Pedras de geni

Eduardo Henrique De Oliveira Gaio

Pedras de

Geni

Pedras de

Geni

Eduardo Henrique De Oliveira Gaio

S達o Jo達o del-Rei / MG 2014

G137p. Gaio, Eduardo Henrique de Oliveira

Pedras de Geni / Eduardo Henrique de Oliveira Gaio -

São João del-Rei: UFSJ, 2014.

80p.

ISBN

1. Prostituição 2. Reportagem CDU 82-9

editoração de texto projeto gráfico

DOUGLAS CAPUTO EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA GAIO

revisão de provas

ADALBERTO NUNES PEREIRA FILHO

produção gráfica

EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA GAIO

formatação e capa

EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA GAIO

fotógrafo

EDUARDO HENRIQUE DE OLIVEIRA GAIO

assistente de fotografia modelo

HUGO PAUL COLLIN E MARINA FARIAS DAMIEN COURTEAX, ISIS FERREIRA, JULIA MEDEIROS, MARINA FARIAS, RUBY RIVIEIRA, YVYE NATHALIE

orientador banca

PROF. MESTRE DOUGLAS CAPUTO LUIZ ADEMIR DE OLIVEIRA E VANESSA MAIA

Dedico este livro aos excluidos socialmente, mas que fazem do mundo um bom lugar para se viver.

“Não são eles quem escolhe, somos nós quem escolhemos eles!”

Duda

A

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N

Ç

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O

As fotos e modelos deste livro, são meramente ilustrativas, não correspondendo aos personagens reais, exeto Julia Medeiros e Ruby Riviera que cederam suas imagens para ilustrar suas histórias.

Sumário PREFÁCIO

INTRODUÇÃO

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JÉSICA:Tiazinha do Prazer

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CRISTAL: A morena do pecado

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MATHEUS: El cavallero de la media noche JULIA: A princesinha da net DUDA: Novinha do poder RUBY: Uma mulher de alma

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Prefácio

por andré frigo

O

jeito tranquilo de falar de Eduardo Gaio mascara sua determinação em buscar as boas histórias que compõe esse

livro reportagem. Sua forma de enxergar o mundo definiu o tema

e influenciaram na escolha dos personagens. Essa subjetividade explicita, parece ir contra o que seriam as normas do jeito correto

de se fazer jornalismo. Os livros sobre o tema, os principais manuais de redação dos jornais ensinam que o jornalista deve procurar ser imparcial, isento e objetivo. Entretanto Ariane

Pereira em seu artigo “Livro Reportagem: o discurso jornalístico ‘contaminado’ por ideologias” deixa claro que ao se dedicar a

essa forma (livro-reportagem) de fazer jornalismo, o profissional

“pode expressar toda sua subjetividade, ou – usando um termo da Análise do Discurso de linha francesa – sua(s) ideologia(s)”.

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Quando se escolhe um tema delicado e polêmico como o abordado no presente livro é fundamental que o autor seja destituído de preconceitos e ao mesmo tempo respeite as pessoas em sua essência. Principalmente quando se pretende falar sobre prostituição em uma terra reconhecidamente tradicional e religiosa, apesar de flertar o tempo todo com o profano. Gaio, sabedor das nuances das atitudes culturais dessa terra, não se intimidou e foi a campo buscar histórias de garotas e garotos de programa. São biografias carregadas de lirismo e drama de pessoas colocadas à margem da sociedade.

Em cada trecho do livro é possível notar a cumplicidade entre o autor e seus personagens. Cumplicidade essa raramente obtida, uma vez que essas pessoas trazem consigo marcas de violências, abandonos e traições. São vidas realçadas pelos desencontros, pela desilusão e pelo preconceito. Também são vidas vividas, na sua maioria, em segredo. O comum é não contar, é omitir, é não compartilhar fatos do dia a dia, emoções e sentimentos.

Vivências por vezes desprovidas de afetos, por vezes repletas de silêncios, por vezes desesperançadas, dessas desesperanças de quem conhece na prática as piores facetas dos seres humanos.

As histórias são contadas de tal forma que se tem a impressão que estamos sentados em frente aos interlocutores, que eles falam diretamente para gente. Nesse momento você percebe que foi conquistado pelo livro, que será impossível não ir até o seu final e ao mesmo tempo lamentar quando ele estiver terminando.

A cumplicidade estabelecida entre autor e personagens nos atinge, trazendo suas dores e ao mesmo tempo a vontade de lhes restituir os sonhos.

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O livro ainda tem um atrativo a mais. Quais reações ele vai provocar em nossa sociedade conservadora e de maioria católica? Qual será a reação perante um livro que coloca sob os holofotes seres humanos que nessa ótica deveriam estar nas sombras, varridos para debaixo do tapete social? Será interessante esse confronto entre essa realidade nua, dura versus o pensamento barroco carregado de culpa e moralismos.

Só de provocar esse debate, de fazer essa convocação para que nosso olhar seja enxergue além dos estereótipos, já terá valido todo o esforço desprendido pelo autor para escrevê-lo.

Portanto procure um local confortável, reserve tempo e mergulhe no universo construído por Eduardo Gaio e seus personagens. Dispa-se de preconceitos e outros ranços para conhecer pessoas que lutam uma luta desigual pela vida. Venha conhecer quem teria todos os motivos para desistir de sonhar, mas fazem isso mesmo nos momentos mais torturantes de suas existências. Prepare-se para viver emoções, para levantar questionamentos, para sair da sua zona de conforto. Mas acima de tudo prepare-se para uma leitura agradável feita por quem não tem medo de ser quem é, de viver suas crenças e de ser autêntico. Isso nos dias de hoje é um enorme feito.

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Introdução A

prostituição é considerada uma das profissões mais antigas da humanidade, passando por vários períodos e estágios. Na Idade Média, era usada como uma forma de manter as mulheres castas e tementes a Deus, salvas de estupros e violências sexuais. Assim, a Igreja Católica pensava que era melhor uma mulher que já teve sua pureza arrancada servir a esses homens famintos por sexo do que uma cristã perder seu pudor.

Por ser um trabalho discriminado pela sociedade, a prostituição é, em muitos casos, a solução para que mulheres, homens e travestis possam se sustentar, assim como seus familiares. As influências atuais para que essas pessoas entrem nesse universo são variáveis, indo desde a necessidade financeira para ajudar a família ao sustento de vícios.

Com nomes pejorativos como putas, piriguetes, vadias, entre outros, os profissionais carregam o preconceito e a descriminação. O fato de serem mulheres, homens e travestis que usam o corpo para oferecer prazer e diversão a outros homens e mulheres faz com que essa parte da população sofra constantemente com o desleixo e a opressão das autoridades. São grupos altamente estigmatizados, principalmente quando se tratam de alguns travestis, prostitutas e garotos de programa de baixa renda.

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Trabalho ou não, a realidade desses profissionais do sexo não é o glamour que muitas pessoas imaginam. Existe muito sofrimento, solidão e abandono. A clandestinidade da profissão faz com que eles estejam sujeitos à violação de seus direitos. No Brasil, a prostituição é tratada como fato lícito, sendo proibidas apenas as atividades relacionadas a ela, quando envolvem crianças e adolescentes, nos termos do art. 227 e seguintes do Código Penal.

No Congresso Nacional, existe um projeto de lei para regulamentar a profissão, o qual é intitulado “Gabriela Leite”. O texto é considerado por alguns autores um sistema abolicionista, porém falho, uma vez que desconsidera a real situação das prostitutas e garotos de programa, criminalizando as atividades correlacionadas à prostituição em casas ou estabelecimentos destinados à prática da atividade, o que acaba por se tornar um dos principais fatores da clandestinidade e da violência a que são submetidos tais indivíduos.

A luta que vem sendo travada pelas prostitutas com relação à regulamentação da profissão é uma forma de garantir os direitos dos trabalhadores do sexo e distinguir o que é o exercício regular e voluntário da profissão e o que é exploração sexual. Além disso, a proposta visa possibilitar que o Estado proteja crianças e adolescentes e fiscalize os abusos decorrentes do aumento da procura pelo sexo pago.

No entanto, o mercado do sexo não deve ser visto apenas pelo lado negativo. Ele tem seu lado sedutor e lucrativo que leva muitas mulheres e homens a se dedicarem exclusivamente à profissão; é o chamado mercado de luxo, no qual muitas garotas e garotos desejam 16

entrar, um mercado que garante uma vida mais tranquila e protegida, cujos clientes têm melhores condições financeiras e estão dispostos a pagar bem mais que os clientes que procuram os profissionais que fazem ponto nas ruas.

Trata-se de um mercado que leva muitos garotos e garotas a faturarem mensalmente mais de R$5 mil, mas que requer muitos esforços: ter um físico malhado, postura, vestir marcas, não ser vulgar, manterse informado, saber se relacionar, entre muitas outras coisas. A prostituição de luxo é o glamour que muitas pessoas imaginam do ofício e pode ser considerado o lado positivo da profissão.

Este livro relata a vida de alguns profissionais do sexo na Zona da Mata, região do interior Mineiro. Todas as histórias foram contadas por pessoas que vivem do mercado do prazer. Cada uma com suas particularidades e seus motivos para proporcionarem “alegria” a homens e mulheres que os procuram.

Para representar esses profissionais do sexo, foram feitas fotos artísticas com modelos, pois, muitos desses preferiram guardar seu anonimato, buscando o direito de reservar sua imagem, para que familiares e amigos não os identifique e os julguem pelo trabalho que exercem.

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JĂŠssica Tiazinha do prazer 19

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ua vida não foi fácil, ainda guarda as dores da infância atrás de um sorriso espontâneo, vivendo os momentos com intensidade e paixão. É na cidade de São João del-Rei, na boate “Capa de Revista” que Jéssica, uma mulher bonita, corpo escultural e dedicada ao que faz, atende seus clientes. Ela é alegre e adora se comunicar o tempo todo e solta: “minha vida daria um livro”.

Foi em 2004 quando ainda tinha 20 anos, que pela primeira vez a morena colocou os pés em uma boate de prostituição, onde trabalha até hoje e tira seu sustento, além de realizar seus desejos e vaidades.

Convidada por uma mulher em Ubatuba (SP) para morar em Itajubá (MG), Jéssica pensou que trabalharia em uma casa de shows. Mas, a surpresa veio quando entrou no local, um bordel.

“Daí, chegando lá, ela me entra em uma sala e falou: ‘Olha! É o seguinte: aqui não é boate como você está pensando não’. Ela era mineira, uma senhora muito simpática, já faleceu. Ela falou assim: ‘não, aqui não é uma boate como você pensa, aqui é uma casa de prostituição’. Na hora, meu Deus do céu, que isso? onde que eu estou?! Eu falei assim: ‘não vou ficar aqui não’. Daí, ela falou assim: ‘fica porque você é bonita’. Ai comprou roupa pra mim e eu já era vaidosa. Daí eu falei assim: ‘ai Jesus, como eu vou fazer?!’ Eu fui por um acaso, não foi porque eu quis. Sabe quando desmorona tudo como um castelo? Paaaáhhh! Ai tem só uma opção e é essa. Daí eu falei assim: ‘vou ficar um mês, se eu conseguir fazer um programa...”

Tímida para chegar em homem, Jéssica se dedica a fazer somente strip-tease no início de sua carreira, já que a dança é uma de suas paixões. Seus primeiros clientes foram uma dúzia de policiais militares que frequentava a casa sempre. “O strip, na época quando 20

eu entrei na boate, era uns R$ 50,00, o mesmo preço de um programa

agora. Aqui (Capa de Revista), o mínimo é R$50,00 trinta minutos de programa e R$10,00 pela chave do quarto. O strip que eu fiz pra doze homens foi em 2004, quando eu entrei na boate. Daí fiz strip para os policias. Eles pagaram..., mentira, a casa que pagou porque PM não paga, é raríssimo. Só uns que vêm aqui que pagam, o baixinho e ou outro, né?!”

Depois de dois meses na casa de prostituição, Jéssica se sente pronta para fazer o primeiro programa. Seu amigo e gerente do estabelecimento, a incentiva a se soltar, além de elogiá-la o tempo todo. Ele apresenta o primeiro cliente, um amigo de quem Jéssica passa a sentir nojo desde o principio. “O homem mais feio da boate. Juro, sério mesmo. Novo, mas fedido, fedido. Na época, eu usava aquele creme da Paixão, que eu taquei no homem, mas isso fez com que ele ficasse mais fedido ainda. Nossa! Que horror!

Foi meu primeiro programa, ‘30 conto’. Foi rápido, botei ele pra tomar banho, estava um inverno ‘fudido’, porque lá Itajubá, no Sul de Minas, faz um frio. Faz mais frio que aqui. Mesmo assim, o fedor ficou impregnando, eu pedi álcool pro gerente, taquei álcool no corpo e falei: ‘ainda estou com o fedor do homem, fiquei com nojo mesmo do homem’. Entrei no salão e o gerente disse: ‘você não está fedendo, para com isso! Que neurose é essa?!’. Ai falei: ‘estou sim! me cheira ai’. Ele: ‘não está’. Nessa época, eu usava perfume da Natura, do mesmo jeito, trabalhando ou não na zona, eu usava. Eu coloquei o perfume, mas parecia que fedeu mais, eu fiquei impregnada com essa coisa, porque o cara estava fedendo cecê. Ele tirou a bota dele, nossa, fedeu mais ainda”.

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Ela já fez muitos tipos de programas. Em um deles, viu um homem vestir a melhor lingerie dela e dançar como em um show particular. Já ficou com senhores perto de completar 100 anos. Já pegou novinhos que terminaram em mesmo de três minutos. Mas, o que Jéssica não se esquece é do dia que um PM pediu para apanhar.

“Eu fazia strip de Tiazinha, daí o cara falou pra mim assim: ‘você que faz strip de Tiazinha? Eu quero que você se vista de Tiazinha e vamos pro quarto. Só que lá, quero que você pegue o chicote e taca na minha cara’. O cara era policial, e eu careta, né! Era de dia, ai eu falei: ‘eu posso beber alguma coisa?’ Ele disse que sim. Eu tomava cuba, daí eu virei e pensei assim: ‘vou bater nesse cara, eu detesto policial, porque meus tios em São Paulo são policiais’. Meu tio na primeira tatuagem que fiz, queria arrancar com a faca. Ele é diretor do presídio de Tremembé e nem sabe que eu sou p.... Daí, fui pro quarto com o policial, acho que eu lembrava do meu tio, ai eu batia mais nele, pahhh! Só sei que ele saiu todo marcado na cara.

Peguei o chicotinho de couro, deixei ele todo regaçado. Eu adorei, porque eu lembrava do meu tio. O policial ficou todo satisfeito e se masturbou”.

Apesar de ser vaidosa e romântica, Jéssica carrega um passado triste.

Na infância, ela conheceu o lado tenebroso do ser humano. Sua mãe era alcoólatra e a entregou, aos dois anos de idade, para o irmão cuidar. A menina inocente teve de aprender que sua vida não teria amor e carinho.

“Eu apanhava demais. Pra ir pra escola, minha mãe fazia tortura comigo. Eu fazia xixi na cama, não tenho vergonha de falar, fazia desde meus 13 anos. Ai, tipo, assim chegava sete horas da manhã pra 22

eu ir pra escola, minha mãe me acordava quatro e pouca da manhã, colocava o lençol molhado de xixi em cima de mim, até sete horas pra eu ir pra escola. Não tomava banho, minha mãe me fazia trocar de roupa e ir pra escola com xixi. Isso pra mim é tortura. Eu fui expulsa de casa com 16 anos, porque eu engravidei de um namorado. Mas isso nem foi um dos maiores problemas, nessa mesma época meu irmão tentou me violentar, pegou a tesoura, cortou minha calcinha pra tentar me estuprar, isso ai foi a crise da família. Meu irmão tinha uns 20 e poucos anos. Com ele, o tratamento era diferente, porque eu era filha de criação”.

Aos 16 anos, ela tenta se matar. Porém, foi interrompida por um “anjo” que passava exatamente no momento em que se impulsionava para se lançar de uma ponte na cidade Taubaté (SP), onde morava.

Ela sempre foi muito estudiosa e dedicada, viu-se sozinha, sem motivos para viver, já que sua família a rejeitava. Ainda hoje, Jéssica guarda mágoa de sua mãe adotiva, pessoa em quem ela confiava e implorava por atenção e amor.

Engravidou nessa mesma época, de um namoradinho. A família dela a colocou para fora de casa, deixando a menina na rua, à mercê de sua própria sorte. A sogra, comovida com a situação da jovem, a recebe em sua casa como uma filha e lá, Jéssica começa a conhecer o que é amor e carinho. Sua filha nasce em um lar e pela primeira vez ela se sente segura e protegida por uma família.

Despois de viver uma infância e adolescência sofridas, a garota, que agora já é uma mulher, passa a ter contato com sua mãe biológica, a quem ela declara um amor incondicional. “Eu tive contato com minha mãe depois dos meus 18 anos, contato assim, físico, contato 23

de conversar e tudo. Ela me tratava com muito carinho, nossa! Eu era a paixão da vida dela. Era das filhas, a mais querida, tipo assim, tem minha irmã, só que eu era mais apegada com ela. Eu era a mais querida dela, ela me pegava no colo, me abraçava, me beijava”.

Jéssica tem mais quatro irmãos. Um deles, ela não conhece, já que mora em Aparecida do Norte, casado e cursando Universidade. A distância e os rumos que tomaram a vida de cada um dos irmãos fizeram com que a família se desunisse. Ela sente falta dos familiares, gostaria de dividir os momentos importantes de sua vida ao lado deles, mas isso ainda não foi possível, relata.

Sua única filha é casada e participa da Congregação Cristã. “Ela não sabe que eu trabalho aqui. Ela casou virgem e eu tive que assinar para ela casar. Nós não temos muito contato, apesar deu amar muito minha filha”.

A morena tem uma tatuagem de flores na perna esquerda para esconder uma cicatriz do passado, quando apanhava muito da família adotiva. Apesar de não conseguir mascarar os vestígios da memória, hoje, considera-se uma mulher forte. Sabe aonde quer chegar e o que quer da vida. Como gata borralheira, sonha em um dia encontrar o amor de sua vida e se casar. Ficar em casa descansando e cuidando do marido por um tempo.

Mas não descarta o negócio da prostituição. Se alcançar estabilidade financeira, assegura que vai montar uma casa do ramo. Por enquanto, tudo um sonho, como em conto de fadas. Não por acaso ela acentua que sua vida daria um livro, cheio de histórias tristes e alegres dessa mulher que é um retrato da sociedade brasileira.

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Modelo: Yvye Nathalie Fot贸grafo: Eduardo Gaio Assistentes de fotografia: Hugo Paul Collin

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Modelo - Damien Courteaux

matheus

el cavallero de la media noche

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e um tango a outro, sob as luzes de Buenos Aires, surge um brasileiro cor de jambo. Nesse palco portenho, o personagem nasce como Matheus, encarregado de oferecer prazer ardente para aquecer noites frias e solitárias de muitos argentinos. Mas com um figurino preparado para bailar Carlos Gardel, o jovem usa máscaras que escondem sua verdadeira identidade. Seu nome real e coisas particulares são segredos que ele não revela, pelo medo de ser descoberto por algum parente ou amigo.

Matheus nunca sonhou em ser um profissional do sexo. Na infância em uma pequena cidade mineira, que ele não revela o nome para não deixar pistas sobre quem ele é, cresceu de forma tranquila, sem traumas que justificariam a opção por uma vida dionisíaca. “Nunca sofri nenhum tipo de violência, nenhum tipo de abuso”, garante o jovem que hoje tem 23 anos de idade.

Mas com a faculdade de Turismo, as coisas começaram a mudar para Matheus. No segundo ano do curso, ele teve a oportunidade de fazer um intercâmbio em Buenos Aires, por onde ficou até terminar os estudos. Além das salas de aulas, frequentava um hotel da capital argentina como estagiário. Uma vez por semana, fazia auditoria, o que lhe prendia a noite toda e lhe rendia muito trabalho.

Trabalho que podia render um extra, como Matheus iria descobrir.

Aos 18 anos, em sua rotina como estagiário, foi abordado por um hóspede cheio de tesão. “Ele me perguntou se eu conhecia algum garoto de programa, se eu poderia indicar alguém, e respondi que não. Então ele ofereceu o dinheiro pra mim. Eu teria ido de graça, se ele tivesse me chamado. Aceitei na hora. Ele me ofereceu $250,00 Pesos pra comer ele. Queria só um sexo mesmo”, enfatiza Matheus.

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Era uma noite fria, com sons de carros e da agitação da cidade do lado de fora do hotel, que Matheus se entregou pela primeira vez ao mercado sexual. Para ele, algo normal e excitante. “Sexo nunca foi um tabu pra mim, sempre encarei de forma muito natural e sempre gostei muito”, afirma.

Matheus trocou Buenos Aires por Juiz de Fora, Zona da Mata Mineira. Também trocou o turismo pela prostituição. Segundo ele por um motivo óbvio. Ele ganha mais como garoto de programa do que no trabalho em hotéis. O fruto do negócio transforma-se em investimento. Matheus divide as despesas de um apartamento com um sócio, junto de quem presta serviços a clientes fogosos e com muitos desejos reprimidos.

Os homens são seus únicos clientes. Eles se tornaram fonte de renda, mas não de prazer. “Todos me dão nojo”. Para encarar o serviço, Matheus não tem vergonha de dizer que usa medicamentos e estabelece uma comparação sexista para explicar esse mercado de trabalho. “Fazer programa é muito mais difícil pro homem que pra mulher. Mulher tem um buraco pronto, com ou sem tesão, o instrumento de trabalho dela tá lá. Já tive casos em que usei estimulante, já atendi senhores de 92 anos e é bem complicado mesmo, pode ter certeza. Mas, se tomar o estimulante não tem erro, você balança umas três vezes e pronto”.

Os clientes pedem diferentes fetiches, dos mais comuns aos mais estranhos. “Tem um cara que pede pra eu andar descalço na casa toda e depois lambe meu pé. Tem uns que pedem pra que eu cuspa dentro da boca deles. Tem muitos que gostam de apanhar. Mas, o campeão, é um que vem aqui e limpa a casa toda enquanto batemos nele. Depois que ele faxina tudo, ele entra no banheiro sozinho se masturba e vai embora”.

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Matheus é calmo, mas um tanto quanto desorganizado com a arrumação de casa. Ele gosta de Jazz, Rock e Blues e é ouvindo seus discos preferidos que passa o dia. Não atende mais que três homens por dia, por considerar cansativo e afirma não ter interesse de largar a profissão, por conta da rentabilidade.

Sexo, experiências e entrega a um mundo de prazeres e sabores, resume uma etapa da vida desse homem de estatura alta e um corpo normal. Ele se define bissexual e chegou a participar, antes de ser um profissional do sexo, de várias festas de orgia, nas quais “todo mundo era de todo mundo”, como salienta.

No entanto, fica um pouco confuso quando questionado quem é Matheus e quem é ele, talvez pelo medo de ser descoberto, ou por ainda não saber diferenciar o prazer da profissão, da vida simples do menino que vive com a família. “Matheus é um personagem.

Na verdade o Matheus não é um personagem. O Matheus sou eu, só que usando outro nome. Eu e o Matheus somos a mesma pessoa, não existe essa coisa de quando eu tô trabalhando eu sou outra pessoa. Pelo menos não comigo. Eu faço programa, não existe nenhum Matheus, esse é só o nome que eu escolhi pra preservar o meu verdadeiro.”

Matheus afirma ter sonhos que ele mesmo desconhece. Nem por isso abandona a busca constante para ser e se tornar algo que imagina para si mesmo. Enquanto isso não acontece, continua a satisfazer os prazeres de muitos homens em noites já não tão frias.

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Modelo - Damien Courteaux

Modelo: Damien Courteaux Fot贸grafo: Eduardo Gaio Assistentes de fotografia: Hugo Paul Collin Marina Farias

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cristal A morena do pecado 33

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la fala alto e gosta de dar gargalhadas. Mas seus olhos não conseguem esconder a tristeza de quem carrega o peso

do racismo. Cristal, pseudônimo para deixar o passado pouco translúcido, é filha de pai branco e mãe negra, o que lhe rendeu a “cor do pecado” – pele morena em tom de café, olhos negros e brilhantes.

Brilho marejado pela rejeição do pai, que não aceitava uma filha “preta”, como ressalta. “Foi uma infância muito sem amor, sem carinho. Papai nunca foi um pai... que sentasse pra dar um conselho, uma palavra amiga, não! Pelo contrário, só dizia que eu seria piranha, vagabunda. Apanhei muito também”.

Como praga que pega, as palavras do pai de Cristal se materializaram quando ela ainda era adolescente. Aos 14 anos, ela se engravidou e foi posta para fora de casa. Só que não ficou sozinha. A mãe da menina se separou para acompanhar a filha. “Meu pai me expulsou de casa, eu ficava na casa de um, na casa de outro, e minha mãe vendo aquilo, ela estava sofrendo, resolveu separar dele, e ai separou. Eu fui morar com minha mãe, ela me apoiou em tudo. Mãe é sempre mãe, né?!”.

Apesar da companhia materna, Cristal enfrentava muitas dificuldades financeiras, já que tinha de alimentar o próprio filho. E foi na orla de baiana de Porto Seguro, cidade natal dela, que Cristal encontrou uma saída para a falta de dinheiro. Ela conheceu um japonês que lhe convidou para trabalhar como prostituta. A proposta de uma vida fácil, foi tentadora. A jovem, de então 15 anos, aceitou o chamado e mudou-se para a mineira Juiz de Fora.

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O primeiro programa? “Horrível! Deu vontade de dar uma pesada na cara dele. Horrível! Horrível! Horrível! Foi assim… Combinamos e fomos pro quarto, ele pagou... Na época, acho que R$50,00. Era um dinheirão. Foi em Juiz de Fora, dentro da zona, que o japonês que me trouxe. Eu estava dentro da zona com documentação falsa.

Trabalhei lá um ano. Na verdade, eu pensava muito no dinheiro e na minha mãe. Eu queria ajudar minha mãe”, desabafa.

As primeiras vezes em que se deitou por dinheiro, Cristal lembra que chorava muito, virava o rosto e tudo que pensava era na possibilidade do cliente terminar rápido. O desejo de fugir, de não se deixar ser tocada surgia o tempo todo, mas não podia desistir, porque a necessidade do pagamento e a vontade de ajudar a mãe eram maiores do que seu desespero.

Sorridente e sempre bem humorada, ela conta que já fez de tudo um pouco. Chegou a se deitar com 15 homens em uma única noite.

Contudo, Cristal elege um programa como o mais bizarro. “Comecei a pagar um boq... pra ele, e estou chupando. Ai ele parou, olhou pra mim e disse: ‘estou com vontade de dá o c... pra você’. Eu falei: ‘não meu anjo, não seja por isso, vamos lá’. É minha profissão, mas assim, muitas das vezes eu sinto tesão. Porque tudo que é diferente eu gosto. Tudo que é diferente é bom”.

Nem tudo. Cristal confessa que já se intimidou quando um cliente lhe apresentou um fetiche inusitado. “Outra coisa que me pediram foi pra eu fazer xixi na cara dele, você acredita?! Eu senti um sentimento... nunca imaginaria eu fazendo xixi na cara de um ser humano. Na cara de um homem, você está entendendo. E quanto mais eu falava não vou conseguir, ele aumentava a proposta. Ai acabei mijando. Ele pagou R$250,00”, revela.

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Cristal também não descartou outras mulheres e confessa que até se envolveria sentimentalmente com uma pessoa do mesmo sexo. “Eu já fiquei, lógico! Tudo que é diferente é bom. Acho que poderia me apaixonar por uma mulher, com certeza. Porque eu acho que mulher entende mais a outra. E outra, a mulher em si não tem o p..., mais ela tem uma língua! Eu adoro uma chupada na b... doido, eu adoro! É bom demais!”.

Hoje, aos 32 anos, Cristal trabalha na boate “Capa de Revista”, zona na região de São João del-Rei. Experiente, procura levar com serenidade uma vida que, de fácil, só promessa. “Eu gosto, no começo não, mais foi passando os anos... Eu gosto, gosto do que eu faço, eu gosto de sentar no p..., eu gosto de dinheiro!”, declara.

Dinheiro que ajuda Cristal no uso de adjetivos para se referir a si mesma. Linda, gostosa, maravilhosa, guerreira são autoconferidos de uma mulher que encontrou na prostituição uma forma de conquistar seus objetivos e vencer as dificuldades que sua formação social lhe impôs.

Família

Cristal é mãe de quatro crianças que ela ama incondicionalmente.

Quando está em casa, ela adora cozinhar. Faz o que seus filhos mais gostam, batata frita. Ela também aproveita para atender os clientes que tem em Juiz de Fora. Mas deixa claro que em casa não entra homem. “É um lar e é sagrado”, afirma.

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O filho mais velho dela tem 15 anos. Ele sonha em ser policial, para ajudar e cuidar da mãe. “O de dez também quer ser polícia, mas é do BOPE. Ai, falo com ele: ‘Filho, você sabia que para ser polícia do BOPE tem que comer minhoca?’ Ele: ‘Não, então não quero ser mais mamãe’”.

Os filhos não têm conhecimento da verdadeira profissão da mãe. Ao sair de casa todas as quintas-feiras com destino a São João del-Rei, as crianças, que são cuidadas por uma babá, acreditam que a mãe é

cozinheira e faz marmitex para vender.

No entanto, Cristal não guarda segredo da mãe. “Ela ficou sabendo depois de uns seis anos que eu estava nessa, eu não aguentei e falei a verdade. Gostar, nenhuma mãe gosta, mas a vida é minha né?! Eu gosto da minha profissão. Adoro minha profissão, não sei viver... entendeu... sem homem. Não gosto de homem mais, só gosto de dinheiro. Aprenderam a respeitar. A vida é minha... independente...”.

Independência que Cristal faz questão de enfatizar. Abandonada pelo primeiro homem de sua vida, ela se compara a uma cachorra que fica prenhe na rua e logo se vê sozinha para cuidar da cria. Desacreditada do amor, ela busca um “patrocinador”, não um marido. Um homem que invista nela e que a dê um cartão de crédito ilimitado. Se não conseguir isso, pretende se aposentar na zona, com 60, 80 anos e em atividade. “Eu fui muito magoada, já tentei quatro vezes e não deu certo”.

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Ao se lembrar da infância, seus olhos ficam tristes e a expressão alegre dá lugar à dor que sente pelo tratamento diferenciado recebido do pai. Mas ela garante que não tem rancor. É a única dos quatro irmãos que o visita e o procura. Ela conta que ele já pediu perdão e se arrependeu. O próprio exemplo é combustível para Cristal. Ela sonha com os filhos grandes e formados e para isso topa qualquer desafio.

A única herança que pretende deixar ao filhos é uma educação sólida.

Cristal é assim. Uma mulher simples e feliz com a vida que tem.

Lutadora, cultiva sonhos e espera realiza-los. Apesar de nunca ter ido ao cinema, projeta a sua vida no telão, num estilo tragicômico com muita ação. Nessa viagem constante entre a realidade e a ficção, já até escolheu uma trilha sonora para estrelar o filme do qual é protagonista. Pelos versos “Amor de Colchão, do baiano Silviano Sales, Cristal se despede para começar mais uma noite de trabalho:

“Põe os pés no chão e siga o seu caminho.

Me deixa aqui, tô bem melhor sozinho.

Sabe que não dá certo a nossa relação, A gente só se entende em cima de um colchão.”

Silvano Sales

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Modelo: Marina Farias Fot贸grafo: Eduardo Gaio Assistentes de fotografia: Hugo Paul Collin Make-up: Yvye Nathalie

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Modelo: Julia Medeiros

Julia a princesinha da net 41

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o menino franzino, nasce a figura de uma mulher. Esculpido pelo prazer de sua alma feminina, a lagarta transformada em borboleta alça voo como travesti. Sim, ele, aliás, ela, forma pela qual prefere ser chamada, deixou seu passado masculino para se tornar a princesa das redes sociais, atendendo pelo nome de Julia Medeiros.

Seu perfil pode ser encontrado em um dos maiores sites de sexo de Juiz de Fora, tem 25 anos e corpo perfeito.

Quando pequeno, o garoto nem pensava em ser um profissional do sexo. Muito menos se montar como mulher. Não era de se enturmar muito com os meninos e nem gostava de jogar bola. Preferia a amizade das meninas, as brincadeiras de boneca e de casinha. Nem passava por sua cabeça que aquilo era algo que fugia ao convencional.

Foi somente na puberdade que ela foi se descobrindo. “É difícil à aceitação de si mesmo, eu fui à primeira da família, minha mãe não sabia como lidar”.

De classe média, Julia nasceu em Três Rios, Rio de Janeiro, mas aos oito anos se mudou para Juiz de Fora. Foi morar com os tios, irmãos de sua mãe. Na cidade da Zona da Mata Mineira, buscava melhores oportunidades de estudo. E só foi aos 14 anos de idade que começou a se descobrir homossexual. A internet foi uma grande aliada para o garoto entender as muitas curiosidades – e dúvidas – em relação à própria sexualidade.

Seu irmão mais velho é contra, o recrimina e não aceita o fato dele ter se descoberto homossexual e, mais tarde, tornado travesti. Segundo Julia, isso só complicou as coisas. “Na época em que me descobri gay, tinha o IRC (chat de relacionamentos), conheci pessoas adultas que se aceitavam e foi ai que comecei a ter outra visão da vida. O preconceito me incomodava, as pessoas me chamavam de veadinho na rua. Só aos 18 anos foi que eu descobri que se eu fosse discreto, 42

ninguém me encheria o saco, e se mexessem comigo, eu responderia com algum defeito visível e estávamos quites”.

Hoje, sua mãe, lida tranquilamente com as escolhas e vontades da filha que um dia foi um garoto. “No início foi difícil porque ela não sabia como lidar com a homossexualidade. Mas depois se acostumou”.

Dos 18 para os 19 anos, ela começou a se montar como drag queen, dando vida a um personagem caricato para alegrar as noites de diferentes cidades. Mais tarde, transformar-se-ia em uma verdadeira mulher. Fazia isso mais por diversão, como uma forma de colocar para fora o sexo reprimido e a vontade de sorrir, mesmo com todo preconceito que sofria por ter se assumido gay.

Mas só aos 22 anos que ela encarou a sua condição de forma mais aberta, percebendo-se de fato com um espírito feminino. Da alma surgem as primeiras mostras do pensamento de uma mulher dentro do corpo de um homem. Nessa mesma época ela decide virar travesti e vai participar de um dos maiores concursos de beleza do Brasil, o Miss Gay Juiz de Fora. O físico ainda masculino recebeu doses altas de hormônios femininos. “O corpo foi modificando e as vontades foram mudando, confesso que tenho um leve grau de ninfomania (apetite sexual excessivo)”.

Ela conta que a única modificação que fez no corpo foi colocar próteses de silicone no peito, além das doses hormonais, mas mentalmente muitas coisas mudaram. A principal delas foi sua atração somente por homens heterossexuais.

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A vida como garota de programa começou com a necessidade de sexo. Ela morava com a mãe e não tinha um local onde pudesse satisfazer seus desejos, o que a deixava estressada. “Eu esperava ela dormir, me montava e ia pra esquina da rua onde eu morava.

Naquela época, a vontade era bem maior que hoje em dia, porque o hormônio feminino me faz perder a vontade de sexo”.

Sua carreira como garota de programa foi natural, nunca se sentiu na obrigação de ser uma profissional do sexo. Loira e com uma tatuagem no ombro esquerdo, relata não recordar como foi seu primeiro programa. “Sei que não trabalhava, queria dinheiro para poder sair, mas não queria trabalhar em caixa de mercado. Não tive medo. Fui sabendo o que estava fazendo e na rua é mais fácil, porque você olha para a cara do cliente e dá o preço que quiser”.

Mas Julia trabalhou por pouco tempo nas ruas, logo conheceu um rapaz e se casou, morou dois anos com ele na cidade litorânea de Cabo Frio. “Voltei em março de 2013 e voltei com programa, quando consegui alugar um apartamento no centro, em setembro do mesmo ano”.

Nunca se arrependeu de ser prostituta, mas pretende estudar e ter outra profissão. No entanto, Julia continua fazendo programa, porque gosta, porque consegue um rendimento melhor. “Não tenho contado ultimamente porque está fraco, os meses que anoitei deram de três a cinco mil reais. Não trabalho à noite, só durante o dia, no meu apartamento. Não vou mais para a rua, fui só no inicio. Hoje, só atendo os clientes que me procuram no site. Como o movimento está fraco, eu estou tirando uns dois a três mil por mês”.

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Ela não costuma realizar fantasias, apesar de reconhecer que fetiches aparecem aos montes. “Sou chata para essas cosias, gosto de sexo normal, mas já dei para um cara que estava usando salto e já comi um com lingerie, mas não vejo graça. O de salto nem ligo, é fantasia leve, eu acho engraçado. Já o outro, que colocou lingerie e era passivo, achei ridículo, prefiro que ele procure um psicólogo, esse eu anoto o telefone e não atendo mais. Esses dias no chat, um cara perguntou quanto eu cobrava para cagar no pau dele, a pessoa, pra chegar nesse ponto, ela não tem um psicológico muito centrado”.

Julia deixa claro, em seus anúncios pela internet, as preferências que tem e faz questão de pontuar que não faz o papel de ativo. Seus clientes são em grande maioria casados. “Vivemos em uma sociedade hipócrita, na qual os homens precisam formar família para mostrar que são normais, eu apenas uso disso para ganhar dinheiro. Mesmo os solteiros, veem nós travestis como objeto sexual, não querem namorar e assumir pra família. Poucos têm essa coragem, então cobro. Não tem amizade, não tem sentimento e nem valor algum”.

Rotina e sonho Durante a manhã, ela gosta de cuidar do corpo, que é o instrumento principal do seu trabalho. À tarde, Julia está em casa à espera dos clientes. Nos fins de semana, é ao ritmo do sertanejo que ela se entrega. Usa do momento para relaxar. Ela descarta as baladas homossexuais. “O meio gay é meio podre. Nunca me senti bem em baladas gays quando eu era menino, porque a discriminação é bem maior”.

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Ela que se sente transexual, apesar de não ter feito a mudança de sexo, conta que a família não estranhou muito os jeitos afeminados e as roupas apertadas e curtas: “Com a transexualidade, ela foi mais tranquila, porque eu já tinha 24 anos, passei segurança pra ela. Eu fiz a mudança (aplicação de silicone) enquanto estava casada lá em Cabo Frio. Quando vim em Juiz de Fora, no Natal, vestida de menina, foi meio estranho o primeiro contato com a família, mas todos já sabiam que eu fazia show. Aceitaram numa boa”.

Júlia não tem intenção de se casar outra vez. Família? É algo que perdeu o sentido faz muito tempo. Amor só o de mãe, esse é o único em que ela confia, porque no de um homem ela deixa bem claro que não acreditar mais. Filhos não é algo que ela deseja ter, e finaliza “o cara, para ficar comigo, agora vai ter que aceitar eu fazer programa e nada de morar junto mais”.

E é assim que Julia Medeiros, uma garota simpática, que gosta de pessoas inteligentes e principalmente de conversar com elas, despede-se para mais um dia de trabalho e de beleza, porque foi durante uma seção, em um salão de beleza de Juiz de Fora, que ela contou sua história. O local preferido dela. Ao fim da entrevista confessa o sonho de ir morar em Paris. Juntar dinheiro para voltar e ter seu próprio salão.

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Modelo: Julia Medeiros Fotos feitas e sedidas pela entrevistada.

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duda Novinha do poder 49

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paisagem rural de Santa Rita do Suaçuí não era sinônimo de tranquilidade para a menina que sonhava em ser professora.

Ela sofria com a doença da mãe, uma perfuração no intestino lhe ameaçava a vida. A morte iminente obrigou Duda a se transformar em uma dona de casa. Além dos afazeres domésticos, cuidava dos dois irmãos e do pai. Com o agravo do estado de saúde da mulher, a família de Duda juntou os pertences e foi embora para a capital Belo Horizonte (BH).

A melhora da mãe de Duda não foi suficiente para que a paz voltasse.

O pai era alcoólatra e sempre se envolvia em confusões. “Ele bebia demais, demais! Só que meu pai não batia na gente, era uma ótima pessoa sã! Fazia almoço, fazia janta, sempre cuidou de nós. Mas ele bêbado era uma pessoa muito ruim, tipo assim, caçava confusão com todo mundo, ele não queria nem saber, quando estava alterado.

Você poderia ser o cara mais ruim do mundo, que se ele tivesse que pegar essa faca pra te matar, ele te matava”, lembra Duda.

A situação ficou mais complicada quando Duda já tinha 19 anos.

Apaixonada por um traficante, se entregou a um romance perigoso em BH. “Ai, depois disso, nunca mais eu pude ficar com outras pessoas. Ele falava assim: ‘Você quis ficar comigo, agora você não pode ficar com mais ninguém’. Eu pertencia a ele. Só podia trabalhar.

Eu não usava droga, apesar de namorar com ele. E ele tinha a mulher dele, tinha a vida dele”.

O namoro bandido desagradou o pai de Duda, que acabou engrossando a lista de pessoas desaparecidas. “Meu pai sempre procurava confusão com o rapaz que eu namorava. Até que um dia ele pegou e consumiu com meu pai. Depois que ele consumiu com 50

meu pai, minha mãe não quis ficar lá em casa mais. Nós pegamos e fomos embora, abandonamos nossa casa. Era uma casa grande, minha mãe tinha bar, tinha salão, nós tínhamos uma vida boa. Ai nós saímos e fomos morar no Rio de Janeiro”.

Do Rio de Janeiro, Duda resolveu ir morar em Londres, na Inglaterra, onde um de seus irmãos já se encontrava estabelecido.

Mas a convivência entre os dois não deu certo, e Duda foi posta na rua. Em trânsito pela Europa, encontrou uma amiga em Torino, Itália. Com os ares mediterrâneos, a jovem logo seria apresentada ao mundo do sexo pago. “A gente estava arrumada pra sair, a irmã dela estava com o namorado. Ai, até então, eu não sabia. Eu entrei no quarto da minha amiga e vi um monte de foto sensual, só que tipo, uns quadros. Perguntei nada não. O telefone dela tocou, era um cliente que queria duas meninas. Só que tinha que ir na casa dele. A irmã dela não podia ir porque estava namorando. Minha amiga me disse: ‘ô nega, vamos comigo, você está precisando de dinheiro, seu irmão deixou você ai. Vamos comigo e tal...’ Eu disse não. Mas ela continuou pedindo: ‘Você não vai fazer nada não e é bom que você ganha um dinheirinho’”, conta.

Sozinha e desamparada, a morena que não conhecia ninguém a não ser as pessoas com quem morava, cedeu aos pedidos da amiga brasileira, que conhecia desde pequena. “Ai, quer saber, eu vou. Ai nós fomos”. O namorado da irmã deu carona pra as duas até a casa do cliente, um DJ conhecido, que segundo Duda era novinho, por volta dos 24 anos. “Minha amiga falou: ‘você só tira a roupa, não precisa fazer nada não, deixa só ele pegar nos seus peitinhos que tá bom’”.

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Acompanhada pela amiga, Duda, ainda tímida, sente-se insegura em seu primeiro programa, mas cede. “Minha amiga é bem morena, peituda. Ai chegando lá, a gente tirou a roupa, fiquei peladinha, ele chamou nós pra ‘ir’ no banheiro. Lá, todos os banheiros têm banheira, ele deitou na banheira e pediu pra mijar nele. Minha amiga falou: ‘fica aqui Duda, não precisa fazer isso, só finge’. Ai minha amiga mijou nele. Ele deu €150,00 pra ela e €150,00 pra mim”.

Depois disso, sob a tutela de um cafetão, a quem pagava €70,00 diários, Duda passou a integrar anúncios em catálogos de sexo. Com isso, ela conseguiu rodar por vários países europeus, oferecendo diversão e prazer para os homens sedentos por sexo. Mas, depois de um ano na Itália, Duda se cansou de explorada por agenciadores e resolveu voltar para o Brasil, para o amor da mãe e o aconchego da família.

O retorno foi facilitado pelos contatos que a amiga de Torino mantinha em terras brasileiras. Ela recebeu o telefone de uma dona de bordel em Minas Gerais, com quem combinou serviço. “Ai eu peguei vim embora, cheguei liguei pra amiga dela e comecei a trabalhar em Varginha, no Sul de Minas, a primeira boate que eu trabalhei. Oh, lá era muito bom pra trabalhar, mais era muito, muito frio. Lá eu ganhei muito dinheiro, assim, pra gente que perdeu tudo. Eu ajudei a minha mãe a construir, ela comprou um lote em Contagem. A gente construiu a casa de baixo e construiu a casa de cima. Tudo com dinheiro do meu trabalho”.

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Trabalho que a tornou precavida. Ela não se deixa levar por desejos de clientes que querem sexo sem camisinha, “só faço usando minhas ferramentas de trabalho: gel e camisinha”. Duda também só fica com homens que não apresentam sinais de embriaguez ou de alterações por uso de drogas. A experiência e o convívio na noite fizeram dela uma mulher cuidadosa.

Prova disso é que sente medo de ser morta ou agredida durante um programa. “Devido ao que aconteceu comigo, esse negócio que eu namorei traficante e tal, e a morte do meu pai. Eu tenho medo desse tipo de pessoa, tenho medo... não que eu deva nada pra eles, mais eu tenho medo. É uma pessoa boa pra você conversar, mais qualquer coisa que você fizer, um pisão no pé pode te matar, eles não dão valor à vida”.

Mas a volta para a casa abriu novas possibilidade. Ela garante que larga a prostituição este ano. Ela afirma que este é seu último ano, agora que é motorista e tem uma casa, junta dinheiro para conseguir comprar mais um imóvel e fazer um aluguel, uma renda mensal, por meio da qual ela possa ficar tranquila e se dedicar aos estudos. Mas deixa claro que se precisar voltar, ela não vai pensar duas vezes. “Eu tenho vontade de sair, este ano é meu último. Eu não falo que nunca mais não. Se eu precisar, eu vou voltar”.

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O futuro profissional? Duda sonha em se dedicar às crianças.

Pretende ingressar na carreira do magistério. O que ainda não fez já que a vida noturna rouba toda a energia que poderia dispor para o aprendizado. Reservada, tímida, um pouco desconfiada, gosta de se imaginar como uma educadora infantil. Além das salas de aulas, Duda sonha com uma fazenda para passar o tempo livre, descansar da vida de luxúria que leva ao lado de um grande amor.

Ao refletir sobre o que ganhou com a prostituição, Duda desabafa que tudo foi muito difícil. “É um dinheiro que vem rápido, mas não é fácil não, porque aguentar esses homens sujos, fedorentos, gordo, velho, que resmungam na cabeça da gente, não é fácil. A gente tem que ter um psicológico muito bom pra falar com eles. É um dinheiro que vem fácil, mas não e fácil não, porque você ficar debaixo de uma pessoa que você não gosta né fácil não”.

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Modelo: Isis Ferreira Fot贸grafo: Eduardo Gaio

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Modelo - Ruby Rivieira

Ruby uma mulher de alma 57

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á algum tempo ele, ou melhor, ela, encontrou na prostituição uma maneira de se rebelar contra seus próprios medos e inseguranças. Influenciada por uma amiga, Ruby Rivera começou sua vida no mundo do sexo no trevo do Elói, que dá acesso à cidade histórica de São João del-Rei, em um trecho da BR 265.

Ela tem uma personalidade forte e definida, talvez um dos motivos para isso foi ter se descoberto homossexual e entendido o que queria desde muito cedo “Ai minha vida na infância eu sempre... já sabia assim que tinha uma coisa diferente, que eu não gostava de mulher. Eu gostava era de homem mesmo, tanto que, assim, meus brinquedos de menino, eu quebrava porque não gostava. Eu gostava era de brinquedo de menina, era boneca essas coisas. Ai eu ia até pra casa da minha vizinha e brincava com os brinquedos dela que eram brinquedos de menina”.

A infância de Ruby foi de descobertas, por se sentir diferente dos irmãos, vizinhos e amigos. Já a família fingia que não tinha nada de errado. “Pode assim até saber, ter certeza, mas finge de cego, que não vê. Mas eu acho que... eu sempre dei na pinta e dava para perceber que eu era assim”.

O preconceito segue o garoto desde quando se sentiu em um corpo que não o pertencia. Com alma feminina, teve que ser forte para enfrentar todos os tipos de repressão que sofreria.

“Quando é homossexual, a gente mesmo se condena, porque você vê que tem coisa diferente. Ai na escola eu pastei muito, porque na escola era piadinha que você ouvia. Aiii é bichinha!

Ah o veado! Ai engrossa a voz! Ai não sei o que... Mas ai, graças a Deus, eu superei e passei por cima disso, igual eu faço até hoje”.

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De cabelos à Chanel, Ruby revela que seu primeiro programa aconteceu no final de 2004 quando ainda tinha 17 anos. Ela confessa que sentiu medo por ter sido em uma rodovia. Medo do desconhecido, do tipo de cliente que poderia encontrar, mas não foi capaz de deter a curiosidade e o anseio por uma vida melhor prometida pela amiga.

Ela afirma que se sentiu horrível, que fez sexo com um caminhoneiro que a pagou R$20 pelo trabalho. “Mas ai até você acostumar, não é fácil essa vida não. Nossa eu me senti um lixo, porque eu não concordava com isso de vender o corpo assim, só que eu cai em uma fase que... de adolescência. Eu sempre fui meio rebelde na adolescência, talvez nessa questão de ser homossexual e ter que ficar escondendo até... porque eu me assumi quando tinha uns 16, 17 por ai. Ai é até hoje”.

Iludida com a possibilidade de ganhar muito dinheiro e com promessas de pessoas que ela define como uma amizade negativa, Ruby se entregou à vida escura das estradas, na tentativa de se fazer conhecida e de lucrar com a venda do corpo. “Eu já caí muito nisso de ir pra fora, ai vai a pessoa, vai e faz. Ai vem e te engana falando assim, que você vai ganhar mais dinheiro e não é bem assim”.

Mulher no seu interior, ela já viveu em outras cidades como Rio de Janeiro e Contagem. Mesmo nessas localidades, Ruby revela que a realidade não é a que muitos imaginam, de glamour e vida fácil. “Você corre muito mais risco, ainda mais nós que somos travestis”. Segundo ela, o preconceito é bem maior, principalmente para aqueles que se expõem nas ruas. “Você sai 59

com a pessoa e não sabe a intenção dela. Em Contagem, já me jogaram pedra. Nas duas semanas que eu fiquei lá, me jogaram ovo, isso lá na via expressa, onde é uma avenida que tem ponto de prostituição de travesti. É... jogaram pó de extintor de incêndio. O que eles tiverem eles jogam. É uma agressão gratuita, por nada”.

Filha de duas mães, a biológica, que a criou até os sete anos, e a adotiva, com quem vive até hoje, Ruby é considerada um símbolo do mundo LGBT ( Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trangêneros) na região do Campos das Vertentes.

Ela credita isso a sua família, que a apoia e à aceita. “Tipo assim, eu mostrei que era o que eu queria, que era o jeito que eu queria andar. Igual hoje, eu ando de mulher direto e eles me respeitam. É aquela coisa, pode não aceitar a sua condição, mas respeitam”.

Ruby gosta de estar sempre bem vestida e maquiada para atender aos muitos tipos de clientes, uns que a buscam apenas para conversar, outros por fetiche, que ela relata não entender muito os motivos que os levam a procurá-la. “Eu mesmo, como travesti, não entendo direito, porque eu já fiquei com homens que tinham uma mulher até bonita, casado e que saiu comigo. Talvez assim, porque pelo travesti ter... ser a mulher no corpo de homem, ter a aparência feminina e o mesmo órgão que eles têm. Eu creio também que eles são... a maioria são homossexuais, só que não se assumem por medo de preconceito também”.

Ela revela que muitos são passivos no sexo e que na maioria das vezes não entende os desejos de seus clientes. “Alguns, quando estão tendo relação com a gente, quer que a gente se masturbe, outros já são ativos, só que eles fazem sexo oral na gente, é difícil 60

tentar entender a cabeça da pessoa na hora, porque cada um quer uma coisa. Já teve cliente que passou no pênis recheio do sonho de valsa e jogou Coca-Cola e era para eu fazer sexo oral nele”.

Ela se sente uma mulher protegida por Deus e de crenças católicas. “Eu fui sair com um cliente, ai eu estava lá parada no trevo, ele passou a pé, eu peguei e fui, acho que ele estava até alcoolizado. Ai quando vê, foi pro meio do mato mesmo. Pegou e fez o programa e depois me falou assim: pera ai que eu já volto. Ele sumiu, para não pagar né. Nesse dia, eu fiquei com medo, porque eu estava no escuro, no mato e tinha até cachorro latindo, eu pense: ai era só o que me faltava, porque eu ainda estava de salto, vir e me morder né. Mais ai, graças a Deus, nunca aconteceu nada não até hoje”.

Pelas contas de Ruby, de cada dez homens com quem ela fica, oito são passivos. Isso não é nada fácil para ela, já que se sente completamente mulher num corpo masculino. A primeira vez da travesti como ativo sexual não foi nada agradável. Até hoje ela não gosta da prática, mas desabafa que teve de se acostumar.

Mas, se ela tem a oportunidade de ser somente a “mulher” da relação, ela prefere e se sente realizada.

O sonho de Ruby é ter uma loja de produtos eróticos, não depender de mais ninguém e nem ter que se vender para conseguir dinheiro. Outro sonho é se tornar de fato uma mulher e ter condições de colocar peito e fazer a operação de mudança de sexo.

Instruída e estudada, Ruby se emociona ao dizer o quão difícil é se assumir e conseguir um emprego como travesti. “Para trabalho, 61

ou é em salão como cabelereiro, manicure ou maquiador, ou é programa, porque não tem muita opção. Você pode ter curso, ser inteligente, estudar. Igual eles elogiam muito a minha letra, mas não conta nada. Não conta assim, vou supor, ai você trabalha em uma empresa, mostra aquela vontade de crescer, eles não veem isso, eles só veem o lado negativo. Eles colocam travesti como a baixaria, a prostituição. Eles só veem o lado negativo da pessoa, não veem positividade em um travesti, em nenhum aspecto”.

Ela acredita que com mais educação alinhada à instrução, as pessoas possam mudar suas ideais com relação ao travesti e às minorias. Em um futuro próximo, ela Ruby acredita que não será vista como uma aberração, ou apenas como uma boneca sexual que aqueles que pagam possam usar. Ela sonha em ser reconhecida como uma pessoa que possa ser tratada igual as demais e ter seus talentos reconhecidos e valorizados.

Ela ainda crê ser capaz de amar, de se entregar a uma única pessoa. Ruby é uma menina cheia de sonhos e aspirações, louca por sertanejo universitário se declara fã de Cristiano Araújo e é com um trecho da musica “Delírios”, da compositora Paula Baluart, que ela se despede. “Me leva contigo, me da um abrigo no seu coração. Abra aquele sorriso, vou pro paraíso no segundo com essa emoção.”

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Modelo: Ruby Riviera Fot贸grafo: Eduardo Gaio

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“Papai nunca foi um pai... Pelo contrário, só dizia que eu seria piranha, vagabunda.”

Cristal

“meu irmão tentou me violentar, pegou a tesoura, cortou minha calcinha pra tentar me estuprar, isso ai foi a crise da família. ” JÉssica

Considerada uma das profissões mais antigas da humanidade a prostituição tem passado de geração a geração, sobrevivendo a muitas sociedades e ao preconceito, além de ser considerada por alguns sociólogos um dos pilares de manutenção da ordem social é apontada por muitos leigos como sendo a profissão de “mulheres de vida fácil”, o livro “Pedras de Geni”, através das ferramentas da Comunicação Social, dá voz aos profissionais do sexo que muitas vezes são incompreendidos pela sociedade.