Moça, me dá uma rosa? Poesia de Mário Barreto França Era um triste contraste aquele, distinguido Numa encosta escarpada e num vale florido: Lá no morro, o barraco ao vento se inclinava; No vale, um palacete, entanto, se enfeitava De rosas, de jasmins, de pássaros joviais Que adejavam, cantando, os lindos roseirais... O barraco de zinco e o bangalô de pedra - Onde a miséria mora e onde a fartura medra – Eram naquela parte estreita da paisagem Antônimos cruéis que, na louca voragem Da vida singular, excêntrica ou profana, Confundem na incerteza a indagação humana... Qual a causa que leva um dia a Onipotência A dar rumo diverso a cada uma existência, Que às vezes se coloca em destaque chocante, Como revolta muda ou protesto gritante? Por que, sem ter noção ainda do pecado, Há de nascer alguém surdo, cego, aleijado? Por que será, meu Deus, que, pobre e sofredor, Se arrasta, muita vez, quem só pratica o amor? E o eco repercute, ao longe, os brados meus: - Para ser manifesta a grandeza de Deus! No casebre de zinco, um garoto pretinho Vivia a contemplar das palhas do seu ninho, Lá embaixo, ao sopé do morro proletário, O formoso jardim do seu sonho diário Que, à sua alma infantil de ingênuo espectador, Representava o céu numa festa de flor. Numa certa manhã de ensolarado brilho, O garoto desceu do morro, maltrapilho, E ficou enlevado, a contemplar, assim, O viço tropical de tão belo jardim... Como era tudo ali cromático e festivo! Porém aquela flor, de rubro muito vivo, Exercia sobre ele uma fascinação, Que a mundos irreais sua imaginação Levava a percorrer em vôos de magia, Nas asas alvi-azuis de sua fantasia...
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E, nesse doce enlevo, angélico semblante Ele descortinou, olhando-o fascinante, No veludo-cristal da corola formosa Daquela rubra flor, daquela linda rosa... E, a seu ávido olhar, a aparição amada - Anjo, deusa ou visão de algum conto de fada Saiu da inspiração de um sonho rosicler, Para se revelar simplesmente mulher: Jovem, de olhos azuis e loira cabeleira - Nova Branca-de-Neve ou Gata Borralheira... E por isso ensaiou um pedido inocente: - Moça, me dá uma rosa, uma rosa somente!... Mas a jovem falou com desprezo invulgar: - Vá embora daí! Não torne a importunar! O garoto ficou ainda um pouco parado; Depois, triste, baixou os olhos, humilhado, E saiu arrastando os pés, devagarinho, Pela esteira sem luz do seu pobre caminho. Como lhe pareceu tão mau e injusto o mundo; Sufocou na garganta um soluço profundo, Numa interrogação que ficou sem resposta: - Por que, por que de mim essa moça não gosta? Por que ao desgraçado aqui se nega tudo, Até mesmo uma rosa? ... uma rosa?!... Contudo Tão pouco ele queria! E esse pouco, entretanto, Lhe negavam sem dó, para aumentar-lhe o pranto... O mundo é sempre assim: esconde a mão ao pobre, Para fartar na orgia os caprichos do nobre! No outro dia, bem cedo, às grades do jardim, O garoto de novo estava a olhá-lo, assim: Na ânsia de retratar na alma sentimental O quadro multicor daquele roseiral, Para poder sentir, dentro da própria vida, O sonho irrealizado, a glória inatingida... Quando a jovem surgiu de novo, entre os canteiros, Seus olhos outra vez brilharam prazenteiros, E cheio de esperança, à jovem tão formosa,