areia. Caiu a chuva, vieram as torrentes; sopraram os ventos e investiram sôbre a casa, e ela desabou e foi grande a sua ruína. E aconteceu que, tendo Jesus terminado êstes discursos, as multidões estavam admiradas de sua doutrina, porque ~le lhes ensinava como quem tem autoridade e não como os escribas". ORAÇÃO LITúRGICA (Salmo 147)

Com tôda a Igreja, louvemos o Senhor pelo dom que lhe fêz de sua P alavra e pela revelação de suas maravilhas. Ant. Louva, é Jerusalem, o Senhor, Louva, ó Sião, o teu Deus! ~le envia o seu verbo à terra, E veloz corre a sua palavra; Faz cair a neve como a lã; Espalha a geada como a cinza.

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Envia o seu gêlo aos pedaços: Ante o seu frio quem poderá resistir? Envia a sua palavra e o gelo funde, Orde11a aos ventos e correm as águas. Anuncia a Jacó a sua palavra, Sua lei e preceitos a Israel: Nenhum povo foi assim tratado, A nenhum manifestou os seus preceitos. Louva, ó Jerusalém, o Senhor, Louva, ó Sião, o teu Deus! OREMOS: Deus eterno e todo poderoso, que fizeste de tua Igreja a morada de tôda benção, santificando-a pela tua Palavra e pelo teu Espírito: Reforça as suas portas e multiplica os seus filhos: dá-lhe que anuncie a tôda a terra o teu Evangelho, saciando-a com o âmago do trigo espiritual, para que o teu povo reconheça com que amor de predileção dêle cuidaste. AM~M.

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J\\o\ltn\ef\fo de CM~l$

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CENTRO DIRETOR Secr. Geral . 49, Rue de la Glaclere . PARIS XIII BRASIL Secretariado . Rua da Consolação, 2567 - Conj. 102 . S. Paulo


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