O que Aristóteles pensou sobre o lugar

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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Christiano Lyra Filho – José A. R. Gontijo José Roberto Zan – Luiz Marques Marcelo Knobel – Marco Antonio Zago Sedi Hirano – Silvia Hunold Lara Coleção Multilíngues de Filosofia Unicamp Diretor da Coleção Fausto Castilho Comissão Editorial Bento Prado(†) – Fausto Castilho Franklin Leopoldo e Silva – Oswaldo Giacóia Júnior – Eduardo Guimarães Assistente Alexandre Guimarães Tadeu de Soares

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Henri Bergson

O que Aristóteles pensou sobre o lugar Edição em latim e português

Tradução

Anna Lia A. de Almeida Prado Revisão técnica

Rosalie Helena de Souza Pereira

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ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação B454o

Bergson, Henri, 1859-1941.

O que Aristóteles pensou sobre o lugar/ Henri Bergson; tradução: Anna Lia A. de Almeida Prado. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013.

(Multilíngues de Filosofia Unicamp) Texto em português e latim.

1. Aristóteles. 2. Filosofia moderna. 3. Filosofia antiga. 4. Física. I. Anna Lia Amaral de Almeida Prado. II. Título.

cdd 185 190 530 e-isbn 978-85-268-1143-0 Índices para catálogo sistemático:

1. Aristóteles 2. Filosofia moderna 3. Filosofia antiga 4. Física

185 190 185 530

Título original: Quid Aristoteles de loco senserit Todos os direitos reservados.

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sumário

Nota prévia.........................................................................................................................................

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Prefácio.. ................................................................................................................................................

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I – Argumentos com que Aristóteles estabelece a existência do lugar....... 15 II – Dificuldades que, segundo Aristóteles, ocorrerão aos que discutem sobre o lugar.. .....................................................................................................................................

25

III – Que ordem Aristóteles observou ao refletir sobre a natureza

do lugar.................................................................................................................................................

37

IV – Como Aristóteles distinguiu o lugar da matéria e da forma do corpo.. ..............................................................................................................................................

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V – Razões pelas quais Aristóteles julgou que o lugar não é um

intervalo vazio, e que de nenhum modo se pode entender um espaço vazio. . ......................................................................................................................................

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VI – Como Aristóteles circunscreveu o lugar com uma definição

dialética.................................................................................................................................................

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VII – Dificuldades em que tropeça a definição aristotélica de lugar........... 127 VIII – Como desatar o nó.. ....................................................................................................... 135 IX – Origem e significação da doutrina de Aristóteles sobre o lugar;

relações com sua doutrina metafísica e física. Por que a maioria tratou do espaço, mas Aristóteles, do lugar..................................................................

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nota prévia

A presente edição bilíngue da tese latina Quid Aristoteles de loco senserit [O que Aristóteles pensou sobre o lugar], que o jovem Henri Bergson defende na Sorbonne em 1889, inaugura a série bergsoniana da Coleção Multilíngues de Filosofia Unicamp.

Esta edição, nós a propomos como uma singela homenagem póstuma a Bento Prado. Desde sempre Bento integrou a comissão editorial da coleção e, em mais de uma oportunidade, considerou conosco a possibilidade, que a ele se afigurava como uma inadiável necessidade, dessa iniciativa. Além de acreditar que da tradução da tese deveria incumbir-se sua irmã, a doutora Anna Lia de Almeida Prado, professora da USP. Tal como ocorreria.

Foi entre 1883 e 1888, quando docente do liceu Blaise Pascal, de Clermont-Ferrand, que o jovem normalien redigiu suas duas teses: a tese latina sobre um tema constante do livro delta da Física de Aristóteles e a tese principal intitulada Essai Sur Les Données Immédiates de La Conscience [Ensaios sobre os dados imediatos da consciência], que logo se imporia como um dos marcos da filosofia contemporânea.

Duas palavras acerca da tese sobre Aristóteles. Bergson procura iden­ tificar a origem e mostrar a função da teoria do lugar, considerada como subs­titutiva da teoria do espaço, predominante nos modernos. Para fazê-lo, o jovem filósofo inclui em sua pauta de discussão Leucipo e Demócrito, entre os gregos, e Kant e Leibniz, entre os modernos.

Fausto Castilho

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O QUE ARISTÓTELES PENSOU SOBRE O LUGAR

H. BERGSON EX-ALUNO DA ESCOLA NORMAL

TESE APRESENTADA À FACULDADE PARISIENSE DE LETRAS

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O QUE ARISTÓTELES PENSOU SOBRE O LUGAR

PREFÁCIO

Aristóteles, embora, no quarto livro de Physicae Auscultationes, lá e cá, tenha feito algumas observações pouco claras sobre o lugar, em nenhuma passagem tratou de modo articulado e claro daquilo que entendemos como espaço.

Assim sendo, valerá a pena reproduzir, palavra por palavra, seus mais difíceis pensamentos e, desse modo, colher uma definição do lugar para que se tornem claras a percepção recôndita e a sequência de razões que o levaram a essa doutrina, pela qual, substituído o espaço pelo lugar, aquelas controvérsias que julgamos pertinentes principalmente ao espaço, aparentemente mais evitou que dirimiu. O principal, porém, é que vejamos o que realmente Aristóteles pensou sobre o lugar. Se nisso tivermos êxito, o restante se fará transparente1.

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Brandis tratou da definição aristotélica do lugar (Aristóteles, II², pp. 739-51); isso fez, porém, de maneira que mais parece enumerar e resumir os argumentos aristotélicos que elucidá-los. Ed. Zeller abordou a questão de modo elegante, mas, levemente, sem demorar-se nas dificuldades do tema (Philos. der Griechen, 3a ed., II², p. 398). F. Revaisson tra­tou pouco do assunto, fazendo poucas, mas preciosas observações sobre o tema (Métaphysique d’Aristote, vol. I, pp. 565-6). Wolter descreveu algumas partes livro IV em sua ordem (De spatio et tempore, quam praecipua Aristoteles ratione habita. Bonn, 1846).

Como, porém, quis acomodar a definição de lugar com a nossa filosofia, foi levado a afirmar que Aristóteles tratou não só do lugar, mas também do espaço, erro que toda a nossa argumentação refutará. Ule comparou a doutrina aristotélica com a kantiana (Untersuchung über den Raum und die Raumtheorie des Aristoteles und Kant. Halle, 1850).

Para resumir esse opúsculo, Ule pretende que o espaço aristotélico é uma “substância” interposta entre o mundo e Deus; nada encontraremos mais incompatível com o pensamento aristotélico.

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I

Argumentos com que Aristóteles estabelece a existência do lugar

Em primeiro lugar, Aristóteles confirma com muitos argumentos que a existência do lugar é algo bem determinado. Alguns desses argumentos, que não estão de acordo com o resto de sua doutrina, são um tanto obscuros. A questão se resolverá, porém, se observarmos que Aristóteles trata menos de sua própria opinião que da opinião vulgar. Da natureza do lugar, tratará em outras obras. Por agora, trata-se só do seguinte: ninguém pensa, ninguém fala, mesmo que diga ou pense o falso, que não reconheça a existência do lugar.

De todas as coisas, quaisquer que sejam, dizemos que estão algures.

Embora, pelo uso, conheçamos muitos gêneros de movimento ou mutação, verdadeira e propriamente chamamos movimento o que diz respeito ao lugar1.

Aliás, corpos que se sucedem uns a outros já são testemunho suficiente de que, sob eles, há uma cena imóvel à qual chegam uns após outros2. Lá onde havia água, aí haverá ar, por exemplo, depois, outra coisa lá estará. Isso,

1 2

Physica IV, 208 a 29; cf. Physica VIII, 260 a 25; Physica VIII, 261 a 27.

Physica IV, 208 b 1.

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de modo algum, seria possível, se o lugar se confundisse com coisas nele inclusas. Essa argumentação, que Aristóteles usou frequentemente, será bem entendida, se considerarmos a água contida num vaso. Enquanto lá permanece, de tal modo ela parece estar apegada ao vaso que (poder-se-ia pensar) do vaso e da água algo único pode vir a existir. Se, porém, o ar substituir a água, como o vaso não pode confundir-se com a água e com o ar, necessário é que se distinga de um e de outro. “Mas”, dirá alguém, “a questão principal é saber se o lugar pode ser comparado a um vaso ou outra coisa existente por si mesma”. Será que Aristóteles, ao usar essa comparação como argumento, não prejulga seriamente o que está em debate? Aristóteles incorreria, sim, nesse crime, se já estivesse expondo sua causa. Na realidade, porém, nada faz senão citar como testemunha o senso comum que, cada vez que declara que o ar vai para onde estava a água, com essas palavras indica certa semelhança do lugar com o vaso.

Não interpretaremos de modo diferente o argumento que Aristóteles tira do movimento dos corpos naturais e simples: “Como tudo que é ígneo tende para o alto e o que é terreno para baixo se não houver impedimento, necessário se faz não só que o lugar seja algo, mas que também pareça ter alguma força”1. Aristóteles não só excluirá do número das causas o lugar2, mas também explicará um pouco abaixo como, sem que sejam impelidos ou atraí­ dos por uma força, os elementos são levados ao lugar próprio3.

1

Physica IV, 208 b 8.

Physica IV, 209 a 20.

3 Physica IV, 215 a.

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O que Aristóteles pensou sobre o lugar

Chegamos, portanto, à conjectura de que aqui se trata menos da opinião de Aristóteles que da opinião vulgar.

Não só o mais alto e o mais baixo, mas também as outras oposições, direita, esquerda, frente e atrás, a própria natureza as definiu com leis fixas1.

Essas diferenças parecem acomodar suas determinações ao nosso bel-prazer, como acontece frequentemente, já que, mudada a posição de nosso corpo, passa a estar à nossa frente o que estava atrás, ou à direita, o que estava à esquerda, ou mais alto o que estava mais abaixo. Entretanto, como, para certa região — que, sobranceira ao mundo, fica mais acima —, se nada impede, vai-se esvoaçando o que é do fogo e é leve, e o que é da terra e é pesado é levado por um movimento contrário, é preciso que diferenças desse tipo não só digam respeito à posição de nosso corpo, mas existam por si e mantenham uma ordem estável no mundo2. Bem claro ficará isso, se nós nos reportarmos ao segundo livro de De Caelo3 e ao primeiro de De generatione animalium4, ou ainda ao De Motione Animalium que, embora não escritos por Aristóteles, transmitem o pensamento aristotélico5. Daí se pode concluir que não há direita ou esquerda, em cima ou em baixo, diante ou atrás, a não ser para o ser animado porque, tendo ele um centro

1

3

4

5

2

De Caelo I, 271 a 26.

Physica IV, 208 b 14.

De Caelo II, 284 b 30.

De Generatione Animalium I, 12, 15; cf. Historia Animalium I, 12, 12.

De Motione Animalium, 702 b 17.

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