Novela do Grasso Entalhador

NOVELA DO GRASSO ENTALHADOR & VIdA DE FILIPPO BRUNELLESCHI

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universidade estadual de campinas Reitor José Tadeu Jorge Coordenador Geral da Universidade Alvaro Penteado Crósta

Conselho Editorial Presidente Eduardo Guimarães Esdras Rodrigues Silva – Guita Grin Debert João Luiz de Carvalho Pinto e Silva – Luiz Carlos Dias Luiz Francisco Dias – Marco Aurélio Cremasco Ricardo Luiz Coltro Antunes – Sedi Hirano Comissão Editorial da coleção Palavra da Arte Esdras Rodrigues Silva – Jens Michael Baumgarten Luciano Migliaccio – Luiz Marques (coord.)

Marcos Tognon

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ANTONIO DI TUCCIO MANETTI

NOVELA DO GRASSO ENTALHADOR VIDA DE FILIPPO BRUNELLESCHI introdução , tradução e notas

patrícia d . meneses

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Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990. Em vigor no Brasil a partir de 2009.

ficha catalográfica elaborada pelo sistema de bibliotecas da unicamp diretoria de tratamento da informação M313n Manetti, Antonio, 1423-1497.

Novela do Grasso Entalhador & Vida de Filippo Bru­ nelleschi / Antonio di Tuccio Manetti; introdução, tradução e notas: Patrícia D. Meneses. — Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2013 1. Filippo Brunelleschi 1377-1446. 2. Arte – História.

3. Arquitetura renascentista. 4. Arquitetos – Itália – Biografia. 5. Literatura italiana – História e crítica. I. Patrícia Dalcanale Meneses. II. Vida de Filippo Brunelleschi. III. Título.

cdd 709 724.1

927.2095

850.09 e-isbn 978-85-268-1103-4 Índices para catálogo sistemático: 1. Filippo Brunelleschi, 1377-1446 2. Arte – História 3. Arquitetura renascentista 4. Arquitetos – Itália – Biografia 5. Literatura italiana – História e crítica

709 709 724.1 927.2095 850.09

Copyright © by Patrícia D. Meneses Copyright © 2013 by Editora da Unicamp Direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19.2.1998. É proibida a reprodução total ou parcial sem autorização, por escrito, dos detentores dos direitos.

Printed in Brazil.

Foi feito o depósito legal.

Direitos reservados à Editora da Unicamp Rua Caio Graco prado, 50 — Campus Unicamp cep 13083-892 — Campinas — sp — Brasil Tel./Fax: (19) 3521-7718/7728 www.editora.unicamp.br — vendas@editora.unicamp.br

palavra da arte é uma coleção consagrada às fontes, às referências moder­nas e à reflexão con­ temporânea sobre a tradição clássica. Entende-se essa como o processo histórico de “longa du­ração” pelo qual a história das formas cons­ titui sua própria memória, num triplo movi­ mento de cris­taliza­ção, transmissão e transfor­ mação dos modelos antigos. Centrada na his­ tória da arte, a coleção entende abrigar também estudos de história das retóricas e poéticas, an­ tigas e mo­dernas, de modo a divulgar de ma­ neira crí­tica e metódica em língua portuguesa, eventualmente em textos bilíngues, as vias di­ versas através das quais a tradição clássica cons­ tituiu-se e foi apropriada por seus legatários.

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Luiz Marques

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Agradecimentos

Este trabalho é resultado de uma longa pesquisa de pós-doutorado financiada pelo CNPq e pela Fapesp. A realização deste livro, porém, só foi possível graças à colaboração de diversas pes­ soas. Primeiramente, agradeço a Luiz Marques, por ter me sugerido preparar uma edição da Vida de Filippo Brunelleschi e por ter acompanhado todo o processo, e a Luciano Migliaccio, pelo apoio e pelas preciosas indicações. Fun­ damental, também, foi a disposição de Ales­ sandro Nova e de sua equipe em me receber no Kunsthistorisches Institut in Florenz, fornecendo tudo o que eu precisava para desenvolver minhas pesquisas. Agradeço, ainda, a minha amiga Elena Castelli, pelo contínuo abastecimento bibliográfico e pela paciência, e a Mara-

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liz Christo, pelo companheirismo, pelo estímulo e pela amizade. E, finalmente, não posso deixar de mencionar meu marido, Matheus, a quem agradeço pelo suporte incondicional. A ele dedico este trabalho.

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Patrícia D. Meneses.

Juiz de Fora, agosto de 2013.

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SUMÁRIO

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Abreviaturas

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Prefácio

31 Introdução 32 Tradição manuscrita e autoria 37 Antonio Manetti, civis et architectus 41 Manetti e a polêmica da arquitetura moderna 50 Literatura artística e a Vita di Brunelleschi 56 A novela e a imagem do artista renascentista 64 Fortuna crítica 69 Nota à tradução 79 novela do grasso entalhador

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151 vida de filippo brunelleschi 271 Referências bibliográficas 271 Fontes primárias 272 Edições consultadas da Vita e da Novella 273 Bibliografia secundária

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ABREVIATURAS

AOD — Archivio dell’Opera del Duomo ASF — Archivio di Stato di Firenze BMF — Biblioteca Medicea Laurenziana BNF — Biblioteca Nazionale di Firenze

Fabriczy, Filippo Brunelleschi — C. Von Fa­ briczy, Filippo Brunelleschi: La vita e le ­opere (a cura di Anna Maria Pomma). Florença, Uniedit, 1979.

Guasti, La Cupola — C. Guasti, La Cupola di Santa Maria del Fiore. Bolonha, Forni, 1974 [1857].

Manetti-De Robertis-Tanturli, Vita — A. Manetti; D. De Robertis & G. Tanturli, La vita di Filippo Brunelleschi preceduta da La novel­ la del Grasso. Milão, Il Polifilo, 1976.

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Saalman, Life — A. Manetti & H. Saalman, Life of Brunelleschi. Pensilvânia, Pennsylvania State University Press, 1970.

Vasari-Milanesi, Le vite — G. Vasari & G. Milanesi, Le vite dei più eccellenti pittori, scultori e architetti. Florença, Sansoni, 1906.

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Prefácio

As duas obras que se propõem agora pela primeira vez ao público de língua portuguesa, e que em muito enriquecem a coleção A Palavra da Arte, constituem pedras basilares da historiografia artística do século XV. Antes de mais na­da, deve-se atentar para o fato de que tra­ duzi-las e comentá-las, como tão bem o fez Patrícia Dalcanale Meneses, é algo da ordem do exploit. A língua de Antonio Manetti (14231497) é colo­quial, plena de expressões idiomáticas da épo­ca e sua escrita é ainda muito mais ins­tável sintaticamente que, por exemplo, a de Giorgio Vasari em meados do século XVI. Os 70 anos in­tercorridos entre Manetti (1480c.) e Vasari (1550c.) assistiram a uma enorme modernização da língua escrita na Itália central,

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em parte graças ao recrudescimento, em torno de 1500, da assim chamada Questione della Lin­ gua, inaugurada pelo De vulgare eloquentia (1303-1305) de Dante, e da qual as reedições de Dante e de Petrarca por Pietro Bembo e seu Prose della Volgar Lingua1, de 1525, foram fundamentais divisores de águas. De modo que ver­ ­ter para o português contemporâneo a língua de um escritor florentino do século XV, co­mo Manetti, assemelha-se a uma traiçoeira prova de obstáculos.

Nas páginas da Introdução, o leitor encontrará uma ampla tratativa das questões suscitadas pelas duas obras, a começar por uma for­nida nota biográfica sobre Manetti, sobre seu perfil intelectual e sobre sua atividade de escritor, bem como uma ampla descrição histórica e filológica da tradição manuscrita e editorial das duas obras aqui apresentadas. Encontrará também uma discussão aprofundada sobre a importância da Vida de Brunelleschi no âmbito das biografias artísticas antes das de Giorgio Vasari.

Será ainda introduzido nos problemas relativos à recepção de Brunelleschi na cultura arquite­ tônica florentina da segunda metade do século XV e, sobretudo, encontrará hipóteses muito bem fundamentadas sobre o sentido intelectual 1 4 | NOVELA DO GRASSO... & vida de filippo...

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e político da intervenção desses dois textos de Manetti na situação cultural e política de uma Flo­rença dominada pelo “principado” de Loren­ zo de’ Medici (1469-1492).

No que se refere à novela, o “sadismo” do practical joke infligido ao Grasso, sem que seus algozes sintam um átomo de compaixão, é algo que choca a sensibilidade contemporânea e dá a medida de uma fascinante alteridade. Há efe­ tivamente algo de um rito expiatório nesse massacre coletivo do Grasso, que poderia servir de exemplo para as análises de René Girard sobre o sacrifício e a vítima sacrificial2. No caso, a vítima imolada, o marceneiro entalhador, é o artista ainda “manual”, ainda pertencente às Artes mechanicae, condição subalterna de que Brunelleschi e os artistas por ele liderados precisam ritualmente se “depurar”, antes de cruzar o umbral das Artes liberales. Não por acaso, o Grasso só poderá doravante exercer sua arte com sucesso na remota Hungria, bem longe do teme­ nos florentino, isto é, do espaço separado e sagrado ao qual, doravante, apenas o artista li­ beral terá acesso.

Além disso, a ideia de um psiquismo vulnerável à experiência de perda ou de substituição de identidade suscita uma vertiginosa sen

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sação de antecipação e de literatura “fantástica”.

Parece, por vezes, estarmos mais no mundo de Hoffmann ou de Poe, que na Florença civile do primeiro Quattrocento. Mais precisamente, parece estarmos às portas da grande crise da ideia de unidade do Eu ou do sujeito, resumida nas célebres fórmulas Je suis un autre de Taine (1870) ou Je est un autre de Rimbaud (1871)3.

Freud mesmo, enfim, não está tão longe.

A estratégia de Brunelleschi pareceria ser a de provocar no Grasso uma regressão psíquica à fase oral. De fato, a identidade do Grasso co­ meça a vacilar justamente quando ouve o que presume ser um diálogo entre sua própria voz e a de sua mãe, tacitamente aquiescente, diálogo no qual o “ele/outro” exige o que ele, como be­bê, exigia: a comida de sua mãe. Diálogo primal, portanto, que sugere inevitáveis tangências com o processo de constituição do ego no universo freudiano. Por esse e outros aspectos, é uma verdadeira pena que Freud não tenha feito uma análise dessa novela.

No que se refere à Vida de Brunelleschi, posso aqui apenas emoldurar a ótima Intro­ dução de Meneses com rapidíssimas conside­ rações de caráter genérico. Na realidade, apenas duas.

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Pintor anĂ´nimo (Paolo Uccello?), tĂŞmpera sobre madeira, 42 x 210 cm., Museu do Louvre, inv. 267.

1. A primeira é a honra suprema outorga-

da a Manetti pelo pintor que inseriu seu retrato ao lado dos retratos dos grandes criadores do “Renascimento” florentino, numa das mais curiosas obras florentinas conservadas daqueles anos, hoje no Louvre.

Como se sabe, em 1550 Vasari atribui essa obra a Masaccio e em 1568, a Paolo Uccello.

O mau estado de conservação explica por que, ainda hoje, a atribuição e a datação da obra não são consensuais. A atribuição a Uccello era ainda mantida por Roberto Longhi em 1927, e Lucia Tongiorgi Tomasi, embora ressaltando os pareceres divergentes, a inclui no catálogo do artista e a data em torno de 1450, ao passo que Arnauld Brejon de Lavergnée e Dominique Thibault, autores do catálogo das pinturas italianas do Museu, abstêm-se de toda atribuição e a datam de início do século XVI4. Hoje, o sítio do Louvre (Base Atlas) data a obra de finais do século XV ou da primeira metade do século XVI e precisa: Trata-se possivelmente de uma criação mais tardia, reproduzindo, com intenção comemorativa, retratos mais antigos de cinco ilustres personalidades florentinas. A inscrição 1 8 | NOVELA DO GRASSO... & vida de filippo...

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que, na parte inferior, identifica Giotto, Paolo Uccello, Donatello, Antonio Manetti e Fi­ lippo Brunelleschi é posterior à data de execução do quadro.

Não me cabe opinar sobre autoria e datação. Apenas fazer notar, a favor da opinião dos curadores do Louvre, que a obra deve nas­ cer ao menos em finais do século XV, pois pertence efetivamente ao gênero do retrato his­tó­ rico e memorialista, isto é, tem caráter de monu­ mentum, no sentido de fazer lembrar (moneo), de trazer à memória algo digno de ser per­ petuado. Isso se demonstra obviamente pela inobservância das diferenças reais de idade entre os quatro contemporâneos (as datas de nas­ ci­mento de Uccello, Donatello, Manetti e Brunelleschi são, respectivamente, 1397, 1386c., 1423 e 1377). De qualquer modo, importam pouco, aqui, a data e a autoria precisas da obra. O fato inconteste é que Manetti, não sendo nem pintor, nem escultor, nem arquiteto, surge inesperadamente como quinta figura, lado a lado com os quatro demiurgos da arte florentina. Ou, mais precisamente, da perspectiva florentina.

Essa aparição tem, salvo melhor juízo, duas explicações complementares, ambas vin

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culadas à questão da invenção da perspectiva. A primeira explicação é que Manetti está aí na condição de biógrafo de Brunelleschi, de testemunho de Brunelleschi, de seu fiel escudeiro, o que explica seu singular aspecto juvenil, próprio do discípulo em relação ao mestre. Neste caso, o quadro confirma sua condição de uma verdadeira “Apologia de Brunelleschi”, o que bem explicaria, numa lógica leitura da esquerda para a direita, sua posição ao mesmo tempo de elo final e de ápice de uma epopeia artística da qual Manetti seria, por assim dizer, o aedo ou, melhor dizendo, o rapsodo.

A segunda explicação, como dito complementar, é que Manetti é um matemático de nomeada, conforme atesta Vasari ao justificar sua presença em meio aos emblemas da arte florentina: Masaccio mostrò col giudizio suo, quasiché per un testamento, in cinque teste fatte da lui, a chi per lo augmento fatto nelle arti si avesse ad avere il grado di quelle, lasciancene in una tavola di sua mano, oggi in casa Giuliano da San Gallo in Fiorenza, i ritratti quasi vivissi­ mi, che sono questi: Giotto per il principio del­ la pittura, Donato per la scultura, Filippo Bru­ 2 0 | NOVELA DO GRASSO... & vida de filippo...

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