Caminhadas Em Bando

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caminhadas

caminhadas

Beatriz Cruz, integrante do Coletivo Teatro Dodecafônico

sejamos

Entre os dias 17 e 25 de junho de 2022 caminhamos a partir de programas de ação que nos convidavam a estar à deriva pela cidade. Estar à deriva é não ter rumo e lugar para chegar, é caminhar de forma aleatória e perceber detalhes que não são notados. É se perder, mesmo em locais conhecidos.

Caminhamos usando dados, mapas antigos, uma sequência lógica indicando qual rua se deveria virar. Caminhamos em bando como se estivéssemos tensionando um elástico invisível entre nós. Desenhamos a paisagem urbana. Escrevemos em fluxo sobre o que aconteceu. Realizamos uma travessia por todo o canal 5, saindo do porto e chegando até a praia. Deitamos no espaço urbano, descobrimos ruas que nunca havíamos entrado, deixamos que o movimento da cidade indicasse quais caminhos deveríamos seguir. Estávamos em bando, com a escuta aberta, em busca da alteridade urbana. Esse impresso é um recorte do que experienciamos e também um manual de instruções para que novas experiências possam surgir através da relação que se estabelece ao andar sem rumo pelas ruas de uma cidade. Sejamos errantes! Marcus Di Bello, integrante do Em Bando Coletivo O Em Bando Coletivo me convidou para caminhar com elus por Santos, compar tilhando um pouco a pesquisa que venho desenvolvendo com o Coletivo Teatro Dodecafônico a partir do caminhar como prática estética e política. Derivar e voltar para o chão da rua, depois de termos perdido o chão na pandemia. Caminhar com gosto de encontro e reencontro. Ao longo de 4 dias propus ao grupo uma série de procedimentos de deriva colecionados ao longo de experiências no ambiente urbano de São Paulo, junto ao Dodecafônico. Agora, percorrer a cidade abrindo-se ao ar e ao sal de Santos. Partimos de alguns procedimentos para se perder e de um jogo de deriva coletiva chamado Elástico Invisível. Caminhar jogando dados, sobrepor mapas de uma Santos de outros tempos na cidade atual e observar as camadas de tempo que ficam impressas. Transformar a cidade num espaço de jogo. Ativar nossos sentidos para tocar o chão da cidade, ver o meio fio, ouvir o movimento e degustar as ruas que não conhecemos, o espaço distendido. Andar modulando nossa atenção e conexão entre corpo, espaço e outres. Tocar a pai sagem urbana para nos presentificar. Ficcionalizar histórias possíveis e chegar a sonhar lembranças futuras. Errar em bando, criando narrativas destes corpos que ocupam a cidade.

sejamoserrantes! sejamoserrantes!

tocar a paisagem urbana tocar a paisagem tocar a paisagem árvores enfileiradas, como se fossem crianças por ordem de tamanho um carrinho de supermercado novinho alguém arrasta as sensações estão agora

caminhos olhar para o outro olhar para dentro a cidade tem um ritmo, único, composto por diferentes sons fazemos parte de um todo? eu sempre me sinto um ponto estranho quando estou perto de edifícios imensos eu atravessei lentamente a faixa de pedestres no tempo exato do semáforo e não tinha nada para fazer do outro lado

A FLOR DA PELE

terreno irregular, marulhar de folhas das árvores, barulho de motores de carros, motos, vozes de transeuntes, guinchar da corrente do balanço de brinquedo na pracinha em frente, mais vozes, de crianças, clima ameno, pessoas que acaba ram de se conhecer mulher desconfiando de mim sons da noite bikes presas em poste leve vento pessoas em compras pessoas do bairro (Trecho do Programa do Elástico Invisível - jogo de deriva coletiva do Coletivo Teatro Dodecafônico)

A partir das perguntas “o que te faz andar?” e “o que te faz parar?”, inicie um deslocamento. Aproxime-se e distancie-se das demais pessoas como se juntas estivessem tensionando um elástico invisível entre vocês. Sempre mantenha pelo menos um jogador no seu campo de visão. Permita-se ser afetado pelos estímulos dos diferentes elementos presentes no espaço, se relacionando com a arquitetura, os fluxos e os passantes.

tocar a paisagem urbana me presentifica preciso me atentar mais aos sons ao meu redor entre carros, arranha céus pedras, sapatos árvores perdidas, folhas caídas subo desço subo desço subo desço as escadas vejo um carrinho de compras sensibilidade,barulhosruídosmuitospercepção,

um casal na esquina olhou o bando e tentou descobrir o que estava acontecendo ali hoje eu senti as pessoas mais perdidas ao mesmo tempo não seria esse o objetivo? se perder

urbana me presentifica paisagem urbana paisagem urbana me presentifica

fecho os olhos ouço o vento percebo que o ritmo acelerado está em mim porque os sons da rua e do mundo são lentos

me interessei pelo meio-fio enquanto a rua é lugar do movimento, parece que algo fica neles um resto líquido, terra, folhas .som de carro, som de moto, aquele som característico de ônibus quando para e apita e o motor que segue fazendo barulho mesmo quando o ônibus para .eu fingi que não vi, a moça que vendia balas mas eu senti em fingir que não vi eu fingi que minha atenção não estava nela enquanto estava TODA movo meu corpo como areia estátua escuto a voz de um cachorro hahahaha vontade incontrolável de rir rio de tudo rio dos movimentos rio dos passantes rio de mim, rio do bando me senti criança esperando minha mãe terminar de conversar com um conhecido que encontrou no mercado pra ir pra casa prédio em construção, cheio de concretos, arranha o céu bem alto, cheio de quartos, suíte para o casal, spa, piscina e varanda gourmet ruas de bairro a noite silenciosas com eventuais ruídos de entregadores de moto televisões ligadas, conversas amenas dos mora dores em suas casas perdemos nossa calopsita ela é tão boazinha que demos o nome de santinha eu me sentia em um transe e quando algo real me despertava eu acordava e aí eu tentava voltar a esse transe deitei na esquina mas é porque pareceu tão confortável (e era)

.vejo uma Santos mudando mas não estariam as cidades mudando? não tenho dúvida como a gente influencia na m u d a n ç a é uma dança com música de quem? aqui tocaria o quê?

interessante observar o fluxo dos carros às vezes parece que estão lentos casas casteloengraçadascomtorresjanelasaltasvitraiscoloridosquemmoraaqui?

um buraco mas não dava pra ver nada santa,a.procurecalopsitasantinha

lugareslugaresprivadostirados somos impedidos muitas vezes o que querem privar?

umumaumaestacionamentovagas301encruzilhadacalçadaemreformatapumecomumcadeado

Ela continua lá. A única que restou e me contou de quando não tinha nada ali. Por um período ela viu a terra, vermelha, amarronzada, que ficou exposta ao tem po. Ela pode perceber naquilo em que se agarrava, onde suas raízes estavam em constante deslocamento. Era então um corpo, uma superfície da onde ela tinha vindo. Se ela pudesse ter dito algo naque la época, deixaria daquele jeito. Ela ten tou dizer, mas ninguém ouviu, ao lado da construção envidraçada que a abrigava teria pedido que deixasse a lama verme lha exposta. Ela conseguia sentir seu chei ro e seu suor com a ponta do seu risoma. Mas não via sua vibração, nem tão pouco sua companhia. Mas tinha uma garota que vinha visitá-la com frequência. E sempre lhe fazia uma pergunta: como seriam as cidades se as árvores fossem ouvidas. No futuro esse canal continuará aqui e um grupo de jovens com ideias revolu cionárias conseguirá demolir todos esses prédios. A cidade contará com moradias populares e espaços de lazer, espaços de estar, espaços de jogar. Esse aqui será um deles. Vai ventar muito, mas os jovens sentirão prazer de terem cumprido a sua

Escolha algo ou alguémpode ser uma casa, um objeto, uma árvore, um animal ou algo que te chame atenção neste espaço. Faça um desenho deste elemento e em seguida escreva uma pequena narrativa ficcionalizando uma “lembrança futura” para ele. Vai permanecer ali como partícula, contami nado por impurezas, naturezas e necessida des fisiológicas de algum animal ou humano. O sabão na calçada da casa 227. O sabão não é mais visível, mas um dia foi. Secou. Se disfarçou. Mas sua química limpante hoje mistura-se com partículas sujantes e juntas dão-se as mãos na calçada do 227. Que hoje é pisada pelo entregador e habitada por Leandro. Leandro deita-se sobre o sa bão sem ousar saber a marca. Sem saber que ali junto dele há partículas de sabão que um dia foi espuma de uma calçada inteira. Espumas de um passado que o tempo, o, sol, resolveram esconder.

Aquele dia eu te esperei até às 15h. Che cando o celular a cada minuto. Inventando vários motivos pelos quais você poderia estar atrasado. Choveu e o meu cabelo não ficou como eu queria. A cada ônibus eu procurava desesperadamente um tra ço seu. Seu óculos meio quadrado. Seu moletom meio cinza. Seu tênis da Adidas. Nada. Olhando praquela estátua horroro sa na frente do bar. Aquela que me dava medo e te matava de rir. Lembrei daquele dia que eu tropecei e você teve um ata que de riso. Tentei me acalmar, mas só conseguia pensar nas piores possibilida des. Pensando se teria sido semana pas sada a última vez que teria te visto. Me dei conta de que nunca mais dormirei ao teu lado. Esse foi o último dia que chorei.

Foimissão.daquele dia que começou a ferrugem. Um pequeno ponto que se deixou pas sar ignorado. Expandir, espalhar. Era uma chuva fina e não muito longa. As árvores a desviavam de mim, mas me molhei. Eu não sou de açúcar, nem estou dizendo que não poderia estar ali debaixo de uma simples chuva. Já passei por tempestades piores. Estou a me aposentar, ou me apo sentarem, já não suporto mais o ranger das minhas correntes oxidadas, não há graxa que salve meus quilômetros roda dos, meus quilômetros vividos. Eu sou lembrança pra muitos, agora eu não sei. Prédio 52, o que me fez escolher este lo cal foi seu jardim. Não é tão excepcional, grandioso, mas é um jardim. Atualmen te, quantos prédios possuem um jardim? Aparentemente deve possuir 4 andares e aproximadamente 2 apartamentos por andar. Será que todos estão ocupados? Por ser um prédio antigo e observando, creio que sim. Somente um apto me cau sa dúvidas. A janela está fechada e não aparenta ter cortinas. É uma rua até que movimentada, ele fica localizado próximo ao BNH. Só consigo observar dois prédios altos. E isso não é comum na cidade de Santos.

cou exposta ao tempo. pode perceber naquilo que se agarrava, onde suas raízes estavam em constan te deslocamento. Era então um corpo, uma superfície onde ela tinha vindo. Se pudesse ter dito algo naquela época, deixaria daquele jeito. Ela tentou dizer, mas ninguém ouviu, ao lado da construção envidraçada que a abrigava teria pedido que deixasse lama vermelha exposta. conseguia sentir seu cheiro seu suor com a ponta do risoma. Mas não via sua vibra ção, nem tão pouco sua com panhia. Mas tinha uma garota que vinha visitá-la com frequência. E sempre fazia uma pergunta: como riam as cidades se as árvores fossem ouvidas.

Programa de travessia: O trajeto começará no início do canal 5. Observe o porto de Santos. Atravesse a cidade pelo canal 5 em direção à praia. Observe as mudanças que acontecem na cidade nesse trajeto de pouco mais de 2 km enquanto recorta a cidade com os pés. No final, suba na ponte e observe o encontro do canal 5 com o oceano. programa de

de travessia

Cilindros de metal maiores que um carro num verde militar intimidador. Verde musgo no canal. O azul dos passarinhos. Cores tão fortes que fazem parecer as fotos que tirei editadas. Mas não. Apenas natureza. O frio não ajudou. Devia ter trazido mais um casaco. Do porto ao mar. Do ferro-velho à orla. Do guindaste ao arranha-céu. Do restaurante de comida caseira ao bistrô. Do armazém ao posto de gasolina.

Maquinário, linha do trem, guindaste. O céu está fechado. Cinza. Terrenos que guardam containers, depósitos, cemitério de máquinas antigas. Um lugar que compra latinha. Canal de Saturnino. Os prédios começam a surgir. Comércios, escolas, pontes, mercados, prédios, prédios, prédios, prédios. Uma garça voa indicando a direção. Ela desaparece (ou somos nós que desaparecemos) pelo caminho.

Containers empilhados como lego.

os guiam. Perspectiva sob perspectiva. O vento crescente em direção a praia. Pingos finos de chuva e meus óculos que embaçam com a respiração. Uma primeira mureta no porto que já não vê a tinta a tempos. Metade de um cartão postal rasgado, tentei entender se era dali. Hoje não tinha muita gente se alongando nas muretas como de costume.

Andar, parar. Correr um PraPraAcompanharpouco.oBando.queladoeuolho.ondeosolhosdeles

Canal 5 é onde mais do que eu sei de mim aconteceu. Adolescência, infância, antes de nascer.Lembro da infância que descia a serra e ter respiro na cidade de 7 canais. Lembro do dia em que por conta de um acidente na estrada fomos até a Santa Casa de Santos pois o neto de um amigo do meu pai tinha machucado a testa.

AcompanharCorrerAndar,Maquinário de ferro. Contêiner. Casas germinadas. Árvores sequenciais. Garça. Cobertura do Neymar.

Andar, parar. Correr Acompanharum

andar, parar. acompanharcorrer

acompanharparar.um

Você têm um mapa, da mesma cidade, mas de outra época. Nele, está apontado um ponto de saída e um ponto de chegada. Faça o trajeto do mapa no desenho da cidade atual. Sobreponha tempos. SE AQUEÇA NO MOBILIÁRIO URBANO. ENCOSTE-SE NO ESPAÇO, DEITE-SE NUM BANCO, NO CHÃO, SE ALONGUE

Caminhe por 30 minutos e jogue o dado sempre que tiver que definir o caminho. Par, você vira para a esquerda. Ímpar, você vira pra direita. O número que cair é o número de quarteirões que você deve percorrer. Enquanto caminha, tente perceber as camadas do tempo presentes nesta parte da cidade.

erranteerrante errante

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