Movimentos Socioambientais

Joseph S. Weiss (organizador)

MOVIMENTOS SOCIOAMBIENTAIS: Lutas - Avanços - Conquistas - Retrocessos - Esperanças 1ª edição

Xapuri Socioambiental Formosa - Goiás 2019

MOVIMENTOS SOCIOAMBIENTAIS Lutas - Conquistas - Avanços - Retrocessos - Esperanças Organização: Joseph S. Weiss Prefácio: Aloizio Mercadante Oliva Autores/Autoras: Adriana Maria Magalhães de Moura, Bruno Milanez, Elimar Pinheiro do Nascimento, Fernando Paiva Scardua, Joseph S. Weiss, Julieth Vargas-Morales, Maria Amélia Enríquez, Mario Pérez-Rincón, Mauro Oliveira Pires, Peter H. May, Philip M. Fearnside, Stanislav Schmelev, Walter A. Pengue, Zhu Dajian, Zulma Crespo-Marín Revisão: Iêda Vilas-Bôas, Eduardo Vieira Lima de Meirelles Edição: Zezé Weiss Diagramação: Emir Bocchino Produção: Janaina Faustino Projeto Gráfico: Emir Bocchino, Joseph S. Weiss Capa: Emir Bocchino, Zezé Weiss Foto de Capa: Lívia Mendes Mamede, bisneta de Chico Mendes por Angélica Mendes Mamede, neta de Chico Mendes Editora Xapuri Socioambiental BR-020 Km 09, Caixa Postal 59 Formosa, Goiás 73801-500 Telefone: +5561-30447755 E-mail: contato@xapuri.info Copyright © by Xapuri Socioambiental ISBN: 978-85-62257-02-5 Todos os direitos desta edição reservados a Xapuri É autorizada a reprodução total ou parcial sem fins lucrativos do conteúdo desta publicação, desde que citada a fonte, mantendo-se a integridade das informações.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a José Luiz Weiss e Martin D. Weiss, pela força e incentivo ao logo da jornada. A Aloizio Mercadante Oliva, pelo carinho que dedicou ao prefácio. A Zezé Weiss, pela orientação de uma editora experiente e o apoio constante de uma companheira. Aos autores e autoras, pela confiança e qualidade das suas contribuições generosas de conteúdo especializado. A Marcel Bursztyn, pela sugestão inicial.

Aos e às participantes do painel da Declaração do “Sul” realizado na XII Conferência da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE), no Rio de Janeiro (2012). Pelas dedicadas contribuições incalculáveis de Janaina Faustino, Emir Bocchino, Eduardo Weiss, Iêda Vilas Bôas e Eduardo Meirelles. A Angela Mendes Mamede, pela sua boa vontade militante de permitir a contribuição da sua entusiasmada neta Livia.

SUMÁRIO

Apresentação – Aloizio Mercadante Oliva -----------------09 Introdução – Joseph S. Weiss ---------------------------------19

I.

DEBATES CONCEITUAIS 1. Evolução do Papel do Estado nas Políticas Econômicas e Ambientais

Joseph S. Weiss --------------------------------------------------39

2. Sociopolítica dos Movimentos Socioambientais

Joseph S. Weiss ---------------------------------------------------71

3. Governança Ambiental Colaborativa: Aspectos Conceituais e Reflexões Sobre Casos Empíricos Adriana Maria Magalhães de Moura---------------------103 II.

DESAFIOS GLOBAIS E REGIONAIS 4. A Política Ambiental da ONU – Atores Não-Estatais, Tendências e o Papel Regulatório do Estado

Joseph S. Weiss, Elimar Pinheiro do Nascimento, Maria Amélia Enríquez, Peter H. May, Stanislav Schmelev, Walter A. Pengue, Zhu Dajian ---------------------------------135

5. Metabolismo Social y Conflictos Ambientales: Un Analisis para los Países Andinos

Mario Pérez-Rincón, Julieth Vargas-Morales, Zulma Crespo-Marín----------------------------------------------179

III.

LUTAS NACIONAIS BRASILEIRAS: A ALEGRIA E A DOR DE UM PAÍS 6. Reservas Extrativistas: Do movimento social para a política socioambiental Joseph S. Weiss e Mauro de Oliveira Pires ------------------217 7. Os Impactos Socioambientais das Barragens Amazônicas

Philip M. Fearnside ---------------------------------------------259

8. Gestão de Florestas Públicas

Joseph S. Weiss e Fernando Paiva Scardua ------------------291

9. O Desmonte da Legislação Ambiental

Phillip M. Fearnside --------------------------------------------317

10. Mineração e Impactos Socioambientais: As Dores de um País Mega-Minerador

IV.

Bruno Milanez---------------------------------------------------383

PERSPECTIVAS PARA O MOVIMENTO SOCIOAMBIENTAL 11. O Antropoceno Acelerado Sem Regulação

Joseph S. Weiss--------------------------------------------------421

ANEXO I - Lista de tabelas, quadros, gráficos e caixas por capítulo-----------------------------------------------------------433 II - Autores /Autoras -------------------------------------------436

“Um livro para fortalecer as lutas socioambientais e a resistência democrática” Aloizio Mercadante Oliva

APRESENTAÇÃO Por Aloizio Mercadante Oliva Venho de uma longa militância política e muitas funções na vida pública, como deputado federal, senador da República, ministro de Educação, de Ciência, Tecnologia e Inovação, e chefe da Casa Civil da Presidência da República, em que os temas da preservação do meio ambiente e da sustentabilidade sempre estiveram presentes, mas não foram o centro de minha militância e de minha experiência como parlamentar ou gestor público.

Por isso, quase recusei o honroso convite do Joseph Weiss para escrever a apresentação deste livro, não me parecia justo. Mas, minha amizade, carinho e respeito pela trajetória de vida totalmente comprometida com a causa ambiental, dele e de sua companheira Maria José Weiss, a querida Zezé, também destacada e incansável militante em todas as frentes de luta ambiental, não me deixaram alternativa.

Aceitei, também, por reconhecer que valorizar o papel estratégico dos movimentos sociais ambientalistas é, não apenas uma questão de justiça histórica, mas também uma ação indispensável para enfrentarmos todo este cenário de retrocessos e obscurantismo, que estamos enfrentando neste novo período histórico. Seguramente, é um livro para fortalecer as lutas socioambientais e a resistência democrática.

Vou apresentar o livro na perspectiva dos lugares em que estive, especialmente do meu engajamento na construção dos governos do PT, ao longo de mais de 13 anos.

Os governos do PT procuraram construir um novo padrão de desenvolvimento para o Brasil, buscando combinar a estabilidade econômica com a retomada do crescimento. O crescimento com a articulação de um intenso processo de inclusão social, distribuição de renda e redução das desigualdades.

Inclusão social com irrestrito compromisso com a democracia, as liberdades, o respeito às garantias e aos direitos individuais e coletivos.

Desenvolvimento com respeito integral ao estado democrático de direito. Aprofundamento da democracia com uma política externa orientada para a inserção soberana do país, para a integração regional da América Latina, com a construção e fortalecimento dos BRICS e um 09

novo olhar para as relações sul-sul. Um novo padrão de desenvolvimento comprometido com novas iniciativas de proteção aos recursos naturais estratégicos e a sustentabilidade ambiental.

Foi um imenso esforço histórico para combinar esses eixos estruturantes, que impulsionaram o novo padrão de desenvolvimento.

O Brasil é um país marcado por um capitalismo tardio, com um longo passado colonial e uma pesada herança do longo período de escravidão, que acabou impondo uma das maiores desigualdades sociais do planeta.

Nessas condições, tínhamos que, ao mesmo tempo, enfrentar as pendências relativas ao desenvolvimento clássico do século XX e os novos temas emergentes do século XXI, e, inexoravelmente, a agenda retardatária de promoção da sustentabilidade ambiental.

Esse processo de transformação do nosso desenvolvimento econômico socialmente inclusivo, com compromissos crescentes com a sustentabilidade, foi imposto pela atual crise ambiental mundial. E a face mais emblemática dessa crise ambiental são justamente as mudanças climáticas e o aquecimento global.

De fato, as evidências empíricas e científicas de que o atual modelo de crescimento econômico intensivo em carbono está promovendo o aquecimento global, provocado pela intensificação do efeito estufa, colocou novos e estratégicos desafios para as políticas públicas.

O Brasil é o G1 da biodiversidade no planeta e possui recursos naturais estratégicos para o equilíbrio ambiental mundial, especialmente pelo peso relativo da floresta Amazônica em seu território. Os países mais afetados pelo aquecimento serão justamente os mais pobres e os situados em áreas tropicais.

Por sua localização, tamanho geográfico, características naturais, especialização exportadora em produtos primários e intensivos em recursos naturais, e predominância da pobreza rural dependente da agricultura de subsistência, nosso país seria fortemente impactado pelo aquecimento global.

Diante desse cenário e do impacto crescente das mudanças climáticas e dos desastres naturais no território brasileiro, tais como: as secas prolongadas, prejuízos monumentais na agricultura, enchentes graves e recorrentes, deslizamentos em áreas de risco urbanas, erosão costeira e elevação do nível do mar, poluição dos grandes centros urbanos, 10

grandes tragédias com rompimento de barragens, entre outras, os governos do PT adotaram a estratégia de articular com mais determinação uma forte agenda de sustentabilidade ambiental.

As ações dos governos Lula e Dilma procuraram combinar, no plano interno, mais ações na regulação e fiscalização para a proteção ao meio ambiente, especialmente o combate ao desmatamento da Amazônia, mas também do Cerrado. O Brasil respondeu por 75% da ampliação das áreas de proteção ambiental do mundo, entre 2003 e 2009, com demarcação de reservas indígenas, quilombolas, reservas extrativistas, parques naturais e florestas nacionais, que passaram a abarcar quase metade da Amazônia Brasileira.

Essas medidas não apenas buscavam responder ao desafio histórico de demarcação e combate ao uso especulativo de terras, mas também proteger povos e comunidades tradicionais e defender o patrimônio natural.

O lançamento de novos e mais sofisticados satélites de observação territorial, com a integração dos serviços de fiscalização e combate ao desmatamento, especialmente na Amazônia, trouxeram resultados muito significativos, com maior eficiência e efetividade no combate ao desmatamento. Foram criados também instrumentos, como o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), com imensa contribuição na prevenção contra os desastres naturais e melhoria na atuação das defesas civis.

E, no plano da política internacional, uma postura ativa e propositiva nos foros internacionais de negociação de ações coordenadas sobre mudanças climáticas.

Tal estratégia resultou no estabelecimento da Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), a primeira política climática federal do país. A PNMC demonstrou concretamente que o país seria capaz de fixar metas voluntárias, ambiciosas, mas plausíveis de redução de gases de efeito estufa, na proporção necessária à sua contribuição para a contenção da crise ambiental.

Esses avanços internos permitiram uma mudança estratégica de posição do Brasil no cenário internacional. Com efeito, no plano externo, o protagonismo brasileiro no tema havia sido marcado historicamente pela defesa da responsabilidade dos países ricos e industrializados sobre as emissões históricas dos gases de efeito estufa e do direito dos países 11

pobres de crescerem economicamente e superarem as limitações impostas pelo subdesenvolvimento, conforme o conceito de “desenvolvimento sustentável”.

Essa postura eminentemente defensiva foi um instrumento para se contrapor à posição essencialmente conservadora de parcela dos ambientalistas dos países desenvolvidos, que propugnavam pela redução do crescimento econômico, como única forma de assegurar o equilíbrio ambiental.

Entretanto, nas Conferências da ONU sobre Mudanças Climáticas (Rio+20 e COP-15), o Brasil saiu dessa posição histórica eminentemente defensiva e levou na bagagem propostas concretas: uma Política Nacional sobre Mudança do Clima, um Fundo para financiar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas, e, mais importante ainda, o compromisso de redução de 36,1% a 38,9% das emissões de gases de efeito estufa em relação a uma linha de base de emissões projetadas até 2020, juntamente com o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80%.

Essas substanciais mudanças na definição das políticas públicas internas e externas do país na questão ambiental, principalmente no que tange ao combate às mudanças climáticas, aumentaram extraordinariamente o nosso papel na imprescindível transição global da “economia carbonizada” para a “economia verde e criativa”, na qual o Brasil tem enorme potencial.

Tais mudanças foram entendidas pelos governos do PT, que alteraram o paradigma de atuação do Brasil nessa área e que tiveram êxito bastante significativo no combate ao nosso grande “calcanhar de Aquiles” na questão ambiental: o desmatamento da Amazônia.

Entre 2004 e 2012, o Brasil deu a maior contribuição oferecida por uma nação à mitigação das mudanças climáticas e ao aquecimento global, segundo o próprio Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Em 2012, no governo Dilma, o Brasil teve o menor índice de desmatamento de sua história documentada.

A contribuição brasileira foi alcançada por meio de uma redução significativa da taxa de desmatamento, especialmente na Amazônia, onde passou de 27.772 km2 em 2004 para 4.571 km2 em 2012. A redução do desmatamento no Brasil chegou a 76,27%, em relação aos níveis praticados até o início deste século, o que coloca o país em situação muito próxima ao 12

cumprimento de reduzir o desmatamento em 80%, conforme compromisso assumido na COP-15.

Igualmente importante foi a ousada meta do governo da presidenta Dilma, de anunciar na COP 21, em Paris, metas de redução de emissões absolutas de 37% até 2025 e, indicativamente, 43% até 2030 com relação (aos níveis absolutos) das emissões verificadas em 2005. Foi a primeira vez que um grande país em desenvolvimento se comprometeu com reduções absolutas de emissões.

Com isso, o Brasil alçou-se como protagonista e líder na agenda climática internacional, alcançando reconhecimento tanto entre países em desenvolvimento quanto desenvolvidos. Além disso, indicou-se o compromisso de aumentar para 24% a participação das novas fontes renováveis (solar, eólica e biomassa) na geração de energia elétrica até 2030.

No início do governo do PT, praticamente não havia capacidade instalada das energias renováveis, com exceção da biomassa e hidroeletricidade. Em 2014, a participação das eólicas chegou a 5% e da biomassa a 10% da capacidade total. No último ano de governo, em 2015, o Brasil foi o 4º país do mundo que mais agregou capacidade eólica no parque gerador, o que foi acompanhado por desenvolvimento de capacidades locais de inovação e tecnologia em energia eólica.

Assim, o novo padrão de desenvolvimento dos governos do PT foi, de forma crescente, embora ainda que tardio e insuficiente, um processo de desenvolvimento sustentável, engajado na agenda ambiental estratégica.

Nessa evolução progressiva, que não foi linear e sempre marcada por intensos debates e disputas políticas, os movimentos populares e sociais ambientalistas desempenharam dentro e fora do Brasil um papel extraordinário e imprescindível.

Muitas ONGs, nacionais ou não, associadas à presença de uma intelectualidade altamente qualificada e fortemente comprometida com a agenda ambientalista, foram fundamentais para o processo de elaboração e definição das políticas públicas comprometidas com a sustentabilidade, adotadas nos governos do PT. Houve um fortalecimento das estruturas de fiscalização e controle, como o Ibama e o Instituto Chico Mendes, grandes avanços na demarcação de reservas ambientais e mais eficácia na fiscalização e repressão ao desmatamento.

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Entretanto, foram inúmeros os conflitos dentro do governo e dos governos do PT com os movimentos ambientalistas. Essa evolução foi construída com muita luta, debates, polêmicas e conflitos dentro do governo, ou na sua relação com a sociedade civil.

Em algumas situações, faltou respaldo dos movimentos e da sociedade civil, por exemplo, como foram os desdobramentos da demarcação da grande reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.

Nesse enfrentamento com poderosas forças políticas locais e com ramificações nacionais, o governo foi duramente atacado e desgastado politicamente, sem que as forças sociais e políticas favoráveis à demarcação e à proteção dos direitos históricos dos povos indígenas tivessem uma contrarreação à altura.

Mas, em outras situações, nossos governos foram lentos, pouco atentos, ou mesmo impermeáveis às reivindicações importantes dos movimentos ambientalistas.

Por exemplo, tivemos algumas medidas e políticas econômicas, creditícias e fiscais destinadas à transição para a economia de baixo carbono, como novos incentivos para a conversão da indústria automotiva, energética e na própria agricultura. Mas ainda muito tímidas. O consumo de combustíveis fósseis continuou aumentando (especialmente nos transportes, na eletricidade e na indústria), e isso tem levado o Brasil para um carbon lock-in, que é custoso de reverter no futuro.

Outras oportunidades da agenda climática para o desenvolvimento, como mobilidade sustentável e modernização da indústria com medidas de baixo carbono, não tiveram resultados significativos. Podemos ainda destacar, alguns temas muito sensíveis, como alguns grandes projetos hidroelétricos, onde ocorreram violação de direitos e o Código Florestal, que teve avanços importantes, mas enfrentou uma correlação de forças muito difícil no Congresso, ainda que hoje seja muito mais desfavorável a composição parlamentar para uma agenda ambientalista.

Contudo, no fundamental, tivemos avanços históricos decisivos para uma agenda de compromissos com o conceito de desenvolvimento sustentável e um protagonismo internacional inédito, para impulsionar o início da transição para uma nova economia verde e criativa.

A agricultura brasileira teve um acelerado processo de modernização, com um esforço recente importante de fomentar novas práticas e manejos para uma agricultura e pecuária de baixo carbono. A produção de grãos e oleaginosas cresceu, entre 1991 e 2017, 312% e a área 14

plantada se expandiu em 61%. A expansão da produção agropecuária em um contexto de redução de desmatamento, especialmente na Amazônia e no Cerrado, demonstra que buscou-se construir um novo modelo de negócios para o setor. Um processo acelerado de incorporação de novas tecnologias e equipamentos cada vez mais modernos e eficientes.

De outro lado, algumas diretrizes estratégicas avançaram pouco para dar sustentabilidade a esse imenso esforço do estado brasileiro em conter o desmatamento, especialmente da Amazônia. A Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação definiu como prioridade as pesquisas para gerar mais valor agregado aos produtos da floresta Amazônica. No entanto, mesmo com algum esforço de pesquisa, poucos avanços tecnológicos e inovações com impacto foram alcançados, frente ao imenso desafio de gerar renda e emprego para a população rural da Amazônia, de forma compatível a manter a floresta em pé.

Esse é um caminho muito difícil, mas imprescindível para combater o desmatamento, que não pode depender apenas da capacidade de fiscalização e repressão do estado, como demonstram os anos recentes, em que o desmatamento voltou a crescer, com governos que não têm a mesma determinação e compromisso com o tema, como foram os governos do PT. Outra ação que os governos do PT trouxeram que visam a construir uma economia de alto valor agregado e baixo impacto ambiental na Amazônia é a criação do Fundo Amazônia. Esse fundo surge a partir do reconhecimento internacional da contribuição brasileira à mitigação do clima e já alcançou mais 1 bilhão de dólares provindos de doadores internacionais (majoritariamente da Noruega) para o desenvolvimento sustentável da região.

Estamos em um outro período histórico, desde o golpe político, parlamentar, midiático e judicial, que afastou uma presidente legitimamente eleita, Dilma Rousseff. O golpe, associado à natureza conservadora do governo Temer, interrompeu os avanços na agenda ambiental, suspendeu os estímulos para a transição de uma economia verde, fragilizou os mecanismos de regulação e fiscalização da proteção ambiental.

Já a eleição do governo de extrema direita, de Jair Bolsonaro, marcado por posições obscurantistas e retrocessos civilizatórios, comprometido com uma política econômica ultraneoliberal, representa um retrocesso e ameaça sem precedentes para todos os avanços das políticas ambientais e para um desenvolvimento sustentável no Brasil e no mundo.

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O projeto econômico ultraneoliberal de Bolsonaro está marcado pela ortodoxia fiscal permanente e pretende impor um estado mínimo, que procura desmontar todos os avanços sociais da Constituição Cidadã de 1988 e as políticas sociais inovadoras dos governos do PT. Essa estratégia representa também a desregulamentação e o rebaixamento das relações de trabalho, a retirada dos mecanismos de fiscalização para proteção do meio ambiente, só para mencionar duas dimensões fundamentais do papel do Estado na regulação e fiscalização das atividades econômicas.

Esse projeto econômico ultraneoliberal procura impulsionar um capitalismo totalmente desregulamentado e predatório. O Ministério do Meio Ambiente, quase extinto pelo governo, vive um processo de desmonte, intimidação e repressão interna, desativação das atividades de fiscalização e controle, com um ministro já denunciado e condenado exatamente por favorecer, de forma ilegal e indevida atividades de empresas mineradoras predadoras do meio ambiente. Na política externa, há uma clara inflexão para combater o “marxismo cultural” e o “globalismo”.

A guinada conservadora do Itamaraty considera o aquecimento global como “ideológico e produto do marxismo cultural globalista”, que era defendido pelos governos do PT e que deve ser combatido. Entre os inúmeros retrocessos está o cancelamento da realização da nova Conferência COP 25, pela ONU, que seria sediada pelo Brasil.

Outra ação simbólica do retrocesso ambiental é colocar sob a gestão do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) o Serviço Florestal Brasileiro e a Funai, submetendo o cadastramento ambiental rural e a demarcação às prioridades econômicas do setor agropecuário.

Nestes tempos sombrios, de tantas ameaças às políticas de sustentabilidade ambiental, ou mesmo aos consensos civilizatórios, este livro de Joseph Weiss ganha uma relevância ainda maior.

Resgatar as lutas sociais e ambientais desde a transição democrática, analisar o papel dos movimentos e ONGs e sua imensa contribuição à democracia, à luta ambiental e à construção de um novo padrão de desenvolvimento sustentável são fundamentais para a resistência democrática.

O governo Bolsonaro e as forças obscurantistas que o compõem procuram criminalizar movimentos e ONGs. Não há mais vistorias 16

rurais e novos assentamentos na reforma agrária. A Funai vive uma grave crise orçamentária e unidades importantes de proteção aos povos indígenas estão sendo desativadas. Depois de um rebaixamento dos direitos trabalhistas e sindicais, o movimento sindical foi frontalmente atingido pela Medida Provisória 873, que inviabiliza o financiamento das atividades sindicais.

Além de CPIs já realizadas e novas ameaças para criminalizar ONG e movimentos sociais, o próprio executivo agora assume essa agenda de ameaças e criminalização. Não há mais interlocução, espaços de diálogo, mesas de negociação. As ações truculentas e autoritárias do governo de extrema direita de Bolsonaro procuram impedir a liberdade de expressão e de manifestação dessas novas expressões da sociedade civil.

Este livro é um instrumento de defesa e reflexão sobre a relevância dessas expressões da sociedade civil portadoras de futuro. São tratados de forma interdisciplinar temas como a ecologia política global, a política ambiental, a economia ecológica, os movimentos sociais e as lutas socioambientais, com a contribuição de vários autores e diversas abordagens. É, portanto, um instrumento de debate e resistência democrática, que sintetiza toda uma vida intelectual e militante dedicada à defesa das lutas socioambientais e à sustentabilidade ecológica.

Este livro é uma tentativa de síntese da longa vida de luta e esforço intelectual de meu amigo, Joseph Weiss, para construção de um país e um mundo ecologicamente mais saudável.

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Retrocessos ocorrem após duas décadas de avanços relativos na política ambiental brasileira.

INTRODUÇÃO Joseph S. Weiss

Durante mais de cinquenta anos, trabalhei em vários países, nos cinco continentes, pesquisando, lecionando, realizando consultorias, sempre preocupado com questões ambientais, trabalhando há mais de vinte anos em políticas ambientais brasileiras, especialmente em temas amazônicos.

Enquanto viajava, procurei conhecer as vidas e os anseios dos povos que encontrei; descobrir como funcionam os governos, os egos e as boas-vontades de seus líderes e servidores.

Busquei sempre entender como dirigentes e funcionários das entidades e organizações com e sem fins de lucro se esforçam para alcançar seus objetivos individuais e sociais; estudar como o ser humano interage com a natureza, para beneficiá-la, ou para degradá-la.

Estudei muito sobre como diferentes atores influem na concepção e na efetiva aplicação das políticas públicas; de como as pessoas respondem aos projetos executados, mudando ou não seus costumes e hábitos quanto à destruição, indiferença, ou proteção dos recursos naturais do planeta terra.

Pesquisei também sobre como as leis nem sempre alcançam os efeitos desejados; e por que acabam tendo a dimensão diferente da prevista, diminuindo ou aumentando sua escala de resultados, com os efeitos esperados ou não.

Este livro resulta de sentimentos e observações, minhas e de outros especialistas, sobre as injustiças socioambientais e as ineficiências políticoadministrativas no mundo. No meu caso, também, do engajamento em mobilizações socioambientais e na busca da compreensão dos processos reais aos quais dediquei boa parte da minha vida adulta.

Valho-me de conhecimentos interdisciplinares radicais de ecologia política global, política ambiental, economia ecológica e análise sociológica dos movimentos sociais, além da gestão pública e da economia política.

Inspiro-me em experiências pessoais e observações das realidades de lutas específicas que conheci mais de perto, algumas muito bem sucedidas, movimento das florestas tropicais, constituído de alianças entre movimentos, governos e doadores; e outras, como a luta pela demarcação das terras indígenas.

Introdução

Uma pergunta implícita ao longo do livro é quais foram as circunstâncias que levaram alguns movimentos a terem melhor resultados que outros. Por uma questão editorial, este livro trata apenas das situações pós-ditadura militar (1964-1985).

Não foram consideradas lutas populares contra a carestia, os movimentos de resistência a favor da Anistia e pelas Diretas Já, a mobilização de trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho, como a Greve do ABC, que, junto com outros movimentos do campo e da cidade, pressionaram pela volta da democracia.

O livro faz, portanto, uma leitura mais aprofundada das questões socioambientais do período da última década do século XX, até as duas primeiras décadas deste século. É uma análise do movimento socioambiental, lato sensu, em realidades geográficas, sociais e políticas diferenciadas, e nas circunstâncias em que se deram as lutas.

Organizado em quatro partes: debates conceituais, desafios regionais e mundiais, conflitos brasileiros e olhando para o futuro, o livro incorpora alguns estudos de caso do Brasil e da América Latina. Alguns são textos meus, outros escritos juntos com profissionais da área, e outros de destacados especialistas, a maioria inédita, distribuídos da seguinte forma: Parte I – Debates conceituais A primeira das quatro partes trata de debates conceituais sobre temas relevantes ao contexto das lutas socioambientais.

No primeiro capítulo, faço um registro da evolução do papel do estado na economia, transitando do keynesianismo ao neoliberalismo e ao estado mínimo, destacando suas repercussões sobre as políticas ambientais e a redução do papel da regulamentação.

No segundo capítulo, proponho uma sociopolítica dos conflitos socioambientais, interpretando o contexto sociopolítico dos movimentos socioambientais e os termos usados ao longo do livro:  um conjunto de significados sobre a relação entre o indivíduo e o coletivo;  como os movimentos sociais se organizam e agem diante do papel do estado; 20

Joseph S. Weiss

 a semelhança entre a justiça ambiental e o socioambientalismo;  a diferença entre governabilidade e governança;  a organização das alianças de ambientalistas e desenvolvimentistas em movimentos; e,  como mudou a narrativa da política de desenvolvimento sustentável para a da economia verde.

Nos estudos de caso, a aplicação desses conceitos e a luta entre esses atores principais evoluíram, influenciando os resultados com ou sem o apoio à governança de diversas políticas públicas. Ao entender que essas concepções fundamentam a orientação adotada, o leitor poderá melhor aproveitar o cerne da leitura.

O terceiro capítulo, um texto inédito da Adriana Maria Magalhães de Moura, com grande trajetória no IPEA, apresenta conceitos fundamentais sobre a chamada governança ambiental colaborativa, a qual se relaciona a um amplo conjunto de teorias inseridas no campo mais abrangente da governança em políticas públicas. Busca-se compreender as características dessa temática de governança, do ponto de vista teórico, com revisão de destacados autores e autoras da literatura referente ao tema, bem como explorar a aplicação do conceito em algumas experiências empíricas internacionais e brasileiras. Considera-se que o tema seja relevante para ser aprofundado no Brasil, uma vez que essa abordagem vem sendo cada vez mais adotada em diferentes países que buscam integrar as esferas pública e privada e explorar sinergias em questões ambientais de interesse comum.

Um aspecto importante para a governança ambiental colaborativa no Brasil é considerar a própria estrutura federativa do país, cujos entes dispõem de autonomia para estabelecer políticas de acordo com suas próprias prioridades, dentro de suas áreas de competência e nos limites fixados por seus territórios. Assim, como os problemas ambientais são multiescalares, ou seja, permeiam múltiplos níveis e transcendem fronteiras políticas, o princípio da cooperação é um elemento crucial para realizar a gestão ambiental compartilhada entre os entes federados.

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Introdução

Relata três experiências brasileiras no campo da governança ambiental colaborativa: (1) o Programa Cultivando Água Boa, de iniciativa de uma empresa pública, a Itaipu Binacional, ao nível de bacia hidrográfica; (2) o Programa Cisternas, desenvolvido pelo Governo Federal, em escala regional, no semiárido nordestino; e (3) o Programa Córrego Limpo, de responsabilidade da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), de abrangência municipal.

As partes seguintes reúnem análises de diversos estudos de caso sobre estes debates, lutas e resultados, em termos de políticas públicas.

Aplicam os conceitos debatidos em análises de nível global, regional e nacional.

Busca saber como diferentes atores influem na concepção e aplicação das políticas públicas que mudam os costumes humanos de exaurir os recursos naturais do planeta terra, enquanto também mantenham ou melhorem as condições da vida humana e da biodiversidade.

Também, avaliam se essas políticas, ao mudar de escala, resultam nos efeitos esperados. A parte seguinte reúne uma análise sobre a política ambiental da ONU e outra sobre os países andinos. A terceira parte está dedicada às lutas nacionais; a quarta, a uma visão de futuro.

Parte II - Desafios globais e regionais A segunda parte analisa experiências em lutas socioambientais na ONU e nos países andinos, incluindo as organizações dos movimentos e as estratégias adotadas para enfrentar os seus problemas, os adversários que dificultam a sua aplicação, as consequências ecológicas das políticas públicas disponíveis e aplicadas.

O capítulo 4, que trata da Política Ambiental das Nações Unidas, começa com o artigo publicado no Journal of Political Ecology por oito autores, inédito em português, que ajuda a fechar a lacuna de estudos sobre a influência dos atores não estatais no papel do estado-nação e das Nações Unidas, incluindo a política ambiental de combate ao desmatamento e na redução de emissões.

Trata das mudanças ocorridas ao longo das últimas décadas, desde os preparativos para o Rio 92, e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Formaram-se ONGs que, juntas com 22

Joseph S. Weiss

os movimentos ambientalistas, reivindicaram políticas ambientais que fortaleçam a capacidade dos Estados-nação e lutem para aplicar regulamentos que protejam a natureza e a população, com acordos vinculativos. Essas políticas, fazendo parte do conceito de desenvolvimento sustentável, foram aprovadas em conferências da ONU, quando ainda havia um ambiente mundial um pouco à esquerda do centro.

Posteriormente, foram deixadas de lado por uma aliança desenvolvimentista empresarial que quer o crescimento econômico.

Primeiro, as transnacionais, desconfiadas do debate sobre meio ambiente, negavam as mudanças climáticas. Hoje, algo preocupadas também por questões sociais e ambientais, defendem inovações e investimentos na economia verde. Reúnem-se em organizações globais que puxam para o centro-direita. Passam a predominar políticas voluntárias de incentivos que trazem benefícios aos que protegem os recursos naturais (“a cenoura sem o porrete”).

No capítulo 5, um grupo de autores, liderados pelo professor Mario Pérez, da Universidad del Valle de Colômbia, analisa o metabolismo social e os conflitos ambientais nos países andinos. Os autores concluem que o crescimento do metabolismo conduz a economia a um modelo mineroenergético-exportador, aprofundando os conflitos ambientais, em parte relatados no Environmental Justice Atlas (www.ejatlas.org) sobre América Latina.

Esses conflitos são explicados de alguma forma pelas mudanças estruturais nas economias dos países da região e suas dinâmicas metabólicas concomitantes. Desde o final da década de 1990, esses países passaram por um forte processo de reprimarização que implicou, entre muitas mudanças, um aumento das pressões ambientais. Essa situação se reflete em conflitos ambientais, onde os setores metabólicos que mais crescem coincidem com os principais setores que geram conflitos: mineração, energia fóssil, biomassa e energia hidrelétrica. Essa pesquisa foi realizada com a análise de duas bases de dados: uma de fluxo de materiais construída para os quatro países estudados (Colômbia, Equador, Peru e Bolívia) e outra de 244 conflitos ambientais descritos em EJAtlas. Os resultados indicam que o crescimento do metabolismo e as mudanças estruturais nos padrões econômico-metabólicos de um modelo biótico voltado para o mercado interno, para um modelo minero-energético-exportador, ajudam a explicar a dinâmica e as características dos conflitos ambientais nestes países e as pressões ambientais que afetam a sustentabilidade.

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Introdução

Parte III – Conflitos nacionais brasileiros Quando se pensa em conflitos sociais, entende-se que sejam locais enquanto meu interesse é nacional. A terceira parte trata de cinco estudos de caso brasileiros de lutas e políticas socioambientais nacionais que se dão sobre o uso da terra, das florestas e dos recursos minerais.

Para isso, convém colocá-los primeiro num contexto analítico priorizado para uma visão maior. Fazem parte de uma realidade geopolítica amazônica1. Reúnem lutas ambientais com sociais numa agenda comum (Keck 1995), por direitos humanos e da natureza (Santilli 2004), numa busca por bem-estar e um futuro sustentável para os povos inicialmente excluídos.

Quem teve uma visão panorâmica da geopolítica amazônica foi a saudosa Bertha Becker, que fez uma revisão histórica da formação da região até a virada para o século XX, ajudando a compreender por que a região tem sido objeto de visões conflitantes e opostas entre a perspectiva desenvolvimentista, de um lado, e a conservacionista, de outro, sendo essa última produto do chamado vetor tecnoecológico [incluindo imagens de satélite], aqui entendido como uma força resultante da coalescência de múltiplos projetos.

Ou seja, não se pode mais pensar a Amazônia como algo isolado, mais sim uma região que está conectada com o global. Segundo a autora, a nova geopolítica voltada para a Amazônia aparece como uma ferramenta de dominação e de influência, pois os processos de diferentes escalas configuram os elementos que transformam o território amazônico (Araújo, 2011: 270-71, resenha de Becker).

O modelo de ocupação geopolítica da Amazônia teve forte impulso com o governo militar, para “integrar a Amazônia para não entregar”, com a abertura de estradas em áreas antes virgens, abrindo novas frentes de a exploração madeireira, projetos de colonização, a oferta de incentivos fiscais ao agronegócio, a regularização de propriedades, promovendo a expansão da pecuária e da agricultura, provocando desmatamento de extensas áreas florestais.

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Com exceção do capítulo sobre mineração, que trata mormente de Minas Gerais, apesar da similaridade com a realidade paraense.

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Com variações, este modelo prevalece até o presente, mesmo que as políticas socioambientais tiveram um papel cada vez maior entre os 1990s e até 2012.

Nas últimas décadas do século XX, lutas pela posse e uso da terra e dos recursos naturais persistiram com o engajamento de movimentos socioambientais contrários à concentração do poder e à degradação e poluição ambiental nas áreas de populações marginalizadas e discriminadas.

Formaram-se duas alianças, de socioambientalistas e desenvolvimentistas, com durações variadas, em torno de questões específicas devido ao compartilhamento de algumas ideias, lutas e reivindicações junto a áreas de governo.

Examinamos políticas públicas florestais, como são formuladas e aplicadas e quais foram suas consequências. Verifica-se que as políticas ambientais aplicadas na Amazônia brasileira têm tido efetividade variada diante das ações privadas e políticas públicas paralelas que tornam os recursos naturais mais suscetíveis. Apesar de uma sequência de políticas públicas nacionais, persistem problemas socioambientais na Amazônia.

Os casos retratados demonstram que as alianças entre atores têm forte influência na efetividade das políticas ambientais.

Todos os cinco textos são inéditos.  O primeiro caso são as reservas extrativistas. Uma história da “construção social de política pública2”, resultado da própria luta, convertendo o extrativismo vegetal em termo positivo, quando tem um tom universal negativo, usado no último caso sobre mineração.  A formulação da lei da gestão de florestas públicas, base para as concessões florestais, elaborada a partir da formação de uma comunidade epistêmica, escrito por Fernando Scardua e eu.  Dois capítulos, escritos a pedido, por Philip Fearnside: àà a insistência da indústria hidroelétrica em desconsiderar normas socioambientais, aprovadas pela Comu nidade Europeia, atropelando qualquer oposição às grandes barragens amazônicas; e, àà uma explicação do início do processo de desmonte da legislação florestal, originado no legislativo, que agora 2

Título da tese de doutorado da Mary Helena Allegretti.

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Introdução

continuará a um ritmo maior, com consequências potencialmente devastadoras; e;  Os impactos socioambientais da mineração, mesmo sem o código proposto para o setor, acelerando o Brasil no seu caminho de reprimarização e especialmente na destruição das bacias hidrográficas e nas vidas humanas, escrito por Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora.

O capítulo 6 trata das Reservas Extrativistas. Predominava a concepção de que o desenvolvimento da Amazônia não incluía o extrativismo vegetal, que era visto como uma atividade atrasada e sem futuro.

Daí nascem perspectivas de desenvolvimento territorial e endógeno abertas pelo reconhecimento público das iniciativas de gestão ou de produção de bens comuns (Sabourin et al., 2005) e mecanismos de co-construção de instrumentos de políticas públicas com grupos de agricultores (Duarte et al., 2006).

A partir da transição da ditadura, com as imposições das instituições financeiras multilaterais e as limitações das leis vigentes, surgiu de uma floresta tida como vazia um movimento para alcançar as transformações desejadas. Como se fortaleceu? Quais foram os resultados alcançados?

Como mudou a imagem dos povos da floresta e como continua com ganhos gradativos, apesar das ameaças contínuas?

Com muito material da tese de doutorado de mais de 800 páginas de Mary Allegretti (Allegretti, 2002) participante de todo o processo de construção pelos seringueiros, da proposta de Reservas Extrativistas, coloca-se uma visão panorâmica desta história que mudou a concepção dos cientistas sobre as relações do homem e suas políticas com a natureza.

Com os empates e a pressão internacional, o banco suspendeu os desembolsos. Com o assassinato de Chico Mendes, saíram as reservas extrativistas. Como resultado, os extrativistas brasileiros não só conseguiram recursos como também influíram no desenho de políticas públicas.

Há muitos outros na floresta que ainda não se beneficiaram delas. Quando se repetirão as condições para que um movimento socioambiental ocasione a suspensão de um empréstimo multilateral, a mudança da política do governo tomador e a volta do empréstimo?

Depois, no capítulo 7, tratamos das Barragens.

No mundo todo, a poderosa indústria da hidroenergia obtém licen26

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ciamentos das obras com atenção insuficiente aos direitos humanos dos atingidos e aos impactos socioambientais, eficácia e equidade dos benefícios.

Barragens trazem um preço social e ambiental inaceitável e des-necessário, pago pelas pessoas deslocadas, pelas comunidades à jusante, pelo meio ambiente natural e pelos contribuintes (World Commission on Dams, 2000).

Segundo o autor deste capítulo, Philip Fearnside, um dos cientistas que mais luta contra injustiças socioambientais na Amazônia, a construção de barragens na região frequentemente tem causado impactos que resultam na violação que a maioria das pessoas consideraria normas básicas socioambientais.

Os grandes planos do Brasil para futuras barragens implicam em impactos semelhantes em maior escala. Barragens inundam a terra, deslocando os moradores locais, incluindo povos indígenas e ribeirinhos tradicionais. Impactos sobre a pesca, incluindo bloqueio de migrações de peixes, destroem os meios de subsistência das populações ribeirinhas independente de suas terras, casas e locais sagrados terem sido inundados.

Os povos perdem tudo isso, são mal compensados e tratados e raramente recebem energia elétrica. As condicionantes que preveem programas de mitigação e compensação não são cumpridas.

Os benefícios de hidroenergia são principalmente para os centros urbanos distantes, e parte da energia é usada para as exportações de produtos eletrointensivos, como o alumínio, que criam pouco emprego no Brasil.

Exemplos de barragens existentes com evidentes injustiças sociais (dentre outros impactos) incluem Tucuruí e Balbina (que deslocaram povos indígenas e prejudicaram recursos pesqueiros), Santo Antônio e Jirau (que bloquearam as migrações de peixes que sustentavam as populações ribeirinhas em três países), Teles Pires (que inundou o local mais sagrado do povo indígena Munduruku) e Belo Monte (que deslocou populações urbanas e rurais, destruiu a pesca e removeu 80% do fluxo de água de um trecho de 100 km do rio Xingu que inclui duas áreas indígenas).

Represas planejadas com grandes impactos sociais incluem as barragens no rio Tapajós que inundariam terra indígena, e uma série de barragens no rio Xingu a montante de Belo Monte que inundariam vastas áreas de terra indígena.

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Introdução

Embora o governo brasileiro alegue que barragens rio acima de Belo Monte já não são mais planejadas, fortes indícios sugerem que algumas dessas barragens, incluindo a maior delas, a Babaquara/Altamira, ainda são planejadas. Muitas das dezenas de outras represas planejadas na Amazônia brasileira teriam impactos socioambientais dramáticos, tais como a barragem de Marabá que deslocaria uma população estimada entre 10.000 e 40.000 pessoas (principalmente ribeirinhos).

Uma série de leis e emendas constitucionais propostas, incluindo algumas que já foram aprovadas pelo Congresso Nacional, enfraqueceria o licenciamento ambiental e facilitaria a construção de barragens, independente das suas consequências socioambientais.

Outro tema polêmico, as Concessões Florestais, é tratado no capítulo 8.

Nas últimas três décadas, o Brasil liderou o estabelecimento de novas áreas protegidas, a grande maioria das quais destinadas ao uso sustentável (RRI 2015; Veríssimo et al. 2011, apud Estrada, 2018). Os esforços de conservação nessas áreas incluíram o manejo sustentável de madeira para melhorar a economia local e deter a degradação florestal, que ocorre por meio da extração ilegal de madeira.

Restam 70 milhões de hectares da região sem destinação, sendo que grande parte está em processo de registro como terra indígena –TI ou pleiteada como unidade de conservação – UC pela sua alta biodiversidade ou população extrativista (Azevedo Ramos, C. e Murtinho, p. 2018).

As sobreposições de destinação entre os diferentes tipos de uso (UC, TI e manejo florestal) ainda hoje são objeto de debates, dada a falta de regulamentação específica sobre o assunto.

Fernando Scardua, que coordenou, e Joseph, que observou a contribuição do sistema de concessões florestais, descrevemos, neste capítulo a realidade na qual foi concebida a Lei de Gestão de Florestas Públicas (LGFP), nº 11.284 em 02/03/06, e sancionada como mecanismo de regulação e uso dos recursos florestais em moldes sustentáveis. Busca trazer:  O processo da discussão da LGFP entre os principais atores, desde sua apresentação à Câmara dos Deputados em 2002 até chegar a um consenso legislativo sem paralelo com a sanção pela Presidência da República em 2006; 28

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 As dificuldades burocráticas na aplicação inicial da lei;  Os resultados da sua aplicação na Amazônia até 2016, quanto ao regime de concessões de florestas públicas e às florestas comunitárias;  As limitações para alcançar as metas estabelecidas diante do tamanho da Amazônia;  E uma avaliação do seu regime de governança e de sua relação com o setor madeireiro.

O uso sustentável das florestas públicas requer o convívio de colaboração entre as populações tradicionais, não tradicionais e empresas, evitando conflitos socioambientais. Neste sentido, é essencial que as florestas concessionadas e as comunitárias tenham normas de conduta justas entre elas, o que nem sempre ocorre.

As florestas públicas, com mais de 200 milhões de ha cadastrados, representam 25% do território brasileiro e 97% das federais estão na Amazônia Legal, das quais 12 milhões de ha são passiveis de concessão. As licitações de concessões de 2009 até 2016 alcançaram um milhão de ha, a um ritmo inferior ao previsto. O risco de degradação será reduzido, com monitoramento dos recursos florestais, restando questões como extração excessiva de espécies valiosas e outras deficiências.

A concessão é parte da solução, mas não a panaceia esperada por alguns. Para muitos operadores do setor sem concessão, essa modalidade continua sendo uma tecnologia menos atrativa à empresa que a exploração ilegal. Ainda não há uma preferência de mercado suficiente pelo produto concessionado e certificado.

A FAO considera que as concessões latino-americanas têm sido mais exitosas, desde que com boa gestão, de tamanho menor e com a participação das comunidades com prévia tradição florestal. O sistema brasileiro de concessões é entre os primeiros a limitar o corte anual, prevendo um resultado ganha-ganha (conservação e renda). Comprovado o resultado satisfatório, falta acelerar o ritmo da ampliação da política, talvez limitado por insuficiente apoio político e financeiro.

No capítulo 9, o assunto versa sobre o desmonte da legislação ambiental brasileira. Philip Fearnside explica como a legislação ambiental brasileira e os procedimentos associados para licenciamento e controle ambiental, em geral, vem se degradando desde o fim dos anos 1990, com 29

Introdução

grandes revezes nos últimos anos. As mudanças legislativas pendentes podem ter resultados catastróficos.

As decisões continuam sendo tomadas antes do licenciamento ambiental. O controle ambiental está sendo erodido por: 1) transferência de autoridade do governo federal para governos estaduais, 2) o aumento do uso de “condicionantes” para licenciar sem primeiro sanar os problemas pré-existentes, 3) a simples inobservância do estatuto do Departamento de Licenciamento do IBAMA, 4) a influência de corrupção e doações políticas, 5) mudanças internas no IBAMA e um grande aumento da influência dos ruralistas3, são exemplos da atual erosão da legislação ambiental.

Já foram aprovadas a Lei 13.334 que cria parceria público-privadas com um conselho diretor autorizado a obrigar a aprovação de projetos pelo IBAMA, FUNAI e outros órgãos, e a Emenda Constitucional n.º 95 que congela o orçamento federal durante 20 anos, assim diminuindo os recursos, já inadequados para o controle ambiental.

Propostas para neutralizar o sistema de licenciamento incluem a PEC-654, que seria o fim do licenciamento ambiental, o PLS-654/2015 no Senado e PL-3.729/2004 que abreviariam o licenciamento ambiental, uma proposta na CONAMA para “auto licenciamento”, o PL-1.610/1996 na Câmara dos Deputados para abrir terras indígenas para mineração, a PEC-215 que implica no fim da criação ou expansão de terras indígenas e unidades de conservação e várias propostas para reduzir áreas protegidas existentes na Amazônia.

Não existem soluções fáceis para esses problemas. Manter a visibilidade destes impactos nos meios de comunicação e o diálogo entre cientistas e tomadores de decisão são esforços essenciais para fazer o legislativo mais sensível aos impactos e menos responsivo aos interesses especiais. Apesar do distanciamento entre os socioambientalistas e desenvolvimentistas, há de manter uma posição firme e não sucumbir ao fatalismo.

No capítulo 10, tratamos das dores de um país mega-minerador.

Bruno Milanez, Professor da UF de Juiz de Fora, desde 2013 realiza uma 3 4

Das bancadas legislativas que defendem o agronegócio, apoiadas por lobbies da indústria hidrelétrica e das empreiteiras.

PEC- 65: A PEC 65 acrescenta um novo parágrafo ao artigo 225 da Constituição, que assegura que uma obra pública tenha continuidade. Basicamente, a apresentação de um estudo prévio de impacto ambiental já seria suficiente para autorizar a execução da obra, que não poderia mais ser cancelada por questões dessa natureza.

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sequência de dois projetos de pesquisa sobre redes globais de mineração.

Já conhecia a realidade industrial antes da morte de 19 pessoas e grandes danos ambientais ao longo do Rio Doce, resultado do desastre de Mariana de 2015.

Em 2016, escreveu, com seus colegas, “Antes fosse mais leve a carga: reflexões sobre o desastre [em Mariana]”, escreveu o presente texto em 2017, seguido pela morte de pelo menos 186 pessoas e grandes danos ao longo de quase toda a extensão do Rio Paraopeba, da catástrofe de Brumadinho de 2018. Complementa em março de 2019 com uma atualização destes crimes cometidos pelas empresas envolvidas.

A economia brasileira vem num processo de reprimarização, com a exportação de commodities minerais e agrícolas e a redução proporcional do setor industrial. Assim, devemos reconhecer o Brasil como país extrativista mineral e não o industrial no imaginário do brasileiro.

Os impactos socioambientais da megamineração no Brasil se caracterizam por serem espacialmente extensos, ecologicamente complexos e temporalmente permanentes. Os impactos socioambientais da mineração não são pontuais, mas extensos, uma vez que se estendem pelos corredores logísticos de distribuição e exportação, bem como pelas bacias hidrográficas. As modificações ambientais e ecológicas são tão complexas que não podem ser limitadas no tempo; ao contrário, devem ser encaradas como mudanças irreversíveis.

Entre os impactos da mineração, neste texto consideram-se a alteração da paisagem, as emissões atmosféricas, a poluição de recursos hídricos, os conflitos com comunidades e a precarização do trabalho.

Também são importantes os efeitos de longo prazo da poluição e sobre a socioeconomia local.

Tendo por base a extração de minério de ferro, fica claro que as atuais instituições ambientais não têm sido capazes de evitar ou mitigar estes impactos. Em consequência, ele defende o fortalecimento das agências de controle ambiental, juntamente com o desenvolvimento de instrumentos de real participação social, particularmente nas decisões relativas às atividades de extração mineral.

Assim, questionam as propostas recentes de mudança na legislação ambiental que tendem a reforçar o modelo de automonitoramento e a enfraquecer os instrumentos públicos de licenciamento e controle ambiental.

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Introdução

Parte IV - Futuro Na parte IV, começamos a olhar as perspectivas para o movimento socioambiental. Como diz o título, antevemos uma aceleração do antropoceno especialmente resultante da falta de regulação nos e entre os países. Também enxergamos a possibilidade, hoje pequena, de acontecer um cenário positivo.

Depois de duas décadas de avanços relativos nas leis e políticas ambientais brasileiras, hoje está ocorrendo seu desmonte. Também, houve avanços na política ambiental da ONU, que hoje para de avançar ou tende até a retroceder. Nas duas escalas, ocorre o escanteio das normas de regulação e acordos vinculativos, cada vez menos aplicados. Nestas circunstâncias, os efeitos do antropoceno poderão acelerar em vez de reduzir o passo.

Não existem soluções fáceis para esses problemas. Quando os conflitos se tornam intensos, torna-se quase impossível chegar a um consenso entre posições antagônicas rígidas; as intermediárias perdem audiência.

Fica com pouco espaço para o diálogo.

Entre outras conclusões do capítulo 11, a melhor prática para reduzir a degradação ambiental, na opinião do editor, é de combinar mecanismos de mercado com marcos regulatórios fortes (incentivos e sanções). Quando os estados-nação têm a vontade e a capacidade de comando e controle, podem reduzir a degradação ambiental. Uma alternativa é a governança colaborativa, conforme propõe Adriana Moura, solução com grande perspectiva, especialmente para soluções locais. Vejo mais difícil com relação a questões regionais, como a florestal.

A assimetria de poder dominante deve ser desfeita para conseguir equilibrar a realização de objetivos econômicos, sociais e ambientais que interessam a diferentes segmentos sociais. Os movimentos sociais precisam adquirir mais poder e usá-lo com sabedoria para ter impacto nas decisões e construir um novo modelo de desenvolvimento. Sem isso, um novo paradigma de desenvolvimento é improvável (Weiss e Nascimento, 2013).

Manter a visibilidade destes impactos nos meios de comunicação e o diálogo entre cientistas e tomadores de decisão são esforços essenciais para tornar esses últimos mais sensíveis aos impactos e menos responsivos aos interesses especiais. Apesar do distanciamento entre os 32

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socioambientalistas e desenvolvimentistas, há de manter uma posição firme e não sucumbir ao fatalismo. É essencial uma maior competência do governo nacional e capacidade de fiscalização para que incentivos à redução das emissões sejam eficazes. Sem dúvida, essas medidas podem ser ainda mais eficazes quando coordenadas com iniciativas apropriadas das empresas e da sociedade civil, com governança colaborativa, conforme propõe Adriana Moura. Podem alcançar até a reestruturação social e elementos revolucionários.

Qual será o futuro do nosso planeta? Quem sabe, será possível arrestar os gases de efeito estufa em tempo para sobrevivermos. Ajudará se formos despertos em tempo por eventos climáticos e físicos com sustos suficientes para reunirmos e agirmos com a energia necessária.

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Introdução

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Joseph S. Weiss

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PARTE I DEBATES CONCEITUAIS

DEBATES CONCEITUAIS

Keynes e Hayek (defensor do mercado livre) se encontram em 1927.

Trigo, L. Keynes, Hayek e as origens de um debate econômico que nunca termina, G1, 2016. Resenha de Wapshott, N., Keynes/Hayek – As origens e a herança do maior duelo econômico da História, Record, 2016.

CAPÍTULO 1 EVOLUÇÃO DO PAPEL DO ESTADO: Políticas Macroeconômicas e Ambientais Joseph S. Weiss1

Destaques O consenso keynesiano  No geral, a política macroeconômica do “norte” foi keynesiana desde a segunda guerra mundial até 1973, vendo o estado como solução para o desenvolvimento – com regulação, investimento e planejamento nacional, com ênfase em democracia social e prevendo intervenções numa economia em recessão.  Três pilares do consenso keynesiano—investimentos públicos, programas sociais e sindicatos fortes.  Na América Latina, Keynesianismo se torna Estruturalismo e Desenvolvimentismo com conceitos e políticas diferenciados.

O neoliberalismo  A partir de 1973, com a crise de petróleo, o estado começou a ser visto como um problema. Veio o neoliberalismo a favor de reduzir a função de regulação, aumentar incentivos de mercado e abrir mais espaço para o setor privado, limitando o papel intervencionista do estado e as políticas de distribuição de renda.  Tudo isso é uma grande generalização.

Propostas intermediárias  Responsabilidade social corporativa e os resultados de três objetivos (pessoas, planeta, lucro).

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Pesquisador do CDS/UnB, Sociedade Brasileira de Economia Ecológica

Evolução do Papel do Estado

 Há um meio termo entre Keynes e os neoliberais? Pode ser, mas o projeto policymix não o considerou.  O decrescimento é defendido por muitos cientistas, pois o mundo não suporta mais o crescimento econômico, especialmente no “norte.” Há políticas que reduzem emissões ao melhorar as condições de vida.  Economistas ecológicos oferecem uma macroeconomia keynesiana sem crescimento econômico.

As políticas ambientais  Os ajustes estruturais neoliberais latino-americanos reduziram o papel do estado quanto às políticas ambientais, excluindo a regulação e investimentos socioambientais, de forma direta e indireta.  O conceito de desenvolvimento sustentável, com Estado atuante, foi substituído pela economia verde, um conceito mais neoliberal.

Introdução Neste capítulo se busca entender como a política macroeconômica 1) evoluiu desde o final da segunda guerra mundial, entre o papel do estado visto como solução e como problema; 2) influiu nas políticas ambientais no contexto do processo de mudança no papel do estado na política ambiental, seja de forma direta ou indireta.

Com este objetivo, conta e contextualiza a evolução do papel do Estado na economia, especialmente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, com o debate entre John Meynard Keynes, economista inglês, e o neoliberalismo. Resume como os keynesianos dão importância ao papel do Estado na regulação e no investimento enquanto o neoliberalismo se posiciona a favor de reduzir as ações do Estado e as políticas de regulação, abrindo mais espaço para o setor privado.

Por que isso é relevante ao socioambientalismo? Por que é provável que essa mudança tenha sido um dos fatores que reduziu a importância do Estado na aplicação das leis de comando e controle e nos investimentos em infraestrutura socioambiental (ver exemplos em MAJONE, 1997), com o objetivo de concentrar sua atuação em mecanismos de mercado.

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Questionam-se como as políticas ambientais na América Latina foram limitadas pelo confronto com a visão do estado mínimo do neoliberalismo. Também pergunta por que o conceito de desenvolvimento sustentável, com Estado mais atuante, foi sendo substituído com a amplitude reduzida de economia verde, um conceito mais neoliberal.

Está dividido em quatro seções sobre: a) a evolução do papel do estado na macroeconomia mundial, do keynesianismo, a sua versão latino-americana, o desenvolvimentismo, seguido pelo neoliberalismo, e a proposta do decrescimento; b) o papel do estado nas políticas ambientais, c) a relação entre as políticas macroeconômicas e ambientais e d) algumas considerações finais.

Evolução do papel do estado na macroeconomia mundial Diante de uma recessão, os economistas clássicos ou neoliberais defendem remover os regulamentos governamentais e reduzir os gastos do governo. Dizem que os remédios de Keynes resultam no exercício excessivo do governo para consertar a economia, acreditando que o estado pode remediar os males do mercado. Em vez de reduzir o estado durante as dificuldades econômicas, são respostas keynesianas típicas de que se devam reduzir impostos, aumentar as despesas deficitárias, impor regulamentos e controle governamental ao mercado. Segue uma visão destas duas escolas com um pouco de detalhes.

De 1880 até a depressão dos anos 1930, predominava a ideologia liberal de mercados abertos e a atuação do setor privado, a ação importante do investimento estrangeiro, sendo reduzido o papel do Estado (BULMERTHOMAS 2003:14ff). Na depressão dos anos 30 busca-se um papel maior para o Estado na economia para gerar emprego com investimentos e programas específicos.

Keynesianismo Ganharam espaço as ideias de Keynes. Ele popularizou a macroeconomia que foca em decisões de governo de alto nível, de maneira a afetar as economias nacionais em vez de decisões microeconômicas que tratam de bens e serviços específicos.

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Evolução do Papel do Estado

Durante a Segunda Guerra Mundial, cresceu o papel econômico do estado. Os países capitalistas usaram o planejamento físico para atender às necessidades emergenciais. A escassez de materiais e alimentos durante a guerra devido à demanda militar levou ao racionamento para consumidores. Roosevelt, Churchill e Stalin tinham esperanças de paz por meio da cooperação internacional.

Após a guerra, havia dois caminhos para realizar políticas de estado voltadas para o bem da população: em alguns países surgiu um consenso de democracia social a favor de pleno emprego, políticas de bem-estar, modernização e keynesianismo; em outros, a restauração do capitalismo liberal, com a supressão, explícita ou não, de elementos radicais do movimento trabalhista, associado à obtenção de reformas similares (MARGLIN, S. A. e SCHOR J. B. 1990, p. 60, KEOHANE 1984, KATZENSTEIN, 1978).

Cria-se a ONU para evitar os erros econômicos e políticos do passado, a depressão e a guerra. Foi fundada quando os países industrializados dominavam e prevalecia a visão keynesiana do estado como chave para o desenvolvimento. Com os objetivos de alcançar cooperação mundial para resolver problemas internacionais econômicos, sociais, culturais e humanitários, foram planejadas as instituições de cooperação econômica em 1944 (Conferência Monetária e Financeira das Nações Unidas em Bretton Woods) e a própria Nações Unidas em 1945 (Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional em São Francisco), onde Keynes teve um papel importante. Ele enfatizou a relevância da questão institucional para o crescimento no pós-guerra, incluindo a coordenação internacional das políticas keynesianas para promover a estabilidade.

O boom keynesiano foi um ciclo econômico longo de crescimento mundial alto com pleno emprego e estabilidade financeira, de 1945 até, segundo o autor, meados dos anos 70 ou 1980. Nos anos 50 e 60, o crescimento anual médio dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) foi mais alto do que nos anos 70 e 80, na antecedência para o período de transição ao neoliberalismo. Nesse período, aumentou a produtividade, foram adotadas tecnologias novas e abandonaram os regulamentos da guerra.

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A visão ali estabelecida foi de um Estado que: i) intervém no interesse público; ii) promove a ordem monetária; iii) trabalha por um sistema de livre comércio; iv) promove o desenvolvimento através do planejamento nacional e dos investimentos do Estado; v) favorece a regulação estatal em áreas que extrapolam o alcance dos mercados; vi) tem como metas o pleno emprego e o crescimento do PIB (Produto Interno Bruto); vii) assegura os direitos humanos e faz a conciliação entre o capital e trabalho.

Assim, a teoria keynesiana busca amenizar desequilíbrios sociais, criando a base para estados de bem-estar social. Do preâmbulo da Carta da ONU consta o objetivo de “promover o progresso social e melhores padrões de vida numa liberdade mais ampla”.

Keynes não enxergava orçamentos deficitários como equivocados, promovia políticas fiscais contracíclicas quando a economia sofria de estagnação econômica. Defendeu a ideia de que governos devem intervir numa economia em recessão, dado o efeito multiplicador: um aumento no gasto do Estado levará a ondas adicionais de gastos privados, pois aqueles que recebem pagamentos os gastam em outros produtos e serviços. Assim, o governo compra mais bens e serviços com objetivo de restaurar o fluxo da demanda na economia e o consequente emprego. O objetivo não seria apenas uma injeção de curto prazo na economia, mas de infraestrutura que conduziria à expansão do crescimento no longo prazo. Esse princípio está atrás de planos de estímulo à economia nacional (MARGLIN, S. A. e SCHOR J. B., 1990).

O desenvolvimentismo keynesiano de intervenção do Estado foi a escola de teoria econômica mais popular no ocidente. O estado seria a solução para evitar a repetição de desastre econômico e manter a paz para longo prazo. O Plano Marshall dos EUA, de apoio aos países europeus danificados pela 2ª guerra mundial visou promover o desenvolvimento, mas também reduzir a influência soviética na Europa Ocidental. Assegurou 43

Evolução do Papel do Estado

a aliança firme da Alemanha Ocidental com o ocidente, amenizando conflitos sociais sobre a distribuição e favorecendo um consenso pelo crescimento (SCAMMEL, 1983). Também, financiou gastos militares.

O Estado tinha mais importância na formulação de políticas macroeconômicas que representantes da sociedade civil e do setor privado, incluindo a regulação de mercados, o controle de preços, como também alocação de recursos em investimentos. As taxas de câmbio e tarifas alfandegárias eram estabelecidas para fomentar o comércio. Estabelecia regulamentos econômicos para lidar com “falhas de mercado” como poder monopolístico, externalidades negativas, informação incompleta, bens públicos insuficientes, etc. Formou-se o chamado Consenso Keynesiano com três pilares: investimentos públicos, programas sociais e sindicatos fortes.

Recomendava-se o planejamento nacional e a promoção dos investimentos. A França foi o primeiro país da Europa a enfrentar a necessidade de desenvolvimento com um plano multianual em vez de forças de mercado. Outros países passaram a seguir esta orientação. Os países do “Sul” começaram a planejar seu desenvolvimento, especialmente as ex-colônias que alcançaram a independência. Destacam-se as asiáticas, com menção especial para a Índia. Também seguiram esse caminho a maioria dos novos países africanos como também os da América Latina. Criaram ministérios de planejamento, passando os poderes executivos dos governos centrais a realizar planos plurianuais.

Os keynesianos argumentam que:  O mercado livre pode ser ajustado através da intervenção do governo, com investimentos.  Gastos insuficientes causam desemprego.  Estimular a demanda pode aumentar as despesas e reduzir o desemprego.  A redução salarial durante as recessões piora a situação.  A contenção excessiva de gastos incentiva recessões e depressões.  Os orçamentos equilibrados do governo tendem a piorar os problemas econômicos.  Políticas governamentais ativas ajudam a reduzir o desemprego.

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Durante o início da era da democracia social, após a Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países ocidentais capitalistas teve desemprego baixo, inflação modesta e crescimento alto, com um preço de petróleo favorável. Em cada país, este boom keynesiano recebeu nomes diferentes.

Exemplos: na França (Les Trente Glorieuses); em inglês, a Era Dourada do Capitalismo.

Estruturalismo e desenvolvimentismo Na América Latina, o modelo keynesiano foi chamado de desenvolvimentismo, com adaptação à realidade regional. Veio à América Latina através do pensamento estruturalista adotado por Raúl Prebisch e Celso Furtado, entre os economistas da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), criada em 1948. Hoje, foi adaptado ao neoestruturalismo e neodesenvolvimentismo (URRUTIA, 1990; SANTOS, 2000; SICSU et al.., 2005; ALVES 2011, GONÇALVES E ARAGÃO, 2015; MEDEIROS, 2016).

Ao longo da sua carreira, Prebisch, principal economista da Cepal, introduziu, com o objetivo do desenvolvimento econômico e social, o conceito de um sistema econômico mundial desigual, consistindo de centro e periferia, onde os países periféricos ou do “Sul” vendiam produtos primários aos países centrais ou do “Norte” e compravam produtos industrializados, com termos de troca desvantajosos, estabelecendo relações de dependência dos países do Sul aos do Norte.

Reconheceu que faltavam horizontes temporal e social ao modelo liberal. Concebeu a economia periférica como dualista, com um setor primário relativamente estagnado, de baixa produtividade e qualificação de mão-de-obra, e um setor secundário dinâmico de alta produtividade, capaz de absorver o excedente de trabalhadores.

Para sair da relação centro-periferia, propôs a industrialização por meio da substituição de importações e um mercado comum latinoamericano, com proteção moderada ao mercado interno, adotada no passado pelos países, hoje, industrializados. A absorção de tecnologia e a inovação industrial são vistas como elementos essenciais desta proposta.

São propostas reformistas com menor relevância da luta de classes.

De preferência, estas mudanças estruturais seriam alcançadas com poupança interna. Porém, com capital insuficiente para investimentos superiores a esse tipo de poupança, faz-se necessário buscar recursos 45

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externos, com condições adversas, com sua disponibilidade sujeita aos estágios dos ciclos econômicos e a liquidez financeira do capital mundial.

Este pensamento reconhece que alguns países chegaram a situações intermediárias com a diversificação da economia e a expansão dos seus setores industriais e de serviços, sem ultrapassar sua base econômica vinculada aos seus recursos naturais e sem grandes mudanças sociais, permanecendo o predomínio da população pobre e miserável, com os desafios contínuos de inflação e dívida externa e a importação das frequentes recessões mundiais, permanecendo um desenvolvimento derivado. Nos últimos anos, observa-se um processo de regressão deste modelo com a reprimarização das economias periféricas.

Recomendou crescer e distribuir simultaneamente. Dada a estrutura social, a concentração de terras e de renda, a vulnerabilidade de famílias e grupos étnicos e a restrição à concorrência, Prebisch propôs a reforma agrária, acesso e aproveitamento da tecnologia e da educação; regras de acumulação e distribuição compatível com o jogo de mercado e o liberalismo.

Muitos países puderam estimular a economia com a substituição de produtos importados pelos nacionais, junto com incentivos bancários, através de bancos públicos ou privados. São políticas econômicas com participação ativa do Estado visando o crescimento econômico por meio da produção industrial e da infraestrutura. Têm sido aplicados na América Latina por regimes autoritários como também em democracias.Concebida na Alemanha, em 1946, a economia social de mercado busca um meio termo entre o socialismo e o capitalismo. Objetiva manter altos índices de crescimento econômico, baixa inflação, baixo desemprego, boas condições de trabalho, seguridade social e serviços públicos mediante a aplicação controlada da intervenção estatal. Prevê que o Estado precisa criar um “marco legal” eficiente, assegurar a livre competição e a estabilidade monetária, através de instituições de controle e regulação2. Somente assim, o mercado será capaz de funcionar e criar preços relativos reais e eficientes. Considera que a pessoa economicamente inativa, seja por sua idade, seja por doença ou desemprego, precisa de segurança social.

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JOHNSTONE (2004) menciona três a quarto possíveis combinações de regulação direta.

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O neoestruturalismo, o novo ou neodesenvolvimentismo, diferente das prescrições liberais de predominância do setor privado no desenvolvimento, vê a importância do estado como ator e o planejamento como instrumento necessário para a priorização dos investimentos. Realmente, muitos dos processos latino-americanos de desenvolvimento tiveram liderança estatal. Entende que a industrialização latino-americana tardia não foi capaz de resolver os problemas de desigualdades sociais.

Propõe-se uma estrutura macroeconômica e institucional, com uma melhor distribuição de renda (SICSU et al., 2005), com salário mínimo e transferências aos pobres. Propõe uma estrutura macroeconômica e institucional para financiar o desenvolvimento com recursos internos, permitindo ao empresariado acesso a recursos e à tecnologia; o controle estatal de setores não competitivos; e o controle da taxa de câmbio evitando sua sobrevaloração, com austeridade, para evitar dívida de longo prazo (BRESSER-PEREIRA, 2010: 9).

A visão da teoria cepalina surgiu muitos anos antes do mundo enxergar a importância do meio ambiente para as políticas públicas nacionais e mundiais. Talvez a última versão do keynesianismo seja o verde, guiando os investimentos para energias renováveis e outros. Em resposta à crise financeira, muitos países embarcaram num ‘new deal’ verde, como a China em 2010, com um programa-choque de US$55 bilhões em energia limpa.

Os conceitos keynesianos orientados ao âmbito ambiental se resumem em três (Blackwater 2012): i) O efeito multiplicador indica que um aumento nos gastos do estado levará a uma sequência de gastos privados. A abordagem do keynesianismo ambiental tem sido de orientar o gasto keynesiano do governo em projetos que levariam a benefícios ambientais. ii) O New Deal de Franklin Delano Roosevelt visava não apenas injetar demanda de curto prazo na economia, mas construir infraestrutura - rodovias, barragens e pontes - o que levaria à expansão do crescimento no longo prazo. O keynesianismo ambiental argumenta que os investimentos em infraestrutura verde expandirão a economia em novas direções. iii) O desenvolvimento futuro da economia global deve ser dominado por tecnologias com baixa emissão de carbono. Investindo em 47

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pesquisa e desenvolvimento nas indústrias do futuro, um governo ajudará a tornar sua economia internacionalmente competitiva.

Neoliberalismo Como acabou a expansão econômica do pós-guerra e começou o período da economia neoliberal? A seguinte sequência de eventos foi o fator mais relevante: o preço real do petróleo foi baixo durante a expansão.

Em 1972, com uma economia deficitária, em parte devido aos estímulos keynesianos, o Presidente Nixon abandonou o valor do dólar fixado em ouro, um dos preceitos fundamentais do sistema Bretton Woods, levando o sistema monetário mundial ao colapso. O dólar foi desvalorizando, reduzindo os preços reais das commodities. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo fixou cotas de produção de petróleo, subindo seu preço, trazendo o choque do petróleo de 1973, seguido pela queda da bolsa e a recessão, elevando o nível de desemprego e da inflação (estagflação).

Destruiu o consenso keynesiano e forneceu apoio a uma contrarrevolução.

Alguns economistas abandonaram a teoria keynesiana. Há aqueles que até afirmam que, no longo prazo, a política intervencionista será sempre contraproducente. (BATEMAN et al. 2010:1-30).

Estas ideias baseadas no mercado e as políticas que delas inspiram passaram a ser um deslocamento paradigmático - o fim do consenso keynesiano. Com a redução no papel do Estado, aumenta a responsabilidade do cidadão individual e estende a competição de mercado a todas as áreas.

Os novos arranjos políticos, econômicos e sociais dentro da sociedade enfatizam as relações de mercado (KOTZ 2015:12).

O estado passou a ser visto como problema ao invés de solução.

Começou a ser questionado como planejador e produtor de bens e serviços, como “falhas do estado”. Empresas nacionalizadas, sem transparência e capturadas por grupos, não cumpriam seus objetivos sociais (MAJONE 1997:11-23). Os governos europeus vinham sendo forçados a mudar a forma tradicional de governança para se adaptar às tendências de maior competição internacional e ao aprofundamento da integração econômica e monetária na União Europeia (MAJONE 1997:141).

A teoria neoliberal argumenta que um mercado livre permite um aumento da eficiência, crescimento econômico, distribuição de renda e 48

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progresso tecnológico. Ainda que qualquer intervenção do estado para encorajar estes resultados resultaria em um desempenho econômico inferior (SPRINGER, KEAN e MacLEAVY, Eds. 2015).

Começaram a ser introduzidas políticas macroeconômicas neoliberais nos países industrializados, sendo plenamente alcançadas nos EUA a partir da posse de Reagan em 1981. Foram limitados o papel intervencionista do estado e as políticas de distribuição de renda, com a entrada das políticas neoliberais, transferindo atividades aos governos subnacionais e às ONGs. Hoje, se referem a reformas políticas orientadas ao mercado que reduzam a influência do estado na economia, incluindo as seguintes: i) Liberalização, com a eliminação de controle de preços, menos barreiras ao comércio internacional, reforma das taxas de câmbio, integração econômica e monetária; ii) Desregulação dos mercados de capitais e de trabalho e de padrões ambientais; redução da capacidade de regular ou de aplicar as normas (enforcement); desconsiderar novos regulamentos; iii) Austeridade - ajuste fiscal, redução das despesas governamentais e de impostos para aumentar o papel do setor privado na economia; iv) Terceirização, delegação, descentralização e privatização. Junto com privatização, propõe-se a regulação de monopólios ou oligopólios naturais dos setores privatizados por agências independentes, havendo risco de captura das agências pelas empresas. v) Introdução da nova gestão pública, com gestão similar à privada, com e-governo (governo digital), avaliação e remuneração por desempenho, inovações, etc.; vi) Igualmente, ênfase na publicidade a favor de produtos e comportamentos ecológicos individuais, desviando-se da promoção de mudanças coletivas e nacionais. vii) Especificamente para políticas ambientais, há uma preferência por mecanismos de mercado que venham a substituir regulamentos de comando e controle, apesar de pouco se promover o dito controle nos países industrializados.

O argumento principal do neoliberalismo seria o crescimento.

O FMI, principal defensor destas ideias, através dos seus 49

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executivos, ainda conclui, que algumas políticas neoliberais aumentaram a desigualdade, trazendo custos importantes, prejudicando o nível de crescimento e colocando em risco a sustentabilidade da expansão. O fluxo livre de capitais e a austeridade nem sempre trouxeram os benefícios esperados.

Assim mesmo, argumentam que a expansão do comércio global resgatou milhões da pobreza; o investimento estrangeiro direto tem transferido tecnologia e know-how para as economias em desenvolvimento; que a privatização de empresas estatais, em muitos casos, levou a uma oferta mais eficiente de serviços e reduziu a carga fiscal dos governos. Estes resultados negativos e positivos sugerem ao FMI a necessidade de uma visão mais matizada do neoliberalismo – preparado para se defender, concedendo em alguns pontos.

O neoliberalismo é a favor da autorregulação. Isso é consistente com vários movimentos corporativos como a responsabilidade social corporativa (RSC) e os resultados de três objetivos (pessoas, planeta e lucro) para satisfazer aos stakeholders. Mas “as medidas de autorregulação não impedem os produtores fora desses acordos de adotar padrões mais baixos e não podem substituir a regulação pública universal (Wapner, 1996: 24).” Registra-se também que “O argumento por um marco regulatório adequado parece impotente diante das teias de poder dominantes (BRAND 2012: 28)”.

A América Latina conseguiu se desenvolver no século XX com forte participação do Estado. Para muitos latino-americanos, a política keynesiana é uma pseudosolução para a crise capitalista, pois agir na função anticíclica tem limites. O endividamento público passa a ser motivado pelos gastos diretos como também dos crescentes juros.

As críticas ao neoliberalismo igualmente são severas: As pressões internacionais na América Latina e África levaram os países a liberar os mercados, reduzir o papel do Estado, assimilar desigualdades sociais, desestabilizar a ordem e a limitar as opções à ação coletiva. E mais, as teses neoliberais representam uma mudança radical, frequentemente irrealista, na maneira de visualizar os problemas do desenvolvimento e as explicações justificatórias das políticas a serem instrumentadas.

Na fase neoliberal, há uma tendência à desregulação em vários setores. A desregulação do mercado de capital foi uma das causas da crise 50

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financeira de 2007.Não apenas por isso, houve um ressurgimento mundial do interesse pela economia keynesiana entre alguns economistas. Na busca de uma saída para à Grande Recessão (2007-2008), voltou um novo consenso econômico de estímulo fiscal. Entretanto, ao sair da recessão, o consenso keynesiano, menor que o anterior, diminuiu, sem a mesma repercussão na academia nem na regulação ambiental.

Entre as críticas que fazem ao neoliberalismo, HARRIS (2013: 276-279) lista: (1) privatização, através de esquemas baseados no mercado, raramente não manchadas pelo amiguismo e clientelismo (HARVEY, 2003); (2) incapacidade, através de profundos cortes fiscais e administrativos; (3) redimensionamento da governança e cumplicidade do Estadonação, incluindo a devolução de responsabilidades pela regulamentação em níveis locais de governo, sem transferências proporcionais de poder ou capacidade e/ou o desvio das capacidades regulatórias para instituições cada vez mais internacionais com pouco ou nenhuma transparência ou responsabilidade (JESSOP, 1994); e (4) mudanças de regulamentação vinculadas cada vez mais a marcos voluntaristas e neocorporativas que envolvam padrões e regras não obrigatórias, cooperação público-privada, autorregulação e maior participação de coalizões cidadãs, todos com diferentes graus de capacidade e responsabilidade, com ideologia e discurso neoliberais, refletindo e reforçando a hegemonia neoliberal.

Outra política pouco mencionada, independente da escola, são as declarações e atitudes das autoridades que reforçam a confiança do investidor e consumidor, com efeito sobre a demanda agregada. O Presidente Roosevelt aplicou esta política no New Deal dos anos 1930 e o Presidente Lula a usou em 2007/2008.

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Duas Escolas Comparadas: Investimento e Regulação ou Estado Mínimo e Incentivos A Tabela 1 apresenta uma síntese das economias keynesiana e neoliberal, seus conceitos e as políticas predominantes, apesar das variações no tempo e no espaço, onde as diferenças principais são o papel do estado e da sociedade civil e a concentração ou distribuição de renda.

Tabela 1. Conceitos e políticas de duas escolas econômicas.

Nota. Há textos da tabela evidentes na literatura, interpretações do autor. Fontes: BURSZTYN, 1991:55; EVANS 1993; LOHMANN 2015:563.

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A Tabela 2 apresenta um panorama geral do como evoluiu a política macroeconômica predominante, mundial e latino-americana de 1944 até 2017, do keynesianismo ao neoliberalismo autoritário, seu contexto, visão, políticas e consequências. Tenta-se generalizar as realidades mundial e latino-americana, apesar da variação de sua aplicação entre os muitos países e dos períodos relevantes.

Após um período de prevalência de ditaduras e governos tradicionais, a partir de 2002, foram eleitos governos progressistas em vários países com uma tendência para o centro-esquerda, adotando diversas versões do neodesenvolvimentismo. Hoje, prevalece uma volta à tendência contrária.

Tabela 2 - Do keynesianismo ao neoliberalismo autoritário, 1944-2017.

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Decrescimento Está cada vez mais em voga a proposta de decrescimento econômico, considerando que a pegada da humanidade já é maior que a terra. Consumimos mais que a capacidade planetária (HARRIS 2013). Não há como estimular o crescimento e fazê-lo caber nos limites ecológicos. Ou seja, se tanto o keynesianismo como o neoliberalismo presuma o crescimento continuado, ambos são ambientalmente insustentáveis. É cada vez maior o número de cientistas que defendem o decrescimento. Geralmente não consideram as implicações daquelas propostas economicamente insustentáveis na economia capitalista, mesmo quando enxergam como ambientalmente insustentáveis as propostas de manutenção da dimensão.

Enquanto a economia ecológica questiona o papel e a conveniência do crescimento econômico contínuo em nações que já atingiram certo patamar, onde o crescimento pode ser reduzido, acredita-se que será necessário o crescimento econômico (qualitativamente superior), ainda por um período, nas economias ainda não desenvolvidas.

A política fiscal pode ser ineficiente, mas se enxergarmos ações governamentais como sendo necessariamente más, não podemos propor respostas. Uma combinação de políticas fiscais e monetárias pode responder ao desemprego e às prioridades ambientais, como a redução de carbono. Há muitas políticas disponíveis para empenhar pelo pleno emprego, estabilização climática e equilíbrio ecológico (desenvolvimento sustentável). Entre elas, pode-se considerar as do Box 1. Esta lista não é abrangente, mas sugere uma abordagem mais otimista da política econômica (HARRIS, 2013).

As organizações pela justiça ambiental e certos economistas ecológicos pressionam a economia mundial pela sustentabilidade e o decrescimento, posição indefensável nos países do Sul, sem a força para confrontar o crescimento econômico. Assim mesmo, há a proposta da economia ecológica de decrescimento, diminuindo o uso da energia e materiais, com a transformação da economia, reduzindo a produção em vários setores e aumentando em outros. Economistas ecológicos oferecem uma novidade ao mundo: uma macroeconomia, inspirada na teoria keynesiana, sem crescimento econômico. (JACKSON 2009, MARTINEZ-ALIER 2012, 2015:5, VICTOR 2008)

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A implicação é que uma abordagem muito mais radical seja necessária, algo que vai além de Keynes, cujo conjunto de ferramentas políticas foi restrito ao resgate da economia capitalista de suas depressões ocasionais. O keynesianismo não é a resposta, porque se trata de expandir a demanda, enquanto nosso problema ecológico hoje exige reduzir a demanda.

Entretanto, o que deve ser lembrado é que os investimentos em mitigação e adaptação às mudanças climáticas são necessários. Um novo mecanismo para direcionar uma proporção significativa de recursos atuais a tais projetos, não baseados no retorno econômico, precisa ser implementado. Fundamentalmente, isso significa que o capitalismo pode ser incompatível com uma rápida transição para um mundo com baixas emissões de carbono. Portanto, é essencial que o Estado desempenhe um papel decisivo na alocação de recursos econômicos para o bem comum.

A repercussão desta proposta é mais positiva no “Norte”. No “Sul”, muitos autores argumentam pela necessidade de crescimento econômico para melhorar a vida dos seus pobres.

Políticas ambientais desde a 2ª guerra mundial Nos EUA, nos anos 70, a crescente consciência da fragilidade da biosfera e o êxito do movimento ambientalista se juntam para produzir um corpo legal em um período curto. Aumentou a preocupação pública sobre o impacto da atividade industrial nos recursos naturais e na saúde humana: padrões e controle da qualidade do ar, da água, dos resíduos sólidos, da poluição, dos recursos naturais, hídricos e minerais, florestas, 55

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biodiversidade, caça e pesca. O setor de negócios e políticos reagiram, evitando mais regulamentos a partir do governo Reagan. O país se opôs ao tratado de biodiversidade em 1992.

A história das políticas ambientais é de regulação pelo Estado, com observação parcial e eventual punição. A Agência de Proteção do Meio Ambiente dos EUA (EPA) é exemplo disso. Desde a sua criação em 1970, tem se dedicado à regulação e especificação de padrões de qualidade para a água, ar e poluição química. Interpretamos que se aplica o neoliberalismo ambiental naquele país por meio da desregulação e da redução dos recursos para fazer cumprir os regulamentos.

A política ambiental keynesiana considera a especificação e aplicação de regulamentos quando, no neoliberalismo, são excluídos (Tabela 3). Isso traz um paralelo a uma questão central da economia ecológica: incentivos de mercado são inadequados para a conservação de recursos naturais no longo prazo. Igualmente, mecanismos de mercado lidam mal com o acúmulo de poluentes ao longo do tempo, não só com preocupações referentes a recursos específicos, mas também a questões globais como mudança climática.

Do desenvolvimento sustentável à economia verde Até 2010, os documentos consultados da ONU enfatizavam o desenvolvimento sustentável, incluindo o fortalecimento institucional, a regulação e o controle pelo Estado. Somente na Rio+20 (2012), mudou para a economia verde, contendo ações empresariais voluntárias, com ênfase no crescimento econômico, tecnologia e inovação. Evita mencionar regras obrigatórias para as empresas formais e informais que não seguem os princípios da responsabilidade social corporativa e que não conseguem atingir impacto mensurável que contribua às metas nacionais de emissões. O papel do Estado se reduziu a mecanismos de mercado, deixando de lado a regulação do Estado. Deixa de tratar dos desafios planetários e das escalas de produção e consumo (DASGUPTA 2011).

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Tabela 3 - Preferências por Políticas das Escolas Econômicas. Do autor.

Esta mudança da narrativa à economia verde orientada aos negócios é exitosa; quase todas as empresas e até alguns ambientalistas e ONGs a vê de forma favorável. Em termos de políticas públicas, as diferenças entre desenvolvimento sustentável e economia verde parecem ser essencialmente a reduzida relevância do papel regulador do Estado e dos acordos vinculantes internacionais.

Pesquisas sobre Policy Mix (combinação de políticas) Será que há um meio termo?

Com o conceito de policymix, se propunha estudar meios para aplicar políticas regulatórias juntas com as de incentivos. Tomemos um policymix para designar combinações de vários tipos de instrumentos “em uma área geográfica e nível de governança específicas”. Vatn (2005) distingue três categorias principais de medidas políticas: i) Instrumentos econômicos, baseados no pressuposto de que sejam calculados racionalmente, tanto por indivíduos quanto instituições; i) Instrumentos legais, assumindo raciocínio racional calculista e social ou normativo; i) Instrumentos informacionais, operando através de processos cognitivos e normativos, e uma suposição de agentes com racionalidade limitada.

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No contexto da concepção de pagamentos por serviços ambientais, Vatn (2005) enquadra a questão de desenho de políticas como basicamente uma busca pela combinação de estruturas de governança alternativas (hierarquias, mercados e gestão comunitária). Podem ser usadas para lidar com interconexões de ecossistemas que causam externalidades, através de propriedades socialmente definidas e limites de direitos de uso.

Porém, segundo Barton et al. 2009 não era possível compará-los no nível agregado, pois sempre foram introduzidos como pacotes. Predominam, entre os estudos realizados até agora, a análise das consequências que partem de conjuntos de determinadas políticas regulatórias, adicionando uma ou mais políticas de incentivos. Não buscam desdobrar as políticas regulatórias nos seus componentes, nem considera formações alternativas das mesmas ou quais elementos poderiam ser alterados de forma positiva. São adicionadas políticas de mercado a estas caixas pretas.

O projeto POLICYMIX descobriu que, em nível nacional, o mix de instrumentos pré-existentes e a sequência de políticas condicionam o estabelecimento de novos instrumentos (PRIMMER et al., 2013). Os papéis anteriores de diferentes agências administrativas definem, de maneira importante, como, por exemplo, os pagamentos são implementados (ROBALINO et al., 2011; PRIMMER et al., 2013).

Tampouco são consideradas as dimensões das políticas de incentivos. São de valores suficientes? Os incentivos fazem com que os agentes de mercado modifiquem seus comportamentos? No Brasil, normalmente não. Os ICMS verdes, o ITR e muitos outros impostos e incentivos não são suficientemente altos para mudar hábitos.

O autor detém a opinião de que os estudos de policymix tiveram mais o objetivo de encontrar argumentos adicionais favoráveis a instrumentos econômicos, sem considerar as características dos instrumentos legais ou regulatórios. Os instrumentos de informação são estudados menos ainda, apesar da sua importância para mudar o comportamento dos atores.

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A contradição entre as políticas Econômicas e ambientais do Estado Latino-americano Como consequência da Conferência de Stockholm e dos avanços nas legislações dos países industrializados nos anos 1970 e 1980, foram sendo adotadas políticas equivalentes na região. Começou a aprovação de leis ambientais na América Latina e Caribe justamente quando o FMI adotava a orientação de ajuste estrutural. Foram tomados os primeiros empréstimos de ajustes estruturais, símbolos do neoliberalismo. Estimase que 6% dos empréstimos desta natureza foram realizados nos anos 1970, limitando a capacidade dos países de aplicar legislação ambiental.

Evidencia assim as contradições entre as políticas econômicas e ambientais (MCCARTHY e PRUDHAM, 2004; BAKKER, 2010; BLACKWATER 2012).

Na Tabela 4, se observa a linha de tempo da criação das principais políticas ambientais de uma amostra representativa dos países regionais.

Alguma legislação ambiental relevante foi aprovada nos anos 70 em países latino-americanos e caribenhos, como Colômbia, Venezuela, Brasil, Jamaica e México.

Com base no conceito de desenvolvimento sustentável, na década de 1980, foram sendo aprovadas leis e regulamentos ambientais em pelo menos oito países. Enquanto já se estava num processo de desregulação nos países do Norte, iniciando mecanismos como o mercado de carbono, muitos países do Sul começaram a aplicar as leis de comando e controle de forma limitada: Eram contraditórias as políticas orientadas pelo “Norte” de redução do papel do estado e da criação da capacidade ambiental estatal, sem recursos nem poder. O consenso de Washington começava a influenciar políticas econômicas regionais, induzindo à redução do papel do Estado.

Terminava a era dourada na regulação e nos investimentos de interesse público. Era o tempo da abertura das economias nacionais ao mercado internacional, das privatizações e de encolhimento do aparato público, com menos servidores, mais terceirizados.

Segundo KAPUR et al.. (1997:338,520), 12 entre os 17 países altamente endividados em 1993 eram da região e 67% dos empréstimos de ajuste estrutural na América Latina foi realizada nos anos 1980.

Em 1989, o consenso de Washington orientou para a redução do papel 59

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socioambiental do Estado. Na sequência, 27% dos referidos empréstimos que reduziam o papel do estado foram realizados nos anos 1990.

Tabela 4 - Linha de tempo da Legislação Ambiental Latinoamericana. Fontes: ACUÑA, 1999; BERNSTEIN, 1997; DERECHO911, 2001; IADB, 2003; URUGUAY, 1992. Siglas: Subsecretaria de Meio Ambiente (SSMA), Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), Ministério de Meio Ambiente (MMA), Sistema Nacional de Meio Ambiente (SISNAMA), Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais (IBAMA), Programa Nacional de Meio Ambiente (PNMA), recursos naturais (RN), CNA (Consejo Nacional de Águas), Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Agência Nacional de Água (ANA), Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).

Significou uma dura restrição à capacidade operativa e uma crescente vulnerabilidade. Enquanto a maioria dos países estabelecia leis e estruturas administrativas para o meio ambiente, a observação destas normas era limitada e pouco se adotava o uso de mecanismos de mercado, 60

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definidos para orientar as ações antrópicas. Em vez de executar políticas de alcance nacional, predominavam ações pontuais, projetos-piloto e de aplicação específica.

Diante das carências dos recém-criados ministérios, secretarias, fundos do meio ambiente e demais formas administrativas, os recursos para as atividades reguladoras e fiscalizadoras foram insuficientes.

Dependendo de doações externas, recebiam parcos recursos para fazer cumprir as leis ambientais. Muitas autoridades orçamentárias presumiam que estas doações supriam a estrutura do meio ambiente. Consistentes com o neoliberalismo, doadores preferiam reforçar as capacidades subnacionais e as ONGs. Além do mais, o esforço ambiental constituiu-se num alvo fácil da crítica pública e de visões negativas do setor produtivo, por serem as áreas mais fracas da estrutura institucional dos países, sem condições para competir com as áreas desenvolvimentistas do Estado.

Esta convergência temporal do surgimento de políticas neoliberais e da importância do meio ambiente tem sido um dos fatores que dificulta a realização de objetivos ambientais. Com limitações de recursos e pessoal habilitado, persistia grande parte dos problemas identificados. Outros fatores são a falta de informação e experiência. Pouco se conhece como esta coincidência interagiu em países e setores específicos.

Comentários finais Quanto à gestão das políticas ambientais na região, falta capacidade de planejamento (sistemas de monitoramento e avaliação) e de execução (das políticas de comando e controle, o fazer cumprir a lei). É comum identificar ilhas burocráticas isoladas, menor orçamento e menos poder que outros ministérios ou o setor privado, dificultando ações transversais, com divergências às vezes irreconciliáveis, faltando uma cultura cooperativa entre os níveis federativos (MOURA, 2016: 35-40).

O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) apoia os programas que fortalecem e capacitam as instituições ambientais. Porém, além do conflito entre políticas macroeconômicas e ambientais, os bancos multilaterais não possuem proficiência para o fortalecimento institucional requerido (Margulis 2009).

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Evolução do Papel do Estado

A falta de recursos se deve aos órgãos relativamente novos e opiniões contrárias, frequentemente com dependência de doações externas. Talvez o fator mais importante seja a entrada do neoliberalismo que reduz o papel do Estado, promove a descentralização aos poderes subnacionais e a delegação ao setor privado, reduzindo o papel da regulação com o paradigma da economia verde (WEISS et al., 2017). Como exceção, muitas instituições de financiamento internacional condicionam empréstimos à observação de salvaguarda socioambientais, resistidas por empreendedores e até autoridades.

Quanto ao keynesianismo, não é só a questão dos investimentos do Estado e o aumento da dívida contracíclica que o diferencia. Nós estamos num novo mundo macroeconômico onde não se limita a dois objetivos, o objetivo econômico (PIB) e o social (emprego). Já há um terceiro objetivo detectado a partir das emissões de gases de efeito estufa. Com isso, precisamos considerar novas versões do modelo econômico que não contemple todas as sete políticas enumeradas do keynesianismo ou as sete do neoliberalismo. Se assim fosse, seriam ideologias e não escolas.

O mercado não aloca bem os recursos produtivos, pois deteriora o meio ambiente e esgota os recursos naturais (COUTO, J. M. 2007).

Maskin (2007) argumenta que uma intervenção governamental eficiente pode ser necessária para alcançar um resultado superior às forças do livre-mercado. “Sociedades não devem contar com as forças do mercado para proteger o ambiente ou fornecer um sistema de saúde de qualidade para todos os cidadãos (…). O mercado não funciona muito bem quando se trata de bens públicos”.

Ao contrário, é necessário considerar a validez, política por política.

Não pode ser um modelo que mantenha o crescimento mundial sem danificar o meio ambiente. Poderia ser um eco-keynesianismo que desvia os investimentos públicos e/ou privados para outros setores enquanto universalizasse o emprego, assegurasse direitos humanos e conciliasse trabalho-capital; ou um eco-neoliberalismo que levasse a sério as metas pessoa-planeta-lucro, premiasse adequadamente a redução do uso de energia e materiais, desviasse investimentos para setores ecológicos; mudasse o objetivo social de produtividade para a relação investimento/ emprego; mantivesse o cumprimento dos regulamentos ambientais, direitos trabalhistas e sociais, aprovasse e observasse acordos vinculativos internacionais de mudanças climáticas.

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Joseph S. Weiss

Qual escola pode se adaptar mais rapidamente às exigências ambientais de hoje para atender a ética da economia ecológica? O investir em objetivos “verdes”, socorrer uma economia em recessão e o planeta da destruição? Essas teorias podem ser aplicadas simultaneamente? Ou será necessário trabalhar por uma nova utopia, onde “desenvolvimento” com crescimento econômico não seja o objetivo? Vale a pena acelerar a estratégia da nova ordem econômica internacional de redistribuição de renda entre países, incorporando a questão ambiental, inexistente quando esta estratégia foi proposta (CATO 2013)?

Adrian Parr (2013) é um dos autores que afirmam que mecanismos de mercado sejam insuficientes para evitar a degradação ambiental e a mudança climática. Segundo Liverman e Vilas (2006:327-8): as políticas neoliberais que incluem o comércio livre e menos governo alteraram o gerenciamento ambiental da indústria, florestas, água, terras agrícolas e pesca na América Latina. Examinamos teorias e estudos de caso sobre privatização, precificação de serviços ambientais e recursos de propriedade comum, impactos ambientais do livre comércio e transferência de gestão ambiental para instituições locais ou não governamentais. Concluímos que o neoliberalismo teve influências profundas sobre o meio ambiente e sobre gestão ambiental na América Latina e que a implementação e os impactos das políticas neoliberais em ambientes locais variaram muito por país e por lugar, como resultado de diferentes contextos políticos, institucionais, econômicos, condições ambientais e sociais.

Quais foram os impactos das políticas neoliberais sobre as políticas ambientais? Sugere-se que reduziram a disposição e capacidade regulatória para realizar políticas ambientais de forma efetiva, pela falta de recursos técnicos e financeiros, pelo desvio de objetivos do regulador, pela falta de influência diante das objeções de setores produtivos, pela transferência de responsabilidades a poderes subnacionais menos firmes nas suas posições ambientais; entre outros. Ou seja, o neoliberalismo está reduzindo os efeitos das políticas ambientais.

A exigência de cumprimento de salvaguardas socioambientais em empréstimos de instituições financeiras internacionais, como também os padrões internacionais estabelecidos em acordos multilaterais têm impactos eventualmente positivos, diante da intenção de empresas e indivíduos em não cumprir estes acordos.

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Evolução do Papel do Estado

Há países, como a Costa Rica, e estados, como o Acre, onde o desenho e o cumprimento de políticas ambientais têm tido êxitos importantes, seja na aplicação de regulamentos, seja na influência de mecanismos de mercado.

Provavelmente, a melhor opção seja uma composição de incentivos econômicos e medidas de comando e controle regulatório. Vários economistas concordam que incentivos econômicos, por si só, não serão eficazes para lidar efetivamente com problemas ambientais.

Alguns pesquisadores concluem que há uma necessidade de regulamentação, equilibrada ou não, com incentivos. As etapas de autorregulação da responsabilidade social corporativa não impedem que os produtores fora desses acordos adotem padrões mais baixos e nem podem substituir a regulamentação pública universal (Wapner, 1996: 24).

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CAPÍTULO 2 A SOCIOPOLÍTICA DOS MOVIMENTOS SOCIOAMBIENTAIS1 Joseph S. Weiss

Destaques O contexto sociopolítico dos movimentos socioambientais requer uma compreensão compartida sobre um conjunto de conceitos e termos interrelacionados. São eles:  valores sociais, identidade cultural e cultura política;  conflitos socioambientais;  movimentos sociais e o papel do estado;  fatores de alavancagem de movimentos, enquadramento, estruturas de mobilização e estruturas de oportunidades políticas;  campos e habitus são conceitos de Bourdieu relevantes aos fatores de alavancagem;  justiça ambiental e socioambientalismo (movimentos a favor da equidade social e ambiental);  governabilidade e governança;  ambientalistas e desenvolvimentistas;  desenvolvimento sustentável e economia verde.

Introdução Após conceituar as políticas macroeconômicas relevantes para os movimentos socioambientais no primeiro capítulo, propomos a caracterização, de forma simultânea, das dimensões estruturais culturais, sociológicas e políticas que condicionam os conflitos socioambientais, ou seja, apresentamos uma sociopolítica dos conflitos socioambientais 1

Combinação de textos conceituais anteriores contidos em Weiss e Nascimento (2012 e Weiss (2016).

A Sociopolítica dos Movimentos Socioambientais

analisados, um conjunto de conceitos, os significados, semelhanças, diferenças e narrativas referentes aos termos constantes dos destaques, organizados na Figura 1, que se farão presentes ao longo do livro.

Figura 1. Tipos de atores e processos que influenciam as políticas públicas socioambientais Valores sociais, identidade cultural e cultura política Estes conceitos - valores sociais, identidade cultural e cultura política - relacionam o indivíduo com a sociedade.

Um desafio para conceber e aplicar políticas públicas ambientais é torná-las consistentes com os valores da sociedade. Segundo a economia ecológica, é essencial integrar os valores de equidade, meio ambiente e economia, num processo político repleto de dilemas e disputas éticos.

Soluções requerem cidadãos que enfrentam as difíceis escolhas que lhes confrontam com plena compreensão destes valores e ampla tolerância para os valores de outros em processos participativos (Paehlke, 2000: 95).

Os valores heterogêneos podem se organizar em narrativas e discursos que permitem reunir valores individuais em coletivos.

A identidade cultural está relacionada com a forma como vemos o mundo exterior e como nos posicionamos em relação a ele. É o sentido de pertencer a um determinado grupo social e de ser diferente a outra coletividade. Dentro de um mesmo grupo, aparentemente homogêneo, 72

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existem várias identidades, pois cada um dos seus integrantes se identifica com parte das suas ideias e ideais. Preenche os espaços de mediação entre o mundo “interior” e o mundo “exterior”, entre o mundo pessoal e o mundo público.

A questão da identidade cultural está vinculada à vida política; não é isolada dela; está sempre sujeita a mudanças. Cultura política é definida como o conjunto de orientações subjetivas de determinada população (Almond 1990:144 apud Rennó 1998:71). Incluem conhecimentos, crenças, sentimentos e compromissos com valores políticos e com a realidade política. O seu conteúdo é resultado da socialização na infância, da educação, da exposição aos meios de comunicação, de experiências adultas com o governo e com a sociedade.

Diferenças entre conceitos de valores, identidade cultural e cultura política fundamentam conflitos e a formação de movimentos sociais e alianças entre organizações, ainda, tratado como pertencimento de um indivíduo ou grupo a uma ou outra aliança/cultura.

Conflitos e movimentos socioambientais Propõe-se considerar ideias gerais sobre conflitos, movimentos socioambientais e o papel do estado nestes processos.

Simmel (1995, de seu material de 1890 e 1908) visualizou grupos que reúnem indivíduos que compartem ideias e interesses, ultrapassando grupos anteriores formados em critérios como família e comunidade.

Enxergou os conflitos sociais como inerentes à diversidade da sociedade e necessários para a busca de soluções. Viu a noção de conflito como fundamental para desvendar a luta de poder nas relações entre instituições.

Concebeu estruturas sociais criadas por meio de conflitos oriundos da distribuição desigual e da competição pelo poder entre grupos de diferentes interesses e recursos físicos, financeiros, ideológicos, técnicos e de status (autoridade e carisma).

Para Park e Burgess (1921), os processos sociais básicos de interação entre e dentro de grupos se limitam a fuga/indiferença, conflito ou cooperação. Esses comportamentos emergem da coexistência culturalmente codificada de relações de poder e relações de simpatia/empatia, hoje relacionados com o conceito de cultura institucional.

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A Sociopolítica dos Movimentos Socioambientais

O sistema sociológico de Touraine (1973) foi concebido para levar em conta todos os sistemas e instituições existentes e suas mudanças ao longo do tempo para todos os atores do sistema onde “a conduta é governada por um conjunto de orientações, determinadas pelo modo de ação da sociedade sobre si mesma”. Ele enxerga que:  Há atores que perderam controle sobre seu trabalho e sua vida e se alienaram;  Para recuperá-lo, precisam conscientizar-se das suas ações e libertar-se do poder centralizado e do domínio tecnocrático ao participar do processo decisório;  Inclui “o esforço... de conduzir as orientações culturais da sociedade em oposição à ação de um adversário ligado ao poder (Touraine, 1995: 239)”;  A sociologia é a ciência de ação social, que pode ajudar os atores a superarem sua alienação, resultante da divisão de trabalho e da falta de controle sobre sua vida;  Podem resistir à manipulação não individualmente, mas comungam de uma identidade coletiva para defender-se como comunidade.

Bourdieu (1977) analisa a realidade social de forma diferente de Marx. Identifica várias instâncias da sociedade, autônomas e interdependentes, com relações de concorrência e poder. Ele concebeu uma teoria de estratégia e ação dos agentes sociais onde os mecanismos sociais são centrais, contrariando as escolas onde predominam o raciocínio econômico nos critérios individuais e coletivos da ação social. Para ele, os atores se socializam em campos, esferas autônomas de vida social, incluindo sistemas hierárquicos e de dominação, com instituições particulares. São aspectos internos que consistem num conjunto de papéis e relações sociais baseadas em crenças e valores profundos e inconscientes.

Os campos conduzem a habitus, aspectos externos como compreensão, percepção, estruturas externas de relações, crenças e expectativas da sua convivência, que perpetuam a reprodução social, informam os pensamentos e as ações e geram e regulam práticas da vida social dos atores nesses campos e sua relação com outros atores diferenciados.

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Sears (2008) articula uma abordagem da teoria de conflitos, aplicável de acordo com a realidade de cada país, que apresentamos de forma resumida: Em todas as sociedades existem desigualdades que produzem conflitos, como agentes de mudança, os desfavorecidos têm interesses estruturais contrários ao status quo; Condições de exploração e opressão suprimem o potencial e a criatividade humana, vetores de mudança; o conflito visa alcançar o potencial humano e transformar a sociedade ou manter a estrutura de poder;  O consenso pode manter a ordem social ou impor concepções dos mais poderosos na sociedade;  Com frequência, o Estado serve aos interesses dos mais poderosos enquanto alega representar os interesses de todos;  O sistema global beneficia os países mais poderosos e as empresas multinacionais por meio de medidas econômicas, políticas e militares.

Assim, formam-se movimentos sociais. O momento histórico enfatiza a formação de novos movimentos sociais de redes complexas, multissetoriais e interconectadas, mostrando que não mais seriam apenas as classes sociais que definem o sistema econômico e político, mas os novos movimentos sociais, com suas formas peculiares de produção, de relações sociais, de conflito e conscientização (Touraine 1989).

Fatores de alavancagem dos movimentos sociais Há algum tempo, Tarrow (1998), Klandermans (1997), Porta e Diani (2006), citados em Weiss (2016), têm definido três constructos de movimentos sociais: o enquadramento (framing), as estruturas de oportunidades políticas e estruturas de mobilização (Figura 2), recentemente integrados no termo “fatores de alavancagem” dos movimentos sociais. Para cada um desses constructos, apresenta-se uma visão geral da realidade e uma breve citação de fontes conceituais consideradas aplicáveis.

Framing (Enquadramento) é uma teoria de comunicação, aplicada a movimentos sociais por Goffman (1974, 1986: 1-11), que o definiu como o processo pelo qual uma situação é concebida de acordo com os princípios da organização social. Esse conceito, relativo à ação, se articula diretamente 75

A Sociopolítica dos Movimentos Socioambientais

com o de habitus de Bourdieu e pode ser substituid0 pela ideia simplificada de narrativa.

Snow et al. (1986) o definem como esforços estratégicos conscientes feitos por grupos para formular compreensões compartidas do mundo e de si mesmos, que legitimam e motivam a ação coletiva, sintetizada por McAdam et al. (1996: 5) como sendo a liberação cognitiva de um movimento. Segundo Tarrow (1998:17), apud Klandermans (1997: 44), “é um processo no qual os atores sociais, a mídia e a sociedade interpretam, definem e redefinem a conjuntura”. Propõe-se interpretar framing como sendo os processos de formulação da lógica da realidade e da ação dos movimentos sociais.

Snow et al. (1986) definem compatibilização ou alinhamento de visões (frame alignment) como “a ligação de orientações interpretativas de organizações de movimentos sociais e individuais, até que um subconjunto de interesses, valores, crenças individuais e atividades, metas e ideologias das organizações dos movimentos sociais sejam congruentes e complementares”. Os relatos se tornam metáforas poderosas pelas quais ativistas podem esperar influenciar políticas públicas (Keck, 1995: 421-22).

Figura 2 Campos, habitus e fatores de alavancagem dos movi-mentos sociais Fontes: Bourdieu (1977), Tarrow (1998), Klandermans (1997), Porta e Diani (2006), Goffman (1974), Snow et al (1986).

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Um exemplo socioambiental brasileiro de enquadramento são as concepções bem estruturadas (frames), porém divergentes quanto à disponibilidade de terra agrícola. Para o ambientalista, não há necessidade da sua expansão, pois as já ocupadas podem ser mais bem aproveitadas, enquanto para o “ruralista”, carece de terras novas para atender aos mercados internacionais. Opiniões entrincheiradas sobre esta questão geralmente identifica o alinhamento do interlocutor.

Adota-se aqui a definição de estrutura das oportunidades políticas (EOP) de McAdam et al. (1996: 29), qual seja “mudanças na estrutura legal ou institucional que oferecem acesso político formal a grupos desafiantes, podendo colocar em movimento ações por reformas mais estreitas ou institucionalizadas”. Segundo Porta e Diani (2006: 222), têm sido discutidas as características e efeitos de quatro componentes de EOP: as instituições políticas; as culturas políticas; a estrutura e o comportamento de iniciativas adversárias aos movimentos sociais; e a estrutura e o comportamento dos seus aliados. Na sua discussão sobre as oportunidades políticas dos movimentos sociais, Porta e Diani (2006: 206-7) consideram que os movimentos sociais são permeados pela cultura política dos sistemas nos quais foram criados. As estratégias adotadas pelos atores coletivos são influenciadas pelo espírito do período – o zeitgeist, mutável e flexível.

Enquanto estratégias de acomodação e inclusão possam favorecer o acesso do movimento social ao sistema, darão as mesmas oportunidades aos opositores (Porta e Diani, 2006: 208). “Movimentos contrários surgem em reação aos êxitos obtidos pelos movimentos sociais e ambos crescem numa dependência simbiótica... onde os dois lados raramente se encontram [face to face]... Os dois tendem a se imitar ao adotar táticas e espaços específicos (Porta e Diani, 2006: 211).”

Assim, é essencial considerar as características e as interações entre o Estado, os movimentos opositores e outros atores coletivos na definição da estrutura de oportunidades políticas.

O processo neoliberal de reforma estrutural imposta pelos organismos financeiros internacionais aos países subdesenvolvidos trouxe o enfraquecimento do Estado, que adotou políticas públicas setoriais desarticuladas, sem levar em conta a especificidade natural ou social.

Posteriormente, a política latino-americana evoluiu com alguns governos mais progressistas e a substituição de elites. No marco dos 77

A Sociopolítica dos Movimentos Socioambientais

poderes executivos, durante o período estudado, ocorreram lutas internas entre posições favoráveis e contrárias às questões ambientais.

No âmbito legislativo, as classes conservadoras, mais resistentes às questões ambientais, estiveram bem representadas ou até dominantes.

Muitos poderes judiciários, relativamente desatualizados quanto às leis de direitos humanos e ambientais, representando mais a sociedade tradicional, aplicaram processos lentos e desfavoráveis. Os programas de mitigação de impactos socioambientais, aprovados pelas autoridades ambientais, frequentemente não são plenamente executados.

Mais recentemente, na região, ocorre um processo de recrudescimento do nacionalismo e uma redução das posições do executivo favoráveis ao tema social e ambiental.

No setor privado, muitos grupos, no contexto de abertura e liberalização econômica, obtiveram recursos e apoios públicos, privatizando bens comuns e socializando externalidades negativas, fugindo das suas obrigações socioambientais. Sem dúvida, muitas empresas estão executando programas que beneficiam os pobres e protegem o meio ambiente, enquanto outras se concentraram cada vez mais na sua imagem de responsabilidade socioambiental, mas não enxergam o lado positivo de ações de resistência comunitária (Anguelovski, 2007). As associações empresariais nacionais são importantes pela sua capacidade de efetuar acordos com atores públicos e sociais e desse modo, reduzir os impactos das atividades de seus associados. Por outro lado, as empresas com atuação local podem fazer parte de hierarquias locais, tradicionais ou modernas, abertas ou não a propostas novas, dispostas ou não ao diálogo ou a atos violentos.

As estruturas de mobilização estão relacionadas com o conceito de repertório contencioso - o conjunto de formas de agir e de pensar disponíveis em uma dada sociedade, em um dado momento histórico ou as estratégias de ações dos movimentos. Dadas as oportunidades políticas e as interpretações da conjuntura (framing), quais são as estruturas pelas quais os movimentos sociais se capacitam para a mobilização? Com o objetivo de compreender a sua evolução, qual é a dinâmica organizacional dos movimentos sociais? Quais são os veículos coletivos, informais e formais, por meio dos quais as pessoas se mobilizam e participam da ação coletiva?

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McAdam et al. (1996: 13-15) identificam três elementos das estruturas de mobilização que favorecem o êxito dos movimentos sociais: táticas de ruptura institucional (disruptive tactics) para sair de empates estagnados (stalemates), manifestações de grupos radicais cujas ações reforçam o apoio às propostas dos moderados e, finalmente, objetivos simples que não tiram tanto dos adversários (Gamson, 1990, 41-46).

Segundo Tarrow (1998), a ruptura institucional ou a sua ameaça dá aos movimentos sua efetividade como veículos de mudança social. Essas e outras estratégias compõem o repertório contencioso de um movimento.

O Papel do Estado nos conflitos socioambientais Uma importante constatação de Ostrom (1990) foi de que políticas nacionais favoráveis sejam um dos poucos ingredientes recorrentes e necessários para o êxito de iniciativas comunitárias locais. Portanto, uma pressão social adequada se faz necessária para que haja êxito na realização de políticas apropriadas.

Os movimentos sociais atuam num campo multi-organizacional, interagindo com uma variedade de outros atores. Na administração pública, no sistema partidário, nos grupos de interesse e na sociedade civil encontram tanto aliados como opositores (Porta e Diani 2006: 210).

Ao resumir o debate histórico sobre o papel das características institucionais do Estado no desempenho dos movimentos sociais, a mais relevante conclusão de Porta e Diani é que: O Estado não pode ser identificado meramente como um inimigo dos movimentos sociais. Melhor, o Estado se torna “alvo, patrocinador e antagonista dos movimentos sociais como também o organizador do sistema político e o árbitro da vitória” (Porta e Diani, 2006 apud Jenkins e Klandermans, 1955: 3). Muitas das agências públicas se tornam arenas para transações entre diferentes atores coletivos, entre eles os movimentos sociais (Porta e Diani, 2006: 211).

Isto faz parte da linha de pesquisa da teoria do movimento social que busca explicar por que e como ocorre a mobilização social e de como grupos marginalizados podem acessar fontes alternativas de poder, mobilizar recursos e criar redes com base em identidades compartidas a caminho da transformação social (Temper et al. 2015: 261, Porta e Diani 2006, Rucht 1991 e Tarrow 1998).

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Socioambientalismo e justiça ambiental Os movimentos sociais tendem a se originar de várias causas ou lutas. No meio rural, a principal é a disputa pela propriedade, uso e acesso à terra, água e/ou recursos naturais. Como consequências das referidas lutas, assassinatos das lideranças são frequentes (Maryknoll, 2017). Outra, geralmente associada à primeira, é a defesa da sua identidade social.

O movimento trabalhista interage com os de direitos humanos, gênero, ambiental e de saúde pública, reconhecendo as injustiças na economia mundial. Igualmente importante é a exploração da mão de obra, seja trabalho escravo ou análogo a escravo (especialmente na agropecuária, com forte endividamento e limitação a ir e vir), seja sob outras formas contrárias à lei trabalhista. Aqui se usam os termos socioambientalismo e justiça ambiental de forma alternada, como sinônimos.

Socioambientalismo É através da combinação de lutas sociais e ambientais que se chega ao movimento socioambiental. A luta socioambiental tem, além de uma ou outra destas causas, as consequências de abusos ambientais, como a sobre-exploração da terra, da água ou de produtos extrativos.

Os povos indígenas e tradicionais continuawm chamando atenção para esses direitos constitucionais, pouco respeitados. Em defesa da floresta e contra as ameaças de grandes obras, lutam pelo uso e conservação dos recursos naturais que protegem o planeta e o respeito por suas culturas seculares.

Os movimentos sem-terra lutam pelos seus direitos segundo a lei de reforma agrária e contra a concentração da propriedade. Resistem nas suas terras àqueles ruralistas que as cobiçam. Igualmente, os quilombolas, com suas terras centenárias, e produtores familiares, também com terras cobiçadas. Assim como se organizaram os atingidos pelo rompimento das barragens, que não são realocados nem compensados pelas suas terras de forma adequada.

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Outras lutas reforçaram a ideia de coletividade. A questão de gênero começou com os direitos da mulher. Essa luta foi um dos fatores que abriram caminho à disputa pela igualdade, pelos direitos à identidade, preferência de gênero e de pessoas com deficiência. O movimento afrodescendente contra a discriminação racial e a exploração econômica chegou a executar ações fortes que resultaram em muitos êxitos. Também, há lutas contra a escravidão e a exploração no trabalho rural, na construção civil e na confecção.

Há movimentos urbanos e rurais similares que lutam pela qualidade e disponibilidade da água, pelos serviços de saneamento, mobilidade e saúde pública, pela proteção das áreas de proteção ambiental e outros que melhorem as condições de vida e reduzam os riscos ambientais.

Movimentos de trabalhadores independentes, inseridos em economias latino-americanas com excedentes de mão de obra, ainda lutam pelos direitos e proteções básicas dos trabalhadores. Entre essas lutas está um reconhecimento crescente de locais de trabalho desumanos onde a exposição a condições tóxicas tenha um preço inaceitável para trabalhar (Carruthers, 2008:12). Lutam contra essa realidade os movimentos sindicais, de bairro e dos sem-teto, etc.

As comunidades específicas mencionadas apreenderam ou estão apreendendo a lutar contra adversários específicos e através das ações do Estado. Podemos dizer que essas lutas foram engrossando no final do século XX. Cada movimento se organiza e enfrenta os adversários de forma diferenciada. Em muitos casos foram reconhecidos alguns dos seus direitos. Com leis e regulamentos em vigor, podem reivindicar sua aplicação, geralmente sem sucesso, mas às vezes bem sucedidos.

Avançaram muito, mas hoje estão ameaçados de fortes retrocessos.

Justiça ambiental “O conceito de justiça ambiental incorpora o princípio do ‘direito’ de todas as pessoas de se proteger da degradação ambiental” (Bullard e Johnson 2000). A concepção de justiça ambiental, inicialmente desenvolvida por movimentos afro-americanos, tem como foco central a distribuição equitativa de riscos, custos e benefícios ambientais, independentemente de etnia, renda, posição social e poder, o que 81

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requer processos decisórios democráticos, que inclui o empoderamento, organização e informação de grupos fragilizados e da sociedade em geral, para que tenham acesso justo aos recursos naturais e que não arquem com uma parcela desproporcional dos custos ambientais, evitando a exclusão ambiental.

Os temas recorrentes dos direitos e da justiça, tanto nacionais como internacionais, apontam para uma nova concepção do ambientalismo que ganha força no mundo. Em vez de um movimento para simplesmente proteger o meio ambiente, estamos testemunhando o crescimento de movimentos para proteger pessoas ao defender seus direitos a ambientes saudáveis e sobrevivências sustentáveis com base no acesso a bens naturais. Ao rejeitar a dicotomia falsa entre o bem-estar da natureza e da pobreza mundial, lutas por justiça ambiental revigoram a busca global por um futuro sustentável (Harper e Rajan, 2007).

Em todo o mundo, movimentos sociais vibrantes emergem ligando questões sobre acesso a recursos, seguridade social, riscos ambientais e vulnerabilidade a desastres. Aumenta o engajamento de comunidades urbanas e rurais de baixa renda, organizando-se para a luta contra a injustiça ambiental.

Martinez-Alier e sua equipe, líderes do movimento mundial de justiça ambiental, por meio dos projetos EJOLT e Environmental justice, documentam, analisam e apoiam as organizações locais de justiça ambiental (EJOs) nos seus conflitos locais contra injustiças ambientais e sociais. Lutam sobre a extração de recursos, processamento ou disposição de resíduos, que aumentam na medida em que a economia mundial usa mais materiais e energia.

As origens da injustiça ambiental foram classificadas em 10 grupos de setores: nuclear, mineração, gestão de resíduos, biomassa e terra, combustíveis, água, infraestrutura e construções, turismo, conservação da biodiversidade, conflitos industriais e de serviços público (Temper et al., 2015, Martinez-Alier, 2002, Leff, 2001). Ampliam o conceito de justiça ambiental para considerar direitos culturais, conhecimento indígena, recursos genéticos e cidadania. Weiss e Nascimento (2013) revisaram as pressões da sociedade civil para aprovar e implementar políticas que protejam seus povos e seus recursos naturais dessas injustiças.

Enquanto todos sofrem os efeitos da poluição; aquecimento global e exploração de recursos, os pobres, incluindo mulheres e indígenas, são 82

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especialmente vulneráveis aos impactos ambientais por dependerem dos recursos naturais para sua sobrevivência e viverem mais perto da margem de subsistência e da degradação ambiental. Carregam o fardo dos custos relacionados, com frequência sem poder para resistir ao deslocamento, expulsão ou exposição a riscos de saúde.

Focam na necessidade de segurança ambiental e na defesa dos direitos humanos básicos com o objetivo de reparar e compensar por danos ambientais injustos, integrado com as lutas locais, o ativismo transnacional captou a atenção do mundo com os protestos de rua em Seattle na conferência de ministros da Organização Mundial do Comércio -OMC, em 1999. Desde então, um movimento mais amplo por justiça global exige perdoar dívidas e reformar regras de comércio e finanças, continuando em encontros posteriores. Sob essa perspectiva, projetam-se argumentos coerentes sobre as injustiças econômicas mundiais, incluindo as ambientais (Carruthers 2008:12).

Movimentos na América Latina Movimentos de justiça ambiental na América Latina têm sido chamados de socioambientalismo, ligando os movimentos ambientais e sociais a uma agenda comum (Hochstetler e Keck 2007). Ambas as denominações juntam lutas comuns pelos direitos humanos e ambientais, numa busca global para o Bem Viver e um futuro sustentável para os excluídos.

“O socioambientalismo nasceu (...) baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais, [detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental] e promovessem uma repartição socialmente justa e equitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais (Santilli 2004:12)”. Era um novo paradigma de desenvolvimento, com sustentabilidade ambiental e social e ampla participação social.

Boaventura de Sousa Santos o considera um paradigma ecosocialista em contraposição ao capital-expansionista. Chico Mendes disse que “Tínhamos de mostrar aos aliados que os milhares de pessoas que viviam da floresta – seringueiros, ribeirinhos, índios – estavam intimamente ligados ao seu processo de preservação e não poderiam ser excluídos das discussões e soluções (Allegretti, 2002)”.

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Ocorre um mosaico variado de lutas populares em toda a América Latina, com um molde claramente ambiental (Carruthers 2008:9).

Ambientalismo na América Latina costuma começar com um componente mais forte de injustiça social, com movimentos sociais em busca de uma voz política, essencial à experiência latino-americana.

Além do seu pilar de desigualdade econômica, o socioambientalismo se preocupa com a desigualdade processual, fomentando esforços por maior participação política e mais cidadania autêntica (Schlosberg 2004).

Reclamações ambientais se tornam mais legítimos quando representantes das comunidades afetadas demonstram exclusão deliberada das decisões políticas sobre ameaças ambientais (Carruthers 2008:7-8).

Organizações atuam em rede, exigindo participação e voz nas decisões políticas que afetam suas vidas. As comunidades nativas se mobilizam em toda a região para combater as forças que ameaçam suas culturas de fragmentação, deslocamento e desintegração. São lutas inseparáveis por reconhecimento, autonomia, suas exigências ambientais e de território. Áreas contaminadas por petroleiras são meros exemplos de injustiças ambientais.

Compartem também desses movimentos os camponeses. A problemática de identidade, paisagens desflorestadas, bacias hídricas poluídas, agrotóxicos e terra, crédito e preços. O ativismo dos direitos humanos incorpora cada vez mais direitos ambientais. A teologia da libertação tem sido uma força poderosa na luta pela justiça social (Martinez-Alier 2002) Há uma forte tradição na América Latina de ativismo acadêmico, engendrando gerações de intelectuais orgânicos com um pé na academia e outro na comunidade ativista. Lideram, apoiam ou fornecem conhecimento técnico a dezenas de milhares de ONGs (Carruthers, 2008:10) que hoje estão em cena para lidar com quase toda dimensão do socioambientalismo.

O socioambientalismo brasileiro O socioambientalismo nasceu no Brasil junto com a aliança dos povos da floresta - índios e seringueiros, “vivendo principalmente do extrativismo, sob ameaça da ocupação desordenada [de invasores], surgiram como atores políticos nacionais, liderados por Chico Mendes que 84

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ganhou ampla visibilidade pública, peso político e social. Chico conquistou o amplo apoio da mídia nacional e internacional”, e a rápida aceitação em organismos internacionais... “Junto com os ambientalistas, passaram a defender seu modo de vida como alternativa ao impacto ambiental devastador dos projetos desenvolvimentistas. (Santilli 2004:13)”. Cunha e Almeida (2001:3) destacam que: “Em vez de “pobres” genéricos, os povos tradicionais e indígenas passaram a surgir no discurso público como partes legitimamente interessadas nas políticas de desenvolvimento e de conservação”.

Assim, o movimento socioambiental passou a ter as condições de participar da formulação de políticas por meio da governança.

Governabilidade e governança Discutem-se, aqui, os conceitos de governabilidade e governança, com ênfase no papel da sociedade civil e do setor produtivo, apresentandose uma comparação entre esses conceitos e a relação entre eles.

WEISS e NASCIMENTO (2007:11, 32 apud Matus 1987) definem a governabilidade a partir das relações entre três componentes que formam o “triângulo de governo (Figura 3)”: problemas, capacidade para enfrentálos e ações/projetos.

Figura 3 Conceito de governabilidade segundo o planejamento estratégico situacional. Fonte: elaboração do autor a partir de Matus (1987).

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Fica claro que a governabilidade não se restringe a um problema de gestão nem a um problema de governo. É mais uma combinação das interações entre sociedade, governo e mercado que determinam o grau de governabilidade, junto com instrumentos tais como: canais estabelecidos, legítimos e eficientes, e a mobilização e envolvimento da comunidade na elaboração e execução de políticas (Figura 4).

Figura 4. Fatores da Qualidade de Políticas Fonte: Fontaine et al.

(2007) A governabilidade depende do equilíbrio dinâmico entre as demandas da sociedade e a capacidade do sistema institucional público e privado de processá-las de forma legítima e eficaz. É condicionada, ainda, por valores da sociedade e pela capacidade de pressão desta sobre o governo, tal como explicitado na Figura 5:

Figura 5. Equilíbrio Dinâmico da Governabilidade Fontes: Diniz (1996), Camou (2002 apud Fontaine et al., 2007) e Câmara (2011).

Busca-se equilíbrio entre a eficiência dos mecanismos da gestão burocrática e a participação de setores da sociedade interessados na sustentabilidade do desenvolvimento (Fontaine et al., 2007:17). O grau de intensidade do conflito social depende da medida em que esse equilíbrio não seja alcançado, podendo chegar até às mudanças na relação governosociedade (Camou, 2001:36 apud Fontaine et al. 2007:12).

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A União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN) concebe governança como a soma das diversas formas com as quais pessoas e instituições, públicas e privadas, gerenciam seus assuntos em comum. É um processo continuado por meio do qual podem se acomodar interesses conflitantes ou diversos, assim como ações de cooperação.

Incluem instituições formais com o poder de fazer cumprir a lei, como também arranjos informais entre pessoas e instituições em função dos seus interesses comuns (Weiss e Nascimento, 2007 apud Comissão de Governança Global, 1995). O nível de articulação e compromisso e a capacidade de prosseguir dependem dos atores envolvidos e dos processos de decisão (Fontaine et al., 2007 apud Scanlon e Burhenne-Guilmin, 2004:2).

Diniz distingue a governança da governabilidade ao definir que: “(...) governabilidade é entendida como sendo as condições sistêmicas mais gerais sob as quais se dá o exercício do poder em uma dada sociedade, tais como a forma de governo, as relações entre os poderes, os sistemas partidários, entre outros. Governança é a capacidade governativa em sentido mais amplo, envolvendo a capacidade da ação estatal na implantação das políticas e na consecução das metas coletivas, incluindo o conjunto dos mecanismos e procedimentos para lidar com a dimensão participativa e plural da sociedade.” (Diniz, 1996: 12-13).

Deste modo, a governabilidade diz respeito às condições estruturais e legais de determinado governo para promover as transformações necessárias. Já a governança está relacionada à capacidade de transformar o ato governamental em ação pública, articulando as ações do governo e envolvendo conceitos como participação, parceria, aprendizagem coletiva, regulação e melhores práticas (Câmara, 2011).

As estruturas atuais de governança não se adéquam à natureza interescalar e transetorial dos problemas ambientais, sendo necessários arranjos colaborativos de um conjunto de atores diversificados e interconectados.

O Quadro 1 organiza esses conceitos e identifica como eles podem se relacionar. Portanto, a governança é exercida pela sociedade através das 87

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organizações da sociedade civil e do setor privado que, no que concernem às políticas socioambientais, por meio de um conjunto de mecanismos e processos.

Quadro 1. Governabilidade e Governança: Estado e Sociedade.

Elaborado pelo autor a partir das fontes da Figura 4.

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Movimento Socioambientalista e Aliança Desenvolvimentista Concebe-se uma tipologia de atores, simplificada, formada por três esferas (Figura 6): Nos últimos trinta anos, duas alianças antagônicas brasileiras, heterogêneas e transitórias, vêm crescendo3.Fazem parte das duas alianças, três espaços clássicos da sociedade: o Estado, o setor privado e a sociedade civil.

Figura 6. Tipologia Simplificada dos Principais Atores O movimento socioambientalista é contra-hegemônico. Defende povos marginalizados, a floresta e os recursos naturais em geral. Tem consistido em movimentos de base, redes e ONGs ambientais, cientistas, acadêmicos e jornalistas que defendem a floresta e a sustentabilidade.

Os movimentos de base incluem os povos indígenas e tradicionais (extrativistas, ribeirinhos, quilombolas, etc.) e o movimento dos atingidos por barragens (MAB). Chegou a formar uma aliança de grande espectro.

Em determinados períodos, estiveram entre seus aliados eventuais, agricultores familiares, movimentos sem-terra, sindicatos e trabalhadores rurais e urbanos; igrejas, doadores internacionais, movimentos e ONGs sociais e alguns grupos empresariais. Recebia, também, apoio da classe média urbana.

O movimento desenvolvimentista consiste em grande parte do setor privado, dos protagonistas do desenvolvimento, com reduzida preocupação com assuntos sociais e ambientais. Fazem parte desse grupo grandes proprietários, agronegócio, empreiteiras e outros grupos 3

Diferente de outros autores, o autor deste capítulo considera que, apesar do movimento social ser concebido para atores subordinados na sociedade, os conceitos de movimentos, também, podem ser adaptados aos atores dominantes, sendo que a alavancagem corresponda mais a lobbying.

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de negócios, nacionalistas (incluindo os das áreas política e militar), da grande mídia e especialistas em políticas públicas. Em outros momentos, alguns dos aliados eventuais, citados como socioambientalistas, se aliaram com os desenvolvimentistas.

O executivo federal,4 quando formado por um governo de coalizão, pode ser concebido do ponto de vista da política socioambiental como sendo composto de três áreas, variando sua influência e composição: Duas áreas defendem e até coordenam as posições dos respectivos movimentos: A área socioambiental, nem sempre unida, prioriza esses objetivos.

Vinha consistindo dos ministérios de meio ambiente, desenvolvimento agrário e desenvolvimento social, com suas agências, a secretaria de direitos humanos, a Fundação Nacional do Índio, com partes do Ministério Público, das agências de controle e polícia.

A área desenvolvimentista, mais coesa e com a maior parte do executivo, busca o incentivo à produção e defende o setor privado. Normalmente inclui os ministérios de coordenação (planejamento, fazenda, relações exteriores e defesa) e setoriais (infraestrutura, agricultura, desenvolvimento industrial e comercial).

Uma área central, que arbitra entre as duas primeiras, busca o consenso e, na sua falta, toma posições intermediárias. Fazem parte da área central, a Casa Civil e outros assessores presidenciais.

As relações entre as alianças e as áreas do executivo poderiam ser por meio de captura, cooptação, por meio de recursos financeiros ou de conhecimento e informação. Houve momentos em que a influência das áreas estava quase equilibrada, com a área central tomando decisões intermediárias ou até favoráveis à socioambiental. Há outros períodos nos quais uma área domina quase que completamente, como na atualidade.

Quando não há divergência no governo quanto aos aspectos socioambientais, pode inexistir esta subdivisão em três áreas.

No início desse período, o movimento ambientalista se fortaleceu na defesa da maior proteção aos recursos naturais, como base para a sustentabilidade ambiental. Enquanto isso avançou, mesmo de forma limitada cresceu a capacidade do Estado de realizar políticas ambientais, tanto de

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O poder legislativo e outros políticos são considerados como fazendo parte da aliança com a qual estejam ligados ou que representam. Mesmo relevantes, não se trata aqui do judiciário e de aspectos de classe e gênero.

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comando e controle como de apoio à conservação e ao desenvolvimento sustentável.

Houve momentos nos quais elementos das relações entre o movimento ambientalista, o Estado e a sociedade favoreciam políticas ambientais efetivas, apesar das limitações institucionais para sua consistência com a realidade substantiva. Na atualidade, apesar de algumas indicações de aumento da capacidade de fiscalização do Estado no enfrentamento das suas limitações e uma aparente maioria da população contrária ao desmatamento, há fatores que limitam as condições para aprovar e realizar essas políticas.

No mesmo período, a aliança do agronegócio se fortaleceu com a modernização da agricultura, a incorporação de áreas ligadas à agricultura e pecuária e a ocupação de terras novas com a construção de “vias de penetração”. Mesmo reconhecendo que alguns setores e empresas vêm adotando práticas cada vez mais sustentáveis, persiste a visão, aparentemente majoritária no âmbito político e empresarial, de que o meio ambiente seja um freio ao desenvolvimento. Entretanto, podemos concluir que, se o meio ambiente fosse freio, como corolário, seria impossível alcançar um desenvolvimento ambientalmente sustentável, fato que já se concretiza em vários países.

Em muitos países, a influência internacional nas políticas ambientais chega a ser quase total. No Brasil, os doadores internacionais, bilaterais e multilaterais tiveram um papel proporcionalmente menor. As organizações empresariais verdes são importantes na orientação das políticas ambientais multilaterais, como o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (CEMDS ou WBCSD), criada em 1992 por cerca de 200 empresas multinacionais, com influência na ONU por meio do Global Compact (Weiss et al. 2018).

Estas alianças se relacionam com duas visões divergentes sobre políticas ambientais: desenvolvimento sustentável e economia verde.

Desenvolvimento sustentável e economia verde Entendo que esses termos sejam bem diferentes enquanto outros os veem como sinônimos ou ideias similares. Vejamos.

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Desenvolvimento sustentável A Comissão Brundtland definiu desenvolvimento sustentável (DS) como “desenvolvimento que atende as necessidades e aspirações do presente sem comprometer a capacidade para atender aquelas do futuro” (Comissão Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - WCED, 1987:40), que passou a ser considerada a definição “oficial”. Mesmo que seja um conceito fraco com interpretações variadas, foi o conceito chave aplicado no Rio, em 1992, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD). Ainda tem apoio político importante, combinando crescimento econômico, justiça social e proteção ambiental.

O termo surgiu da necessidade de reconciliar a proteção ambiental com o crescimento econômico. Havia ampla oposição à proteção ambiental devido à presunção de que limitaria o crescimento econômico. O conceito de desenvolvimento sustentável buscou superar essa visão, com a ideia de que crescimento econômico pudesse ocorrer sem danos ambientais.

O desenvolvimento sustentável também:  busca reduzir a pobreza e conservar recursos naturais, mesmo sendo consumidos no processo de melhorar a qualidade de vida dos países em desenvolvimento;  faz parte de um processo que celebra a diversidade e amplia a participação pública;  requer acesso igualitário aos recursos naturais, bem como aos processos políticos transparentes (Egelston 2007, Sawyer 2011).

Nosso Futuro Comum (Comissão de Governança Global, 1995) pedia a conservação do desenvolvimento, não a conservação total do meio ambiente. Assim, aceitava alguma degradação ambiental, se fosse para atender as necessidades legítimas dos pobres do mundo. Interpretase que não seriam aceitáveis duas áreas de degradação ambiental como consequência de ações de desenvolvimento sustentável: mudanças climáticas e a perda de biodiversidade.

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Desenvolvimento sustentável continua sendo um termo com diferentes significados que se traduzem em políticas públicas diferentes que apoiam ou são contrárias ao crescimento econômico sem limites. Mas não é somente um termo idealista. É melhor reconhecê-lo como um conjunto de propostas com importante apoio político, especialmente em países da Europa e nos países em desenvolvimento (Lafferty e Meadowcroft, 2000).

Nosso Futuro Comum gerou muita crítica no Sul, com a preocupação de que desenvolvimento sustentável fosse somente mais uma nova retórica para distrair a atenção dos países dos seus problemas ou até uma tentativa deliberada para subverter o controle nacional, desperdiçando recursos para projetos de desenvolvimento falidos. O conceito é rejeitado por economistas ecológicos que defendem o decrescimento, pelo menos nos países mais ricos, para lidar com os desafios planetários (veja capítulo 1).

Economia Verde O conceito de economia verde (EV) dá ênfase ao crescimento, tecnologia e inovação, promovendo a efetividade de ações privadas voluntárias. De acordo com o International Institute for Environment and Development -IIED, enquanto políticas de EV buscam objetivos ecológicos, com frequência, desconsideram questões sociais e de pobreza (Benson et al. 2014). É interpretado por alguns como uma forma de substituir o termo desenvolvimento sustentável, mais abrangente.

“A abordagem de economia verde busca, em princípio, unir sob uma única faixa um conjunto completo de políticas econômicas e modos de análise econômica relevantes para desenvolvimento sustentável (Secretário Geral da ONU 2010:15).” Será que isso significa que sejam desconsideradas outras políticas (como regulamentos) não contempladas sob essa denominação?

Quando se examinam exemplos setoriais de economia verde, sempre surgem recomendações que reflitam diretamente em investimentos de setores verdes privados, junto com sugestões de políticas públicas de apoio ao empresariado. Em termos setoriais, certamente significa mais e melhor investimento em energia renovável, transporte limpo, agricultura de baixo carbono e/ou orgânica, gestão de recursos hídricos e de resíduos. Como resultado macro, o Sul quer uma economia intensiva de mão de obra com baixa intensidade de energia e materiais, com objetivo diferente do PIB convencional.

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“Até agora, o apelo por um marco regulatório adequado parece ser cego diante das relações de poder dominante (Brand 2012:28)”. Isso nos leva a concluir que o termo economia verde está intimamente relacionado com o papel do Estado e suas duas tendências: a regulamentarista e a liberal.

A economia verde pode trazer a inovação capital-intensiva, inapropriada e injusta que pode aumentar as disparidades de renda e resultar em conflitos socioambientais. Há também a inovação tecnológica que diminui o impacto ambiental e aumenta a eficiência ecológica, incluindo “tecnologias sociais”, soluções criativas de baixo custo, voltadas para populações de baixa renda, reduzindo a pobreza (ECOECO et al. 2017).

Segundo Khor (2011), delegações de países em desenvolvimento têm se preocupado de que o conceito de economia verde possa ser tirado do contexto de desenvolvimento sustentável. Se o conceito de economia verde ganhar proeminência sobre o de desenvolvimento sustentável, pode haver uma perda da abordagem holística do desenvolvimento sustentável, perdendo o equilíbrio entre os três pilares.

A economia verde traz riscos de que sua promoção conduza a resultados negativos a serem evitados. Entre esses riscos, seria o uso do conceito de economia verde de forma unidimensional, promovendo-o como puramente ambiental, sem considerar as dimensões de equidade e desenvolvimento integral do desenvolvimento sustentável; e mesmo a dimensão internacional e seus efeitos negativos em países em desenvolvimento.

Outro risco seria a diminuição do papel do governo. O governo tem papéis importantes em políticas públicas, como a regulação, a política de preços, impostos e subsídios para limitar a poluição, emissões e controles da sobre-exploração de recursos naturais, como também a formação de preços que melhor reflitam valores ambientais, enquanto proteja o acesso dos pobres aos bens e serviços essenciais.

Além dessas funções de regulação, o Estado tem um papel importante na formulação de políticas estratégicas que reorientam vários setores econômicos e sociais ao caminho do desenvolvimento sustentável.

Isso é especialmente verdadeiro em países em desenvolvimento onde o Estado tem tido um papel tradicional importante no desenvolvimento e agora no desenvolvimento sustentável.

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Os mercados e as empresas sozinhos não têm sido capazes de tomar o caminho do desenvolvimento sustentável. Muito da poluição, extração e depleção de recursos no mundo tem sido resultado das atividades do setor privado, especialmente das grandes empresas.

A economia verde não deve esquecer a questão de regulação de mercados e empresas. Enquanto o setor privado tem um papel importante a desempenhar na transição ao desenvolvimento sustentável, deveriam operar dentro do marco regulatório e de políticas públicas.

Mecanismos regulatórios tais como limites ao desmatamento e degradação florestal, uso dos recursos hídricos, à poluição e emissões de gases de efeito estufa, pesticidas nos alimentos, contaminação da água, impostos e multas ambientais e muitas outros são instrumentos de políticas públicas importantes. Porém, há uma tendência no sentido contrário: Evitar regulamentos, orientando as empresas por meio da adoção de políticas de incentivos e mercados de poluentes, apesar de ser discutível sua eficácia.

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Elinor Ostrom, autora de Governing the Commons, Cortesia da Universidade de Indiana

CAPÍTULO 3 GOVERNANÇA AMBIENTAL COLABORATIVA Aspectos conceituais e reflexões sobre casos empíricos Pode ou não ocorrer a você que sou parte do seu problema assim como você é do meu; que minha reação ao contexto é parte do contexto...

As pessoas reagem à totalidade da qual fazem parte.

(Schelling, 1978)1 Adriana Maria Magalhães de Moura2

Destaques  A forma de governança colaborativa, compartilhada ou cooperativa, parte do princípio de que os gestores públicos não possuem todos os recursos necessários para equacionar uma dada questão de interesse público e que o trabalho em conjunto pode dar resultados melhores do que a soma de esforços individuais, descoordenados, dos setores públicos ou privados.  Do ponto de vista teórico, o conceito vem sendo trabalhado por autores como Agranoff (2012), Bingham (2011) e Ostrom (1990), com diferentes enfoques.  A governança ambiental colaborativa tem vestigada, também, do ponto de vista 1

2

sido inempírico.

A ideia de que ações e preferências individuais podem gerar resultados coletivos não intencionais foi uma contribuição do economista Thomas Schelling, prêmio Nobel em 2005. Nosso comportamento seria, portanto, contingente – depende do que outros atores fazem e de condições circunstanciais.

Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), doutoranda, Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável.

Governança Ambiental Colaborativa

 Relatos de experiências internacionais mostram a diferença desta abordagem em relação às tradicionais, com resultados positivos alcançados para o meio ambiente.  No Brasil, também se observam experiências que contemplam a cooperação entre atores públicos e privados em diversos arranjos, tais como a gestão de bacia da Itaipu Binacional, a de cisternas no semiárido e a da qualidade de água dos córregos da cidade de São Paulo.  No entanto, o país ainda necessita avançar na colaboração para a gestão do meio ambiente entre as diversas esferas federativas, isto é, entre estados, municípios e o governo federal.

Introdução Este artigo tem por objetivo refletir sobre a governança colaborativa aplicada à esfera ambiental, considerando-se que complexos e crescentes problemas de meio ambiente desafiam a capacidade do Estado em atuar isoladamente para equacioná-los, o que requer criatividade, inovação e interatividade do setor público, das empresas e da sociedade em geral.

A complexidade dos problemas, em diversos setores, acelerou a necessidade de colaboração, visto que pouquíssimas políticas públicas (ou, talvez, nenhuma) podem ser implementadas, na atualidade, por uma agência governamental individualmente, em um “single shot”, como coloca Agranoff (2012). Isto ocorre porque, como aponta Young (2010) há uma crescente interdependência dentre as políticas públicas tratadas no governo de um país e ainda entre os governos, a sociedade, os mercados e os demais países. Por este motivo é importante, como explicita Ostrom (1990), que os arranjos institucionais sejam inovadores no sentido de incentivar e facilitar a colaboração na ação coletiva.

Além desta introdução, este artigo traz quatro seções. A primeira seção aborda a emersão da questão ambiental como política pública, especialmente a partir dos anos 1970, visando atender ao agravamento dos problemas ambientais em todo o mundo, e como modelos tradicionais de governança hierarquizados e centrados no estado, não vêm sendo suficientes para dar respostas na escala e na velocidade necessárias. As seções segunda e terceira percorrem parte da literatura sobre governança ambiental e, particularmente, sobre governança ambiental colaborativa, no intuito de verificar como estas abordagens podem contribuir para as mudanças institucionais necessárias para avançar na gestão do meio 104

Adriana Maria Magalhães de Moura

ambiente. A quarta seção apresenta três experiências empíricas de governança ambiental colaborativa no Brasil, visto que as lições aprendidas em casos concretos podem ajudar a entender as potenciais vantagens e os desafios a serem superados nesse campo. Por fim, a seção final sumariza algumas conclusões sobre este estudo.

Políticas Públicas e Governança Ambiental A questão ambiental como política pública A complexidade dos problemas ambientais torna-os, em grande medida, wicked problems – os chamados “problemas perversos”. As questões ambientais não possuem fronteiras e são inter-relacionadas. As ações locais que danificam o meio ambiente, em seu conjunto, causam prejuízos para a totalidade da sociedade – até atingir escalas globais. A perda de qualidade ou quantidade de um recurso natural afeta os demais recursos. Os problemas ambientais também levam um longo tempo para que seus impactos sejam percebidos, para seu equacionamento e para a eliminação de seus efeitos deletérios. Essas características podem ser agrupadas em alguns pontos-chave, apresentados no Quadro 1.

O agravamento progressivo dos problemas ambientais levou à necessidade de estruturar, no mundo todo, principalmente a partir dos anos 1970, áreas institucionais, políticas públicas de meio ambiente e legislações específicas para tratar dessas questões. Dentre as capacidades e ferramentas exclusivas do setor público, isto é, que não estão disponíveis aos demais agentes privados, no equacionamento das questões ambientais, podem-se destacar:  Estabelecer e aplicar leis que determinam quem tem o direito de usar o meio ambiente e como protegê-lo.  Promover a gestão dos recursos naturais, incluindo o estabelecimento de áreas protegidas.  Restringir e punir o comportamento de indivíduos e corporações que ameacem o meio ambiente.  Definir e aplicar regras de proteção ambiental ao mercado e aos agentes privados.  Designar fundos e instituições públicas para a preservação ou o uso sustentável dos recursos naturais.

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Governança Ambiental Colaborativa

• Promover o acesso equitativo aos recursos naturais (WRI, 2009).

• Os problemas ambientais possuem um quadro temporal de longo prazo para sua percepção e equacionamento.

• As pessoas, em geral, preferem geralmente “gastar” os recursos naturais no presente ao invés de preservá-los para o futuro.

• A propriedade comum de muitos bens ambientais (tais como água, ar, oceanos) dificulta uma gestão adequada dos mesmos, já que não há o incentivo individual para a proteção do recurso natural que a propriedade privada confere.

• Atingem áreas remotas em relação ao foco do problema.

• Podem ser originados de múltiplas fontes (difusas), o que dificulta o processo de responsabilização.

• Envolvem incerteza e, muitas vezes, dependem de conhecimento científico para que suas causas sejam conhecidas e suas soluções, detectadas.

• Os problemas podem ser apontados pelos cientistas, mas não serem percebidos como tais pelos formuladores de políticas até que tenham se agravado (o que dificulta a ação preventiva).

• Envolvem atores (stakeholders) com crenças, objetivos e interesses conflitantes.

Quadro 1 - Caracterização dos problemas ambientais como wicked problems. Fonte: Elaboração da autora, a partir de Mickwitz (2003), Lemos e Agrawal (2006) e Meadowcroft (2011).

No entanto, a magnitude dos problemas ambientais vem desafiando a capacidade de uma única unidade governamental, como uma pasta ministerial com seu mandato limitado, operar de forma hierárquica e isolada para solucioná-los. De fato, os órgãos ambientais, de forma geral, não são suficientemente poderosos para influenciar a maioria das decisões de caráter econômico que gera impactos significativos sobre o meio ambiente.

A área ambiental enfrenta conflitos entre interesses públicos e privados e, com frequência, a “rivalidade” se dá entre as próprias instituições governamentais, de braços diferentes do governo. Por exemplo, em arenas como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), 106

Adriana Maria Magalhães de Moura

nas quais participam instituições do governo, do setor produtivo e da sociedade civil, é possível perceber que os interesses muitas vezes não são apenas conflitantes, mas francamente opostos e irreconciliáveis (Moura e Fonseca, 2016).

Como enfatiza Meadowcroft (2011), os problemas ambientais persistem e se agravam, a despeito das décadas de evolução nas regulações e dos investimentos feitos em instituições ambientais, ao ponto de haver uma insatisfação da sociedade com o excesso de legislação e burocracia criadas e com os altos custos públicos de enforcement para fiscalizar e fazer cumprir os instrumentos tradicionais de comando e controle (C&C).

No Brasil, apesar do agravamento dos problemas ambientais, os recursos do orçamento federal na área têm sido decrescentes nos últimos anos, como demonstram resultados preliminares de pesquisa conduzida pelo Ipea (Moura et al, 2017).

Os números apontam para a diminuição da participação da política ambiental na disputa por recursos entre as demais políticas de governo.

Além disso, a parcela de recursos orçamentários aplicados em meio ambiente (incluindo áreas como saneamento, recursos florestais, recursos hídricos e resíduos sólidos, entre outras) é muito reduzida, chegando a apenas 0,12% do orçamento total em 2015 (Figura 1).

Assim, instituições3, em sentido amplo, mais fortes na área ambiental não são, necessariamente, sinônimas de órgãos públicos de meio ambiente cada vez maiores (com mais recursos, mais pessoal, mais estrutura, etc.), visto que tendência, ao menos no Brasil, não está sendo nesse sentido.

Figura 1 – Evolução dos Gastos Ambientais Federais (GAF)* – 2004/2015. *Valores corrigidos com o IGP-DI. Fonte: Elaboração da autora, com base em dados do Ipea.

3

Entendidas no sentido colocado por North (2018, p. 13), como “as regras do jogo em uma sociedade ou, em definição mais formal, as restrições concebidas pelo homem que moldam a interação humana”.

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Governança Ambiental Colaborativa

Pela especificidade da temática ambiental, os órgãos ambientais precisam trabalhar, também, colaborativamente com os demais setores de governo que tomam, rotineiramente, decisões que afetam o meio ambiente e possuem recursos orçamentários de magnitudes muito superiores – tais como os setores de energia, transporte e agricultura. Além disso, considerando-se os limites de recursos públicos, o governo precisa alavancar, também, a assistência do setor privado, das organizações sem fins lucrativos e da sociedade em geral. Esse movimento vem sendo chamado de “governança ambiental”, como será visto a seguir.

Governança Em resposta às ineficiências da gestão pública em um Estado fragmentado e desarticulado, muitos países vêm se movendo em direção a novas estratégias de governança, nas quais o governo assume não apenas seu papel específico, de atender competências constitucionalmente estabelecidas, mas também de liderança, como orquestrador estratégico, responsável por induzir comportamentos desejáveis e orientar as capacidades dos demais atores da sociedade na direção desejada.

Como assinala Peters (2014), a ênfase em governança, a ponto de o termo ter se tornado um dos mais usados nas ciências sociais, reflete as preocupações da sociedade sobre a capacidade dos sistemas políticos para agir de forma efetiva e decisiva para resolver os problemas públicos.

Para o autor, a despeito de todo o debate teórico sobre governança, o conceito, em seu significado subjacente, diz respeito à capacidade de guiar a economia e a sociedade, o que envolve dois pontos principais: decidir sobre os objetivos coletivos a serem estabelecidos e buscar meios de atingir esses objetivos.

Na atualidade, estamos vivenciando um período de transição entre modelos tradicionais de gestão e um modelo de gestão baseado na governança, que procura contemplar as questões da gestão pública contemporânea, caracterizadas por um ambiente de múltiplos atores individuais e coletivos, com uma forte relação de interdependência entre si (Agranoff, 2012). Este processo de transição, o qual vem ocorrendo em diversos setores, se caracteriza por atributos como: descentralização do poder, compartilhamento da autoridade, e a atenuação das fronteiras entre as instituições públicas e privadas (Capano et al., 2015).

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Para Capano et al. (2015), em um sentido amplo, “governança” é um termo usado para descrever o modo como se dá a coordenação exercida pelos atores estatais no seu esforço para resolver problemas de ação coletiva, inerentes ao governo e à tarefa de governar. Assim, os autores consideram que governança diz respeito ao estabelecimento, promoção e suporte a uma relação específica, capaz de envolver atores governamentais e não governamentais no processo de governo.

Ela diz respeito aos atores e suas interações, bem como às ideias e instrumentos por meio dos quais o processo político é coordenado. Em outras palavras, seria outra forma de ordenar a realidade, de decidir e implementar políticas públicas e de envolver os atores que têm um papel a desempenhar no processo de formulação de políticas. A “velha governança” seria mais centrada na ação estatal, enquanto a “nova governança” seria policêntrica, trazendo também a sociedade e seus diversos atores para a arena.

Bingham (2011) destaca que, em seu uso contemporâneo, governança significa processos que envolvem recursos e estratégias, muitas vezes colaborativas, entre diversas organizações públicas e privadas, bem como atores sociais, para alcançar um objetivo compartilhado.

Existem inúmeras dimensões ou subcategorias para as quais pode ser aplicado o termo governança, tais como: governança em rede, governança regulatória, governança colaborativa e governança democrática. Além disso, de acordo com Arnouts et al (2012) a governança pode variar em arranjos com diferentes graus de envolvimento entre atores governamentais e não governamentais, que vão, em um continuum, de modelos mais verticais e hierárquicos até modelos como a autogovernança, explanada por Ostrom (1990) ou a “governança sem governo”, conforme exposto por Rhodes (1996), o qual considerava que os governos são excessivamente burocráticos, rígidos e ineficientes para resolver os problemas públicos (Figura 2). Estes arranjos podem ser categorizados em quatro tipos ideais, apresentados na Tabela 1.

Figura 2 – O continuum dos modelos de governança (adaptado de Arnouts et al., 2012) 109

Governança Ambiental Colaborativa

Tabela 1 – Visão geral dos quatro tipos ideais de arranjos de governança Fonte: Adaptado de Arnouts et al, 2012. * sem o governo A governança aplicada à dimensão ambiental pode ser definida, em termos simples, como os processos e instituições por meio dos quais as sociedades se organizam e tomam decisões que afetam o meio ambiente (Loë et al., 2009). Ela foi selecionada como um dos 21 temas ambientais críticos para o século XXI (UNEP, 2012). A prioridade aponta para o visível descompasso hoje existente entre a natureza dos desafios ambientais e as capacidades dos sistemas de governança dos países.

O conceito de governança ambiental considera que a ação coordenada, entre o Estado e toda a sociedade, contribui para o alcance de um desenvolvimento sustentável. No Brasil, a Constituição Federal de 1988, também estabelece que cabe não apenas ao poder público, mas à toda a coletividade, o dever de preservar e defender o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (Moura, 2016).

De forma similar, Lemos e Agrawal (2006) definem governança ambiental como um conjunto de processos regulatórios e organizações por meio das quais atores políticos influenciam ações ambientais e seus resultados. Ao revisar a literatura mais relevante sobre o tema, os autores argumentam que o conceito de governança ambiental evoluiu, desde os anos 1960, para uma abordagem que inclui, além do Estado e mercado, as comunidades e instituições locais como atores importantes a serem envolvidos no processo.

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Haveria três estratégias amplas nas quais se desenvolvem essas parcerias: (1) colaboração entre agências governamentais e comunidades; (2) parcerias público-privadas, entre atores de mercado e agências governamentais e (3) parcerias sócio-privadas, entre atores do mercado e comunidades (Lemos e Agrawal, 2006).

Governança colaborativa A forma de governança colaborativa, compartilhada ou cooperativa, parte do princípio de que os gestores públicos não possuem todos os recursos necessários para equacionar uma dada questão de interesse público e que o trabalho em conjunto pode dar resultados melhores do que a soma de esforços individuais, descoordenados, dos setores públicos ou privados. O conceito vem sendo trabalhado por diversos autores, como Agranoff (2012), Bingham (2011) e Ostrom (1990), com diferentes enfoques, embora apresentem similaridades, conforme apresentado a seguir.

Para Agranoff (2012) gerenciar é colaborar. Segundo o autor, o conceito de governança colaborativa descreve o processo de facilitar a operação de arranjos multiorganizacionais para resolver problemas que não podem ser resolvidos, ou resolvidos com facilidade, por organizações isoladas. Como tal, colaborar (do latim com, junto, e laborare, trabalhar) envolve relações que vão além da cooperação: os atores trabalham em conjunto, de algum modo. Assim, a governança colaborativa, para o autor, é uma abordagem voltada a diversos problemas sociais que exigem enfrentamento coordenado e participativo para criar ou descobrir soluções em contextos condicionados por diversas restrições – tais como informações, tempo ou recursos financeiros.

Agranoff (2012) considera que, no contexto da governança colaborativa, as agências públicas devem se tornar mais “condutoras”, isto é, o oposto de “isoladas”. Ou seja, as organizações públicas devem ultrapassar os limites de sua estrutura e funções por meio de conexão com variadas organizações e atores externos, criando parcerias, construindo alianças e coalizões para gerenciar ativamente as interdependências.

A governança colaborativa, segundo Agranoff (2012), se refere tanto ao esforço das pessoas trabalhando em conjunto, dentro das agências, 111

Governança Ambiental Colaborativa

como aos processos que perpassam as fronteiras das organizações para atuar em relações entre duas ou mais partes, ou em rede. Ressalta-se que, para o autor, estas redes não substituem as anteriores estruturas de hierárquicas e burocráticas, mas vêm se somar a estas para enfrentar a complexidade dos desafios gerenciais.

Já na visão de Bingham (2011), o termo “governança colaborativa” engloba todos esses fenômenos: fóruns de deliberação pública, solução de problemas em comunidades e resolução de litígios entre múltiplos stakeholders. O que a distingue da governança mais genérica é o foco no processo de trabalho coletivo dos atores para atingir metas políticas, em parceria entre o setor público e as partes interessadas. Ela abrange a colaboração através de qualquer método, modelo ou processo que seja deliberativo e consensual.

A autora aponta que a literatura sobre governança colaborativa pode ser dividida em duas categorias gerais: (1) colaboração com e entre organizações – a qual inclui a gestão pública colaborativa ou governança de redes; e (2) colaboração com o público – que envolve a participação e o envolvimento público na tomada de decisões, bem como o engajamento cívico e a democracia deliberativa.

Bingham (2011) enfatiza que os gestores públicos devem desenvolver capacidades de negociar, orquestrar, moderar e gerenciar redes complexas ou relações interpessoais e interorganizacionais, bem como usar a tecnologia da informação para promover maior transparência e canais de accountability, de forma que os cidadãos possam participar das políticas públicas, em todo o seu ciclo de desenvolvimento.

Em “Governing the Commons” (1990), Ostrom estuda o problema dos bens comuns (common pool resources) para responder à questão sobre como um grupo de agentes, em relação de interdependência, poderiam se organizar e colaborar para obter benefícios conjuntos na gestão de bens de interesse comum. A autora não descarta a atuação do Estado ou dos mercados, mas argumenta que existem muitas soluções para lidar com diferentes problemas.

Para Ostrom (1990), por meio da cooperação, da comunicação e de relações de confiança, a gestão comunitária ou de autogovernança de atores interdependentes traria uma melhor resposta para o problema dos recursos comuns, com baixos custos de transação. Seria uma “terceira via” 112

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para as soluções puras de Estado (“Leviatã coercitivo”) ou de mercado, propostas pelos três principais modelos vigentes à época. Ostrom se utiliza de diversos trabalhos empíricos para demonstrar sua teoria, pois busca aprender pela experiência, em contraposição aos modelos anteriores, que se baseavam em teorias ou metáforas não testadas na prática.

Ao estudar a questão, a autora descobriu soluções (arranjos institucionais) diferentes dos convencionais (privatização e estatização).

Ela percebeu que a própria comunidade, que compartilha um sistema de recursos comuns, seria capaz de delimitar e organizar o seu acesso de maneira eficiente. No modelo proposto por Ostrom, os indivíduos (agentes) se comunicam e aprendem com os seus erros, o que leva a soluções alternativas às propostas pela economia convencional.

A autora examina as instituições (regras formais e informais) existentes no sistema e analisa como os agentes conseguiram se comprometer com elas e com sua supervisão. Esta metodologia é utilizada para analisar casos concretos de sucesso e insucesso, no intuito de identificar o que estes dois grupos têm em comum e suas diferenças.

Os casos de sucesso estudados em comunidades ao redor do mundo possibilitaram à autora identificar semelhanças para estabelecer oito princípios institucionais de boa governança de um recurso comum: (1) limites claramente definidos; (2) regras de apropriação e provisão coerentes com as condições locais; (3) arranjos de escolha coletiva; (4) supervisão; (5) sanções graduais; (6) mecanismos para a resolução de conflitos; (7) reconhecimento mínimo de direitos e de organização; (8) rede de instituições. Quanto maior o número destes princípios em uma comunidade maior o desempenho institucional e a chance de sucesso na autogestão. Consequentemente, a ausência de um grande número destas variáveis levaria ao fracasso na governança do bem comum. Entre essas ameaças ou falhas institucionais estariam: a corrupção, comportamentos oportunistas, falhas de comunicação, assimetria de poder, falta de publicidade dos atos (transparência), que tiram a credibilidade dos usuários no sistema e o fazem desistir de cooperar.

Por fim, a autora demonstra que a solução coletiva pode ser uma alternativa menos custosa e mais eficiente, desde que atendidos os pressupostos para a boa governança. Isto não significa que esta autogestão seja fácil ou simples, como revelam os casos de insucesso, pois a cooperação seria um equilíbrio instável, ou seja, um desafio permanente.

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Governança Ambiental Colaborativa

Governança Ambiental Colaborativa O Conceito Como visto, a nova governança tem muitas dimensões, mas uma das que mais se destacam e onde tem havido maior experimentação política, é a esfera da proteção ambiental e da gestão de recursos naturais.

A governança ambiental colaborativa refere-se à aplicação da abordagem colaborativa à esfera da gestão do meio ambiente e tem como pressuposto que exista mais ganhos a serem obtidos por meio da cooperação, diálogo, e uso de múltiplas fontes de conhecimento e habilidades do que por modos de regulação rígidos, dominados apenas pelo governo.

Gunningham (2009) a conceitua como o envolvimento de uma diversidade de atores (stakeholders) privados, públicos e não governamentais, os quais, ao agir em conjunto para alcançar metas comumente acordadas em relação ao meio ambiente, esperam obter mais coletivamente do que seria possível individualmente.

Um conjunto de elementos a caracterizam, embora não seja necessária a presença de todos para que um experimento seja considerado como de governança ambiental colaborativa: diálogo e deliberação participativa, tomada de decisão desconcentrada, flexibilidade em vez de uniformidade, inclusão, transparência, institucionalização de práticas de construção de consenso e mudança de um padrão hierárquico para um de heterarquia4 (Gunningham, 2009).

Assim, para Gunningham (2009) na governança colaborativa o papel do Estado se afasta do modelo de comando e controle (C&C), top down e hierárquico, e se aproxima de uma abordagem de regulação mais descentralizada e consensual, a qual busca coordenar diversos atores em múltiplos níveis, de forma policêntrica.

Por sua vez, Heikkila e Gerlak (2005) definem governança ambiental colaborativa como um grupo de diversos atores, incluindo utilizadores de recursos naturais e agências governamentais, que trabalham em conjunto para resolver dilemas ambientais compartilhados.

4 Heterarquia - do grego heteros, do outro e archein, prevalência, como prevalência dos outros sistema onde não há um controle centralizado vertical, mas predomina uma ordem consensual.

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Acredita-se que a governança ambiental colaborativa ajude a facilitar a decisão, abordar melhor problemas inter-relacionados, obter maior legitimidade e melhorar a implementação. Outros benefícios seriam o acesso à informação e a redução de conflitos. Em outras palavras, o termo não seria apenas um conceito, mas, potencialmente, uma maneira de resolver problemas e alcançar resultados (Scott, 2015).

Experiências internacionais de aplicação do conceito Scott (2015) investigou se a governança ambiental colaborativa faz alguma diferença, em relação às abordagens tradicionais, nos resultados alcançados para as políticas ambientais, visto que iniciar e manter esse tipo de governança leva tempo e esforço e existem trade-offs associados, que desviam recursos escassos de outras atividades. Ou seja, os processos colaborativos podem ser demorados e difíceis; haveria preocupações legítimas das instituições colaborativas poderem resultar em “muita conversa e pouca ação”.

Ao analisar os resultados alcançados em programas colaborativos desenvolvidos em um grupo de 357 bacias hidrográficas nos EUA, Scott (2015) verificou que a colaboração, de fato, contribuiu significativamente para os resultados alcançados em melhoria de qualidade ambiental, de modo que conclui que grupos colaborativos são uma ferramenta eficaz para alcançar metas de políticas públicas.

Heikkila e Gerlak (2005), ao comparar estudos de caso de governança ambiental colaborativa em escala regional, envolvendo diversos níveis de jurisdições e numerosos stakeholders, identificaram a importância do conhecimento científico e tradicional, da liderança e da experiência organizacional prévia para facilitar a mudança institucional necessária. As instituições públicas externas, como o governo federal, entrariam como gatilhos que podem estimular e alavancar a governança colaborativa. Para os autores, enquanto os benefícios potenciais da governança colaborativa oferecem claros incentivos para situações nas quais as partes envolvidas ganham conjuntamente, há maiores obstáculos para a colaboração emergir em cenários onde há conflitos e dilemas. Isto é, onde um grupo de atores ganha enquanto outro pode incorrer em custos, ou “jogos de soma zero”.

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Por meio de três estudos de caso australianos, Gunningham (2009) examinou as relações entre a nova e a antiga governança, a arquitetura das novas iniciativas e o papel do Estado nesse contexto, sintetizados no Quadro 2.

Nos casos desenvolvidos por Gunningham (2009), os processos foram projetados para passar do modelo bipartite, entre o Estado regulador e setor privado regulado, para envolver maior colaboração no processo de governança dos problemas ambientais. De forma previsível, problemas relativamente simples, com um pequeno número de atores envolvidos, em um único local, se mostraram mais fáceis de serem resolvidos por meio de intervenção direta do Estado do que problemas mais difusos, envolvendo múltiplos atores e em larga escala. Assim, a mudança de hierarquia para “heterarquia” pode estar diretamente relacionada à natureza e à complexidade do desafio ambiental. Os três modelos, que envolviam graus diferenciados de complexidade ambiental, escala e número de atores envolvidos, levantaram uma série de questões importantes para a nova governança ambiental e a atuação do Estado, o qual, segundo o autor, desenvolveria três papeis fundamentais: 1) Orientação sobre a definição do arranjo de governança colaborativa – como questões a serem abordadas, quem pode participar, quais os resultados esperados.

2) Incentivos participatórios – que podem ser positivos, na forma de acesso a recursos, por exemplo, ou negativos, na forma de punições.

Onde estes incentivos estiveram ausentes, o sucesso das experiências foi comprometido.

3) Capacidade de “enforcement” – refere-se ao papel do Estado em garantir que os arranjos de governança colaborativa sejam obedecidos.

Para tanto, são necessários indicadores de desempenho e critérios para aferir o grau de sucesso alcançado.

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• Planos de Melhoria do Meio Ambiente (EIP) – Têm como objetivo reduzir as emissões poluentes nas grandes empresas, sendo estabelecidos como compromissos públicos. Os planos são negociados conjuntamente pelas empresas e a comunidade e estabelecem metas de melhoria de qualidade ambiental para as empresas, com cronogramas de monitoramento por parte do órgão ambiental (EPA). Há ampla liberdade para a busca de soluções, por parte da empresa no acordo. Contudo, caso as metas não sejam cumpridas, há a ameaça de intervenção direta da EPA. • Planos de Melhoria do Meio Ambiente na Vizinhança (NEIP) - Concebidos como um instrumento flexível, que pudesse desenvolver soluções institucionais na escala em que problemas ambientais se manifestam, contribuindo para a capacitação e desenvolvimento de comunidades na prática da colaboração voluntária. Os NEIPs foram introduzidos pelo governo australiano como uma estratégia para lidar com a chamada “segunda geração” de problemas ambientais, após os problemas da “primeira geração”, que envolviam a emissão de poluição de grandes empresas, estarem controlados. A “segunda geração” envolve uma cadeia complexa de problemas oriundos de múltiplas fontes difusas de poluição a nível local.

Esses problemas cumulativos, se mostraram muito difíceis de detectar e tratar com base nas tradicionais soluções de regulação. Os planos envolvem diversos atores, como indústrias, setor produtivo em geral, comunidade e governo locais, além da agência de proteção ambiental (EPA).

• Gestão Regional de Recursos Naturais (NRM) – O instrumento buscou lidar com diversos problemas relativos aos recursos naturais da Austrália, tais como: salinização de lençóis freáticos, escassez de água, desmatamento, perda de solo superficial, poluição difusa da terra rural em larga escala e perda de biodiversidade. A nova abordagem transferiu o poder de gestão dos recursos naturais para o nível regional, com a criação de 56 órgãos regionais para a gestão dos recursos naturais (NRMs). Cada órgão regional desenvolveu planos e estratégias regionais de investimento, sob processos amplamente participativos, sujeitos a indicadores de desempenho e outros controles impostos pelo órgão ambiental do governo federal.

Quadro 2 – Estudos de caso australianos na esfera da governança ambiental colaborativa.

Fonte: Elaboração da autora, base em Gunningham (2009) 117

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Assim, ao mesmo tempo em que o Estado recua de algumas de suas tradicionais funções regulatórias de controle hierárquico, surgem oportunidades para forjar um novo papel: o de coordenar instituições privadas e mobilizar atores e recursos na promoção de políticas públicas.

Em suma, a eficácia dos novos modelos de governança ambiental ainda parece intimamente ligada à hierarquia estatal, e parece ser duvidosa a possibilidade de que tais iniciativas alcancem seus objetivos sem uma base da intervenção estatal, por meio de incentivos ou da ameaça de sanções. Ou seja, de acordo com Gunningham (2009), experiências de governança ambiental colaborativa são mais bem sucedidas quando são desenvolvidas à “sombra da hierarquia” estatal.

Governança ambiental colaborativa no Brasil A seguir, busca-se explorar alguns aspectos da experiência brasileira no que se refere à governança ambiental colaborativa, considerandose que o estudo das experiências empíricas pode ajudar a avançar na compreensão e na difusão desta prática no país. Primeiramente, são feitas algumas considerações sobre a questão da cooperação interfederativa em matéria ambiental, elemento relevante quando se considera um país federativo de dimensões continentais como o Brasil. Em seguida, são apresentados três exemplos de experiências práticas de colaboração na esfera ambiental no país.

Federalismo e cooperação interfederativa Um aspecto importante para a governança ambiental colaborativa no Brasil é considerar a própria estrutura federativa do país, cujos entes dispõem de autonomia para estabelecer políticas de acordo com suas próprias prioridades, dentro de suas áreas de competência e nos limites fixados por seus territórios. Assim, como os problemas ambientais são multiescalares, ou seja, permeiam múltiplos níveis e transcendem fronteiras políticas, o princípio da cooperação é um elemento crucial para realizar a gestão ambiental compartilhada entre os entes federados.

O objetivo comum da proteção ao meio ambiente implica em uma gestão tripartite, entre União, estados e municípios, os quais se 118

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organizam, de acordo com a lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/1981) na forma de um Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama. Essa gestão pressupõe coordenação de esforços, também chamada de pacto federativo ambiental. Como aponta Milaré (2009), o Sisnama, que representa a articulação da rede de órgãos ambientais existentes em todas as esferas da administração pública, não existe por si só: mistura abstração e concretude. O todo funciona a partir de partes reais, e a alma do sistema seria, justamente, a comunicação, a cooperação e a interação entre as partes.

A CF/88 estabelece, em seu Artigo 23, que a atuação em matéria administrativa ambiental é competência comum da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. A Lei Complementar No. 140/2011 veio disciplinar o Artigo 23, fixando normas para a cooperação entre os entes federados, no intuito de harmonizar e uniformizar a atuação entre eles, evitar sobreposições e tornar a gestão ambiental mais eficiente.

A lei buscou tornar mais claro o papel de cada ente ao definir as atribuições específicas e as comuns, além de trazer os conceitos de atuação supletiva e atuação subsidiária. A LC 140/2011 previu, ainda, os instrumentos de cooperação, tais como consórcios públicos, convênios, acordos de cooperação técnica e comissões entre os entes federativos, os quais compõem um rol não taxativo. Esses instrumentos não apresentam inovações, mas a previsão expressa da possibilidade de utilizá-los busca estimular os entes federativos a discutir e celebrar compromissos diretamente (Moura, 2017) A LC 140/2011 reforça o ideal cooperativo e estabelece que os três entes federativos são solidariamente responsáveis pela gestão ambiental no âmbito do Sisnama. Também traz maior objetividade e transparência na definição das atribuições de competência ambiental comum dos entes federativos, evitando a sobreposições de papéis e possibilitando uma maior segurança jurídica.

Como aponta Araújo (2013), a lei reforça a necessidade de fortalecer a atuação dos órgãos ambientais estaduais e municipais, visto que, para o funcionamento adequado do Sisnama, estes devem contar com recursos condizentes (humanos e materiais) para enfrentar a magnitude e a complexidade dos diferentes problemas ambientais. Nesse sentido, apesar de ter sido instituído há quase quatro décadas, o Sisnama ainda não se encontra efetivamente estruturado e articulado como um sistema nacional.

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Os avanços necessários para a cooperação interfederativa em matéria ambiental dependem da vontade política dos gestores, isto é, do desenvolvimento de uma “cultura cooperativa.” No entanto, como coloca Almeida (2011), formalmente, a federação brasileira é cooperativa, mas ainda predomina um perfil não cooperativo na prática, visto que os laços entre os níveis de governo são considerados difusos e contraditórios, marcados por tensões entre tendências centralizadoras e descentralizadoras.

Um exemplo prático de dificuldade neste sentido refere-se à gestão dos resíduos sólidos. É vantajoso, principalmente para municípios pequenos, que equipamentos como aterros sanitários ou centrais de triagem de recicláveis sejam construídos e operacionalizados de forma consorciada. Contudo, os municípios muitas vezes não conseguem entrar em acordo para definir qual deles receberá os resíduos do outro, o que dificulta o estabelecimento deste tipo de consórcio.

Outro exemplo é mostrado por pesquisa realizada pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) sobre o licenciamento ambiental estadual, a qual apontou que houve um incremento no número de convênios para realização de licenciamento ambiental entre União e estados e municípios, para ações de fiscalização e emissão de autos de infração. Contudo, a maior parte desses convênios ainda não foram efetivamente implantados e permanece a necessidade de aumentar a cooperação entre os entes federativos, eliminando-se a sobreposição nas ações de fiscalização.

Segundo o estudo, ainda persiste um quadro de “competição ambiental nefasta” entre estados e municípios (CNI, 2013).

Assim, a cooperação entre os entes responsáveis pela ação administrativa ambiental no Brasil ainda se mostra insuficiente.

Frequentemente, os interesses locais ou de uma esfera da Federação impedem a coligação de interesses maiores, públicos, de espectro mais ampliado, pautados em requisitos técnicos e não apenas políticos.

Para o ex-ministro do meio ambiente, José Carlos Carvalho, deveria prevalecer a gestão compartilhada e não uma gestão repartida; mas o federalismo vertical (hierárquico) e competitivo ainda predominaria sobre o federalismo cooperativo (Moura, 2017, p. 86). Em síntese, percebe-se que avanços na governança ambiental no Brasil dependem, também, do desenvolvimento de uma cultura mais cooperativa e colaborativa entre os entes federados nas matérias de interesse comum.

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Experiências brasileiras em governança ambiental colaborativa As três experiências brasileiras no campo da governança ambiental colaborativa, relatadas a seguir, ocorrem em programas de iniciativa de diferentes atores e em variados recortes geográficos: (1) o Programa Cultivando Água Boa, de iniciativa de uma empresa pública, a Itaipu Binacional, ao nível de bacia hidrográfica; (2) o Programa Cisternas, desenvolvido pelo Governo Federal, em escala regional, no semiárido nordestino; e o Programa Córrego Limpo, de responsabilidade da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), de abrangência municipal.

Programa Cultivando Água Boa O Programa Cultivando Água Boa (CAB)5 foi implantado em 2003 pela empresa pública Itaipu Binacional, maior usina hidrelétrica em geração de energia do mundo, com o objetivo de promover a gestão sustentável na bacia hidrográfica do Rio Paraná 3 (BP3), região com 29 municípios da área de influência do lado brasileiro da bacia, com área total de 8.000 km² e mais de 1 milhão de habitantes.

O CAB adota processo participativo e de responsabilidade compartilhada entre uma gama diversificada de atores envolvidos – entre os quais: comunidades locais, indígenas, pescadores, quilombolas, catadores de recicláveis, jovens estudantes e pequenos produtores – buscando atuar como um catalizador que identifica e envolve parcerias, constrói alianças e promove sinergias. Atualmente, são desenvolvidos 20 programas e 65 projetos no território da bacia, em diversas frentes socioambientais, entre as quais:  quantidade e qualidade das águas, com proteção, manejo e conservação dos solos e das águas;  preservação, recuperação e conservação da biodiversidade, em especial através da recuperação de matas ciliares;  fortalecimento da agricultura familiar; 5

Informações disponíveis em https://www.itaipu.gov.br/meioambiente/cultivando-agua-boa/ (consulta em 29/06/2018).

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 novos arranjos produtivos locais;  sistemas de produção diversificados e limpos, como os agroecológicos;  segmentos social e economicamente fragilizados;  educação ambiental; e  difusão de novos padrões de produção e consumo.

O CAB tem alcançado resultados significativos e recebeu diversos prêmios, sendo considerado pelas Nações Unidas (ONU) como uma das melhores práticas de gestão das águas no mundo – em 2015 obteve o primeiro lugar no prêmio Água para Vida (UN Water for Life), em 2010 o prêmio da Agência Nacional de Águas (ANA), o America’s Award em 2011 e o Benchmarking Ambiental Brasileiro em 2007, entre outros. O sucesso do programa levou à difusão da sua metodologia para outras 12 microbacias hidrográficas distribuídas pela América Latina e em duas na Espanha.

Sem a pretensão de apresentar uma avaliação exaustiva, dada a amplitude do programa, a título de exemplo citam-se os resultados alcançados na preservação dos recursos hídricos, com a recuperação de cerca de 1.300 km de matas ciliares, por meio do plantio de mais de 3,5 milhões mudas de espécies nativas.

Destaca-se, entre outros elementos do CAB, a gestão participativa com o envolvimento das comunidades e organizações por meio de 39 comitês gestores, responsáveis pelo planejamento, execução, monitoramento e avaliação das ações desenvolvidas. Os comitês contam com representantes da Itaipu, de diversos organismos municipais, estaduais e federais com presença na região, cooperativas, empresas, sindicatos, entidades sociais, universidades, escolas e agricultores, entre outros.

Estima-se que o programa abarque mais de 2.200 organizações parceiras, envolvendo diretamente mais de 86 mil e indiretamente mais de 280 mil pessoas. De acordo com seus organizadores, além dos recursos aportados pela Itaipu Binacional, o CAB também alavanca recursos financeiros ou de bens economicamente mensuráveis de parceiros locais que contribuem para o programa.

Um dos problemas iniciais enfrentados foi o de romper com a postura “paternalista” da Itaipu Binacional (no sentido de querer resolver 122

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os problemas em um modelo (top down), possivelmente no intuito de compensar o histórico de danos socioambientais causados pela empresa ao meio ambiente nessa região. Progressivamente, buscou-se uma cultura de corresponsabilidade, por meio de uma nova governança, em que todos são parte da solução dos problemas socioambientais6.

Portanto, o breve relato desta bem-sucedida iniciativa, traz, como um dos elementos mais destacados para os bons resultados alcançados, a eficiência alcançada no trabalho em rede, no qual diversos atores assumem diferentes responsabilidades em relação ao programa. A diversidade de representação, que envolveu desde estudantes, indígenas, até gestores públicos, também parece ter sido um elemento importante para a articulação e compartilhamento de experiências em prol do objetivo comum da gestão dos recursos hídricos na região.

Por outro lado, a formalização da colaboração por meio de um programa de uma empresa estatal, com disponibilidade de recursos para investimento a longo prazo, se coloca como fator fundamental para garantir a continuidade do programa, cuja metodologia se coloca hoje como modelo que vem sendo replicado para diversas bacias hidrográficas.

Programa Cisternas O Programa Nacional de Apoio à Captação de Água de Chuva e outras Tecnologias Sociais (Programa Cisternas) é financiado pelo Governo Federal, por meio da atual Secretaria Especial do Desenvolvimento Social7, que faz parte do Ministério da Cidadania. O programa evoluiu a partir da iniciativa do Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), criado em 1999 pela ONG Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), tendo sido incorporado como política pública governamental a partir de 2003. Atualmente, é regulamentado pela Lei Nº 12.873/2013 e Decreto N° 8.038/2013, tendo como objetivo a promoção do acesso à água para o consumo humano e para a produção de alimentos por meio da implementação de tecnologias sociais simples e de baixo custo8.

Portanto, o programa atende a um objetivo de caráter socioambiental, visto que a melhor gestão dos recursos hídricos na região contribui para 6

De acordo com http://www.boaspraticas.org.br/index.php/pt/programas/205-programa-cultivando-agua-boa. Consulta em 29/06/2018.

7 Antigo Ministério do Desenvolvimento Social – MDS 8 Fontes consultadas: http://mds.gov.br/assuntos/seguranca-alimentar/acesso-a-agua-1/programa-cisternas e http://www.asabrasil.org.br/acoes/p1mc Consulta em 30/06/2018.

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Portanto, o programa atende a um objetivo de caráter socioambiental, visto que a melhor gestão dos recursos hídricos na região contribui para evitar práticas predatórias, que levam à degradação do semiárido e ao avanço da desertificação.

O público alvo do programa são famílias rurais de baixa renda atingidas pela seca ou com falta regular de água no semiárido brasileiro.

Para participarem, as famílias devem estar inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal. O Programa Cisternas é executado a partir de parceria do Governo Federal com Estados, consórcios públicos de municípios e entidades privadas sem fins lucrativos.

Utiliza-se, principalmente, a tecnologia de cisternas de placas ao lado de cada casa – reservatórios que armazenam água de chuva para utilização nos oito meses de período mais crítico de estiagem na região.

Em vez de grandes açudes, muitas vezes construídos em terras particulares, ou de programas emergenciais (como os famosos carrospipa) que eram objetos de manipulação política e eleitoral, as cisternas estocam um volume de água para uso de cada família, que passam de dependentes de serviços do governo a gestoras de sua própria água.

Indiretamente, o programa possibilita avanços no aumento da frequência escolar, na diminuição da incidência de doenças em virtude do consumo de água contaminada e na diminuição da sobrecarga de trabalho das mulheres nas atividades domésticas.

A experiência do programa aponta para um caminho de governança colaborativa nas políticas públicas, pois nasce da sistematização de experiências locais e da mobilização da sociedade civil, promovendo a democratização do acesso à água. A metodologia se baseia na mobilização das famílias e comunidades rurais que participam em cada etapa do processo, o que inclui as capacitações para a construção das cisternas de captação de água da chuva – uma construção de baixo custo, feita de placas de cimento pré-moldadas e construídas ao lado das casas por pessoas da própria comunidade, capacitadas nos cursos de pedreiros oferecidos pelo programa.

A construção em regime de mutirão comunitário faz parte da estratégia de mobilização das famílias, visto que a contrapartida do trabalho oferecido fortalece a organização e colaboração nas comunidades.

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menos pessoas deixem a região do semiárido devido à seca e aos problemas de desertificação.

Apesar de, desde 2012, a região ter experimentado uma das piores secas já registradas, relatórios indicam que não há incidência dos piores efeitos da seca - mortalidade infantil, fome, migração em massa – que costumavam ser generalizados no semiárido.

Pode-se destacar no Programa Cisternas – de escala regional (o semiárido), com o envolvimento de diversos níveis de jurisdições políticas (municípios, diferentes estados e o governo federal) e numerosos atores públicos, da sociedade civil organizada e da comunidade – a importância dos seguintes fatores, que são destacados por Agranoff (2012) e Ostrom (1990) como condições que contribuem para facilitar a governança colaborativa e as mudanças institucionais necessárias: 1) A comunicação constante e efetiva, propiciada pela liderança e a experiência organizacional prévia de organizações da sociedade civil, principalmente da Articulação para o Semiárido (ASA), já atuantes na região e com relações de confiança com a comunidade local, conferindo maior capilaridade para o programa; 2) Objetivos em comum e compromisso entre as comunidades, a sociedade civil organizada e os atores públicos envolvidos, que permitem melhor supervisão e monitoramento local – não há notícias de desvios ou mal uso de recursos no programa; 3) Regras de apropriação e provisão coerentes com as condições locais, onde se dá o aproveitamento do conhecimento local e tradicional, com técnicas construtivas simples e de fácil replicabilidade na região.

4) Observa-se, no caso do Programa Cisternas, que a governança colaborativa emerge, inicialmente, no sentido bottom up, da realização das bem-sucedidas experiências comunitárias locais, que tiveram a liderança da sociedade civil organizada. Com os primeiros resultados alcançados, o modelo é incorporado pelo Governo Federal como política pública, que passa a ser difundida no sentido top down para outros estados e localidades. O governo federal passa a atuar como “gatilho” e catalizador, aplicando recursos financeiros que alavancam, disseminam e potencializam o alcance das experiências locais iniciais.

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No entanto, mesmo com o sucesso nos resultados alcançados, os recursos públicos para a execução do Programa Cisternas, repassados tanto à sociedade civil, como para os estados, vêm decrescendo a partir de 2015, sendo que para 2018 os recursos sofreram um corte de 94%, se comparado com o valor acessado pela sociedade civil em 2014, segundo dados do Portal da Transparência9. É preocupante que o declínio no aporte de recursos por parte do Governo Federal venha a comprometer a continuidade das ações do programa, particularmente em um momento no qual o semiárido brasileiro enfrenta uma de suas piores secas.

Nesse sentido, uma terceira parte a ser potencialmente envolvida no programa poderia ser a iniciativa privada, a qual poderia ser incentivada a patrocinar a construção de cisternas nas comunidades, visto que estas apresentam uma excelente relação custo-benefício para o grave problema de abastecimento hídrico na região.

Programa Córrego Limpo Ramires Junior et al (2015) estudaram o Programa Córrego Limpo, criado pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em 2007, com o objetivo de identificar os conflitos ambientais associados à despoluição dos córregos na cidade de São Paulo e analisar a governança colaborativa como ferramenta para sua mitigação.

A pesquisa revelou que, dentre os conflitos mais recorrentes que levavam à poluição dos 180 córregos envolvidos no programa, estavam: a reocupação irregular às margens dos córregos; a reincidência da poluição em virtude da baixa percepção dos resultados positivos quanto à manutenção da qualidade ambiental dos cursos d’águas urbanos e o não engajamento da população nesse contexto.

As ações do programa incluem o monitoramento da qualidade da água e implementação de ações de educação ambiental voltadas para o envolvimento da comunidade, visando à disseminação de ações preventivas e conscientização para manutenção das obras instaladas, visto que, mesmo com a despoluição de cursos d´água, os efeitos positivos 9 http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2017-08/programa-que-levou-1-milhao-de-cisternas-ao-semiarido-brasileiro-e-premiado. Consultado em 30/06/2018.

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para o envolvimento da comunidade, visando à disseminação de ações preventivas e conscientização para manutenção das obras instaladas, visto que, mesmo com a despoluição de cursos d´água, os efeitos positivos da descontaminação mantinham-se apenas em curto prazo.

Desta forma, para que os efeitos do programa fossem duradouros, tornava-se necessário o apoio da população, a fim de serem evitadas novas ligações clandestinas de esgotos e o despejo de lixo e entulho nos corpos d’água.

Observou-se, na implementação do programa que, onde houve maior envolvimento ativo de lideranças locais e dos moradores, de forma organizada e colaborativa para a manutenção do córrego, menor foi o índice de poluição verificado. Assim, os autores concluem que existe uma relação explícita entre a governança colaborativa e a redução de conflitos ambientais relacionados à poluição nos córregos do município de São Paulo.

Considerações finais Estudos empíricos realizados por autores como Ostrom (1990), Cunningham (2009) e Scott (2015) demonstram que a governança ambiental colaborativa pode ajudar a obter melhores resultados na gestão do meio ambiente. Ou seja, quando comunidades se auto-organizam ou recebem incentivos públicos ou privados para colaborar, pode-se alavancar recursos adicionais e obter melhores resultados do que seria possível com a ação isolada do Estado, por meio de órgãos de meio ambiente, com recursos limitados.

No Brasil, embora a cooperação interfederativa em matéria ambiental ainda enfrente obstáculos no país, as experiências práticas relatadas demonstram que este também pode ser um caminho para a governança colaborativa no país.

A colaboração e o envolvimento de agentes não-estatais, evidenciados nos diversos experimentos nacionais e internacionais, demonstra que o Estado não detém o monopólio da tomada de decisões, mas alavanca a ação colaborativa necessária. A governança é uma abordagem que abarca uma amplitude maior do que o governo, mas isto não significa que a ação estatal seja descartada ou diminua de importância: quando os grupos colaborativos são apoiados pelo Estado – ou seja, se desenvolvem 127

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“à sombra da hierarquia”, na terminologia usada por Gunningham (2009) – com recursos, legislação específica e formalização das parcerias, os resultados podem ser mais duradouros e significativos.

Como coloca Agranoff (2012), nem o governo se rende passivamente nem é superpoderoso. Assim, ao contrário das afirmações dos que acreditam que a atuação de ONGs e outros tipos de parcerias diminuem a importância do órgão público, hoje é mais apropriado argumentar que as burocracias mudaram e devem se reestruturar para atender aos desafios atuais.

Tudo isso sugere que a mudança para uma nova governança não é uma questão de substituição do Estado por novos mecanismos, mas sim uma abordagem híbrida, onde o Estado tem ampla responsabilidade no processo de governança, pois desempenha importantes e diferentes papeis: intervindo diretamente (quando as coisas dão errado), bem como coordenando, facilitando e orientando a ação dos diferentes atores (Gunningham, 2009).

Como afirmam Capano et al (2015), existem muitas formas de coordenar políticas públicas, algumas vêm mudando recentemente, mas o papel do governo continua fundamental na articulação dos arranjos de governança.

O trabalho colaborativo talvez não seja tão simples para o governo quanto o de trabalhar nas estritas limitações do mandato da cada instituição, pois se necessita de treinamento adequado para os gestores, apoio legal e habilidades de negociação para superar obstáculos resultantes de conflitos de interesses – nos quais a relação não seja de “ganha-ganha” para todas as partes envolvidas, mas envolvam perdas e trade-offs mais pesados para algumas partes – mas os resultados parecem ser compensadores.

Em síntese, a governança ambiental colaborativa emerge como possível resposta aos problemas ambientais complexos, com experiências que se mostram promissoras. A questão que se coloca é sobre a aplicabilidade da governança, como assinala Peters (2014). Isto é, como avançar no desenho de processos, arquiteturas de programas e instituições que permitam aos diferentes atores trabalhar juntos e colaborar de forma significativa e bem-sucedida para prover a governança. Além disso, precisaremos medir de forma mais precisa se a governança realmente está ocorrendo e se obtém resultados bem-sucedidos.

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Tipologia simplificada do sistema polĂ­tico da ONU.

PARTE II DESAFIOS GLOBAIS E REGIONAIS

HipĂłteses comprovadas. Fonte: Joseph S. Weiss et al. 2017.PolĂ­tica Ambiental da ONU. Journal of Political Ecology.

CAPÍTULO 4 POLÍTICA AMBIENTAL DA ONU Atores não-estatais, tendências e o papel regulatório do estado

Joseph S. Weiss, Centro de Desenvolvimento Sustentável, Univ. Brasília1 Zhu Dajian, Professor Emérito, Depto. de Gestão Pública, Tongji Univ., China Maria Amélia Enríquez, Professora de Economia, Univ. Federal do Pará Peter H. May, Professor, Ciências Sociais em Desen., Agric. e Sociedade, UFRRJ Elimar Pinheiro do Nascimento, Professor Associado de Sociologia, Univ. Brasília Walter A. Pengue, Professor, Inst. Conurbano, UN General Sarmiento, Argentina Stanislav Schmelev, Instrutor Visitante, University of Edinburgh, UK

Destaques Este capítulo ajuda a fechar a lacuna sobre a influência dos atores não-estatais (ANEs) na política ambiental do estado-nação e das Nações Unidas.

Concebemos os ANEs como duas coalizões globais muito heterogêneas: a) organizações da sociedade civil (OSCs) e organizações não-governamentais (ONGs), e b) organizações empresariais de grande abrangência que representam políticas ambientais, aqui denominadas organizações empresariais verdes (OEVs), representando empresas transnacionais (ETNs).

1

josephweissbr@gmail.com. Agradecimentos: Obrigado aos participantes do painel da Declaração do “Sul” realizado na XII Conferência na da Sociedade Internacional de Economia Ecológica (ISEE) no Rio de Janeiro (2012), com apoio do PNUMA, de onde surgiu a ideia da pesquisa; aos participantes na XI Conferência Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica em Araraquara, São Paulo, Brasil (2015) e na XIV ISEE em Washington (2016) pelos seus comentários sobre versões anteriores ali apresentadas. Também à Prof. Sharon Beder, ao Prof. John Foran, dois revisores e um anônimo pelas suas sugestões importantes; e ao Prof. Casey Walsh, editor da Journal of Political Ecology, pela sua atenção, seu tempo generoso e pela autorização da republicação do artigo.

Política Ambiental da ONU

Apresentamos:  Uma tipologia para o sistema político da ONU,  Uma versão do quadro de coalizões ativistas (advocacy coalition framework),  Uma linha de tempo de mudanças na arquitetura da ONU e categorias simplificadas de influência.  Hipóteses muito amplas sobre a agência relativa e a comparação das narrativas desses atores com documentos da ONU. Mostramos que:  A arquitetura da ONU mudou gradualmente de favorecer a sociedade civil para ser a favor de uma orientação empresarial.  As ETNs aumentaram seu acesso a estados-nação e à ONU.  A narrativa das ETNs mudou de a) negar a mudança climática e ignorar a ONU para b) reconhecer a mudança e orientar as negociações.  Essas mudanças na arquitetura da ONU, na agência e na narrativa das ETNs influenciaram mudanças em documentos da ONU, reduzindo as referências à regulação e acordos globais vinculantes, deslocando o debate global para uma orientação corporativa voluntária.  Pode ter diminuído as perspectivas para reduzir as emissões e aumentar a justiça ambiental.  A combinação de mecanismos de mercado com marcos regulatórios fortes é uma prática recomendada para a política ambiental.  Uma maior competência para a aplicação da lei e a celebração de acordos vinculantes são essenciais para a eficácia dos incentivos de mercado.

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Weiss, Dajian, Enriquéz, May, Nascimento, Pengue e Schmelev

Introdução A lógica de economias irrestritas e com regulação mínima tem resultado em mudanças climáticas aceleradas e no aumento na desigualdade de renda (Orr, 2017:16). O objetivo deste estudo sobre a ecologia política global é analisar tendências de medidas contrárias ao desmatamento, as diferentes perspectivas destas sobre o papel empenhado da ONU e dos estados-nação nas políticas ambientais nacionais, como também os desdobramentos sobre a eficácia destas políticas. Resumimos a literatura do papel dos ANEs em dois processos de tomada de decisão que resultaram na conferência da Eco92, e que continuem até hoje:  Os documentos do comitê preparatório (PrepCom) que elaborou a conferência da ONU sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD) ou Eco92: O preâmbulo a agenda 21 e os Princípios da Floresta (documentos da Eco92). Este processo foi seguido por Johannesburg, Rio+20 e pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.  A Convenção-Quadro de Mudanças Climáticas das Nações Unidas (CQNUMC), elaborada inicialmente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio-Ambiente (PNUMA) e pela Organização Meteorológica Mundial, com apoio do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), depois transferido para o Comitê Intergovernamental de Negociação (CIN), subordinado à Assembleia Geral. Este processo continuou pelas 21 conferências das partes (COP), culminando com o Acordo de Paris em 2015 e as COP posteriores (Lago, 2007).

Focamos principalmente nas avaliações dos papeis das ETNs e OSCs e a influência das suas redes durante estes dois processos-chave mundiais. Não levamos em conta o processo de elaboração da Convenção sobre Diversidade Biológica por outro CIN. Depois apresentamos um conjunto de métodos e hipóteses que nos permitiram discernir uma possível mudança da influência global nas negociações da ONU, da sociedade civil e das organizações corporativas. Analisamos os atores, sua agência e sua influência na definição das agendas, negociações, desenvolvimento de posições, processos de elaboração de políticas e resultados. A questão chave nesta análise é a identificação de circunstâncias e instituições que apresentaram efeitos relevantes sobre o poder (Sibeon, 1999:140).

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Política Ambiental da ONU

O artigo é relevante aos acordos da ONU e sua orientação sobre decisões setoriais e nacionais acerca da controversa escolha política quanto à aplicação ou não de regulamentos e/ou incentivos de mercado.

Estas decisões irão afetar as perspectivas de um cenário futuro com uma política ecológica global favorável e à desaceleração da mudança climática.

Desta forma, lidamos com temáticas de governança do sistema global, perspectivas para um futuro desejável (Bai et al., 2015) e uma transição ideológica na era do Antropoceno (Biermann 2015). Podemos aplicar a pergunta de Gell-Mann (2010: 3): “É possível discutir temáticas de governança global sem levar em consideração a política de diversos países e regiões, ou sem olhar para a competição e conflito entre ideologias divergentes?”

Ecologia política global, interdisciplinaridade e terminologia Este artigo interdisciplinar é inspirado pelas ideias radicais da ecologia política global, política ambiental, economia ecológica e pela análise sociológica dos movimentos sociais. Bryant e Bailey (1997) consideraram que a ecologia política global e a economia ecológica compartilham uma perspectiva radical e ecocêntrica. Em resumo, a ecologia política global utiliza teorias de mudança social e política para compreender as causas sistêmicas de desigualdade e degradação ambiental pelo mundo, olhando para os fatores motivadores por trás do conflito ambiental que resulta em cargas injustas sobre comunidades e nações. Esta ecologia apoia pesquisas ativas junto a movimentos globais de justiça ambiental e climática.

Bryant e Bailey também notam a variedade de abordagens neste campo, sendo marcante numa coleção mais recente (Peet, Robbins e Watts 2011). O foco nos diferentes interesses, características e ações dos atores como também a importância central da política facilita a compreensão da influência de atores não estatais sobre os processos da ONU. Adotamos uma abordagem de quadro de coalizão ativista (advocacy coalition framework). A análise das ideias e discursos usados para apoiar interesses permite uma comparação das coalizões importantes que discutimos a seguir, e sobre seu impacto nos documentos da ONU acerca do papel regulatório do estado.

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Também procuramos aplicar a teoria crítica do estado para compreender as influências sobre a ONU. Pode ser dividida em três teorias: a teoria de dependência estrutural, tomando como pressuposto um nível de autonomia do estado e das Nações Unidas do empresariado; a teoria institucional, na qual o setor privado age de forma coeso para impor sua agenda à ONU; e teorias de discurso/cultura nas quais a influência é alcançada principalmente através de ideias, narrativas e símbolos (Levy e Egan, 1998).

Consideramos aspectos da economia ecológica, especialmente as consequências dos limites biofísicos do planeta, e as ações das coalizões da sociedade civil e do empresariado. No que segue, comparamos os termos bem amplos de “desenvolvimento sustentável” e “economia verde”, interpretamos os conceitos de arquitetura, agência, e influência, como também identificamos alguns dos processos usados para atingir agência tais como narrativas, definição de agendas e enquadramento.

“Desenvolvimento Sustentável” e “Economia Verde” A Comissão Brundtland definiu desenvolvimento sustentável como “desenvolvimento que atende as necessidades e aspirações do presente sem comprometer a habilidade de atingi-las no futuro” (Comitê Mundial da ONU sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, 1987: 40). Mesmo que o conceito esteja fraco, foi se enfraquecendo ainda mais ao longo dos anos, sendo interpretado de formas variadas.

Foi o conceito chave aplicado no Rio durante a Eco92 (onde foram aprovados regimes regulatórios ambientais, tais como CQNUMC). O conceito ainda possui apoio político, agregando apoio para o crescimento econômico, a justiça social e a proteção ambiental como também tem como objetivo a redução da pobreza em países em desenvolvimento e a conservação de recursos naturais, celebrando a biodiversidade e a expansão da participação pública (Egelston, 2013).

Muitos anos depois, a economia verde enfatiza o crescimento, a tecnologia e a inovação, promovendo a efetividade de ações voluntárias privadas. “A abordagem da economia verde procura, em princípio, unir numa mesma bandeira todo o gama de políticas econômicas e formas de análise econômica de relevância para o desenvolvimento sustentável (Secretário Geral das Nações Unidas, 2010:15).” Será que isso significa 139

Política Ambiental da ONU

que as políticas que não estejam abordadas nessa bandeira não sejam levadas em consideração?

Também, muitas políticas da economia verde, enquanto buscam cumprir objetivos ecológicos, falham na sua consideração de objetivos sociais (Benson et al., 2014). Em muitos aspectos, ecologistas políticos afirmam que a economia verde tem suplantado os objetivos de sustentabilidade, permitindo às empresas novas oportunidades para o investimento (Cavanagh e Benjaminsen 2017, e edição especial relacionada).

Governança do sistema global, arquitetura, agência e influência O Comitê sobre Governança Global (1995) concebeu a governança ambiental como a soma das diversas formas pelas quais as pessoas e instituições, públicas e privadas, gerenciam seus interesses em comum.

Eles definem a Governança do Sistema Terra como o “sistema interrelacionado e cada vez mais integrado de regras formais e informais, sistemas de elaboração de regras e redes de atores de todos os níveis da sociedade humana (local a global) que são elaboradas para orientar sociedades na prevenção, mitigação e adaptação à mudança ambiental no nível global e local.” É visto como “a capacidade de... produzir efeitos que no estágio final moldam processos naturais.” Isso inclui instituições formais com o poder de executar a lei como também arranjos informais (Comissão Mundial sobre Meio-Ambiente e Desenvolvimento, 1987; Biermann et al., 2009; Dellas, Pattberg e Betsill, 2011: 89-95). Brand considera esta abordagem como um novo discurso e processo hegemônico foucaultiano, como sendo também uma forma muito fraca de re-regulação (2005:157).

A arquitetura e a agência são dois dos vários constructos que influenciam a criação e implementação de políticas do Sistema Mundial de Governança (Biermann et al., 2009). Arquitetura neste contexto inclui temáticas relacionadas ao advento, desenho e eficácia de sistemas de governança como também a integração geral de governança global, regional, nacional e local. A análise de Agência busca responder a quais atores sociais ou individuais possuem a capacidade de decidir e agir sobre situações, e em quais são responsáveis por resultados específicos. Atores são aqueles que “moldam ativamente as normas e os valores relacionados 140

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a uma temática ambiental específica”, enquanto agência pode ser “uma característica dinâmica que possa ser criada e perdida para explorar como procede a partir de uma mudança ambiental.” (Biermann et al., 2009).

Isso sugere que a influência das empresas sobre estados autônomos ou sobre a ONU pode ser atenuada, ou sua autonomia limitada (Dellas, Pattberg e Betsill, 2011: 89, 95, Hindess, 1986: 155).

Betsill e Corell avaliam a eficácia da agência e definem influência como aquilo que “ocorre quando um ator comunica intencionalmente a outro e isso altera o comportamento do segundo ator de uma forma diferente do que ocorreria em outra circunstância” (2008:24).

Análise de narrativas, fixação de agenda e enquadramento Narrativas, fixação de agenda e enquadramento são elementos chaves de poder na tomada de decisões sobre políticas públicas no âmbito nacional e internacional. A análise de narrativas examina uma estrutura argumentativa, que seja verbal ou escrita, por exemplo, num processo político, demonstrando como tendências podem ser mobilizadas. Isso em consideração do significado daquele que discursa como também a posição refletida pelo mesmo, junto com as práticas sociais extra-discursivas das quais emergem constructos sociais, ligadas a instituições e atores específicos (Hajer, 1993).

Um discurso torna-se dominante se atores chaves aceitam o novo enredo denominado de estruturação discursiva. As narrativas possuem o poder de moldar crenças e ações. O enquadramento de narrativas políticas é uma abordagem quantitativa, estruturalista ou positivista para o estudo de narrativas políticas (Jones e McBeth, 2010). Na ecologia política, as narrativas são vistas como enredos que orientam a afirmação de poder político ou econômico, justificando e definindo o controle político e econômico sobre recursos materiais, e justificando as divergências relacionadas ao poder (Escobar, 1996).

“Poder... pode ser compreendido de três maneiras: (1) a articulação e fornecimento de informação sobre os interesses de um sujeito; (2) a fixação de agenda e/ou uso de veto sobre iniciativas; e (3) receber... ou gerar o apoio ideológico para políticas (Cowles, 1995). “O processo de definição da agenda é uma competição contínua entre os proponentes de certas temáticas para ganhar a atenção de profissionais da mídia, do 141

Política Ambiental da ONU

público, e das elites responsáveis por políticas” (Dearing e Rogers, 1996).

A definição de um agenda nos orienta sobre o que deveríamos pensar. O poder das partes interessadas é de estabelecer a agenda política ao decidir quais problemas ou temáticas devem receber a atenção das autoridades e quais não deveriam. Na sua essência, a fixação de agendas é a estratégia predominante para alcançar objetivos políticos.

No segundo nível, enquadramento é como pensar sobre o tema. É concebido como o processo pelo qual as circunstâncias são definidas de acordo com os princípios de uma organização (Goffman, 1986: 1-11).

Snow o definiu como os esforços conscientes e estratégicos de um grupo em formular compreensões compartilhadas do mundo e de si mesmo, que legitima e motiva a ação coletiva (Snow et al., 1986).

Quadros ou narrativas influenciam opiniões ao enfatizar valores específicos e interpretar fatos, fazendo os aparentemente mais relevantes do que um quadro alternativo. Estes conceitos de enquadramento são válidos para movimentos sociais e iniciativas empresariais. Weiss e Nascimento sugerem interpretar o significado de framing como sendo os processos pelos quais organizações ou grupos formulam sua lógica da realidade e da ação (2013). Este conceito é paralelo à ênfase construtivista sobre ideias e discurso (Escobar, 1996). Alguns atores utilizam enquadramento para modificar as compreensões coletivas de uma problemática, enquanto outros apenas as recebem – aceitando ou contestando propostas e práticas.

Estudos da influência de atores não-estatais sobre a política ambiental da ONU Houve muitos estudos acerca da influência da sociedade civil e de OEV sobre a ONU, e sobre sua importância no desenvolvimento de políticas ambientais da ONU e a governança global. Muitos autores se concentram na influência das ETNs (Beder, 2000; Falkner, 2008; Newell e Paterson, 2010; Sagafi-nejad e Dunning, 2008; Weiss T.G., 2011; Weiss T.G et.al., 2009, 2013 e 2014). Outros olham para a influência das organizações de sociedade civil, ONGs e redes ativistas relacionadas (Arts, 1998; Betsill e Corell, 2008; Castro e Futemma, 2015; Corell e Betsill, 2001; Keck e Sikkink, 1998 e Sikkink, 2002). A efetividade das redes ativistas globais pode ser avaliada no seu “enquadramento de debates, inserção 142

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de temáticas em agendas, incentivo a atores a elaborar compromissos discursivos, causando a mudança de procedimentos, afetando políticas e influenciando o comportamento de atores.” (Keck e Sikkink, 1998: 215).

Grupos transnacionais de ativismo ajudam a iniciar uma mudança nas normas. Atores não-estatais são essenciais para criar normas e discursos, participando de um processo de reestruturação de políticas globais (Sikkink, 2002). A influência destes atores não estatais é considerada ainda mais forte quando vinculada à sua habilidade de discursar com uma voz única (Arts 1998).

Organizações da sociedade Civil e Organizações não governamentais “Desde os primórdios, a diplomacia internacional sobre clima tem focado na criação de um acordo abrangente com compromissos obrigatórios” apoiada por organizações da sociedade civil e ONGs ambientais, pelo menos desde a fundação da Rede de Ação sobre o Clima (CAN) em 1989 (Falkner et al., 2010: 2; Nulman, 2015). As ONGs, muitas vezes aliadas com a União Europeia, foram desde então vistos como representando as populações diretamente afetadas. No outro lado, os objetivos de empresas transnacionais, com o apoio dos EUA e outras delegações, têm evitado estes compromissos mandatórios. Enquanto houve uma divisão entre OSCs globais do Norte e Sul sobre as questões ambientais versus econômicos, acabaram unidos em muitas frentes durante os anos 90.

Corell e Betsill (2001: 89) construíram um quadro analítico que compara as duas dimensões de influência das ONGs nos anos 90: participação em negociações internacionais e seus efeitos subsequentes no comportamento de outros atores. Dotados de documentos, entrevistas e observação de participantes, eles delinearam processos e levaram a cabo a análise contrafactual para concluir que as ONGs ambientais influenciaram o processo de negociação da Eco92, através do enquadramento de temáticas, fixação de agendas ou por moldar as posições principais de estados e/ou resultado final (os elementos textuais de procedimento e substância).

Arts (2008) usou uma abordagem semelhante, realizando uma análise detalhada das negociações da convenção sobre clima e biodiversidade antes da Eco92. Ele reconhece que muitas ONGs estiveram 143

Política Ambiental da ONU

envolvidas na elaboração de convenções sobre clima e biodiversidade, mesmo na elaboração de alguns documentos, porém os resultados não teriam sido diferentes sem sua presença, sugerindo que sua influência foi mais efêmera do que permanente. Os autores admitem que o papel das ONGs provavelmente diminuiu após o Rio. Empresas transnacionais e organizações empresariais verdes Sagafi-nejad e Dunning (2008) fornecem uma história analítica da relação das Nações Unidas com empresas transnacionais e seus relacionamentos com países em desenvolvimento. Eles também consideram a ONU como um equilibrador de perspectivas e moderador de reações entre atores. Eles dividiram a história em cinco fases (desde antes da Segunda Guerra Mundial até a presente data) e reconheceram a mudança da influência dos ANEs de centro-esquerda para o centrodireita.

Levy e Egan argumentam que muitas empresas grandes tinham medo da emergência de uma estrutura regulatória ambiental e internacional e que, durante as negociações do PrepCom na Eco92, “as instituições internacionais envolvidas em negociações sobre mudanças climáticas foram relativas protegidas diante pressões estruturais....” (2000: 139, 145). De qualquer forma, enquanto menos preocupado com o PrepCom para outros documentos do Rio, o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (CEMDS, uma das principais organizações empresariais verdes), com seus membros da indústria de combustíveis fósseis, usaram sua influência durante as negociações da CQNUMC para limitar os compromissos de tomar ações concretas (Mintzer e Leonard, 1994).

Organizações empresariais verdes e ongs ambientais comparadas Poucos autores comparam a influência de organizações empresariais verdes com OSCs e ONGs ambientais (Gupta, 2010; Levy e Egan, 2000; Nasiritousi et al., 2014). Newell (2000) faz um relato sobre ambas, sem fazer uma comparação direta. Levy e Egan argumentam que Maurice Strong e Stephan Schmidheiny, dirigentes da Eco92, representando ETNs, 144

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deram a empresas status especiais que as ONGs ambientais não tiveram (2000: 112-114). Estes autores reconhecem, todavia, que no momento, “apesar dos vastos recursos disponíveis aos grupos empresariais, a maioria dos observadores concordam que sua influência não prevaleceu sobre a voz das ONGs ambientais...” tal como a Coalização pelo Clima Global.

Almeida indica que “apenas um líder, o suíço Stephan Schmidheiny, deu voz às empresas no Eco92... [e] que a ONU recomendou que a criação de parcerias entre governos e ONGs também envolvam as empresas”, dando ideia que as ONGs já estavam envolvidas.

Na sua análise da história internacional sobre a política de mudanças climáticas, Gupta seleciona “a participação crescente de diferentes atores sociais e o uso gradual de mecanismos de mercado” como uma das cinco temáticas principais (Gupta 2010: 636). Ela desenvolveu uma linha de tempo referente ao processo de regimes de mudanças climáticas, separando o final dos anos 1980 até 2008 em cinco fases. Na Tabela 1, adaptamos a linha de tempo dela, apresentando seus comentários sobre essas temáticas principais. Ela afirma que as ONGs foram, no início, mais atuantes enquanto a indústria estava menos interessada, aumentando seu interesse posteriormente. Gupta2 conclui que “os mecanismos de mercado podem ter sidos mais bem sucedidos em aumentar o perfil de consciência sobre a temática de mudanças climáticas do que sobre as atividades de relações públicas realizadas como parte do regime,” mesmo que eles devem encarar as falhas tais como falta de informação precisa, foco na maximização de lucros, especulação, etc. (2010: 640).

2

Na sua Tabela 6, Gupta (2010) resume a complexidade de como países-membros mudaram de agrupamento desde os anos 90 até 2008.

145

Política Ambiental da ONU

Tabela 1: Comentários e resultados relevantes sobre a linha de tempo de Gupta referente ao regime de mudanças climáticas. Fontes: Colunas 1 e 2: (Gupta 2010; Levy e Egan, 2000); colunas 3-4, autores deste capítulo. Obs.: “liderança” foi usada como eufemismo para a responsabilidade maior por emissões dos países industrializados.

Newell (2000: 105) considera que as organizações empresariais verdes anteciparam os conteúdos da CQNUMC, assim excluindo os compromissos vinculantes e a taxa de carbono da agenda. Enquanto isso, aproveitando de uma onda de preocupação popular e das relações próximas com formuladores de políticas, as ONGs influenciaram a 146

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definição de agendas sobre emissões per capita e conseguiram firmar a definição de agendas sobre emissões per capita e conseguiram firmar alguns compromissos. As ONGs, alavancados pelo conhecimento técnico e aliados com o G77 e China, também conseguiram a inclusão de implementação conjunta. Após isso, em Berlim (COP1), as ONGs, os Estados Unidos, o Brasil e a Índia apoiaram compromissos mandatórios, assim conquistando o mandato de Berlim (Brenton 1994; Newell 2000: 131, 142).

Nasiritousi et al. (2016) comparou os papeis das ONGs e OEVs em dois encontros CQNUMC: Na COP17 na África do Sul em 2011 e na COP18 em Qatar em 2012. Através da pesquisa de percepções próprias nos eventos principais e complementares, concluíram que enquanto as ONGs estiveram fortes em conscientização e representação da opinião pública, as OEVs foram duas vezes mais importantes na definição de agendas e na influência nos formuladores de políticas.

Métodos e hipóteses A maior parte dos acadêmicos reconhece que as organizações de sociedade civil e as empresas influenciam as políticas e posições da ONU que, por sua vez, influenciam muitas políticas nacionais e locais, incluindo aqueles com influência direta e indireta. Há uma escassez de pesquisa sobre a influência, papel e responsabilidades, autoridade e estratégias usadas por atores referentes à Governança do Sistema Global, distante dos governos nacionais (Bermann et al., 2009). Procuramos realizar uma contribuição para preencher esta lacuna acerca do papel dos ANEs na Governança do Sistema Global e no seu exercício.

Nossa versão do quadro da coalização ativista Para alcançar este objetivo, adaptamos a abordagem de quadro de coalização ativista (Weible et al., 2011) com o conjunto seguinte de ferramentas e análises. i) Uma tipologia simplificada de subsistemas do sistema político da ONU, definindo duas coalizações bastante amplas e heterogê147

Política Ambiental da ONU

neas, as OSCs e as ETNs. Discutimos as mudanças nestas coalizações desde os anos 90. ii) Uma linha de tempo usada para observar como a arquitetura da ONU tem mudado. iii) Categorias relativas sobre influência de coalizações, simplificadas das categorias definidas por Betsill e Corell (2008) na sua avaliação da influência de diplomatas de ONGs durante negociações da ONU sobre convenções e documentos antes da Eco92 . iv) Estendemos, subjetivamente, essas categorias de agência para uma comparação de influência de Atores Não Estatais na ONU, de Estocolmo a Paris, com base nos seus relatos sobre interações durante negociações e conferências da ONU sobre o meio-ambiente. v) Uma revisão do discurso, mudanças em políticas e estratégias dos ANEs. vi) Uma comparação de narrativas dos ANEs e dos documentos da ONU, especialmente durante a Eco92, no Rio+20 e nas negociações sobre mudanças climáticas desde os anos 90. vii) Enquanto é dificil determinar empiricamente quais ANEs influenciam decisões sobre políticas, é possível formular hipóteses referentes à responsabilidade causal para resultados politicamente significantes (Sibeon, 1999)3.

Os subsistemas políticos das Nações Unidas Concebemos cinco subsistemas políticos da ONU (Figura 1): 1)

Os secretariados, agências, conferências, convenções e unidades da ONU, que podem ser agrupados em instituições que promovem o comércio e o investimento e as instituições regulatórias, responsáveis pelas políticas sociais, ambientais e trabalhistas. (Levy e Egan, 1998). Este artigo lida com as instituições regulatórias.

Os estados-nação, membros da ONU e seus grupos continuam seus papeis tradicionais no desenvolvimento, levantamento e aprovação 3

Esta estratégia é aplicada por Nepstad et al. (2014) na sua análise das razões para diminuição de desmatamento na Amazônia.

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de posições da ONU, conferências e políticas. Nós os dividimos em dois agrupamentos diversos e bastante heterogêneos.

2)

Estados-nações do “Norte” desenvolvido, incluindo os membros iniciais, correspondendo aproximadamente àqueles incluídos no Anexo 1 do Protocolo Kyoto, e seus grupos, com diferenças sobre temáticas tais como compromissos mandatórios.

3) Estado-nações do “Sul” em desenvolvimento, incluindo muitos dos seus membros que ganharam independência após a Segunda Guerra Mundial, correspondendo mais àqueles excluídos do Anexo 1 do Protocolo de Kyoto, incluindo grupos de nações.

Em vez de considerar todas as ONGs dentro de um subsistema, agrupamos artificialmente atores não-estatais (ANEs) em dois tipos de redes de coalizões ativistas, muitas vezes aliados essenciais com estadoschave para influenciar as tomadas de decisão da ONU (Burgiel, 2008): 4)

Organizações da Sociedade Civil (OSCs): Aquelas que representam temáticas ambientais e os pontos de vista da sociedade civil, incluindo ONGs ambientais, direitos humanos, justiça ambiental, movimentos sociais e suas redes e comunidades indígenas. Algumas ONGs depois migraram para posições de economia verde e das ETNs. Enquanto a IPCC liderou uma comunidade epistêmica fortemente influenciando as negociações sobre mudanças climáticas, é necessário deixar isso para outro artigo, como também a análise da influência das organizações governamentais subnacionais e a mídia.

5)

Empresas transnacionais (ETNs): Incluindo suas organizações principais que promovem interesses especiais, abordando setores em geral ou mais amplas, especialmente organizações eco-modernistas de economia verde que adotam as ideias do desenvolvimento sustentável e/ou economia verde.

Analisamos a agência ao comparar posições sobre o papel do estado de acordo com documentos elaborados por ONGs e OEVs e sua influência sobre as posições e publicações oficiais da ONU. Normalmente, a questão de agência levaria em consideração relações e os seus efeitos relevantes ao poder, porém para temáticas evidenciadas por documentos publicados, se tornam relevantes.

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Para medir a influência de atores, aplicamos o conceito de (Betsill e Corell, 2008:24) e uma versão simplificada do seu modelo analítico de três níveis (baixo, moderado e alto), como demonstrado na Tabela 2, utilizando indicadores tais como enquadramento de temáticas/fixação de agenda (processo) e texto escrito (resultado).

Figura 1: Tipologia simplificada do sistema político da ONU.

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Tabela 2: Níveis de influência de atores não-estatais na ONU. Fonte: Simplificação a partir dos autores de Betsill e Corell (2008:38).

Hipóteses De acordo com esta revisão, propomos as seguintes hipóteses, ilustradas na Figura 2, que avaliam as tendências na redistribuição de poder e influência no sistema político da ONU e suas consequências para a eficácia de políticas ambientais.  Organizações empresariais verdes, um instrumento de soft power transnacional, tenham aumentado seu acesso a estados-nação e agências da ONU sobre temáticas ambientais, enquanto organizações de sociedade civil tenham se tornado menos influentes.  A arquitetura da ONU mudou gradualmente do Sul global, receptiva à agência das ONGs ambientais para outra que favorece ao Norte global e o acesso a empresas transnacionais.  Como resultado, a definição da agenda da ONU durante negociações, as posições e os documentos tendem a enfatizar economia verde e a reduzir sua ênfase no papel regulatório do estado-nação e da ONU.  Dado que as posições da ONU referentes ao papel do estado afetam e são afetadas por políticas nacionais dos seus membros, interesses em cada país afetam posições nacionais.  Um resultado possível disso são esforços menos sucedidos na redução de emissões globais e menos promoção da justiça ambiental.

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Estas hipóteses são demasiadamente amplas para serem demonstradas empiricamente. Podemos apresentar apenas algumas evidências preliminares.

Figura 2. Hipóteses dos Autores Elementos da História da ONU Concebido durante a II Guerra Mundial, a ONU foi criada quando dominavam o “Norte” e a visão keynesiana do estado. Em 1964, as ETNs criaram a Conferência de Comércio e Desenvolvimento da ONU (UNCTAD), fundada para promover o desenvolvimento pela expansão do comércio, depois da qual diminuíram as relações entre a ONU e as empresas.

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Durante os anos 1960 e 1970, a admissão de 70 membros novos à ONU, especialmente os países recém-independentes, fortaleceu o “Sul”.

A declaração da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento Humano em Estocolmo em 1972 indicou que os estados teriam “a carga maior para as políticas e as ações ambientais nas suas jurisdições (UN 1972).” Como resultado de Estocolmo, os relatórios do Clube de Roma e de Brundtland, o meio ambiente se tornou uma preocupação mundial. Começando naquele ano, os países do “Sul” e áreas da ONU começaram a adotar uma posição adversária às empresas transnacionais. A ONU criou o Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (PNUMA) com sede em Nairobi.

Estavam sendo preparados conceitos para uma Nova Ordem Econômica Internacional. Finalmente foram aprovados em uma declaração da Assembleia Geral em 1974 (Johnson 1979). Em 1975, a ONU estabeleceu uma comissão e o Centro sobre Empresas Transnacionais (UNCTC) entre esforços para criar um Código de Conduta para as ETNs. Isso levou muitos empresários a considerar que a ONU era hostil às empresas, com pouca relevância, com relações empresariais em fase de deterioração, enquanto as lideranças empresariais enxergavam ideias ambientais com suspeita e hostilidade (Falkner, 2008; Kell, 2005).

Depois da crise financeira de 1978, a política econômica deslocavase ao Consenso de Washington, ao ajuste estrutural e à redução do papel do estado. O Código de Conduta enfrentava forte resistência. Em atenção a esta situação, o planejamento estratégico da ONU propôs engajar empresas nos padrões ambientais, de direitos humanos e trabalhistas, dando um rosto humano à globalização.

Isso foi evoluindo até que a ONU lançou o Compacto Global em 26 de junho de 2000. Kell (2005), um dos criadores e o chefe do Compacto Global, o vendeu como uma iniciativa voluntária amigável às empresas.

Esta organização e os Princípios Orientadores da ONU sobre Empresas e Direitos Humanos são vistos como exemplos principais de uma abordagem pragmática com base em consenso, diálogo e parceria com o setor empresarial – uma resposta à pressão para que as empresas sejam responsáveis pela aplicação dos regulamentos (Martens, 2014, Global Policy Forum, 2014).

De forma consistente com a análise histórica refletida na linha de tempo da Tabela 3, a Tabela 4 resume as mudanças na arquitetura da ONU e das suas organizações, refletindo mudanças na influência dos ANEs. 153

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Tabela 3. Eventos Chave e Influência Relativa dos Atores Não Estatais na Política Ambiental da ONU Fontes: Adams Jr. (2010); Moran (2009); Murphy (2005); UN (1972, 1992, 2002, 2010, 2012) e Zammit (2003).

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Esta mudança lenta e deliberada é consistente com a teoria da mudança institucional gradual (Lewis, 2002). “Transições importantes ocorrem com frequência de forma incremental e por meio de ajustes aparentemente pequenas que podem, assim mesmo, acumular uma transformação institucional de grande envergadura” (Mahoney e Thelen, 2010). Compreender as suas implicações institucionais excede o escopo deste artigo.

Tabela 4. Mudanças na Arquitetura Política da ONU. Fontes: veja Tabela 3.

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Influência e narrativas dos ANEs durante negociações ambientais Comparamos de forma breve, com exemplos, as narrativas e quadros entre os documentos propostos pelas ONGs ambientais e os das OEVs e sua influência nas organizações da ONU, incluindo na definição das agendas durante as negociações para as conferências da Eco92 e na Rio+20.

Exigências das ONGs por regulação forte e declínio da sua influência A maior parte das ONGs procurava, inicialmente, representar as organizações e movimentos da sociedade civil, enquanto defendiam diversos compromissos globais obrigatórios como também políticas regulatórias nacionais. As OSCs e ONGs começaram cedo os preparativos para a Eco92, com participação significante, inicialmente na primeira reunião do Comitê Preparatório em Nairobi, agosto de 1990. Sua influência se consolidou especialmente no último encontro PrepCom. Eles lideraram governos na incorporação direta de informações importantes dos documentos de trabalho da Eco92, incluindo os princípios da Declaração do Rio, o capítulo sobre pobreza da Agenda 21, os Princípios da Floresta, como também em documentos referentes às temáticas de povos indígenas e da mulher. Ainda existem evidências que as ONGs pressionaram chefes de estado para estarem presentes na cúpula (Adams Jr. e MartinezAragon, 1992; Betsill e Corell, 2008).

Os encontros do PrepCom democratizaram os procedimentos políticos internacionais com aumento de participação das ONGs (IISD, 1992). A Eco92 registrou 1.378 ONGs com o direito de participar e serem ouvidas. A ONU se comprometeu a envolver ONGs dentro do sistema ONU, incluindo diretrizes às instituições para trabalhar mais de perto com as ONGs, permitindo seu cadastro no Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (Betsill e Corell, 2008; Egelston, 2013; IISD, 1992).

Estas conquistas das ONGs foram consideradas significantes nesta época, porém menos importantes hoje. Este período, incluindo a COP1 de 1995 em Berlim, acabou sendo o pico de influência das ONGs na ONU. 156

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Betsill e Corell comentem que níveis mais altos de influência das ONGs são mais prováveis quando as consequências políticas das negociações são relativamente baixas, como é o caso nas negociações sobre princípios não mandatários e/ou acordos de enquadramento com poucas exigências para mudanças de comportamento (2007:16). Nesta linha, Arts afirma que os resultados não teriam sido muito diferentes sem eles, estabelecendo efeitos episódicos em vez de mudanças permanentes no poder (Arts, 1998: 27).

As ONGs têm defendido numerosas políticas públicas globais e nacionais e continuam a pressionar por compromissos legalmente fortes e vinculantes, mesmo que com frequência tenham que finalmente aceitar acordos finais moderados (CAN, 2012:1) 4. Entretanto, na medida em que os conceitos de economia verde se tornaram predominantes, levaram algumas ONGs e OSCs a ocasionalmente assumir esta linha, deixando de defender a regulação e compromissos vinculantes, se aquiescendo aos limites dos acordos.. Isso levou outras ONGs e OSCs a se afastarem para formar redes mais radicais como Climate Justice Now! Rising Tide North America opinou que “o movimento climático morreu” (Rising Tide North America, 2010 apud Della Porta e Parks, 2014). Com estas divergências, a influência das OSCs retrocedeu.

Deixando de lado estas opiniões, no nível global, as ONGs ainda defendem fortes compromissos vinculantes, tais como a proposta da CAN para o Rio+20, com pouca influência nos resultados da conferência (CAN, 2012:1). PNUMA apoiou um Congresso Mundial sobre Justiça, Governança e Direito para a Sustentabilidade Ambiental, conduzido pelos Ministros dos Supremos Tribunais e Ministros da Justiça, cuja declaração exigia o cumprimento dos padrões e salvaguardas para a sustentabilidade ecológica (PNUMA, 2012).

Jim Leape, Diretor Geral da World Wildlife Fund (WWF, 2012) informou que, com poucos países “preparados para pressionar pela ação, 4

Tomando a Amazônia brasileira como um exemplo, as ONGs apoiam esforços do governo para alcançar governança efetiva, incluindo zoneamento econômico-ecológico, políticas de gestão de florestas públicas, polícia fazendo cumprir regulamentos contra desmatamento, reservas extrativistas, controle da questão fundiária e várias outras políticas e regulamentos públicos, como também iniciativas público – privadas para fazer cumprir as cadeias verdes de soja, carne e azeite de dendê (Friends of the Earth International e Amazon Working Group, 1996, Nepstad, 2014). Outros documentos da sociedade civil e comunidades indígenas aprovados antes (em Copacabana, Bolívia – climateandcapitalism.com, 2010) e durante o Rio+20 (Peoples Summit, 2012) confrontam a exploração capitalista dos recursos naturais.

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[Brasil]...desperdiçou uma oportunidade para alcançar um acordo que encaminhasse o mundo num rumo para o desenvolvimento sustentável”. O Instituto Socioambiental acusou o Brasil de haver “uma falta de coragem para estimular outros países para discussões e ações efetivas”(ISA, 2012).

Organizações empresariais verdes melhoram narrativas e aumentam influência Depois de ignorar, no início, a política ambiental da ONU, com visões divergentes, as OEVs passaram a agir de forma coesa em torno de uma narrativa eco-modernista. As organizações empresariais alcançaram uma relação mais ampla com a ONU, até com um possível elemento de influência institucionalista. As melhorias na narrativa empresarial e o aumento da sua influência podem ser divididas em três fases.

Fase I – Negar e Ignorar. Durante os anos 1960 e o início dos 1970s, muitas empresas ainda enxergavam as ideias ambientais com alguma suspeita, atribuindo pouca importância à política ambiental global. Prevalecia a narrativa de negação da mudança climática, defendida por OEVs como a Coalizão do Clima Global (Global Climate Coalition que fechou em 2002) (Falkner, 2008; Levy e Egan, 1998).

Fase II - Dividido entre Negar e Ignorar versus Reconhecer e Apoiar. As transnacionais começaram a dar importância à questão ambiental. Em 1972, o Clube de Roma publicou o relatório Limites ao Crescimento, apoiado pela Fundação Volkswagen e outras empresas, ainda minoritárias. Algumas empresas multinacionais começaram, nos anos 1980, a se preocuparem com a emergência e influência de regulamentos ambientais (Levy e Egan, 1998).

Mudaram de estratégia ambiental, coincidindo com as políticas neoliberais com a posse do Presidente Reagan em 1981, reforçadas com os choques do petróleo em 1986 e o Consenso de Washington em 1989.

A Câmara Internacional de Comércio e PNUMA realizaram Conferências Mundiais da Indústria sobre a Gestão Ambiental (WICEM) em 1984 e 1991, produzindo uma Carta Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável.

As ETNs foram caracterizadas como “guardiães benignos da Terra com a vontade e os recursos para resolver problemas ambientais” (Levy e Egan, 1998:354). Poderiam melhor alcançar o desenvolvimento sustentável que governos (Egelston, 2007; Schmidheiny, 1992).

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Enquanto algumas ETNs ainda atribuíam pouca importância à conferência da Eco92, outros líderes corporativos estavam começando a aprender que decisões tomadas no Rio poderiam não somente afetar acordos internacionais compulsórios, mas também poderiam acabar afetando empresas individuais no nível nacional5.

Consistente com essas duas perspectivas, a narrativa de negação ainda competia na Eco92 com a mais aceitável, mas ainda nova narrativa eco-modernista de DS. Como resultado, no Rio, os estados-membros aprovaram acordos vinculantes importantes, incluindo a Convenção da ONU sobre Biodiversidade.

Fase III - Guiar e Aprovar. Com o setor empresarial unido em OEVs fortes com uma mensagem clara, uma análise das negociações do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (1995-2000) observou que o empresariado começou a equilibrar a sua influência na ONU com a sociedade civil; ambas ONGs e OEVs alcançaram influência moderada, modificando as posições dos estados principais e a agenda de negociação.

E ainda, as ONGs focaram em colocar ou manter temas na agenda, enquanto interesses empresariais focaram em manter temas fora da agenda (Burgiel, 2008).

No final dos 1990s, as OEVs começaram a desenvolver e investir maciçamente em esforços sofisticados de relações públicas e relações informais com formuladores de políticas da ONU numa narrativa amplamente aceitável de economia verde com base em ações corporativas voluntárias. Como resultado, as empresas buscaram e começaram a conseguir acesso privilegiado a tomadores de decisão multilaterais, evidenciado pelo fortalecimento de OEVs tais como o Conselho Empresarial Mundial de Desenvolvimento Sustentável (CEMDS).

Membros corporativos do CEMDS, chefes de estado e o Secretário Geral da ONU se encontraram em 1997 para introduzir participação empresarial no processo decisório da ONU, se tornando parceiros no uso de fundos de assistência para o desenvolvimento da ONU (Korten 1997; Levy 5

No Rio, além dos documentos preparados pela PrepCom da Eco92, foram assinadas duas convenções: a Convenção de Diversidade Biológica (CDB), preparada pelo Comitê de Negociação Intergovernamental (CIN), e à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (CQNUMC), preparada de início por PNUMA e OMM com o apoio do IPCC, depois transferido a outro CIN sob a Assembleia Geral (Lago, 2007).

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e Egan 2000: 151). Isso, no ano 2000, resultou na criação do Compacto Global da ONU, uma agência da ONU de empresas comprometidas com a sustentabilidade.

Holliday (então Presidente da DuPont e líder do CEMDS) e seus colegas retrataram o papel do governo em um livro conhecido, Walking the talk (Cumprindo o que foi dito). Enquanto reconheciam a importância do governo em muitas funções, argumentaram que as ações voluntárias de empresas fizeram com que regulamentos governamentais ficassem desnecessários e que a promoção da economia verde era uma solução para evitar regulamentos. Não poderiam ter sido mais explícitos (Holliday, et al 2002).

O apoio a esta narrativa continuou a melhorar e atrair mais apoiadores ao favorecer um papel mais amplo porém limitado do governo. Um ano depois, Kell, líder e fundador do Compacto Global melhorou a narrativa ainda mais. Num comunicado à imprensa, ele disse, “O Compacto Global significa complementar e não substituir a regulação” (Kell, 2003).

Preparando para o Rio+20, PNUMA, com apoio empresarial, começou a aplicar uma estratégia que ajudou a organização a superar uma fraqueza intrínseca na família ONU, com a participação ampliada dos atores privados. PNUMA realizou um Diálogo Global Empresarial e Industrial (Paris 2011), com cerca de 200 executivos da Câmara de Comércio Internacional (Friends of the Earth International, 2012; Weiss, T. G. et al., 2014, www.unglobalcompact.org/news/1871-05-21-2015;).

Depois, emulando as narrativas das ONGs, o Compacto Global pôs ainda mais detalhe à sua visão dos papeis dos governos (UN Global Compact, 2013): Uma das tendências mais importantes em relação à sustentabilidade empresarial é o envolvimento crescente do setor público, tanto em termos de regulação como de políticas suaves que requeiram ou encorajam melhores práticas empresariais... Governos estão adotando cada vez mais, ou levando em consideração, a precificação e outras políticas – especialmente com relação ao capital da natureza – para criar incentivos para um comportamento empresarial mais responsável.

Essa postura de uma posição equilibrada apazigua muitos opositores da sociedade civil, levando-os, com induções e parcerias, a se 160

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alinhar com uma narrativa bem ampla. Entretanto, evitam mencionar regras obrigatórias para aqueles negócios formais ou informais que não cumprem os princípios do Compacto Global e que não alcançam um impacto mensurável que contribua ao alcance do desenvolvimento sustentável, incluindo metas nacionais de redução de emissões.

Os membros do Compacto Global aderem à responsabilidade social empresarial, mas “iniciativas autorreguladoras fora desses acordos não evitam que produtores sem este compromisso adotem padrões inferiores e não substitui regulamentos públicos universais.” (Wapner, 1996: 24) “Nem toda situação conduz a instrumentos de mercado. Em certos casos, um regulamento bem desenhado, políticas ativas de apoio a tecnologia e métodos voluntários podem ser um complemento importante aos instrumentos de mercado” (Organização para a Cooperação Econômica e Desenvolvimento - OECD 2011: 12). “Até agora, o apelo por um sistema adequado de regulamentos parece ser cego diante das relações de poder dominantes” (Brand, 2012: 28).

Organizações empresariais verdes, cientistas e governos favoráveis colocaram a narrativa da economia verde dentro de uma ótica positiva, dando ao setor privado um papel maior na política ambiental. Reuniões realizadas em todos os níveis representam este ponto de vista, como também profissionais ambientais muito respeitados. Esta reorientação temática a uma narrativa empresarial teve êxito em convencer alguns ambientalistas e ONGs a aceitá-la. Quanto à diferença entre desenvolvimento sustentável e economia verde em termos de políticas públicas, aparenta ser, na essência, o papel regulatório do estado e acordos vinculativos. Leila Ferreira, entrevistada para comparar a influência das empresas, ONGs e cientistas na Rio+20, reconheceu que esta reorientação do debate ambiental à economia verde marginalizou outros temas importantes (Castro e Futemma, 2015).

Ao interpretar as evidências limitadas na literatura citada, a Figura 3 sugere que as OSCs e ONGs tiveram um nível de influência pequena em Estocolmo, crescendo até influência alta no comitê preparatório (PrepCom) dos documentos da Eco92 e na COP1 em Berlin, passando a perder sua influência com o movimento ambiental dividido e em desordem.

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As ETNs e as OEVs alcançaram uma influência maior em reuniões sobre mudanças climáticas, onde consideravam que mais estava em jogo.

Com a consolidação da OEMDS e várias outras OEVs, junto com a criação do Compacto Global, a influência das ETNs com governos e agências da ONU aumentou na Rio+20 e na COP 21 da Conferência Climática em Paris. Concluímos que as OSCs tinham uma influência maior na Eco92 do que as ETNs. Depois perderam influência no Rio+20 e em Paris.

Figura 3: Influência Relativa dos Atores Não-Estatais (1972 – 2015) Fontes: veja Tabela 3. Nota: Alta influência da sociedade civil em 1992 quanto aos documentos da Eco92, mas moderada na CQNUMC.

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Mudança nos objetivos e documentos finais das conferências da ONU Mudanças na narrativa implícita da redação de parágrafos específicos de documentos oficiais da ONU, exclusivamente sobre os papéis regulatórios do estado e da ONU e a semelhança com as narrativas de OEVs refletem a crescente influência das ETNs. A declaração da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano em Estocolmo, em 1972, indicou que os estados teriam “a maior responsabilidade para políticas e ações ambientais em larga escala em suas jurisdições” (ONU, 1972). Após a Eco92, a ONU realizou a Cúpula Mundial para o Desenvolvimento Sustentável (ou Rio+10) em 2002, na qual foi elaborado o Plano de Implementação de Johannesburgo (JPOI). Em 2009, a ONU decidiu realizar a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável em 2012 (Rio+20).

Em maio de 2010, o Secretário-Geral apresentou um relatório na primeira reunião da Comissão Preparatória da Conferência. Dois anos depois, a Rio+20 foi realizada no contexto de uma crise econômica. O governo brasileiro anfitrião evitou negociar diferenças na preparação do resultado, intitulado O futuro que queremos (Nações Unidas, 2012).

Alcançou compromissos voluntários globais e nacionais, mas não estabeleceu uma estrutura de prestação de contas nem um mecanismo de relatórios de desempenho (ICLEI, 2012).

Esse processo reflete uma mudança clara, mas um pouco sutil, no tom dos documentos das conferências da ONU acima mencionados e no que diz respeito aos objetivos. As alterações de texto indicaram uma redução do papel do estado na política ambiental (Tabela 5).

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Tabela 5: Comparação do papel do estado em textos de conferências da ONU, 1992 – 2012 (quanto ao cumprimento de regulamentos) Fontes: ONU (1992, 2002, 2010 e 2012). Nota: Veja citações do acordo de Paris no texto do capítulo.

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Na Eco92, o objetivo era “criar uma nova ordem mundial para a cooperação global em meio ambiente e desenvolvimento, enfatizando as políticas públicas nacionais e internacionais” (ONU, 1992), reconhecendo os papéis importantes das empresas e da sociedade civil. Em Johannesburgo, o objetivo era “agilizar a realização das metas restantes por meio de ações concretas em todos os níveis” (ONU 2002). Há evidências claras de que o objetivo e o texto da Rio+20 mudaram do Desenvolvimento Sustentável das conferências anteriores para a Economia Verde na Rio+20 (Weiss e Nascimento 2013).

Em 1992 e 2002, o foco foi a capacitação endógena, as capacidades nacionais de regulação e fiscalização e os direitos de propriedade, onferência Rio+20. A ‘Governança’ abrangeu o papel das instituições, processos, estruturas, princípios, diretrizes, integração, coordenação e comunicação, bem como uma estrutura para apoiar a implementação dos compromissos de desenvolvimento sustentável nos níveis global, regional, nacional e local. Falaram em fortalecer as instituições públicas e fazer cumprir as leis.

Em 2012, a agenda da Rio+20 excluiu todos esses conceitos de políticas públicas, mantendo o objetivo de trabalhar em prol do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Dada a atmosfera da economia mundial em recuperação, a estrutura de oportunidades políticas favoreceu as OEVs que, com o apoio de países do “Norte”, construíram um marco de crescimento, tecnologia e inovação da economia verde, promovendo a efetividade das ações voluntárias privadas.

Em relação ao estado, O futuro que queremos apenas menciona a necessidade geral de instituições no §10 (Nações Unidas, 2012). No § 76, enfatiza-se o importante objetivo da eficiência governamental, que possivelmente implica estratégias de estado mínimo. Nenhuma menção é feita ao fortalecimento da capacidade do estado para fazer cumprir as leis e implementar o governo, a regulação e o controle de forma integrada.

A governança é reduzida dos níveis global, nacional e local para um tema secundário referente ao quadro institucional das organizações internacionais.

A COP21 em Paris chegou a um acordo histórico em 2015 para conter a mudança climática, mas as Pretendidas Contribuições Nacionalmente Determinadas (INDC) são meras obrigações morais, sem compromissos, reparações ou financiamento juridicamente vinculantes, dificilmente implementadas, pois o mundo continua seu curso de business as usual.

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O preâmbulo do Acordo de Paris refere-se, no entanto, a um “quadro reforçado de capacitação, reconhecendo a importância dos compromissos de todos os níveis de governo e vários atores, de acordo com as respectivas legislações nacionais”... “que deve ser reforçado através de acordos institucionais apropriados (ONU, 2015: Artigo 11, §5)” e “abordagens que não sejam de mercado devem visar o aumento da participação do setor público e privado na implementação das INDCs e permitir oportunidades de coordenação entre instrumentos e arranjos institucionais relevantes (§8 do Artigo 6)”. No entanto, como a maioria dos países tem comprado a ideia da economia verde sem regulamentação, limitando-se a produzir relatórios, o engajamento do governo tenderá a ser limitado.

Além das posições reticentes de muitos membros da ONU, o acesso privilegiado da liderança corporativa aos tomadores de decisão ao longo dos anos pode ter sido um dos fatores que marginalizaram o papel regulador do estado e os instrumentos juridicamente vinculantes nas declarações da ONU (Reis et al., 2015). Esse acesso pode continuar a influenciar as políticas nacionais e locais que afetam as emissões, incluindo a regulamentação, sua aplicação, os incentivos de mercado e o papel dos ANEs. Assim, “os códigos voluntários podem ser vistos como inadequados, levando a exigências de maior regulamentação governamental” (Murphy, 2005).

Inferências sujeitas a uma análise mais aprofundada Ao analisarmos a agência nas duas conferências ambientais da ONU, nossa comparação da influência das OEVs e das ONGs na Eco92 e na Rio+20 em 2012, nos leva a inferir o seguinte a partir da limitada evidência disponível.  Na Eco92, as ONGs e OSCs tiveram mais influência, em termos de participação na definição da agenda, redação de documentos oficiais, incluindo a Agenda 21, bem como no apoio a instrumentos juridicamente vinculantes, tanto através de governos nacionais quanto diretamente com agências e conferências da ONU. No entanto, as ETNs tiveram mais influência nas reuniões da CIN sobre mudanças climáticas, onde perceberam que mais estava em jogo.

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No entanto, nós interpretamos que:  Na Rio+20 de 2012, dadas as posições unificadas das empresas, as narrativas de economia verde e os anos de mudança na arquitetura da ONU, as OEVs conseguiram maior acesso aos governos nacionais e às agências da ONU do que a sociedade civil, influenciando assim a definição da agenda, reduzindo o foco do desenvolvimento sustentável para a economia verde e limitando a governança à “governança global”, reduzindo o papel do estado na implementação de políticas ambientais. Isso continuou em Paris, embora o Acordo contenha alguma retórica de construção de capacidades.

Considerações finais As instituições e posições da ONU mudaram em resposta à contínua mobilização política entre os atores e resultaram na redistribuição do poder entre os atores não estatais do sistema político da ONU, mudando a ecologia política global sem afetar a estabilidade da ONU. Assim, a agência de atores não estatais da ONU tem se deslocado gradualmente das ONGs para as ETNs. Consistente com a melhoria de seu acesso, as ETNs passaram de uma narrativa de negação para um quadro de economia verde, que prevaleceu pela primeira vez na Conferência Rio+20.

Esse quadro mudou o debate mundial para uma orientação do setor privado, enfatizando o crescimento econômico, a tecnologia e a inovação.

Enquanto as ONGs continuam a apresentar sua agenda, a influência da retórica das OEVs se iguala à do estado, determinando decisões de alto nível.

O nacionalismo tornou-se agora um dissuasor adicional. Isso deixa de lado os principais desafios do planeta, tais como limites biofísicos, bem como escalas e padrões de produção e consumo (Dasgupta 2011).

A mudança na arquitetura e agência da ONU, com o aumento da influência das ETNs e a redução da importância das OSCs, afastou os documentos da ONU da regulamentação e controle eficazes, reduzindo as perspectivas de sua implementação em nível nacional, bem como as condições para reduzir as emissões e aumentar a justiça ambiental (Beder 2000; Holliday et al. 2002).

Muitos economistas concordam que a combinação de mecanismos de mercado com regulamentos fortes é uma boa prática para a política 167

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ambiental. Quando os estados-nação têm vontade e capacidade de comando e controle, podem reduzir a degradação ambiental, como foi mostrado no caso do desmatamento na Amazônia brasileira. Uma maior competência e capacidade de fiscalização do governo nacional são essenciais para a eficácia de incentivos, medida pela redução de emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal e pelo aumento dos estoques de carbono florestal (Angelsen e McNeill 2012, citados em Brockhaus e Di Gregorio 2014). Quando a vontade e o esforço diminuem, a degradação pode retornar. Sem dúvida, essas medidas combinadas podem ser ainda mais eficazes quando coordenadas com iniciativas apropriadas das empresas e da sociedade civil, bem como educação para mudar comportamentos (Weiss, J.S. 2008; Weiss et al. 2007).

Se a sociedade civil puder se reunir e recuperar sua força, não apenas por meio de protestos públicos, mas também pela negociação com as ETNs e a ONU em pé de igualdade, talvez os membros da ONU possam mais uma vez se sentir confortáveis com a ideia de estados fortes e governança global, como a Assembleia Geral conseguiu com o Tratado de Conservação dos Oceanos, consistente com a proposta do Papa Francisco para um tratado climático legalmente vinculante (Francis 2015: 173).

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Com artigo em Jornalggn.com.br. Brasil Debate. 14/07/2017. Fernando Nogueira da Costa. Advogado do diabo em defesa da ‘desindustrialização’.

CAPÍTULO 5 METABOLISMO SOCIAL Y CONFLICTOS AMBIENTALES: Un análisis para los países andinos1 Mario Pérez-Rincón2 Julieth Vargas-Morales3 Zulma Crespo-Marín3

Destaques  Os conflitos ambientais dos países andinos (PA) relatados no Atlas de Justiça Ambiental (www.ejatlas.org) são explicados pelas mudanças estruturais nas economias e suas dinâmicas metabólicas concomitantes.  Desde o final da década de 1990, esses países passaram por um forte processo de reprimarização que se reflete em conflitos ambientais, coincidindo com os crescentes setores metabólicos com os principais setores geradores de conflitos: mineração, energia fóssil, biomassa e hidrelétrica.  Esta pesquisa foi realizada com um banco de dados de fluxo de materiais (MFA) construído para os quatro PAs estudados (Colômbia, Equador, Peru e Bolívia) e outro de 244 conflitos ambientais relatados em EJAtlas.  Os resultados indicam que o crescimento do metabolismo e as mudanças estruturais nos padrões econômico-metabólicos ajudam a explicar as características dos conflitos ambientais nas UCs e as pressões ambientais que afetam a sustentabilidade.

1 2 3

Artículo apoyado por el proyecto “Metabolismo social y conflictos ambientales en Países Andinos y Centroamericanos”, MESOCA-ANCA, Universidad del Valle. Los puntos a destacar y la introducción están en español y portugués.

Profesor Universidad del Valle - Instituto CINARA, Cali, Colombia. Calle 13 No. 10000, Ciudad Universitaria Meléndez, Edificio 341, Tel: 57-2-3392345. E-mail: mario. perez@correounivalle.edu.co.

Socióloga y economista respectivamente, asistentes de investigación, Universidad del Valle-Instituto Cinara.

Metabolismo Social y Conflictos Ambientales

Introdução O Atlas Global de Justiça Ambiental (www.ejatlas.org) mostra uma importante concentração de conflitos ambientais na América Latina e nos países andinos (PA). A mídia destaca com frequência diferentes tipos de conflitos ambientais em todo o subcontinente. Manifestações e atividades de resistência tornam-se cotidianas, refletindo conflitos associados à atividade de mineração, construção de usinas hidrelétricas e infraestrutura, pelo controle de água, pela conservação da biodiversidade, diante da expansão urbana, da poluição atmosférica e da água, das monoculturas, entre outros.

Todos esses conflitos têm um eixo central que os caracteriza, a disputa pelo controle e apropriação de recursos naturais, serviços ambientais, o ecossistema ou mesmo o território; mas também a luta para mitigar ou se libertar da poluição, o impacto ou o risco gerado pelo projeto ou a atividade econômica que criou o conflito.

Boa parte desses conflitos ambientais está associada ao aumento da dinâmica extrativista e a uma tendência que acentua o processo de reprimarização da região, o que promove uma forte materialização econômica; essa realidade é denominada pela literatura latino-americana recente como neoextrativismo (Gudynas 2013; Lander 2014; Slipak 2013; Svampa 2015). Na perspectiva da economia ecológica, os conflitos são o resultado de causas materiais associadas ao crescimento do metabolismo social (Martínez Alier 2002; Temper, Bene e Martínez-Alier 2015; Martínez Alier, Temper e Demaria 2014; Martínez-Alier et al. 2016).

De uma visão mais ampla, os conflitos também podem ser explicados por causas estruturais, como a teoria do sistema mundial, que mostra como os países do Sul desempenham um papel de fornecedores de matérias-primas para países industrializados, especializando-se em bens intensivos em recursos materiais e energia e passando por uma troca ecologicamente desigual (Wallerstein, 1974, Samaniego, Vallejo e Martínez-Alier, 2017).

Por outro lado, há as causas associadas aos fatores microssociais relacionados à alocação dos meios de subsistência das comunidades, que também correspondem aos interesses materiais que estão em jogo, argumentação levantada pelo ambientalismo dos pobres (Guha & Martínez-Alier , 1997; Martínez Alier, 2002). Da mesma forma, muitas das 180

Mario Pérez-Rincón, Julieth Vargas-Morales, Zulma Crespo-Marín

disputas ambientais estão relacionadas a questões intangíveis associadas a conflitos de valores e visões de mundo dos grupos sociais. Conflitos nesse sentido não implicam disputas apenas pelo controle de bens e recursos, mas também pelo poder de gerar e impor certas definições de realidade ou ontologias (Escobar 2014).

Por fim, os conflitos ambientais gerados hoje na América Latina e nos PA ​​não podem ser compreendidos sem uma perspectiva histórica que evidencie a matriz de relações de poder altamente desiguais existentes na região desde a época colonial, que facilitaram e facilitam o acesso, controle e apropriação de terra, água e outros recursos naturais por alguns poucos atores (Alimonda 2016).

O capítulo está estruturado da seguinte forma: após esta introdução, apresentamos o quadro conceitual; depois a metodologia utilizada para construir a base de dados de fluxo de materiais e o inventário de conflitos ambientais. Continuando, trabalhamos na dinâmica metabólica dessas quatro economias, incorporando a análise financeira. Em seguida, estudamos os 244 conflitos ambientais inventariados no EJAtlas para os PA. Finalmente, apresentamos a discussão e as conclusões.

Puntos por destacar Los conflictos ambientales de los países andinos (PA) reportados en el Atlas de Justicia Ambiental (www.ejatlas.org) se explican por los cambios estructurales en las economías y sus concomitantes dinámicas metabólicas.  Desde finales de los noventa estos países han sufrido un fuerte proceso de reprimarización que se refleja en los conflictos ambientales, coincidiendo los sectores metabólicos que más crecen con los principales sectores generadores de conflictos: minería, energía fósil, biomasa e hidroeléctricas.  Esta investigación se realizó con una base de datos de flujo de materiales (MFA) construida para los cuatro PA estudiados (Colombia, Ecuador, Perú y Bolivia) y otra de 244 conflictos ambientales reportados en EJAtlas.

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Metabolismo Social y Conflictos Ambientales

 Los resultados indican que el crecimiento del metabolismo y los cambios estructurales en los patrones económico-metabólicos ayudan a explicar las características de los conflictos ambientales en los PA y las presiones ambientales que afectan la sustentabilidad.

Introducción El Atlas Global de Justicia Ambiental (www.ejatlas.org), muestra una concentración importante de la conflictividad ambiental en América Latina (AL) y en los Países Andinos (PA). Los medios de comunicación resaltan a diario diferentes tipos de conflictos ambientales por todo el subcontinente. Las manifestaciones y actividades de resistencia se vuelven cotidianas, reflejando conflictos asociados a la actividad minera, a la construcción de hidroeléctricas e infraestructura, por el control del agua, por la conservación de la biodiversidad, por la expansión urbana, por la contaminación atmosférica e hídrica, por los monocultivos, entre otros.

Todos estos conflictos tienen un eje central que los caracteriza, la disputa por el control y la apropiación de los recursos naturales, de los servicios ambientales, del ecosistema o incluso del territorio; pero también la lucha por liberarse o atenuar la contaminación, el impacto o el riesgo que genera el proyecto o la actividad económica creadora del conflicto.

Buena parte de estos conflictos ambientales están asociados al incremento de la dinámica extractiva y a una carrera que acentúa el proceso de reprimarización de la región, que impulsa una fuerte materialización económica; esta realidad es recogida por la reciente literatura latinoamericana como neoextractivismo (Gudynas 2013; Lander 2014; Slipak 2013; Svampa 2015). En la perspectiva de la Economía Ecológica los conflictos son resultado de causas materiales asociadas al crecimiento del metabolismo social (Martínez Alier 2002; Temper, Bene, y Martínez-Alier 2015; Martínez Alier, Temper, y Demaria 2014; Martínez-Alier et al. 2016).

Desde una visión más amplia, los conflictos también pueden ser explicados por causas estructurales como la teoría del Sistema Mundo que muestra como los países del Sur juegan un rol de proveedores de 182

Mario Pérez-Rincón, Julieth Vargas-Morales, Zulma Crespo-Marín

materias primas para los países industriales, especializándose en bienes intensivos en recursos materiales y energéticos y sometiéndose a un intercambio ecológicamente desigual (Wallerstein, 1974, Samaniego, Vallejo y Martínez-Alier, 2017).

Por otro lado, se encuentran las causas asociadas a factores microsociales relacionados con la afectación de los medios de vida de las comunidades, que corresponden también a intereses materiales que están en juego, argumentación planteada por el ecologismo de los pobres (Guha & Martínez-Alier, 1997; Martínez Alier, 2002).

Igualmente, muchas de las disputas ambientales están relacionadas con temas inmateriales asociados a los conflictos de valores y cosmovisiones de los grupos sociales. Los conflictos en tal sentido, no implican disputas solo por el control de bienes y recursos, sino también por el poder de generar e imponer ciertas definiciones de la realidad u ontologías(Escobar 2014).

Finalmente, los conflictos ambientales generados hoy en AL y los PA no pueden entenderse sin una perspectiva histórica que resalte la matriz de relaciones de poder altamente desiguales existentes en la región desde la época colonial, que han facilitado y facilitan el acceso, control y apropiación de la tierra, el agua y otros recursos naturales por parte d/e algunos pocos actores (Alimonda 2016).

El capítulo se estructura de la siguiente manera: después de esta introducción presentamos el marco conceptual; luego la metodología utilizada para construir la base de datos de flujo material y el inventario de los conflictos ambientales. Posteriormente trabajamos sobre la dinámica metabólica de estas cuatro economías incorporando el análisis crematístico. En seguida, estudiamos los 244 conflictos ambientales inventariados en el EJAtlas para los PA. Finalmente, se presenta la discusión y las conclusiones.

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Metabolismo Social y Conflictos Ambientales

Metabolismo y conflictos ambientales Análisis de flujo de materiales El concepto de Metabolismo social muestra el crecimiento biofísico de la economía y su respectiva ampliación de las fronteras, escalas y velocidades extractivas como el corazón de los problemas ambientales (Georgescu-Roegen, 1971;Ayres & Simonis, 1994; Pérez-Rincón, 2014).

Fischer-Kowalski ha vinculado al metabolismo social el Análisis de Flujo de Materiales, donde argumenta que la sociedad puede ser vista como una unidad que depende de un continuo flujo material y energético, desde y hacia su entorno(Fischer-Kowalski, 1997; Fischer-Kowalski & Haberl, 2015).

La economía ecológica (EE) establece una similitud entre el funcionamiento del sistema biológico y el sistema socioeconómico, con dos objetivos: i) expresar la dependencia del sistema social del medio natural para su funcionamiento y, ii) mostrar que la velocidad de producción, reproducción y extracción de la economía ha superado la escala de generación natural, produciendo impactos y conflictos socioambientales.

La EE considera que la sostenibilidad de una economía debe ser estimada a través de indicadores biofísicos, que incorporen consideraciones acerca de la distribución ecológica (Martínez-Alier 1995). De esa manera, uno de estos indicadores analiza las tendencias en el Flujo de Materiales (MFA) que señala la presión que ejerce la actividad socioeconómica sobre los recursos naturales y los servicios ambientales (Giljum 2003).

Los indicadores biofísicos junto con los indicadores monetarios permiten contrastar la estructura biofísica de los países con las políticas de crecimiento y demás dinámicas socioeconómicas, convirtiéndose en instrumentos para la gestión de la sustentabilidad (Pérez-Rincón 2007).

En este sentido, los indicadores de flujo de materiales han sido utilizados como herramienta por la ecología industrial y la EE para cuantificar los procesos extractivos, de intercambio y consumo de recursos, mostrando la presión social y ambiental que han generado las políticas económicas extractivistas en AL. En Chile por ejemplo, Giljum (2004) señala cómo las políticas implementadas por la dictadura militar, llevaron a un aumento de las presiones antropogénicas sobre el ambiente.

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Mario Pérez-Rincón, Julieth Vargas-Morales, Zulma Crespo-Marín

Pérez-Rincón (2006) 2008 analizaron las consecuencias de las reformas neoliberales en la estructura extractiva de Chile, Ecuador, México y Perú, encontrando que el sector minero aumentó considerablemente en Chile y Perú, la biomasa y el petróleo en Ecuador, y los minerales de construcción en México. Vallejo, Pérez, & Martínez Alier (2011) trabajan la dimensión ecológica de la actividad económica colombiana, mostrando relaciones con algunos conflictos ambientales. La misma Vallejo (2015), compara las tendencias económicas con los patrones de uso de materiales y los conflictos ecológico-distributivos, preguntándose si es posible verificar la llamada “maldición por la abundancia de recursos naturales” en las economías colombiana, peruana y ecuatoriana. West y Schandl (2013) presentaron estadísticas de flujos de materiales para Latinoamérica y casi todos sus países desde 1970 a 2008. Por último, recientemente MartínezAlier et al.(2016) relacionan la conflictividad ambiental y el metabolismo social en un análisis comparativo para la India y Suramérica.

Conflictos ambientales Un conflicto ambiental surge cuando se presenta una distribución desigual de externalidades o afectaciones externas, producidas por cambios en las actividades realizadas en un lugar o territorio específico (Ortiz 1999; Orellana 1999; Sabatini 1997). Estas actividades también implican procesos de apropiación de recursos naturales, servicios ambientales, ecosistemas e incluso territorios por parte de uno o varios actores económicos.

Esto entra en contradicción con los derechos de propiedad, los usos, usufructos, valores, actividades y dinámicas con las que se ha venido usando esos espacios geográficos por las comunidades locales. En este sentido, Martínez-Alier (2010) establece que los conflictos ambientales o ecológicos distributivos están asociados a la forma como se distribuyen los recursos en la sociedad, creando injusticias ambientales; mientras un grupo se beneficia de recursos materiales, otro es afectado cargando con los pasivos ambientales y limitando el acceso a sus medios de vida.

A partir de estas características, los conflictos ambientales los entendemos como la manifestación de las contradicciones sociales en la relación ser humano-naturaleza entre dos o más actores (comunidades, 185

Metabolismo Social y Conflictos Ambientales

empresas privadas nacionales o extranjeras, organismos del Estado), debido a una actividad humana que modifica la dinámica histórica de un lugar con relación al uso del ambiente. Producto de esta actividad se generan impactos (ambientales, sociales y económicos) y/o la apropiación por diferentes actores de recursos naturales y servicios ambientales, ocasionando un acceso y uso desigual en los mismos.

Esto genera inconformidades que se manifiestan a través de acciones colectivas de rechazo como la movilización social (marchas, protestas, etc.) o el uso de mecanismos legales como demandas judiciales para defenderse. Debido a que las dinámicas globales son parecidas, los conflictos ambientales pierden a menudo el carácter local cuando los grupos ambientalistas locales participan en redes de justicia ambiental internacionales, por medio de las cuales se busca denunciar, visibilizar y hacer resistencia en escalas territoriales más amplias (Temper, Bene, y Martínez-Alier 2015; Martínez-Alier et al. 2016).

Metodología Para el análisis del metabolismo social empleamos las directrices establecidas en la metodología elaborada por la Oficina de Estadísticas de la Unión Europea, Economy-wide Material Flow Accounts (Eurostat 2013). Los Indicadores de Flujo de Materiales que utilizamos en esta investigación son: la extracción doméstica (DE), el Insumo Directo de Materiales (DMI), las exportaciones biofísicas (X) y la balanza comercial biofísica (PTB)4.

La DE incluye todos los materiales extraídos del territorio nacional para ser usados como insumos en el proceso económico; DMI comprende el total de materiales usados por la actividad económica, que incluyen la extracción doméstica (DE) y las importaciones biofísicas (M); las X son todos los materiales que se envían fuera del territorio nacional; y el PTB se calcula descontando de las importaciones (M), las exportaciones (X), contrario de la balanza comercial monetaria. Todos los materiales son medidos en unidades físicas de peso - toneladas métricas - TM, 4

La extracción doméstica regional se obtuvo de la sumatoria simple de las estadísticas biofísicas de cada uno de los cuatro países andinos. Para los datos de la balanza biofísica comercial y las exportaciones se descontó el comercio entre los mismos países andinos para evitar doble contabilidad.

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clasificándolos en biomasa, minerales, materiales de construcción y combustibles fósiles (ver Tabla 1).

En el caso de los conflictos ambientales, la recopilación de los casos la realizamos a partir del Atlas de Justicia Ambiental (www.ejatlas.org).

De los 244 conflictos analizados en este artículo, en 2014 se encontraban reportados 192 en EJAtlas5 a estos se sumaron 52 conflictos descritos por este equipo de investigación durante 2015 y 2016. Con la información obtenida construimos una base de datos que permitió clasificar, caracterizar y tipificar los conflictos, cuyas variables fueron analizadas por medio de la estadística descriptiva. Para el análisis de los conflictos recurrimos a la información producida por diferentes fuentes (activistas, académicas, periodísticas), aplicando herramientas de investigación cualitativa como el análisis del discurso, con el que se busca entender las problemáticas sociales y los asuntos políticos a través del lenguaje, los discursos y la comunicación verbal y escrita.

Reconocemos que la lista de conflictos no es completa, pues la misma no corresponde a un censo de los conflictos en la región, el cual es inexistente. Aunque el inventario no está sujeto a un análisis temporal específico, la mayoría de los conflictos se originan a partir de los años setenta del siglo pasado.

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De estos 192 casos, 85 de Colombia ya habían sido descritos por este equipo de trabajo en proyectos anteriores.

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Tabla 1. Descripciones de Flujos de Materiales y fuentes de información.

Fuente: Adaptada de Vallejo (2015).

Consideramos que este inventario proporciona una visión agregada y sistemática de los principales conflictos ambientales de la región y de las actividades generadoras de los mismos durante los últimos años.

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Resultados Dinámica Económica y Perfiles Metabólicos La economía latinoamericana y sus patrones de especialización en los mercados internacionales, ha tenido un fuerte cambio de estructura en las últimas décadas, impulsado por la adopción de las políticas neoliberales asociadas al “Consenso de Washington”. La crisis de la deuda de los 80 facilitó la imposición de políticas de ajuste, abandonando el camino de la industrialización emprendido desde los cincuenta por la CEPAL e invocando de nuevo la tradicional teoría de las ventajas comparativas, para argumentar la necesidad de concentrarse en lo que el subcontinente hacia mejor: producir commodities (Lander 2014).

El análisis crematístico para los PA en su conjunto muestra esta realidad: un incremento significativo de la importancia del sector primario en el PIB desde 1997, al pasar de 14% en ese año a 24% en 2014. Al interior del sector primario, esta dinámica fue impulsada por las actividades minero-energéticas que incrementaron su participación de 54 a 74%, reduciendo la participación de la actividad agropecuaria de 46 a 26%. Estos cambios estructurales revelan igualmente un fuerte proceso de desindustrialización, al reducir la participación de este sector en el PIB de 21 a 13% entre 1990 y 2014. Esta situación también se refleja en la estructura exportadora: el sector primario pasó de representar el 64% de todas las exportaciones en 1990 a 73% de las mismas en 2014. La dinámica y perfiles metabólicos de los PA son resultado de estos cambios económicos estructurales. i) Extracción doméstica y principales productos extraídos en los Países Andinos La DE de los PA pasó de 336 Mt (Millones de Toneladas) a 1.145 Mt entre 1970 y 2012 (Gráfica 1), aumentando más de tres veces al crecer a una tasa promedio anual de 3%, evidenciando una fuerte materialización absoluta de la economía. En esta dinámica, se produjo un cambio significativo en la estructura biofísica de la economía regional, pasando

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de ser biótico-extractiva a abiótica6 . Mientras la participación del sector biótico en el total de extracción pasó de 65 a 30%, en forma proporcional el sector abiótico incrementó su participación de 35 a 70% entre 1970 y 2012 (Grá-fica 1).

La categoría de mayor crecimiento fue la de combustibles fósiles, que incrementó su participación de 7 a 19%, explicado principalmente por el comportamiento de Colombia (carbón), Ecuador (petróleo) y Bolivia (gas natural). El gas natural de Camisea está cambiando recientemente el perfil metabólico de Perú (Silva-Macher 2016).

En segundo lugar, están los minerales de construcción que duplicaron su participación de 12 a 24% en el periodo analizado. Siendo los materiales de construcción poco transables en el comercio exterior, esta extracción se explica principalmente por el consumo interno asociado a la construcción de obras de infraestructura y vivienda en general, que demanda grandes cantidades de arena, grava y cemento. De cerca, están los minerales metálicos que casi doblan su importancia al pasar de 14 a 27%, donde se destacan el cobre, oro, zinc, estaño y hierro.

Gráfica 1. Extracción doméstica de los países andinos.

Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA 6

El “perfil metabólico” de un país o región se define por el nivel de uso de los materiales y su estructura, donde se diferencian dos grandes bloques de materiales: los componentes bióticos (biomasa agrícola, forestal y pesquera) y los componentes abióticos (combustibles fósiles y los minerales metálicos, industriales y de construcción).

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El cambio de perfil metabólico generado en las últimas décadas hacia la extracción de bienes intensivos en recursos naturales abióticos aumentó las presiones ambientales sobre los territorios y el uso del agua e interrumpió la dinámica tradicional productiva y cultural de las poblaciones, dando lugar al desarrollo de nuevos conflictos ambientales en la región.

Por su parte, cuando examinamos los indicadores de intensidad material con respecto al territorio (DE/km2) y per cápita (DE/pc), se sigue observando una creciente presión sobre el espacio ambiental. En términos de territorio se pasó de 72 a 244 ton/km2, y a nivel per cápita de 8 a 11 ton/pc, entre 1970 y 2012. Al analizar esta realidad por grandes sectores metabólicos, mientras el sector biótico disminuyó la presión ambiental en términos per cápita, el sector abiótico la incrementó, tanto per cápita como por km2. Este último sector es el que marca la pauta general de comportamiento que acelera la intensidad del uso de recursos en los PA. La caída en la intensidad material biótica por persona (de 6 a 4 ton/pc) es compensada con la importación de alimentos que genera inquietud sobre la seguridad alimentaria.

Mientras que el incremento en la intensidad abiótica señala una preocupación por la sustentabilidad ambiental por los impactos de la minería y de la extracción de combustibles fósiles. Así, el cambio en el perfil metabólico de las economías andinas, desde el sector biótico menos intensivo en el uso de materiales, hacia una economía abiótica más intensiva en ellos, genera una distinta y a la vez mayor presión sobre el ambiente, dinamizando la conflictividad ambiental.

Sin embargo, esto no significa que no hay también conflictividad por el acceso a biomasa: destrucción de manglar, deforestación amazónica, plantaciones de palma de aceite y plantaciones forestales que destruyen humedales y afectan biodiversidad, entre otros; se han convertido en una situación que afecta constantemente los PA. i) Sector externo y patrones de especialización productiva La balanza comercial biofísica posibilita identificar las transferencias de cargas ambientales asociadas al funcionamiento del sistema económico global y de su comercio internacional, ayudando a identificarla deuda ecológica entre países (Krausmann et al. 2015).

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La deuda ecológica es un concepto económico-ambiental que surge de conflictos de distribución de dos tipos: i) El intercambio ecológicamente desigual, definido como el hecho de exportar productos de regiones y países pobres, a precios que no toman en cuenta las externalidades locales causadas por estas exportaciones o el agotamiento de los recursos naturales, a cambio de bienes y servicios de las regiones más ricas, donde el precio de las exportaciones es sistemáticamente menor por tonelada que el de las importaciones (Samaniego et al, 2017); y, ii) la tendencia de los países ricos a utilizar desproporcionadamente el espacio ambiental sin pagar por ello (Warlenius, Pierce, y Ramasar, 2015).

Los PA presentan un déficit permanente en la balanza comercial biofísica (PTB), el cual se ha incrementado al pasar de 18Mt en 1970 a 14Mt en 2013 (Gráfica 2a); es decir, la región ha sido exportadora neta de materiales durante todo el periodo.

Gráfica 2. Balanza Comercial y exportaciones de los países andinos 1970-2013 a) Balance comercial biofísico y monetario

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b) Exportaciones (TM: Toneladas Métricas) Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA Con ello se evidencia la presión creciente de la demanda externa sobre sus territorios, dejando una deuda ecológica acumulada del mundo con los PA en términos biofísicos cercana a 2.235Mt. En la misma gráfica observamos el comportamiento de la balanza comercial monetaria (BCM), la cual fue superavitaria hasta la década del noventa.

A partir de allí los procesos de apertura económica generaron una continua caída hasta US$6.975 millones en 1998. Después de una corta recuperación en los años del llamado “boom” de los precios de las exportaciones primarias, continuó su caída hasta alcanzar US$13.766 en 2015, estando relacionados los últimos tres años con el descenso de los precios de las commodities (Banco Mundial 2015).

Lo anterior evidencia la paradoja reportada por Samaniego et al (2017), que muestra que buena parte de los países suramericanos combinan déficits biofísicos con déficits monetarios, lo que señala la contradicción de que ni siquiera una elevada extracción de recursos naturales que implica agotamiento y degradación ambiental, se compensa con mayores ingresos para los países.

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Estos déficits comerciales también pueden conducir a “déficits en la cuenta corriente y allí pueden aparecer nuevas necesidades de financiamiento externo” (Samaniego, Vallejo, y Martínez-Alier 2017), y con ello nuevas presiones para aumentar las exportaciones materiales y en dinero para cubrir las necesidades de importación y el pago del servicio de la deuda (como ya se advertía en Pérez-Rincón, 2007).

Esta situación reproduce una trampa del subdesarrollo: especialización productiva hacia exportaciones primarias, mayor deterioro de los términos de intercambio, mayor agotamiento de los recursos, más pasivos ambientales y más conflictos ecológicos distributivos, en concordancia con los planteamientos de la teoría del Intercambio Ecológicamente Desigual (Hornborg & Jorgenson, 2010; Hornborg, 2009) Cuando examinamos la dinámica exportadora de los 4 países andinos, encontramos que esta ha crecido a tasas superiores al DMI: 5,4% vs. 3,1% promedio anual (Gráfica 2b). Sin embargo, no todos los sectores han crecido igual. Mientras el sector abiótico creció al 5,8%, el biótico lo hizo a 3,2% anual. Al interior del sector abiótico los sectores que más crecieron fueron: minerales de la construcción (13%), combustibles fósiles (8,8%) y minerales industriales (7,7%).

En el caso de los minerales metálicos, sector extractivo de importancia en Perú, Bolivia y Colombia7, las cifras reportadas como exportaciones solo registran el mineral contenido en la roca mineralizada y lo demás, calificado como relave, queda por fuera de la contabilidad del comercio exterior por no poseer un valor económico.

Debido a esto, los valores que fueron registrados en la Gráfica 2b están subestimados. Si se incorporara en las exportaciones de estos países toda la roca extraída como se hace en el cálculo de la extracción doméstica (DE), los valores exportados pasarían de 11Mt a 37Mt en 1970 y de 21Mt a 168Mt en 2013. Esto incrementaría la participación de las exportaciones abióticas de 85% en 1970 a 94% en 2013, mostrando la real dimensión de la importancia de la actividad minero-energética en la dinámica metabólica de la región.

Por su parte, la exportación material de biomasa también aumentó al pasar su nivel de 6 a 20Mt; sin embargo, creció menos que los minerales.

Los principales productos exportados en este sector corresponden a bienes agrícolas como azúcar de caña, banano, palma aceitera, espárragos, 7

Aunque en Ecuador hay gran potencial de cobre concesionado a empresas chinas que generan conflictos como el del territorio Shuar y otros casos.

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quinua, entre otros; cultivos que demandan gran cantidad de agua y territorio, que implican mayores presiones ambientales.

En la literatura especializada se identifica una economía extractiva como aquella que exporta una proporción significativa del total de materiales disponibles para el uso económico (X/DMI). El 14%, que equivale al promedio mundial, puede ser considerado como el valor límite para considerar si un país es extractivista o no (Bunker, 1984; Krausmann et al., 2008). Al examinar la evolución de este indicador en los PA considerando el total de material extraído (incluyendo el relave), se observa un cambio de sus economías hacia el extractivismo al pasar de 10 a 27% entre 1970 y 2012. Al analizar este indicador por grandes sectores metabólicos, se muestra que esta dinámica extractiva se da esencialmente en el sector abiótico, que pasa de 22 a 37% frente a un sector biótico que se incrementó de 4 a 9% en el mismo periodo.

Al observar este mismo indicador por países los resultados muestran a la economía peruana como la más extractiva con un incremento de 21 a 36%; seguida por la colombiana que pasó de 5 a 27%; este indicador en Bolivia ascendió de 8 a 22% y en Ecuador de 5 a 21%.

Aunque no toda Sudamérica se comporta así: hay “extractivismos bióticos” importantes como revelan las cifras de Argentina (Pérez Manrique et al, 2013) y de ciertas zonas de Brasil.

Estas dinámicas extractivo-exportadoras en términos biofísicos, tanto de minerales y energía fósil como de biomasa, se producen en un contexto de cambios en el marco normativo e institucional que ha facilitado el desarrollo de este modelo. Este se ha acompañado de cambios en las formas y escalas de explotación de los recursos naturales, que incluyen minería a cielo abierto, grandes proyectos hidroeléctricos e incremento de monocultivos. Esta realidad lleva implícita un aumento en la intensidad y cantidad de recursos naturales extraídos de las fronteras internas lo que incrementa los conflictos ambientales.

Conflictos ambientales en los países andinos La Gráfica 3 muestra el mapa de los 244 conflictos ambientales inventariados y analizados en este trabajo para los PA. En este punto, el análisis de la conflictividad ambiental se aborda desde dos perspectivas: i) acorde a los sectores metabólicos generadores de conflictos; y, ii) según la dinámica temporal del número de conflictos ambientales.

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Gráfica 3. Mapa de conflictos ambientales en Países Andinos (1920-2015).

Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA Sectores metabólicos y conflictividad ambiental El EJAtlas clasifica los conflictos en diez grandes categorías mutuamente excluyentes. La conflictividad ambiental por sectores metabólicos muestra que en los casos estudiados el principal sector generador de conflictos en los PA es la minería que concentra el 37% de los mismos (90 casos) (Gráfica 4); en Perú, Colombia y Bolivia representan el 63, 36 y 29% respectivamente del total de casos de conflictos. Los principales productos que se encuentran en medio de estas disputas ambientales corresponden a los minerales metálicos donde se destacan el oro (20.7%), el cobre (8%) y la plata (5.2%).

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Sectores metabólicos y conflictividad ambiental El EJAtlas clasifica los conflictos en diez grandes categorías mutuamente excluyentes. La conflictividad ambiental por sectores metabólicos muestra que en los casos estudiados el principal sector generador de conflictos en los PA es la minería que concentra el 37% de los mismos (90 casos) (Gráfica 4); en Perú, Colombia y Bolivia representan el 63, 36 y 29% respectivamente del total de casos de conflictos. Los principales productos que se encuentran en medio de estas disputas ambientales corresponden a los minerales metálicos donde se destacan el oro (20.7%), el cobre (8%) y la plata (5.2%).

Gráfica 4. Conflictos Ambientales en Países Andinos por sector metabólico Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA La extracción de combustibles fósiles se convierte en la segunda actividad que más genera conflictos, explicando el 21% de los casos identificados (52); en Ecuador, Bolivia y Colombia, este sector es responsable del 27, 29 y 23%, respectivamente (ver Gráfica 5).

En Ecuador se presenta una importante cantidad de conflictos asociados a la extracción de petróleo, generados por multinacionales y por 197

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la empresa estatal de petróleos (Petroecuador); en Colombia, estos conflictos se relacionan tanto con petróleo como con extracción de carbón; y en Bolivia con petróleo y gas.

Por su parte, los conflictos por biomasa y tierras se han convertido en otro factor generador de disputas, sumado a la dinámica de especialización hacia sectores agroindustriales exportadores. Este sector concentra el 17% de los casos (40) de conflictos ambientales reportados (Gráfica 3); en Ecuador equivalen al 29%, en Colombia al 14% y en Perú y Bolivia al 12% de los casos en cada país (Gráfica 4). Por productos se destaca la participación de caña de azúcar, palma de aceite, camarones y madera.

Un sector metabólico altamente generador de conflictos es el de gestión del agua con un 12% (30) de los casos (Gráfica 4). En Bolivia este sector representa el 21% de los conflictos y en países como Ecuador, Colombia y Perú se ubican entre el 10 y el 13% de los casos. Buena parte de estos se deben al aumento de la construcción de hidroeléctricas en la región, proyectos que son generadores de amplias movilizaciones de las poblaciones desplazadas que ven afectadas sus medios de subsistencia y su relación con el territorio.

Gráfica 5. Conflictos Ambientales por país y sector metabólico Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA 198

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hacia la promoción de exportaciones y la búsqueda de demandas en el sector externo (desarrollo “hacia fuera”) (Kalmanovitz y López 2006; Bielschowsky, Izam, y Mulder 2011). Con las políticas liberadoras de los mercados en los noventa, el modelo desembocó en una promoción del crecimiento económico a partir de la extracción y exportación de recursos naturales (Svampa 2013).

Con base en la perspectiva anterior, hemos dividido el análisis temporal de los conflictos en 3 grandes periodos: i) antes de 1990, periodo previo a la apertura económica; ii) década del noventa, para identificar la dinámica de los conflictos relacionados con las políticas aperturistas y, iii) a lo largo del siglo XXI para mirar la evolución de la conflictividad ambiental en relación con la entrada en vigencia del periodo más radical de la dinámica neoextractiva y reprimarizadora de las economías de la región.

Desde diferentes fuentes estadísticas y literarias, hay evidencia que en los PA ha crecido la cantidad de conflictos sociales durante las últimas cuatro décadas. En el caso de Colombia, desde los años noventa se presenta una tendencia al crecimiento de las luchas sociales, siendo 2007 y 2013 los años con los acumulados más altos, superiores a los 1000 casos.

Así lo resaltan diferentes investigaciones como la de Archila et al.(2014), obtenidas de la base de datos de luchas sociales del CINEP (www.cinep.org). En Ecuador por su parte, la conflictividad sociopolítica desde la década del ochenta también ha venido creciendo, presentando su pico más alto a finales de los noventa con más de 4000 registros de conflictos, que descienden en los primeros años del 2000, pero vuelven a incrementarse a finales del primer decenio del nuevo siglo hasta cerca de 3000 casos (Ramírez Gallegos 2010).

En Bolivia también hay una dinámica creciente de la conflictividad social, acorde a los reportes se inicia con una cifra cercana a los 100 conflictos por año en los setenta, asciende a 800 casos en los ochenta, se estabiliza alrededor de 300 conflictos hasta 1997 y a partir de allí, se incrementan con un pico en 2005 cercano a 650 casos (Laserna y Villarroel 2008).

Por su parte, la Defensoría del Pueblo del Perú, que tiene registros de conflictos sociales activos desde 2004, muestra también una tendencia a su incremento. Se parte de 551 en el primer año, asciende a 2435 en 2009, se estabiliza alrededor de 1900 casos hasta 2014 y vuelve a ascender a 2486 conflictos activos en 2015 (Defensoría del Pueblo 2016).

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En esa misma perspectiva, el EJAtlas muestra una tendencia similar en el número de conflictos ambientales reportados en los PA (Gráfica 6)8.

Acorde al inventario disponible, antes de la década del noventa se iniciaron un total de 28 casos de conflictos ambientales en los PA (11% del total), en la década del noventa aparecieron un total de 45 casos (19%).

Durante lo corrido del siglo XXI, el número de casos iniciados ascendieron a 171 que representan el 70% del total de conflictos identificados en la región. Ello muestra una dinámica creciente de la conflictividad ambiental que se acentúa a partir del 2000.

Los conflictos previos a los noventa están mayoritariamente relacionados con la extracción de biomasa, representados en cultivos de caña, banano, palma y flores; desarrollo de infraestructura y gestión del agua (construcción de vías e hidroeléctricas), e incipientemente algunos conflictos de minería. Esto corresponde a la estructura metabólica de ese momento, más centrada en los recursos bióticos que en los abióticos.

Gráfica 6. Dinámica temporal de los conflictos ambientales en los Países Andinos.

Fuente: Proyecto MESOCA-ANCA 8

Esta gráfica identifica la cantidad de conflictos ambientales iniciados en los diferentes años desde 1970. En la ficha de Ejatlas se registra el año de inicio del conflicto ambiental.

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Los conflictos de la década del 90 están relacionados con minería, biomasa y combustibles fósiles. Los casos de minería son generados principalmente en Perú por oro y cobre, y en Colombia por extracción de materiales de construcción; los conflictos de biomasa se producen por camarones, madera y palma en Ecuador y Colombia, así como la quinua en Bolivia; y en el caso del sector de combustibles fósiles se asocian con proyectos de extracción de petróleo, principalmente en Ecuador.

En esta década, comienzan a desarrollarse políticas específicas que impulsan el extractivismo en los cuatro países. Enel caso del Perú se asocian al gobierno de Fujimori (1990-2000), que además de promover iniciativas que liberalizan la economía peruana, da paso a la expansión minera a gran escala a través de la Ley General de Minería de 1992. Esta Ley protege dicha actividad a pequeña y mediana escala, y promueve la gran minería transnacional fomentando condiciones favorables como la disposición de remesas en el exterior, la devolución anticipada del impuesto a las ventas y la irrevocabilidad de la concesión (Vélez-Torres y Ruiz-Torres 2015).

En el caso de Ecuador, desde 1992 se da un proceso similar a Perú destacándose la reforma a la Ley de Hidrocarburos, que promueve la inversión foránea en los sectores extractivos a través de políticas de concesión y de inversión estatal en obras de infraestructura.

Una situación similar se presenta en Bolivia donde el primer gobierno de Sánchez de Lozada (1993-1997) pone en marcha el llamado proceso de Capitalización a partir de la inversión privada, con el que se buscaba mejorar los servicios de las empresas estatales, hecho que fue reconocido más como una venta de los bienes públicos; esta situación se evidenció con la Ley de Hidrocarburos que condujo a la privatización de la empresa Yacimientos Petrolíferos Fiscales Bolivianos (YPFB) (Perreault y Valdivia 2010).

En Colombia, este viraje se da a través de la Apertura Económica que se inicia con el gobierno de Gaviria en 1991, liberando en forma radical la economía a las importaciones y a la llegada masiva de capitales, con flexibilización laboral, financiera y ambiental; a esto se suman los decretos de los años ochenta donde los recursos mineros son declarados patrimonio de la Nación y se clasifica la industria minera como de utilidad pública.

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Estas reformas comienzan a tener efectos en la dinámica y estructura metabólica de las economías de los PA, respondiendo a los requerimientos de la economía mundial. Así, recordemos que mientras el sector abiótico creció a un ritmo de 5,4% promedio anual, el sector biótico lo hizo a 1,4%. Esto cambió la estructura metabólica de las economías andinas al perder importancia el sector biótico y pasar de 50 a 42% en la DE entre 1990 y 2000. Esta dinámica se evidenció en términos de la conflictividad ambiental, donde el sector de la minería y de energía fósil fue ganando importancia en la generación de conflictos ambientales.

Las políticas implementadas en los PA en los noventa se consolidan a partir del 2000, teniendo como resultado un aumento significativo en las cifras de DE. El sector abiótico es el responsable de esta dinámica al crecer a un ritmo de 5% promedio anual frente a 0,5% del sector biótico.

Esto acentúo la especialización económico-metabólica hacia la minería y los hidrocarburos, al pasar de 58 a 70% entre 2000 y 2012, dejando al sector biótico con una participación reducida del 30% en el último año.

Los resultados de estas políticas en términos de crecimiento metabólico y de sus cambios estructurales hacia lo abiótico, produjeron un incremento constante de los conflictos ambientales. Durante este periodo (2000-2015), se presentaron 171 conflictos, muchos de ellos relacionados con minería, combustibles fósiles y gestión del agua. Analizando por país se encuentra que en el caso de Colombia se desarrollan 84 conflictos (73% del total del país) y en Ecuador 33 (58%), los cuales se encuentran en minería, combustibles fósiles, gestión del agua y biomasa. En Perú 37 (75%), principalmente en sectores mineros y de biomasa; en Bolivia 16 (66%), la mayor parte en combustibles fósiles y minería.

Esta realidad evidencia que la conflictividad ambiental reportada se desarrolla principalmente a partir del siglo XXI, mostrando los resultados de la puesta en marcha y operación de políticas reprimarizadoras similares en los 4 países, independientes de su sesgo ideológico. En Colombia desde 2002, la apuesta de Álvaro Uribe Vélez (2002-2010) y Juan Manuel Santos (2010-2018) se asocia a las llamadas “Confianza Inversionista” y “Locomotora minero-energética”.

En Ecuador y Bolivia desde la segunda mitad de la década del 2000 bajo el gobierno de Rafael Correa (2007-2017) y Evo Morales (2006-actual), se promovieron también políticas neoextractivas pero restableciendo el papel del Estado en una nueva relación con el capital (Latorre, Farrell, & Martínez-Alier, 2015).

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Por su parte Perú, dando continuidad estratégica a las políticas neoliberales que se han mantenido en los últimos 25 años, se preserva en esta década el fomento a las actividades extractivas principalmente relacionadas con minería. Durante el gobierno de Ollanta Humala en 2014 y 2015 se promovieron leyes que crearon mejores condiciones para la inversión privada en detrimento de los instrumentos existentes para proteger el medio ambiente, la salud y la integridad de las personas (VélezTorres & Ruíz-Torres, 2015).

Discusión de resultados Hasta el momento hemos hallado tres resultados centrales: i) un crecimiento importante del metabolismo social en la región, que significa un aumento de la presión general sobre el ambiente y el territorio; ii) un creciente grado de “extractivismo” exportador cada vez mayor en todos los países; y iii) un incremento en el número de conflictos ambientales reportados en los PA relacionados con los sectores metabólicos que más crecen.

El crecimiento del metabolismo social en términos de flujos de materiales se produce tanto en términos absolutos como relativos (en intensidad material por km2 y per cápita). Esta acelerada dinámica material de las economías andinas se debe no solo al incremento ocasionado por los aumentos de la población y la visión desarrollista de la calidad de vida basada en altos niveles de consumo, sino que está fuertemente conectada con la estructura productiva que los PA han ido perfilando mediante las relaciones Norte-Sur. La transición de los perfiles metabólicos, desde un modelo productivo principalmente agropecuario dirigido hacia el mercado interno, hacia un modelo minero-energético dirigido al mercado externo, ha generado cambios radicales en las tasas de crecimiento extractivas. Esto produce una ampliación de las fronteras hacia otros territorios e intensifica el uso de los suelos ya productivos y sus recursos interrelacionados, todo ello basado en una estructura política que podría describirse como de “colonialismo interno”(González Casanova 2006; Stavenhagen 1963).

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Tanto los patrones extractivos como la conflictividad ambiental son concomitantes con las políticas implementadas en los países de la región a lo largo de estas cuatro décadas, al servicio del crecimiento económico internacional y con creciente presencia de China. Por eso se ha hablado no solamente de un paso del Consenso de Washington al “consenso de los commodities” (Svampa, 2013), sino también del camino hacia un Consenso de Beijing. Hasta los ochenta la promoción de exportaciones; en los noventa las aperturas económicas; y en el siglo XXI el neoextractivismo o las locomotoras minero-energéticas. Estas políticas continuas han impulsado el mantenimiento de unos patrones de desarrollo de carácter primario-natural. Mediante tales “ventajas comparativas del comercio internacional” los países se especializan en la producción de bienes que usan recursos que son abundantes en sus territorios. Esa supuesta abundancia tiene un gran costo social y ambiental. Así, al disminuir la ley de los metales, se recurre a minería a cielo abierto. También al disminuir el EROI del petróleo la extracción se desplaza a territorios muy sensibles ambientalmente y con poblaciones étnicas amenazadas.

Las políticas aplicadas en los PA han conducido a la extracción y exportación de bienes natural-intensivos y a la importación de bienes o servicios capital-intensivos. Este patrón de especialización conlleva mayores costos ecológicos puesto que implica la ampliación de la base 88% en Ecuador, 94% en Perú y en Bolivia 88%, con una pauta común.

El incremento de la conflictividad ambiental es impulsado por el petróleo, el carbón, el oro, el cobre, la palma de aceite, la caña y la madera.

Esta realidad coincide con los sectores económico-metabólicos que más crecen y que se relacionan básicamente con el mercado externo.

Esta situación también está relacionada con el contexto de la conflictividad social en los PA, que como ya se observó, ha crecido de manera significativa durante las últimas décadas. Buena parte de estas dinámicas de la conflictividad, tienen que ver con dos elementos señalados por Merlinsky(2013): la expansión de las herramientas jurídicas y de activismo judicial en el campo ambiental; y, las transformaciones en los formatos de acción colectiva.

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Con relación al primer aspecto, los PA impulsados por la Conferencia Mundial de Rio 92, ampliaron el campo de protección en materia de derecho ambiental a través de una nueva generación de leyes, abriendo dos escenarios: i) mayores posibilidades de respaldo legal y constitucional a las comunidades afectadas; y, ii) un escenario de contradicciones y conflictos jurídicos en torno a lo ambiental entre los diferentes niveles de gobierno territorial (Merlinsky 2013).

Al tiempo, este nuevo marco normativo en la región incorporó nuevos mecanismos de participación ciudadana que ampliaron las posibilidades jurídico-legales, multiplicando los casos de demandas a los tribunales en temas ambientales.

La existencia de fallos judiciales a favor de la parte débil del conflicto empodera a las comunidades e intensifica los conflictos ambientales (Sabatini 1997), las cuales además aprenden a esgrimir nuevos instrumentos jurídicos internacionales, como la Convención 169 de la OIT. Los cambios de la sociedad civil y de los gobiernos en las últimas décadas en los PA, transformaron los formatos de acción colectiva. Esto dio lugar a nuevos movimientos ciudadanos protagonizados por actores sociales con mayor grado de autonomía frente al Estado y el mercado, que en sus demandas expresan una búsqueda de derechos más amplios de matriz ciudadana (Merlinsky 2013). Acá aparecen nuevos actores políticos como ambientalistas, mujeres, indígenas, comunidades afro, entre otros, conectados a nivel internacional con la dinámica de los movimientos globales.

Con ellos surgen nuevos espacios de acción política centrados en temas que movilizan a distintas clases sociales como el ambiente, la exclusión territorial y las discriminaciones de género y raza (Albuquerque 2004). Y también hay mayor represión, con muchos “defensores ambientales” muertos como señala la organización Global Witness y también recoge el EJAtlas; al igual que arremetidas de los gobiernos (como en Bolivia y Ecuador) contra organizaciones de la sociedad civil tales como el CEDIB o Acción Ecológica.

En tal perspectiva, estos nuevos actores y movimientos sociales, fortalecidos por una red de alianzas en todos los sectores, se vuelven importantes agentes de cambio que podrían promocionar la sustentabilidad. En particular, las comunidades étnicas y rurales juegan un rol significativo en esa defensa por la conservación, dado que sus valores 205

Metabolismo Social y Conflictos Ambientales

culturales conciben la naturaleza y los seres humanos como uno solo. Por eso cuando se ve afectado el ambiente, se afecta directamente también su territorio, su cultura y su tradición. En ese sentido, los movimientos sociales generados a partir de la búsqueda de la justicia ambiental son una nueva fuerza que promueve al tiempo la sustentabilidad y la equidad socioambiental. Ellas son las dos caras de una misma moneda.

Conclusiones Encontramos un importante crecimiento del metabolismo social en las economías de los PA. Este crecimiento que aceleró la materialización de las economías es provocado tanto por la dinámica económica y de consumo, como por los cambios estructurales de los perfiles metabólicos de estos países hacia el sector abiótico. Ambos cambios son el resultado de las políticas aplicadas en la región en los años de análisis, que al mismo tiempo dependen de unas estructuras institucionales a nivel global que determinan la división internacional del trabajo y las áreas de especialización económica de los países del Sur. En otras palabras, las ventajas comparativas y los procesos de especialización generados son de carácter histórico, no ‘existen’ por sí mismos como hechos ‘naturales’ que emergen de la ‘naturaleza’ ecológica y social de una región, sino que son construidos políticamente y después ‘naturalizados’ como si fueran inevitables. En síntesis, son resultado de decisiones políticas, forzadas mediante estrategias económicas, tributarias, subsidiarias y de relaciones de poder.

Dado el carácter natural-intensivo de estos modelos extractivos en términos del uso de la tierra, el agua y otros recursos naturales, se generan grandes impactos y conflictos ambientales. En tal sentido, el crecimiento del metabolismo social que es una consecuencia de las demandas exteriores y de las políticas socioeconómicas aplicadas en estos últimos años, es también una causa de la generación de conflictos ambientales.

Los conflictos se generan entre viejos y nuevos actores empresariales que expanden sus actividades bajo patrones agresivos y comunidades que tienen otra forma de relacionarse con la naturaleza y entre sí. Por ejemplo, empiezan a aparecer empresas chinas en los conflictos de los últimos años.

La expansión de estas actividades extractivas coincide frecuentemente con 206

Mario Pérez-Rincón, Julieth Vargas-Morales, Zulma Crespo-Marín

la presencia de comunidades étnicas, formas de producción campesina que dependen en buena medida de los servicios ambientales provistos por la naturaleza, las cuales en general cuentan con pocas políticas gubernamentales activas y con poco respaldo institucional.

Esta situación hace a las comunidades más vulnerables, con lo cual la expansión de tales actividades potencializa los impactos socioambientales sobre las mismas. Se incrementa la exclusión hacia el uso y disfrute de los recursos naturales de los cuales subsisten, afectando sus modos y medios de vida, sus redes sociales, sus estructuras culturales y sus derechos consuetudinarios sobre los bienes comunes de los cuales dependen altamente, generándose un despojo del agua, la tierra, los territorios comunales, y en general de la biodiversidad.

Finalmente, tanto la dinámica metabólica como la conflictividad ambiental muestran que los PA se encuentran en una encrucijada. Por un lado, las políticas económicas y sociales de origen estatal, en concordancia con el modelo imperante a nivel global, le apuestan a un patrón basado en sectores intensivos en el uso de la naturaleza orientados al mercado externo.

Por otro lado, las comunidades de base y los movimientos sociales le apuntan a la búsqueda del bienestar o del “buen vivir”, pero con justicia socioambiental y sustentabilidad, basados en modelos de desarrollo más autárquicos, endógenos y locales. La salida de esta encrucijada dependerá de la política, donde la apuesta por la sustentabilidad y la equidad obedecerá más al nivel de movilización social y al fortalecimiento de las redes de resistencia contra hegemónicas que a agendas promovidas desde los organismos internacionales, el Estado y los poderes económicos locales.

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PARTE III CONFLITOS NACIONAIS BRASILEIROS

Criada a Reserva Extrativista Verde para Sempre, Parรก

CAPÍTULO 6 RESERVAS EXTRATIVISTAS: Do movimento social para a política socioambiental Joseph S. Weiss1 Mauro Oliveira Pires2

Destaques  Amazônia era vista como um vazio demográfico; o extrativismo vegetal era considerado atrasado e sem futuro e; a vida dos pobres era vista como prejudicial ao meio ambiente.  A política dos governos militares era ocupar para não entregar.  Os primeiros objetivos dos seringueiros era permanecer na terra e melhorar as condições de vida, depois adicionou manter a floresta em pé.  Conceberam o empate para resistir ao desmatamento, a reserva extrativista para tornar esta resistência permanente, o Conselho Nacional dos Seringueiros para organizar a luta, a Aliança dos Povos da Floresta e apoios internacionais e nacionais para se fortalecer e pressionar os bancos e o governo federal.  O conceito de reserva extrativista (resex), usufruto coletivo de terra pública, não encaixava na legislação. O governo federal criou o assentamento extrativista e depois a resex, com legislação própria.  Nesta luta, conseguiram vingar a concepção do movimento, suspender um empréstimo multilateral com o governo tomador adotando uma política para retomá-lo. Muitos doadores passaram a valorizar a participação dos beneficiários no desenho dos projetos.

1 2

Pesquisador do CDS/UnB. Analista Ambiental, Inst. Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio)

Reservas Extrativistas

 A luta dos seringueiros dos anos 1970 resultou em 39 milhões de ha de reservas e assentamentos extrativistas, sem contar as marinhas.  O CNS reúne regularmente para apresentar suas reivindicações aos governos que nem sempre são atendidas.

Introdução Sem tratar das lutas e conquistas dos irmãos indígenas, este capítulo aborda as reservas e assentamentos extrativistas, resultantes da luta iniciada pelos seringueiros no fim dos anos 1970.

Numa realidade marcada pela transição da ditadura militar para o retorno da democracia representativa, hiperinflação, aumento da dívida externa, imposições dos bancos multilaterais e limites impostos pelo ordenamento legal, as demandas dos seringueiros não se encaixavam, como também não se encaixavam as de quaisquer populações tradicionais.

Parecia uma luta desigual.

Como se fortaleceu e quais foram os resultados alcançados? Como o modelo de gestão territorial e uso da floresta alcançaram destaque?

São questões que nos movem, como já moveram pesquisadores como a antropóloga Mary Allegretti, ao mesmo tempo agente dessa história.

Como que o movimento seringueiro, evoluindo para englobar os demais povos da floresta e populações extrativistas, lutou e se articulou para alcançar visibilidade inimaginável? Como que a luta conseguiu mudar os conceitos sobre os povos das florestas no mundo, obteve mudanças no aparato estatal brasileiro e nas regras rígidas dos bancos multilaterais?

Quais são as perspectivas para o futuro dentro das ameaças existentes?

Na sua tese de doutorado (Allegretti, 2002), assim como na revista que organizou em 2018 sobre o legado de 30 anos da morte de Chico Mendes, ela aponta respostas consistentes e esclarecedoras. Baseandonos em seu trabalho e de outros autores, tais como Steve Schwartzman, Ane Alencar e Phillip Fearnside, apontamos uma visão panorâmica desse movimento marcante que tanto repercutiu no interesse de cientistas sobre novas configurações da relação homem - natureza. Procuramos também refletir sobre perspectivas que se apontam no horizonte trazendo ameaças outrora imaginadas superadas.

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Joseph S. Weiss, Mauro Oliveira Pires

Vejamos os números. Existem hoje no Brasil, conforme o ICMBio, 87 unidades de conservação de uso sustentável federais abrigando comunidades extrativistas do território continental e costeiro-marinho.

Somam quase 23 milhões hectares, o que proporciona relativa segurança fundiária para 80 mil famílias. Apenas as reservas extrativistas, são 66 unidades distribuídas em 13 milhões de hectares. De acordo com o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Tradicionais (Brasil, Ministério do Meio Ambiente, 2017), dados do Incra apontam 123 mil famílias ocupando os Projetos de Assentamentos Ambientalmente Diferenciados3. A Secretaria de Patrimônio da União emitiu Termos de Autorização de Uso Sustentável para 48 mil famílias ao longo dos rios federais, várzeas e ambientes costeiros.

A destinação dessas áreas públicas (ou tornado públicas) para os extrativistas guardam relação direta com o movimento seringueiro iniciado lá atrás, do qual o principal expoente foi Chico Mendes. Não são insignificantes essas conquistas, ainda que a demanda das populações tradicionais por reconhecimento de seus direitos ao território seja muito maior.

O Contexto brasileiro e externo Poderíamos voltar a cinco séculos atrás quando paulatinamente a Amazônia passou a ser ocupada pelos colonizadores europeus em busca de riquezas e do mito do Eldorado e posteriormente das drogas do sertão.

Poderíamos ainda fazer um corte temporal a partir de meados do século XIX, quando a demanda por borracha natural impulsionou a política de envio de nordestinos, aplacados pela grande seca, para a floresta arriscando-se suas vidas ao nela se embrenharem para extração do látex. Porém, concentramonos na realidade dos seringueiros vivida a partir da década de 1970.

Nesse período predominava a concepção de que o desenvolvimento da Amazônia passava pela abertura de rodovias e a colonização pública e privada.

Desbravar a floresta significava madeira abaixo, queimadas e incêndios abrindo espaço para a implantação de fazendas de gado. Sob a 3

Projetos de Assentamento Extrativista – PAE, Projetos de Assentamento Florestal – PAF e Projetos de Desenvolvimento Sustentável – PDS. 219

Reservas Extrativistas

ditadura militar, o lema era: “ocupar para não entregar”, como se a região fosse um vazio demográfico.

Não deveria incluir o extrativismo no modelo de “desenvolvimento”, visto como uma atividade atrasada e sem futuro. Indígenas, seringueiros, castanheiros, enfim, extrativistas não eram vistos pelos olhos do progresso, ou melhor eram sinônimo de atraso.

A crise dos anos 1960 e 1970 e a produção da monocultura da seringueira no sudeste asiático levou a uma queda expressiva do preço da borracha. Muitos seringalistas abandonaram seus extensos seringais tornados decadentes.

Suas áreas tornaram-se atraentes à implantação de extensas fazendas de gado abertas por pecuaristas e especuladores vindos do Sul. O que antes era floresta, usavam a prática do corte predatório, queimadas e incêndios (Souza, 1998, Castelo, 1999, Barros, 2018). Crédito barato estimulava a compra ou a ocupação ilegal de terras, pois áreas tidas como pertencentes aos seringalistas eram na verdade terras públicas.

Esqueceram-se de que nos antigos seringais habitavam há gerações milhares de extrativistas da borracha e da castanha. Deixados à própria sorte, submetidos antes ao aviamento e agora aos regatões e seus preços, viraram autônomos e posseiros. Para defender sua fonte de sobrevivência vinda da extração da seiva da seringueira e da coleta da castanha, precisavam evitar que os pecuaristas derrubassem a mata e os expulsassem. Ao menos essa era a realidade no Acre, Amazonas e parte de Rondônia.

Para os governos militares era necessário promover a ocupação massiva da floresta estimulando a migração para a Amazônia (“terras sem homens para homens sem terra”). A ocupação era tratada como elemento crucial para a manutenção da soberania nacional. Sua visão geopolítica levou a cabo a ida de migrantes expressivamente em Rondônia, no Acre, no norte mato-grossense e no sul do Pará, como também em outras partes da Amazônia.

No contexto externo, a crise do petróleo iniciada em 1973, os financiamentos obtidos e a emergência das políticas neoliberais levaram ao aumento da dívida externa brasileira, assim como ocorreu em outros países.

Em paralelo, a questão ambiental passou a receber expressiva repercussão, notadamente após a Conferência de Estocolmo em 1972. Na virada da década de 1970 para a de 1980, começava a repercutir internacionalmente o impacto da ocupação predatória da Amazônia levada a efeito por políticas estatais, atrativo crédito e alguma infraestrutura.

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Joseph S. Weiss, Mauro Oliveira Pires

No mundo, os debates em torno das ações voltadas para conservação da natureza, especialmente das áreas florestais nativas, apregoavam a criação de áreas protegidas sem a presença humana para defender a sobrevivência da biota integrada ao bioma. Outros defendiam áreas utilizadas por populações originárias para que fossem minimamente impactadas.

Ainda outros propuseram a implantação de infraestrutura e novas tecnologias apropriadas. Poucos defendiam a ampliação dos usos tradicionais como defesa da floresta.

O ser humano era visto naturalmente como predador. Os preservacionistas viam até mesmo as práticas da população pobre e excluída como umas das causas da deterioração ambiental. Não havia proposta de unidades de conservação onde a função humana fosse considerada essencial para aproveitar o potencial enorme de valorização da floresta em pé.

O que fazer, senão a defesa de sua vida, ameaçada pelas ações estatais e agentes privados quanto a seu território e modo de vida? No caso dos seringueiros, a sua organização e capacidade de formação de alianças foram essenciais para o enfrentamento da realidade adversa. Muitas vezes, os movimentos sociais obtêm sucesso em suas reivindicações, ainda que de maneira relativa. Movimentos sociais surgem quando está em jogo ao menos uma dimensão da vida humana, como ensinam estudiosos do assunto.

Constructos de movimentos sociais Tarrow (1998), Klandermans (1997), Porta e Diani (2006) contribuíram à concepção e à aplicação de três conceitos relevantes para a análise sobre movimentos sociais: de processos de framing ou narrativas, estruturas de mobilização e estruturas de oportunidades políticas. (ver capítulo 2 e sua aplicação na seção de análise social deste capítulo).

O conceito de framing (enquadramento) se origina com Goffman (1986: 1-11)4 como o processo pelo qual uma situação é concebida de acordo com os princípios da organização, ou seja, mediante a interpretação da conjuntura os atores sociais definem a lógica da ação. O mecanismo do framing alignment significa o alinhamento de visões ou a compatibilização entre análises da realidade e de ações do movimento social.

4

Por coincidência, escrito em paralelo com o crescimento do movimento.

221

Reservas Extrativistas

A estrutura de mobilização constitui a capacidade de organização e articulação tanto no nível local quanto nacional, somada à capacidade de formação de redes de apoio.

McAdam et al (1996: 29) definem a estrutura das oportunidades políticas como “mudanças na estrutura legal ou institucional que oferecem acesso político formal a grupos desafiantes que podem colocar em movimento ações por reformas mais estreitas ou institucionalizadas”.

Para Porta e Diani (2006: 222), quatro componentes desdobram o conceito de McAdam: instituições políticas; culturas políticas; estrutura e comportamento dos aliados e dos adversários aos movimentos sociais5.

Esse arcabouço parece-nos útil para entender a organização dos seringueiros, pelo menos em seu início.

Os seringueiros como movimento social Podemos sintetizar os primeiros objetivos de Chico Mendes e seringueiros da seguinte forma: permanecer na terra (seringais, neste caso), reconhecimento de seus direitos históricos e melhoria das condições de vida. Depois se agregou a proteção do meio ambiente, que implicava, quando fosse o caso, adaptação do uso dos recursos da floresta. Várias manifestações de Chico Mendes e de outras lideranças logo perceberam que a defesa de seus direitos significava também a defesa da floresta.

A liderança de Chico Mendes, que obteve formação política diferenciada6, o trabalho organizativo praticado por Wilson Pinheiro e a forma como foi assassinado, somados ao apoio inicial da igreja católica e da Confederação Nacional de Trabalhadores na Agricultura (CONTAG) para a criação de Sindicatos de Trabalhadores Rurais (STRs) foram atributos que favoreceram a integração e força do movimento seringueiro.

Sua mobilização foi capaz de criar formas de luta, destacadamente o empate, característica da desobediência civil não violenta, concebidas contra a expulsão e o desmatamento. É um confronto gandhiano para interromper a derrubada da floresta por máquinas dos pecuaristas (ALLEGRETTI 2002: 493, SAWYER, 2013).

5

Síntese da análise social e processo decisório das reservas extrativistas em (WEISS, 2017).

6

Do pai autodidata e do Euclides Távora, tenente da Intentona Comunista de 1935 (ALLEGRETTI 2002:202).

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O caso emblemático foram os empates no seringal Nazaré realizados contra os desmatamentos praticados pelo Grupo Bordon, que até obteve apoio da força policial (op. cit. 299). Durando quase uma década, tornaram-se um símbolo da luta, pois enfrentaram o poder de uma empresa multinacional do setor de carnes, em torno da disputa pela terra, tendo de um lado a fazenda registrada em nome do grupo empresarial e, de outro, o seringal. Um mesmo espaço visto por visões opostas, mas desiguais em termos de poder.

Relato de Chico aponta que, dos 45 empates realizados de 1976 a 1988 obtiveram 15 vitórias (op. cit. 720). O empate deixava claro que “o que está em disputa são os recursos florestais e não a própria terra (ALLEGRETTI 2008:42)”.

As ações pacíficas e não violentas foram respondidas com a violência dos fazendeiros. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o presidente do STR de Brasiléia. Depois de liderar o primeiro empate no Seringal Carmen em 1976, ele foi assassinado em dezembro de 1980. O significado e a forma de sua morte às vésperas do natal daquele ano levaram Lula e Chico Mendes a discursarem para uma massa de seringueiros presentes no velórios daquela expoente liderança. A participação de um sindicalista do ABC, de Chico Mendes e de outras lideranças os levaram a ser enquadrados na Lei de Segurança Nacional.

O Primeiro Encontro Nacional dos Seringueiros Chico Mendes e seus companheiros convocaram o 1º Encontro Nacional dos Seringueiros, realizado em outubro de 1985 na Universidade de Brasília. Na ocasião, deliberaram (ALLEGRETTI, 2002:455): i) Criação do Conselho Nacional de Seringueiros; ii) Aprovação do conceito de reserva extrativista para regularizar terra e proteger a floresta, optando por usufruto coletivo dos seringueiros em terra federal, similar às Terras Indígenas; iii) Formação de uma equipe de assessores que mobilizou redes nacional e internacional com visões alinhadas com os seringueiros; Havia quem esperava que o resultado do encontro fosse uma “demanda utópica a ser conquistada no bojo das transformações mais gerais” (op. cit. 462). Pela ampla repercussão que o evento teve, talvez 223

Reservas Extrativistas

pudesse resultar num pequeno ajuste da política de reforma agrária. Não se esperava mais. Mas o fato é que os seringueiros se tornaram reconhecidos como legítimos defensores da floresta.

Aliança dos povos da floresta Ailton Krenak, da União das Nações Indígenas (UNI), também participou do Encontro Nacional dos Seringueiros, o que favoreceu posteriormente a formação da Aliança dos Povos da Floresta. Em setembro de 1986, José Lutzemberger e Ailton Krenak foram ao BID, quando expuseram a realidade da devastação da floresta e solicitaram que o banco sustasse o empréstimo que havia concedido ao governo brasileiro para a infraestrutura na região. Além disso, recomendaram ajustes inerentes às regras de financiamento a projetos na região.

Em 1987, Chico Mendes, de um lado, e Ailton Krenak, de outro, convenceram seus pares, antes tidos como adversários, a reconhecer a semelhança das suas reivindicações. Dessa atitude, surgiu a Aliança dos Povos da Floresta. Com frequência nas suas falas, Chico ressaltava alguns dos êxitos políticos: a criação do CNS, a proposta das reservas extrativistas e a aliança com organizações ambientais internacionais; e a aliança com os povos indígenas, ligando os três (Schwartzman, 1986).

As aspirações dessa aliança permanecem até hoje, e passou a ser compartilhada por outros povos e comunidades tradicionais. Sempre quando oportuno, estão nas trincheiras juntos.

Rondônia e Polonoroeste O estado de Rondônia estava num processo acelerado de migração, em números muito superiores aos planejados. Até 1980, meio milhão de migrantes havia se deslocado a oeste, incluindo agricultores familiares vindos do Sul e pessoas das cidades do centro-sul e nordeste em busca de novas perspectivas. Seguiram para lá também outros segmentos como fazendeiros, pecuaristas, garimpeiros e grileiros (especuladores de terra ou landgrabbers).

O programa federal Polonoroeste, com empréstimo do Banco Mundial (BIRD), foi assinado em 1981. Incluía a construção da BR364 entre Cuiabá e Porto Velho, colonização, regularização fundiária e 224

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produção. Também incluiu, em decorrência da visibilidade negativa do programa quanto à devastação da Amazônia, o Projeto de Manejo de Recursos Naturais de Rondônia, destinado a minimizar a situação.

No acordo para o empréstimo destinado à rodovia Cuiabá-Porto Velho, BIRD estabeleceu uma série de condicionantes ambientais. Sem avaliar, supunha que Rondônia haveria a capacidade e intenção de cumprir. Não houve e não foram cumpridas.

No primeiro ano, avançaram as obras, mas não a proteção ambiental. Colocaram em risco inúmeros grupos indígenas sem contato e aumentaram rapidamente as taxas de desmatamento enquanto gastavam devagar os fundos para recursos naturais (SCHWARTZMAN, 1986, ALLEGRETTI, 2008: 47). “Não houve avanço na defesa das terras indígenas do Polonoroeste”. Das 14 áreas demarcadas aguardando no Ministério do Interior, nenhuma foi homologada. “Sucedem-se invasões sem qualquer esforço para evitá-las (Mindlin, 1986)”.

Diante desse cenário, houve uma campanha nacional do CNS contra a pavimentação da rodovia, o aumento do desmatamento e a falta de defesa dos indígenas. Outras organizações se juntaram, com a UNI, a Comissão Pró-Yanomami (CCPY) e o Centro de Trabalho Indigenista (CTI). “Em outubro de 1984, 32 ONGs brasileiras e de outros países pediram ação imediata quanto ao Projeto de Manejo de Recursos Naturais de Rondônia (Schwartzman, 1986)”.

Bancos multilaterais cedem à repercussão mundial Entre 1985 e 1988, a situação da Amazônia, marcada pela rápida devastação, desmatamento e incêndios, obtinha ampla repercussão internacional, constituindo-se até mesmo como pauta central de várias organizações civis da Europa e Estados Unidos. A partir das iniciativas e dos contatos internacionais, o CNS e seus parceiros construíram um conjunto de críticas (frame) e oponentes (oportunidades políticas), envolvendo e ganhando a opinião pública internacional (ALLEGRETTI 2008:47).

Steve Schwartzman, presente ao 1º encontro nacional, preparou um relatório no qual afirmava: “emerge da base seringueira amazônica uma iniciativa inovadora de conservação da floresta tropical, a proposta de reservas extrativistas, áreas protegidas, similar às reservas indígenas, a serem manejadas de forma sustentável pelos seringueiros, ...que dependem 225

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da floresta em pé para seu sustento (ALLEGRETTI, 2002: 458, citado de Schwartzman, 1985)”. A participação desse parceiro do CNS foi muito importante naquela conjuntura. Ele passou a enviar cópias às autoridades do Acre, Rondônia, BID, BIRD, etc., e divulgar a notícia em revistas, com forte repercussão mundial.

Uma semana após o encontro do CNS na UnB, realizaram-se em São Paulo as audiências públicas da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU (Comissão Brundtland), em preparação da Rio-92. Nas audiências, participantes do 1º encontro dos seringueiros começaram a articular e convencer os membros da Comissão, da qual participava o professor e ambientalista Paulo Nogueira-Neto, sobre a situação dos extrativistas. Desde então, a contribuição dos seringueiros para o duplo enfrentamento da degradação do meio ambiente e o combate à pobreza passou a ter o reconhecimento da ONU. Em março de 1987, Chico Mendes viajou a Miami e Washington, aonde reuniu com diretores e técnicos do BID, congressistas dos EUA e ONGs. Junto com os assessores Steve Schwartzman e Adrian Cowell, conversou com os doadores do BID na sua reunião anual. Disse que os compromissos socioambientais assinados pelo Brasil não estavam sendo cumpridos, podendo trazer um alto impacto social e ambiental para o Acre e a Amazônia.

Pediu a suspensão dos empréstimos conforme cláusulas dos acordos. Foi atendido pelo BID e, em paralelo, pelo BIRD. O BID, diante de uma real possibilidade de os EUA reduzirem sua contribuição, informou ao Brasil que só com o funcionamento do Programa de Proteção do Meio Ambiente e das Comunidades Indígenas (PMACI) seriam liberados recursos para a rodovia.

Embora com reconhecimento internacional, no Brasil Chico Mendes não recebia tanta atenção, situação que passou a se modificar com o apoio vigoroso da comunidade artística e ambientalista do Rio de Janeiro e São Paulo.

No início de 1987, a Aliança dos Povos da Floresta, durante um périplo por audiências com autoridades em Brasília, denunciou a devastação florestal e expos suas reivindicações. Os representantes da Aliança mostraram as primeiras imagens dos desmatamentos, que não receberam cobertura da mídia.

No mesmo período, um grupo de acreanos foi ao Presidente dizendo que o projeto socioambiental complementar à estrada (PMACI) era 226

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um trabalho “comunizante”, enquanto o Conselho de Segurança Nacional (CSN) se posicionava igualmente incomodado com o programa (op.cit..

553, 669-70) Ainda em 1987, Chico Mendes realizou quatro viagens internacionais além das nacionais. Em todos os lugares, fazia palestras sobre florestas, meio ambiente e aliança com os índios. Ao mesmo tempo, foi a 15 seringais e 200 colocações para discutir com seus companheiros; participou de filmes e apresentações em TV no Brasil e no Exterior (ALLEGRETTI 2002:614), toda refletida na cobertura de veículos de grande repercussão internacional como CNN, New York Times, The Economist, Voz d’América, Toronto Globe Mail, Canadian Broadcasting Corp. (citados em op. cit.). Tornou-se personalidade mundial conhecida e respeitada.

Diante das repercussões negativas sobre seus investimentos no Polonoroeste, o BIRD adotou algumas medidas, considerando esse programa como o maior desastre ambiental ao que se envolveu. i) Interrompeu informalmente os recursos do Polonoroeste por seis meses de 1985, sob pressão de redes de ONGs no Brasil e no exterior. ii) Não queria mais ser acusado de ações que conduziam ao desmatamento. Adotou em 1991 uma estratégia florestal mundial de cautela, excluindo de qualquer financiamento da exploração madeireira de florestas nativas. A equipe de um estudo brasileiro sobre o tema exortou o BIRD a reconsiderar esta proibição de extração florestal do BIRD de 1991, pois parece ter limitando as oportunidades mundiais das florestas nativas (BIRD, s.d., 62). iii) Hoje Polonoroeste é considerado um dos piores desastres ecológicos que recebeu apoio do Banco Mundial (Gomes, 2009). iv) Talvez temendo a repercussão à sua reputação, o BIRD recusou financiar o empréstimo para o trecho seguinte da rodovia, de Porto Velho a Rio Branco, passando o pedido ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (ALLEGRETTI, 2002: 470). v) Estes erros levaram o projeto a ser o primeiro da América Latina a sofrer um painel de inspeção (ver caixa de texto).

A partir da luta dos seringueiros, movimento antes desconhecido, foi favorecido pelo ambiente da crise da borracha, o escândalo do Programa, a abertura política e a estrutura montada pelo CNS. Conseguiu alterar a prática de organismos internacionais, incomodando setores.

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Souberam, mesmo diante das adversidades, atuar naquela conjuntura, alterando-a definitivamente.

Os empréstimos do BID/BIRD para o Acre O que ocorreu com o Polonoroeste em Rondônia condicionou o processo no Acre. Em ambos, havia o projeto da rodovia. No Acre, desdobrou em dois projetos socioambientais denominados PMACI: até Rio Branco, financiado pelo BID, e dali para frente, pelo BIRD. Foram elaborados, com a par-ticipação do INCRA, que escolheu áreas para Projetos de Assentamento Extrativista (PAEs) com assistência técnica e extensão, aprovados pe-lo Ministério da Reforma e do Desen-volvimento Agrário (MIRAD), além da demarcação de terras indígenas e reservas extrativistas.

Pressionado pela crítica internacional à devastação e a suspensão dos recursos em Rondônia, o INCRA acabou acionando os PMACI, aprovando a ideia dos assentamentos.

Novamente, estavam a favor do asfaltamento do trecho Porto Velho – Rio Branco, os governos brasileiro e acreano, os empresários em geral, além dos grileiros e os fazendeiros da União Democrática Ruralista (UDR).

A posição do CNS com referência aos empréstimos do BID foi consistente com a necessidade de manter uma rede de apoio com atores de opiniões diferentes.

Não se manifestou contrário à construção da BR-364 de Porto Velho a Rio Branco, tal como algumas ONGs ambientalistas.

A obra tinha medidas contingentes que visavam à proteção ao meio ambiente e às populações indígenas. Mas Chico Mendes opinou que a estrada, sem meio ambiente, seria outro Polonoroeste (op. cit. 2002:455).

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A área militar tinha uma visão de desenvolvimento da Amazônia e dos povos tradicionais centrada no risco à soberania nacional. Definiu o projeto PMACI como questão de segurança nacional, em relação ao qual o governo não aceitaria pressões externas e (b) mudou a sistemática de demarcação das terras indígenas [de preservação cultural], criando a figura de Colônia Indígena [que presumia assimilação] (ALLEGRETTI 2002: 354).

Os bancos multilaterais acharam que bastariam realizar melhoria na concepção e na execução dos projetos ambientais para evitar os im-pactos ocorridos no Polonoroeste. Foi aprovado o empréstimo do BID para o pavimento do trecho Porto Velho-Rio Branco da BR-364 em março de 1985 e a obra já havia começado. O IPEA aprovou os dois projetos PMACI cujos recursos sofreram um caminho burocrático tortuoso (Fearnside 1987:3).

Enquanto isso, a UDR nacional se organizava contra desapropriações e empates (ALLEGRETTI, 2002: 512). No Acre, com escritório em Xapuri, desmatava com proteção policial e questionava, por meios judiciais, os direitos de posse (op. cit. 392).

Chico e o CNS levaram a proposta das reservas extrativistas para a discussão no Acre, estado irado que sua viagem tivesse resultado na suspensão dos recursos. O CNS conseguiu o apoio da governadora do Acre, Iolanda Fleming, sobre os direitos dos seringueiros e ao empate contra a Bordon. Conclui-se que “O empate contra a Bordon foi ...decisivo...pela primeira vez ganhou visibilidade nacional... com a participação direta de diferentes setores da sociedade acreana” (op. cit.: 518).

Em resposta, os seringueiros tomaram a sede do Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Floresta (IBDF) em Xapuri em protesto contra a derrubada autorizada de uma colocação. O CNS denunciou o desmatamento e desautorizou o acordo para deslocar o trecho a derrubar, pois isso significaria reconhecer que o seringueiro não era o proprietário. Ficou claro que não aceitavam desmatamento, não limitado à posse em questão.

Enquanto não mudava o projeto, os acampados decidiram se deslocar para a assembleia legislativa em Rio Branco para aumentar a pressão contra o desmatamento (op. cit.512).

O BID decidiu suspender o empréstimo da BR-364 do trecho Porto Velho-Rio Branco até que se desse continuidade aos PMACI. Como resultado, os militares passaram: 229

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i) A enxergar os seringueiros e as entidades de apoio nacionais como agitadores insuflados por movimentos antipatrióticos internacionais que pretendiam exercer controle sobre as riquezas naturais da Amazônia. Esta posição passou a ser defendida por todos os órgãos federais envolvidos e a prioridade era a imediata retomada do programa, de acordo com as regras oficialmente definidas. ii) Com outros argumentos, o Itamaraty também se associou ao esforço de desmoralizar as pressões internacionais. Seus representantes afirmaram que condicionar à proteção ambiental a aprovação de recursos para projetos de desenvolvimento para países do terceiro mundo era esquecer que nestes países a miséria era o principal problema. iii) Para compatibilizar desenvolvimento com meio ambiente era preciso aumentar e não diminuir os recursos (op. cit. 2002: 670).

Assim, confirmava que o objetivo implícito dos referidos empréstimos era a ocupação geopolítica de território enquanto o explicito fosse o desenvolvimento regional “sustentável”.

O Acordo de Rio Branco O governo apresentou ao BID proposta visando o retorno do empréstimo. Os índios não queriam ser acusados de estarem contra a estrada ou o PMACI. Não queriam os recursos PMACI para demarcação, mas para saúde, educação e economia comunitárias. Queriam uma equipe de controle do PMACI com a participação da UNI e CNS. Os órgãos federais seguiram contra estas propostas. O BID e o Governo do Acre continuaram favoráveis ao conjunto do Projeto, com as posições dos povos da floresta.

O BID não queria ir contra os beneficiários.

O Acre era favorável. Diferente do resultado negativo da participação do governo de Rondônia, o Estado do Acre não estava contemplado nem com voz nem com recursos no projeto, pediu esta autorização ao PMACI. Também esta posição era por motivo da produção comercial indígena e de uma população com alto nível de participação econômica e política, que seguia sem políticas públicas.

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Depois de negociações históricas e duras, chegou, em resumo, ao seguinte acordo em meados de 1988: i) Interdição de áreas enquanto não formalizadas. ii) Levantamento das comunidades indígenas. iii) Retirada de não índios. iv) Programas de saúde, educação e desenvolvimento econômico, de acordo com as necessidades detectadas com base nas reivindicações das comunidades (incluindo alternativas para diversificar a produção). v) Fiscalização bem-vinda. vi) Demarcações, desde que precedidas pela assistência comunitária e plena concordância das comunidades (op. cit.: 675).

Esta decisão do BID mudou sua forma de negociar ao permitir a participação e até vetos dos beneficiários de um projeto.

Assentamentos e reservas extrativistas A base legal existente que pudesse sustentar a proposta da criação da reserva extrativista era desfavorável ao modelo concebido pelos seringueiros em termos administrativos e jurídicos. A legislação existente era inadequada quanto à reforma agrária, requerendo modificar o regime fundiário; de propriedade pública, para transferência dessas terras; e de meio ambiente, inexistindo forma de conservação apropriada para a sua regulação. Portanto, é relevante a discussão das limitações implícitas nestas três políticas para então comentar como foram as negociações em torno deste tema.

Legislação de reforma agrária Antes da corrida para o Norte, em 1964, no início da ditadura, foi aprovado o Estatuto da Terra que, sob a liderança de José Gomes da Silva, pretendia estabelecer uma reforma agrária para distribuir terra de latifúndios para minifúndios e sem terra onde existisse pressão agrária e conflitos de terra.

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Pouca reforma agrária brasileira foi realizada em áreas de pressão agrária; em vez disso, quase sempre deslocou camponeses sem terra para longe das suas origens, consistente com a política de ocupação da Amazônia encetada pelo regime militar desde os anos 1970, com o apoio dos órgãos federais, que excluía o extrativismo, considerado atrasado (PASQUIS et. al., 2005).

Criado pelo Estatuto da Terra, o INCRA desenvolveu os primeiros sistemas estruturados de obtenção e loteamento de terras em assentamentos para atender a demanda por terra. Entretanto, o INCRA vem tentando buscar alternativas que pudesse assentar as famílias na Amazônia, evitando o desmatamento, mantendo-o dentro dos limites da lei.

Não conseguia estabelecer uma política ambiental adequada para uma reforma agrária sustentável na região. Primeiro, tentou implantar reservas coletivas nos assentamentos individualizados; depois fez assentamentos ambientalmente diferenciados, geralmente coletivos. Continuou esta política, atendendo demandas de interesses locais, devido às pressões a favor da reforma agrária na Amazônia de políticos e empresários e os fazendeiros contra a sua execução em áreas ocupadas.

Normas das unidades de conservação As unidades de conservação da época eram quase todas de proteção integral com a norma de expulsar o povo da floresta. Entre as hoje designadas de uso sustentável, apenas as Florestas Nacionais “permitiam’ a sua criação com a permanência dos residentes, mas com atividades limitadas. Tinham como diretriz a retirada de seus perímetros os moradores locais, incluindo os povos da floresta. Não se enxergava que o morador pudesse defender a floresta.

Legislação fundiária “A apropriação privada de terras públicas, também denominada grilagem, tem sido uma regra na formação da propriedade privada rural no Brasil (IPAM, 2006:11)”.

Quanto aos seringais, poucos tinham cadeia dominial regular, somado ao fato de que os limites referenciais eram pouco precisos, favorecendo a expansão das áreas além do adquirido. As dimensões das propriedades eram definidas mais em função do alcance da relação 232

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de aviamento (op. cit.). Com a queda do preço da borracha, levando ao desinteresse dos seringalistas por suas áreas, muitas foram compradas a preços baixos por fazendeiros vindos do Sul, enquanto outras foram até mesmo abandonadas, tornando-se novamente terras públicas, somadas a outras já pertencentes à União ou aos estados. Independente do domínio, o fato é que os seringueiros viviam nessas áreas mas seus direitos, mesmo na condição de simples posseiros, não eram considerados.

Como movimento social, os seringueiros conseguiram, com a institucionalização da proposta de reserva extrativista, integrar três conjuntos de políticas (reforma agrária, unidade de conservação, e regularização fundiária): Como política pública, resgatando elementos da situação anterior, combinando-os com novos, resultantes de alianças estratégicas efetivadas, visando conquistar poder político na relação com o Estado. E o Estado, por outro lado, ao acolher a proposta, busca legitimidade em um campo político novo, o das demandas socioambientais, cada vez mais difíceis de ignorar, especialmente quando resultam de pressões articuladas de forma simultânea em espaços nacionais e internacionais (ALLEGRETTI, 2008:42).

As negociações Similar às denominadas terras indígenas, a proposta original do CNS era criar reservas sem propriedade privada individual, permanecendo os seringueiros nas suas colocações, com real direito de uso em terra pública, de forma a sanar essas três inadequações. Em vez do processo demorado e de mudança considerável de difícil adaptação, costumeiro do INCRA (MIRAD), e obtenção ou desapropriação da terra e deslocamento de beneficiários com crédito para instalação e operação, era necessário garantir a continuidade da vida e cultura do povo nas colocações existentes e ir introduzindo gradativamente mudanças compreendidas e aprovadas pelos seringueiros, conforme expectativa do BID. Havia grande discrepância entre as duas modalidades, assentamento e reserva. Além da base legal diferenciada, o INCRA tinha uma cultura e capacidade institucional de reforma agrária agropecuária.

Arriscava-se que os técnicos do INCRA fossem incentivar lotes individuais 233

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com produção que conflitasse com o conceito seringueiro, como há quem o faça até hoje. Ainda, “no final dos 1980, o INCRA passava por momentos de reestruturação e desarticulação de sua equipe [e pressão corporativa] (CUNHA e LOUREIRO 2009:176)”.

Em contraste, a questão ambiental crescia em importância. O IBAMA, recém-criado a partir da junção de quatros órgãos federais (IBDF, Sudepe, Sudevea e Sema) tinha uma visão florestal e ambiental mais em consonância com a concepção do CNS. A construção institucional Da formulação da ideia da reserva extrativista no Primeiro En-contro Nacional, “foram cinco anos de conquistas e recuos em um cenário complexo ... institucional e político..., para se efetivar (ALLEGRETTI, 2008: 462)” a primeira reserva extrativista federal, um processo empurrado sempre pela força do movimento.

Os debates sobre a figura jurídica e institucional da reserva extrativista foram concentrados em 1986. Mary Allegretti havia apresentado um relatório sobre as áreas de economia extrativista do PMACI em março de 1986. Como solução, a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA) propôs Áreas de Proteção Ambiental e o IBDF, Florestas Nacionais, cada uma com condições limitantes.

Após processo bastante participativo, os conselheiros do CNS concluíram unanimemente pela alternativa de projeto de assentamento extrativista coletivo de usufruto em áreas da União e perspectiva de troca de saberes com o INCRA. As preocupações do CNS foram de evitar a substituição dos residentes e a introdução de mudanças de difícil absorção pela população tradicional.

Em junho de 1987, o governo brasileiro aceitou o conceito da reserva extrativista como uma área coletiva. Entretanto, diante das limitações legais e institucionais, para que o Governo Sarney pudesse aprovar esta proposta tida como esdrúxula, precisava de legislação que a fundamentasse, apenas encontrada nas leis de reforma agrária, aplicadas pelo INCRA. A criação de projetos de assentamentos extrativistas foi uma solução administrativa imediata, com áreas disponíveis Sob pressão, o INCRA emitiu portaria 627 de 1987, consistente com a legislação de reforma agrária vigente, especificando que os assentamentos teriam como objetivos socioeconômicos autossustentáveis 234

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e ambientais sem interferência sobre os ecossistemas (MIRAD/INCRA, 1987, RODRIGUES DA SILVA, 1996).

Deveriam ser em áreas com a presença de extrativistas, dotadas de riquezas extrativas para exploração sustentável, onde predominava a atividade extrativista. O primeiro criado foi o Assentamento Extrativista Chico Mendes, no seringal Cachoeira ao leste da cidade de Xapuri; em vez de ser com a distribuição de lotes, manteve-se a unidade coletiva.

Enquanto isso, estava sendo elaborada a Constituição Federal durante 1987 e 1988. Em 1989, criava-se o IBAMA. Portanto, Presidente Sarney só criou o instituto da reserva extrativista com o Decreto 98.897 em janeiro de 1990, no último ano da sua gestão, como unidade de conservação, subordinado ao IBAMA, de exploração autossustentável e conservação dos recursos naturais renováveis, por população extrativista.

Em março de 1990, foram elaborados os Decretos nos. 98.863, 99.144, 99.145 e 99.166, criando as quatro primeiras reservas extrativistas.

O CNS gera políticas para reservas e assentamentos extrativistas Uma vez criadas as primeiras reservas extrativistas, o CNS continuou se empenhando em alcançar a implantação e consolidação desses territórios, na criação de novas e na aprovação de políticas complementares, foi ampliando o seu alcance, com atuação em toda Amazônia. Em sua caminhada, percebeu que era necessário encampar a representação de outros povos e comunidades tradicionais.

Em 2009, o seu conselho deliberativo, composto de 27 lideranças de diferentes segmentos agroextrativistas de todos os Estados da Amazônia, na presença de 400 lideranças extrativistas, o renomeou como Conselho Nacional de Populações Extrativistas – CNS, incluindo todos que realizavam a extração de produtos florestais não madeireiros (PFNM).

São seringueiros, castanheiros, coletores de açaí, quebradeiras de coco babaçu, balateiros, piaçabeiros, integrantes de projetos agroflorestais, extratores de óleo e plantas medicinais, entre outras modalidades.

A criação da reserva extrativista como unidade de conservação de uso sustentável inserida no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC - Lei nº 9.985/2000), foi uma importante 235

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conquista, ao garantir espaços territorialmente protegidos para o desempenho de atividades extrativistas”, mais resistentes que unidades sem a presença do homem. “Porém não é capaz de permitir, automaticamente, que aqueles territórios possam efetivamente ter sua utilização atrelada àquela finalidade (Araújo Filho, 2016).

O projeto Reservas Extrativistas I (RESEX I), com participação do Banco Mundial e da Comunidade Europeia, foi um dos primeiros projetos do PPG7, iniciado em 1994, para atender as quatro primeiras reservas.

Ocorre que a realidade em que se inseriu era mais complexa do que se imaginava, e não seria um projeto piloto suficiente para superar os gargalos para a consolidação territorial das unidades, promover organização comunitária e a melhoria das produção.

Pela novidade, o projeto era um experimento idealista. Foi desenhado para lidar com a propriedade fundiária pertencente ao poder público, mas para beneficiar comunidades que, dentro dessas quatro áreas, possuíam relação com a floresta totalmente distinta do que estava desenhado pelos programas e políticas desenvolvimentistas.

Entre as inovações do projeto estava o seu reconhecimento à importância da organização comunitária, por meio de associações e mesmo cooperativas. Possuía o componente de organização da produção, o que incluía apoio para a pesquisa e extensão na proposta seringueira inicial e nas primeiras versões do projeto. Apesar de haver existido apoio seringueiro para investir em outras atividades7, quando os seringueiros reuniram para debater alternativas antes do início do projeto, resolveram concentrar na tecnologia e valorização da seringa e da castanha. Assim, o projeto acabou não cuidando o suficiente de sistemas de produção alternativos.

Houve pouca capacitação para melhoria da segurança alimentar e da geração de renda, em atividades como manejo florestal sustentável, apicultura, avicultura, horticultura e piscicultura. Pouco se aproveitou dos levantamentos que se fez das famílias nas reservas acreanas (Sawyer 2018, comunicação pessoal).

Vale uma nota quanto ao manejo florestal comunitário. Havia uma proibição no Banco Mundial quanto ao financiamento de manejo florestal 7

Chico diz “o Projeto Seringueiro de educação... que queremos expandir – ...e criação de abelhas e peixe”(Allegretti, 2002: 635). Foi consultado o rico arquivo dos documentos iniciais do RESEX I do Instituto Sociedade População e Natureza (ISPN).

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em áreas nativas, coincidindo com a experiência negativa local com os madeireiros. Somente após 2001 é que foi revogada após o convencimento do Banco Mundial quanto à viabilidade do manejo florestal, com ciclos de corte de 30 anos, permitindo a recuperação da área antes de nova exploração. Ou seja, a norma passou de “absolutamente não” para “sustentável, sim”, sem ser priorizado pelo projeto.

Uma dificuldade adicional é que faltaram recursos para a expansão do projeto para incluir outras reservas, como ocorreu no projeto do PPG7 de demarcação de terras indígenas8. Assim mesmo, foi um projeto bemsucedido, apontando lições para outras iniciativas baseadas na parceria entre o financiador, o governo e a comunidade local.

Durante a execução do projeto Resex I, começaram a surgir outras iniciativas de incentivo ao extrativismo. Os governos do Acre subsidiaram a venda da borracha, assim como ocorreu posteriormente com o estado do Amazonas e outros; medidas que favoreceram as comunidades.

No nível federal, houve políticas de apoio ao extrativismo, como as listadas abaixo (que não é exaustiva):  Programas de crédito especificamente voltados para extrativismo como o PRODEX do BASA (ALLEGRETTI 2002:744).  Por demanda das comunidades tradicionais, reconhecimento dos extrativistas das Unidades de Conservação como beneficiários do Programa Nacional de Reforma Agrária - PNRA, viabilizando o seu acesso aos direitos básicos como créditos de implantação e de produção. Medida que tomou forma por meio da Portaria Interministerial MDA/ MMA nº13/2002, permitindo ao INCRA a formalização do reconhecimento.  Mediante a Declaração de Aptidão ao Pronaf, as famílias extrativistas também puderam acessar crédito mais barato. Porém, as regras e a execução do Pronaf nem sempre favoreciam as atividades extrativistas, notadamente por causa do agente financeiro com baixo conhecimento sobre as práticas extrativistas, associado à necessidade de cumprimento de metas in8

Aparentemente, a coordenação do PPG7 não encontrou nenhuma publicação do projeto, pois a relação de todas as publicações dos diversos projetos não contém uma do Projeto RESEX (MMA, 2009). Talvez tenha tido alguma repercussão negativa, mas não devia ter sido motivo para reduzir a importância do seu objetivo.

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ternas de concessão de crédito, favorecendo assim os projetos mais convencionais (criação de gado etc.).  Apoio por meio de programas como o Amazônia Solidária, o PDA/PPG7, o Promanejo, Provárzea, editais do FNMA e de outras frentes destinadas a projetos de base comunitária e sustentável, incluindo o extrativismo.  Venda de produtos agroextrativistas para o programa de Aquisição de Alimentos, executado pela Conab/governo federal, como também para as prefeituras municipais no âmbito do programa nacional de merenda escolar.  Criação do programa de garantia de preços mínimos da sociobiodiversidade (PGPMBio), que subvenciona a produção extrativista quando o preço de mercado é inferior aos custos de produção.  Criação de novas reservas extrativistas inclusive no litoral brasileiro.  A extensão das cadeias de valor, como a criação no Acre da fábrica de preservativos que adquiria a preços melhores a produção de látex advinda dos extrativistas.  Início da exploração madeireira em áreas extrativistas.

Essa lista não significa que todas as demandas foram atendidas.

Na verdade, muitas das políticas mencionadas encontraram e ainda encontram barreiras que impedem o alcance de seus objetivos frente ao público extrativista. Não se dispõe de informação sobre a proporção das reservas extrativistas atendidas com essas políticas. Pela diferença entre as políticas estaduais de apoio no Acre e de oposição em Rondônia, fica clara a importância do apoio estadual para o êxito das reservas extrativistas federais e estaduais. Todavia, demonstra que aquela iniciativa começada no fim dos anos 1970 pelos seringueiros acabou repercutindo nas políticas públicas.

Quanto aos assentamentos, no governo Fernando Henrique havia a discussão sobre se eles deveriam continuar no modelo baseado na derrubada da floresta, criando projetos de desenvolvimento sustentável.

Especialmente durante o governo Lula (2003-2010), o INCRA ampliou 238

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a criação de assentamentos ambientalmente diferenciados a partir de 2004, ajustando-se assim a essa tendência, sem diminuir sua atuação no Norte (Alencar et al., 2016:31- Figura 5).

A partir de 2006, cinco anos depois da discussão federal sobre assentamentos em áreas de floresta nativa, passaram a ser proibidos assentamentos convencionais (PAs) em áreas de floresta da região, uma das medidas festejadas pelos ambientalistas e atrelada ao PPCDAm. Como resultado desse processo histórico de criação de assentamentos, hoje os diferenciados representam 41% da área dos assentamentos na região, com destaque àqueles localizados nas superintendências regionais do INCRA do Amazonas, Santarém, Belém (no arquipélago de Marajó), Acre e Amapá (op.cit.:31-33, Figura 7).

Apesar do avanço da Lei Nº 9.636/1998 que a autorizou, somente foi em 2010 que o INCRA aprovou a Norma de Execução (NE nº 93) que institui a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU) como instrumento jurídico padrão para os assentamentos ambientalmente diferenciados.

Hoje, “os direitos de utilização dos bens imóveis da União... podem ser destinados pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU) a agentes públicos ou privados, visando efetivar a função socioambiental desse patrimônio, em harmonia com os programas estratégicos para a nação (BRASIL/MPOG/SPU, 2018)”. Assim, é por meio das CDRUs que as terras públicas dentro de reservas extrativistas podem ser concedidas para as comunidades agroextrativistas representadas por suas associações.

Porém, a cultura regional predominante continua sendo a da propriedade individual da terra, sendo a regularização fundiária a política mais desejada. Esse tipo de imóvel mantém visivelmente maior relação com o desmatamento regional, perdendo apenas para as áreas griladas, massivamente comuns na região. Quando a propriedade é coletiva (uso dos bens comuns), menor o desmatamento, como se comprova pela análise de imagens de satélite sobre terras indígenas. Abrir mão do coletivo, receber documentos individuais e vender a terra acabam por favorecer reconcentração fundiária e conversão de floresta para pasto.

A imposição de várias diferenças culturais é denominada por Bourdieu (1989) de violência simbólica refletidas, por exemplo, no plano de uso em projeto de assentamento agroextrativista, com imposição de práticas legais quanto a trabalho infantil, participação de baixa escala, falta de compreensão e empoderamento (Sousa e Costa 2016).

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O desafio de reduzir o desmatamento nos assentamentos passa pela reestruturação institucional do próprio INCRA para lidar com esse paradigma da reforma agrária, que incorpora a dimensão ambiental às dimensões social e produtiva (ALENCAR et al., 2016). Mesmo com alternativas para a exploração da mata, em muitos dos assentamentos, verdes ou não, continua a predominar sistemas agropecuários baseados no desmatamento e sem valorizar os recursos naturais.

Resultados das reservas e avaliação socioambiental Podemos medir o impacto das reservas por meio de indicadores de diferentes dimensões.

Análise ambiental “As reservas extrativistas têm protegido áreas substanciais de floresta que dificilmente teriam proteção se as unidades de conservação fossem criadas por meio de expropriação com reassentamento e compensação dos moradores” (Fearnside et al., 2018: 449).

Essa afirmação também é compartilhada por inúmeros estudos científicos capazes de demonstrar uma forte associação entre área protegida com população tradicional e a conservação ambiental.

Análise social “O modelo de reserva extrativista evita as injustiças sociais inerentes ao processo [de assentamento] e mantém as comunidades e a cultura tradicional dos extrativistas” (Fearnside, 1989).

Esses homens e mulheres fizeram parte de um movimento icônico que ilustra perfeitamente um conjunto de fatores de alavancagem dos movimentos, principais conceitos de movimentos sociais. As lutas dos seringueiros e indígenas podem ser vistas pelos conceitos de framing (enquadramento) e framing alignment (alinhamento de visões), de estruturas de mobilização e de oportunidade política, como vemos a seguir.

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Chico Mendes demonstrava a importância de conceber ideias consistentes com a visão dos seringueiros, e alinhar visões de aliados através de valores similares, como se uniu aos indígenas na Aliança dos Povos da Floresta, defendendo suas necessidades diferenciadas de sobrevivência com a floresta em pé. Como, depois, obteve aliados nacionais e internacionais e ampliou a concepção de ambientalista. Ele compreendeu como evoluía a estratégia seringueira: “No começo pensei que estivesse lutando para salvar as seringueiras, depois pensei que estava lutando para salvar a Floresta Amazônica. Agora, percebo que estou lutando pela humanidade” (Pensador, 2019).

Os principais elementos de uma estrutura de mobilização são capacidade local, organização nacional e a formação de redes de apoio.

Todos esses elementos estavam presentes. Tinham: i) o conhecimento e a experiência das lideranças e a disposição de todos a enfrentar os opositores com a estratégia dos empates e a proposta das reservas extrativistas, ii) a organização do CNS, reunindo representantes espalhados pela Amazônia, com o apoio interno dos assessores, e iii) uma ampla rede de apoio nacional e internacional9, com grande repercussão na mídia, da sua força e da novidade da proposta trazida pelos seringueiros.

Vinham com muita energia desde a base, resultado de uma longa e empenhada mobilização, conseguindo promover por meio de importantes oportunidades políticas nacionais e internacionais para dialogar e obter o apoio de governos, movimentos, instituições financeiras multinacionais, ONGs, etc.

Os aspectos mais importantes das oportunidades políticas que disfrutaram foram a explosão mundial de interesse pela Amazônia, o impacto na mídia e nas redes ambientais do assassinato de Chico Mendes, os contatos com os bancos multilaterais e a suspensão das liberações dos recursos do empréstimo do Banco Mundial.

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União Nacional Indígena (UNI), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), Associação Brasileira de ONGs (ABONG), Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), Comissão Pro Yanomami (CCPY), Centro de Trabalho Indigenista (CTI), movimento negro representado por Milton Nascimento, Central Única dos Trabalhadores (CUT), WWF, Environment Defense Fund (EDF), Sierra Club, National Resources Defense Fund, etc.

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“No plano real, [as reservas extrativistas] são [uma das melhores e mais adequadas propostas] de conservação da floresta amazônica.

Contribuiu em muito para o êxito da proposta da ampla mobilização do conjunto de moradores da reserva... Em decorrência, os controles e a fiscalização, em geral dispendiosos, tornam-se viáveis em função do envolvimento dos moradores (MACIEL et al. 2008)”.

“A criação de UCs e o reconhecimento de TIs nem sempre são acompanhados por ações necessárias à sua consolidação territorial, como a demarcação física das terras, a retirada de invasores e a fiscalização contínua, o que explica parte do desmatamento pós-criação (ROLLA e SALOMÃO 2011:62)”.

Há ainda muito a aperfeiçoar para que continuem com esta posição. Viabilizar outras atividades econômicas com a diversificação de outros PFNM, manejo comunitário sustentável (madeireiro ou de PFNM), industrialização, agrofloresta, piscicultura, apicultura, horticultura, frutas especiais, pequenos animais, com a alocação de recursos da EMBRAPA e outras fontes para realizar e divulgar as pesquisas, e o concurso de empresas para facilitar a comercialização.

Resultados Entre os indicadores disponíveis para verificar se seus resultados estão alcançando seus objetivos são: 1) a taxa de desmatamento e a área total coberta, 2) a renda ou, na sua falta, a proporção que exploram atividades regulares e as previstas para sua diversificação, 3) a área total em reservas e assentamentos, 4) solicitações por novas reservas pendentes no ICMBio e assentamentos no INCRA. Os levantamentos realizados confirmam a adequação destes indicadores.  Recente trabalho de Fearnside et. al. (2018) relatam que 4301 km2 ou 3,4% dos 126,709 km2 das reservas extrativistas federais foram desmatadas de 1970 até 2014 ou 0,07% ao ano.

Quanto aos assentamentos, foram encontrados dados comparativos sobre o desmatamento dos assentamentos por modalidade. O desmatamento foi ainda menor nos diferenciados especialmente quando foram criados por demanda de populações tradicionais extrativistas, com o uso dos recursos naturais como estratégia produtiva principal.

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 Porém, a falta de investimento do INCRA e unidades com assentados principalmente agropecuaristas contribuíram para que desmatem mais (Gomes 2009: 51, 54). A média do desmatamento entre 1986 e 2003 (17 anos) era de 5,9% ou 0,3% ao ano. Para as áreas em recuperação (sucessão secundária) em 1986, 30% continuavam recuperando, representando uma recuperação anual em toda a área de 0,05% (op. cit.).  A partir dos levantamentos do ICMBio nas reservas extrativistas federais, realizados em 2013 e 2016, enquanto 54% dos entrevistados exploravam agricultura, 43% coletavam PFNM, 26% tinham pequenos animais, 24% pecuária, mas apenas 17% exploravam produtos de madeira, somente 6% produziam mel, e 8% vendiam leite e/ou ovos, muito menos que seria possível com habilitações apropriadas (Teixeira et al., 2018: 170).  Os dados oficiais sobre o número de UCs, áreas e habitantes do ICMBio e INCRA são apresentados na introdução.  São dezenas de áreas aguardando ser consideradas como novas reservas extrativistas, com atualmente poucas condições para que se efetivem (UCHOAS, 2017).

Barbosa de Almeida et al. (2018: 41) resumem bem os aportes positivos das reservas extrativistas como sendo 1) assegurar às comunidades extrativistas os direitos territoriais em terra pública e dos serviços sociais constitucionais, 2) proteção de terras públicas contra a grilagem e o uso predatório, 3) uso coletivo dos recursos naturais, 4) serviços ambientais que protegem contra o desmatamento de forma mais efetiva, e 5) ganhos na aplicação de conhecimentos diversos e integrados.

Com a criação das reservas extrativistas, a maioria sente uma segurança fundiária. O direito ao usufruto de terras públicas atua como barreira à grilagem e ao desmatamento e promove o uso não predatório dos recursos naturais enquanto permite atender os direitos aos serviços públicos e o acúmulo e aplicação de conhecimentos tradicionais.

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Diversificação Com o intuito de encontrar outras fontes para a diversificação da produção e da renda, foi realizado no Acre no início de 1991, o seminário Alternativas Econômicas para as Reservas Extrativistas. Considerou atividades já existentes e agroflorestas em áreas desmatadas, tornando-se um ecossistema similar à floresta. Decidiu que, em curto prazo, a borracha continuaria sendo a atividade básica, desde que o preço seja adequado, junto com outros produtos não-madeireiros e sua industrialização. Porém, concluiu que a extração de madeira continuasse sendo proibida dentro das reservas (ALLEGRETTI, 1962: 156-7).

Mas, se o extrativista tivesse acesso à tecnologia, poderia estar produzindo mel, aves, pescado ou derivados, animais de caça domesticados (dentro da lei), etc. Com acesso à educação formal, é natural que familiares aproveitam oportunidades de empregos e prestação de serviços.

Gestão Até 2007, o Ibama era responsável pela gestão das unidades de conservação federais, incluindo as Resex cuja responsabilidade recaía ao Centro Nacional de Populações Tradicionais – CNPT. Em 2007, o governo Lula criou o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), tornando-se a autarquia responsável pelas unidades de conservação federais, a proteção da biodiversidade, a pesquisa e o desenvolvimento sustentável das comunidades tradicionais extrativistas dentro das UCs. Obviamente, a escolha do nome do líder seringueiro para este novo órgão responsável pela proteção da biodiversidade é carregada de simbolismo. Após o seu planejamento estratégico, o ICMBio passou a funcionar mediante a gestão por macroprocesso. Isso significa o fim da gestão das unidades de conservação por categorias, como era antes.

Como a gestão de cada unidade envolve simultaneamente vários processos (por exemplo, plano de manejo, regularização fundiária, proteção, criação etc.); para cada processo, há o setor responsável. Por causa desse modelo, o antigo CNPT teve que ser reformulado, já que a gestão das Resex deixou de ser exclusividade de um único setor.

Atualmente, o CNPT tem o papel de gestão do conhecimento sobre 244

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a sociobiodiversidade dentro das unidades de conservação, de qualquer categoria. Assumindo parte das funções do CNPT, foi criada a Diretoria de Unidades de Conservação de Uso Sustentável e Populações Tradicionais (DIUSP).

Assim, reduziu a identificação dos extrativistas com um setor específico dentro da nova autarquia. Também. ao passar a haver um maior empenho dos técnicos do ICMBio, certos líderes do Conselho Nacional de Populações Extrativistas (CNS) sentiram que havia sido reduzido o nível de participação na gestão dos conselhos destas reservas.

Oportunidades A atuação e expansão continuada do movimento seringueiro é o resultado principal das lutas dos anos 1970 e 1980. A sua energia repercutiu no seu êxito que virtuosamente aumenta sua motivação. Isso foi demonstrado recentemente no encontro em Xapuri para celebrar os 30 anos da perda do Chico Mendes, contando com cerca de 500 participantes e parceiros. Como disse uma liderança “sabemos que o CNS é uma marca mundial”.

As reservas extrativistas sem exceção foram criadas a partir da mobilização local, dos principais beneficiários e parceiros. Muitas demoraram 10 anos, 15 anos, 18 anos para verem o decreto formalizando aquela unidade que, convenhamos, já lhes pertenciam por gerações e gerações. Quanto maior a ameaça por desmatamento e violência no campo, maior a urgência na criação da unidade. E sem mobilização local nada ocorre. Uma vez instituídas, relatos de servidores responsáveis pelas reservas apontam que a vigilância das comunidades é uma forma simples de proteger a área e os recursos naturais. Não são proprietários, mas assim se sentem. São daquela terra, a ela pertencem.

O CNS realizou três chamados onde reuniram com representantes de órgãos públicos para apresentar suas demandas. O último foi realizado em 2015 na Reserva Extrativista Tapajós-Arapiuns, Santarém, Pará.

O CNS apresentou demandas de políticas de reforma agrária, plano de manejo, política de produção e geração de renda, infraestrutura básica e saúde pública, política de educação extrativista, serviços ambientais, projetos produtivos, organização e gestão referente a: ICMBio, Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), INCRA, Programa de Apoio à 245

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Infraestrutura nos Territórios Rurais, etc., com correspondentes níveis de compromissos públicos (CNS 2016). Assim mesmo, no relatório para o III Chamado, o Presidente do CNS lembrou que “a verdade é que a pauta do CNS hoje, 30 anos depois que foi criado, não difere daquela que foi aprovada no 1º Encontro Nacional dos Seringueiros realizado em outubro de 1985 na Universidade de Brasília (CNS, 2015)”.

Depois desta declaração, houve alguns progressos iniciais, aplicáveis tanto às reservas extrativistas como para assentamentos. Entre eles estão:  A garantia de preços mínimos através do PGPMBio da CONAB para 17 produtos nativos: açaí, andiroba, babaçu, baru, borracha extrativa, buriti, cacau extrativo, castanha do Brasil, carnaúba, juçara, macaúba, mangaba, murumuru, pequi, piaçava, pinhão e umbu. Esses produtos da sociobiodiversidade quase que invariavelmente são frutos do extrativismo florestal, em sua maioria de florestas nativas. No primeiro semestre de 2018, cerca de R$ 250 mil destes produtos foram adquiridos na Amazônia Legal. Embora os valores deveriam ser mais expressivos, assim mesmo demonstram a relevância de haver políticas públicas que reconheçam as particularidades dessa produção, desse segmento social. Solucionados os desafios iniciais, poderá se tornar esteio dos produtos não madeireiros do extrativismo amazônico.  A realização do SANEAR AMAZÔNIA, executado pelo Memorial Chico Mendes: Mobilização social por acesso a água potável às famílias extrativistas na Amazônia, em falta deste serviço, com o apoio do Ministério de Desenvolvimento Social.

Em abril de 2018, foi instituído pelo decreto 9.334, o Plano Nacional de Fortalecimento das Comunidades Extrativistas e Ribeirinhas – Planafe, com objetivos e metas bem especificados, consistindo de quatro eixos: gestão ambiental e territorial, inclusão social, fomento à produção sustentável e infraestrutura; junto com a Comissão das Reservas Extrativistas Federais (Conarex) de 15 membros do MMA, ICMBio e representantes na maioria das populações tradicionais.

Hoje, 16 das reservas extrativistas têm planos de manejo comunitários, sejam de madeira, não madeireiros ou mistos (http:// 246

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www.icmbio.gov.br/portal/planosmanejo). São progressos nem sempre acompanhados pelos recursos necessários.

Com relação à exploração madeireira por extrativistas, BVRIO e IMAFLORA (2018) concluíram um diagnóstico do manejo florestal sustentável no bioma Amazônia, estimando um potencial de 46 milhões de hectares. A maioria dos extrativistas não tem o costume de retirar madeira para vender – poderá acertar com madeireiro sem respeitar a sustentabilidade.

O alcance deste potencial para os extrativistas se limita pela falta de capacidade comunitária para a gestão de empreendimentos, desafiada por quatro elementos: 1) a complexidade documental requerida pelo conjunto IBAMA-ICMBio-SFB-OEMA ou equivalente para o manejo em assentamentos; 2) a predominância da cultura agrícola sobre a florestal entre os profissionais destes órgãos e mesmo entre os assentados; 3) a falta de crédito e assistência técnica a manejo florestal nativo; e 4) o desafio da comercialização.

Quando o referido diagnóstico foi concluído, já predominavam, entre os planos comunitários aprovados de manejo florestal, aqueles situados em reservas extrativistas e assentamentos do INCRA. Existem várias florestas comunitárias com projetos de manejo aprovados para fins de produção de madeira ou produtos florestais não madeireiros por associações de reservas extrativistas, de Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) e assentados; e outras em processo de regularização junto aos órgãos responsáveis por aprovar planos de manejo florestal sustentável.

Em geral, logo após a divulgação anual, de forma transparente e acessível, hoje ameaçada, da taxa do desmatamento da Amazônia pelo INPE, aparecem artigos defendendo que as reservas extrativistas deveriam deixar de ser unidades de conservação e se transformarem em assentamento de reforma agrária, afinal, dizem, nessas áreas o desmatamento está crescendo.

Os resultados do levantamento do universo das resex de Fearnside et.al. (2018) não confirma esta posição. Apenas 3,4% da área total foi desmatada.

A relação entre desmatamento e resex precisa ser mais aprofundada, o que não cabe aqui. As variáveis que afetam a taxa de desmatamento são as que se observa na região – a proximidade a infraestrutura e população urbana, etc.

Duas unidades de conservação de uso sustentável vêm apresentando desmatamento elevado: a Flona Jamaxim, no Oeste do Pará, e a Resex Chico 247

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Mendes. Com relação à Jamaxim, o contexto regional explica o avanço da motosserra e correntões, pois há ação orquestrada por grupos locais a partir de Novo Progresso contra a instalação da unidade, desde quando foi criada em 2006.

No caso da Resex Chico Mendes, por outro lado, precisa considerar o aspecto principal. Quando se compara o desmatamento dentro da unidade e do seu entorno, a diferença é visível, demonstrando que apesar das ameaças a unidade cumpre um papel. Por outro lado, a presença do gado no interior da unidade é uma realidade inegável. Gado garante liquidez, enquanto a atividade extrativista depende de vários fatores para sua viabilização, entre esses a necessidade de políticas públicas diferenciadas e o reconhecimento dos serviços ambientais prestados pelas comunidades na conservação da floresta, o que não ocorre.

Além disso, a implantação de frigoríficos na região acaba por impulsionar a pecuária tanto fora quanto dentro da Unidade. Outras Resex também apontam desmatamento, mas nunca na escala da região em que se insere. Não são pouco os casos documentados apontando a invasão das unidades de conservação seja para o garimpo legal, caça predatória ou extração de madeira.

Não parece razoável que sem um profundo diagnóstico sobre as condições de cada unidade frente à expansão do desmatamento regional haja opiniões taxativas.

Ameaças Quais são as ameaças que a instituição de reserva extrativista está tendo ou poderá vir a ter? São externas e internas. As externas são as atividades antrópicas e não antrópicas existentes externas às reservas, especialmente provenientes das áreas urbanas. Tomando como base os textos de Mascarenhas et al (2018), Ruiz-Pérez et. al. (2005) e Pantoja et al (2010), que refletem a evolução das primeiras reservas extrativistas, a do Alto Juruá e a do Chico Mendes, enxerga-se que as reservas, junto com outras políticas públicas, trouxe o êxito social, mas resultou em reduções das perspectivas ambientais. O desmatamento na RESEX de Alto Juruá não chegou a 1 % de 1989 a 2000, na de Chico Mendes de 5,6% entre 1997 e 2016 (Mascarenhas et al, 2018), certamente perdas muito inferiores às áreas adjacentes a essas UC. 248

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O ambiente das reservas tem mudado gradualmente com a melhoria das condições de ensino e qualificação dos familiares, permitindo oportunidades de renda não extrativista nem agropecuária. Igualmente, há melhoras no acesso às cidades e vão se formando povoados nos seringais. No oeste do Acre há um processo de urbanização que se reflete na referida reserva, com uma redução na população de 14% entre 1991 e 2000, facilitada pela disponibilidade do ensino na reserva. Tudo isso pode reduzir a relevância do extrativismo na renda e na vida dos extrativistas.

Há correntes de pensamento que consideram que os povos indígenas e populações tradicionais são sociedades estagnadas, sem dinamismo e mudança ao passar do tempo. Não nos parece adequada de modo algum e muito menos para o caso dos seringueiros. Deixaram de ser semiescravos dos patrões seringalistas e se transforam em sujeitos de seu território, reconhecido como unidade de conservação. Ainda que essa mudança não seja suficiente, como acima exposto, é evidente que novo patamar é alcançado, abrindo novas oportunidades.

A Tabela 1 abaixo indica a nova mobilidade social e geográfica que foi lhe aberta. Se a maioria das famílias estiver diminuindo a coleta de PFNM com produção adequada para autoconsumo (cenário 0), há três possibilidades (podendo escolher mais de uma): aplicar algum recurso excedente em atividades alternativas, incluindo gado bovino; aplicar no ensino de familiares; ou optar em migrar para a cidade. As descrições da realidade por vários autores indicam que existem estes tipos de evolução da família seringueira.

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Tabela 1 Possíveis cenários para famílias seringueiras Outras ameaças externas são as divergências entre a cultura predominante da propriedade individual e a instituição do bem público coletivo da reserva extrativista. Os habitantes, imbuídos do sentido coletivo, sentindo donos sem sê-los, poderão continuar protegendo a mata. Porém, na medida em que as colocações e os bens nelas passem a serem vistos como propriedades individuais, poderão vir a sê-las, de forma gradativa ou não.

Se no passado a ênfase do apoio às reservas extrativistas tenha sido no sentido de garantir a presença das famílias no território, é passada a hora de investir mais solidamente em alternativas de renda. O aumento na renda e o acesso a políticas públicas trazem perspectiva de investimentos, em capital móvel e humano. Em todo o mundo, as famílias tradicionais armazenam seu capital em gado. Então gado em reservas extrativistas pode indicar êxito social, porém não ambiental.

Mas, se o extrativista tivesse acesso à tecnologia, poderia estar produzindo outros PFNM, mel, pescado, pequenos animais, animais de caça domesticados (dentro da lei), etc. Com acesso à educação formal, é natural que familiares aproveitam oportunidades de empregos e prestação de serviços.

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Alguns comentários finais Em conclusão, Allegretti (2002: 736-746) credita o sucesso do movimento a fatores endógenos (identidade política própria e propostas claras e exequíveis); e exógenos (alianças estratégicas, acesso à informação e redes de pressão e transformação de demandas concretas em políticas públicas). Mas também devemos adicionar fatores conjunturais: a liberdade alcançada com a crise da borracha, a estrutura montada pelo CNS, o escândalo do Polonoroeste e a abertura política.

Porém, a tese merece vários filmes a mais que Adrian Cowell não pode fazer. Aqui transcrevemos apenas um trecho: ... a estrada estava sendo asfaltada [sem] as medidas de proteção...

Chico foi o protagonista de uma das ações de maior impacto na política dos bancos multilaterais. Com as críticas ao Polonoroeste do Banco Mundial como antecedente, e a Reunião Anual do BID em Miami, em 1987, como cenário, Chico Mendes, com... Adrian Cowell e Steve Schwartzman ..., conversou com os doadores do banco. Disse que os compromissos assinados pelo Brasil não estavam sendo cumpridos e que... poderia trazer um alto impacto social e ambiental para o Acre e a Amazônia (op.cit.. 741).

Com os empates e a pressão internacional, o banco suspendeu os desembolsos. Com o assassinato de Chico Mendes, o movimento perdeu uma liderança mas sua luta, suas ideias e seu exemplo permanecem vivos até hoje e constituem símbolo da união entre conservação ambiental e povos e comunidades tradicionais.

Como resultado, os extrativistas brasileiros não só asseguraram sua ocupação da terra, conseguiram recursos para melhorar suas vidas com a floresta em pé, como também influíram no desenho de políticas públicas. Há muitos outros na floresta que não receberam. Será que a influência de beneficiários no desenho de políticas públicas seja um ideal?

Como conseguir generalizá-lo?

Essa estratégia é proposta hoje para lutas de outros movimentos sociais. Quando se repetirão as condições mundiais e nacionais para que um movimento socioambiental ocasione a suspensão de um empréstimo multilateral, o governo tomador adote uma política e retome o em251

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préstimo? Quando ocorrerão mudanças nas políticas mundiais quanto à participação dos beneficiários dos projetos nos seus desenhos, ao ponto de terem até poder de veto? Seguramente, até hoje, são eventos raros, mesmo que constem de normas.

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Forte oposição, questões jurídicas e a demarcação de terras indígenas levou [ao arquivamento, por enquanto,] do primeiro dos projetos de barragens no Rio Tapajós (www.ejatlas.org, acessado junho 2018).

CAPÍTULO 7 OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS das barragens amazônicas brasileiras Philip M. Fearnside1

Destaques Impactos  A construção de barragens na Amazônia brasileira frequentemente tem causado impactos que violam o que a maioria das pessoas consideraria normas básicas socioambientais.  Barragens inundam a terra, deslocando os moradores locais, incluindo povos indígenas e ribeirinhos tradicionais.  Impactos sobre a pesca, incluindo bloqueio de migrações de peixes, destroem os meios de subsistência das populações ribeirinhas independente de suas terras e casas terem sido inundadas.  Leis e emendas constitucionais aprovadas e propostas facilitariam o licenciamento e a construção de barragens.

Usos de Energia  Os benefícios de hidroenergia são principalmente para os centros urbanos distantes, onde há muito que economizar.  Parte da energia é usada para as exportações de produtos eletrointensivos, como o alumínio, que criam pouco emprego no Brasil e pagam preços especiais.

Entre barragens existentes com evidentes injustiças sociais, dentre outros impactos, estão: 1

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA).

Os Impactos Socioambientais de Barragens

 Tucuruí e Balbina deslocaram povos indígenas e prejudicaram recursos pesqueiros.  Santo Antônio e Jirau bloquearam as migrações de peixes que sustentavam as populações ribeirinhas em três países.  Teles Pires inundou o local mais sagrado do povo indígena Munduruku.  Belo Monte deslocou populações urbanas e rurais, destruiu a pesca de um trecho de 100 km do Rio Xingu.

Represas planejadas e supostamente não planejadas  Os grandes planos do Brasil para futuras barragens implicam em impactos semelhantes em maior escala.  Barragens nos Rios Tapajós e Xingu inundariam terras indígenas.  Dezenas de outras planejadas na Amazônia brasileira teriam impactos socioambientais dramáticos, como a de Marabá que deslocaria de 10.000 a 40.000 pessoas.

Introdução Os movimentos de justiça ambiental e os socioambientalistas combatem impactos ambientais desiguais aos grupos humanos com base em diferenças como raça, etnia e renda. As definições, tanto das partes do termo referentes aos conceitos de “justiça” como de “ambiente”, são variadas e continuamente em evolução (Schlosberg, 2007, 2013; Schlosberg & Carruthers, 2010).

Represas amazônicas claramente cabem em qualquer definição de injustiça ambiental. Estas barragens afetam, sobretudo, aqueles que vivem ao longo dos rios amazônicos e dependem deles, em outras palavras, moradores tradicionais, como povos indígenas e ribeirinhos.

Os benefícios das barragens revertem para os consumidores urbanos e especialmente para as indústrias. A exportação de energia elétrica sob a forma de commodities eletrointensivas, como o alumínio, ilustra a desigualdade em escala internacional, com a Amazônia e seu povo pagando o preço ambiental para o consumo e o emprego industrial em países que já 260

Philip M. Fearnside

não aceitariamos impactos do tipo desencadeado por essas barragens.

Barragens existentes e planejadas

Barragens Existentes 1 – Balbina 2 – Santo Antônio 3 – Jirau, 4 – Belo Monte 5 – São Manoel 6 – Teles Pires 7 – Samuel Barragens Planejadas 8 – Cachoeira Ribeirão 9 – Cachoeira Porteira 10 – Babaquara/ Altamira 11 –São Luiz do Tapajós 12 – Jatobá 13 –Chacorão 14 –Marabá

Figura 1 Barragens existentes e planejadas Barragens na Amazônia (Figura 1) têm um histórico de impactos socio-ambientais. Parte disso é inerente a esta opção de energia: impactos concentrados sobre os moradores ribeirinhos e povos indígenas no interior da Amazônia versus benefícios difusos a beneficiários distantes. Este aspecto é frequentemente minimizado pelos construtores de barragens com o xibolete “tem que quebrar alguns ovos para fazer uma omelete”. Naturalmente, essa lógica é muito mais fácil de aplicar quando os ovos a serem quebrados referem-se aos pobres espalhados ao longo dos rios da Amazônia, longe dos centros de poder e influência política.

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

Ironicamente, se ouve com frequência discurso do setor elétrico argumentando que mais barragens são necessárias porque milhões de brasileiros vivem sem eletricidade. No entanto, este argumento tem pouca relação com a distribuição de eletricidade no Brasil. Eletrificação rural não tem sido uma alta prioridade nos orçamentos de governo, e o avanço recente do programa Luz para Todos representa uma fração minúscula do uso da eletricidade do País e uma fração ainda menor da parte da eletricidade que está conectada à rede nacional e, portanto, com contribuição de hidrelétricas.

Um exemplo pungente da tradicional baixa prioridade para a eletrificação rural é a barragem de Tucuruí, concluída em 1984, onde 29 anos mais tarde 12.000 famílias em torno do reservatório ainda não tinham acesso à eletricidade (Folha de São Paulo, 2013). Linhas de transmissão de alta tensão carregam a maior parte energia da barragem diretamente para fabricas de alumínio em Barcarena, Pará e São Luís, Maranhão (Fearnside, 1999).

Empresas hidrelétricas anunciam barragens alardeando cifras astronômicas para o número de casas que podem ser abastecidos com energia das barragens. No entanto, a maioria de eletricidade no Brasil não é para uso doméstico, que responde por 22-29% do total, dependendo do ano (e.g., Bermann, 2012; Fearnside, 2016a). Não é anunciado o fato de que a maior parcela da eletricidade de barragens vai para a indústria.

Este tipo de injustiça poderia ser reduzido um pouco pela melhoria de medidas para reassentamento e pela substituição dos meios de subsistência das pessoas deslocadas, mas a estrutura fundamental da política não é alterada.

Projetos hidrelétricos na Amazônia têm mostrado um padrão consistente de violações dos direitos humanos, e os projetos são repletos de ações sem consideração das preocupações socioambientais em geral, como é comum em boa parte do mundo2.

Barragens existentes na Amazônia brasileira podem ser divididas entre aquelas que foram concluídas ou em construção durante a ditadura militar de 1964-1985 e aquelas implantadas em tempos mais recentes, no âmbito do sistema de licenciamento ambiental atual, que começou em 23 de janeiro de 1986.

2

Ver o relatório da Comissão Mundial de Barragens (World Commission on Dams, 2000).

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Philip M. Fearnside

O setor elétrico brasileiro frequentemente desconsidera os impactos das barragens anteriores, alegando que representam irrelevantes erros do passado que não seriam repetidos hoje sob um governo democrático com um sistema de licenciamento ambiental.

Infelizmente, esses casos ainda são altamente relevantes, e a estrutura básica da tomada de decisões pouco mudou. Anteriormente as decisões eram tomadas por um pequeno grupo de oficiais militares, e agora são feitas por um pequeno grupo de funcionários da Casa Civil e do Ministério de Minas e Energia.

A real decisão de construir uma barragem é feita muito antes de realizarem os estudos ambientais. A decisão, portanto, é feita com nenhuma informação sobre impactos sociais e ambientais, mesmo se estivessem acordadas a importância que estas considerações merecem. Os procedimentos de licenciamento que se seguem, tais como a elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e as audiências públicas, apenas legalizam o projeto da obra. O resultado máximo seria a apresentação de sugestões para alteração dos programas de mitigação e pequenos ajustes no projeto, mas sem efeito sobre a existência do projeto em si.

Barragens da Amazônia e tomadas de decisão As barragens amazônicas brasileiras têm antecedentes notoriamente pobres como exemplos de decisões racionais na construção de infraestrutura e de governança antes, durante e depois das barragens serem construídas. Barragens iniciadas durante a ditadura militar, tais como Tucuruí (Fearnside, 1999, 2001; Magalhães et al., 1996), Balbina (Fearnside, 1989; Rodrigues & Fearnside, 2014) e Samuel (Fearnside, 2005a), fornecem exemplos altamente relevantes ainda hoje.

Estudos ambientais foram feitos durante a ditadura militar, embora não sob o sistema atual de licenciamento federal, pois obras em andamento, tais como Balbina e Samuel, forem isentas. Esses estudos ambientais foram feitos enquanto as barragens estavam em construção; as decisões de construí-las foram tomadas anos antes.

O registro não melhorou muito desde a implementação do sistema de licenciamento atual e o advento das garantias ambientais e de direitos humanos, incluídas na Constituição de 1988 (Brasil/PR, 1988).

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

A insuficiência da tomada de decisão inicial, o licenciamento ambiental e as subsequentes medidas de mitigação são evidentes nos casos da hidrelétrica de Santo Antônio (reservatório enchido em 2011) e da hidrelétrica de Jirau (reservatório enchido em 2013), ambos no rio Madeira (Fearnside, 2013, 2014a,b,c,d, 2015a).

O licenciamento foi aprovado apesar das objeções formais da equipe técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) (Deberdt et al., 2007; Fearnside, 2014c). A economia de pesca do interior mais rica da América do Sul foi destruída, e os conflitos com os milhares de pescadores e pescadoras deslocados continuam.

O caso do assassinato da líder de uma das cooperativas de pesca continua sem solução: o corpo de Nilce de Souza Magalhães, conhecida como “Nicinha”, foi encontrado lastrado com pedras no fundo do reservatório de Jirau (e.g., Aranda, 2016; Toledo, 2016).

No caso da barragem de Belo Monte, no rio Xingu, o licenciamento foi aprovado a pesar das objeções formais da equipe técnica do IBAMA (Brasil/ IBAMA, 2009, 2010), por meio da substituição do Presidente do orgão (ver: Fearnside, 2012).

Os povos indígenas impactados não foram consultados, que é uma violação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (ILO, 1989) e da lei brasileira nº 5051 de 19 de abril de 2004 (Brasil/PR, 2004).

Isto resultou em mais de 20 processos jurídicos ainda aguardando julgamento, apesar da barragem ter sido concluída com base em uma decisão individual pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (International Rivers, 2012a). Após a construção, a mitigação tem sido desastrosa (Magalhães & da Cunha, 2017; Villas-Bôas et al., 2015).

Populações de pescadores perderam seus meios de subsistência na área do reservatório e em um trecho de 100 km de “vazão reduzida” abaixo da barragem principal, um trecho que inclui duas terras indígenas além de uma zona de pesca usada por um terceiro grupo indígena que reside em um afluente. O assassinato em 2001 do líder da oposição à barragem, Ademir Federicci de Albeu, conhecido como “Dema”, permanece sem solução (e.g., Switkes, 2001).

As barragens do rio Tapajós têm seguido um caminho semelhante (Fearnside, 2015b, c; Alarcon et al., 2016; Nitta & Naka, 2015; de Sousa Júnior, 2014). A barragem de Teles Pires, enchida em 2015, inundou a cachoeira de Sete Quedas, que era o local mais sagrado do povo indígena Munduruku que vive ao longo do Tapajós (Branford & Torres, 2017a).

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Philip M. Fearnside

A barragem de São Manoel, enchida em 2017, apesar de grosseiras irregularidades (Fearnside, 2017e), está localizada apenas a 700 m da terra indígena Kaiabi e já provocou uma série de conflitos (e.g., Branford & Torres, 2017b).

Em 2012, a Polícia Federal invadiu uma aldeia Kaiabí e abriu fogo sobre a população, matando Adenilson Kirixi Munduruku (Forest Comunicações, 2016; Silva, 2012; Sposati, 2012). A proposta barragem de São Luiz do Tapajós inundaria parte da área Sawré-Mubyu, habitada por Munduruku (Fearnside, 2015b).

O processo de licenciamento para a represa foi “arquivado” pelo IBAMA em 19 de abril de 2016, com a aprovação do Ministro do Meio Ambiente (de Araújo, 2016), embora isto proporcione uma proteção frágil, dado as frequentes substituições do presidente do IBAMA (ver Fearnside, 2016b).

Ainda nos planos da Eletrobras, funcionários continuaram trabalhando na barragem, apesar de sua visibilidade pública ter diminuido porque sua data esperada para construção agora se estendeu para além do limite de 2026 do atual plano decenal de expansão energética.

O plano também afirma que “o processo que envolve essa usina continua sendo acompanhado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE) [o órgão do Ministério de Minas e Energia responsável pelo planejamento energético], e, solucionadas todas as questões ambientais, ela poderá compor a cesta de oferta candidata à expansão em planos futuros” (Brasil, EPE, 2017, Capítulo 3, p. 61).

O Presidente da Eletrobras fez um discurso em 30 de novembro de 2016 indicando que os planos do órgão ainda incluem a barragem de São Luiz do Tapajós (Nunes & Neder, 2016). Estes planos sugerem que aqueles no poder esperem que o sistema de licenciamento ambiental como um todo seja desfeito pelo Congresso Nacional.

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

Barragens planejadas Muitas das barragens oficialmente planejadas na Amazônia brasileira têm impactos evidentes. Por exemplo, a hidrelétrica de Marabá, que é considerada “em execução” pelo Programa de Aceleração do Crescimento (Brasil, MP, 2017), deslocaria dezenas de milhares de pessoas (com estimativas entre 10.000 e 40.000), em sua maior parte, ribeirinhos tradicionais (Rodrigues & Ribeiro Júnior, 2010).

Alguns dos maiores impactos resultariam de barragens “não oficialmente planejadas”, barragens que têm constado nos planos oficiais anteriores, mas que atualmente desapareceram dos planos publicamente anunciados.

Uma é a hidrelétrica de Babaquara (renomeada como a represa “Altamira”, mas que é mais conhecida por seu nome original), que é uma das cinco barragens na bacia do rio Xingu que, desde anos 1970, foram planejadas para armazenar água rio acima de Belo Monte, a fim de suprir água para os 11.000 MW de capacidade instalada na sua casa de força principal (e.g., Sevá Filho, 1990; Fearnside, 2006).

A vazão natural do rio é insuficiente durante a temporada de baixo fluxo para operar uma turbina sequer dentre as 18 turbinas na casa de força principal por três meses do ano e é suficiente para apenas algumas turbinas durante vários outros meses, com o clima atual (Fearnside, 2017c).

As projeções de mudanças climáticas (Ângelo & Feitosa, 2015; Margulis & Untersell, 2017; Sorribas et al., 2016) e de desmatamento (Stickler et al., 2013) implicam em uma redução substancial da geração de energia por Belo Monte.

Mesmo sem esses impactos no futuro fluxo do rio Xingu, esta barragem seria financeiramente inviável sem os subsídios maciços que recebeu dos contribuintes brasileiros através do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Só a oferta destes subsídios, combinados com pressões políticas, foram suficientes para induzir um consórcio de empresas a investirem na barragem (Rojas & Millikan, 2014). BNDES financiou 80% do custo de construção com empréstimos a juros anuais de 4%, enquanto o governo federal se autofinanciou vendendo títulos a 10% de juros anuais (Leitão, 2010).

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Philip M. Fearnside

Os fundos dos contribuintes na Europa e América do Norte também investiram através do Banco Mundial que concedeu “empréstimos de política de desenvolvimento” (“DPLs”) ao BNDES (ver: BIC, 2009; Fearnside, 2017a).

A inviabilidade financeira de Belo Monte sem as barragens a montante é um forte indício que, no mínimo, a represa de Babaquara/ Altamira continua como parte do plano real (ver: Fearnside, 2017c).

A barragem de Belo Monte por si só desafia a lógica econômica básica (e.g., de Sousa Júnior & Reid, 2010; de Sousa Júnior et al., 2006; Fearnside, 2006). Outras indicações incluem a história dos planos para o número de turbinas em Belo Monte, com metade da atual capacidade total de 11.233 MW considerado em 2003 (Pinto, 2003), quando originalmente planejada e a intenção de construir as barragens a montante era publicamente admitida.

A operação seria mais compatível com a vazão não regulamentada do rio; mas os planos mais tarde voltaram a ter a potência principal com o design de 11.000 MW. Outra indicação de que Babaquara/Altamira continua nos planos não declarados foi o anúncio, em 2013, pela então presidente Dilma Rousseff de uma mudança na política para favorecer barragens com “grandes reservatórios”, ao invés de barragens a fio d’água, tais como a Belo Monte. Esta mudança de política foi confirmada pela administração presidencial de Michel Temer em 2016 (Borges, 2013, 2016; Fearnside, 2017d). Ela obviamente se referia ao rio Xingu, onde havia sido planejado para desenvolvimento com grandes barragens de armazenamento.

A barragem de Chacorão, no rio Tapajós, é um caso com uma semelhança forte à Babaquara/Altamira como “elefantes na sala”, ou seja, ausente dos debates oficiais. Chacorão inundaria 11.700 ha da terra indígena Munduruku.

Essa barragem não aparece mais em planos oficiais para energia hidrelétrica, mas a hidrovia do Tapajós, que é planejada para transportar soja do norte do Mato Grosso aos portos com acesso ao rio Amazonas, continua a ser uma prioridade do governo, e as barcaças não passariam pelas cachoeiras de Chacorão sem a barragem (Brasil, MT, 2010; Fearnside, 2015).

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

Obstáculos à justiça ambiental Entre as estratégias para criar obstáculos à justiça ambiental estão a negação da existência e a não divulgação de planos, a remoção de áreas protegidas das areas a serem ocupadas por barragens a aplicação de suspensões de segurança, apresentadas a seguir.

Estratégias para iludir o controle Uma das estratégias para obter a aprovação de barragens com severos impactos socioambientais é de negar a existência de planos para estas barragens até que seja obtida a aprovação para outras barragens em um complexo de projetos no mesmo rio.

As hidrelétricas de Babaquara/Altamira, no rio Xingu, e de Chacorão, no rio Tapajós, são exemplos disso, onde a negação pública dos planos parece ser “desinformação”, ou seja, uma disseminação deliberada de informações falsas (Fearnside, 2017c). Outra é a hidrelétrica de Cachoeira Riberão (também conhecido como a usina “Guajará-Mirim” ou “Binacional”), no rio Madeira.

Em 2006, enquanto preparações estavam em andamento para as barragens de Santo Antônio e Jirau, o chefe da empresa de construção da Odebrecht em Porto Velho disse a este autor que funcionários da Odebrecht eram proibidos de discutir Cachoeira Riberão até que as outras barragens fossem aprovadas.

Outra estratégia é simplesmente não divulgar planos para barragens controversas. Em dezembro de 1987, a Eletrobras lançou seu plano 2010 (depois que o plano havia vazado para o domínio público).

Este documento apresentou grandes barragens a serem construídas até ano de 2010. Também incluiu uma lista de barragens planejadas independentemente do ano esperado de construção. Foram listadas 79 grandes barragens para a região da Amazônia Legal (Brasil/Eletrobras, 1987; Fearnside, 1995). Isso incluiu cinco barragens na bacia do Xingu, a montante de Belo Monte (que nessa época era conheciao como “Kararaô”) (Fearnside, 2006).

Seguiu-se uma tempestade de críticas dos planos para barragens e a Eletrobras nunca mais liberou informações sobre barragens planejadas, sem se limitar a uma linha de tempo relativamente curta, como os planos decenais e relatórios ocasionais para períodos de 20 ou 30 anos.

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Barragens que desapareceram dos planos anunciados podem ressurgir anos depois. Um exemplo é que a barrragem de Cachoeira Porteira, planejada no rio Trombetas. Um estudo ambiental foi preparado (Brasil/Eletronorte, 1988).

Quilombos seriam afetados (e.g., Farias, 2014), e isto pode explicar por que a represa desapareceu dos planos oficiais. Quilombolas têm os mesmos direitos que os povos indígenas de acordo com a constituição atual do Brasil (Brasil, PR, 1988).

A facilidade com que a represa de Belo Monte obteve a aprovação do Congresso Nacional parece ter encorajado planos para barragens que impactam quilombolas e povos indígenas (Fearnside, 2017a, b). Além de quilombolas, a barragem de Cachoeira Porteira impactaria comunidades tradicionais de ribeirinhos e coletores de castanha (Teixeira, 1996: 253317).

A maior praia na Amazônia de reprodução de tartarugas se situa a jusante da barragem (e.g., Eisemberg et al., 2016). A barragem de Cachoeira Porteira reapareceu em planos oficiais em 2014 (e.g., CPISP, 2014). Em janeiro de 2019 o governo de Jair Bolsonaro anunciou o programa “Barão do Rio Branco”, no qual essa barragem é central (Rocha, 2019), e que inclua uma rodovia abrindo a bacia do rio Trombetas onde há um total de 15 barragens planejadas, várias delas impactando terras indígenas e quilombolas (CPISP, 2019).

Projetos como estes são conhecidos como “projetos vampiro”, porque, assim como um vampiro dormindo em seu caixão, esses projetos podem se levantar mais tarde. Como os vampiros que só podem ser mortos com uma estaca no coração, esses projetos são muito difíceis de cancelar definitivamente.

Um caso importante que parece ter se tornado um projeto vampiro é a hidrelétrica de São Luiz Tapajós. A barragem inundaria parte da área indígena Sawré-Muybu (Fearnside, 2015b).

Remoção de áreas protegidas como barreiras para barragens Áreas protegidas, incluindo as terras indígenas, representam uma barreira para o aproveitamento hidrelétrico em muitos locais, mas essa barreira está enfraquecendo progressivamente.

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

Partes de reservas podem ser removidas para abrir caminho para barragens, como foi feito, inicialmente por meio de medidas provisórias (MPs) presidenciais, para a planejada hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, reduzindo cinco áreas protegidas, incluindo o Parque Nacional da Amazônia (Sanson,2012).

Planos para barragens também podem bloquear a criação de novas áreas protegidas, como ocorreu para uma reserva extrativista para ribeirinhos na área da hidrelétrica de Jatobá, planejada no rio Tapajós (Fearnside, 2015b) e a área indígena Sawré-Muybu, que seria parcialmente inundada pela hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, e onde, apesar do Decreto em 2016 iniciando o processo de criação de uma terra indígena, a área ainda tem que ser oficialmente demarcada e homologada.

A desafeição de reservas e o rebaixamento do nível de proteção dessas áreas representam uma ameaça crescente em toda a Amazônia brasileira (Bernard et al., 2014).

Além de ganhar concessões através do Poder Legislativo, os ruralistas3 buscam convencer o Presidente da República a emitir MPs que autorizam povos indígenas a alugar suas terras ao agronegócio (Borges, 2017).

Isso seria catastrófico, tanto para a floresta como para os povos indígenas. A abertura de terras indígenas para arrendamento por empresas de agronegócio é proposta pelo Presidente Bolsonaro, e isto foi reforçado em 13 de fevereiro de 2019 quando os minístros de agricultura e de meio ambiente visitaram e elogiaram uma plantação ilegal de soja em uma terra indígena em Mato Grosso (Gonzales, 2019).

As terras indígenas protegem mais floresta amazônica do que as unidades de conservação administradas pelo ICMBio no Ministério do Meio Ambiente (Nogueira et al., 2017a, b).

Alem de mais extensas, as terras indígenas têm sido, até agora, o tipo da área protegida mais eficaz para evitar desmatamento (Nepstad et al., 2006; Vitel et al., 2009), mas esta eficácia não pode ser presumido como automática (Fearnside, 2005b; Fearnside & Ferraz, 1995; Vitel et al., 2013).

3

Das bancadas legislativas que defendem o agronegócio, apoiadas por lobbies da indústria hidrelétrica e empreiteiras.

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Philip M. Fearnside

Suspensões de segurança É muito ingênua a presunção de que o que é proibido pela Constituição ou pela legislação simplesmente não vai acontecer na vida real.

Afinal de contas, a usina de Belo Monte foi bem descrita pelo Ministério Público Federal em Belém como “totalmente ilegal” (Miotto, 2011), mas hoje a barragem se ergue sobre o rio Xingu como um fato concreto.

Um meio infalível para os proponentes de barragens contornarem restrições sobre impactos socioambientais é a “suspensão de segurança”.

Este dispositivo decorre de uma lei da ditadura militar (Lei 4.348 de 26 de junho de 1964), mantida e ampliada nos anos seguintes (Lei 8.437 de 30 de junho de 1992; Lei 12.016 de 07 de agosto de 2009, Brasil/ PR, 1964, 1992, 2009) que permite que qualquer juiz anule uma decisão judicial que bloqueasse um projeto, caso que implique em “grave lesão à economia pública”.

Como hidrelétricas são invariavelmente importantes para a economia, quaisquer decisões bloqueando essas obras podem ser derrubadas, independente de quantas leis, proteções constitucionais ou convenções internacionais sejam violadas. Até 2014, suspensões de segurança tinham sido invocadas 12 vezes no caso da hidrelétrica de Belo Monte e 14 vezes no caso do Tapajós (Palmquist, 2014).

O público brasileiro geralmente desconhece a existência de suspensões de segurança, garantindo assim uma completa falta de pressão sobre os legisladores para revogar essas leis (Fearnside, 2015).

O sistema judicial do Brasil revelou-se incapaz de fazer cumprir as leis pertinentes, como a Lei 5.051 de 19 de abril de 2004, que implementa a Convenção OIT 169 que exige a consulta dos povos indígenas (Brasil/ PR, 2004).

A legalidade de Belo Monte é contestada em mais de 20 processos iniciados pelo Ministério Público, e até hoje sem decisão pelos tribunais, e, mesmo assim, foi construída a barragem.

Uma decisão sobre Belo Monte que chegou ao tribunal foi favorável aos povos indígenas (ver: Silva & Santos, 2017). O governo entrou com um recurso no Supremo Tribunal Federal (STF) e, depois de receber quatro representantes do governo e nenhum da sociedade civil, o Presidente do STF Ayres Britto determinou que a construção da barragem pudesse continuar enquanto se aguardava uma decisão sobre o mérito do caso (Britto, 2012).

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

A decisão foi feita sem consultar os outros juizes do STF, e ocorreu apenas 15 dias antes da data da aposentadoria obrigatória de Britto e em meio ao julgamento do escândalo de corrupção do “mensalão” (International Rivers, 2012a;Peres, 2012;Sevá-Filho,2014).

Desde então, o caso Belo Monte nem sequer apareceu no radar para inclusão na pauta do STF, e a barragem foi construída na prática.

Alternativas às barragens Há muitas alternativas para substituir a energia elétrica e usá-la de uma forma mais eficiente. Uma opção de eficiência energética altamente visível no Brasil é o uso de chuveiros elétricos para aquecer a água do banho; oficialmente estima-se que seu uso consume 5% de toda a eletricidade no Brasil (Brasil, CIMC, 2008, p. 58).

Desde o Programa Nacional de Mudança Climática (PNMC) de 2008, tem sido um objetivo de governo acabar com os chuveiros elétricos, mas essencialmente nada tem sido feito – em vez disso, a prioridade continua sendo a construção de mais hidrelétricas. O Brasil possui grande potencial para aquecer a água do banho com aquecedores solares sem uso de eletricidade (Costa, 2007).

Reformas necessárias Considerações de justiça ambiental precisam ser incorporadas nos sistemas de tomada de decisão e de licenciamento para acabar com o padrão atual de construção de barragens e de outros projetos de infraestrutura, independente desses impactos.

Precisam ser eliminados subterfúgios que atualmente permitem a realização desses projetos, mesmo quando violamas proteções legais. Isto é especialmente importante com relação à lei de suspensão de segurança.

Uma reforma profunda do processo de decisão é necessária para que os prováveis impactos socioambientais sejam estudados e democraticamente debatidos antes da tomada das decisões críticas sobre construção de barragens, e para que esses impactos sejam uma das principais considerações na decisão (e.g., Fearnside, 2018a).

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Observe-se novamente que as decisões reais sobre a construção de barragens não se referem ao processo de licenciamento, mas sim àquilo que hoje acontece muito antes na ausência de informação, de debate público e de consideração das consequências socioambientais.

Estas alterações, por si só, são insuficientes. O Brasil, e muitos outros países onde existem situações semelhantes, também devem perseguir alternativas às barragens e outros tipos de projetos que provocam injustiças ambientais e outros impactos inaceitáveis.

As considerações sobre os impactos socioambientais provocados pelas barragens da Amazônia são qualitativamente diferentes de muitas outras considerações sobre barragens, tais como o custo financeiro ou a legalidade dos projetos. Considerações sobre justiça ambiental têm se demonstrado importantes para induzir mudanças tanto ao nível de individuos como de sociedades inteiras (e.g., Reese & Jacob, 2015).

Para que essas alterações aconteçam no processo decisório brasileiro sobre barragens na Amazônia, é essencial que os impactos socioambientais não sejam apenas formalmente documentados, estudados e explicados em termos acadêmicos, mas também que sejam vistos e internalizados pela sociedade em geral.

Possível mudança na política sobre barragens Um acontecimento em janeiro de 2018 oferece esperança à mudança na política de prioridades energéticas, embora não seja provável que o governo brasileiro se deixará de construir mais barragens na Amazônia. Afirmações à imprensa sobre uma mudança foram feitas por dois oficiais-chave: o secretário executivo do Ministério de Minas e Energia e o presidente da EPE. Declararam que, devido aos pesados impactos socioambientais das barragens na Amazônia, a prioridade deve mudar para outras fontes de energia, como eólica e solar (Ventura, 2018).

No entanto, não houve menção da intenção de cancelar qualquer uma da relação de barragens listadas para construção até 2026 (Brasil/ EPE, 2017, IRN, 2018).

O motivo declarado de impactos pesados pode não ser o fator-chave.

As realidades econômicas conduziriam logicamente à mesma mudança de 273

Os Impactos Socioambientais de Barragens

política (Branford, 2018). Ao contrário das frequentes afirmações pelos proponentes de barragens, a hidroeletricidade não é energia barata.

O custo financeiro de lidar com impactos socioambientais de barragens no Brasil aumentou muito ao longo dos últimos 20 anos, um fator importante na piora da economicidade de novas hidrelétricas amazônicas (Hirata, 2018).

Um levantamento mundial mostrou que o padrão normal é das barragens terem custos financeiros muito maiores e que demoram muito para começar a gerar energia do que se pensa no momento em que as decisões de construção são tomadas (Ansar et al., 2014).

Isso foi demonstrado com as barragens do rio Madeira e a Belo Monte, que custaram mais que o dobro da expectativa oficial na época da decisão (e.g., Fearnside, 2017a).

Barragens antieconômicas como Belo Monte avançaram graças a subsídios governamentais e ao papel desempenhado pelas construtoras, seja no financiamento legal e ilegal de campanhas políticas, seja a simples corrupção (e.g., Branford, 2018; Fearnside, 2017b).

Esta influência pode diminuir devido à proibição de contribuições de empresas às campanhas políticas a partir das eleições de 2016, as investigações de corrupção em curso na iniciativa “Lava Jato” e a redução da participação financeira do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O anúncio em agosto de 2017 da intenção do governo de privatizar a Eletrobras até o final de 2018 também pode ser um fator na mudança (Ventura, 2018), embora 70% da população brasileira estejam contra a privatização (Hirata, 2017).

Como uma empresa estatal, a Eletrobras, liderada por indicados políticos, tem sido sujeita a pressão política para promover barragens não econômicas que nunca seriam consideradas por uma empresa privada (Branford, 2018).

A incorporação de preocupações sobre impactos socioambientais também é essencial para prevenir os problemas que ocorreram tantas vezes nas barragens amazônicas do Brasil. Será um grande avanço se as afirmações de janeiro de 2018 se transformassem em uma mudança no papel desses impactos na tomada de decisões.

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Conclusões Barragens na Amazônia brasileira provocam graves impactos socioambientais e demonstram um padrão de violação de direitos humanos.

Considerações de justiça ambiental devem motivar um repensar desta opção energética, deslocando o foco do desenvolvimento para alternativas como a redução da utilização de eletricidade, a cessação da exportação de energia na forma de alumínio e outras commodities eletrointensivas, a eliminação de desperdício, o aumento de eficiência de uso e a promoção de geração a partir de recursos solares e eólicos.

Injustiças provocadas por barragens existentes na Amazônia precisam ter prioridade em programas do governo, para reestabelecer os meios de subsistência e qualidade de vida das populações afetadas.

Salvaguardas precisam ser reforçadas no desenvolvimento brasileiro, nos orgãos reguladores brasileiros e internacionais, e nas instituições financeiras, para evitar as injustiças ambientais ilustradas por barragens na Amazônia.

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Os Impactos Socioambientais de Barragens

Agradecimentos As pesquisas do autor são financiadas pelo Conselho Nacional do Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq: proc. 304020/2010-9; 573810 / 2008-7), Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM: proc. 708565) e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA: PRJ15.125). Esta é uma tradução de um capítulo do autor a ser publicado em Landscapes of Inequity: The Quest for Environmental Justice in the Andes/Amazon Region. Nicholas A. Robins & Barbara Fraser (eds.), University of Nebraska Press, Lincoln, NE, E.U.A. A seção sobre a possível mudança recente nas prioridades é de Fearnside (2018b).

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Foto de Bernardo Anache, Consultor Joseph S. Weiss no pátio da primeira unidade de produção anual (UPA) do Plano de Manejo Florestal Comunitário (PMFC) da comunidade de Itapeua na resex de Verde para Sempre.

CAPÍTULO 8 GESTÃO DE FLORESTAS PÚBLICAS Joseph S. Weiss Fernando Paiva Scardua1

Destaques  Ainda prevalece a tradição brasileira e amazônica do incentivo à ocupação das florestas, legitimando a propriedade pelo uso.  A Amazônia tem 70 milhões de hectares com titularidade indefinida.  Este é um dos vários desafios ao manejo florestal sustentável.  Antes prevalecia a aprovação de planos de manejo apenas formal.  Depois de muito desmatamento, foram aprovadas políticas ainda frágeis para controlá-lo.  As concessões florestais brasileiras vieram com a lei de gestão de florestas públicas como uma estratégia para manter a floresta em pé.  A lei foi aprovada por um raro consenso legislativo.  São comentados os resultados das concessões empresariais e comunitárias.  Avanço mais lento que esperado devido a uma gestão florestal federal complexa, insuficiente prioridade e outros fatores.  O setor madeireiro continua enxergando que a exploração tradicional traz mais resultados financeiros que o manejo sustentável. As concessionárias já enxergam o contrário.

1

Professor Associado, Universidade de Brasília.

Gestão de Florestas Públicas

Introdução Nos últimos 15 anos o setor florestal tem passado por grandes transformações nas suas instituições e instrumentos, afetando sobremaneira a governança dos diversos agentes e segmentos da sociedade envolvidos na atividade florestal. Entre essas transformações estão as pautadas no instrumento de concessões florestais que visa priorizar essa nova forma de gerenciá-las em moldes sustentáveis. A aposta do setor público foi a sua criação de forma a coibir a exploração insustentável. Em que pesem os esforços havidos na gestação e gestão do novo instrumento, ainda existe um longo caminho a ser trilhado para que se torne meio efetivo para disciplinar o uso da floresta e conciliar os diversos atores partícipes da atividade florestal.

Ainda prevalece no Brasil a tradição do incentivo à ocupação de florestas. Os fatores principais do desmatamento partem da abertura de estradas principais, da degradação resultante da exploração madeireira convencional, especialmente das madeiras de alto valor em terras griladas, e da abertura de estradas madeireiras não autorizadas e a conversão da floresta para outros usos do solo (WWF/Imaflora, 2017).

Talvez a questão fundiária ainda seja o fator principal que contribui à exploração insustentável da floresta. Uma pessoa passa a legitimar sua propriedade de uma área na medida em que derruba a mata e a ocupa com atividade agropecuária. A grilagem utilizava e ainda usa documentos precários de justa posse de terras públicas federais e estaduais para aprovar seus planos de manejo. “Dá-se, assim, uma farra de grilagem em terras públicas (Hummel, 2018)”.

As terras da região amazônica se classificam em três: públicas, privadas e devolutas, hoje chamadas não destinadas. Estudos do IMAZON (BARRETO et al., 2008; BRITO e BARRETO, 2009) demonstram que quase a metade da Amazônia eram terras públicas com titularidade fundiária indefinida. Um pouco mais de 40% da região amazônica encontra-se resguardada na forma de áreas protegidas (Unidades de Conservação e Terras Indígenas).

Os governos estaduais e federal divergem sobre a abrangência das suas propriedades, sendo que o Serviço de Patrimônio da União (SPU) mal pode dar responder por suas propriedades urbanas e rurais ocupadas.

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Joseph S. Weiss e Fernando Scardua

No que se refere às privadas, os cartórios municipais enfrentam a multiplicidade neles registradas, com subtítulos de várias naturezas e descrições geográficas mal definidas. Há ainda grandes áreas sem definição, em parte reivindicadas pelas populações tradicionais e por grileiros.

Essa realidade fundiária está ao lado de outros desafios ao manejo florestal sustentável, pouco praticado, da capacitação e treinamento praticamente ausentes, da baixa eficiência dos instrumentos de comando e controle, escassez sobre os custos e benefícios do manejo, da falta de modelos demonstrativos, da ausência de instrumentos econômicos para incentivar o uso sustentável e da reduzida importância do assunto nas políticas públicas existentes (Hummel, 2018).

Aprova-se apenas formalmente os planos empresariais de manejo florestal, com um monitoramento dos órgãos florestais, sem reportar o percentual da área aproveitada nem da madeira retirada; apenas sobre a adequação da tecnologia adotada e dos cuidados técnicos nas operações madeireiras (Weiss e Nascimento, 2010:15).

Depois da degradação e desmatamento da Mata Atlântica (resta cerca de 8%) e dos outros biomas brasileiros, com o extremo da Floresta de Araucária (1%) e outros biomas brasileiros, o Brasil criou políticas públicas e programas específicos com o objetivo de controlar o desmatamento, dispondo de ferramentas de sensoriamento remoto cada vez mais aperfeiçoadas e em tempo real.

Em meio à fragilidade e a vulnerabilidade das instituições públicas de gestão ambiental, esse diálogo coincidiu com a efetivação da descentralização da gestão florestal, no ano 2004, com a celebração de pactos federativos com os estados, antes tido como difíceis e contestados por grande parte dos participantes destes pactos.

Nesse cenário, o governo federal estabeleceu algumas políticas para conter o desmatamento como o Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), lançado em 2004 com três estratégias de ordenamento fundiário e territorial, monitoramento e controle e fomento de atividades produtivas sustentáveis, e o Plano Estratégico Nacional de Áreas Prioritárias para Conservação (2006) que estabelece áreas prioritárias que devem ter sua destinação para criação ou manejo de UCs. Também foram estabelecidos mosaicos de UCs no arco do desmatamento como forma de contê-la.

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Gestão de Florestas Públicas

Assim, o modelo brasileiro de concessões foi desenvolvido em um momento crucial para o bioma amazônico. Uma vez que faltava definição fundiária de grande parte da região, acabou restringindo a expansão do manejo florestal sustentável, pois, para fazer o PMFS é necessário ter a posse da terra.

As concessões florestais possibilitaram uma transição de uma exploração predatória e ilegal para a utilização do manejo de impacto reduzido (WWF/IMAFLORA, 2017: 3). Por outro lado, já existiam ferramentas de sensoriamento remoto aplicáveis. É nessas condições que a Lei de Gestão de Florestas Públicas (LGFP), nº 11.284 em 02/03/06, foi concebida e sancionada como mecanismo de regulação e uso dos recursos florestais, até então o único instrumento que previa o uso de seus recursos em moldes sustentáveis. Carlos Eduardo Young enxerga a concessão como uma estratégia contra a conversão da floresta, mantendo-a em pé (Steffen, 2004).

Sobre esse alicerce consuetudinário e legislativo, busca-se neste capítulo trazer:  O processo da discussão da LGFP entre os principais atores, desde sua apresentação à Câmara dos Deputados em 2002 até chegar a um consenso legislativo sem paralelo recente2 com a sanção pela Presidência da República em 2006;  As dificuldades burocráticas na aplicação inicial da lei;  Os resultados da sua aplicação na Amazônia até 2017, quanto ao regime de concessões de florestas públicas e às florestas comunitárias;  As limitações para alcançar as metas estabelecidas diante do tamanho da Amazônia;  E uma avaliação do seu regime de governança e de sua relação com o setor madeireiro.

Restam 70 milhões de hectares da região sem destinação, sendo que grande parte está em processo de registro como Terra Indígena – TI; ou pleiteada como unidade de conservação – 2

Na maioria das políticas ambientais, há uma clara oposição entre ambientalistas e desenvolvimentistas. Nesta legislação, parte das empresas do setor foi convencida que ia legalizar as atividades madeireiras com o PL, antes mormente ilegais (Weiss e Nascimento, 2010, p11).

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Joseph S. Weiss e Fernando Scardua

UC pela sua alta biodiversidade ou pela presença de população extrativista (Azevedo Ramos, C. e Murtinho, P. 2018).

As sobreposições de destinação entre os diferentes tipos de uso (UC, TI e Manejo florestal) ainda hoje são objeto de debates, dada a falta de regulamentação específica sobre o assunto.

Negociação da Lei para chegar a denominadores comuns Partimos da coordenação da área pelo Fernando e pelo Joseph acompanhamento à distância do processo (Weiss e Nascimento, op. cit., 16), complementada pela excelente análise dos conflitos na elaboração da lei na dissertação de Gabriela P. Albuquerque (2009) e na tese da Suzana Lins, tratando dos atores principais, das negociações e comentários sobre o processo.

Atores principais A partir de uma análise de seis processos referentes a políticas de controle do desmatamento (Weiss e Nascimento, op. cit.), identificamos os seguintes atores: Do governo: executivo federal que dividimos em três áreas segundo sua orientação (socioambiental – favorável às políticas, produtiva – a favor da produção agropecuária e central – áreas que arbitram entre as duas orientações).

Da sociedade: ONGs socioambientais, sociedade civil organizada (SCO), setor empresarial e a grande imprensa.

De organizações internacionais: somente doadores.

Albuquerque (2009) adiciona o Congresso Nacional, os Governos Estaduais que consideramos como divididos, seguindo seus representados e sem destaques nas negociações. Albuquerque também os considerou atores em ruptura ou divididos. Quanto às instituições de pesquisa, são pesquisadores individuais que apresentam suas opiniões bem justificadas, mas também com divergências iniciais importantes.

Lins de Góis (2011) fez uma análise dos diferentes atores participes do processo de elaboração da Lei, fazendo um recorte da participação dos congressistas (câmara e senado), do governo federal e instituições sociais 295

Gestão de Florestas Públicas

que assumiram diferentes papéis de forma favorável e desfavorável ao longo da discussão do projeto de lei, ora assumindo papeis de promotoras, ora favoráveis, ora negociadores, ora resignados e por fim oponentes.

Negociações “Inicialmente, foi forte a oposição ao projeto de lei com os argumentos da sociedade civil, [refletidos na mídia] de que traria a privatização e até a internacionalização da Amazônia, além de duvidar da capacidade do Estado de fiscalizar as concessões” (Weiss e Nascimento, 2010, p15). Havia oposição inicial às concessões pelas ONGs e pela SCO, por uma parte das empresas e dos especialistas internacionais em manejo florestal (Merry et al, 2003).

A partir do diagnóstico rural participativo da Floresta Nacional do Tapajós de 2003 (Faria et al, 2004 e Soares, 2004) se constatou que, com gestão participativa e apoio a inúmeras atividades sustentáveis, conseguiu preservar a floresta em pé com o manejo florestal comunitário e empresarial.

Com base nesta experiência positiva da Flona Tapajós, como também das reservas e assentamentos extrativistas, FHC enviou o PL 7.492 sobre concessões florestais em 18/12/02, bem no final do seu governo, como uma de um conjunto de respostas ao aumento no desmatamento. Este PL não foi objeto de análise pelo Congresso Nacional, tendo sido retirado no início do governo Lula.

Houve um longo processo de discussão de 2003-05, baseado nas experiências positivas de manejo florestal da Flona Tapajós (Soares, 2004), outros argumentos técnicos apresentados por especialistas sobre as reservas extrativistas, bem como os resultados do projeto ProManejo do Programa Piloto de Proteção das Florestas Tropicais (PPG7) e o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento da Amazônia (PPCDAm).

Participaram representantes do governo federal, governos estaduais, ONGs, movimentos sociais, setor privado e instituições de ensino e pesquisa (Azevedo e Tocantins, 2006), subsidiados por estudos elaborados pelo MMA, reuniões da CONAFLOR, seminários e reuniões nacionais e internacionais para debater o assunto.

Foi se formando uma comunidade epistêmica, alinhada numa visão compartida favorável (frame alignment), com a construção de acordos e a adesão de diferentes atores na concepção do projeto de lei de concessão 296

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de florestas públicas. Concluindo os trâmites na câmara, chegou-se a um consenso entre setores normalmente divergentes como madeireiras, governos federal e estaduais, partidos e ambientalistas.

Após debates nas comissões e audiências públicas, o assassinato da Irmã Dorothy Stang em 12 de fevereiro de 2005 foi uma fagulha que, junto com uma mídia mais favorável, tornou oportuno ao executivo, em articulação com a Casa Civil, encaminhar PL nº 4.776/2005 à Câmara no dia 21 do mesmo mês, nove dias após esse terrível evento.

Depois recebeu 135 emendas, ajustando a redação para atender à sociedade civil e às empresas. Isso foi possível, pois o conteúdo pouco ameaçava o status quo das madeireiras contrárias à ideia, opositores principais naquele momento. A Tabela 1 resume as posições dos atores quanto ao projeto de lei no início e no final da discussão.

Finalmente, foi aprovada por maioria das duas câmaras legislativas e sancionada pela presidência como lei nº 11.284 em 02/03/06 que previa a promoção da proteção das florestas públicas federais (FPF), estaduais e municipais por meio do seu uso sustentável em unidades de conservação, com três modelos: estatal, empresarial oneroso e comunitário sem ônus.

Posteriormente, caíram todas as decisões judiciárias contrárias.

Segundo a ex-Ministra Marina Silva, em resposta à acusação de privatização da Amazônia, “Com a [referida] lei, o Brasil passou a contar com um instrumento legal que acaba com o processo de privatização das florestas públicas.”

Ela resumiu o processo: “Aquela lei foi construída a partir de intenso processo de discussão com todos os setores da sociedade. Em dois anos ocorreram também várias reuniões com especialistas para a análise de erros e acertos da experiência mundial na área. O texto legal contou com amplo apoio social, tendo sido apoiado no Congresso por todos os partidos (SILVA, 2007, citada em Weiss e Nascimento, 2010)”.

Segundo André Lima, na época advogado do IPAM, entrevistado por Amália Safatle (2009, citada em Weiss e Nascimento, 2010), “o processo de discussão em torno da LGFP foi de dois anos de debate profícuo, audiências públicas, discussão por meio da mídia, atuação de grupos de trabalho com alta representatividade e debate legislativo intenso. Quando o projeto de lei chegou à votação, toda uma discussão prévia já tinha ocorrido.” Lima argumentou, naquela ocasião, que faltava esse tipo de processo para a discussão posterior sobre o código florestal.

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Tabela 1. Posições dos Atores sobre o PL de Gestão de Florestas Públicas.

Fontes: Albuquerque (2009) e Weiss e Nascimento (2010).

A Tabela 2 apresenta uma relação de efeitos positivos e desafios da concessão florestal.

Tabela 2. Efeitos positivos e desafios da Concessão Florestal. Fonte: (CNI, 2018) Conforme Steffen (2004, apud Drigo, 2010:166), o Prof. Young resume bem “a aliança formada entre os dois lados que querem florestas, ainda que por razões diferentes: os madeireiros precisam de matéria-prima e os ambientalistas querem preservar o máximo possível.” A existência de distorções nas políticas públicas que afetam negativamente o manejo florestal e favorecem o desflorestamento e a exploração predatória de madeira ainda atuam fortemente, mesmo depois de vários diagnósticos.

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Florestas comunitárias O uso sustentável das florestas públicas requer o convívio e a colaboração entre as populações tradicionais, não tradicionais e empresas, evitando conflitos sociais e ambientais. Nesse sentido, é essencial que as florestas concessionadas e as comunitárias tenham normas de conduta justas para ambas.

Inicialmente, o PL só previa a participação de empresas em licitações onerosas, excluindo as comunidades locais. Depois foi incluído o capítulo III sobre a destinação de florestas públicas às comunidades locais. No artigo 6º especifica que antes da realização das concessões florestais, as comunidades locais terão cinco alternativas: i) as florestas públicas ocupadas ou utilizadas por comunidades locais serão identificadas para a criação de reservas extrativistas ou equivalentes, para exploração sustentável, sem ônus; ii) concessões de uso, por meio de projetos de assentamentos ambientalmente diferenciados ou; iii) outras formas previstas em lei; iv) participação das licitações como pessoas jurídicas; v) regularização de posses nas áreas tradicionalmente ocupadas ou utilizadas.

Não se sabe até que ponto as ONGs e a SCO participantes das audiências públicas e debates se satisfizeram com este capítulo.

Aparentemente, a inclusão não foi suficientemente específica, pois nem sempre teve o efeito desejado de evitar conflitos. Examinemos a praticidade dessas alternativas: i) As concessões consideram áreas já destinadas a florestas nacionais ou estaduais. Entretanto, o ICMBio é o órgão responsável por sua gestão e ao SFB cabe realizar a concessão das florestas nessas áreas, resultando no fato de que a governança e governabilidade sobre tais espaços seja conflituosa por natureza, dado que os dois órgãos divergem quanto a forma de manejá-las, muitas vezes por questões ideológicas; 299

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ii) igualmente, criar um assentamento do INCRA dentro de uma Flona, não é uma opção viável; iii) regularizar todas as posses dentro de uma área a ser destinada para concessão, antes que isso se efetive é outro desafio para o ICMBio. Dado a regulamentação insuficiente da Lei, foi editado o Decreto nº 6.063 de 20/03/07, que no seu capítulo III regulamenta a lei e esclarece a destinação de florestas públicas às comunidades locais. Antes das licitações para concessões florestais, o SFB fará estudos para destinar às comunidades locais as áreas por elas ocupadas ou utilizadas, além de apoiar a pesquisa e a assistência técnica (Art. 15 e 17).

Não é o que tem sempre acontecido. Nepomuceno (2017:251) registrou oito concessões nas quais há acusação ou indícios de violação pelas concessionárias florestais de direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais.

Mesmo nas áreas concessionadas, pode-se permitir a exploração sustentável de produtos não madeireiros, caça e pesca para o sustento das comunidades locais (Art. 18). Os compromissos sociais e ambientais dos licitantes (Art. 35) deveriam ser conforme a realidade das populações habitantes e suas atividades extrativistas nos lotes em consideração e/ou nos seus entornos. O contrato típico na África e na Ásia não tem objetivo quanto à conversão florestal. Deveria constar dos contratos das concessões brasileiras.

Essa é uma visão inicial do contexto legal em que as comunidades devem trabalhar para montar concessões, com a complexidade similar às concessões empresariais e mais limitações quanto às áreas permitidas segundo a dimensão da área, os tipos de operações etc. (BVRio e IMAFLORA, s/d).

De acordo com (BVRio e IMAFLORA, s/d), existia mais de 50 concessões comunitárias nos três estados levantados, sendo que uma pequena maioria originada de assentamentos do INCRA. É um milagre que todas essas comunidades tenham vencido um processo tão complexo.

De acordo com os atores consultados para o estudo do BVRIO, os principais desafios hoje enfrentados pelos manejos florestais comunitários são relacionados à falta de capacidade gerencial dos MFCs, licenciamento lento, falta de incentivos financeiros, dificuldade de acesso a mercados, e carência de pessoal dos órgãos estaduais de extensão.

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A Realidade fundiária e os órgãos responsáveis A questão da destinação das terras públicas e devolutas se sobrepõe a todos os outros problemas da Amazônia, carente das funções do Estado.

Não é uma questão fácil.

Nos 70 milhões de hectares a destinar, existem inúmeras reivindicações sobrepostas como unidades de conservação, terras indígenas, assentamentos, quilombos e florestas. Nada impede que as áreas já destinadas tenham no seu interior áreas que mereçam outro destino. Isso aprofunda o desafio de governança.

Em 2007, um ano após a sanção da LGFP, as áreas destinadas correspondiam a 164.539.061 hectares e as áreas não destinadas eram de 29.296.649 hectares de acordo com o Cadastro Nacional de Florestas Públicas de 2007.

Não cabe aqui avaliar a história e o desempenho dos órgãos do MMA, ao longo dos últimos trinta anos, com a criação do IBAMA (originário da fusão de quatro órgãos), a Agência Nacional de Águas (ANA) o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Também, não se pode esquecer as funções do INCRA e da FUNAI, todos envolvidos com questões da realidade fundiária, dos recursos humanos e naturais. A destinação da enorme área citada requer um trabalho conjunto integrado e intenso destes órgãos.

A aplicação da lei A lei permitiu ao investidor um acesso formal à floresta em escala suficiente para fazer investimentos de longo prazo e, com perspectivas de sustentabilidade socioambiental, adotar técnicas de impacto reduzido.

A sua aplicação exigia garantias financeiras, transparência e auditoria financeira e florestal, com perspectivas de certificação florestal (WWF/ IMAFLORA, 2017).

As florestas públicas, com mais de 200 milhões de hectares cadastradas, representam 25% do território brasileiro e 97% das FPF estão na Amazônia Legal. Destas, as legalmente aptas (excluindo as UC de 301

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proteção integral e as terras indígenas) e passíveis de concessão totalizam 12 milhões de ha. Os editais das concessões estabeleceram critérios técnicos de seleção, além do pagamento do concessionário.

Começando as licitações de concessões em 2009, em 2016 a área concessionada alcançou 1.018.672 ha, 0,5% da área cadastrada. A extração autorizada pelo SFB em 2016 foi de 341.224m3 em 18.488 hectares de UPAs ou 18m3 /ha, indicador que corresponde à exploração de impacto reduzido. A extração efetiva naquele ano foi de cerca de 175.000 m3 de toras.

Em consequência, o risco de degradação será reduzido nas florestas nacionais atendidas. Ainda existem as questões da extração excessiva de espécies valiosas e outras deficiências.

Quanto ao monitoramento dos recursos florestais, passou-se de i) uma aprovação apenas formal dos planos empresariais de manejo, com um monitoramento que não reportava nem sobre a área explorada nem da madeira retirada; apenas sobre a adequação da tecnologia adotada e dos cuidados técnicos nas operações madeireiras, a ii) um regime de concessões de florestas públicas com critérios abrangentes de monitoramento e controle, especialmente com o objetivo de sustentabilidade através do retorno às condições iniciais. Assim, esta mudança para concessões pode ser considerada uma transição à sustentabilidade.

Foram implantados sistemas de controle por sensoriamento remoto, além de outros sistemas, com o aprimoramento do Documento de Origem Florestal (DOF), da auditoria ambiental das concessões e da análise da cadeia de custódia que verificarão se estão sendo cumpridas as especificações, incluindo a exploração das árvores previstas em cada plano, para que, no final do período da concessão sejam mantidos os princípios e os critérios previstos na LGFP. Apesar do avanço das políticas de gestão de florestas públicas, falta ainda avançar sobre outros critérios de manejo florestal de uso múltiplo como a cobrança por perdas por serviços ambientais e pagar por serviços ambientais e ecossistêmicos, verificar o seu impacto ambiental e a efetividade dos controles previstos e, comprovado o resultado satisfatório, a aceleração do ritmo da ampliação da política.

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A avaliação da lei Azevedo-Ramos et al. (2015) apresenta uma síntese da evolução da aplicação da LCFP no Brasil, concluindo que o modelo de concessão florestal no Brasil ainda apresenta os seguintes obstáculos à sua implantação: i) sobreposição e duplicação do governo, causando custos de transação insuportáveis e riscos à investidores; ii) uma indústria mal preparada e sem vontade de se adaptar aos rigorosos requisitos estabelecidos na política; e, iii) insucesso em reduzir a extração ilegal de madeira além das áreas da concessão florestal.

A concessão é parte da solução, mas não a panaceia esperada por alguns. O governo já havia aprendido a concentrar as operações em locais específicos e oferecer ações complementares positivas que, no caso das concessões, seriam atividades de fomento e extensão.

Para muitos operadores do setor sem concessão, essa modalidade continua sendo uma tecnologia menos atrativa à empresa que a exploração ilegal. Ainda não há uma preferência de mercado suficiente pelo produto concessionado e certificado. Tampouco o governo aloca recursos e capacidade suficientes para a realização das concessões nem para o apoio ao manejo comunitário, em parte por falta de interesse do governo, de mobilização dos interessados e articulação com parceiros (SFB, s.d.).

Antes da LGFP, vale ressaltar a primeira experiência de manejo florestal brasileira em áreas públicas. A Floresta Nacional do Tapajós foi criada em 1974 com cerca de 300.000 ha, por decreto do governo militar. Em 1978, foi feito um levantamento demográfico para orientar a desapropriação e indenização dos residentes.

Em 1994, regulamentaram-se as florestas nacionais, agora já permitindo a permanência dos habitantes (cerca de 10 mil pessoas em 2003, Soares, 2004). Em 2002, introduziu a primeira experiência de manejo florestal sustentado em concessão no Tapajós.

Azevedo-Ramos e coautores (2015) identificam os principais desafios a serem superados para a expansão contínua e eficiente das concessões. Enxergam problemas estruturais mais profundos no setor e no governo que impediram a expansão das concessões a um ritmo maior.

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De acordo com a Figura 1, a Secretaria de Mudanças do Clima Florestas do MMA está a cargo da definição de políticas e normatização; o ICMBio, da gestão das unidades de conservação; o SFB, da gestão e fomento; e o IBAMA, do licenciamento e fiscalização ambiental.

Figura 1. Gestão Florestal Federal Azevedo-Ramos et al. (2015) apresentam uma síntese das principais preocupações sobre concessões florestais, divididas entre o próprio desenho da política e sua implantação, compilada de diversos autores, são elas: i) alocação de áreas para concessão; ii) sistemas incompatíveis com sustentabilidade; iii) instrumentos de pagamentos; iv) regulação e monitoramento; v) aplicação da lei; e, vi) estrutura industrial e competição no mercado madeireiro.

Baseada nas conclusões de Azevedo-Ramos et al. (2015) sobre as dificuldades de implantação da LGFP, que a analisou sobre o ponto de vista da pré-licitação, licitação e implantação e no trabalho de Gretzinger and Resources (2016) que avaliaram em termos econômicos, ambientais, sociais, legais e institucionais, as concessões florestais, o presente trabalho irá abordar os conflitos baseado nas temáticas de fiscalização ambiental, governança florestal, o setor madeireiro, a habilitação das empresas no processo de concessões florestais, as concessões estaduais, a geração de emprego, a capacitação de mão-de-obra, fomento, os riscos das concessões florestais e a exploração ilegal da madeira.

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Fiscalização ambiental Pela vastidão da Amazônia e a falta de recursos para a fiscalização, pouco tem sido o êxito em coibir a competição da exploração ilegal fora das áreas das concessões.

Schmitt (2015), analisando a efetividade da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal na Amazônia, verificou a baixa eficácia da fiscalização ambiental para o controle do desmatamento ilegal.

Isso se deve às limitações na capacidade de detecção rápida das alterações da cobertura vegetal, ou seja, em média, apenas 45,0% do desmatamento que ocorre na região amazônica. Aliado à baixa eficácia da fiscalização soma-se a baixa capacidade de autuação da fiscalização ambiental que é de apenas 24,0% dos alertas de desmatamento redundando em uma menor perspectiva de punir os seus responsáveis.

Apesar de ainda não se ter uma avaliação sobre a fiscalização sobre as áreas de concessões florestais, pode-se inferir que as áreas concedidas por força de contrato sejam fiscalizadas pelos órgãos ambientais e pelas próprias vencedoras dos contratos de concessão, fazendo com que diminuam as principais infrações ambientais ligadas ao desmatamento e exploração ilegal de madeira no interior e nas redondezas dessas áreas.

Não significa que a exploração ilegal ou esquentamento de madeira de outras áreas não possa estar acontecendo e, utilizando-se dos volumes pré-inventariados no DOF, não possam estar sendo utilizados para esquentar a madeira de outras áreas que não das UMF. Governança florestal A gestão florestal na esfera pública requer competências bem definidas e lacunas sanadas (Pereira et al, 2011 apud Brasil, SFB, s.d.:14).

A FAO tem elogiado o programa brasileiro de concessões florestais inovador e competente em reuniões latino-americanas. Foi concebido apenas após análise de programas similares em outros países, evitando erros e desafios identificados.

Entre as várias experiências mundiais de concessões florestais, muitos países priorizavam objetivos como a extração da matéria-prima e a 305

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saúde florestal. Foram concebidos antes do reconhecimento das emissões e das mudanças climáticas.

Enfrentaram muitas dificuldades, bastante criticadas, pela degradação da floresta e a corrupção. Assim, mesmo tendo objetivos socioambientais, não limitaram o corte anual. Brasil está entre os primeiros a fazê-lo.

De acordo com a FAO, as concessões latino-americanas têm sido mais exitosas quando o sistema de gestão é bom, evitando corrupção, quando de menor tamanho e com a participação das comunidades com prévia tradição florestal.

Pereira et al. (2011) sugeriram, entre outros: 1) a implementação da política de concessão florestal com maior celeridade; 2) a criação de novas Flonas e Flotas em parte das áreas com situação fundiária indefinida; enquanto o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Brasil, SFB, 2011) “propuseram a inserção de UC, de uso sustentável no mercado florestal.” Avaliações após dez anos da LGFP concluem que muito pouco das sugestões dos dois estudos foram atendidas.

Ao criar o SFB com alguma sobreposição entre os três órgãos responsáveis do MMA, a legislação citada não definiu claramente as funções.

Não é fácil atender as necessidades, especialmente quando há insuficiente capacidade institucional para atender os biomas brasileiros e seus habitantes.

Para servir melhor, faz-se necessário simplificar seus processos, melhor definir suas funções e contribuir para aprofundar a colaboração dos órgãos e das suas equipes, inclusive com a delegação e descentralização.

A burocracia sufoca a extração legal de madeira e predadores avançam (www.estadao.com.br). 2005; CNI, 2018:4). A coordenação entre eles é complexa. Sobrecarregam suas capacidades que resultam em custos de transação excessivos, reduzindo a competição e as tarifas ofertadas, com alongamento de prazos sem necessidade e aumento dos riscos aos investidores (Azevedo-Ramos, 2015; CNI, 2018).

Leva em média três anos do lançamento do edital ao início das concessões. Seria possível assegurar as mesmas garantias rigorosas de qualidade com um processo mais simples.

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Setor madeireiro Em geral, o setor madeireiro está acostumado à cultura e técnicas convencionais, sem preocupação ambiental ou social. Apesar de que muitas empresas já conheçam algo sobre a exploração de baixo impacto, as concessionarias atuais estão entre as poucas preparadas para se adaptar às exigências da modalidade, da nova cultura e tecnologia, com falta de vontade e capacidade para adotar as exigências estabelecidas nas normas.

Aliada à nova cultura organizacional que se faz necessária, as empresas desconhecem seus reais custos de produção, fazendo com que os reais custos só sejam capturados ao longo do processo de concessão.

Alguns licitantes poderão concluir que tornaram irreais os custos e preços ofertados no processo de licitação, o que poderia até redundar no fracasso e entrega das concessões.

Habilitação das empresas As especificações para a habilitação das empresas são complexas.

Podem ser simplificadas uma vez que seja assegurado que as empresas tenham a compreensão do objetivo de preservação ambiental, adicional ao objetivo de matéria-prima. Além do monitoramento do estoque florestal e as trilhas florestais por sensoriamento, deve também acompanhar os benefícios sociais, econômicos e ambientais e divulgá-los à sociedade.

As toras das concessões devem ser rastreadas e diferenciadas no mercado para competir com o produto ilegal. “O êxito das concessões dependerá de sinais bem claras da intenção do governo brasileiro em fortalecer esta política, fazendo a correções necessárias no caminho (Azevedo-Ramos, 2015).”

Dado que no processo de habilitação da licitação são considerados as questões do melhor preço e a melhor descrição técnica (incluiu o menor impacto ambiental, a mais alta taxa de benefícios sociais, a maior eficiência e o maior valor agregado ao produto ou serviço) (Azevedo-Ramos et al., 2015), esses elementos também devem ser observados ao longo da implantação, o que onera os custos de transação dos concessionários e os riscos de acompanhamento e monitoramento por parte do poder concedente.

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Concessões estaduais O Projeto de Lei foi ajustado para incluir concessões estaduais e municipais. Além das concessões federais, foram iniciados programas de concessão em pelo menos três estados: Pará, em 2011 pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflorbio); Amapá, pelo Instituto Estadual de Florestas do Amapá (IEF); e Amazonas, em 2018, pela Sema/AM. Ao contrário dos outros estados, o Pará avançou nos processos de concessão florestal, criando uma instituição e as normas necessárias para sua implantação. Segundo Ideflor-bio, o programa tem trazido bons resultados na produção madeireira, geração de emprego e áreas certificadas.

Passaram por vistorias florestais internas que identificaram que as concessões avançam, mas ainda precisam melhorar. Falta um sistema de rastreabilidade, utilização de mais tecnologia de monitoramento remoto dos PMFS e transparência (Hummel, 2018).

A Sema/AM pretende iniciar concessões com a estratégia de uso e conservação em uma área próxima a Santo Antônio do Matupi (em Manicoré), um polo da indústria madeireira que ainda atua com madeira de origem ilegal. Também, a 100 quilômetros ao Norte de Humaitá, na BR319, propõe-se concessão na comunidade Realidade (Sousa, 2018).

Em que pese à lei federal permitir a descentralização das concessões florestais para estados e municípios, os princípios que regem e norteiam as concessões florestais, no sentido de regularizarem a oferta de madeira e definir preços justos, ainda não foram prontamente definidos e pactuados entre os entes federados e a União, que poderá acarretar uma competição entre esses, dados os custos que podem ser desproporcionais entre as áreas.

Capacitação e geração de emprego Estima-se que as concessões florestais brasileiras geram mais de seis mil empregos diretos e indiretos para cada mil metros cúbicos de árvores aproveitadas. Entretanto, supondo que a demanda de madeira está sendo atendida com produtos legais e ilegais, as concessões não gerariam mais demanda, apenas substituiriam a oferta ilegal.

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Assim, é provável que o efeito sobre o mercado de trabalho seja de formalização. O trabalhador local, antes contratado e demitido em um polo no processo de boom e bust, passaria a ter um emprego de longo prazo numa área definida, gerando satisfação e convívio familiar.

Nesse caso, estudos mais específicos sobre o impacto das concessões existentes merecem ser mais bem avaliados, de forma a garantir o cumprimento das normas legais, dado que no setor de exploração madeireiro ilegal esses números são desconhecidos, ou no mínimo sub ou superestimados.

Outro aspecto importante refere-se a qualificação da mão-de-obra dos funcionários que atuam no setor madeireiro, que é de baixa qualidade, bem como, de algumas das concessionárias que, apesar de atuarem no setor florestal, não estão capacitadas para atender a todo o gama de questões atinentes às condições que regem os contratos de concessão, que necessitam de profissionais das mais diversas áreas.

Isso se deve em parte à falta de capacitação dos órgãos de extensão que atendem a questão agrícola. A extensão florestal é inexistente. Faltam ainda programas de qualificação do próprio empresariado local que queira participar do processo de concessões florestais.

Fomento Após a criação do IBAMA, a atividade de fomento florestal foi esquecida ou até mesmo ficou ausente das políticas públicas a cargo dos órgãos ambientais, dado que os principais instrumentos de fomento florestal estão a cargo do MAPA, via manual de crédito rural – MCR, programas de financiamento do plano safra e créditos de fomento do BNDES, via alguns programas específicos.

Dada a falta da capacitação, treinamento e experiência com manejo florestal sustentável, IBAMA criou o Centro Nacional de Apoio ao Manejo Florestal (CENAFLOR) em 2003. As atividades de fomento florestal dentro do SFB acabam se restringindo mais a questões de capacitação via CENAFLOR do que ao fomento propriamente dito.

Além das concessões florestais, a LGFP criou o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) em 2006 para oferecer serviços de fomento, dando 309

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continuidade, no âmbito do PPG7, às atividades do Projeto de Apoio ao Manejo Florestal (ProManejo), que tinha quatro componentes.

O Fundo Amazônia, criado em 2008, administrado pelo BNDES, tem financiado atividades de fomento do manejo sustentável e restauração florestal, tanto de assistência técnica como de crédito florestal. Assim mesmo, é muito limitado o alcance do fomento florestal.

Riscos das concessões florestais brasileiras O principal objetivo das concessões florestais mundiais é o fornecimento da matéria-prima. Nas concessões em muitos países da África e da Ásia, o critério ambiental nem é contemplado. Quando tem objetivo ambiental, às vezes é o tamanho mínimo para o corte das árvores e não um limite anual do corte nem um ciclo de mais de 25 anos.

O risco principal que enxergamos para as concessões florestais brasileiras é a não observação das normas, especialmente o limite à exploração anual. Na Indonésia, Jong (2018) informa que em 2015 a perda florestal (desmatamento) em concessões florestais tem aumentado de forma significante, principalmente nas concessões de dendê, desobedecendo às normas que as regulamentam.

No Brasil, a falta de conformidade com normas ambientais tem resultado em multas não pagas, o que poderá ocorrer também com as concessionárias.

Para evitar este risco de não cumprir normas, faz-se necessário um sistema avançado de monitoramento que permita gerar informação em tempo real, por meio da utilização de sistemas de sensoriamento remoto, regras de rastreabilidade e cadeias de custódia compartilhadas entre as empresas, comunidades e autoridades.

Exploração ilegal de madeira A exploração de madeira ilegal na Amazônia, em áreas não concessionadas e/ou sem proprietário definido, burlam as normas federais e estaduais, representando uma competição forte e desigual quando comparada com a madeira proveniente de áreas de concessão florestal que atendam as normas ambientais e trabalham dentro da legislação trabalhista e tributária.

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A redução da demanda por produtos concessionados de madeira não é só observada no Brasil. Jong (2018) considera que a indústria madeireira da Indonésia de corte seletivo (concessões) está em coma, sendo substituída por plantações de dendê. A exportação de madeira da Indonésia tinha perdido mercado para outros países do Sudeste Asiático, diminuindo a área em concessões em 2015 a um terço da área coberta em 2010, enquanto a área em concessões de dendê multiplicou mais de 10 vezes.

Além da proibição da exportação de toras ser pouco observada, aparentemente as normas europeias não estão sendo observadas. A pressão para exportar mais matéria-prima pode liberar de vez esta proibição e terminar o monitoramento de qualidade já quase inexistente.

O INPE fornece informação de alta qualidade sobre a cobertura vegetal e a produção madeireira das concessões tem se mantido ao nível sustentável. Entretanto, mesmo que as instituições brasileiras encarregadas sejam mais qualificadas para o monitoramento e a opinião pública mundial esteja mais atenta à Amazônia, esse risco também pode vir a ocorrer no Brasil.

Também já se observou a inadimplência de uma concessionária que não conseguiu cumprir o contrato. No caso de haver sido por motivo de oscilações imprevistas nos preços ou na demanda dos produtos madeireiros, os editais deveriam ter cláusulas que tratam do tema.

Os proponentes não devem se basear nos preços atuais e sim uma previsão dos preços de longo prazo. Outras questões contratuais geram outros riscos, que não se propõe contemplar neste capítulo.

Além das restrições europeias à madeira ilegal, também devem ser observadas as regras dos países importadores de madeira que apresentam outros critérios para compra de madeira, que muitas vezes não estão presentes no atual modelo de concessões florestais brasileiro, o que vem a encarecer ainda mais o custo de produção e exploração da madeira.

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Gestão de Florestas Públicas

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CAPÍTULO 9 DESMONTE DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA Philip M. Fearnside1

Destaques As decisões reais são tomadas antes do licenciamento ambiental, sem conhecer os possíveis impactos.

Degradação da legislação para licenciamento e controle ambiental  desde o fim dos anos 1990  grandes revezes nos últimos anos  mudanças legislativas pendentes podem ser catastróficos.

O controle ambiental está sendo erodido por meio:  da transferência de autoridade do governo federal para governos estaduais,  do aumento do uso de “condicionantes” para permitir concessão de licenças sem primeiro sanar os problemas pré-existentes.

O processo de licenciamento do IBAMA se desfaz através:  da simples inobservância da lei e do estatuto: hidrelétricas do rio Madeira, Belo Monte e São Manoel;  da influência de corrupção e doações políticas;  da aceleração do licenciamento ambiental por mudanças internas no IBAMA;  Grande influência dos ruralistas nos rios Teles Pires e Tapajós para a construção de uma série de barragens que inundariam terras indígenas.

1

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia - INPA, Manaus, Amazonas.

Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

Processos legislativos adicionais:  Lei 13.334 (antes MPV-727), já aprovada, que cria parcerias público-privadas com um conselho diretor autorizado a obrigar a aprovação de projetos pelo IBAMA, FUNAI e outros órgãos;  Emenda Constitucional n.º 95 (antes PEC-55), já aprovada, que congela o orçamento federal durante 20 anos, assim diminuindo os recursos, já inadequados para o controle ambiental.  PEC-215 que transfere para o legislativo a aprovação da criação ou expansão de terras indígenas e unidades de conservação.  Comissões Especiais da Câmara e do Senado para considerar vários projetos de lei para neutralizar o sistema de licenciamento ambiental.  Várias medidas para reduzir áreas protegidas existentes na Amazônia;  Arrendamento de terras indígenas ao agronegócio.

Os ruralistas obtiveram grandes avanços no desmonte ambiental aproveitando oportunidades recentes na política nacional, como:  O impeachment da Presidente Dilma Rousseff  Duas tentativas de impeachment de Presidente Michel Temer.  A eleição do Presidente Jair Bolsonaro Medidas propostas:  Manter a visibilidade dos impactos nos meios de comunicação  Tornar o legislativo mais sensível aos impactos socioambientais que aos interesses especiais.

318

Philip M. Fearnside

Introdução A erosão da legislação e do licenciamento ambiental no Brasil está em andamento há algumas décadas, após um período de reforço dessas áreas. A época de reforço incluiu tais eventos como o início da exigência de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em 1986, a aprovação em 1988 da atual Constituição Federal, com sua cláusula reconhecendo que “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado” (Brasil/PR, 1988, artigo 225), junto com a criação do Ministério Público para defender os interesses do povo, incluindo os relacionados ao meio ambiente (Brasil/ PR, 1988, artigo 129), seguido pela criação do Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989 e do Ministério do Meio Ambiente (MMA) começando em 1990, e a aprovação da “Lei de Crimes Ambientais” em 1998 (Brasil, PR, 1998).

Desde então, as proteções ambientais vêm sofrendo uma série de revezes, parte por meio de nova legislação, parte por medidas provisórias presidenciais e parte por mudanças nos procedimentos ao nível das agências governamentais.

O sistema de tomada de decisão tende a ignorar considerações socioambientais porque as decisões reais sobre grandes projetos de infraestrutura são feitas por um seleto grupo de indivíduos, antes que sejam coletadas informações sobre os impactos socioambientais e antes de qualquer discussão pública sobre os projetos em questão. O sistema precisa ser reformado para que sejam feitas a coleta de informações e a discussão pública antes das decisões reais.

O sistema de licenciamento ambiental não pode corrigir os problemas causados pelo viés estrutural do sistema de tomada de decisão.

A questão do licenciamento não deve ser confundida com a tomada de decisão: na prática, o sistema de licenciamento atual, essencialmente, serve para ratificar o que já foi decidido.

O licenciamento permite alterações nas exigências para mitigação, compensação e a adição de pequenas mudanças nos planos de construção, mas praticamente nunca se estende a questionar a existência e/ou necessidade e viabilidade ambiental do projeto. Apesar de suas limitações (Fearnside, 2014a), o sistema de licenciamento ambiental é vital para restringir projetos de infraestrutura com impactos excepcionalmente altos.

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Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

A comunidade científica tem documentado os serviços fornecidos pelos ecossistemas da Amazônia ao Brasil e ao mundo e tem aumentada a compreensão de como esses serviços são perdidos quando os ecossistemas são destruídos. Grandes projetos de infraestrutura, tais como estradas e barragens, são propulsores chaves dessas perdas.

Meios de erosão do controle ambiental A erosão do controle ambiental se dá por transferência de autoridade, uso de “condicionantes”, a inobservância da lei e das normas do Departamento de Licenciamento do IBAMA e a corrupção e doações políticas.

Transferência de autoridade A erosão ao nível das agências individuais é exemplificada por uma transferência progressiva de responsabilidades ambientais da agência federal (IBAMA) para as agências ambientais dos governos estaduais. As agências estaduais estão muito mais próximas das pressões de empresas, políticos e outros com interesses em projetos prejudiciais para o meio ambiente; suas decisões refletem os desejos dos governadores estaduais, cuja preocupação com o meio ambiente é, em muitos casos, limitada. Em comparação com o governo federal, os governos estaduais são menos sujeitos a escrutínio pela imprensa ou por organizações não governamentais ambientalistas.

Um exemplo da transferência de autoridade é a redefinição do termo “grande” para barragens no Brasil, que passa a ser redefinida no ano de 2004: antes desse ano todas as represas com 10 MW ou mais de capacidade instalada eram consideradas “grandes” e, portanto, era necessário ter uma licença federal. Em 2011 esta transferência aumentou com Lei Complementar 140 (Brasil, PR, 2011), que permite que mesmo barragens “grandes” sejam licenciadas ao nível estadual se os impactos sejam considerados restritos a um único estado. Os resultados desta lei já são evidentes no caso do licenciamento da hidrelétrica de Sinop, no rio Teles Pires em Mato Grosso (Fearnside, 2019a). A fraqueza de licenciamento estadual chegou à atenção pública através da tragédia em Brumadinho em ja320

Philip M. Fearnside

neiro de 2019, quando quebrou uma barragem de resíduos de mineração.

A barragem havia sido licenciada pelo órgão ambiental de Minas Gerais.

Mas esse limite foi aumentado para 30 MW, criando uma classe de barragens entre 10 e 30 MW, chamada de “Pequenas Centrais Hidrelétricas”, ou “PCHs”, que exigem somente uma licença estadual para funcionamento. Barragens deste tamanho têm um impacto substancial, e centenas delas estão sendo construídas no Brasil, com pouca visibilidade pública.

Porque as licenças estaduais são mais baratas e mais rápidas para obter do que as federais, há uma tendência para empresas hidrelétricas investirem em várias PCHs em vez de uma barragem “grande”, quando existe a escolha.

Um exemplo dramático do efeito da transferência da autoridade foi a queima dos escritórios do IBAMA e do Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio) em Humaitá, no Estado do Amazonas, por garimpeiros de ouro em 27 de outubro de 2017 (Pontes, 2017). Em vez de punir os garimpeiros, o governador Amazonino Mendes logo anunciou sua intenção de legalizar a garimpagem ilegal (Farias, 2017a) e, em 12 de dezembro de 2017, o governador e o chefe da agência ambiental estadual viajaram para Humaitá e concederam aos garimpeiros a licença que eles queriam (Farias, 2017b).

A rodovia BR-319 foi construída em 1973/74 durante a ditadura militar, mas o tráfego foi insuficiente para justificar os altos custos de manutenção nesta região de chuvas intensas. A estrada foi deixada a se deteriorar até que se tornou intransitável em 1988, quando cessou o serviço de ônibus entre Porto Velho e Manaus e o Ministério dos Transportes abandonou a estrada.

No entanto, o Ministério das Comunicações assumiu a tarefa de realizar manutenção mínima nas pontes para permitir o acesso à sua cadeia de torres de micro-ondas e, posteriormente, a um cabo de fibra ótica que conecta Manaus ao resto do Brasil. A condição da estrada era suficientemente ruim para evitar que ela se tornasse uma rota de migração do “arco de desmatamento” em Rondônia para as florestas da Amazônia central, norte e ocidental (Fearnside & Graça, 2008).

Nas décadas seguintes, os políticos em Manaus realizaram uma campanha constante para pressionar o governo federal a reconstruir a rodovia. A rodovia não possui uma justificativa econômica por transportar os produtos das fábricas da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) para 321

Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

São Paulo. Seria substancialmente mais caro através da rodovia BR-319 do que pelo sistema atual de levar carretas em barcaças de Manaus até Belém, seguindo de lá até São Paulo por rodovia, e o contraste seria ainda maior se as instalações portuárias fossem ampliadas (por exemplo, em Itacoatiara) para permitir que este frete fosse transportado em contêineres, em navios por cabotagem entre Manaus e Santos (Teixeira, 2007; Fearnside & Graça, 2009b).

O projeto rodoviário da BR-319 é único em não ter um estudo de viabilidade, que é exigido de todas as obras de infraestrutura propostas para mostrar que os custos são justificados por ganhos econômicos.

A justificativa para a isenção era que a rodovia é necessária para a “segurança nacional”, argumento cuja lógica não é clara, dado que a rodovia está muito distante de qualquer fronteira internacional. O Plano Nacional de Defesa, de 2008, não menciona a prioridade da rodovia (Brasil/PR, 2008).

Em 2012, o comandante militar da região amazônica deu uma longa palestra no INPA sobre as prioridades de segurança nacional para a Amazônia, na qual não se mencionou a BR-319, e quando este autor levantou essa questão no final da palestra ele confirmou que a rodovia não é uma prioridade de segurança; a palestra e o meu comentário foram gravados e publicados pelo INPA (Fearnside, 2012a; Villas Bôas, 2012).

A falta de justificativas econômicas e militares é de relevância limitada para o papel do projeto rodoviário. É uma maneira para os políticos obterem votos em Manaus, o verdadeiro motivo para a existência do projeto. O apoio ao projeto é praticamente universal em Manaus. Isso pressupõe, é claro, que o custo financeiro seja arcado pelo governo federal e, portanto, pelos contribuintes no país inteiro, e não por residentes do Estado do Amazonas.

Após uma longa batalha legal sobre se seria necessário um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), o requisito foi confirmado e um EIA foi preparado (UFAM, 2009). Sucessivas versões do EIA foram rejeitadas pelo IBAMA devido a deficiências graves. O parecer técnico concluiu: “... o EIA não reúne as mínimas condições e informações que permitam avaliar a viabilidade ambiental do empreendimento” e, mesmo deixando de lado a qualidade técnica do EIA/RIMA, a emissão da LP [Licença Prévia] não pode ser efetivada” (Arbocz et al., 2009, p. 175 - 176).

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Philip M. Fearnside

No entanto, este impedimento federal foi efetivamente superado em 2016, permitindo que a agência ambiental estadual do Amazonas licenciasse a “manutenção” da rodovia e apenas exigisse o EIA federal para a “reconstrução” da estrada (Cruz, 2016). A “reconstrução”, na prática, é interpretada como sendo a pavimentação final. No entanto, o impacto principal da rodovia é a sua melhoria até o ponto onde ônibus e outros veículos têm trânsito livre entre Rondônia e Manaus, e não a pavimentação final. A estrada foi progressivamente melhorada, e o serviço de ônibus durante a estação seca já está estabelecido.

Uso de condicionantes Outra rodovia, a BR-163 (Santarém-Cuiabá), representou um ponto chave no enfraquecimento dos requisitos de licenciamento ambiental.

Um EIA/RIMA foi preparado em 2002, mas sua inadequação foi evidente para a equipe de licenciamento do IBAMA. O relatório de oito volumes contém menos de duas páginas sobre o desmatamento, que é o principal impacto da rodovia, e a recomendação é simplesmente sugerir que a agência ambiental (ou seja, IBAMA) deve ser fortalecida em decorrência da “nova situação” (ECOPLAN Engenharia Ltda., 2002, Vol. 8, p. 45).

No entanto, o EIA foi aprovado, mas com a exigência de que o programa “BR-163 Sustentável” seja financiado. Este foi um programa realizado por 32 organizações não governamentais (ONGs), além do governo federal, e promovia sistemas agroflorestais, educação ambiental e outras atividades relacionadas ao meio ambiente ao longo da rota rodoviária, enquanto o projeto de construção estava em andamento.

Embora essas atividades sejam benéficas, elas não substituem um EIA adequado, especialmente porque um EIA aceitável era um requisito que, até esse momento, devia ser cumprido antes que a construção pudesse começar, enquanto o programa “BR-163 Sustentável” não tinha tal requisito (Fearnside, 2007).

O ano de 2002 marca o início da prática de permitir que a construção de grandes obras começasse sem primeiro satisfazer todas as demandas no EIA. Em vez disso, licenças são aprovadas com uma lista anexa de “condicionantes” que, supostamente, seriam cumpridas antes de conceder a próxima liberação na série de três licenças (Prévia, Instalação e 323

Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

Operação). As administrações presidenciais, a partir de 2003, coincidem com um rápido aumento do uso de “condicionantes” para permitir que os projetos avancem com impedimentos mínimos (Bratman, 2014).

O uso de “condicionantes” logo se degradou, permitindo que os projetos avançassem sem satisfazer muitas delas. A hidrelétrica de Belo Monte é o caso mais notório, onde 40 condicionantes do IBAMA e 26 da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) foram amplamente ignoradas (Fearnside, 2017a,b; Villas-Bôas et al., 2015). Isso atingiu um pico no caso de Belo Monte, permitindo que a Licença de Operação fosse concedida em 2015 sem satisfazer muitas das condicionantes (Villas-Bôas et al., 2015).

Após a concessão da licença, com a construção essencialmente completa, agências como o IBAMA e o Ministério Público se encontram praticamente sem meios para obter o cumprimento das demandas nas condicionantes, como foi demonstrado por uma ordem judicial em 13 de setembro de 2017, com pedido para suspender a obra, mas que não teve, essencialmente, nenhum efeito prático (Pinto, 2017).

O precedente da concessão da Licença de Operação sem preencher os requisitos foi repetido em breve no caso da barragem de São Manoel, no rio Teles Pires em Mato Grosso.

Em 05 de setembro de 2017, o IBAMA concedeu a licença de operação de São Manoel, permitindo que o reservatório fosse cheio, apesar da maior parte das condicionantes da Licença Prévia e da Licença de Instalação estarem ainda pendentes (Fearnside, 2017a, 2019b).

Desconsideração do departamento de licenciamento do IBAMA São apresentadas as histórias do licenciamento de várias barragens hidroelétricas apesar de ainda existir pendências: as do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), Belo Monte e São Manoel, com frequência resultante de corrupção e doações políticas. A Figura 1 apresenta as barragens mencionadas no texto na Amazônia Legal.

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Philip M. Fearnside

Figura 1. Barragens na Amazônia Legal mencionadas no texto Um comprometimento ainda mais amplo das proteções de licenciamento começou em 2008 com o licenciamento das barragens de Santo Antônio e Jirau no rio Madeira em Rondônia, com a aprovação simplesmente ignorando o conteúdo dos pareceres técnicos do Departamento de Licenciamento no IBAMA. Para as barragens do rio Madeira, cujo licenciamento começou em conjunto com um único EIA, o Parecer, de 121 páginas, para a Licença Prévia concluiu: Dado o elevado grau de incerteza envolvido no processo; a identificação de áreas afetadas não contempladas no Estudo; o não dimensionamento de vários impactos com ausência de medidas mitigadoras e de controle ambiental, necessárias à garantia do bem-estar das populações e uso sustentável dos recursos naturais; e a necessária observância do Princípio da Precaução, a equipe técnica concluiu não ser possível atestar a viabilidade ambiental dos aproveitamentos Hidrelétricos Santo Antônio e Jirau, sendo imperiosa a realização de novo Estudo de Impacto Ambiental, mais abrangente, tanto em território nacional como em territórios 325

Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

transfronteiriços, incluindo a realização de novas audiências públicas. Portanto, recomenda-se a não emissão da Licença Previa (Deberdt et al., 2007, p. 221).

A solução era substituir o chefe do departamento de licenciamento por Roberto Messias Franco, que produziu um parecer “definitivo” alternativo (Franco, 2007), efetivamente substituindo o da equipe técnica.

O mesmo indivíduo foi então promovido para liderar o IBAMA como um todo, onde aprovou a Licença de Instalação, apesar das deficiências evidentes (Fearnside, 2013a,b, 2014a,b, 2015a,b, 2017c).

A equipe técnica havia entregado ao referido departamento um parecer técnico de 146 páginas sobre a Licença de Instalação de Santo Antônio que concluiu: “Diante das considerações aqui expostas, recomenda-se a não concessão da Licença de Instalação ao aproveitamento hidrelétrico de Santo Antônio, pleiteada pelo Consorcio Madeira Energia S.A.” (Brasil, IBAMA, 2008, p. 146).

A Licença de Instalação foi emitida apenas cinco dias depois (Franco, 2008). Em 2016 o Ministério Público Federal em Brasília iniciou um processo contra Roberto Messias Franco com base da emissão desta licença violar a Lei de Crimes Ambientais (Lopes, 2016).

Para a Licença de Operação de Santo Antônio, a equipe técnica do IBAMA fez um parecer técnico de 188 páginas que concluiu: “...esta equipe técnica não vê óbices à emissão da Licença de Operação para UHE Santo Antônio, com validade de 04 (quatro) anos, desde que sanadas as seguintes pendencias processuais: ...”(Brasil, IBAMA, 2011a, p. 174).

Esta afirmação foi seguida por uma lista de 62 itens que teriam de ser cumpridos antes de emitir a Licença de Operação (Brasil, IBAMA, 2011a, pp. 174-188). No entanto, a Licença de Operação foi concedida um mês depois, com essas recomendações convertidas em condicionantes, teoricamente para cumprimento posterior (Trennepohl, 2011).

Hidrelétrica de Belo Monte No caso da hidrelétrica de Belo Monte, o parecer da equipe técnica do IBAMA sobre a licença prévia concluiu: “A falta de critérios técnicos e legais que expressem a viabilidade ambiental, e os diversos interesses, 326

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legítimos, mas muitas vezes antagônicos, que encontram no âmbito do licenciamento ambiental um espaço de discussão política, não propiciam à equipe técnica uma tomada de decisão segura sobre a viabilidade de empreendimentos de tamanha complexidade” (Brasil, IBAMA, 2010, p. 21).

O presidente do IBAMA, na época, apoiou sua equipe técnica em não aprovar a licença, resultando em sua remoção (Agência Brasil, 2011).

Ele foi substituído por Curt Trennepohl, um funcionário do IBAMA que estava prestes a se aposentar.

O novo presidente do IBAMA aprovou prontamente a licença (Fearnside, 2012b). Pouco depois da aprovação, ele deu uma entrevista reveladora para a televisão australiana. Quando pressionado sobre a questão da sua aprovação de Belo Monte, ele expulsou da sala a equipe de filmagem, mas continuou conversando com a repórter com o microfone ligado.

Ele então apresentou uma apologia pela matança de indígenas na Amazônia brasileira hoje, comparando-a com a eliminação histórica de aborígenes na Austrália (Xingu Vivo, 2011). Na Belo Monte, a equipe técnica do IBAMA também foi ignorada nos casos do seu parecer de 252 páginas sobre a Licença de Instalação (Brasil, IBAMA, 2011b) e do seu parecer de 242 páginas sobre a Licença de Operação (Brasil, IBAMA, 2015).

Hidrelétrica de São Manoel A barragem de São Manoel repetiu os precedentes das barragens do rio Madeira e de Belo Monte ao ignorar a equipe técnica do Departamento de Licenciamento do IBAMA. Em 25 de agosto de 2017, a equipe técnica produziu um parecer de 133 páginas que se oponha à aprovação da Licença de Operação. O parecer concluiu: A ausência dos dados solicitados e o não cumprimento das exigências exaradas ao longo de vários pareceres técnicos emitidos pelo IBAMA, aqui identificados, impede à presente análise visualizar a real magnitude dos impactos ambientais …. Portanto, o presente parecer não apresentará sugestões de condicionantes para licença de operação enquanto houver pendências de informações…(Brasil, IBAMA, 2017, p. 131).

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Desmonte da Legislação Ambiental Brasileira

A barragem de São Manoel está localizada a apenas 700 m da Terra Indígena Kayabi e já provocou uma série de conflitos. O parecer da equipe de licenciamento não teve efeito: a presidente do IBAMA assinou a licença de operação apenas dez dias depois (Araújo, 2017).

Corrupção e doações políticas Decisões para construir barragens e outra infraestrutura que provocam impactos socioambientais são influenciadas por doações políticas ou por simples corrupção a partir das partes com interesses financeiros nos projetos pleiteados. Em 2013 o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) liberou dados pela primeira vez sobre doações políticas, indicando que, nos dez anos anteriores, os quatro maiores doadores eram grandes empreiteiras que constroem barragens na Amazônia (Gama, 2013).

A hidrelétrica de Belo Monte fornece um exemplo bem documentado, onde tanto o lado pagador quanto o recebedor final fizeram depoimentos confirmando “doações” tanto legais, como ilegais (Amazonas em Tempo, 2015; Cruz et al., 2016; do Amaral, 2016). A barragem de Santo Antônio, no rio Madeira, também rendeu doações ilegais de campanha de acordo com confissões pela construtora Odebrecht (Francis, 2017).

A maior fonte de doações oficialmente declaradas para as campanhas presidenciais da candidata Dilma Rousseff veio da empresa frigorífica JBS (Wikipédia, 2018a), tanto em 2010 (Recondo & Gallucci, 2010) como em 2014 (Pinhoni, 2014). Segundo delação de Joesley Batista (Wikipédia, 2018b), presidente da JBS, a empresa também era fonte do equivalente de R$ 126 milhões de propinas para a campanha presidencial vitoriosa em 2010 (em.com.br, 2017) e R$ 360 milhões em 2014 (Maia, 2017). A JBS doava para muitos políticos, e só as doações oficialmente declaradas representaram 39,5% dos lucros líquidos da empresa (Folha Política, 2015). Como a JBS é a maior empresa de “proteína animal” do mundo, ela tem evidente interesse na agenda do setor agropecuário.

Ao longo dos dois anos antes da delação dos donos da JBS (maio a agosto de 2017), a influência da empresa teria aumentado ainda mais com o seu papel como fonte de dinheiro para contornar as revelações da iniciativa Lava Jato de investigação de corrupção.

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Eventos emblemáticos incluem a captura em 18 de maio de 2017 do braço direito do Presidente Michel Temer (Wikipédia, 2018c), o Deputado Federal Rodrigo Rocha Loures (Wikipédia, 2018d) com uma mala (O Globo, 2017a) contendo R$ 500 mil, que é o montante que havia sido acordado para ser pago semanalmente durante um período de 20 anos para comprar o silêncio do aliado de Temer, Eduardo Cunha (Wikipédia, 2018e), o então presidente da Câmara dos Deputados, preso atualmente, que era esperado para fazer delação nas investigações de corrupção.

Grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal haviam gravado Loures solicitando os subornos em nome do Temer (Veja, 2017), e a confissão (O Globo, 2017b) de Joesley Batista, afirmou que o dinheiro era para Temer (Watts, 2017).

Em 05 de setembro de 2017, foram encontrados R$ 51,4 milhões em malas e caixas de papelão em um apartamento “emprestado” ao Geddel Vieira Lima (Wikipédia, 2018f), que talvez seja o associado mais próximo do Temer e que foi seu Ministro de Governo antes de ser forçado a renunciar em novembro de 2016 em função de outro escândalo de corrupção (Paraguassu & Boadle, 2016).

Confissões de JBS novamente ligaram o dinheiro ao Temer e seu partido político. As impressões digitais de Geddel foram encontradas em algumas das malas. Houve também uma gravação feita clandestinamente por Joesley Batista em março de 2017, onde Temer expressa aprovação para o pagamento de subornos pela JBS para silenciar o Eduardo Cunha (Watts, 2017).

Aceleração do licenciamento ambiental Outra tendência de enfraquecimento de licenciamento é a aceleração do processo de aprovação, muitas vezes independentemente da integralidade das informações ou do proponente cumprir as exigências que podem ter sido feitas pelo órgão ambiental.

Um exemplo de uma medida para acelerar as aprovações foi uma mudança, em junho de 2017, no procedimento do IBAMA para a concessão de bônus para a sua equipe técnica. Os bônus foram concedidos anteriormente com base no número de pareceres técnicos produzidos, uma política que introduz um motivo pessoal para acelerar o processo de aprovação, seja induzida ou não a redução das exigências.

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A mudança em 2017 cria um viés ainda mais forte, concedendo o bônus apenas se os pareceres técnicos foram favoráveis, e não se os pareceres recomendam a não aprovação do projeto (Borges, 2017a).

Pressão sobre funcionários ambientais individuais Pressão política sobre funcionários ambientais para aprovar projetos hidrelétricos tem sido comum, como nos casos das barragens de Santo Antônio, Jirau e Belo Monte (Fearnside, 2014b, 2017a,b). Em todos esses casos, procuradores do governo ameaçaram os membros individuais da equipe técnica no departamento de licenciamento do IBAMA com a acusação de “má fé” em recomendar a não aprovação das licenças (Brasil, AGU, 2011, 2012).

Como medida para minimizar essas ameaças, as assinaturas da equipe técnica não aparecem mais nos pareceres técnicos, tais como o parecer recomendando contra aprovação da hidrelétrica de São Manoel (Brasil/IBAMA, 2017; Fearnside, 2017c).

Aumento da influência dos ruralistas A influência dos “ruralistas”, ou seja, os representantes dos grandes proprietários de terras, aumentou rapidamente para ganhar controle do governo brasileiro.

Apesar de grandes proprietários de terras representarem uma porcentagem minúscula da população brasileira, dos 513 membros da Câmara dos Deputados, um número estimado em 210 (41%) é de ruralistas (Carvalho et al., 2017).

Com a economia em recessão, as forças políticas conservadoras estão se alinhando (Nunes & Neder, 2016) para eliminar as salvaguardas críticas socioambientais que poderiam expor a Amazônia a perigos sérios.

No dia da votação na Câmara dos Deputados, os ambientalistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo da Silva foram assassinados perto de Marabá, no sul do Pará (Milanez, 2016).

Quando um deputado do Partido Verde tentou falar sobre este fato na tribuna da Câmara dos Deputados, ele foi vaiado pela multidão de deputados que favoreciam a evisceração do Código. A hostilidade aberta para qualquer discussão de questões sociais relacionadas com as alterações propostas foi evidente.

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Os ruralistas solicitaram ao então presidente interino Temer para rever decisões do poder executivo dos últimos dias da administração anterior na criação de unidades de conservação e terras indígenas.

O novo Ministro da Justiça afirmou que todas as decisões do final da administração anterior serão “revistas” embora com a ressalva de que isso seria feito “com diálogo” (Bergamon, 2016).

A administração anterior declarou sete terras indígenas totalizando 14,8 milhões de hectares em seu último mês no governo (ISA, 2016a).

Terras indígenas são particularmente importantes porque protegem uma área maior do que as unidades de conservação e porque têm um histórico melhor em resistir ao desmatamento (Nepstad et al., 2006).

A bancada ruralista no Congresso Nacional está empurrando uma série de projetos de lei (PLs) e propostas para emendas constitucionais (PECs) que poderiam causar sérios impactos socioambientais.

As emendas exigem apenas uma maioria de 60% em cada casa do Congresso Nacional, e, em seguida, elas são automaticamente efetivadas, sem necessidade de sanção presidencial.

Emendas constitucionais são mais fáceis de passar no Brasil do que na maioria dos outros países (de Moura Rocha Lima, 2016). A Constituição atual, promulgada em outubro de 1988, havia sido emendada 97 vezes até dezembro de 2017.

Já que a bancada ruralista é suficiente para bloquear um impeachment presidencial, e este fato, juntamente com a distração de outros assuntos na pauta do Congresso, ofereceu oportunidades para a agenda ruralista obter grandes avanços durante o julgamento de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em 2016 (Fearnside, 2016) e nas semanas anteriores às duas votações no Congresso sobre a iniciação das investigações para o impeachment do Presidente Temer em 2017 (Fearnside, 2017d,e).

Uma prioridade da bancada ruralista que continua avançando é a conversão de rios na bacia do Tapajós em hidrovias para transportar soja de Mato Grosso para portos com acesso ao rio Amazonas.

As propostas hidrovias teriam impactos permanentes e irreparáveis e se relacionam com uma série de barragens propostas no rio Tapajós e seus afluentes. Essas barragens incluem São Luiz do Tapajós, que inundaria parcialmente a proposta terra indígena Sawré-Muybu, e a hidrelétrica de Chacorão, que inundaria parte da Terra Indígena Munduruku (Fearnside, 2015b,c).

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A pressão para construir esta megabarragem da Amazônia é muito forte, com o apoio de grandes empreiteiras, o setor elétrico e o setor do agronegócio, incluindo Blairo Maggi, o atual Ministro da Agricultura.

Maggi é o maior produtor de soja no Brasil, e suas exportações seriam beneficiadas pela barragem e uma de suas hidrovias associadas (Salisbury, 2016).

Em dezembro de 2016, surgiu de repente, para um voto chave em um comitê do Senado, uma proposta para autorizar três hidrovias, incluindo uma nos rios Tapajós e Teles Pires, que inundaria terras do povo indígena Munduruku (Branford & Torres, 2016).

Propostas para neutralizar o sistema de licenciamento PEC-65, Fim do licenciamento ambiental Propostas incluem medidas para enfraquecer ou efetivamente abolir o licenciamento ambiental, tais como a Proposta de Emenda Constitucional PEC-65 (Brasil, Senado Federal, 2016a), que tornaria a mera apresentação de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) em uma aprovação automática de qualquer projeto de desenvolvimento.

De uma só frase, esta PEC revogaria quarenta anos de progresso na construção de um sistema de licenças para avaliar e mitigar os impactos ambientais de projetos de desenvolvimento.

A PEC-65 é de autoria do Senador Acir Gurgacz (Wikipedia, 2018g), de Rondônia, e a posição-chave da relatoria no processo de aprovação era ocupada pelo Blairo Maggi, de Mato Grosso, até seu licenciamento do Senado para tornar ministro da agricultura em 12 de maio de 2016.

O Senador Acir Gurgacz é o fundador de uma empresa de mineração, proprietário de uma das maiores companhias de ônibus que circulam pelas rodovias amazônicas, e é o terceiro membro mais rico do Senado brasileiro (Infomoney, 2014).

Os defensores da PEC-65 afirmem que com os procedimentos de licenciamento “perde-se muito tempo e desperdiçam-se recursos públicos vultosos, em flagrante desrespeito à vontade da população” (Brasil, Senado Federal, 2016a). A emenda reza: “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que 332

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não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões [ou seja, por razões ambientais] a não ser em face de fato superveniente” (Brasil, Senado Federal, 2016a).

Em abril de 2016, uma Comissão do Senado aprovou a PEC65, liberando-a para votação no plenário do Senado. Senadores que se opuseram à PEC-65 conseguiram retardá-la, devolvendo a proposta à Comissão, embora os mesmos senadores que aprovaram a PEC-65 continuam como membros da Comissão.

Um porta-voz da ONG Instituto Brasileiro de Proteção AmbientalPROAN comparou a PEC-65 à permissão de um estudante que passa no vestibular para um curso de medicina começar imediatamente a realizar cirurgias (Borges, 2016).

O Conselho Federal de Biologia, que representa os biólogos do Brasil, publicou uma manifestação de “indignação” sobre a PEC, e a entregou aos líderes nas duas casas do Congresso (CFBio, 2016a,b).

O Ministério Público Federal (incumbido de defender os interesses do povo) preparou um parecer jurídico (Brasil, MPF, 2016), contestando a proposta de emenda. Conflitos constitucionais podem, potencialmente, serem julgados pelo Supremo Tribunal Federal.

PLS-654/2015 & PL-3.729/2004: Licenciamento ambiental abreviada.

Os projetos de lei PLS-654/2015 (Brasil, Senado Federal, 2015) e PL-3.729/2004 (Brasil, Câmara dos Deputados, 2004) permitiriam que qualquer projeto “estratégico”, tais como uma usina hidrelétrica, tenha aprovação ambiental simplificada e rápida.

A sequência normal de três licenças (Prévia, Instalação e Operação) seria condensada em uma só licença, com um prazo impossível de oito meses para o órgão ambiental aprovar a licença, que normalmente leva 4-5 anos. Após o término do prazo, o projeto seria automaticamente autorizado a prosseguir.

A PLS-654/2015 foi proposta pelo senador Romero Jucá (Wikipedia, 2018h), de Roraima, e tinha o Blairo Maggi como relator, até se tornar Ministro da Agricultura sob a administração Temer. Os políticos envolvidos são alguns dos mais poderosos do Brasil. Blairo Maggi (Wikipedia, 2018i), conhecido como o “rei da soja”, recebeu o prêmio “Motosserra de Ouro” do Greenpeace quando era governador do 333

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Estado de Mato Grosso (Greenpeace, 2005). Romero Jucá tem interesses familiares na mineração de ouro amazônica e um longo registro de ações para diminuir os direitos dos povos indígenas (Rocha, 2012).

Romero Jucá se tornou ministro do planejamento no início do governo Temer, mas foi forçado a se demitir apenas 12 dias depois, quando uma gravação veio ao público em que ele apareceu conspirando para obstruir as investigações de corrupção sob a iniciativa Lava Jato, e ele retomou o seu papel como líder do maior partido político no Senado.

CONAMA e auto licenciamento Uma proposta pelos governos dos Estados para enfraquecer o sistema de licenciamento permitindo “auto licenciamento” está progredindo através do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA (ISA, 2016a).

PL-1.610/1996: Abertura de terras indígenas para mineração As propostas que estão avançando no Congresso incluem uma para permitir a abertura de terras indígenas para mineração (PL1.610/1996), que originou no Senado com autoria do senador Romero Jucá (Brasil, Câmara dos Deputados, 1996). Embora pendente desde 1996, esta proposta tem avançado desde 2016 (Barros & Barcelos, 2016).

Os membros da Comissão no Congresso tratando desse projeto de lei têm recebido grandes contribuições de campanha da empresa de mineração Vale (de Souza, 2015).

PEC-215: Fim de criação de TIs & UCs Há também a famosa PEC-215, uma proposta de emenda constitucional que há muito tempo tem sido prioridade na agenda ruralista (O Eco, 2015). A PEC-215 retiraria a autoridade do ICMBio para criar unidades de conservação e da FUNAI para criar terras indígenas (Brasil, Câmara dos Deputados, 2000; ISA, 2015). Esta autoridade seria transferida para o Congresso Nacional, que é controlada pelos ruralistas e assim efetivamente terminaria a criação ou expansão de áreas protegidas.

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PLS 168/2018: Licenciamento sem FUNAI em TIs não homologadas Um projeto de lei do Senado (PLS 168/2018) estabeleceria uma nova regulamentação para licenciamento ambiental de obras, tais como barragens e rodovias. Se aprovado, a FUNAI somente seria consultada em processos de licenciamento de obras propostas em terras indígenas homologadas (Brasil, Senado Federal, 2018: Seção 7, Art. 30, Inciso I). Isto liberaria obras nas áreas indígenas que ainda não chegaram ao marco de “homologação”, tais como a Sawré-Muybu, que é o principal impedimento à construção da hidrelétrica São Luiz do Tapajós. A mudança também tiraria a proteção dos indígenas isolados em toda a Amazônia (Leite, 2018).

Lei 13.334 (MPV-727): Parcerias público-privadas Um grande golpe para o licenciamento ambiental foi a aprovação da Lei 13.334/2016 (anteriormente MPV-727) em 13 de setembro de 2016, sancionada pelo Presidente Temer no dia seguinte. Essa lei estabelece um programa de “parcerias público-privadas” com um Conselho Diretor que é dado o poder de forçar o IBAMA, FUNAI ou qualquer outro órgão, inclusive os estaduais e municipais, a aprovar qualquer projeto que o Conselho considere ser “estratégico” (Brasil, PR, 2016). Essa lei surgiu para votação de forma extremamente repentina, e poucas pessoas havia lido o texto.

O debate no Senado foi limitado a três pessoas da oposição, mas foi uma farsa de qualquer forma sendo que, sob regime “urgente”, as posições dos partidos políticos haviam sido decididas antes do debate e, portanto, nada falado poderia mudar os votos, que foram feitos pelo líder de cada partido.

Emenda 95 (PEC-55): Congelamento do orçamento Ainda outro golpe contra o meio-ambiente foi a aprovação, em dezembro de 2016, da Emenda Constitucional n.º 95 (anteriormente PEC-55) (Brasil/ Câmara dos Deputados e Senado Federal, 2016). Isto congela o orçamento federal durante os próximos 20 anos ao nível atual, que já foi reduzido ao ponto que órgãos como IBAMA e a FUNAI estão, em muitos aspectos, inoperáveis (Modzeleski, 2017; Valente, 2017a).

Somente os Ministérios da Saúde e da Educação podem ter aumentos das 335

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respectivas partes do orçamento, o que significa que, já que as demandas inevitavelmente aumentarão, o Ministério do Meio Ambiente e outros órgãos vão encolher ainda mais, tornando inviável a aplicação adequada das leis ambientais.

Além de alocações inadequadas no orçamento federal para os setores menos potentes, como o Ministério do Meio Ambiente, o Brasil tem um sistema único que resulta no real montante gasto nestes setores ser ainda menor do que o orçamento sugere. Uma característica do sistema governamental no Brasil é o “contingenciamento”, ou seja, colocar os fundos em estado de contingência, quando as receitas fiscais são insuficientes para pagar as verbas prometidas.

Os montantes do orçamento não são liberados em uma só vez no início do ano: são liberados em parcelas no decorrer do ano. Os ministérios são, portanto, colocados em competição uns contra os outros em uma luta contínua para obter a liberação das suas parcelas, e nem todos são bem sucedidos.

Outra característica do sistema: é mais provável que os ministérios menos potentes tenham muito dos recursos deles liberado nos últimos dias do ano, quando é burocraticamente inviável concluir o longo processo de licitação necessário para fazer a maioria das despesas. Os fundos, portanto, são devolvidos ao tesouro.

Medidas para reduzir áreas protegidas Unidades de conservação Várias medidas para reduzir áreas protegidas existentes estão progredindo. Representantes do Estado do Amazonas no Congresso Nacional, juntamente com uma delegação da Assembleia Legislativa Estadual, fizeram um apelo direto ao Presidente Temer para revogar cinco unidades de conservação recém-criadas no maior estado da região amazônica (Amazonas em Tempo, 2016). É proposta a remoção de um milhão de hectares de áreas protegidas na parte sul do Estado do Amazonas (Farias & Pontes, 2017; Fearnside & Lovejoy, 2017).

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Outra proposta, promovida pelo próprio Planalto, removeria a proteção de 346.000 hectares ao longo da rodovia BR-163 (SantarémCuiabá), no Pará (Branford. & Torres, 2017; Chagas, 2017; Fearnside, 2017d), e com emendas chega a mais de 1 milhão de hectares (Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero et al., 2017).

Este projeto de lei (PL 8.107/2017) tramite em regime de prioridade no Congresso (Brasil, Câmara dos Deputados, 2017). Este caso ilustra um padrão de remover a proteção por meio da alteração da classificação da totalidade ou de partes de unidades de conservação existentes, por exemplo, convertendo-as em uma categoria de pouco efeito : “áreas de proteção ambiental” (APAs), que permitem a mineração e propriedades privadas, com direito a desmatamento.

Terras indígenas A Terra Indígena Sawré-Muybu, no rio Tapajós, é o caso mais crítico. Parte desta área tradicional do povo Munduruku, no Estado do Pará, seria inundada pela barragem de São Luiz do Tapajós (Fearnside, 2015c).

Os estudos e a documentação para a criação da terra indígena estavam prontos para assinatura por quase dois anos, mas o Ministério de Minas e Energia havia impedido a atuação da FUNAI (Fearnside, 2015b).

Além da possibilidade de revogar a declaração, a criação final desta terra indígena pode ser bloqueada por meio de simplesmente deixar de tomar os próximos passos: a área ainda precisa ser oficialmente “demarcada” (marcada no chão com uma picada perimetral) e “homologada” (confirmada por autoridade superior).

No entanto, a “declaração” foi um passo muito significativo, e a possibilidade de revogá-la seria um grande revés para o meio ambiente e as populações tradicionais na Amazônia. A bancada ruralista está tentando bloquear esta proposta de terra indígena (Santilli e Guetta, 2016), que foi declarada nos últimos dias do governo da ex-presidente Dilma Rousseff.

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Mineração: O caso da RENCA Em 23 de agosto de 2017, o Presidente Michel Temer emitiu um decreto revogando a RENCA (Reserva Nacional de Cobre e seus Associados), uma área do tamanho da Suíça localizada no lado norte do rio Amazonas em partes dos Estados do Pará e Amapá (Fearnside, 2017f). O Ministério do Meio Ambiente não havia sido consultado e os ambientalistas e o público em geral no Brasil foram pegos de surpresa. Na verdade, em março o governo Temer já havia anunciado sua intenção de revogar a RENCA em um congresso de empresas de mineração no Canadá.

Houve uma tempestade de críticas no Brasil e no exterior, inclusive da supermodelo Gisele Bündchen (e.g., Spring, 2017). Um mês depois, após uma tentativa mal sucedida de abafar as críticas por meio de uma modificação ao decreto acrescentando uma afirmação de que as áreas protegidas e as normas ambientais seriam respeitadas, o Presidente Temer revogou a revogação da RENCA, deixando como estava (G1, 2017).

No entanto, o Ministério de Minas e Energia deixou claro que ainda quer a abertura da área à mineração industrial, e que o governo retomará o debate sobre a extinção da RENCA “mais à frente” (G1, 2017).

A RENCA não foi criada para fins de conservação, mas sim como um ato de ditadura militar de 1964 a 1985 para preservar uma reserva estratégica de jazidas minerais, para não permitir que empresas internacionais de mineração exaurissem as jazidas e exportassem os minérios, como, por exemplo, tinha acontecido com a jazida de manganês em outra parte do Amapá. No entanto, na prática, a existência da RENCA evitou a mineração em grande escala, assim ajudando proteger o ambiente nesta vasta área, tanto dentro como fora das áreas legalmente protegidas.

A RENCA contém nove áreas protegidas. Três destas são do tipo “proteção integral”, onde a mineração é proibida. Duas são terras indígenas, que atualmente não permitem a mineração. No entanto, o projeto de lei PL-1.610/1996, mencionado anteriormente, abriria as terras indígenas para mineração. As outras quatro áreas protegidas já permitem a mineração, desde que esta disposição esteja incluída no plano de manejo da área em questão. Isto, é claro, pode ser sempre inserido nos planos por meio de pressão sobre os funcionários pertinentes. Mesmo que a mineração seja limitada aos 30% da RENCA que estão fora das áreas protegidas, a entrada de grandes mineradores e outros novos atores teria impactos sobre a floresta e os habitantes tradicionais.

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Oportunidades recentes para o desmonte ambiental O impeachment de Dilma O julgamento de impeachment da Presidente Dilma Rousseff, iniciado em 11 de maio de 2016, resultou na sua substituição pelo vicepresidente Michel Temer, primeiramente de forma interina enquanto o julgamento prosseguia e, depois da aprovação do impeachment pelo Congresso Nacional em 31 de agosto de 2016, como titular do cargo até o mandato presidencial terminasse em 01 de janeiro de 2019. A situação política tumultuada no Brasil durante o processo de impeachment da Presidente Dilma ofereceu uma oportunidade para avançar no desmonte da legislação ambiental brasileira.

A composição do Congresso, e seu potencial para atender às influências empresariais de desenvolvimento sobre as questões ambientais (Zucco & Lauderdale, 2011), aumentaram as chances de aprovação repentina de medidas ambientalmente prejudiciais. Os políticos envolvidos nas propostas de leis e emendas constitucionais eram alguns dos mais poderosos no Brasil, com histórias que sugerem uma predisposição para explorar e degradar o meio ambiente.

Frenéticas atividades ligadas ao processo de impeachment da Presidente Dilma levaram a um esvaziamento das funções normais do Senado, tais como sessões de comissão. Isto apresentou uma oportunidade para os interessados na aprovação de propostas “adormecidas”, que implicam em retrocessos na área ambiental (a PEC-65 estava pendente desde 2012), as quais podem aparecer, aparentemente do nada, para se tornarem ameaças concretas.

Com a colaboração da maioria dos partidos políticos em aprovar o processo de cassação, o clima entre os políticos era de uma unidade incomum para aprovar as medidas propostas pelo governo provisório para estimular a economia do País. Por exemplo, liberando projetos de desenvolvimento das restrições ambientais. Foi neste intervalo de tempo que houve o grande avanço da PEC-65 e PLS-654 no Senado e da PL3725/2004 na Câmara dos Deputados (Fearnside, 2016).

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Primeira tentativa de impeachment de Temer O Presidente Michel Temer foi objeto de uma crescente variedade de acusações de corrupção, organização criminosa e obstrução da justiça.

Ele já sobreviveu a duas votações no Congresso Nacional para iniciar as investigações para um processo de impeachment, o primeiro em 02 de agosto e o segundo em 25 de outubro de 2017. A obtenção dos votos necessários para bloquear a cassação envolveu cada vez a concessão de somas astronômicas em várias formas para deputados federais selecionados. O custo não foi só financeiro – também foi pago pelo meioambiente, especialmente na Amazônia.

Os cerca de quarenta por cento da Câmara dos Deputados controlados pelos ruralistas é o suficiente para bloquear uma votação de impeachment. Dias antes da primeira votação de impeachment em 02 de agosto, o presidente Temer fez uma série incrível de concessões para os ruralistas (Fearnside, 2017d).

A influência dos ruralistas vem aumentando ao longo de vários anos, mas a oportunidade apresentada pela recente série de escândalos de corrupção que atingem o Presidente levantou a influência ruralista a alturas sem precedentes.

Os meses antes da primeira votação do Congresso sobre o impeachment do Presidente Temer produziram uma série espetacular de golpes contra o sistema de licenciamento ambiental e outras proteções ambientais.

Os ruralistas se beneficiaram enormemente (Deutsche Welle, 2017) da generosidade do Temer com dinheiro público. Os deputados federais ruralistas foram numerosos o suficiente para bloquear o processo de impeachment contra ele (Carvalho et al., 2017; Deutsche Welle, 2017; Greenpeace, 2017a; Guetta, 2017).

Em 11 de julho de 2017, o Presidente Temer apoiou e assinou a famosa “lei de grilagem” (Lei 13.465, antes MP 759/2016) que legitima reivindicações de terras ilegais de até 2.500 hectares (de Souza, 2017a), muitas das quais estão na floresta amazônica.

Em agosto o governo Temer também renegou uma promessa anterior para se opor ao Projeto de Lei 3.729/2004 na Câmara dos Deputados, flexibilizando o licenciamento ambiental (Angelo e Vicária, 2017; Presotti, 2017). O governo Temer também apoiou um projeto de 340

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rodovia controverso exigido pelos ruralistas (Valente, 2017b), apoiou medidas para reduzir áreas protegidas na Amazônia (Angelo e Bragança, 2017; Chagas, 2017; IstoÉ, 2017a) e enfraqueceu os critérios para a definição de terras indígenas (de Souza, 2017b).

Perdoou efetivamente, também, grandes somas em multas e dívidas ao governo pelos poderosos setores de agronegócio e pecuária (Cavalcanti, 2017; De Olho nos Ruralistas, 2017). Houve também um pagamento de emendas parlamentares para deputados federais selecionados nos dias antes da votação.

Estas medidas são adicionais à distribuição de mais de R$ 4 bilhões em emendas (O Globo, 2017c), com as estimativas de futuras bondades deste tipo chegando até R$ 17 bilhões (Struck, 2017), sem incluir outras concessões caras para aliados políticos do Presidente Temer.

As bondades políticas do Presidente estão agravando a crise econômica do País, enquanto se corta as verbas desesperadamente necessitadas pelo Ministério do Meio Ambiente (Modzeleski, 2017), entre outros setores do governo.

Segunda tentativa de impeachment de Temer Os custos ambientais de obter o apoio de um número suficiente de deputados federais para bloquear a primeira proposta de impeachment em 02 de agosto de 2017 foram altos, mas estes podem ter sido superados pelo custo de sobreviver à segunda votação de cassação.

Uma denúncia (Netto et al., 2017), de 245 páginas, foi submetida ao Supremo Tribunal Federal pelo então Procurador Geral da República Rodrigo Janot (Wikipedia, 2018j) pouco antes de se aposentar em 14 de setembro de 2017.

Foi então encaminhada à Câmara dos Deputados, onde teria de ser aprovada para começar uma investigação e julgamento para impeachment.

Propinas, relatadas na denúncia para várias pessoas que compõem a suposta “organização criminosa”, totalizaram R$ 587 milhões (Netto et al., 2017).

No período que antecedeu à segunda votação, demandas ruralistas incluíram um perdão de R$ 31,4 bilhões em dívidas e multas não pagas por fazendeiros que haviam omitido de fazer as contribuições exigidas para um fundo de pensão para seus empregados (Tomazelli, 2017).

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Isto vai além dos R$ 17 bilhões que já haviam sido efetivamente perdoados, convertendo a dívida em parcelas (“refis”) que, após descontos generosos, serão, teoricamente, pagas ao longo de muitos anos, mas que, na prática, são rotineiramente deixadas sem pagar depois de saldar uma ou duas parcelas.

No dia em que a segunda denúncia foi submetida ao Congresso, o governo Temer liberou R$ 65 milhões em emendas parlamentares (Jornal do Brasil, 2017) para deputados selecionados e prometeu liberar outros R$ 1 bilhão.

Essas bondades traduzem em ainda mais subtrações das verbas do governo para outras áreas, incluindo o Ministério do Meio Ambiente.

Em 16 de outubro de 2017 (nove dias antes da segunda votação), o Ministro do Trabalho emitiu uma portaria (Lis, 2017) essencialmente terminando qualquer imposição de restrições ao trabalho “equivalente à escravidão”, o que tem sido uma demanda ruralista de longa data. Nove dias mais tarde a ordem foi temporariamente suspensa por uma juíza do Supremo Tribunal Federal (STF), enquanto se aguarda uma decisão pelo plenário do Tribunal (O Globo, 2017d).

Continuação do desmonte após as tentativas de impeachment A derrota da segunda tentativa de impeachment não acabou com esse padrão. Pesquisas de opinião pública indicaram que Temer teve uma percentagem de aprovação de apenas 3% (Verdélio, 2017), o menor índice atingindo por qualquer presidente desde o começo de pesquisas de opinião no Brasil. Isto significa que obter votos para passar a agenda legislativa de Temer requer um apaziguamento contínuo dos blocos de voto que o apoiam no Congresso, especialmente os ruralistas. Há também 25 propostas de impeachment ainda pendentes na Câmara dos Deputados (Brasil 247, 2017), e qualquer uma dessas poderia ser trazida à tona como forma de pressionar o Temer para mais concessões.

As Terras Indígenas parecem ser parte do preço nesta nova fase, como se tornou evidente em 01 de novembro de 2017, ou uma semana após a segunda votação de impeachment. O Ministro da Justiça revelou planos para permitir que o agronegócio arrendasse terras indígenas.

Isto é ilegal atualmente, mas o Ministro afirmou que o arrendamento seria autorizado através de uma medida provisória, ou, então, por meio de 342

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um projeto de lei no Congresso Nacional. Ele sugeriu que seria, então, para o STF derrubar a medida, caso fosse considerada ilegal.

No entanto, muitas ações ilegais são simplesmente deixadas para acontecer na prática. A construção da barragem de Belo Monte sem consultar os povos indígenas que foram impactados fornece um exemplo concreto: em 2012, o Poder Executivo entrou com um recurso no STF contra a decisão de um tribunal inferior a favor dos povos indígenas (International Rivers, 2012; ISA, 2012; Sevá Filho, 2014).

A construção da barragem seguiu, o reservatório foi enchido em 2015, e a consideração do mérito do caso não apareceu na agenda do STF até hoje.

O favorecimento de Presidente Temer à demanda ruralista para abrir terras indígenas a arrendamento remonta ao prelúdio da segunda votação de impeachment.

Em 03 de outubro de 2017, o Presidente reuniu com deputados ruralistas no palácio presidencial e, de acordo com todos os relatos (Borges, 2017b; Waldendorf, 2017), prometeu emitir uma medida provisória em 09 de outubro permitindo que os povos indígenas alugassem suas terras para não índios. Seguiu-se uma tempestade de críticas, e, em 04 de outubro, Temer negou que ele havia concordado em emitir a medida provisória (Moraes, 2017).

Note-se que é uma tática comum por políticos no Brasil (assim como em outros países) negar planos controversos que, de fato, continuam inalterados (Fearnside, 2017g). Isso ocorreu recentemente com o Presidente Temer no caso da redução de unidades de conservação ao longo da rodovia BR-163 (Angelo& Bragança, 2017; Chagas, 2017; de Souza, 2017c).

As negociações entre ruralistas e o governo para permitir que o agronegócio alugasse terras indígenas aparentemente continuaram após a negação do Presidente (Sanchez, 2017).

O deputado ruralista mais visível por trás da proposta foi Luiz Carlos Heinze (IstoÉ, 2017b), que é mais conhecido pela sua afirmação em 2014 de que índios (junto com gays, lésbicas e quilombolas) representam “tudo que não presta”(de Souza, 2014).

Em 18 de outubro de 2017, a manifestação contra uma audiência pública convocada pelos deputados ruralistas sobre a proposta de permitir o arrendamento de terras indígenas se tornou violenta, com alguns dos 343

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indígenas reunidos em frente à Câmara dos Deputados jogando pedras e a polícia respondendo com gás lacrimogêneo e spray de pimenta (Câmara Notícias, 2017).

A demanda ruralista (Borges, 2017b) para abrir áreas indígenas para arrendamento da terra em “parcerias” entre os indígenas e o agronegócio representa um impacto direto sobre a floresta. Terras Indígenas protegem mais a floresta amazônica do que as unidades de conservação administradas pelo Ministério do Meio Ambiente (Nogueira et al., 2018a,b).

Abrir o caminho para desmatar nessas áreas seria um desastre sem precedentes para a floresta amazônica. O plano de abrir terras indígenas levou Marcio Astrini, coordenador de políticas públicas do GreenpeaceBrasil, a descrever Temer como “o pior presidente da história para a área socioambiental” (Borges, 2017b; Greenpeace, 2017b).

Retrocessos sob o Presidente Bolsonaro Meio ambiente e direitos humanos A eleição de outubro de 2018 de Jair Bolsonaro, que se tornou o presidente do Brasil em 1º de janeiro de 2019, sinaliza uma redução significativa da proteção tanto para o meio ambiente quanto para os direitos humanos (Fearnside, 2018b).

A declaração de Bolsonaro durante a campanha de que ele retiraria o Brasil das Nações Unidas porque “É uma reunião de comunistas, de gente que não tem qualquer compromisso com a América do Sul” foi mais tarde esclarecido como se referindo apenas à Comissão de Direitos Humanos da ONU (BBC-Brasil, 2018).

Seus ataques de campanha às restrições ambientais incluíam frequentes promessas de despir o poder de licenciamento do IBAMA e distribuir essa autoridade aos ministérios em cada área temática, como o Ministério de Minas e Energia no caso de barragens (Masionnave, 2018a).

Ele também prometeu abolir o Ministério do Meio Ambiente e transferir as suas funções para o Ministério da Agricultura (Bragança, 2018), mas depois de assumir o cargo foi convencido pelos ruralistas proeminentes a manter o Ministério do Meio Ambiente para não provocar restrições aos países importadores de produtos agrícolas brasileiros. (Watanabe, 2018).

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No entanto, ao invés de extinguir o Ministério do Meio Ambiente, Bolsonaro conseguiu o mesmo efeito transferindo as funções de fiscalização e controle do desmatamento para o Ministério da Agricultura (Phillips, 2019), que é dirigido por uma ruralista conhecida como a “musa do veneno” por seu papel como congressista na defesa da remoção de restrições aos agrotóxicos (Boldrini, 2018).

O Serviço Florestal Brasileiro também foi transferido do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura (Albuquerque & Parreira, 2019). O que restou do Ministério do Meio Ambiente foi neutralizado com a nomeação de um ruralista como ministro (Guerra & Ribeiro, 2018), e um chefe do IBAMA que quer que licenças ambientais sejam concedidas automaticamente preenchendo um formulário on-line (Borges, 2018).

Outro movimento para neutralizar a aplicação das leis ambientais é uma mudança nas normas do Ministério do Meio Ambiente para responsabilizar os inspetores individuais financeiramente, caso que qualquer infração lavrada por eles for derrubada posteriormente, como por um recurso judicial; a medida é retroativa por cinco anos (Boghossian, 2019).

Nos meses que se seguiram à eleição de Bolsonaro, a frequência de ameaças e ataques aos inspetores do IBAMA e aos seus veículos aumentou muito (Masionnave, 2018b).

As ONGs são um alvo particular de Bolsonaro; prometeu expulsar organizações ambientais internacionais como o Greenpeace e o WWF (ClimaInfo, 2018). Ele frequentemente pediu o fim dos “ativistas” (Seto, 2018).

Salles fez de um dos seus primeiros atos como ministro do Meio Ambiente uma suspensão de 90 dias de todos os projetos que o ministério havia contratado através de ONGs, após o que alguns poderiam ser reintegrados após uma avaliação de “pente fino” (Azevedo &Grandelle, 2019).

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Ameaça ao Acordo de Paris sobre mudança climática A mudança climática representa uma das principais ameaças à floresta amazônica e à sustentabilidade das atividades humanas (e.g., Fearnside, 2018c; Sampaio et al., 2018).

A negação de mudanças climáticas antropogênicas por parte de Bolsonaro, e as suas promessas de campanha de abandonar o Acordo de Paris (Darby, 2018a, b; Fearnside, 2018d; Gaier, 2018), têm importantes implicações para o desmatamento, represas e outros projetos na Amazônia.

Honrar o compromisso do Brasil de reduzir suas emissões em 43% abaixo do nível de 2005 até 2030 (Brasil, 2016) exigiria a reversão da tendência de aumento das taxas de desmatamento que prevalece desde 2012 (Fearnside, 2017k). O compromisso de Paris tem sido uma justificativa importante para o Ministério do Meio Ambiente obter fundos do orçamento federal para seus esforços de controle da perda florestal.

Um estudo calculou que as taxas de desmatamento quase triplicariam se todas as propostas de Bolsonaro tiveressem efeito (Soterroni et al., 2018a,b). Durante a campanha de 2018, com Bolsonaro bem à frente nas pesquisas e euforia generalizada entre os ruralistas na expectativa de sua vitória, as taxas de desmatamento aumentaram 36% em comparação com os mesmos meses de 2017 (OC, 2018).

Bolsonaro e seus ministros têm feito declarações contraditórias sobre a retirada do Brasil do Acordo de Paris. Essa promessa de campanha tornouse proeminente depois que o filho de Bolsonaro, Eduardo, viajou para Nova York em agosto de 2018 para se encontrar com Steve Bannon (Darby, 2018a), que é quem convenceu o presidente dos EUA, Donald Trump, para se retirar do acordo.

Bolsonaro nomeou negadores do clima para chefiar tanto o Ministério do Meio Ambiente (Bilenky et al., 2018) quanto o Ministério das Relações Exteriores (Di Cunto et al., 2018). Tanto os novos ministros do meio ambiente (Alencastro, 2019) quanto das relações exteriores (Estadão Conteúdo, 2019; Tuffani, 2019) aboliram as seções de seus ministérios que lidavam com as mudanças climáticas.

Uma declaração de Bolsonaro antes do segundo turno de outubro de 2018 foi amplamente divulgada como uma reversão de sua intenção de abandonar o Acordo de Paris, mas, na verdade, não houve reversão.

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O que Bolsonaro disse foi que o Brasil permaneceria no acordo se “alguém” pudesse dar a ele uma garantia por escrito de que não haveria projeto “Triplo A” e nenhuma “independência de qualquer terra indígena” (Jornal Económico com Lusa, 2018). “Triplo A” refere-se a uma proposta de uma ONG colombiana para uma cadeia de áreas protegidas ligando os Andes ao Atlântico, que Bolsonaro acredita ser uma conspiração estrangeira para tirar a Amazônia do Brasil, enquanto “independência de qualquer terra indígena” refere-se a sua a crença de que governos estrangeiros estão tentando convencer os povos indígenas a declarar independência do Brasil para que os governos conspiradores possam reconhecer as áreas e ganhar o controle sobre a Amazônia.

Como nenhuma garantia por escrito pode ser esperada em relação a essas ameaças imaginárias, a promessa de Bolsonaro de deixar o Acordo de Paris permaneceu intacta (Fearnside, 2018b) se o acordo fosse alterado para atender às suas demandas (Soares & Grandelle, 2018).

A Conferência das Partes de 2019 da Convenção do Clima (COP25) também foi caracterizada por Bolsonaro como uma ameaça porque “está em jogo o ‘Triplo A’ nesse acordo”, e, após a eleição, ele solicitou (com sucesso) à administração presidencial Temer para revogar o convite do governo brasileiro para sediar a conferência (Marques & Fernandes, 2018).

Após a posse de Bolsonaro, ele foi convencido a manter o Brasil no Acordo de Paris “por ora”, como resultado da pressão de algumas partes de sua administração e de fontes internacionais (Brasil247, 2019), incluindo a ameaça do presidente francês Emmanuel Macron na reunião do G20 de novembro de 2018 na qual o Macron especificou a continuação do Brasil no Acordo de Paris como condição para o apoio da França a um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul (Brasil247, 2018).

Quando CEOs corporativos questionaram Bolsonaro em uma sessão fechada no Fórum Econômico Mundial em Davos, Suíça, em 22 de janeiro de 2019, ele disse que o Brasil permaneceria no acordo (Coelho et al., 2019), mas sua declaração é citada como sendo qualificada como Brasil permanecendo no acordo “por ora” (J10, 2019).

Apenas alguns minutos antes o Bolsonaro não havia feito nenhuma menção do assunto em seu discurso pré-preparado no plenário. No dia seguinte, Bolsonaro deixou claro que permanecer no Acordo de Paris era apenas “por ora” e que havia condicionantes, incluindo o pagamento ao Brasil por reduções de emissões e tratamento “respeitoso” do país (Bloomberg News, 2019).

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Quando o vice-presidente foi questionado sobre a posição de Bolsonaro no Acordo de Paris, ele se esquivou dizendo apenas que o presidente está ciente de que “não pode fugir da questão… do clima” (Fernandes, 2019). As declarações de Bolsonaro em Davos sobre o meio ambiente foram contestadas por verificadores de fatos (Frias et al., 2019) e geralmente tinham pouca relação com suas ações reais no Brasil (Rittle, 2019).

Ameaça aos povos indígenas e quilombolas Os povos indígenas e suas terras têm sido importantes impedimentos à destruição de florestas e rios amazônicos por desmatamento e represas (por exemplo, Nepstad et al., 2006). Eles também são alvo de Bolsonaro, que caracterizou os povos indígenas como isolados em suas “reservas” como “animais em zoológicos” (G1, 2018).

Durante sua campanha, Bolsonaro prometeu não permitir a demarcação de “um único centímetro” de terras indígenas adicionais (De Olho nos Ruralistas, 2018). Ele transferiu a responsabilidade pela demarcação de terras indígenas da FUNAI para o Ministério da Agricultura em um setor liderado por um ruralista (Sassine, 2018).

O que resta da FUNAI foi transferido do Ministério da Justiça para o Ministério de Direitos Humanos, Família e Mulher, que é chefiado por Damares Regina Alves. A ministra é uma pastora que era funcionária da bancada evangélica, que foi um fator crítico na eleição de Bolsonaro e que quer que as restrições sejam removidas ao proselitismo em áreas indígenas (de Moura e Souza, 2018). Em 2009, a Atini-Voz Pela Vida, uma organização evangélica cofundada por Damares Alves, foi denunciada por líderes indígenas à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados pela adoção ilegal de crianças indígenas, e três casos contra a organização estão avançando nos tribunais (Balloussier & Linhares, 2018; Estadão Conteúdo, 2018).

Sergio Olímpio Gomes (conhecido como “Major Olímpio”), um importante apoiador de Bolsonaro que foi eleito senador pelo Estado de São Paulo, fez uma promessa de campanha de “vender” as terras indígenas do país (Amazônia.org, 2018).

As propostas legislativas dos partidários de Bolsonaro incluem tornar os povos indígenas “parceiros” em projetos hidrelétricos, oferecen348

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do royalties aos líderes tribais em troca de apoio às barragens em seus territórios (Pamplona, 2018). Todos estas estações acelerariam a construção das represas amazônicas planejadas no Brasil.

O anúncio do plano “Barão do Rio Branco” em janeiro de 2019 sinaliza uma aceleração de projetos hidrelétricos na Amazônia, começando com os rios Tapajós e Trombetas (Amazonia.org, 2019; Rocha, 2019).

Caminhos para limitar os danos Embora as perspectivas para a Amazônia sob Bolsonaro sejam sombrias, pode haver alguns fatores restritivos. É evidente que o presidente não escuta a comunidade científica, mas há outros grupos aos quais ele escuta de fato.

Os militares podem começar a reconhecer a mudança climática como uma questão de segurança nacional e suavizar as políticas ambientais de Bolsonaro.

Por ser católico, é possível que o Bolsonaro escutasse o Papa Francisco, cuja visão sobre o meio-ambiente contrasta com a do Presidente. Mesmo entre os evangélicos, cujo apoio político é crítico para Bolsonaro, há alguns que relacionam a devastação da floresta amazônica com a destruição da criação de Deus.

Mas estes são finos fios de esperança. O maior fator restritivo será quase certamente a pressão internacional dos compradores de produtos agrícolas brasileiros, pois o Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina e o segundo maior exportador de soja.

Um exemplo da preocupação de Bolsonaro com as exportações do agronegócio ocorreu após a eleição, quando ele reverteu sua promessa de fundir os ministérios da agricultura e do meio ambiente. Blairo Maggi, Ministro da Agricultura no governo Michel Temer e cuja família é dona do maior produtor de soja do Brasil, argumentou que alguns países importadores podem impor restrições ao Brasil se for remover tão descaradamente os controles ambientais (Watanabe, 2018).

Depois de assumir a presidência, Bolsonaro voltou atrás na promessa de abolir o Ministério do Meio Ambiente, embora ele conseguiu o mesmo efeito por outros meios (Phillips, 2018). Mesmo assim, demonstrou que o agronegócio é um grupo ouvido pelo presidente.

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Um dia, talvez, o setor de agronegócio brasileiro, que hoje é repleto de negação climática (Fearnside, 2015d; Mello & Prado, 2018), perceba que a destruição da Amazônia acelerará significativamente os impactos climáticos que constituem uma ameaça à agricultura brasileira. A questão chave agora é se o setor agrícola, e o Brasil como um todo, acordarão a tempo de evitar o “Apocalipse Agora” na Amazônia.

Há soluções?

Não existem soluções fáceis para esses problemas. É necessário fazer com que o legislativo seja mais sensível aos impactos irrestritos da construção de infraestrutura e menos responsivo aos interesses especiais. Para isto. a visibilidade sustentada destes impactos nos meios de comunicação é essencial.

A investigação de corrupção “Lava Jato”, ainda em curso, pode ajudar em diminuir a influência oculta dos interessados em projetos com grandes danos socioambientais (Baquero, 2015).

A comunicação dos cientistas aos tomadores de decisão é essencial, apesar de um histórico dessa informação ser ignorada, como no caso da revisão do Código Florestal pelo Congresso Nacional (Metzger et al., 2010; SBPC & ABC, 2012; Roriz & Fearnside, 2015).

Aumentar a comunicação com o poder executivo também é fundamental, apesar de aconselhamentos científicos muitas vezes serem ignorados lá também (como no caso do licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte: Hernandez & dos Santos, 2011).

O Ministério do Meio Ambiente e a FUNAI (órgão do Ministério da Justiça) originaram a expansão substancial de unidades de conservação e do reconhecimento oficial das terras indígenas ao longo das últimas décadas, apesar da oposição de instâncias mais poderosas, tais como as dos ministérios de Minas e Energia, dos Transportes e da Agricultura.

Um risco constante é que cientistas e outras pessoas que trabalham sobre os problemas ambientais na Amazônia sucumbam ao fatalismo ao supor que evitar a destruição na região é uma causa perdida.

A continuidade de subsídios da comunidade científica é fundamental para orientar a política ambiental para um futuro melhor do Brasil.

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Agradecimentos O autor reconhece o apoio de CNPq (575853/2008-5; 311103/20154), FAPEAM (708565) e INPA (PRJ15.125). Este texto tem trechos traduzidos e/ou adaptados das seguintes publicações do autor: Fearnside, 2017c,d,e,f,g,h,i, 2019b,c. Uma versão segmentada será postada no site da Amazônia Real.

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CAPÍTULO 10 MINERAÇÃO E IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS: As dores de um país mega-minerador Bruno Milanez12

Destaques  Argumenta-se pelo reconhecimento do Brasil como país extrativista;  Caracterizam-se os impactos socioambientais das atividades de mineração como espacialmente extensos, ecologicamente complexos e temporalmente permanentes;  Questionam-se as mudanças recentes na legislação ambiental que tendem a reforçar o modelo de automonitoramento e enfraquecer os instrumentos públicos de licenciamento e controle ambiental;  Identifica-se que as atuais instituições ambientais não têm sido capazes de evitar ou mitigar os impactos socioambientais da mega-mineração no Brasil;  Demonstra-se como os atuais sistemas de licenciamento e monitoramento se mostram incapazes de evitar ou mitigar tragédias do rompimento das barragens de rejeito do Fundão e da Barragem I (Mariana e Brumadinho).  Defende-se o fortalecimento das agências de controle ambiental;  Propõe-se o desenvolvimento de instrumentos de real participação social nas decisões.

1

2

Doutor em Política Ambiental pela Lincoln University, professor adjunto do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordenador do Grupo de Pesquisa Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).

O autor gostaria de agradecer aos demais membros do PoEMAS pelos diversos debates que permitiram a construção de muitas das ideias apresentadas neste texto: Rodrigo Salles Pereira dos Santos, Luiz Jardim de Moraes Wanderley, Maíra Sertã Mansur, Raquel Giffoni Pinto, Ricardo Junior de Assis Fernandes Gonçalves e Tádzio Peters Coelho.

Mineração e Impactos Socioambientais

Considerações iniciais Neste texto, defende-se a necessidade de um fortalecimento das agências estatais de controle ambiental, juntamente com o desenvolvimento de instrumentos de real participação da sociedade (particularmente trabalhadores e comunidades atingidas) nas decisões relativas à implantação, expansão e operação de atividades de extração mineral. Este argumento considera a extensão das atividades minerais no território brasileiro e a intensidade de seus impactos socioambientais.

Assim, considera-se que mudanças nesses sentidos são essenciais para reduzir o risco de novas tragédias, como a que ocorreu decorrente do rompimento da barragem do Fundão, da mineradora Samarco (Vale / BHP Billiton) em Mariana (MG) em novembro de 2015 e da Barragem 1, da mineradora Vale em Brumadinho (MG).

Para tanto, propõe-se que a sociedade precisa reconhecer o Brasil como um país extrativista, entender o papel da mineração no país, e debater coletivamente seus impactos sociais, ambientais e econômicos.

Dessa forma, uma nova perspectiva deve ser construída com relação à atividade mineral e, a partir dela, novos e efetivos sistemas públicos de monitoramento e controle devem ser criados.

O texto é fruto de uma agenda de pesquisa sobre a mineração de minério de ferro no Brasil, que se iniciou em 2013 com o projeto Redes globais de produção e conflitos socioambientais na indústria extrativa de minério de ferro: uma avaliação a partir do estado de Minas Gerais e vem sendo continuada pelo projeto Rede global do minério de ferro: o exercício do poder corporativo no Brasil3. A pesquisa, de base qualitativa, vem sendo construída a partir de diferentes métodos incluindo revisão bibliográfica, análise documental observação participante, entrevistas semiestruturadas e participação em audiências públicas que debatem aspectos socioambientais da mineração.

As discussões apresentadas tomam como base a mineração em larga escala. Apesar de reconhecer a importância econômica e social da pequena mineração e da atividade garimpeira, essas escalas de atuação possuem especificidades cuja análise está além dos objetivos desse texto.

3

O autor gostaria de agradecer à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio que vem permitindo a realização das pesquisas que originaram esse artigo.

384

Bruno Milanez

Nesse sentido, muito da discussão apresentada será baseada na avaliação da extração de minério de ferro.

Argumenta-se que o foco em minério de ferro não compromete a análise, uma vez que, historicamente, ele representa mais de 60% (em valor) das operações minerais no país (DNPM 2015). Além disso, o processo de extração e beneficiamento do minério de ferro não possui nenhuma particularidade tecnológica, sendo seus impactos, em linhas gerais, generalizável para muitos outros minérios metálicos.

A extração de minério de ferro no Brasil se concentra, principalmente, nos estados de Minas Gerais e Pará. Em 2015, esses estados foram responsáveis, respectivamente, por 69% e 30% das operações envolvendo esse minério (DNPM 2015). Devido à relevância do estado de Minas Gerais e à diversidade de soluções de monitoramento e controle existentes no país, as avaliações e comentários sobre aspectos institucionais apresentados neste artigo serão focadas nesse estado.

O texto foi organizado em quatro seções, além desta introdução.

Primeiramente, justifica-se a definição do Brasil como país extrativista.

Na segunda seção são descritos alguns dos principais impactos socioambientais da atividade mineral, mostrando como, ao contrário do que é muitas vezes defendido pelo setor, eles não estão restritos à mina, mas sim ocorrem de forma dispersa e difusa. Na terceira, utiliza-se o exemplo do rompimento da barragem do Fundão e da Barragem I para demonstrar como os atuais sistemas de licenciamento e monitoramento se mostram incapazes de evitar tragédias envolvendo barragens de rejeito. Na última seção, descrevem-se e questionam-se as mudanças ocorridas na legislação ambiental do estado de Minas Gerais e na legislação federal, que deverão reduzir ainda mais a capacidade de controle dos órgãos ambientais, aprofundar o modelo de automonitoramento e, assim, aumentar os riscos de novas tragédias.

Brasil, um país extrativista O imaginário nacional ainda mantém a ideia do Brasil como “potência industrial”, processo fruto dos esforços do modelo de substituição das importações e do paradigma desenvolvimentista. Entretanto, se o país passou por um real processo de industrialização entre as décadas de 1930 e 1980, uma parte dessa capacidade foi desmontada a partir dos anos 1990.

385

Mineração e Impactos Socioambientais

A estratégia de ampliação da participação do país no comércio global, adotada durante o período neoliberal e mantida ao longo dos governos ditos neodesenvolvimentistas, foi baseada quase que exclusivamente em um modelo de inserção regressiva, pautada na exportação de commodities minerais e agrícolas (Milanez e Santos 2015, Santos e Milanez 2014).

Dessa forma, entre 1997 e 2015, a participação dos produtos não industriais na pauta exportadora brasileira passou de 19% para 36%. Se forem incluídos os bens industrializados de baixa intensidade tecnológica, tais como celulose, produtos alimentícios e produtos de madeira, essa participação alcançaria 65% em 2015 (MDIC 2016).

Considerando apenas recursos minerais (minérios, metais e combustíveis minerais), explicita-se ainda mais o perfil mínero-dependente do Brasil. Do ponto de vista da participação na exportação de bens, esses recursos corresponderam, em 2014, a 24% da pauta brasileira. Esse percentual é equivalente ao de países africanos comumente considerados como extrativistas tais como Namíbia (26%), Zimbábue (25%) e Costa do Marfim (22%) (World Bank 2016).

Em 2015, o Brasil foi o maior exportador de minérios da América Latina e o segundo maior do mundo. Naquele ano, ele foi responsável por cerca de 11% de todos os minérios exportados, tendo uma participação no mercado global de minérios superior a países como África do Sul, Peru e Chile, normalmente identificados como países mineradores. Dentro desse setor, o país se destaca, principalmente como exportador de nióbio (1º), minério de ferro (2º), bauxita (3º), manganês (4º) e cobre (7º) (DNPM 2016, International Trade Center 2015).

Esse vínculo com o mercado externo é um dos grandes responsáveis pela ampla expansão da extração mineral no Brasil. Tomando o ano de 2014 como exemplo, a maior parte do nióbio extraído (91%) não foi destinado ao mercado nacional, mas sim exportado para abastecer outros países. O mesmo comportamento pôde ser identificado no caso do ouro (80%), cobre (80%), manganês (75%) e minério de ferro (71%), entre outros (DNPM 2016). Dessa forma, uma parte considerável dos impactos socioambientais gerados pela extração mineral no país desenvolve-se para garantir a manutenção do elevado consumo de recursos naturais em outras regiões.

Uma discussão realista sobre a necessidade da contínua expansão da atividade de extração mineral no Brasil deve passar, necessariamente, 386

Bruno Milanez

pelo debate sobre o modelo de desenvolvimento do país e pela opção da manutenção de seu posicionamento no mercado global como mero fornecedor de commodities.

Um debate profundo sobre aspectos econômicos da dependência dos recursos minerais, como a discussão sobre a maldição dos recursos naturais (Bebbington et al. 2008, Davis e Tilton 2005, Torvik 2009) está além do escopo desse texto. Todavia, esse debate deve ser retomado em oportunidades futuras, particularmente frente aos impactos econômicos que a redução no preço dos minérios no fim do superciclo das commodities, a partir de 2014, causou nos orçamentos públicos e na dinâmica econômica dos municípios mineradores (Moraes 2015). Assim, a partir da próxima seção, foca-se em alguns dos principais impactos socioambientais da extração mineral no país.

A extração mineral e alguns de seus impactos socioambientais4

Considerações preliminares Dentro do senso comum, existe certo entendimento de que os danos socioambientais da mineração tenderiam a se restringir à mudança da paisagem e ao local da mina.

A mineração causaria impactos, porém eles seriam contidos espacialmente à cava ou à frente de mina. Essa imagem muitas vezes é reforçada pelo próprio setor, em uma tentativa de minimizar a sua imagem negativa.

“Existem vários exemplos de sucesso da convivência da atividade mineral em Áreas de Preservação Ambiental (APA) e Florestas Nacionais (Flona). Um desses casos é a mineração praticada na Flona Carajás, no Pará. Nesse caso, as imagens de satélite de 1980 e 2006 revelam a intensa atividade antrópica na área do entorno ao projeto Carajás, que, em menos de três décadas, praticamente eliminou toda a floresta nativa existente. O que restou foram as áreas protegidas que estão 4

Uma versão preliminar dessa seção foi publicada em Milanez (2016).

387

Mineração e Impactos Socioambientais

no entorno da mina de ferro. Na imagem, observa-se o impacto pontual da mineração” (CNI e IBRAM 2012, 36)5.

Um discurso de atenuação dos impactos é vantajoso, do ponto de vista de construção da imagem, pois ele sugere a ideia da mina como uma fábrica6. Uma fonte pontual de poluição, cujos impactos poderiam ser mitigados a partir das práticas comuns de gestão ambiental, baseadas no gerenciamento de resíduos ou no aumento de eficiência (cf. MME 2011). Dentro dessa perspectiva, qualquer evento de poluição ou dano ambiental seria uma exceção, ou seja, o resultado de uma má prática e não um elemento inerente ao processo de extração mineral. Além disso, essa perspectiva sugere que os impactos são limitados no tempo. Uma vez terminada a extração, haveria o fechamento da mina, a recuperação da área e, assim os impactos deixariam de existir.

Ao longo do texto, argumenta-se o oposto. Os impactos socioambientais da mineração não são pontuais, mas extensos, uma vez que se estendem pelos corredores logísticos de distribuição e exportação, bem como pelas bacias hidrográficas. Além disso, as modificações ambientais e ecológicas são tão complexas que não podem ser limitadas no tempo; ao contrário, devem ser encaradas como mudanças irreversíveis e permanentes.

Apesar de tais colocações, não se pretende adotar um discurso “anti-mineral” e a defesa do fechamento de todas as minas do país. Por outro lado, argumenta-se pela necessidade de se questionar o atual modelo de mineração em larga escala voltada para a exportação e, a partir 5

6

Neste trecho, porém, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) deixaram de mencionar que muitas das atividades antrópicas que eliminaram a floresta nativa somente foram possíveis devido à infraestrutura criada para atender à atividade de extração mineral. Além disso, em grande parte, a migração para a região foi induzida pela necessidade de mão de obra para a instalação dos projetos minerais.

A tentativa de associação da extração mineral a atividades manufatureiras é comumente utilizada como estratégia retórica. Termos como “produção mineral” e “indústria mineral” tendem a ocultar o caráter extrativista do setor, aumentando sua aceitação pelo ideário desenvolvimentista nacional. Esse discurso foi de tal forma naturalizado, que o termo “indústria extrativa” passou a ser utilizado na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Na verdade, a extração mineral possui aspectos inerentes do ponto de vista dos impactos sociais e ambientais que a distinguem de forma significativa das atividades industriais manufatureiras.

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de tal discussão, construir um outro modelo de mineração. Dessa forma, aceita-se a proposta de transição apresentada por Gudynas (2012), ao desenhar estratégias econômicas, sociais e institucionais para se abandonar o extrativismo depredador, construir o extrativismo sensato para, um dia, se alcançar o extrativismo indispensável7.

Mudanças da paisagem A grande mineração pode desenvolver suas atividades de duas formas principais. Existem situações em que, devido às características do minério utilizam-se minas subterrâneas. Elas são pouco comuns no Brasil, ocorrendo em alguns casos de extração de carvão mineral na região sul. A alternativa, muito mais presente em nosso território, seria a mina a céu aberto. Este segundo caso, tem um impacto muito mais evidente sobre a paisagem e será o foco desta seção.

No caso da megamineração de recursos metálicos, predominante no país, a instalação das minas se inicia com o desmatamento da região a ser lavrada, e a retirada de todo o solo fértil. Como este solo normalmente possui baixo teor de minério, ele é contraditoriamente chamado de “estéril” pelas empresas mineradoras. Este estéril é então acumulado em grandes pilhas. Em seguida inicia-se o processo de extração, que envolve o corte de blocos de dimensão padronizada, o que confere à mina a aparência de um poço dotado de enormes plataformas em degraus. O preparo da escavação é feito a partir da perfuração dos blocos e infusão de cargas de explosivos. A detonação afrouxa os blocos, permitindo que escavadeiras 7

Em sua tipologia Gudynas (2015) define extrativismo depredador como aquele onde há extração massiva de recursos naturais para exportação, com graves impactos econômicos, sociais e ambientais nos níveis local e nacional. O extrativismo sensato seria aquele caracterizado pelo respeito aos acordos internacionais, bem como à legislação ambiental e trabalhista; dentro desse contexto, se utilizariam as melhores técnicas disponíveis, e não se realizaria extração mineral em áreas ecologicamente ou socialmente vulneráveis. Por fim, no extrativismo indispensável se abandonaria a extração voltada para a exportação e ela seria dedicada somente para atender às necessidades de qualidade de vida da população, em escala local, nacional ou, no máximo, regional. Para se construir essa transição, o autor defende a necessidade de se promover o zoneamento territorial de forma participativa, cumprir as normas ambientais, reconhecer os direitos das comunidades atingidas, garantir as condições de saúde e segurança dos trabalhadores, internalizar as externalidades socioambientais, retirar os subsídios públicos e modificar a estrutura tributária de forma a penalizar impactos negativos.

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mecânicas carreguem o material extraído em caminhões fora de estrada para as unidades de beneficiamento.

Como forma de comunicar ao público não técnico os impactos da mineração, Gudynas (2015) lança mão da ideia de “amputação ecológica”.

Ele explica que quando temos um membro amputado (uma perna, um braço, uma mão), podemos usar a melhor tecnologia possível (ambiente higienizado, anestesia local, sutura etc.) e, se o processo for bem realizado, ao final, temos um “coto” apresentável, limpo e sem infecção.

O procedimento apresenta um porém, por melhor que seja a cirurgia, quando ela termina, o membro não está mais lá.

A grande mineração, assim, seria um processo semelhante de amputação da paisagem. As empresas mineradoras podem usar os melhores métodos de gestão ambiental (recirculação de água, máquinas e equipamentos eficientes, controle de material particulado e programa de recuperação de área degradada); mas quando se fecha a mina, a montanha não está mais lá. No lugar da serra ou do pico está um buraco.

E dessa forma é modificada toda a paisagem; mudam o microclima, a fauna, a flora, a dinâmica hidrológica. A função ecológica que era exercida pela montanha é extinta. Esse impacto, da ausência do material retirado, é inerente à atividade mineral e não pode ser evitado por nenhuma tecnologia de gestão.

A mudança da paisagem não se restringe a áreas naturais ou isoladas. Em situações onde as minas se encontram próximas a áreas urbanas a transformação também ocorre no ambiente construído.

Impactos como esses não são incomuns no estado de Minas Gerais, devido à densidade populacional e à idade das minas. No caso de Congonhas, a Vila Operária de Casa de Pedra, construída pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) nos anos 1950, foi “desmobilizada” 30 anos mais tarde para permitir ampliação da mina. No momento de sua demolição a vila contava com quase 300 casas, cinema, praça de esportes, grupo escolar, igreja, hospital e uma população de quase três mil pessoas (Rodrigues, 2011 apud Barbosa e García 2012).

Outro caso emblemático pode ser identificado em Itabira, uma das cidades com maior tradição em mineração do país, uma vez que foi o berço da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), hoje Vale S.A. Em Itabira, para garantir a expansão das minas da Vale foram removidos diferentes grupos de moradia operária, como a Vila Sagrado Coração de Jesus, Vila 390

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Conceição de Cima e Vila Cento e Cinco, bem como bairros não vinculados à mineradora, como o Aglomerado da Camarinha e, em especial, da Vila Paciência (Souza 2007). Também em Itabira, a Fazenda do Pontal, onde o poeta Carlos Drummond de Andrade nasceu e viveu parte de sua infância foi desmontada nos anos 1970, para dar lugar a uma barragem de lavagem de minério. As peças da casa histórica ficaram por mais de 30 anos sob guarda da Vale que, somente em 2004, reconstitui a casa, em outra localidade (FCCDA 2016).

Uma das formas de se tentar mitigar os impactos na mudança da paisagem, ao menos nos ambientes naturais, é a execução dos Planos de Fechamento de Minas (PFMs). Estes planos normalmente são apresentados em conjunto com os Planos de Aproveitamento Econômico antes do início das operações, quando as empresas requerem a concessão de lavra. De acordo com a Norma Reguladora da Mineração 20 (NR20), os PFMs devem incluir, entre outros documentos, o plano de desmobilização dos equipamentos, programa de monitoramento e acompanhamento, e o plano de controle de poluição.

A aplicação dos PFMs, porém, apresenta uma série de desafios e comumente não é realizada de forma efetiva. Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração que o fechamento definitivo da mina só ocorre quando ela é considera esgotada. Todavia, essa é uma noção relativa, uma vez que depende tanto de parâmetros geológicos, quanto econômicos. A viabilidade econômica de uma mina está associada a uma combinação da concentração mineral, da tecnologia disponível e do preço do minério. Sendo assim, não é incomum que minas tenham sua operação interrompida quando o preço não se mostra atrativo para as empresas, sob a alegação de não serem economicamente viáveis. Entretanto, a suspensão de atividade não pressupõe o fechamento da mina e essa situação de produção interrompida, sem a devida recuperação ambiental, pode ser prolongada por anos ou décadas, enquanto as empresas aguardam uma eventual elevação dos preços.

Em segundo lugar, os órgãos estatais têm se mostrado incapazes de garantir o efetivo cumprimento dos PFMs. Por exemplo, um levantamento feito pelo governo de Minas Gerais, entre os anos 2014 e 2015, listou 400 áreas consideradas como minas abandonadas ou paralisadas. Desse total, 169 (42%) foram classificadas como minas abandonadas e 134 (34%) como minas paralisadas sem controle ambiental (FEAM 2016a). Portanto, 391

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somente 24% das áreas identificadas poderiam ser consideradas em conformidade com a legislação vigente.

Uma das formas de se garantir que as empresas cumpram com as obrigações associadas ao fechamento de mina tem sido a exigência do contingenciamento de recursos durante o período de operação, de forma a garantir que o PFMs seja implementado, independentemente da situação financeira da empresa, quando do esgotamento da reserva. Tal prática vem sendo adotada em diferentes países com tradição mineral tais como África do Sul, Austrália, Canadá, Chile e Gana; sendo inclusive recomendada pelo International Council on Mining & Metals, a associação internacional das empresas mineradoras (Miller 2005).

No Brasil, porém, a possibilidade de tal cobrança é ignorada tanto pelo governo, quanto pelas empresas. O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração (coletivo de movimentos sociais, organizações não governamentais e sindicatos que se propuseram a debater o novo Código Mineral) vinha pressionando, desde 2013, os poderes executivo e legislativo para incluírem tal exigência no novo Código Mineral (CNDTM 2013). Porém, o avanço nesse sentido foi apenas incluído em 2015, depois do rompimento da barragem do Fundão. O artigo incluído no substitutivo exigia que as empresas apresentassem, no momento da outorga da concessão de lavra, garantias financeiras para execução do PFM. Tal medida, porém, apresentaria uma efetividade quase nula, uma vez que a exigência não era mantida para o período posterior à obtenção da concessão.

Consumo de energia e emissões atmosféricas Um aspecto ambiental raramente associado à mineração diz respeito à energia necessária nas etapas de extração e, particularmente, no beneficiamento dos minérios. O processo de extração em si requer o uso de grandes equipamentos – retroescavadeiras, pás carregadeiras, caminhões fora de estrada – o que implica no uso de grande quantidade de óleo diesel.

Da mesma forma, devido à elevada densidade dos minérios, seu transporte até os portos de onde serão exportados, também requer quantidade considerável de combustível. Ainda, o beneficiamento do 392

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minério, que consiste fundamentalmente em atividades de moagem e peneiramento demanda quantidades expressivas de energia elétrica.

No momento da extração, o grande consumo de energia está associado aos pesados equipamentos utilizados. Por exemplo, uma única retroescavadeira pode exigir entre 250 e 400 litros de combustível por hora de operação (referência Hitachi EX5500). De forma semelhante uma pá carregadeira consome entre 60 e 100 litros por hora (referência CAT 992), e um caminhão fora de estrada entre 35 e 95 litros por hora (referência CAT 777F). Não existe um inventário de quantas dessas máquinas operam atualmente no país, o que inviabiliza a estimativa do consumo total de combustível na extração mineral.

A questão energética, porém, vai além do consumo para extração do minério. Por exemplo, tanto para a Mineração Rio do Norte, quanto para a Vale, o óleo diesel corresponde a apenas 25% do consumo de energia (MRN 2015, Vale 2016). Segundo a EPE (2016), em 2015, as atividades de extração mineral e de peletização consumiram uma quantidade de energia que seria equivalente a 13% do consumo residencial de todo o país.

Como a energia elétrica também é um importante insumo para o beneficiamento mineral, empresas mineradoras acabam adquirindo participação em usinas hidrelétricas e estimulando a construção de novas barragens, com todos os impactos socioambientais a elas associados. Por exemplo, a Vale possui participação em 12 usinas hidrelétricas e nove pequenas centrais elétricas, a Alcoa em quatro usinas hidrelétricas e a Samarco em duas usinas hidrelétricas.

Um dos impactos mais significativos do consumo de energia, particularmente de fontes fósseis, diz respeito às emissões atmosféricas, especialmente a contribuição para as mudanças climáticas8. A participação da mineração nas emissões de CO2 associadas ao consumo de energia do subsetor industrial alcança o patamar de 7% (MCTI 2014). A essa participação precisariam ainda ser acrescidas as emissões relacionadas ao transporte de minério, porém a forma como os dados são divulgados não permite estimar esses valores.

Para além dos impactos globais das emissões atmosféricas, existe também a poluição local. De forma geral, ela é mais facilmente percebida 8

Deve-se levar em consideração que usinas hidrelétricas implantadas em áreas tropicais, especialmente na região Amazônica, também emitem gases de efeito estufa, particularmente devido à decomposição da vegetação coberta pelos lagos (Gunkel 2009).

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quando existem comunidades próximas às minas, como no caso de Itabira e Catas Altas, em Minas Gerais. Às vezes, a poluição atmosférica não é causada diretamente pela lavra, mas pela poeira e lama que são trazidas das minas para as cidades por ônibus, caminhões e automóveis que prestam serviços às mineradoras, como no caso de Congonhas, também em Minas Gerais (Milanez 2011).

A poluição por material particulado pode causar efeitos negativos sobre a saúde das pessoas que vivem próximas a grandes minas. No caso específico de Itabira, Santi, Suzuki, e Oliveira (2000) realizaram um levantamento da qualidade do ar para o período entre 1997 e 1999. A pesquisa mostrou repetidas violações dos limites definidos pela Resolução CONAMA 03/1990.

Em outro estudo, Braga et al. (2007) concluíram que a poluição do ar em Itabira se equipararia à dos grandes centros urbanos. Estes autores identificaram que o aumento de 10 μg/m3 de material particulado no ar aumentaria em 4% o número de atendimentos de crianças e adolescentes por doenças respiratórias.

Apesar de não terem sido encontradas pesquisas mais recentes sobre o tema, informações preliminares disponibilizadas pelo DATASUS (2016) sugerem uma inversão nas tendências de queda de internações por doenças respiratórias em Itabira. A cidade melhorou seu desempenho nesse quesito entre 1998 e 2006, quando o número de internações voltou a crescer, coincidentemente, no período do super ciclo, quando houve uma nova intensificação da atividade mineral.

A poluição atmosférica, porém, não se limita à atividade da mina.

Conforme mencionado anteriormente, os impactos da atividade de extração mineral não se restringem ao entorno da frente de lavra, também sendo causados pelas infraestruturas de apoio. Exemplo dessa situação é o conflito que vem se desenrolando na cidade de Vitória (ES) por conta da poluição por material particulado, localmente identificado como “pó preto”.

Para investigar as causas da poluição e os impactos sobre a saúde das pessoas, foi formada em 2015, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). De acordo com o Relatório Circunstanciado dessa CPI, “a poluição atmosférica vem sendo cometida ao longo do tempo em especial pelas empresas Arcelor Mittal Tubarão S/A, Vale S/A, e Samarco S/A, sem contar com os danos causados ao meio ambiente” (ALES 2015, 29).

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Assim, a atividade de extração mineral mostra uma elevada intensidade em termos de energia e de emissão de gases de efeito estufa.

Além disso, do ponto de vista local, a emissão de material particulado tem se mostrado como um importante impacto com efeitos danosos não apenas à qualidade ambiental, mas também à saúde pública.

Consumo e contaminação de recursos hídricos Com relação aos recursos hídricos os impactos da mineração se dão, pelo menos, em três níveis. Primeiramente existe o elevado consumo de água pelo setor, particularmente para as atividades de beneficiamento e transporte, no caso daquelas que utilizam minerodutos.

Em segundo lugar, há problemas associados à extração mineral em si, que pode levar ao rebaixamento do lençol freático (prejudicando o acesso de outros usuários), bem como comprometer a recarga dos aquíferos. Por fim, existem questões associadas à poluição e à contaminação dos corpos d’água.

A água é um insumo fundamental para a extração mineral e as grandes mineradoras são importantes consumidoras desse recurso.

Apesar das taxas de recirculação serem altas, entre 82% (Vale 2016) e 90% (Samarco 2015), o consumo específico pode variar de 1,1 m3/t (Samarco 2015) até 4 m3/t (MRN 2015).

Além do consumo para as atividades de beneficiamento, o uso de minerodutos para a logística também se mostra como importante elemento de consumo. Esse modal logístico vem se tornando cada vez mais comum no estado de Minas Gerais. Além dos três minerodutos usados pela Samarco, a Anglo American implantou um mineroduto percorrendo um total de 525 km, também em Minas Gerais. Existem ainda no estado projetos de minerodutos pela Ferrous Resources (480 km) e pela Manabi (511 km). O consumo conjunto de água por esse grupo de minerodutos seria suficiente para abastecer uma população de 1,6 milhão de pessoas (Porto 2015).

Porém os impactos sobre os recursos hídricos vão além do consumo imediato das mineradoras. Um outro problema, de escala regional diz respeito ao rebaixamento do lençol freático. Não é incomum que para a ampliação da extração mineral, as cavas alcancem as águas subterrâneas.

Quando isso ocorre, a água passa a ser retirada para garantir acesso ao minério. À medida que o lençol é rebaixado, uma série de impactos pode 395

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ser gerada como a redução no fluxo de água de rios, a perda da qualidade da água superficial ou subterrânea, e a diminuição do volume de água em poços (ELAW 2010).

Por exemplo, o rebaixamento do lençol freático resultante da exploração mineral pela Vale no Morro do Urucum, em Corumbá, secou o Córrego Urucum afetando o abastecimento de propriedades rurais e de um assentamento com cerca de 130 famílias (Correio do Estado 2008).

Outra questão fortemente associada ao consumo de água diz respeito à recarga dos aquíferos. Isso é especialmente importante nas áreas de mineração de ferro no estado de Minas Gerais. O termo “canga” é utilizado para denominar afloramentos ferruginosos, particularmente aqueles associados a formações ferríferas bandadas, tipo de formação onde se encontram as principais atividades de exploração de minério de ferro no país.

Devido à sua localização, em platôs, e à sua porosidade, as cangas são importantes áreas de recargas de aquíferos subterrâneos (Carmo 2010).

Uma vez retirada essa camada permeável há uma diminuição da capacidade de recarga dos aquíferos, podendo comprometer o abastecimento de água das localidades que deles dependem9.

Essa questão torna-se particularmente sensível no entorno da Região Metropolitana de Belo Horizonte, devido à intensidade da mineração de ferro e à elevada densidade demográfica. Essa questão foi um dos principais elementos de motivação para a criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela, em uma tentativa de evitar os impactos que seriam gerados pelo Projeto Apolo, da Vale (ICMBio 2010). Apesar do parque ter sido criado, algumas das principais zonas de recarga foram mantidas fora da área protegida, o que poderá permitir a exploração do minério.

Para além dos conflitos em torno do consumo e os riscos para o abastecimento da água, outro impacto significativo das atividades minerais é a contaminação dos cursos d’água.

Um dos exemplos mais emblemáticos desse processo ocorre na região de extração de carvão mineral, nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Apesar desse minério ser de baixa qualidade, ele foi 9

Devido às suas características ecológicas, áreas de canga apresentam elevada concentração de espécies endêmicas; assim, a sua retirada também tem um impacto significativo na biodiversidade regional.

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usado entre os anos 1940 e 1990 para abastecer a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e, posteriormente, termelétricas instaladas na região.

Este carvão é impregnado por sulfetos metálicos que, depositados na forma de rejeito ou estéril, entram em contato com a umidade do ar e são convertidos em ácido.

Isso dá início ao processo conhecido como drenagem ácida de mina, que aumenta a acidez dos corpos d’água. A redução do pH intensifica a solubilização dos metais pesados presentes nos resíduos das atividades minerais, que são também carreados para os corpos d’água.

Assim, importantes rios da região tais como Tubarão, Urussanga e Mãe Luzia encontram-se altamente contaminados, comprometendo, inclusive, o abastecimento de algumas cidades da região (Fernandes, Alamino, e Araujo 2014, Sevá 2001).

Outro tipo de impacto sobre os recursos hídricos associado à extração mineral diz respeito ao rompimento de barragens de rejeito. Esse tema, porém, será tratado em mais detalhes na próxima seção.

Portanto, os impactos da atividade de extração mineral sobre os corpos d’água são extensos. Seja pelo elevado consumo das atividades de beneficiamento e logística, seja pelas mudanças nos regimes hídricos, seja pela poluição, a relação entre mineração e água é profunda. Os impactos sobre a água talvez sejam um dos principais elementos disparadores de conflitos entre atividades minerais e comunidades, além do que, uma das principais formas de regionalização dos efeitos negativos da mineração, seja do ponto de vista ambiental, seja da perspectiva social.

Impactos sobre comunidades e trabalhadores Questões associadas aos impactos da extração mineral sobre as pessoas vem ganhando cada vez mais notoriedade no Brasil. A discussão aqui apresentada, ao invés de se mostrar exaustiva vem apenas lançar luz a algumas dimensões do problema. Nesse sentido, mencionam-se rapidamente alguns conflitos entre empresas mineradoras com comunidades atingidas, bem como algumas questões associadas à precarização do trabalho na mineração.

Estudos sobre conflitos entre atividades mineradoras e comunidades vêm crescendo consideravelmente no país. Uma das consequências 397

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dessas pesquisas tem sido a tentativa de se sistematizar e espacializar tais conflitos. Por exemplo, o Mapa de Conflitos Envolvendo Injustiça Ambiental e Saúde no Brasil (Fiocruz 2010), listava 113 casos envolvendo o setor mineral; o Mapa dos Conflitos Ambientais de Minas Gerais (GESTA/ UFMG, NINJA/UFSJ, e PPGDS/UNIMONTES 2013) apontava 65 conflitos, apenas naquele estado, e o Banco de Dados de Recursos Minerais e Territórios (CETEM 2011), o primeiro banco de dados específico para as questões minerais no país, totalizava 118 conflitos no território nacional.

Embora esses mapas não permitam identificar a temporalidade desses conflitos, sua simples criação já demonstra um aumento do interesse acadêmico por tais fenômenos.

Os conflitos socioambientais podem ter causas diversas, sendo a remoção compulsória de comunidades uma das mais sérias. Por exemplo, em Conceição do Mato Dentro (MG), pessoas que foram removidas pela Anglo American demonstraram grande insatisfação com a qualidade construtiva das casas que receberam e com o fato destas não atenderem às suas necessidades. Nesta localidade, conflitos também surgiram com aqueles que, nos Estudos de Impacto Ambiental apresentados pela empresa, não eram apontados como passíveis de remoção. Apesar de manterem suas propriedades, perceberam comprometimentos estruturais das construções devido às atividades da mineradora (explosões, trepidação devido à passagem repetida de caminhões pesados etc.). Houve ainda grupos que tiveram inviabilizados seus sistemas de abastecimento de água e comprometidas suas atividades econômicas (Movimento pelas Serras e Águas de Minas et al. 2012).

Os conflitos com as comunidades não estão relacionados apenas com as atividades de extração, mas podem também se estender por todo o território sob influência da rede de produção das empresas mineradoras.

Por exemplo, a Plataforma DHesca Brasil (2013) fez referência a problemas de poluição sonora causados pela passagem dos trens no corredor de exportação da Estrada de Ferro Carajás. O ruído causado por essa passagem e a buzina das locomotivas não apenas geravam dificuldades para as pessoas dormirem, como causavam estresse e fadiga; ainda, havia localidades onde as aulas precisavam ser interrompidas devido ao barulho do trem. Da mesma forma, o relatório indicava o surgimento de trincas e rachaduras nas casas devido à vibração gerada pela passagem constante dos trens.

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Um grupo importante das pessoas atingidas pela mineração consiste exatamente nos trabalhadores do setor. Uma das questões que vem chamando mais atenção nesse quesito diz respeito à precarização das condições de trabalho.

Por exemplo, ao longo da implantação do Projeto Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro (MG) houve uma série de eventos relacionados a violações de direitos trabalhistas. Em 2013, um incêndio nos alojamentos marcou o ápice do protesto de 800 trabalhadores de uma subcontratada pela Anglo American devido às más condições de trabalho e ao não pagamento das horas extras. No mesmo ano, a empresa foi autuada por manter trabalhadores em condições análogas à escravidão, dentre os quais 100 haitianos.

As condições de trabalho foram consideradas degradantes devido à precariedade dos alojamentos, à má qualidade da comida e à servidão por dívida. No ano seguinte, nova ação do Ministério do Trabalho e Emprego libertou mais 185 trabalhadores em condições degradantes, sendo 67 empregados da Anglo American e o restante de empresas terceirizadas. Havia motoristas que trabalhavam 18 horas por dia e outros trabalhadores que tinham direito a apenas 20 minutos de intervalo para almoço. Além disso, as empresas não remuneravam os trabalhadores pelo tempo necessário para o deslocamento até o local de trabalho (Wrobleski 2014a, b).

De forma semelhante, em 2015, a Vale foi responsabilizada pela condição degradante de trabalho dos motoristas que trabalhavam para empresas dentro de suas minas. O estado do banheiro disponibilizado para os trabalhadores foi considerado como “repugnante” pelo auditor da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego, e os motoristas usavam a beira da estrada ao invés das instalações sanitárias. Além disso, foram identificados 2.777 casos de turnos de trabalho acima dos limites permitidos pela legislação (Aranha 2015).

Dessa forma, por um lado a mineração vem causando uma série de impactos sobre as pessoas que vivem próximas às minas ou às infraestruturas que servem de apoio. Por outro lado, devido à precarização do trabalho, algumas comunidades começaram a perceber que os ganhos muitas vezes não justificam os prejuízos gerados. Como consequência, em diferentes localidades, movimentos sociais vêm pressionando seus governos a proibir a mineração, ou determinados tipos e técnicas de extração mineral. Com 399

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diferentes graus de sucesso, algumas dessas demandas acabaram por ser institucionalizadas em diferentes países, tanto em escala local, quanto nacional (Malerba 2014).

Algumas reflexões sobre o rompimento da barragem de Fundão em Mariana e da Barragem 1 em Brumadinho10 Após 25 de janeiro de 2019, nenhuma avaliação sobre impactos ambientais da mineração pode se furtar de mencionar o rompimento da barragem do Fundão, pertencente à Samarco S.A e da Barragem I, de propriedade da Vale S.A. Nesta seção, porém, ao invés de descrever as diferentes dimensões das tragédias que comprometeram a viabilidade ecológica do Rio Doce e do Rio Paraopeba, discutem-se aspectos institucionais, principalmente vinculados ao licenciamento das barragens e ao Programa de Gestão de Barragens de Rejeitos e Resíduos do estado de Minas Gerais.

Esta avaliação, tem como base a análise de documentos referentes a esses processos, e às fragilidades do sistema ambiental naquele estado.

Dessa forma, foi possível verificar que as avaliações ambientais feitas pelos órgãos governamentais se mostraram limitadas, bem como a sua capacidade de induzir empresas mineradoras a atuarem de forma segura.

Com relação à barragem de Fundão, a análise do Estudo de Impacto Ambiental – EIA (Brandt Meio Ambiente 2005) mostra uma série de simplificações e imprecisões que deveriam ter sido questionadas pelos órgãos licenciadores. Do ponto de vista das alternativas locacionais, o EIA apresentava, além do Córrego do Fundão, duas possibilidades. O Córrego Natividade foi descartado por não possuir um grande volume de utilização, por conter a Reserva Legal da Samarco, e pela existência de sítios arqueológicos.

Por outro lado, o Córrego Brumado foi desconsiderado por não apresentar potencial para otimização do sistema de recirculação de água e pela perspectiva de “ser utilizado para disposição dos rejeitos no futuro” (p. 41). Assim, o argumento em favor do Córrego do Fundão se deu, principalmente, pela possibilidade de otimizar o sistema de tratamento de rejeitos, uma vez que permitiria que a Samarco lançasse seus efluentes na barragem de Santarém, onde já havia um sistema de tratamento dos mesmos, uma estrutura de recirculação de água, e o licenciamento ambiental.

10 Esta seção resume alguns dos elementos analisados em PoEMAS (2015).

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Na análise locacional, porém, a empresa de consultoria deixou de mencionar que o Córrego do Fundão era o único que criava, no caso de falha, o risco de rompimento em cascata das três barragens. Ao mesmo tempo, não explicitou que esse seria o posicionamento com a menor distância até Bento Rodrigues. Em outras palavras, aspectos de risco ambiental foram minimizados de forma a privilegiar critérios de otimização operacional.

Outra fragilidade do processo de licenciamento foi a forma como ele desconsiderou o risco do rompimento de barragem. No EIA, elaborado em 2005, a possibilidade de um grande rompimento de barragem era classificada como improvável. Nos três anos seguintes houve quatro falhas importantes envolvendo barragens de rejeitos apenas no estado de Minas Gerais. Mesmo assim, até a concessão da licença de operação, em 2008, tal classificação não foi questionada ou revisada.

Mostrando que as instituições (privadas ou públicas) demoram a aprender com seus erros, o processo de licenciamento ambiental do projeto de continuidade da mina da Jangada também apresentou uma série de problemas, particularmente na forma como foi conduzida pela Superintendência de Projetos Prioritários (SUPPRI), órgão da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) de Minas Gerais. Neste processo pode ser identificada forte discricionariedade por parte dos técnicos da SUPPRI, que tornaram o processo de licenciamento ainda menos rigoroso.

O parecer de vistas apresentado pela FONASC-CBH (2018), durante a 37ª Reunião Ordinária da Câmara de Atividades Minerárias, apontou uma série de questionamentos sobre o licenciamento do processo, solicitando que o mesmo fosse retirado de pauta. Dentre esses questionamentos, dois são destacados aqui, principalmente sobre a reclassificação do projeto de Classe 6 para Classe 411 e na definição de LAC1, ao invés de LAC212.

11 No sistema de licenciamento ambiental de Minas Gerais, os projetos são classificados de 1 a 6 de acordo com seu porte e potencial poluidor. Os projetos Classe 1 seriam os menos impactantes, passando por processos de licenciamento mais simplificados; já os Classe 6 seriam aqueles que exigem licenciamento mais rigoroso.

12 A legislação de Minas Gerais define o Licenciamento Ambiental Trifásico (LAT), que deve ocorrer por meio da Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO). Entretanto, como forma de agilizar o licenciamento, ele também prevê a Licença Ambiental Concomitante (LAC), que pode ocorrer em duas fases (LAC2), nos formatos LP/LI + LO, ou LP + LI/LO, ou ainda em uma única fase (LAC1), onde as três licenças são concedidas ao mesmo tempo. A possibilidade de um projeto ser licenciado no formato LAC1 e LAC2 depende de sua Classe e sua localização.

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Essas questões dizem respeito ao entendimento de que a implantação do projeto implicava na sua operação, e a desconsideração dos critérios locacionais do projeto.

A Instrução de Serviço SISEMA 01/2018 estabelece que “Quando a instalação implicar na operação do empreendimento [...] poderá ser formalizado processo das fases de Licença de Instalação – LI e de Licença de Operação – LO de modo concomitante (ASNOP/SISEMA 2018). Em seguida, o documento lista as atividades para as quais tal medida está prevista. Embora essas atividades não incluam processamento de rejeito, construção de pilha de estéril, nem rejeitoduto (obras previstas no projeto de continuidade da mina da Jangada), esse foi um dos critérios adotados pela SUPPRI para justificar a mudança de classe do empreendimento e alterar o processo de licenciamento, não respeitando a norma vigente.

A equipe técnica da SUPPRI entende que as atividades desenvolvidas não foram listadas no Quadro 2 na IS SISEMA 01/2018 mas que a instalação implica na sua operação e que o mesmo pode ser reorientado para LAC1 (SUPPRI 2018, 3).

Para além dessa questão, outra decisão discricionária por parte da SUPPRI refere-se ao desrespeito aos critérios locacionais para determinação dos procedimentos de licenciamento. De acordo com EIA do projeto de continuidade da mina da Jangada, a Área Diretamente Afetada (ADA) incluía cerca de 13,2 ha de ambientes nativos dentro de Áreas de Preservação Permanentes (APPs) (Nicho Engenheiros Consultores Ltda.

2013).

Além disso, em seu parecer sobre a Revalidação da Licença de Operação da Barragem I, o IEF (2013, 21) localizou o complexo dentro de uma área de especial importância para a conservação. De acordo com a DN COPAM 217/2017 quando há “Supressão de vegetação nativa em áreas prioritárias para conservação, considerada de importância biológica “extrema” ou “especial”, exceto árvores isoladas” (COPAM 2017), o peso dos critérios locacionais deveria ser 2. Ainda, segundo a DN COPAM 217/2017, empreendimentos com porte poluidor/degradador 4 localizados em locais enquadrados com peso 2 deveriam ser submetidos a LAC2 e não a LAC1 diferentemente da decisão da SUPPRI. Na verdade, a própria Superintendência reconheceu isso em seu parecer:

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Apesar dos critérios locacionais direcionarem o empreendimento para LAC2, a equipe técnica da SUPPRI entende que [...] o mesmo pode ser reorientado para LAC1 (SUPPRI 2018, 2-3).

Sendo assim, esta análise dos licenciamentos de ambas as barragens mostra não apenas fragilidades do ponto de vista dos estudos, mas uma forte discricionariedade de técnicos vinculados aos órgãos de licenciamento ao interpretarem a legislação de forma a facilitar a emissão das licenças sem a avaliação técnica devida.

Outro problema com relação ao controle das barragens em Minas Gerais diz respeito ao Programa de Gestão de Barragens de Rejeitos e Resíduos, realizado pela Fundação Estadual do Meio Ambiente de Minas Gerais (FEAM). De acordo com esse programa, as barragens podem ser classificadas em três níveis: Classe I (baixo potencial de dano), Classe II (médio potencial de dano) e Classe III (alto potencial de dano).

Ao mesmo tempo, a auditoria, realizada por empresas escolhidas e remuneradas pelas empresas mineradoras, podem apresentar três conclusões: existem aquelas em que o auditor “garante que as mesmas estão estáveis”; há aquelas em que “não há conclusão sobre a viabilidade”; e ainda aquelas em que a estabilidade não está garantida. Porém, apesar desse monitoramento, pouco parece ser feito pelos órgãos ambientais para garantir a correção da situação das barragens não estáveis.

Olhando o histórico do inventário apenas para as barragens de alto potencial de dano, é possível identificar 11 barragens “reincidentes”, ou seja, que foram consideradas não estáveis por mais de um ano no período 2011-2015. Dentre essas, chamam a atenção a barragem Grupo (quatro anos), Forquilha III e Marés II (três anos), todas da Vale, bem como a B1 da MMX Sudeste (três anos) (FEAM 2011, 2012, 2013, 2014, 2016b). A possibilidade de barragens não terem sua estabilidade garantidas tantas vezes demonstra como o estado de Minas Gerais não possui a capacidade institucional de garantir o cumprimento da legislação.

Logo, falhas no licenciamento e no monitoramento de barragens de rejeito de mineração não são questões pontuais, mas fazem parte do sistema de monitoramento e controle ambiental, ao menos no estado de Minas Gerais. Portanto, enquanto não houver uma modificação significativa desse sistema, o risco de novos rompimentos como o de Fundão permanecerá presente.

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Riscos e retrocessos institucionais O cenário descrito ao longo deste texto indica a necessidade de tornar a aplicação da legislação ambiental mais rigorosa no país, em particular no que se refere à extração de bens minerais. As instituições de monitoramento e controle deveriam estar sendo fortalecidas e reforçadas de forma a garantir uma avaliação mais efetiva e um controle eficaz das atividades de extração mineral. Ademais, de forma a evitar que o funcionamento do sistema não fosse comprometido de acordo com mudanças de governo, seria fundamental a incorporação de processos de monitoramento e controle baseados na participação efetiva das comunidades atingidas, com especial envolvimento dos trabalhadores, por seu conhecimento específico dos processos operacionais e falhas organizacionais.

Entretanto, ao invés de tornar a legislação ambiental mais rigorosa para reduzir tais danos, as decisões tomadas recentemente apontam em sentido contrário. Propostas feitas no nível estadual (Minas Gerais) e federal vão na direção de diminuir o grau de exigência ambiental para a implementação de projetos de grande impacto e de aprofundar o modelo de automonitoramento por parte das empresas.

Assim, em dezembro de 2015, um mês após o rompimento da barragem do Fundão, foi levado ao plenário da Assembleia Legislativa de Minas Gerais o projeto de lei 2.946/2015, de autoria do governador Fernando Pimentel (PT/MG), que alterava o funcionamento do Sistema Estadual de Meio Ambiente. Aprovada como lei 21.972/2016, esta nova norma não apenas restringia o tempo de avaliação dos Estudos de Impacto Ambiental pelos órgãos ambientais (art. 21), como ainda permitia que os licenciamentos de projetos fossem debatidos e aprovados sem a devida análise pelos órgãos técnicos competentes (art. 23).

Da mesma forma, em março de 2016, foi encaminhado para apreciação no plenário do Senado Federal o Projeto de Lei do Senado nº 654/2015 (PLS 654/2015) de autoria do senador Blairo Maggi (PP/MT), que criava o “licenciamento ambiental especial de empreendimentos de infraestrutura estratégicos”. Com uma redação muita próxima à lei de Minas Gerais, este PLS limitava o tempo disponível para a avaliação pelos órgãos ambientais e estabelecia que “o descumprimento de prazos pelos órgãos notificados implicar[ia] sua aquiescência ao processo de licenciamento ambiental especial” (art. 5º, § 3º).

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Com intuito semelhante, em abril de 2016, foi aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal a Proposta de Emenda à Constituição nº 65/2012 (PEC 65/2012). Esta propunha a inclusão do seguinte artigo na constituição federal “A apresentação do estudo prévio de impacto ambiental importa autorização para a execução da obra, que não poderá ser suspensa ou cancelada pelas mesmas razões a não ser em face de fato superveniente”. Dessa forma, no caso de obras públicas, esta PEC tornaria desnecessária a avaliação dos estudos de impacto ambiental, uma vez que a simples apresentação de um estudo prévio garantiria a autorização. Mais ainda, ela impediria que tais obras fossem interrompidas, mesmo quando não se adequassem às exigências ambientais.

Em grande parte, essas mudanças tendem a transferir para as empresas, por meio da contratação de firmas de consultoria e projetos, o monitoramento de seus impactos ambientais. Essa estratégia é calcada e justificada pelo argumento de que o setor privado seria mais eficiente para lidar com tais questões e que tal prática reduziria tanto o tempo de avaliação de projetos, quanto o custo público das atividades de monitoramento ambiental.

Entretanto, ela ignora um elemento básico de tal arranjo: o conflito de interesse presente na relação estabelecida entre quem paga pelo serviço (e é monitorado) e quem recebe pelo serviço (e realiza o monitoramento).

Tal problema já foi bastante explorado na literatura sobre auditorias. Por exemplo, Bazerman, Morgan, e Loewenstein (1997, 90) argumentam que “sob os arranjos institucionais correntes, é psicologicamente impossível para os auditores manterem sua objetividade [uma vez que] são contratados, pagos e mesmo demitidos pelas organizações que eles devem auditar ao invés das pessoas que eles efetivamente representam”.

De forma semelhante, Boyd (2004) identifica que à medida que as empresas de auditoria foram se globalizando e se consolidando, os serviços de consultoria foram se tornando cada vez mais importantes nas suas receitas, o que mudou consideravelmente a relação entre elas e as suas contratantes. Dessa forma, o autor sugere que as empresas de consultoria vêm se tornando cada vez mais parceiras de suas contratantes do que efetivamente “cães de guarda”. Ainda, um artigo publicado na The Economist (2014) não apenas menciona casos de fraudes onde algumas empresas de auditoria estiveram envolvidas, como ainda argumenta 405

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que “as empresas [contratantes] tendem a selecionar auditores que vão oferecer uma opinião limpa o mais rápido e barato possível”.

Para além da fragilização do sistema de licenciamento e monitoramento ambiental, nos últimos anos têm sido percebidos diferentes sinais do governo federal no sentido de estimular a atividade de extração mineral, sem criar as necessárias salvaguardas que pudessem reduzir significativamente seu impacto ambiental.

Dessa forma, em 2009 foi elaborado o Plano Nacional de Mineração 2030 que serviu para a elaboração do novo Marco Legal da mineração.

Esta proposta de marco foi apresentada em 2013 como Projeto de Lei do Executivo. Tal projeto, com viés fortemente neoextrativista, tinha como principais orientações incentivar a extração mineral no país, aumentar o controle estatal sobre a atividade mineral e ampliar a captura da renda mineral pelo governo federal (Milanez 2012, Milanez e Santos 2013). Após uma série de alterações pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados criada para debater esse Projeto de Lei, o debate acabou arrefecendo durante o período em que a agenda legislativa girou em torno do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Após assumir o poder, o governo de Michel Temer fez alterações substanciais nas diretrizes relativas à Política Mineral federal. Dentro do novo governo, a política mantinha o foco no estímulo da expansão mineral, entretanto reduzindo a capacidade de atuação do Estado e buscando transferir para empresas e mercado maior poder para atuar e decidir sobre a extração mineral no Brasil (Milanez, Coelho, e Wanderley 2017).

Dessa forma, em maio de 2016, Vicente Humberto Lôbo Cruz foi indicado para Secretário de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia; Lôbo Cruz havia sido diretor da Vale Fertilizantes até o ano anterior (Alegretti 2016). O novo secretário indicou quatro diretores, um dos quais era ex-funcionário da Vale e dois outros que haviam sido consultores da empresa (Milanez, Coelho, e Wanderley 2017).

Também em 2016, Eduardo Jorge Ledsham foi indicado presidente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM); ele trabalhou na Vale entre 1986 e 2011, tendo posteriormente sido contratado psela B&A Mineração (empresa constituída por Roger Agnelli, ex-presidente da Vale), onde ficou até 2015 (CPRM 2016).

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Dentro desse novo contexto, o governo federal trouxe de volta à pauta a questão da reformulação do Código Mineral. Entretanto, ao invés de oferecer uma possibilidade de debate com a sociedade através de um projeto de lei, nesse momento as mudanças foram feitas de forma mais centralizada, por meio Medidas Provisórias (MPs) e decretos.

Nesse sentido, a Medida Provisória 789/2017 (aprovada como Lei nº 13.540/2017) dispunha exclusivamente sobre a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Com um caráter primordialmente tributarista, esta MP tinha como foco reduzir as possibilidades de manobras contábeis que vinham sendo utilizadas pelas empresas mineradoras para reduzir os tributos pagos. Dentre as principais mudanças criadas pela MP, existia toda uma redefinição da forma de cálculo do valor do minério a ser exportado para reduzir o faturamento comercial indevido das empresas mineradoras exportadoras (Morlin 2017).

Ao mesmo tempo, essa MP mudava a base de cálculo da CFEM, de faturamento líquido para faturamento bruto. O cálculo baseado em faturamento líquido permitia que, com base em interpretações ambíguas da legislação, as empresas mineradoras descontassem gastos referentes ao transporte de material dentro das próprias minas da base de cálculo da CFEM. Por exemplo, em 2011, o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) cobrou da Vale uma dívida de cerca de R$ 4 bilhões referentes ao pagamento inferior da CFEM entre os anos 2001 e 2007.

A diferença cobrada era decorrente do desconto indevido de custos de transporte pela Vale, que diminuíam a base de cálculo (O Tempo 2011). A modificação para faturamento bruto se propunha a impedir a continuidade dessa prática.

Por outro lado, a Medida Provisória 790/2017 foi elaborada com o propósito de fazer alterações pontuais no Decreto-Lei 227/1967, que instituía o Código Mineral. Essa MP não foi aprovada pelo Congresso, porém foi reeditada por Temer na forma do Decreto 9.406/2018. Por meio desse Decreto, Temer criou condições para facilitar que as empresas mineradoras tivessem acesso a recursos no mercado financeiro, tanto no Brasil quanto no exterior. Assim, ele é explícito em estabelecer que “a concessão da lavra poderá ser oferecida em garantia para fins de financiamento”.

Um debate sobre o fortalecimento dos vínculos entre setor mineral e setor financeiro deveria se dar de forma mais ampla. Essa necessidade 407

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se torna mais premente uma vez que que a literatura especializada indica que pequenas empresas de mineração, capitalizadas no mercado financeiro global, tendem a ser ainda menos transparentes na comunicação de suas ações do que as grandes corporações. Além disso, como sofrem menor escrutínio e pressão da opinião pública, apresentam probabilidades consideráveis de se envolverem em conflitos com comunidades locais e de gerar impactos ambientais significativos (Dougherty 2015, Imai, Gardner, e Weinberger 2017).

Por fim, a Medida Provisória 791/2017 (aprovada como Lei nº 13.575/2017) trata da transformação do DNPM em Agência Nacional Mineral (ANM). Em primeiro lugar, deve-se levar em consideração que existem diferentes críticas à inoperância e burocracia do DNPM. Entretanto, não há clareza de que a simples transformação da autarquia em agência irá superar o processo de sucateamento e falta de concursos do órgão (Estigarríbia 2016, Villela 2015).

Por outro lado, avaliações como a de Silva (2012) sobre a experiência brasileira no caso da energia elétrica, também sob controle do MME, indicam que a criação de agências reguladoras pode gerar uma preponderância das empresas sobre os demais segmentos e “uma sutil sobreposição dos interesses das empresas reguladas pela agência em contraposição aos interesses dos consumidores” (ibid. p. 986).

Assim, as iniciativas legislativas identificadas pouco têm feito para minimizar os diferentes impactos e conflitos gerados correntemente pela atividade mineral. Na verdade, podem ser identificados dois grupos de propostas subjacentes a essas normas; por um lado, há aquelas que simplesmente buscam reduzir a capacidade de um efetivo controle ambiental do Estado; por outro lado, há políticas que vêm apenas facilitar o aprofundamento do atual modelo mineral brasileiro, voltado na extração de recursos para a exportação.

Reflexões finais Conforme visto nas seções anteriores, as atividades minerais geram uma série de impactos negativos sobre o meio ambiente e as comunidades.

Muitos desses impactos são inerentes à atividade de extração mineral, não 408

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podendo ser evitados a partir de práticas de gestão ambiental. Ao mesmo tempo, seu raio de alcance se mostra amplo, indo muito além das áreas de lavra.

Os exemplos mencionados ao longo do texto também indicam que a estrutura institucional de licenciamento, monitoramento e controle ambiental existente tem sido incapaz de evitar tais impactos. Talvez o exemplo mais emblemático da fragilidade institucional tenha sido o rompimento das barragens em Mariana e Brumadinho que explicitaram a incapacidade do governo de Minas Gerais de garantir que tais estruturas operassem sem gerar um risco desproporcional para os trabalhadores, comunidades e meio ambiente (Zonta e Trocate 2016).

As mudanças que vêm sendo propostas e implementadas no país, ao invés de tornar mais rigoroso o controle público vem diminuindo a capacidade do Estado de garantir que a extração de recursos minerais não degrade o meio ambiente ou coloque em risco a população.

Mais do que isso, iniciativas governamentais tendem a criar mais estímulos à atividade mineral, focando apenas na captura da renda gerada por essa atividade, hipotecando assim, a segurança das pessoas e as possibilidades de desenvolvimento futuras.

Questionando esse modelo mineral, bem como as políticas criadas por/para ele, diferentes iniciativas vêm sendo apresentadas pela sociedade. Por exemplo, o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração (CNDTM) vem, desde 2013, debatendo em diferentes esferas as propostas para mudanças no Código Mineral, propondo novas formas de se realizar a extração mineral, que permitam às comunidades influenciar decisões sobre o tamanho dos projetos e a velocidade de extração.

Ao mesmo tempo, reivindicam, entre outras coisas, que sejam estabelecidas garantias de recursos financeiros para a execução dos planos de fechamento de minas, exigência já colocada em prática em diferentes países (Miller 2005).

Em outra frente, o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) se propõe não apenas a questionar o modelo de mineração vigente, mas ainda busca construir uma “proposta de um novo modelo de utilização dos recursos minerais, na forma de propriedade social e em benefício de todo o povo brasileiro, que represente a soberania popular e nacional sobre todos os recursos minerais” (MAM 2014, 18).

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Mineração e Impactos Socioambientais

Assim sendo, para além da questão institucional, é imperativo rever a dimensão social e econômica que a atividade de extração mineral vem alcançando no país. Devido à posição de inserção internacional subordinada do país, em grande parte, os impactos ambientais, bem como o sofrimento social gerado pelo setor são impostos como condição para se abastecer o mercado global de commodities minerais. Rever tal posicionamento e iniciar um debate profundo sobre o modelo mineral no Brasil são elementos primordiais para se iniciar uma ampla discussão sobre o atual paradigma de desenvolvimento do país.

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417

Foto de Carlos Nobre por Maiana Melo - G1-Bahia

PARTE IV PERSPECTIVAS PARA O MOVIMENTO SOCIOAMBIENTAL

Após duas décadas de avanços relativos na política ambiental brasileira, o cenário futuro provável é de um Antropoceno com o crescimento acelerado do uso dos recursos naturais sem regulação.

CAPÍTULO 11 UM ANTROPOCENO ACELERADO E SEM REGULAÇÃO Joseph S. Weiss

Poucos duvidam que estejamos no Antropoceno. Alguns geógrafos e outros especialistas argumentam que o Antropoceno começou há uns 300 anos, com a Revolução Industrial. Outros indicam seu começo há milhares de anos. Entretanto, a popularização do termo é recente. Porém, segundo Altair Sales Barbosa (2017), doutor em arqueologia pelo Instituto Smithsonian, essa é uma era que não existe. Segundo Barbosa, tem havido deslocamento de placas tectônicas e erupções vulcânicas ocorrendo no mesmo período com efeitos até maiores.

Qualquer que seja a idade cronológica ou a circunstância histórica, o fato é que os cientistas que defendem o Antropoceno enxergam o ser humano como a causa principal da aceleração da extinção de espécies, do aumento do teor de CO2 na atmosfera, do aquecimento global, da redução de água potável, do aumento de desastres ambientais e climáticos, e dos muitos outros impactos que colocam em risco a qualidade de vida humana na Terra e a própria sobrevivência do planeta.

Segundo Delanty (2018:385), o Antropoceno está inextricavelmente relacionado com o capitalismo e a ocidentalização, além de muitos outros fatores. Ele alude a economias abertas ao comércio exterior, muito relevantes à reprimarização observada em muitos países da América Latina, em consequência das demandas exteriores e das políticas socioeconômicas aplicadas.

Práticas capitalistas aumentam o metabolismo social com as proporções setoriais da agropecuária e da mineração nas economias. Com a mudança de hábitos, os mercados mundiais demandam cada vez mais proteína. Com a industrialização e a construção, aumenta a demanda por minérios.

Como resultado, cresce a materialização das economias nacionais e, em consequência, aumenta a demanda indireta mundial pelo uso de

Um Antropoceno Acelerado e sem Regulação

recursos naturais regionais, como solo, água e floresta. São consequências das estratégias econômicas e tecnológicas construídas politicamente e adotadas por países que alteram a relação de preços de matérias primas, produtos e tecnologias (capítulo 5).

O que estamos nós os terráqueos e especificamente os brasileiros fazendo para confrontar essa realidade? Depois de duas décadas de avanços relativos no Brasil, vieram retrocessos inclusive na ONU. Qual será o cenário para 2050?

Duas décadas de avanços relativos no Brasil No final dos anos 1980, o movimento socioambiental brasileiro conseguiu aprovar algumas propostas, como as reservas extrativistas, depois de muitos anos aplicando táticas de desobediência civil, como os empates.

O projeto dos seringueiros acreanos alinhava as visões dos movimentos ambientais com as dos trabalhadores rurais. Os extrativistas não só asseguraram sua ocupação da terra para trabalhar a floresta em pé, como também conseguiram recursos no início dos 1990, melhorando suas vidas com.

A cientista política Margaret Keck (1995) identificou a influência das organizações de sociedade civil, ONGs e redes ativistas internacionais relacionadas na mobilização de apoios aos seringueiros para defender a floresta.

A antropóloga Mary Allegretti (Allegretti, 2002: 736-746) credita o sucesso dos seringueiros a fatores endógenos (identidade política própria e propostas claras e exequíveis); e exógenos (alianças estratégicas, acesso à informação e redes de pressão e transformação de demandas concretas em políticas públicas).

Adiciono fatores conjunturais: a relativa liberdade alcançada com a ausência dos patrões nos seringais depois da crise da borracha, a criação e estrutura montada da organização nacional (Conselho Nacional de Seringueiros), a inabilidade bancária (do Banco Mundial) e os espaços de abertura política, conquistados pela mobilização popular.

Ao longo das décadas dos 1990 e 2000 foram aprovados e aplicados o Decreto das Reservas Extrativistas (Decreto 98.897/1990), a Lei da Vida 422

Joseph S. Weiss

ou de Crimes Ambientais, (Lei nº 9.605/1998, o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) (Lei nº. 9.985/2000) e a Lei de Gestão de Florestas Públicas (Lei Nº 11.284/2006).

Foram realizados o Programa Nossa Natureza a partir de 1988, o Programa Piloto de Preservação das Florestas Tropicais Brasileiras (PPG7) durante as referidas décadas, o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM) de 2004 a 2020 (com atividade reduzida nos últimos anos), todos eles com relevantes impactos principalmente positivos.

Na presente década, a aliança socioambiental enfraqueceu, distanciou-se dos aliados históricos e perdeu sua capacidade de mobilização.

Em contraste, seu adversário, o movimento desenvolvimentista, aumentou sua influência no poder executivo e legislativo, ampliando seu escopo de aliados com uma estratégia de alinhamento de quadros (ver capítulo 2), com o apoio do nacionalismo, da agricultura familiar, das igrejas e do empresariado em geral. O movimento desenvolvimentista conseguiu aprovar um Código Florestal que lhe era favorável.

Retrocesso em conferências ambientais da ONU Nas conferências ambientais, além da influência dos países-membros e do sistema ONU, havia importante interação de atores não estatais nas negociações globais.

O mundo começou 1992, ano da Cúpula da Terra, com alguma perspectiva do ideal de desenvolvimento sustentável e da redução do ritmo do Antropoceno.

Comparamos a influência entre empresas transnacionais (ETNs) e ONGs e OSCs (organizações da sociedade civil) entre duas conferências ambientais da ONU, na Eco92 e na Rio+20 em 2012 (veja capítulo 4).

Em 1992, as ETNs tiveram posições divididas entre a negação da mudança climática e a eco-modernista de oportunidades tecnológicas, enquanto as ONGs estavam relativamente unidas após debates antecipados.

Assim, as ONGs e OSCs tiveram mais influência em 1992, em termos de participação na definição da agenda, redação de documentos oficiais, bem como no apoio a acordos juridicamente vinculantes, tanto através de governos nacionais quanto diretamente com agências da ONU1.

1

No entanto, as ETN tiveram mais influência nas reuniões da CIN sobre mudanças climáticas, onde elas perceberam que havia mais interesses em jogo.

423

Um Antropoceno Acelerado e sem Regulação

Foram aprovados instrumentos juridicamente vinculantes e outros documentos oficiais que conduziriam a mudanças no comportamento humano, somando medidas dos mais de 200 países.

Na Rio+20 de 2012, em consequência das posições unificadas das ETNs no Conselho Empresarial Mundial de Desenvolvimento Sustentável (CEMDS), das narrativas de economia verde e dos anos de mudança na arquitetura da ONU, as ETNs haviam conseguido maior acesso aos governos nacionais e às agências da ONU do que a sociedade civil, influenciando assim a definição da agenda.

A regulação e a economia verde A globalização que se observa está associada à concentração e oligopolização de mercados, o que implica no escanteio das normas de regulação dos mercados, instituídas em alguns países há cerca de um século.

Durante boa parte do século XX, especialmente quando predominava a paz mundial, esse processo oscilava segundo os resultados eleitorais e as políticas adotadas, hoje aplicadas de forma aleatória.

Também foi adotado o controle sanitário, resultando em outras normas introduzidas há muitos anos, sobre a qualidade d’água, do ar, dos alimentos e remédios, das condições de trabalho e posteriormente, regulamentos ambientais mais abrangentes.

No Brasil, vigoraram algumas políticas ambientais que reduziram a desmatamento na Amazônia. Além de todas essas normas, temos o Plano Nacional sobre Mudança do Clima e o Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, hoje esquecidos ou muito pouco aplicados.

Diante dessa cerca cada vez maior e mais intricada rede de regulamentos, há décadas as transnacionais se opõem, argumentando a favor da autorregulação e outras medidas que os substituam. Desenham acordos setoriais que venham a reduzir a necessidade da aplicação das normas pelos governos. Mesmo adotados, permitindo o relaxamento na aplicação das leis, ainda haverá efeitos resultantes dos participantes que fogem às regras de autorregulação, como também as empresas não participantes dos acordos.

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Joseph S. Weiss

Ressurge ainda a posição de que seja possível intensificar as ações antrópicas sem consequências. Posição similar é que haja, ou poderão ser inventadas, tecnologias viáveis para proteger a natureza e a humanidade de quaisquer danos.

A resposta do movimento empresarial ao desenvolvimento sustentável com regulamentação ambiental foi a economia verde sem regulação (Holliday et al, 2002). Passaram a criar instrumentos como o Compacto Global, agência empresarial da ONU, que promove a economia verde. Isso continuou em Paris, sem acordos juridicamente vinculantes e sem referências a regulação, restando apenas alguma menção da construção de capacidades.

Esse quadro mudou o debate mundial do desenvolvimento sustentável para a economia verde, uma orientação do setor privado, enfatizando o crescimento econômico, a tecnologia e a inovação, reduzindo o papel do Estado na implementação de políticas ambientais.

Assim, os documentos da ONU, como o Futuro de Queremos (ONU, 2012), se afastaram da regulamentação e controle eficazes, constantes em documentos anteriores, reduzindo as perspectivas de sua implementação com as condições para o sistema terra reduzir as emissões e aumentar a justiça ambiental (Beder 2000; Holliday et al. 2002), tendo também efeitos em nível nacional.

Na opinião do autor, hoje predomina uma situação de “business as usual”. A retórica do Acordo de Paris de redução da deterioração ambiental, refletida em políticas e planos em muitos países tem resultados desprezíveis. Isso deixa de lado os principais desafios do planeta, tais como limites biofísicos, bem como escalas e padrões de produção consumo (Dasgupta 2011).

Cenário provável O neoliberalismo se destaca cada vez mais com o aumento da influência política das grandes empresas em boa parte do mundo. Há outros efeitos do neoliberalismo globalizante, incluindo a concentração de poder político, a redução do efeito positivo do papel do estado nas políticas ambientais, a deterioração social e a desigualdade. Exemplo são as evidências irrecorríveis do Capital do Século XXI (Piketty, 2013) de 425

Um Antropoceno Acelerado e sem Regulação

que o capitalismo gera desigualdades econômicas crescentes. “Raramente é feita no discurso público ou político a pergunta por que precisamos do crescimento econômico (Barry, 2019)”.

Os lobbies que buscam influenciar os órgãos de controle são também importantes para amenizar a legislação, sua interpretação e aplicação. Bruno Milanez retrata isso nas leis aplicadas à mineração em Minas Gerais (capítulo 10), mas tem reflexos ao longo de todo o livro.

O autor enxerga um cenário, para os próximos anos ou décadas, de um Antropoceno acelerado sem (0u quase sem) regulamentos (capítulo 9) ou, quando permanecem, raramente aplicados.

Como exemplo, foi criada na Câmara dos Deputados uma comissão especial para analisar uma “lei geral de licenciamento ambiental”. Deverá apensar uma série de projetos de lei enumerados por Philip Fearnside no referido capítulo. Mas o resultado será certamente um maior relaxamento da regulação.

Nesse cenário, como ficam as demandas dos movimentos socioambientais? Quando ainda estávamos nos acostumando a assistir televisão, na segunda metade do século XX, a TV passou a ser a principal fonte de informação. Um exemplo do seu efeito sobre a opinião pública foi a aprovação naquela época das leis de direitos civis resultante do impacto maior na TV dos confrontos violentos entre policiais brancos e os protestos dos negros nos EUA. Hoje, os protestos, já comuns e de pouco interesse para a mídia tradicional, repercutem menos. As mídias sociais poderão alcançar muitos grupos mas será difícil prever como essa influência poderá evoluir. Têm mais efeitos quando refletem a relação de forças entre os movimentos socioambientais e os empresariais e sua influência no governo. Será um dos fatores significantes nos cenários futuros.

Se este cenário continuar, pouco se pode esperar de leis apropriadas para um futuro de desenvolvimento sustentável ou muito menos para um ambiente de decrescimento, apesar:  da ciência climática indicar que precisamos questionar o crescimento econômico (Anderson e Bows, 2011),  da crescente pesquisa psicológica social destacar as consequências negativas do crescimento para o desenvolvimento humano (Kasser, 2003) e 426

Joseph S. Weiss

 de análises epidemiológicas e sociológicas apontando como o crescimento reproduz e aprofunda desigualdade socioeconômica (Wilkinson e Pickett, 2010).

O crescimento econômico continua sendo uma meta social hegemônica de “senso comum” (Barry, 2018).

Ou seja, somente desastres ambientais de enormes proporções talvez possam despertar a humanidade para as consequências de um antropoceno severo e que traga de volta o seu reconhecimento com o controle e observação de regulamentos firmes que os reduzam, talvez em tempo para salvar nosso planeta.

Cenário otimista – Três estratégias Muitos economistas concordam que a combinação equilibrada de mecanismos de mercado com sanções de comando e controle contra as ações prejudiciais seja uma boa prática para a política ambiental.

Defendem o equilíbrio entre a cenoura e o porrete.

Quando os estados-nação têm vontade e capacidade de comando e controle, podem reduzir a degradação ambiental, como foi mostrado no desmatamento na Amazônia brasileira.

Talvez o caminho para a evolução das políticas ambientais seja o inverso do processo da aprovação dos conceitos, do desenvolvimento sustentável à economia verde. Se vingar a economia verde, praticada pelo setor privado, pode evoluir para uma participação efetiva da sociedade civil e do Estado. Temos muitos exemplos para mostrar ao mundo como a cooperação dos três setores gera resultados positivos. Porém, sendo alcançado um nível desenvolvimento sustentável ou não, é pouco provável que se consiga caminhar mundialmente neste caminho, muito menos sem crescimento.

O Estado pode conduzir uma combinação de três estratégias: políticas públicas de complementar mercado, comando e controle e de comunicação social, de forma integrada. Pode promover mudanças de atitudes e comportamentos ambientais por meio de uma política de comunicação social mais bem conduzida, com mensagens que tenham objetivos bem definidos e que colam na compreensão e ideário da sociedade. Essas mensagens podem ser aprofundadas em cursos de várias 427

Um Antropoceno Acelerado e sem Regulação

naturezas, de forma consistente desde a comunicação da Presidência até as escolas públicas do ensino fundamental. (CGEE, 2013, entrevista com o autor). É essencial uma maior competência do setor público e a capacidade de fiscalização para que controles e incentivos sejam eficazes na redução das emissões provenientes do desmatamento e da degradação florestal e pelo aumento dos estoques de carbono florestal (Angelsen e McNeill 2012, citados em Brockhaus e Di Gregorio 2014).

Isso inclui normas e incentivos que reduzam o uso e eliminem fontes não renováveis de energia, eliminam o desmatamento e a conversão do uso dos recursos naturais, modifiquem os hábitos humanos de produção e consumo e outros comportamentos que aumentem os efeitos estufa e a deterioram as condições de vida ecológica e humana.

O livro exemplifica êxitos na proteção da floresta como as reservas extrativistas (capítulo 6) conseguidas pelos seringueiros e seus aliados e as concessões florestais que começam a reduzir a exploração florestal sem sustentabilidade (capítulo 8). Uma alternativa é a governança colaborativa, conforme propõe Adriana Moura (capítulo 3), solução com grande perspectiva, especialmente para questões locais. Vejo mais difícil com relação a questões regionais como a florestal.

A aplicação das leis, programas e políticas ambientais citados nos 20 anos de avanços protegeram a floresta. Enquanto isso, os investimentos em obras de infraestrutura como barragens e rodovias, junto com atividades privadas de madeireiras, agropecuária e mineração, continuaram a fomentar o desmatamento e degradação florestal. Exemplificam-se os prejuízos causados pelas hidroelétricas indicados no capítulo 7 e as minas no capítulo 10.

A expansão das referidas atividades resultam em deterioração ambiental e geram conflitos ambientais entre as empresas e setores comunitários, os quais, geralmente, não tem meios nem apoios para se defender.

Diante desta realidade, faz-se necessária uma legislação e sua aplicação mais rigorosa e não tolerante. Espera-se que os movimentos sociais tenham condições de buscar o ‘bem-viver’ com orientação à justiça socioambiental e sustentabilidade endógenas, orientadas aos mercados nacionais e locais. Com o fortalecimento das suas redes e apoios de agendas socioambientais do estado, talvez seja possível.

428

Joseph S. Weiss

Quando a vontade e o esforço diminuem, a degradação pode retornar. Sem dúvida, essas medidas combinadas podem ser ainda mais eficazes quando coordenadas com iniciativas apropriadas das empresas e da sociedade civil, bem como educação para mudar comportamentos (Weiss, J.S. 2008; Weiss et al. 2007).

Se a sociedade civil puder se reunir e recuperar sua força, não apenas por meio de protestos públicos, mas também pela negociação com as ETN e a ONU em pé de igualdade, talvez os membros da ONU possam mais uma vez se sentir confortáveis com a ideia de estados fortes e governança global, como a Assembleia Geral conseguiu com o Tratado de Conservação dos Oceanos, consistente com a proposta do Papa Francisco para um tratado climático legalmente vinculante (Francis 2015: 173).

Sem dúvida, essas medidas podem ser ainda mais eficazes quando coordenadas com iniciativas apropriadas das empresas e da sociedade civil, com governança colaborativa, conforme propõe Adriana Moura (capítulo 5). Podem alcançar até a reestruturação social e elementos revolucionários.

Porém, para que este cenário vingue, há pré-requisitos ambiciosos a cumprir:  A assimetria de poder dominante deve ser desfeita para conseguir equilibrar a realização de objetivos econômicos, sociais e ambientais que interessam a diferentes segmentos sociais.

Os movimentos sociais precisam adquirir mais poder e usá-lo com sabedoria para ter impacto nas decisões e construir um novo modelo de desenvolvimento.  A igualdade de oportunidades para que os movimentos sejam efetivamente ouvidos na tomada de decisões ambientais é fundamental para a justiça ambiental; no entanto, não é suficiente para responder às suas demandas. A implementação das reivindicações dos movimentos se deve mais frequentemente à capacidade dos movimentos de pressionar os formuladores de políticas.  Uma maior competência do setor público e a capacidade de fiscalização são necessárias para que controles e incentivos sejam eficazes.

429

Um Antropoceno Acelerado e sem Regulação

Sem essas precondições quase inalcançáveis e improváveis, um novo paradigma ecológico econômico é improvável.

Há futuro para nosso planeta e nós terráqueos?

Vejo que nosso futuro não será positivo a não ser que as condições acima ocorram, um cenário improvável.

Quem sabe, será possível arrestar os gases de efeito estufa em tempo para sobrevivermos. Ajudará se nossos sonhos consumistas virarem pesadelos, fazendo-nos despertar a tempo por gravíssimos eventos climáticos e físicos. Os sustos terão que ser suficientes para reunirmos e agirmos com a energia necessária.

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ANEXOS

LISTA DE TABELAS, QUADROS, FIGURAS, GRÁFICOS E CAIXAS POR CAPÍTULO Capítulo 1 Tabela 1. Conceitos e políticas de duas escolas econômicas. - Pág.: 52 Tabela 2. Do keynesianismo ao neoliberalismo autoritário, 1944-2017.

- Pág.: 53 Tabela 3. Preferências por Políticas das Escolas Econômicas. - Pág.: 57 Tabela 4. Linha de tempo da Legislação Ambiental Latino-americana. Pág.: 60 Capítulo 2 Figura 1. Tipos de atores e processos que influenciam as políticas públicas socioambientais. Pág.: 72 Figura 2. Campos, habitus e fatores de alavancagem dos movimentos sociais. - Pág.: 76 Figura 3. Conceito de governabilidade segundo o planejamento estratégico situacional. - Pág.: 85 Figura 4. Fatores da Qualidade de Políticas. - Pág.: 86 Figura 5. Equilíbrio Dinâmico da Governabilidade. - Pág.: 86 Quadro 1. Governabilidade e Governança: Estado e Sociedade.

- Pág.: 88 Figura 6. Tipologia Simplificada dos Principais Atores. - Pág.: 89 Capítulo 3 Quadro 1. Caracterização dos problemas ambientais como wicked problems. - Pág.: 106 Figura 1. Evolução dos Gastos Ambientais Federais (GAF)* – 2004/2015.

- Pág.: 107 Figura 2. O continuum dos modelos de governança. - Pág.: 109 Tabela 1. Visão geral dos quatro tipos ideais de arranjos de governança.

- Pág.: 110 Quadro 2. Estudos de caso australianos na esfera da governança ambiental colaborativa. - Pág.: 117

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Capítulo 4 Tabela 1. Comentários e resultados relevantes sobre a linha de tempo de Gupta referente ao regime de mudanças climáticas. - Pág.: 146 Figura 1. Tipologia simplificada do sistema político da ONU. - Pág.: 150 Tabela 2. Níveis de influência de atores não-estatais na ONU. - Pág.: 151 Figura 2. Hipóteses dos Autores. - Pág.: 152 Tabela 3. Eventos Chave e Influência Relativa dos Atores Não Estatais na Política Ambiental da ONU. - Pág.: 154 Tabela 4. Mudanças na Arquitetura Política da ONU. - Pág.: 155 Figura 3. Influência Relativa dos Atores Não-Estatais (1972 – 2015). Pág.: 162 Tabela 5. Comparação do papel do estado em textos de conferências da ONU, 1992 – 2012 (quanto ao cumprimento de regulamentos).

-Pág.: 164 Capítulo 5 Tabla 1. Descripciones de Flujos de Materiales y fuentes de información.

- Pág.: 188 Gráfica 1. Extracción doméstica de los países andinos. - Pág.: 190 Gráfica 2. Balanza Comercial y exportaciones de los países andinos. Pág.: 192 (a) 193 (b) Gráfica 3. Mapa de conflictos ambientales en Países Andinos (19202015). - Pág.: 196 Gráfica 4. Conflictos Ambientales en Países Andinos por sector metabólico. - Pág.: 197 Gráfica 5. Conflictos Ambientales por país y sector metabólico. - Pág.: 198 Gráfica 6. Dinámica temporal de los conflictos ambientales en los Países Andinos. - Pág.: 200 Capítulo 6 Caixa de Texto Painéis de Inspeção. - Pág.: 228 Tabela 2. Possíveis cenários para famílias seringueiras. - Pág.: 250 Capítulo 7 Figura 1. Barragens existentes e planejadas. - Pág.: 261

Capítulo 8 Tabela 1. Posições dos Atores sobre o PL de Gestão de Florestas Públicas. - Pág.: 298 Tabela 2. Efeitos positivos e desafios da Concessão Florestal. - Pág.: 298 Figura 1. Gestão Florestal Federal. - Pág.: 304

AUTORES/AUTORAS

Adriana Maria Magalhães de Moura

Mestre em Ciência Política, na área de Política Ambiental pela Universidade de Brasília e Doutoranda pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável (CDS) da UnB. Especialista em análise e avaliação de políticas públicas pelo Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União (TCU). Técnica de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) na Coordenação de Estudos em Sustentabilidade Ambiental a qual coordenou. Desenvolve trabalhos nas áreas de política ambiental, governança ambiental e gastos ambientais. Atuou no Ministério do Meio Ambiente no Programa Nacional do Meio Ambiente.

Bruno Milanez

Graduado em Engenharia de Produção (UFRJ), mestre em Engenharia Urbana (UFSCar) e doutor em Política Ambiental (Lincoln University). É professor do Departamento de Engenharia de Produção e Mecânica e do Programa de Pós-graduação em Geografia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Coordena o grupo de Pesquisa e Extensão Política, Economia, Mineração, Ambiente e Sociedade (PoEMAS).

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Movimentos Socioambientais

Elimar Pinheiro do Nascimento Sociólogo da política e cientista socioambiental, professor nos Programas de Pós-Graduação do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília e do Programa de Ciências Ambientais e Sustentabilidade da Amazônia, da Universidade Federal do Amazonas. Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília (1990/1991). Secretário de Ciência e Tecnologia do DF (1996/1997), diretor do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (2007/2011) e consultor da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação do Senado (2016/2017).

Fernando Paiva Scardua

Possui graduação em Engenharia Florestal pela Universidade de Brasília (1991), mestrado em Ciências Florestais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1994), doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (2003) e Pós Doutorado pelo Institut de Recherche pour le Dèveloppment, França (2006).

Atualmente é professor Associado da Universidade de Brasília. Tem experiência na área Ambiental, com ênfase em Avaliação de Políticas e Planejamento Governamentais, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão Ambiental, Política Ambiental, unidades de conservação, licenciamento ambiental, Recursos Florestais e Recursos Hídricos.

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Autores / Autoras

Joseph S. Weiss

Engenheiro Agrônomo da ESALQ, especialização em silvicultura, doutorado por Cornell University e pós-doutor pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS/UnB). Dedica-se a consultoria nas áreas de Economia Ecológica e Ecologia Política, com ênfase em Políticas Públicas e Projetos Sócio Ambientais, atuando em temas como Amazônia, avaliação de políticas ambientais, desenvolvimento sustentável, políticas agrárias e atores sociais. Como pesquisador e docente do CDS/UnB, orientou mestrandos e doutorandos, pesquisou e publicou artigos em revistas internacionais. Antes realizou trabalhos de consultoria em 40 países da América Latina, África e Ásia.

Julieth Vargas-Morales

Socióloga (2013) con especialización en Procesos de Intervención Social (2014) de la Universidad del Valle y estudios de maestría en Antropología. Vinculada a la Universidad del Valle como asistente de investigación en proyectos de investigación e intervención interdisciplinarios con comunidades de zonas rurales, especialmente en temas como la gestión del agua, la percepción del riesgo por contaminación del agua y los conflictos ambientales. Sus intereses de investigación se centran en los conflictos ambientales, la justicia ambiental y las acciones colectivas.

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Movimentos Socioambientais

Maria Amélia Enríquez

Economista, PhD em desenvolvimento sustentável Professora e Pesquisadora da Faculdade de Economia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ex-presidente e atual Conselheira Fiscal da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO). É atual diretora de Acordos Internacionais e Assuntos Estratégicos da Pró-reitora de Relações Internacionais (PROINTER) da UFPA.

Mario Pérez-Rincón

Profesor Titular, Universidad del Valle, Cali, Colombia. Economista de la misma universidad y PhD en Ciencias Ambientales con énfasis en Economía Ecológica y Gestión Ambiental de la Universidad Autónoma de Barcelona (España).

Adscrito al Instituto CINARA, donde trabaja en temas de economía ecológica y ambiental, conflictos ecológico-distributivos, gestión ambiental y de los servicios públicos, evaluación de proyectos y sustentabilidad. Ha publicado diversos artículos en revistas nacionales e internacionales y cuatro libros de importante circulación en el país.

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Autores / Autoras

Mauro Oliveira Pires

Mestre em Sociologia, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – ICMBio. Foi cofundador da Rede Cerrado de ONGs, ex-membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA. Atuou por vários anos no Ministério do Meio Ambiente, ocupando diferentes funções e cargos. Nesse, foi diretor dos seguintes departamentos: políticas de combate ao desmatamento, o de ações para a Amazônia, e o de extrativismo. No Ministério do Desenvolvimento Agrário, foi diretor de planejamento do programa Terra Legal.

Peter H. May

Brasileiro naturalizado, Peter May recebeu o PhD em Economia dos Recursos Naturais em 1986 da Cornell University, Nova York, EUA. É Professor Titular do Curso de Pós-Graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/DDAS/ICHS/UFRRJ). Também lecciona no programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento do IE/UFRJ. Foi Presidente e atualmente membro do conselho diretor da International Society for Ecological Economics (ISEE) e é sócio fundador e ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica (ECOECO).

Atua como membro do conselho assessor internacional do projeto TEEB – The Economics of Ecosystems and Biodiversity, da ONU-Meio Ambiente, e participa como membro do Painel Rio Doce da UICN. 441

Movimentos Socioambientais

Philip M. Fearnside Philip M. Fearnside é pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em Manaus, desde 1978. Pesquisador 1-A de CNPq e membro da Academia Brasileira de Ciências, ele coordena o INCT dos Serviços Ambientais da Amazônia. Em 2006 foi identificado pelo Thompson-ISI como o segundo mais citado cientista no mundo na área de aquecimento global e em 2011 como sétimo na área de desenvolvimento sustentável. Suas mais de 600 publicações estão disponíveis em http://philip.inpa.gov.br.

Walter Alberto Pengue Ingeniero Agrónomo con especialización en Fitotecnia, Magister en Políticas Ambientales y Territoriales y Doctor en Agroecologia. Profesor de Economía Ecológica, Agroecologia y Ecología Política. Experto en Desarrollo Rural Sostenible. Ha trabajado en investigación por más de 30 años sobre de la agricultura y el sistema alimentario a nivel nacional, regional y global. Experto Internacional en el marco del IPBES, TEEB y el Resource Panel de Naciones Unidas Ambiente.

Miembro de la Academia Argentina de Ciencias del Ambiente. Autor de numerosos libros sobre Economía Ecológica, Agroecología y Ecología Política, Artículos Científicos y Documentos del Programa de las Naciones Unidas para el Ambiente.

Página web: www.walterpengue.com 442

Autores / Autoras

Zhu Dajian

O Dr. Zhu Dajian é Professor Ilustre da Escola de Economia e Gestão, Diretor do Instituto de Governança para o Desenvolvimento Sustentável, e Vice-Presidente do Comitê Acadêmico Universitário, na Universidade de Tongji, em Xangai. Seus interesses de pesquisa incluem desenvolvimento sustentável e economia ecológica, desenvolvimento urbano e regional, serviço público e parceria público-privada, responsabilidade social corporativa. Ele foi pesquisador sênior na Harvard University em 2005 e pesquisador visitante na Melbourne University em 1994-1995. Ele recebeu o subsídio especial do Conselho de Estado da China em 2000 e a Liderança em Economia Circular pelo Fórum Econômico Mundial em 2016.

Zulma Crespo-Marín

Economista de la Universidad del Valle con experiencia en economía ecológica en el campo del metabolismo social. Coautora de Trends in social metabolism and environmental conflicts in four Andean countries from 1970 to 2013. El metabolismo social en las economías andinas y centroamericanas, 1970-2013. Participo del libro Ecología política latinoamericana: pensamiento crítico, diferencia latinoamericana y rearticulación epistémica (CLACSO) como coautora del capítulo Dinámica económica, especialización productiva y conflictos ambientales en países andinos.

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