O Casulo Edição 14 - Jornal de Poesia Contemporânea

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Expediente: Amanda Vital

Andreas Chamorro

Diego Alves

Eduardo Lacerda

Pricila Gunutzman

Ricardo Escudeiro

Sheila Gomes

Capa, projeto gráfico, ilustrações e diagramação: Alessandro Romio

Ésimbólico que, próximos do fim de 2022, no Brasil desse momento, tão esfacelado pelo projeto de destruição – incluindo uma criminosa gestão da pandemia – camuflado de governo que operou nos últimos anos e do qual ainda padeceremos e sofreremos resquícios por um tempo, mas que, felizmente, foi derrotado nas urnas, lancemos dois números novos do jornal “O Casulo”, já pela história do jornal em si, já pela semântica do nome. E o termo “simbólico” aparece aqui não gratuitamente, a nossa emancipação enquanto humanidade passa mesmo pela retomada dos sistemas de simbolização das diversas formas de cooptação que tais sistemas sofrem, especialmente em tempos, como estes últimos e atuais, tenebrosos e de retrocessos. Para muitos de nós, por vezes, para atravessar estes tempos, casulos são necessários. Cada leitura, ou releitura, que nós fazemos de um poema torna-o, de cada vez, um outro e novo poema. Coloca e tira do casulo, que protege, mas também transforma, um sujeito (lírico) outro. Faz com que esses sujeitos continuem-se. Também nesses tempos, em que visões de mundo caducadas, conservadoras, querem retomar e impor determinismos, querem pautar o retrocesso, querem a destruição de direitos por vezes já precários e a duras penas conquistados, transgredir e ocupar é necessário. “Sair do casulo” é gesto imagético, mas não só, dos bons para dar conta desse momento, que é de transgredir, ocupar de volta ou pela primeira vez os lugares que nos sãos caros para o exercício pleno das nossas humanidades. “Transgredir” e “Ocupar”, como atos contínuos, que é para não acomodar jamais. Nós, operários das ferramentas da simbolização, não podemos nos dar ao luxo de deixar cessar a inquietação, o estranhamento, no Outro e em nós mesmos. E cada uma das diversificadas e plurais engenharias poéticas presentes nesses dois números, e na história do Casulo, dão conta desse gesto.

Ricardo Escudeiro Parque Capuava, Santo André-SP
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E N T R E V I S T A D a n i e l M i n c h o n i
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“Ouvir meus mais velhos sempre foi um exercício de linguagem” por Jéssica Moreira* Idealizador do Sarau do Burro e Selo do Burro, CONTA SOBRE A EXPERIÊNCIA DE TRANSFORMAR PALAVRA FALADA EM LIVRO E A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DE MUNDO PARA MUITO ALÉM DA LEITURA DOS LIVROS. Daniel Minchoni miolo_casulo-14_265x285mm.indd 4 16/12/2022 15:21:37

Nascido e crescido no Ipiranga (SP), mas renascido poeta no Rio Grande do Norte, Daniel Minchoni é o idealizador do Selo do Burro, um selo editorial que busca outras formas de ver o livro e a mensagem que essa tecnologia pode passar.

“Nosso esforço é pensar em outras formas para o livro, para ser o mais completo possível sobre o que estamos criando”, afirma Minchoni, um multi-artista ou, então, artista de serviços gerais, como se auto intitula: escritor, poeta, experimentador de palavras, editor, escreve projetos e produz diversos eventos culturais.

Mas quando perguntam sua profissão, ele é certeiro: poeta. “Sempre temos que dizer o que somos. Se eu vou a um hotel e perguntam minha profissão, digo que sou poeta”. Para ele, é importante utilizar essa provocação para mostrar que a poesia é “algo inútil” na sociedade.

“Não acredito no ‘mercadologismo’. Fazendo o que eu acredito, estou abrindo um outro mundo possível. A poesia me dá essa possibilidade de ter uma vida criativa e inventiva e não estar a serviço de algo”.

O primeiro contato com a literatura veio ainda na infância, quando a mãe Terezinha incentiva a leitura por meio de um círculo de leitura. “A Vingança do Timão”, de Carlos Moraes, foi o primeiro livro que realmente o interessou. O motivo: pensou que a narrativa era sobre o Corinthians. Mesmo não sendo, continuou a leitura.

Para muito além do livro físico, Minchoni conheceu na rua a força que vem das palavras. Seja

no samba, no rap ou no repente, a poesia se fez viva também em sua forma falada, inspirando o poeta a também improvisar seus versos.

Aos 17 anos, mudou-se para Pernambuco. Mesmo com uma vivência curta, pode ouvir e experimentar outros jeitos de usar a palavra que marcam sua poética até hoje. “Quando vivi em Recife, fiquei viciado em capoeira e em roda. Foi aí que tive o que chamo de “choque, pré-poético e pré-sintático”. Vi um homem na praia fazendo repente, em Jaboatão, e pensei: “quero fazer isso”. Mas foi no Rio Grande do Norte (RN), onde cursou Comunicação Social com especialização em Produção Cultural e Design, que ele encontrou versadores que iriam influenciar também no seu jeito de brincar de poesia. “Talvez, a figura do jogador de futebol seja muito próxima da de um poeta”, provoca o poeta. “O primeiro sarau foi no Rio Grande do Norte e chamava-se ‘Poesia Esporte Clube’. O slogan era ‘fazer a poesia tornar-se um esporte nacional’. O futebol é popular porque é muito fácil, você joga com bola de meia, quatro pedras. A poesia é mais fácil ainda, é só juntar gente interessada em falar e gente interessada em ouvir.”

No bate-papo abaixo, Minchoni reflete sobre o livro enquanto uma tecnologia social e suas diversas formas e também como a leitura vai muito além do registro escrito. “Essa afirmativa do ‘lê pouco’ vem de pessoas que só entendem a leitura vinda do livro. Pra mim, nunca foi só isso. Ouvir meus mais velhos, ouvir meu avô contando histórias sempre foi um exercício interessante de linguagem”. Confira!

CASULO 14 5 Entrevista: Daniel Minchoni
Foto: Sérgio Silva
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Jéssica Moreira: Quais foram as suas primeiras experiências literárias?

Daniel Minchoni: Eu sou do Ipiranga (SP). Falo que, como poeta, sou do Rio Grande do Norte. Meu nascimento é em São Paulo, mas meu jeito de fazer poesia e minha história com o fazer poético tem a ver com minha mudança para o Rio Grande do Norte. Na primeira infância, não tinha ainda um entendimento em relação à poesia e à poética. Isso se organizou melhor no RN, aos 17 anos. Mas antes não fiquei aleatório. Frequentava as bibliotecas da escola e minha mãe sempre assinava o círculo do livro. Chegavam diversos livros pra mim. O primeiro que gostei de ler foi “A Vingança do Timão”, de Carlos Moraes. Li por causa do meu time, porque sou corintiano. Achei que era sobre o Corinthians, mas não era. Na minha casa também tínhamos clássicos como Sidney Sheldon, Agatha Christie, Jorge Amado. Outro livro que marcou foi “Triste fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Quando li na escola falei ‘caraca, que coisa gostosa’! Na época, até quis estudar [a língua indígena] Guarani, entrei na pira do personagem. E não coincidentemente, esse é um clássico que foi marginalizado. Nessa época, li Capitães da Areia, gostava de alguns poemas, mas não tinha ainda relação com a poesia. Mas, mais relevante que isso, é dizer que sempre fui muito entusiasta de rap e do samba. Tinha muita relação com a ideia de partido alto, ideia do improviso, todo mundo versar, gostava das rodas de partido alto de Heliópolis, na zona Sul de São Paulo. Tive grupo de rap, ia até a São Bento [considerado o berço do Rap na cidade de São Paulo], point da pixação. Adorava letras de pixo, tinha muito isso de ler esses poemas [das paredes].

Jéssica: Como a capoeira entrou em sua vida e como influencia em seu fazer poético?

Daniel Minchoni: Até hoje o trabalho que faço é ligado à minha vivência em rodas de capoeira. Quando você está em uma roda de capoeira, você está vivendo 720 graus de poesia: seja no jogo, seja batendo palmas. Meu modo de fazer poesia tem a ver com essa vivência em roda. Quando vivi em Recife, fiquei viciado em capoeira e em roda. Foi aí que tive o que chamo de “choque, pré-poético e pré-sintático”. Vi um homem na praia fazendo repente, em Jaboatão, e pensei: quero fazer isso. Eu, sendo um poeta nascido em São Paulo, parecia não fazer sentido, porque o repente é uma poesia matuta. Mas talvez a métrica seja parecida com o rap, com a performance do improviso, que é o que me interessa. O Rio Grande do Norte tem uma cena forte de poesia falada e de performance. Eu era ‘xingado’ disso aí, diziam: ‘você é performer’. Não gostava e dizia: sou poeta. A poesia falada tinha a ver com a cena literária da cidade. Era difícil imprimir um livro e muitos poetas usavam a voz como um recurso de publicação. Foi assim que comecei a organização de sarau. Particularmente, não gostava de escrever primeiro. Eu ia com a ideia pro sarau e criava ao vivo, do mesmo jeito que o repentista fazia, tentando desenvolver a fala poética ao vivo. Esse processo tem muita influência no poema-processo e poema-visual. A minha experiência com essas coisas não se deu aqui em São Paulo, mas sim nos lugares que passei.

Jéssica: Na sua opinião, quais são as leituras de mundo possíveis a partir da literatura?

Daniel Minchoni: Tem um filme chamado “O Carteiro e o Poeta” (1994, direção de Massimo Troisi e Michael Radford), que mostra que ler não é só ler um livro. Ler é a leitura de mundo mesmo. No filme, a leitura do carteiro era mais complexa do que a do poeta. A poesia, especialmente, é muito anterior ao livro e à poética. O

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livro é uma tecnologia nova dentro da história da humanidade. A própria escrita, 500 anos atrás, era regulada e reguladora. O próprio livro em larga escala é algo recente no Brasil. Só há poucos anos que o livro começou a chegar nos operários. Foram os movimentos marginais, em meados de 2000, que começaram a tornar isso uma coisa mais fácil pra gente. Isso de “todo mundo é poeta” é algo recente. A gente diz que se lê pouco no Brasil, sem lembrar que nossa estrutura de poesia se manifesta mais na música do que na literatura. A poesia fala por várias linguagens, é da natureza dela. Quando alguém que escreve diz “sou um poeta mais tradicional” porque escreve sua poesia, eu digo ‘não, você não é mais tradicional, é um poeta moderno”, porque a palavra falada vem antes na História. Essa afirmativa do “lê pouco” vem de pessoas que só entendem a leitura vinda do livro. Pra mim, nunca foi só isso. Ouvir meus mais velhos, ouvir meu avô contando histórias sempre foi um exercício interessante de provocação de linguagem.

Jéssica Moreira: Quando você começou a frequentar e organizar saraus? Qual é a importância dos saraus na disseminação da literatura?

Daniel Minchoni: Quando comecei a fazer sarau, a ideia era fazer as pessoas se interessarem por isso. O primeiro sarau foi no Rio Grande do Norte e chamava-se “Poesia Esporte Clube”. O slogan era fazer a poesia tornar-se um esporte nacional. O futebol é popular porque é muito fácil, você joga com bola de meia, quatro pedras. A poesia é mais fácil ainda, é só juntar gente interessada em falar e gente interessada em ouvir. O livro é um dos canais, o canal que foi restringido para muitas pessoas, pois há um código que não foi muito disseminado no nosso país. Mas tem vários outros

canais, como a cantiga, história de pai para filho, lendas, mitos. Para mim, tudo isso é poesia. Poesia é oralitura. Que bom que estamos num momento de pluralidade de vozes, seja falando ou publicando. Essa pluralidade sempre existiu, mas sempre foram apagadas e silenciadas, como Solano Trindade ou Firmina dos Reis, que agora, depois de muito esforço de algumas pessoas, está ganhando visibilidade. Os saraus são uma tentativa de dialogar com traços do nosso país que não tiveram registros em livros ou no audiovisual. É uma forma de dialogar com poéticas que não partem do livro. Tem gente que nunca escreveu poema e é poeta. Tem pessoas que vivem de forma tão particular, que são anti-sistema, que o pensamento dela é poético. Tem quem não materialize em texto, mas quando conversa é possível notar que a pessoa vê o mundo com espanto. Tem pessoas que não são poetas, mas trazem essa tentativa de outra possibilidade de mundo, de vida, e de não se conformar que a vida seja só isso.

Jéssica Moreira: Como surgiu o Sarau do Burro?

Daniel Minchoni: Retorno do Rio Grande do Norte para São Paulo em 2006 para trabalhar. A cena de poesia falada estava bombando. O Sarau do Burro começou mais ativamente em 2008, no Espaço do Coletivo 132, na Vila Mariana, zona sul De São Paulo. Eram artistas também da zona sul que queriam juntar duas paixões: sarau e arte de rua. Um dos artistas da casa costumava pixar “burro”. Eu gostava da palavra burro. Não sabia se a palavra era uma expressão de xingamento ao outro ou a si mesmo. Quando começamos o sarau do burro, era na casa do Burro (amigo que pixava a palavra ‘burro’). O sarau trazia a contradição contida na palavra burro que disse acima. Quem participava era o público excluído do sistema educacional. O Sarau do Burro era um sarau do trabalhador, não um sarau glamourizado. Hoje, ele acontece na Vila Madalena

CASULO 14 7 Entrevista: Daniel Minchoni
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(Zona Oeste de São Paulo), mas é como uma ocupação, porque o público que frequenta o sarau não é da Vila, mas sim dos bairros periféricos. O Sarau do Burro é coletivo. Sou representante porque vou todo mês. Lógico, não me isento das minhas responsabilidades e méritos. Sou um catalisador e sempre estimulo a realização do sarau. Mas não tem um dono, não tem mestre de cerimônia, é feito pela soma das pessoas. A gente faz em roda. O Sarau do Burro é um sarau de ocupação. O entendimento é de diálogo e é dialógico. Não tem ordem, não tem vez. Se quiser vaiar, pode vaiar. No fim, parece um poema só. Um responde o outro, abrindo lugar para o improviso.

Jéssica Moreira: Como surgiu o Selo do Burro?

Daniel Minchoni: Entendo que essa poesia falada tem pouco espaço nos livros. O Selo do Burro nasce para tentar, entre 2011 e 2012, registrar os poetas que iam ao sarau. Em 2012, com um edital, publicamos vários. Depois de três anos, já tinha o Selo do Burro, que surge para registrar essas pessoas. O desafio sempre foi traduzir para o livro um poema que é falado. Começamos a refletir sobre as várias formas que o livro pode ter. Claro que tem vários fracassos sobre isso. É uma coisa difícil de ser registrada em linguagem. Eu sempre dialogo com o poeta que o livro também pode produzir linguagem. Podemos ter um livro torto, que não para de pé, um livro no microondas. O Selo do Burro é uma proposta meio louca de publicação. É uma ideia coletiva para repensar a edição, o escritor e o poeta em um esquema editorial. No Selo do Burro, são os próprios autores que irão vender os próprios livros.

Quer conhecer mais sobre o trabalho de Daniel Monchini? Siga-o nas redes sociais: instagram.com/danielminchoni/

Jéssica Moreira é jornalista e escritora. É autora de VÃO: trens, marretas e outras histórias (Editora Patuá, 2021). Participou das coletâneas Chão Vermelho (Editora Urutau, 2021) e Longe de Monte Carlo (Publicação Independente, 2020). Foi aluna da turma de poesia de 2020 do CLIPE, da Casa das Rosas. É uma das autoras do livro Heroínas dessa História: Mulheres em busca de justiça por familiares mortos pela ditadura (Editora Autêntica, 2020), Queixadas: por trás dos 7 anos de greve (Publicação Independente, 2013). Também é uma das organizadoras da FLINO (Festa Literária Noroeste). É cofundadora e uma das diretoras do veículo jornalístico Nós, mulheres da periferia. É mentora e foi repórter da Agência Mural de Jornalismo das Periferias. É coautora do Blog Morte Sem Tabu, da Folha de S.Paulo. É produtora de conteúdo na TV Globo. Conheça mais nas redes sociais: @jessicaapmoreira

CASULO 14 8 Entrevista: Daniel Minchoni
Foto: Unesco
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EM DEVANEIO

Cada trago, Um rasgo. Ouço o galope de um cavalo, Onde está o herói?

Existem marcas no chão, Mas não há sinal de guerra.

Seria eu o moinho? Que mói, Que trabalha, Que enraíza. Mas é o vento que faz viver.

E a luz que brilha no caminho É da lenda que contaram, É do fogo do passado Que ardeu e acabou.

Cada rasgo um recomeço. A semente rompe, A criança cava E eu esqueço.

Toda corrente é feita de ferro e aço, Todo afago é de papel.

De onde veio a mágoa É para onde vai o fim.

Tati B. Coelho São Bernardo do Campo-SP

TOADA

Passa Pássaro Passaredo Passarada

Fui ao voo deste canto, no encanto destas asas, te buscar na alvorada.

Canta Cântaro Cantares Cantanares

O meu canto foi passando, procurei-te, assim, no vento, indo a todos os lugares.

Canta Cântaro Passaredo Passarada

Cantaram todos em bando e saíram em revoada, eu fiquei aqui sozinho e te perdi nesta toada.

Starik Adripa Franco da Rocha-SP

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DAS CINZAS, SANTAS PROFANAS

É Admirável, neste Mundo Novo, a resistência de antigas bruxas, incríveis forças da natureza eternizadas em cristais de fogo.

Para cada livro a 232.7 celsius, para cada crime de pensamento, haverá um de nós a combater, a criar mais filosofia divergente.

A diversidade não será calada, os rituais xamânicos continuarão produzindo ligações etéreas entre a práxis, a retórica e o universo

E, graças ao Deus, ao Alienígena, aos óvulos da maternidade entre clones, cyborgs e igrejas surgem novas Santas Profanas.

ANTIMANICOMIAL

Eu, submerso nessas terras, fico raiz imantada, o vento cheio de folhas, a troca das flores quando morrem as pétalas e elas ficam nuas.

Cores agitam num desejo de voar.

Eu mostro o tempo na falha das asas, rios são sulcos profundos.

Esquiva dos meus olhos sua suave presença. E vibra.

Uma borboleta é uma pétala que enlouqueceu.

Daniel Perroni Ratto São Paulo-SP
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Fiori Esaú Ferrari

TODO DIA UM BEIJA-FLOR

Todo dia Um beija-flor Vem na minha janela Cheirar meu pé de lavanda E traz beleza pra quem da vida, espera.

Todo dia Um beija-flor Leve e imperativo Cheira sua flor sem pressa Numa espécie de ato meditativo.

Todo dia Um beija-flor Parece me dizer Que a estadia é breve Mas dá tempo, de uma palavra trazer.

Todo dia Um beija-flor Vem me visitar Entre uma palavra e outra Uma história, acho que ele veio contar.

Todo dia Um beija-flor Ana Margonato Jaguariúna-SP

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ÉTICA SOLAR

o sol não bate nas folhas densas da mata quando chega o fim da tarde

e ele tem vontade de raiar sereno nas frestas iluminadas de silêncio sonoro da floresta.

o sol não bate porque mania de bater para desesperadamente se fazer crer é humanidade estúpida. quando chega à mata, o sol não bate: se apresenta, acaricia, respeita.

Giulia Nogueira Ilha Bela-SP

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NÃO

nunca morre o dragão por dor doença ou lança Morre pelas próprias mãos se cala o grito perde o riso dança. Nivaldo Brito São Paulo-SP

QUEM QUISER SABER DE MIM

Quem quiser saber de Mim Quem quiser saber quem sou Sou o Reino de Ogum e o Machado de Xangô O sorriso de Doun e a gargalhada de Exu

Rapha Salustiano Campinas-SP

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“EM VERDE CORPO”

Em verde corpo Me pintei... Floresta

Em verde sopro Me brotei Em seta Victor Coimbra Ribeirão Pires-SP

O BILHETE

no bolso de minha calça descobri que encontrava-se ali um par de faltas

Giulia Rink Pires Osasco-SP

PLAQUINHA DE BAR

amor só a vista obrigado não insista André Damázio Votorantim-SP

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“EM TI MINHAS PALAVRAS NÃO DORMEM”

em ti minhas palavras não dormem: repousam no sono e se gastam no sonho. assim elas gostam de estar.

em ti meu corpo tem ideias e continua corpo no que tem de sereno. é você quem dorme comigo. seremos

insubmissos ao que fomos, juntos e descontínuos até que a palavra seja contigo, exista como você

dure tanto quanto nós a palavra que não existe ainda e que, nascendo, ensina o natural da morte. então

me ame como mulher pelo tempo somente em que eu durar mulher, depois me ame como pedra

como matéria bruta, pele esticada de um tambor, pintura rupestre numa gruta.

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Victoria
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Um canto Um quarto O silêncio Um vírus Que invade o peito

Da janela o sol olha a todos Secando os traços venosos

A máscara no rosto envolve A saliva que da boca foge

A química etílica e estéril Recobre o corpo fétido

Cavada as pressas no cemitério A cova rasa pro corpo venéreo

Um ser Um pai Um irmão Uma identidade lacrada num caixão

A lua à noite ainda brilha Energizando corações em disforia

A prece na alma habita Enaltece a fé escondida

A esperança no coração se cultiva De renascer consciência evoluída

Um vírus Um ser Microorganismo Um algoz Uma praga Um ciclo Fez da morte convite pra vida Joice Salomão Botucatu-SP

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“UM CANTO”

UMA EXATA PALAVRA

para chamar de minha, só minha palavra e de ninguém mais minha do que outras exata no tempo, no som, no jeito de dizer a boca pequena e de prazer uma palavra livre que voa e volta para mim no exato tempo de ser palavra exata.

NO SILÊNCIO

no silêncio as palavras se assentam os erros conversam entre si espiam nossas faces borradas de emoções medo covardia sofrimento no silêncio a dor se propaga rasga a pele contorce os músculos ultrapassa fronteiras nos chama de tolos depois vai embora e retorna sem aviso nas frestas de um tempo irreconhecível e inadiável

Thaís Lacaz Guaratinguetá-SP

ME LIVRE DE MIM

Não quero estar presente Se repentinamente De ti eu duvidar

Não quero em pensamento Fazer mal julgamento Sem estar no teu lugar

Me livre desse jeito De ferir-te com um beijo E te crucificar

Limpa as minhas mãos tão sujas Desse dedo que acusa Sendo assim, melhor cortar

Me livra dessas agruras Essa boca de amargura Que não sabe perdoar

Me livra de mim mesmo Um coração batendo a esmo Só querendo acreditar

Magg Soares São Paulo-SP

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POLIEDRO

Tenho a manhã. A manhã tem sido meu reino de exílio com o seu café hermético e sísmico

E os ecos repercutidos do verde e roxo das plantas. Com a transparência da brisa fria sobre a barba que projeta o conforto da companhia. Como o violino dorme no seu estojo distante.

Choveu por dias. A cada gota que caía desenhava-se uma nova linha no ar com seu formato de perguntas não respondidas.

– Densidades indizíveis de arabescos de ouro.

ALMOÇO

mesa posta mãos baixas longe das ilhas imperiais ressoa a velha sirene remissão entre metal e fogo ao alcance dos olhos uma vasilha de fundura longa faz da milharina amarela um abafado cuscuz umbigo do mundo Henrique Emanuel de Oliveira São Bernardo do Campo-SP

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NOME

Matar um leão por dia. Tirar a poeira dos móveis como quem espera por alguém. Reorganizar os jornais por data, como se no mundo ainda existissem jornais, e datas fossem realmente importantes. Cozinhar com ansiedade para que a receita funcione e como se a mesa fosse ser posta para dois. Olhar para as plantas na varanda como se fossem pessoas, e agradecê-las como se agradece a alguém pela delicada presença. Abrir um pouco as cortinas de forma a não incomodar os vizinhos, mas para ver um pedaço do céu. Dizer o meu nome em voz alta para tentar descobrir o que isso significa.

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AS PESSOAS PERFEITAS

Pensemos sobre as pessoas perfeitas:

O primor da simetria comportamental, A exatidão nos passos e nas atitudes.

No dicionário das pessoas perfeitas não existem as palavras Desculpa nem perdão.

Porque são perfeitas, não agravam nem ofendem ninguém.

As outras pessoas as forçam a situações embaraçosas.

As pessoas perfeitas não quebram objetos São eles que se atrevem a tomar o espaço de sua perfeição.

Elas não erram, são os insensatos que atravessam em seu caminho.

As pessoas perfeitas não ultrapassam o sinal vermelho, Mas é ele que ousa mudar de cor justamente a sua perfeita passagem.

Ah. Deus me livre das pessoas perfeitas!

Aquelas que não suportam ouvir minha voz porque fere seus perfeitos ouvidos, Nem aguentam a minha presença de meio Quasímodo.

Como é sofrido viver com as pessoas perfeitas!

Ouço janelas se fecharam ao meu primeiro dó desafinado.

As pessoas perfeitas não admitem a felicidade dos imperfeitos.

Para elas é apenas lapso de uma ilusão ou de uma utopia.

As pessoas perfeitas não mentem, não traem, não se enganam, Apenas reagem à insignificância dos vermes que as rodeiam.

Estão acima de qualquer sugestão ética em virtude de sua plena perfeição.

O que seria do mundo sem as pessoas perfeitas?

Onde estariam os parâmetros para a medida da minha alma sinuosa?

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Rose França Ribeirão Pires-SP

À TARDE

Em tardes assim Quase é possível Esquecer-se de tudo Quase é possível Inventar para si Um pequeno mundo Onde estar a salvo Do mundo Em tardes assim Se chega a acreditar Que a vida é perfeita Porque são perfeitos Os manacás e mulungus O prelúdio número um E o acolhimento Dos abraços Em tardes assim A esperança prospera Guiga São José dos Campos-SP

QUEDAS E RECOMEÇOS

Corro sozinho pelos óbices E então você surge Fugaz em minha direção Nenhum de nós se detêm Uma colisão inevitável Um impacto de almas Uma batida de corações Nós vivemos, erramos e aprendemos Caímos

Levantamos um ao outro Corremos novamente Não é uma escolha, é a vida

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Levy Marchetto Santo André-SP

POEMA NAVALHA!

Não quero te agradar te agradecer

Por me deixar ser deixar ser quem sou!

Pelas traições cotidianas Pelas “navalhas na carne”.

A carne negra!

Pelas necroses, neuroses e psicoses Que o ano me trás...

Não vou te agradecer Nem te agradar Por me deixar existir Por me deixar ir Por me deixar...

Não estou aqui pra te agradar!

Carrego comigo:

Um patuá velho feito por minha avó Uma oração tatuada no peito

Um brinco de argola

Um tambor memória “Orixamã” das estradas e matas Um punhal e uma navalha entre os dentes entre os dentes

Que corta pensamentos!

São José do Rio Preto-SP

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DE QUE SERVE?

a carne da coragem é a vulnerabilidade de mostrar o que odeia o que machuca entre os dentes cansada de deixar quieta a palavra murcha apodrecida dentro do peito criando limo azedo impedida de ser dita abrir a boca e colocar a boca a boca a boca a boca onde quiser no bebedouro no apito naquela mulher e naquela outra em cima em baixo depois no megafone de papelão para ver se finalmente o som ecoa para fora dos pulmões que guardaram toda vida a ira inútil fermentada na paralisia mentirosa que nos contam desde que o mundo é mundo que de nada adianta seu grito não muda o fato de que tem gente vendendo osso para quem precisa de comida desde antes de ontem não é justo ter que comprar lenço quando para secar as lágrimas basta um dedo falar com amor para reencontrar a raiva andar de mãos dadas atravessar a avenida com a minha namorada a maior parada de viado sapatão e travesti da américa latina entre as minhas tenho segurança para subir no trio elétrico e dançar mesmo com medo de cair sabendo que o preço pode ser a própria vida porque sem gritar já não é possível existir inteira.

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MÁSCARA (a azul)

Perdida a esperança Olhas Sem medida O trágico acontecimento O ar que respiras descreve-te maldição! Entornas o torpor da vida... Mediúnica Vertes sem pensar o teor de um gesso fraco, quebradiço qual o ovo Trágico igual o corno Usa esses chifres em decoro Professa um som fingido em ouvidos sagrados e profanos

A descrever triângulos de vários tipos Sorve o sangue dos diabos

Acalenta o regaço das mulheres com o óleo a ungir a igualdade entre os sexos Profana o sonho onírico e miserável Esperas a matança e o ronco de tua goela indecente Suplicas pelas imagens enquanto aguardas os casais em desgraça Eles colherão tua redenção que atiraste em todas as caras Ela cai... Devota e merencória...

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LÁUDANO

lambiscar amoras no ventre pétreo da noite desfeita a saliva de ódio prenhe e incubado passar o guardanapo nos lábios e apreciar estrelas diamantes incrustrados no tempo soltando flatos — como latidos de impurezas inesgotáveis — e libar-se em láudano oceano onde a Lua em carrilhão de tons

ejacula

DINASTIA CAIADO

riso cínico e lua nova o sangue nem forma poça o rio amarga cada morte o som das águas correntes o som das águas da chuva

não despedaça, dissolve mas também é genocídio.

CAVERNA DE NUVENS

Quando sinto que a vida é trivial, lembro, às vezes, que existem as tartarugas, as equidnas, os seres brilhantes das profundezas; que as plantas brotam do chão e não caem, que os gatos nos observam em silêncio, que há o universo, a Terra: todos peixes num aquário azul, homens do mito de Platão, presos numa caverna voadora, feita de nuvens de água, que surgem, somem, e reaparecem sem padrão algum.

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Emanuel

“TINHA UM MÓVEL NO MEIO DO CAMINHO”

tinha um móvel no meio do caminho para limpar, para lustrar madeira escura, me conta causos ondulações várias nos pés na cintura nas ferragens

adora dançar tranca o cristal festas quase bacanais máscaras óculos álcool contas: hoje arsenais os muranos vermelhos e os espelhos multiplicam os já múltiplos sinais

de uma vida, agora suspensa naquela casa, naquela sala de jantar

Vera Milanese São José do Rio Preto-SP

AZUL PERDIÇÃO

Calafrios dançam em minha espinha, O estrondo do primordial ruminar infinito permeia meus ossos! Esse ‘Om’; esse pai nosso. Essa vibração. Imortal. Intocável. Mas que tudo assola.

O som de Poseidon. A voz de Iemanjá. Quão pequeno sou... ou grandioso, por ser o observador. Sentado nessa praia deserta sinto, ouço, transcendo; Os portões do paraíso diante de mim.

UM ESPAÇO SEU

quem diria que você passaria da linha menina passarinha a ver o mundo a ostra que ele é e que antes parecia devorar-te quem diria que você alcançaria menina lugares que gritam o seu nome como o trono desse lugar fazer viver um pedaço de arte quem diria que você teria menina todo o ouro sem desmanchar na lama das enchentes e da morte passarinha eu diria minha menina li seu futuro num poema eu li a sua sorte

Yan P.C.

Discente do curso de poesia da Fundação das Artes de São Caetano do Sul-SP

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SOMBRIA TECNOSFERA

sombria tecnosfera, você não ouve a voz dos poetas, dos profetas, do trovão ou do silêncio. sombria tecnosfera, as florestas repletas de vida indomável, os prados plenos de ausência humana te aterrorizam.

sombria tecnosfera, cédulas doentias selaram os olhos dos teus devotados clientes que nada mais enxergam.

MAGMA

como magma, se alastra esse espasmo, esse alarido quase imprevisto aos ouvidos; se espalha entre cidades, move medos; tira do eixo a voz triste das montanhas; carrega o ar em seu ventre, nele também derrama seu ódio, seus impulsos densos que, uma vez lançados ao longe, desaparecem ou fazem renascer a raça humana;

o resultado disso guarda um pouco de dois olhos, de pernas, de braços e de uma alma própria, que também respira outro ar, sabendo a nariz e disso se cria uma fronteira entre abismos; uma fronteira permeada por jardins insondáveis que, pouco a pouco, no desenlace dos passados, morrem como um denso espelho, sobre o qual o mundo há de olhar pra si mesmo sem imagens…

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a mulher tinha seres marinhos no peito molhava sua benção andando sobre as águas onde o coração uma vez fora nesse momento a folhagem dos homens tornava-se cardumes amorosos... a decidir se destacam da pele... íntimos mundos a verdadeira frase seria uma inacabada escultura descobrindo os caminhos a que o farol orienta que o amor não nos separa de tudo é tão bonito parir como é bonito ver você como onda

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LETTRE para Suellen Valentim
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YOU GOT TO GET IN TO GET OUT

Destino incerto sobre as ondas que jamais retornam e ventos que sopram o hálito das sirenas, habitantes de suas profundezas... Como gostaria que estivesse aqui mas você está eternamente a caminho, nessa nau tão velha como o Mundo. Mirando o horizonte e seus desejos, entre medos e questões. A ouvir a Canção das canções do seu coral íntimo hóspede de tantas interpretações... Quando aportar, jamais se parecerá novamente com aquela que esperavam que fosse um dia. Nessa aurora de novas e inusitadas cores, um outro e desconhecido rosto emerge... A conter as canções de seu repertório, em um renovado coração. ...Por favor, caminhe pelos meus sonhos.

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Marina

LIÇÃO DE BOTÂNICA

A mesma potência sensível e antiga Que hipnotiza as folhas das árvores À irradiação do sol, levando-as para cima, Encanta suas raízes para o fundo, A caminho da imensidão subterrânea Onde a claridade é proibida.

A alma diluída perde-se Num voo leve, no limiar do dia, Enquanto embaixo, e dentro, O ser habita consigo a escuridão Que perenemente se afinca.

Se o amor, à primeira vista, ilumina, É outra coisa o que sacia. Ou, simplesmente: as folhas caem, As raízes aterram, a árvore fica.

Eduardo Carbone Bauru-SP

POMAR PULSÁTIL

Polpa de fruto maduro à mostra quando aberto ao meio se vê inteira

Néctar viscoso - colheita: casca, semente, caroço exsudam sustos, desejos

Polposa: crua, tenra, úmida, no íntimo da qual escorrem sêmen, haste, pólen, vida

Ângulos, agudos, lisos: planta-nua, pomar pulsátil, apalpo as fotossínteses

Raízes abrem e flecham frutífera flor, epífita

Spigolon Campinas-SP

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Nima

ENTRELINHAS

Silêncio absoluto. Não há sequer um vento vocal nos cabelos do mato.

Estacionados nesse tempo pássaros, insetos e o azul do céu.

O horizonte triste, embaçado também não soluça uma canção de adeus.

No entanto aqui dentro, nas entrelinhas desse amor, tua voz ressoa.

Virgínia de Oliveira Indaiatuba-SP

NOTURNO

Corpo vazio... jejum O sono cerra os olhos Cai a noite no horizonte mental Mar negro inunda a consciência Desnuda a sua geometria de normas inexatas Fixas sobre o Nada Que reluz em seu trono De arquitetura inversa e dispersa A resposta torna-se a pergunta Destemido, o corpo ainda repousa A alma evidencia-se incerta e intangível Travestida de uma beleza que se deforma Quando a luz ataca em pontas de flecha — o claro da manhã Impera como o real incólume E o horror se descobre como sombra do belo

Patrícia Gavazzi Campinas-SP

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SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS

agora contamos os desaniversários os anos como morto que hoje somam nove nove anos meu pai ainda uma criança na morte lembro que nessa idade eu já dizia que se os meus pais se separassem ficaria mesmo é com a minha mãe

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O PONTO E EU

Eu olhei o negro ponto Lá longe, mais adiante Parecia uma pinta Manchando o horizonte

O negro ponto me olhou Pequeno, bem distante Concluiu que era eu Um filhote de gigante

Eu andei rumo ao ponto E corri, mais ofegante Parecia que a mancha Era o cume de um monte

O ponto andou rumo a mim E rastejou, pela estrada Concluiu que eu era, enfim Um pedacinho de nada

E no fim nos encaramos Sérios, tesos e cordiais Pois o ponto negro e eu Éramos em tudo iguais

M.M São Paulo-SP

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SIMBIOSE

Tristeza escorre do meu peito da mesma forma que a lama escorre daquele morro Tenho medo de abrir meus olhos na manhã e encarar a fome humana consumindo cada pedaço desse planeta Caminho angustiada de ouvir aqueles ecos pedindo socorro

Cada pedaço da nossa humanidade dói E o poder do controle foge das nossas mãos calejadas “Olhe para os lados, por onde anda, pra onde” A salvação está escondida atrás de uma paz armada

Fomos despidos da nossa alma e nos tornamos um número Rankings e notas definem nossa validade Estamos organizados em posições como um produto Olhos afiados nos observando velando sua maldade

Eu tenho um grito preso na garganta porque ninguém me escuta Eu sou um ser de porcelana num mundo onde tudo é hostil Queria tornar minhas mãos em uma cura; Mas as correntes me afagam em um parasitismo cruel.

Isabela Fantini Cerqueira César-SP
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Concurso Saia do casulo
CASULO

MEU EU PRESO NO PASSADO

o presente se passa enquanto eu escrevo já o passado foi

agora lembramos dele por ângulos distintos como o ser passei por tanta dor raiva tristeza tudo isso quando me olho no espelho cadê? onde eu estou? quem eu vejo nesse pedaço de vidro não sou eu onde foi que meu rosto se perdeu? enxergo olheiras de uma velha raiva de um vingativo tristeza de um depressivo angustiado meu eu se perdeu no passado como é que eu vou buscá-lo?

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MINHA AMADA

Vislumbro o pôr do sol pela sacada Enquanto recordo-me de minha amada A brisa gélida da noite tem me envolvido Pois não lhe tenho aqui comigo

Avistamos o mesmo céu noturno Todavia distantes, optou o destino Usufruindo o mesmo anseio de Termos uma a outra por inteiro

A Lua e o Sol podem lhe invejar Astros sequer superam o brilho do teu olhar Assim como os anéis de Saturno Faço minha órbita em tua volta

Após tanto tempo, pude lhe abraçar E senti teu cheiro cravar em minh’alma Junto com o doce som da tua risada Notei que consegui o que tanto almejava

Agora estou novamente na sacada Portanto, nos braços de minha amada.

São Paulo-SP

Yasmin di Genova
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TOQUE AQUELA MUSICA

Quando chorar, Toque aquela música. Dance, tente rir Ela não vai embora.

Num balanço

Os pisos transmitem o som Dos sapatos batendo Nunca doeu tanto quanto agora.

Deixe fluir, E a música entrar, A dor não se foi Isso te apavora.

Os tuduns do rádio Soarão e atrairão, Outrora dói como nunca, Outrora o lado de fora.

Acelera doce melodia, Eu não aguento, Sou feita de espinhos Como uma rosa morta.

Camilly Aparecida Cipriano Mauá-SP CASULO 14 miolo_casulo-14_265x285mm.indd 41 16/12/2022 15:22:53
Concurso Saia do casulo

RUA ANGÚSTIA

deitado na rua, um homem quebrado dormia profundo no chão manchado ouviu uma buzina acordou no susto seu rosto cansado, pela angústia dominado olhou em volta, tossiu se encolheu, a tosse o cobriu formou uma manta dura e grossa que afogou o pobre homem no chão da calçada a tosse pairou no ar da cidade e quando o vento a soprou pra longe o ser pôs-se a chorar o choro encharcou a camiseta rasgada a rua augusta inundou de lágrimas pesadas os bueiros cantaram as pessoas fugiram ficaram apenas deixados para trás os donos das tosses os donos das lágrimas sozinhos, deitados na rua angústia

Cecília Campos São Paulo-SP

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CATÁSTROFE

Como uma avalanche em um dia tranquilo Os gritos daqueles atingidos pela catástrofe Todos as cenas misturadas Em algo uníssono A sensação do terror e do medo constante Me atingem como um raio Eu me escondo, a fim de não olhar os estragos Mas não olhar, não vai faze-los desaparecer E os sons do tormento continuam Mesmo após eu me esconder Eles prosseguiam ecoando De novo e de novo E ao fundo uma voz ressoava Sussurrando “Covarde” Larss São Paulo-SP

Concurso
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Saia do casulo

RELUZIR

Você me resgatou na chuva, com a sua luz de farol Apontou-me setas e guiou-me Era tão fácil, era superficial

A sua língua era a minha bíblia Não precisava de mais nada, eu nunca pedi por mais nada Tome para ti a minha vida, a minha história e as minhas mãos machucadas Me ilumine por completa, Toque de Midas

Uma luminária de rua sempre enche de claridade a todos Egoísmo meu querer te ter apenas para mim Loucura o suficiente na minha mente para te transformar em um sol que brilhasse somente na minha cidade natal Ou que aquecesse meu estúpido músculo cardíaco.

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SOBRE LUZES

A chama da vela dança Iluminista por si só Dando luz a esperança Uso livros como mó

A noite se aproxima Os animais, vão dormir A lua observa, lá de cima As sombras a surgir.

A luz noturna ilumina Uma alma cambaleando Se esgueira pelas esquinas Estava se embebedando Dominado pela euforia Revelava-se seu novo lado Estado de completa alegria Que o faz cair desacordado

Seus anjos o ajudam A sua casa, retornar “O que acontecerá” eles pensam “Quem somos nós para julgar”

A vela se apagou O sol me cumprimenta

A manhã já chegou A luz solar, me orienta.

Paulo Helel Pilar do Sul-SP

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DIÁRIO

Queria escrever um soneto, imperfeito como a vida Só não sei o que eternizar nesse verso Seria um pretérito mutilado em remorso? Ou uma sina que demora e trucida?

Já não quero o soneto, quero a forma pérfida Onde no meu caminho converso Com o inconsciente perverso E ele me revela que estou perdida

Poderia ser livre, poderia ser gente Mas posso ver, e todo dia vejo Não escapo, um feliz infelizmente

De onde o amor não nasceu, eu surjo Ainda não sou semente Mas me existo nesse arranjo V. C. Petrucci Mongaguá-SP

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NESTA EDIÇÃO:

ENTREVISTA: Daniel Minchoni [4-8] • POEMAS: Ana Margonato [12] • André Damázio [15]

• Camila Nishimoto [25] • Carlos Pessoa Rosa [27] • Daniel Perroni Ratto [11] • Daniela Bonafé [19]

• Eduardo Carbone [32] • Emanuel Priolli [27] • Fiori Esaú Ferrari [11] • Francisco Guilherme [29]

• Giulia Nogueira [13] • Giulia Rink Pires [15] • Guiga [23] • Henrique Emanuel de Oliveira [20]

• Ivan Reis [24] • Jana Cabello [21] • Joice Salomão [18] • Julia Mascaro Alvim [26] • Leonardo Bachiega [30]

• Levy Marchetto [23] • Lucas Lourenço [27] • Magg Soares [19] • Mariana Godoy [34] • Marina Alexiou [31]

• Nima Spigolon [32] • Nivaldo Brito [14] • Patrícia Gavazzi [33] • Pedro Ivo [29] • Rapha Salustiano [14]

• Rose França [22] • Starik Adripa [10] • Tati B. Coelho [10] • Teus Araujo [20] • Thais Helena Bueno [28]

• Thaís Lacaz [19] • Vera Milanese [28] • Victor Coimbra [15] • Victoria Monteiro [16] • Virgínia de Oliveira [33]

• Yan P.C. [28] • CONCURSO SAIA DO CASULO: Ana Amorim Fontana [38] • Camilly Aparecida Cipriano [41]

• Cecília Campos [42] • Isabela Fantini [37] • Larss [43] • Liliana Angela [44] • M.M [36] • Paulo Helel [45]

• V. C. Petrucci [46] • Yasmin di Genova [40]

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O Casulo Edição 14 - Jornal de Poesia Contemporânea by Editora Patuá - Issuu