GAMEFIQUE-SE

Page 1


EDITORA OLYMPIA

F825 Franco, Carlos (Organizador) Editora Olympia, Uberlândia, M.G., 2023

Pág. 141

ISBN 978-65-86241-09-9

1.1.Ficção brasileira – Contos 1. Título CDD B869.301 CDU 821.134.3 (81)

Erreimaisde9.000cestaseperdiquase 300jogos.

Em26diferentesfinaisdepartidasfui encarregadodejogarabolaquevenceria ojogo...efalhei.

Eutenhoumahistóriarepletadefalhase fracassosemminhavida.

Eéexatamenteporissoquesouum sucesso.

Michael Jordan

EDITORA OLYMPIA

Apresentação/Carlos Franco

Sumário

Página 7

Jogo do bicho/Machado de Assis

Página 14

Pedro sobre Pedro/Carlos Henrique dos Santos

Página 32

Contos Paranormais – O aniversário sangrento (Cruvinel)/Célio D’Ávila´

Página 38

Contos Paranormais – O dia do pássaro caído / Célio D’Ávila

Página 52

Doçura/Edineia Werner

Página 66

GAMEFIQUE-SE

Malulinha, a gauchinha/Eduardo Martínez

Página 69

Os jogos do Tempo: Além dos Confins da Imaginação/Jefferson Machado

Página 73

O tabuleiro dos Destinos Entrelaçados/Matile Facó

Página 83

No tempo em que eu era Mario Bros/Olivaldo Júnior

Página 88

O jogo do cotidiano/Patricia Occhiucci

Página 97

Cartas/Pedro Linhares

Página 102

Jogo da Vida/Rodrigo Ortiz Vinholo

Página 114

EDITORA OLYMPIA

A dama de Copas/Wesney G.L. Sartori

Página

Crescendo com games/William R.F. Ramires

Página

Apresentação

Falar de jogo é falar da nossa trajetória, da nossa ancestralidade e, de uma forma lúdica, do desenvolvimento da mente, da preparação e treinamento para a vida em grupo, nos tornando aptos para enfrentarmos os obstáculos que virão pela frente e nos farão contabilizar perdas e ganhos, mas de uma coisa é certa: não deixaremos o páreo até o fim dos nossos dias.

É também por meio dos jogos que aprendemos a conhecer e reconhecer nossos limites e, assim, criar estratégias individuais e também coletivas quando da existência de mais jogadores, quando nos colocamos como times e enfrentamos concorrentes seja nos ambientes sociais, familiares ou de trabalho. É no elevado espírito individual e também coletivo que vencemos esses jogos e nos tornamos campeões, eivados de autoestima.

Por isso e por suas excepcionais qualidades, os jogos sempre estiveram presentes na vida do homem, individual ou coletivamente, desde que

EDITORA OLYMPIA

esse se ergueu em duas pernas e passou a explorar o mundo ao redor.

Das inscrições primitivas em cavernas às codificações dos mais complexos algoritmos, os jogos exigem estratégia, habilidade e planejamento. Por isso, instigam e fascinam. Contribuem diretamente para o desenvolvimento de lideranças e o reconhecimento de estratégias e táticas e, assim, agregam, somam em vez de dividir, e reforçam o desenvolvimento social, econômico e político dos povos.

Por isso mesmo, várias empresas, a exemplo das desenvolvedoras de games, como a Gamefic, se dedicam hoje a criar jogos empresariais que estimulam vendas e escalam líderes por seus resultados em plataformas lúdicas que podem ser acessadas em tempo real em aparelhos celulares.

A história dos jogos é fascinante. Nas sociedades primitivas, eles estiveram muitas vezes associados aos ritos de passagem, sobretudo da infância para a idade adulta, estimulando nitidamente a trajetória dos heróis, dos guerreiros e também dos sábios. Mais do que forçafísica, esses ritos exigiam dos participantes o pensar, o estruturar, o refletir e o planejar.

Entre os primeiros jogos figuram os de tabuleiro como Senet, Mancala e Ludus Latrunculorum que constituem o legado de civilizações antigas como as dos sumérios, egípcios, gregos e romanos. O Senet, por exemplo, era jogado no antigo Egito entre dois jogadores e vencia o que conseguia, com estratégia e habilidade, retirar todas as peças suas do tabuleiro antes do oponente.

São esses jogos que inspiraram o surgimento na Idade Média do xadrez, dos dados e das cartas, cujas regras se tornaram mais conhecidas por meio da transmissão oral.

Já no Renascimento, os jogos de salão ganharam terreno nas cortes reais e na aristocracia com destaque para o TricTrac e o Tábula, antecessores do gamão e do jogo de damas e também do dominó, além de novas modalidades de jogos de cartas e o uso das primeiras roletas, onde se aposta no número em que a bola irá parar e também os dados.

Paralelamente os jogos que exigiam habilidades físicas foram conquistando mais e mais seguidores. A retomada das antigas Olímpiadas gregas pelo francês Barão Pierre Coubertin em

EDITORA OLYMPIA

1896 estimulou competições e disputas entre os países. E também o surgimento de novas modalidades, que foram, ao longo do tempo, sendo incorporadas, tanto para a disputa individual como coletiva.

Quando o barão retomava os jogos, a eletricidade também ganhava terreno em todo o mundo e marcou o surgimento dos primeiros jogos mecânicos em parques de diversão e que daria origem, nos cassinos, aos famosos caça-níqueis.

A grande revolução no mundo dos jogos viria, no entanto, no final dos anos 1950, início dos anos 1960, com a criação de "Spacewar!" em 1962 por Steve Russell e seus colegas do americano Massachusetts Institute of Technology (MIT). Desenvolvido pelo hoje ultrapassado computador DEC PDP-1, "Spacewar!" é um jogo de combate espacial no qual dois jogadores controlam naves espaciais em uma batalha contra gravidade simulada e um sol que exerce atração gravitacional.

Nesta mesma trilha, novos jogos foram surgindo, mas ainda eram primitivos e restritos aos grandes computadores (mainframes). Só que, com o desenvolvimento contínuo da tecnologia e o

GAMEFIQUE-SE

surgimento de computadores menores para uso individual e a melhoria das placas gráficas, cresceu a oferta de videogames como o Pong e o Space Invaders.

O desenvolvimento de programas mais amigáveis para computadores individuais a exemplo do Windows, da Microsoft de Bill Gates, deu novo impulso e a indústria de games floresceu. O japonês Tōru Iwatani ao criar o Pac-Man, em sua língua nativa o Puckman, contribuiu pioneiramente para o desenvolvimento de games digitais. A japonesa Nintendo não perdeu tempo e tal qual um Pac-Man saiu comendo tudo, foi devorando o mercado e despertou o apetite de outro grupo nipônico, a Sony que acelerou o processo ao lançar o Playstation.

Com a proliferação dos aparelhos celulares, novos jogos entraram no mercado e nos ambientes universitários outra modalidade conquistou jogadores, o RPG, da sigla em inglês para Role Playing Game, que em português quer dizer “jogo de interpretação de papéis”.

EDITORA OLYMPIA

Dungeons & Dragons, de 1974, foi um norte no mercado de RPG, acabando por criar as primeiras regras que é a escolha de avatares pelos jogadores e a presença de um mestre que dá as coordenadas para o desenvolvimento da história. Em alguns casos, o RPG mescla o uso das redes digitais com o real, por meio das mesas em que os jogadores participam em grupo e alguns até se vestem e assumem os personagens de uma trama.

Longe se vai, com os games digitais, o tempo das bolinhas de gude, dos carrinhos de rolimã, das pipase papagaios depapeledos peões a girar,mas no mundo dos jogos sempre haverá espaço para as amarelinhas e medalhas para campeões olímpicos. E até para o jogo do bicho, tema da crônica de domínio público de Machado de Assis que abre esta antologia nos conduzindo para um tempo em que o computador e os aparelhos celulares ainda eram algo distante e os jogos de azar mexiam mexem até hoje com o inconsciente coletivo acalentando sonhos de riqueza.

Por fim, me cabe, em nome da Editora Olympia, ressaltar que antologias abrem espaço para novos e premiados talentos que, assim, revelam suas capacidades no jogo das palavras.

GAMEFIQUE-SE

É por meio deste jogo de encaixar ideias, as verbalizar que surgem as mais diferentes histórias capazes de surpreender os leitores.

A vida é, de fato, um jogo. Então, vamos jogar, ou melhor ler estes contos que têm a força e o poder de encantar.

Boa leitura!

EDITORA OLYMPIA

Machado de Assis

Jogo do bicho

Camilo, — ou Camilinho, como lhe chamavam alguns por amizade, — ocupava em um dos arsenaisdoRiodeJaneiro(marinhaouguerra)um emprego de escrita. Ganhava duzentos mil-réis por mês, sujeitos ao desconto de taxa e montepio. Era solteiro, mas um dia, pelas férias, foi passar a noite de Natal com um amigo no subúrbio do Rocha; lá viu uma criaturinha modesta, vestido azul, olhos pedintes. Três meses depois estavam casados.

Nenhum tinha nada; ele, apenas o emprego, ela as mãos e as pernas para cuidar da casa toda, que era pequena, e ajudar a preta velha que a criou e a acompanhou sem ordenado. Foi esta preta que os fez casar mais depressa. Não que lhes desse tal conselho; a rigor, parecia-lhe melhor que ela ficassecomatiaviúva,semobrigações,nemfilhos. Mas ninguém lhe pediu opinião. Como, porém, dissesseum diaque,se suafilhadecriaçãocasasse, iria servi-la de graça, esta frase foi contada a Camilo, e Camilo resolveu casar dois meses

GAMEFIQUE-SE

depois. Se pensasse um pouco, talvez não casasse logo; a preta era velha, eles eram moços, etc. A ideia de que a preta os servia de graça, entrou por uma verba eterna no orçamento. Germana, a preta, cumpriu a palavra dada.

— Um caco de gente sempre pode fazer uma panela de comida, disse ela.

Um ano depois o casal tinha um filho, e a alegria que trouxe compensou os ônus que traria. Joaninha, a esposa, dispensou ama, tanto era o leite, e tamanha a robustez, sem contar a falta de dinheiro; também é certo que nem pensaram nisto.

Tudo eram alegrias para o jovem empregado, tudo esperanças. Ia haver uma reformanoarsenal, e ele seria promovido. Enquanto não vinha a reforma, houve uma vaga por morte, e ele acompanhou o enterro do colega, quase a rir. Em casa não se conteve e riu. Expôs à mulher tudo o que se ia dar, os nomes dos promovidos, dois, um tal Botelho, protegido pelo general*** e ele. A promoção veio e apanhou Botelho e outro. Camilo chorou desesperadamente, deu murros na cama, na mesa e em si.

EDITORA OLYMPIA

— Tem paciência, dizia-lhe Joaninha.

— Que paciência? Há cinco anos que marco passo...

Interrompeu-se. Aquela palavra, da técnica militar,aplicadaporumempregadodoarsenal,foi como água na fervura; consolou-o. Camilo gostou de si mesmo. Chegou a repeti-la aos companheiros íntimos. Daí a tempos, falando-se outra vez em reforma, Camilo foi ter com o ministro e disse:

Veja V. Exª. que há mais de cinco anos vivo marcando passo.

O grifo é para exprimir a acentuação que ele deu ao final da frase. Pareceu-lhe que fazia boa impressão ao ministro, conquanto todas as classes usassem da mesma figura, funcionários, comerciantes, magistrados, industriais, etc., etc.

Não houve reforma; Camilo acomodou-se e foi vivendo. Já então tinha algumas dívidas, descontava os ordenados, buscava trabalhos particulares, às escondidas. Como eram moços e se amavam, o mau tempo trazia ideia de um céu perpetuamente azul.

GAMEFIQUE-SE

Apesar desta explicação, houve uma semana em que a alegria de Camilo foi extraordinária. Ides ver. Que a posteridade me ouça. Camilo, pela primeira vez, jogou no bicho. Jogar no bicho não é um eufemismo como matar o bicho. O jogador escolhe um número, que convencionalmente representa um bicho, e se tal número acerta de ser o final da sorte grande, todos os que arriscaram nele os seus vinténsganham, e todos os que fiaram dos outros perdem. Começou a vinténs e dizem que está em contos de réis; mas, vamos ao nosso caso.

Pela primeira vez Camilo jogou no bicho, escolheuomacaco,e,entrandocomcincotostões, ganhou não sei quantas vezes mais. Achou nisto tal despropósito que não quis crer, mas afinal foi obrigado a crer, ver e receber o dinheiro.

Naturalmente tornou ao macaco, duas, três, quatro vezes, mas o animal, meio-homem, falhou às esperanças do primeiro dia. Camilo recorreu a outros bichos, sem melhor fortuna, e o lucro inteiro tornou à gaveta do bicheiro. Entendeu que era melhor descansar algum tempo; mas não há descanso eterno, nem ainda o das sepulturas. Um dia lá vem a mão do arqueólogo a pesquisar os ossos e as idades.

EDITORA OLYMPIA

Camilo tinha fé. A fé abala as montanhas. Tentou o gato, depois o cão, depois o avestruz; não havendo jogado neles, podia ser que... Não pôde ser; a fortuna igualou os três animais em não lhes fazer dar nada. Não queria ir pelos palpites dos jornais, como faziam alguns amigos. Camilo perguntava como é que meia dúzia de pessoas, escrevendo notícias, podiam adivinhar os números da sorte grande. De uma feita, para provar o erro, concordou em aceitar um palpite, comprou no gato, e ganhou.

Então? perguntaram-lhe os amigos.

Nem sempre se há de perder, disse este.

— Acaba-se ganhando sempre, acudiu um; a questão é tenacidade, não afrouxar nunca.

Apesar disso, Camilo deixou-se ir com os seus cálculos. Quando muito, cedia a certas indicações que pareciam vir do céu, como um dito de criança de rua: “Mamãe, por que é que a senhora não joga hoje na cobra?” Ia-se à cobra e perdia; perdendo, explicava a si mesmo o fato com os melhores raciocínios deste mundo, e a razão fortalecia a fé.

GAMEFIQUE-SE

Em vez de reforma da repartição veio um aumento de vencimentos, cerca de sessenta milréis mensais. Camilo resolveu batizar o filho, e escolheu para padrinho nada menos que o próprio sujeito que lhe vendia os bichos, o banqueiro certo. Não havia entre eles relações de família; parece até que o homem era um solteirão sem parentes. O convite era tão inopinado, que quase o fez rir, mas viu a sinceridade do moço, e achou tão honrosa a escolha que aceitou com prazer.

Não é negócio de casaca?

Qual, casaca! Coisa modesta.

— Nem carro?

— Carro...

Para que carro?

Sim, basta ir a pé. A igreja é perto, na outra rua.

— Pois a pé.

Qualquer pessoa atilada descobriu já que a ideia de Camilo é que o batizado fosse de carro. Também descobriu, à vista da hesitação e do modo, que entrava naquela ideia a de deixar que

EDITORA OLYMPIA

o carro fosse pago pelo padrinho; não pagando o padrinho, não pagaria ninguém. Fez-se o batizado, o padrinho deixou uma lembrança ao afilhado, e prometeu, rindo, que lhe daria um prêmio na águia.

Esta graçola explica a escolha do pai. Era desconfiança dele que o bicheiro entrava na boa fortuna dos bichos, e quis ligar-se-lhe por um laço espiritual. Não jogou logo na águia “para não espantar”, disse consigo, mas não esqueceu a promessa, e um dia, com ar de riso, lembrou ao bicheiro:

Compadre, quando for a águia, diga.

— A águia?

Camilo recordou-lhe o dito; o bicheiro soltou uma gargalhada.

— Não, compadre; eu não posso adivinhar. Aquilo foi pura brincadeira. Oxalá que eu lhe pudesse dar um prêmio. A águia dá; não é comum, mas dá.

— Mas porque é que eu ainda não acertei com ela?

Isso não sei; eu não posso dar conselhos, mas querocrerquevocê,compadre,nãotempaciência

GAMEFIQUE-SE

no mesmo bicho, não joga com certa constância. Troca muito. É por isso que poucas vezes tem acertado.Diga-mecá:quantasvezestemacertado?

De cor, não posso dizer, mas trago tudo muito bem escrito no meu caderno.

— Pois veja, e há de descobrir que todo o seu mal estáemnãoteimaralgumtemponomesmobicho. Olhe, um preto, que há três meses joga na borboleta ganhou hoje e levou uma bolada...

Camilo escrevia efetivamente a despesa e a receita, mas não as comparava para não conhecer a diferença. Não queria saber do déficit. Posto que metódico, tinha o instinto de fechar os olhos à verdade, para não a ver e aborrecer. Entretanto, a sugestão do compadre era aceitável; talvez a inquietação, a impaciência, a falta de fixidez nos mesmos bichos fosse a causa de não tirar nunca nada.

Ao chegar à casa achou a mulher dividida entre a cozinha e a costura. Germana adoecera e ela fazia o jantar, ao mesmo tempo que acabava o vestido de uma freguesa. Cosia para fora, a fim de ajudar as despesas da casa e comprar algum vestido para si. O marido não ocultou o desgosto da situação.

EDITORA OLYMPIA

Correu a ver a preta; já a achou melhor da febre com o quinino que a mulher tinha em casa e lhe dera “por sua imaginação”; e a preta acrescentou sorrindo:

Imaginação de nhã Joaninha é boa.

Jantou triste, por ver a mulher tão carregada de trabalho, mas a alegria dela era tal, apesar de tudo, que o fez alegre também. Depois do café, foi ao caderno que trazia fechado na gaveta e fez os seus cálculos. Somou as vezes e os bichos, tantas na cobra, tantas no galo, tantas no cão e no resto, uma fauna inteira, mas tão sem persistência, que era fácil desacertar. Não queria somar a despesa e a receita para não receber de cara um grande golpe, e fechou o caderno. Afinal não pôde, e somou lentamente, com cuidado para não errar; tinha gasto setecentos e sete mil-réis, e tinha ganho oitenta e quatro mil-réis, um déficit de seiscentos e vinte e três mil-réis. Ficou assombrado.

Não é possível!

Contou outra vez, ainda mais lento, e chegou a uma diferença de cinco mil-réis para menos. Teve esperanças e novamente somou as quantias gastas, e achou o primitivo déficit de seiscentos e vinte e

GAMEFIQUE-SE

três mil-réis. Trancou o caderno na gaveta; Joaninha, que o vira jantar alegre, estranhou a mudança e perguntou o que é que tinha.

Nada.

— Você tem alguma coisa; foi alguma lembrança...

Não foi nada.

Como a mulher teimasse em saber, engendrou uma mentira, — uma turra com o chefe da seção, — coisa de nada.

Mas você estava alegre...

Prova de que não vale nada. Agora lembroume... e estava pensando no caso, mas não é nada. Vamos à bisca.

A bisca era o espetáculo deles, a Ópera, a Rua do

Ouvidor, Petrópolis, Tijuca, tudo o que podia exprimir um recreio, um passeio, um repouso. A alegria da esposa voltou ao que era. Quanto ao marido, se não ficou tão expansivo como de costume, achou algum prazer e muita esperança nos números das cartas. Jogou a bisca fazendo cálculos, conforme a primeira carta que saísse, depois a segunda, depois a terceira; esperou a

EDITORA OLYMPIA

última; adotou outras combinações, a ver os bichos que correspondiam a elas, e viu muito deles, mas principalmente o macaco e a cobra; firmou-se nestes.

O meu plano está feito, saiu pensando no dia seguinte, vou até aos setecentos mil-réis. Se não tirar quantia grossa que anime, não compro mais.

Firmou-se na cobra, por causa da astúcia, e caminhou para a casa do compadre. Confessoulhe que aceitara o seu conselho, e começava a teimar na cobra.

— A cobra é boa, disse o compadre.

Camilo jogou uma semana inteira na cobra, sem tirar nada. Ao sétimo dia, lembrou-se de fixar mentalmente uma preferência, e escolheu acobracoral, perdeu; no dia seguinte, chamou-lhe cascavel, perdeu também; veio à surucucu, à jibóia, à jararaca, e nenhuma variedade saiu da mesma tristíssima fortuna. Mudou de rumo. Mudaria sem razão, apesar da promessa feita; mas o que propriamente o determinou a isto foi o encontro de um carro que ia matando um pobre menino. Correu gente, correu polícia, o menino foi levado à farmácia, o cocheiro ao posto da

GAMEFIQUE-SE

guarda. Camilo só reparou bem no número do carro, cuja terminação correspondia ao carneiro; adotou o carneiro. O carneiro não foi mais feliz que a cobra.

Não obstante, Camilo apoderou-se daquele processo de adotar um bicho, e jogar nele até estafá-lo: era ir pelos números adventícios. Por exemplo, entrava por uma rua com os olhos no chão, dava quarenta, sessenta, oitenta passos, erguia repentinamente os olhos e fitava a primeira casa à direita ou à esquerda, tomava o número e ia dali ao bicho correspondente. Tinha já gasto o processo de números escritos e postos dentro do chapéu, o de um bilhete do Tesouro, — coisa rara, e cem outras formas, que se repetiam ou se completavam. Em todo caso, ia descambando na impaciência e variava muito. Um dia resolveu fixar-se no leão; o compadre, quando reconheceu que efetivamente não saía do rei dos animais, deu graças a Deus.

— Ora, graças a Deus que o vejo capaz de dar o grande bote. O leão tem andado esquivo, é provável que derrube tudo, mais hoje, mais amanhã.

Esquivo? Mas então não quererá dizer...?

EDITORA OLYMPIA

— Ao contrário.

Dizer quê? Ao contrário, quê? Palavras escuras, mas para quem tem fé e lida com números, nada mais claro. Camilo elevou ainda mais a soma da aposta. Faltava pouco para os setecentos mil-réis; ou vencia ou morria.

A jovem consorte mantinha a alegria da casa, por mais dura que fosse a vida, grossos os trabalhos, crescentes as dívidas e os empréstimos, e até não raras as fomes. Não lhe cabia culpa, mas tinha paciência. Ele, em chegando aos setecentos milréis, trancaria a porta. O leão não queria dar. Camilo pensou em trocá-lo por outro bicho, mas o compadre afligia-se tanto com essa frouxidão, que ele acabaria entre os braços da realeza. Faltava já pouco; enfim, pouquíssimo.

Hoje respiro, disse Camilo à esposa. Aqui está a nota última.

Cerca das duas horas, estando à mesa da repartição, a copiar um grave documento, Camilo ia calculando os números e descrendo da sorte. O documento tinha algarismos; ele errou-os muita vez, por causa do atropelo em que uns e outros lhe andavam no cérebro. A troca era fácil; os seus

GAMEFIQUE-SE

vinham mais vezes ao papel que os do documento original. E o pior é que ele não dava por isso, escrevia o leão em vez de transcrever a soma exata das toneladas de pólvora...

De repente, entra na sala um contínuo, chega-selhe ao ouvido, e diz que o leão dera. Camilo deixou cair a pena, e a tinta inutilizou a cópia quase acabada. Se a ocasião fosse outra, era caso de dar um murro no papel e quebrar a pena, mas a ocasião era esta, e o papel e a pena escaparam às violências mais justas deste mundo; o leão dera. Mas, como a dúvida não morre:

Quem é que disse que o leão deu? perguntou Camilo baixinho. O moço que me vendeu na cobra.

— Então foi a cobra que deu.

Não, senhor; ele é que se enganou e veio trazer a notícia pensando que eu tinha comprado no leão, mas foi na cobra.

— Você está certo?

Certíssimo.

Camilo quis deitar a correr, mas o papel borrado de tinta acenou-lhe que não. Foi ao chefe, contou-

EDITORA OLYMPIA

lhe o desastre e pediu para fazer a cópia no dia seguinte; viria mais cedo, ou levaria o original para casa...

Que está dizendo? A cópia há de ficar pronta hoje.

— Mas são quase três horas.

— Prorrogo o expediente.

Camilo teve vontade de prorrogar o chefe até ao mar, se lhe era lícito dar tal uso ao verbo e ao regulamento. Voltou à mesa, pegou de uma folha de papel e começou a escrever o requerimento de demissão. O leão dera; podia mandar embora aquele inferno. Tudo isto em segundos rápidos, apenas um minuto e meio. Não tendo remédio, entrou a recopiar o documento, e antes das quatro horas estava acabado. A letra saiu tremida, desigual, raivosa, agora melancólica, pouco a pouco alegre, à medida que o leão dizia ao ouvido do amanuense, adoçando a voz: Eu dei! eu dei!

Ora, chegue-se, dê cá um abraço, disse-lhe o compadre, quando ele ali apareceu. Afinal a sorte começa a protegê-lo.

Quanto?

— Cento e cinco mil-réis.

Camilo pegou em si e nos cento e cinco mil-réis, e só na rua advertiu que não agradecera ao compadre; parou, hesitou, continuou. Cento e cinco mil-réis! Tinha ânsia de levar à mulher aquela notícia; mas, assim... só...?

Sim, é preciso festejar esse acontecimento. Um dia não são dias. Devo agradecer ao céu a fortuna que me deu. Um pratinho melhor à mesa...

Viu perto uma confeitaria; entrou por ela e espraiou os olhos, sem escolher nada. O confeiteiro veio ajudá-lo, e, notando a incerteza de Camilo entre mesa e sobremesa, resolveu venderlhe ambas as coisas. Começou por um pastelão, “um rico pastelão, que enchia os olhos, antes de encher a boca e o estômago”. A sobremesa foi “um rico pudim”, em que havia escrito, com letras de massa branca este viva eterno: “Viva a esperança!”. A alegria de Camilo foi tanta e tão estrepitosa que o homem não teve remédio senão oferecer-lhe vinho também, uma ou duas garrafas. Duas.

Isto não vai sem Porto; eu lhe mando tudo por um menino. Não é longe?

EDITORA OLYMPIA

Camilo aceitou e pagou. Entendeu-se com o menino acerca da casa e do que faria. Que lhe não batesseàporta;chegasseeesperasseporele;podia ser que ainda não estivesse em casa; se estivesse, viria à janela, de quando em quando. Pagou dezesseis mil-réis e saiu.

Estava tão contente com o jantar que levava e o espanto da mulher, nem se lembrou de presentear Joaninha com alguma joia. Esta ideia só o assaltou no bonde, andando; desceu e voltou a pé, a buscar um mimo de ouro, um broche que fosse, com uma pedra preciosa. Achou um broche nestas condições, tão modesto no preço, cinquenta milréis — que ficou admirado; mas comprou-o assim mesmo, e voou para casa.

Ao chegar, estava à porta o menino, com cara de o haver já descomposto e mandado ao diabo. Tirou-lhe os embrulhos e ofereceu-lhe uma gorjeta.

Não, senhor, o patrão não quer.

— Pois não diga ao patrão; pegue lá dez tostões; servem para comprar na cobra, compre na cobra.

GAMEFIQUE-SE

Isto de lhe indicar o bicho que não dera, em vez do leão, que dera, não foi cálculo nem perversidade; foi talvez confusão. O menino recebeu os dez tostões, ele entrou para casa com os embrulhos e a alma nas mãos e trinta e oito milréis na algibeira.

EDITORA OLYMPIA

Pedro sobre Pedro

Carlos Henrique dos Santos

Pedro só queria vencer aquela partida de xadrez, mas Pedro não era bom jogador. Ontem Pedro acordou no meio de um sonho e ficou triste porque havia sonhado com sua mãe morta no caixão. Pedro não foi ao velório da mãe porque estava fora da cidade, saíra numa viagem escolar e só foi avisado da morte quando a mãe já havia sido enterrada.

Era 1997 e quase ninguém possuía aparelho

celular, Pedro não tinha celular, era um jogador ruim e estava fora da cidade quando a mãe morreu. Ainda assim Pedro não é um homem triste, pelo contrário, se há algo que Pedro adora fazer é rir. Pedro ri até de piada mal contada.

Ontem, antes de acordar no meio do sonho com sua mãe morta no caixão, Pedro assistiu partes de um filme do qual nunca ouvira falar, 8½, que estava sendo exibido na tv. Pedro estava passeando pelos canais quando se deparou com uma cena curiosa e que lembrava um sonho.

GAMEFIQUE-SE

Pedro ficou por uns minutos assistindo ao filme antes de pegar no sono e acordar no meio do sonho com sua mãe morta no caixão.

Quando soube do falecimento da mãe Pedro ficou sem palavras, sentiu um leve tremor nas mãos e começou a chorar. Pedro nunca gostou de chorar na frente das pessoas, no entanto, quando chegou da excursão, a diretora da escola o levou até sua sala e lá contou sem meias palavras o que havia acontecido com a mãe de Pedro. Nesse momento, ele não foi capaz de se controlar e chorou convulsivamente.

Alguns meses após a morte da mãe, Pedro começou a jogar xadrez, fez isso seguindo o conselho de uma tia. Segundo ela, Pedro deveria manter a mente ocupada e nada melhor do que aprender algo que exigiria dele bastante atenção e dedicação. Só que por mais dedicado e atencioso que Pedro fosse Pedro nunca se tornou um bom jogador de xadrez. Mas isso no fundo não incomodava Pedro.

Mesmo sabendo que era um mau jogador, ele sabia que existiam outros piores do que ele, o que lhe dava a chance de um dia vencer alguma partida. Para o torneio de hoje Pedro se preparou, como sempre, com dedicação e

EDITORA OLYMPIA

atenção. No entanto o sonho de ontem com sua mãe morta no caixão ainda estava bastante vivo na cabeça de Pedro.

Enquanto aguardava o horário da sua partida Pedro decidiu fumar um cigarro, estava se sentindo um pouco mais nervoso do que o normal e em situações como essas ele gostava de se isolar, ficar em silêncio e se concentrar apenas nocigarro.Assimcomoeradedicadoeatencioso com o jogo de xadrez Pedro também fumava com atenção, se concentrava única e exclusivamente no cigarro, sentia como se cada tragada lhe desse um pouco mais de vida, ânimo, paz e tranquilidade e assim Pedro fumava enquanto aguardava o horário do seu jogo.

O campeonato era amador, mas bastante organizado, eram mais de 150 inscritos de diversos lugares, incluindo desde jogadores mais experientes, só que não profissionais, até os simplesmente amadores, como Pedro.

Há cerca de dez anos Pedro participava desse tipo de torneio, mas ainda não havia vencido nenhuma partida, o que porém não o incomodava, já que saber que não era um bom jogador fazia dele alguém bastante consciente das suas limitações. Mas há alguns dias Pedro se

GAMEFIQUE-SE

sentia mais confiante e por isso acreditava que dessa vez seria diferente. Só que Pedro não contava que acordaria no meio de um sonho com sua mãe morta no caixão às vésperas da partida.

Do sonho em si Pedro pouco lembrava e o que mais o incomodava era ter que recordar da morte da mãe e da sua ausência no velório. Pedro não era religioso, mas se via, em alguns momentos de tristeza, indagando a Deus o porquê de ter levado sua mãe justo quando ele não estava presente. O passeio de quatro dias para um hotel fazenda era o mais aguardado daquele ano, seria o encerramento de um ciclo, poismarcariaapassagem doensino fundamental para o ensino médio e toda a turma estava empolgada.

Pedro passou dias se preparando para a viagem e todas as suas expectativas foram atendidas, tendo Pedro conseguido até mais do que esperava, já que foi nessa excursão que ele, aos 15 anos, perdeu sua virgindade e esse fato, que deveria ser dos mais marcantes na vida de um jovem, acabou se tornando um grande martírio para Pedro, pois foi justo nesse dia, no pequeno intervalo de tempo que passou longe, que sua

EDITORA OLYMPIA

mãe faleceu, o que deixava em Pedro um sentimento confuso de culpa.

Quinze anos após a morte da mãe Pedro ainda se recriminava por ter sentido um prazer enorme no mesmo dia em que ela morreu e agora, enquanto se prepara para sua partida no torneio de xadrez, Pedro não consegue se concentrar, não sai da sua cabeça a imagem do sonho de ontem da mãe morta no caixão.

Após terminar o cigarro Pedro vai ao banheiro, lava o rosto e sente-se um pouco mais calmo. Sai do banheiro e caminha até a cafeteria do clube de xadrez. Enquanto aguarda seu expresso Pedro tenta se concentrar em algumas jogadas, refaz mentalmente alguns movimentos, tenta visualizar o tabuleiro e as peças, imagina movimentos, seus e de seu adversário, pega um guardanapo, faz pequenas anotações e se empolga novamente acreditando que hoje pode ser o seu dia. Quando a garçonete se aproxima trazendo o café de Pedro ele levanta a cabeça e vê gravado no uniforme o mesmo nome de sua mãe. Diz um obrigado um tanto triste e fica novamente abalado ao relembrar o sonho com a mãe morta no caixão.

GAMEFIQUE-SE

Pedro confere as horas, bebe o café, paga a conta e vai para o salão de jogos. Encontra sua mesa, senta-se e, mesmo sabendo que não é um bom jogador, joga com bastante atenção e concentração enquanto lembra da mãe morta no caixão.

Contos Paranormais –O aniversário Sangrento

(Cruvinel)

Célio D’Ávila

A família Cruvinel sempre foi conhecida por diferentes ações e áreas onde faturavam alto, mas também por mistérios e boatos, diversos deles perturbadores! Diziam que a fortuna da família teria vindo de negócios obscuros e a criação de pavões na verdade, eram apenas uma fachada para contatos com o outro lado, em troca de recompensas.

A família a essa altura era composta por quatro membros: Pai, mãe e dois filhos, neste conto dos Cruvinel, não vão ser encontradas muitas coisas sobre a maioria deles, até o presente momento os membros dos quaismaisse tem informação são os filhos: Clara Cruvinel e Pedro Cruvinel.

GAMEFIQUE-SE

O mais velho Pedro era presença constante em eventos de gala da sociedade, nos quais se presentava sempre muito bem trajado e com seu cabelo impecavelmente dourado, alguns diziam que pareciam ter luzes vindo de seus fios. Apesar disso, não possuía muitos amigos e conversava de forma pontual com dois círculos e pessoas, que alguns diziam ser “clubes” nos quais sabia-se que o filho mais velho compartilhava teorias absurdas sobre como a sociedade está sendo dominada por ocultistas e que a família Albatroz estava sendo a principal a macular a sociedade. Era muito discreto e poucas vezes sabia-se o que conversavam nesses círculos, apenas que frequentemente se reuniam após horário de aula no internato Anghell para famílias poderosas.

Conta-se que um dia após participar de um evento de formatura onde um membro de sua família Albatroz estava presente, assim como sua irmã (que também se formava naquele dia), o Cruvinel ficou ainda menos sociável e passou a se enfurnar mais em seu quarto, de onde podia-se ouvir estranhos barulhos, como versos sussurrados, enquanto vagarosamente o seu semblante assumia tons diferentes e seus olhos antes brilhantes, davam lugar a profundas olheiras.

EDITORA OLYMPIA

O foco deste conto, é no entanto, a mais nova da equipe, Clara Cruvinel. Uma garota que todos viam como tímida no dia a dia, mas que mudava de face completamente quando apresentava seu programa online “ Panela do pavão – P&P” na qual com seus melhores amigos – Renato (o câmera) e Laura José ela fazia receitas utilizando desde finos ingredientes a materiais tidos como de baixa qualidade para pessoas da alta sociedade, mas justamente por isso fazia sucesso entre as massas . Em seu programa o nível dos pratos era definido pelo número jogado em um dado de vinte lados e quanto mais alto o número, mais nobre seriam os ingredientes usados. Um bordão de seu canal era que ao jogar um dado, enquanto ele girava na mesa, ela dava um giro junto com ele dizendo “Eu gosto de rodopiar!”

Clara gostava de dizer que era uma garota cheia de energia, ela não era muito alta, tinha cerca de um metro e cinquenta e cinco, seu cabelo mesclava o tom dourado visto no seu irmão, mas ela tinha mechas roxas que ela jurava que tinham surgido sem tinta, ainda que sem a influência de algo que não fosse de nosso mundo, isso seria impossível. Seus olhos azuis eram um destaque que se viam a distância e que faziam vários jovens de sua idade

GAMEFIQUE-SE

se derreter por ela, ainda que ela nunca parecesse corresponder de forma direta (com exceção a quem dizia que ela escrevia poesias em seu pequeno caderno que ela carregava consigo para todososlados),suasroupascostumamvariarentre trajes esplêndidos de gala com a pomposidade de um pavão com seu leque aberto ou a simplicidade de uma blusa com a logo da revista de skate “Trasher” na cor preta, que ela costumava pegar emprestada de seu irmão (ainda que nunca tenham visto nenhum dos dois andando de Skate) se algo pudesse ser dito estranho na garota ?

Apenas uma cicatriz na testa, que nunca explicaram qual seria a causa.

O aniversário de quinze anos de Clara estava chegando, e por coincidência do destino, seu canal se aproximava da marca de 150 mil inscritos.

Para a dupla comemoração, a Familia Cruvinel marcou uma imensa festa de para garota e como atração principal, contrataram o famoso bonequeiro Wymber, para fazer um show com sua fantoche Julia. Foi a própria Calara quem decidiu a atração, pois muito antes daquele bonequeiro ser famoso, ela havia visto uma apresentação dele na porta do internato, a vida de Wymber ainda não era fácil ou glamorosa na

EDITORA OLYMPIA

época e ele acabou expulso da porta do internato, de onde foi expulso sem pudor pelo então diretor Luiz Francisco, mas Clara via nos bonecos feitos de garrafa pet, algoque parecia magnético,mesmo meses antes de Wymber aparecer com a misteriosa e “mágica” Julia que o tornará famoso e por esse magnetismo, ela solicitou que seus pais contratassem ele para seu aniversário, lembrando a família que o próprio boneco manipulado pela amiga, Laura José no seu canal, era uma homenagem ao artista.

Além da badalada atração, a família Cruvinel convocou os mais famosos da cidade, como cantores sertanejos, políticos influentes e diversos donosdeempresaqueconsumiamosprodutosdo negócio da família. O pai de clara dizia para ela –Na noite do evento, minha estrela energética, você vai começar transcender para os negócios da família de uma vez por todas e ser apresentada formalmente a sociedade como uma das herdeiras de nosso império! Por isso mesmo, seu irmão Pedro vá preparar uma coisa especial para a festa.

Mas nem mesmo o pai poderia esperar o que iria acontecer nos dias seguintes e o que haveria dentro da grande caixa de presentes que seria

GAMEFIQUE-SE

aberta antes da primeira dança da debutante Cruvinel, Pedro ainda que distante como estava parecia estar com hiper foco nessa história e em criar uma situação que ele mesmo só conseguia descrever como inesquecível.

Para uma festa tão digna, o patriarca Cruvinel havia alugado o todo o espaço do Castelli eventos na cidade de Uberlândia e Clara estava radiante no dia de sua festa, um de seus presente havia sido uma imensa tatuagem em suas costas... um pavão em uma cor entre rosa e roxo que alguns juravam parecer brilhar, como energia. Usava um vestido longo com cores verde e azul, com uma calda imensa e um mecanismo que quando a debutante apertava um botão, fazia a cauda de levantar e abrir-se em suas costas, como um leque de pavão. Os fotógrafos mais experientes da cidade, que já havia feito cobertura de jornais famosos e até uma família de fotógrafos da cidade vizinha estava lá para cobrir o evento, que teve que lidar com dificuldade para conter todas emissoras de TV que queriam cobrir a festa.

Seus melhores amigos na época Laura Jose, Renato, Adam e Nathielly ficaram ao lado dela o tempo todo (ainda que muitos não soubessem

EDITORA OLYMPIA

quem era o Renato, já que ele era quem filmava o programaejamaisapareceudiante dascâmerasou quem eram Adam a Nathielly, que sempre cuidavam do cenário e roteiro, respectivamente), pela dimensão do evento e para manter seus inimigos perto, os Albatroz foram convidados, mandando apenas dois de seus filhos, Guilherme Albatroz e João Pedro Albatroz (que geralmente era chamado de Gelado Albatroz, por sua frieza ao manter os negócios assumidamente ilícitos de sua família).

A festa correu maravilhosamente bem e logo veio a hora da apresentação de bonecos de Wymber, que nem parecia ter apenas um metro e cinquenta de altura quando estava no palco. Sua apresentação foi de uma das mais tradicionais peças no seu repertorio, uma encenação de Dom Quixote de la mancha onde ele interpretava o protagonistaeseufantocheaamada DulcinéiaDel Toboso, as pessoas ficam sempre fixadas em Julia quando Wymber a manipulava e parecia que ela mesmo quem tinha vida , já que a boca do artista jamais se mexia enquanto ele a manipulava. Na tragicômica encenação, diferente do original Dom, Quixote e Dulcineia viviam um amor real, até que Dulcineia teria sido enganada por uma

GAMEFIQUE-SE

Malévola bruxa para que parecesse culpada pelo adormecimento de umaprincesa chamadaaurora, resultando no abandono de Dulcineia que diante disso, teria se tornado realmente uma ocultista.

Logo após Clara foi apresentada ao artista que disse: “ Respeitosamente senhorita, tenho motivos para crer que aquele presente gigante pode ter algo de muito perigoso, se conseguir, afaste-se e aos seus amigos daquela coisa, se algo acontecer,” a boneca Júlia assume a fala: “ Nós prometemos que vamos chutar a bunda do que sair de lá de dentro” e voltando a voz de Wymber – Agora aceite este guarda-chuva azul como as penas de seu vestido o nome dela é Yasmin e eu o montei com a ajuda da famosa pintora Scarlet –a aniversariante que era mais alta que o artista o abraçou emocionada, já que também era fã da pintora.

Chegou a hora e finalmente Pedro Cruvinel estava pronto para abrir o presente, sua roupa no dia era um quimono, que ele usava em suas aulas de karatê, mas o traje era tão vistoso com suas linhas douradas e o brasão da família próximo ao seu coração, que as pessoas praticamente não ligavam que não fosse um traje de gala.

EDITORA OLYMPIA

Naquele dia, o primogênito Cruvinel havia soltado pouquíssimas palavras e se soubessem o que viria a seguir, todos desejariam que tivesse continuado assim.... O garoto repentinamente tira de sua roupa um livro como um grimório antigo e começa a recitar palavras impossíveis de interpretar, enquanto uma luz vermelha toma conta do interior do presente e logo se espalha, revelando ser um mar de sangue enquanto o presente se abre, revelando cinco Zumbis de sangue, enquanto Pedro Gargalhava de forma compulsiva com olhos vermelhos.

As criaturas não eram grandes, seu tamanho era de no máximo um metro e cinquenta e cinco, o que deixará Wymber chateado por até essas criaturas serem mais altas do que ele, a pele das criaturas era vermelha, como uma mistura entre músculos e sangue, com alguns pedaços de seus rostos quase soando intactos, mas que iam caindo a medida que as criaturas andavam. Um deles saltou em direção a garotaCruvinel, mas antes que ele a pudesse alcançar, ela pode ver Wymber com seus olhos completamente negros a parte esquerdadeseucorpotomadopelafantocheJulia, conseguindo ouvir apenas sua mão direta tocar o guarda-chuva dela enquanto ele jogava um liquido

GAMEFIQUE-SE

preto recitava algo, mas clara só conseguiu entender o final “ Amaldiçoar arma” e sua mão com o fantoche brilhasse enquanto ele disparava um raio que parecia ter vários pequenos fantoches juntos.

Clara viu várias espiraisnascerem no guarda-chuva e alguns desenhos com crânios enquanto ele se abria sozinho revelando ter uma espingarda por dentro, infelizmente tão rápido quanto isso aconteceu, um dos zumbis cravará suas garras no peito de Renato, outro cortará brutalmente a cabeça de Adam e os dois seguintes estavam em cima de suas outras amigas que tentavam resistir. Algumas pessoas relatam que neste momento, Gelado Albatroz soltava uma espécie de linha vermelha que repentinamente parecia ligada ao corpo de Pedro enquanto saia correndo, seu irmão Guilherme olhava para os zumbis e parecia reconhecer um deles dizendo “Jean” antes de ser puxado pelo irmão.

-— Ah, Julia, é como se fossemos limitados por turnos, para agir, mas podemos atacar mais um agora... Clara faça o mesmo! disse Wymber enquanto corria para o corpo de Nathielly e com novamente com sua mão brilhando, agora viram

EDITORA OLYMPIA

ela esticar, enquanto o fantoche engolia o corpo do zumbi para no fim arrotar dizendo “sempre o mesmo gosto de frango podre, credo! Clara mal teve tempo para absorver aquilo e apontou para o zumbi que estava no corpo de sua amiga Laura e deslizando para atirar por baixo, acerta em cheio o corpo do zumbi. Mas como disse Wymber, aquele turno ainda não havia acabado e um dos zumbis pula no peito do artista que tenta desviar, mas fica com o zumbi preso em seu ombro, enquanto o outro tenta acertar Clara, que desvia rodopiando, mas isso faz com que ele mordesse em cheio o peto de sua amiga, arrancando seu coração e sujando o rosto da debutante de sangue a deixando em um estado temporário de insanidade. .

Neste momento, ainda com dois zumbis vivos, Wymber bradou furioso: —Maldição família Cruvinel, protejam a sua caçula, todos dizem que vocês são uns ocultistas miseráveis, deixa de trouxa e me ajuda aqui! Clara, não se deixe entregar ainda, faz um ritual, faz alguma merda, mostra que você gosta de rodopiar!- as palavras de Wymber quase trouxeram Clara de volta, mas foram o suficiente par Pedro voltar a si e juntando as mãos dizer “Laura, Raquel, Ataquem”, fazendo

com que duas adagas voassem em direção ao zumbi que estava próximo a sua irmã, que rapidamente volta a consciência.

Tomada pela raiva e com cede de justiça, a tatuagem de clara começou a brilhar, enquanto a cicatriz emsua testa se abria revelando um terceiro olho e ela grita “ Senhoras, e senhores, o prato do dia vai ser ensopado de monstros com molho de vingança!”, seus olhos comeram a brilhar pula no ultimo zumbi que está preso a Wymber, disparando raios roxos enquanto dizia “Eu gosto de rodopia, porra!” disparando com precisão e de forma crítica em uma das criaturas o que fez Julia Imediatamente diz “ Caralho! A maluca é braba!”.

Logo, num ímpeto de vingança clara partiu para cima de Pedro com toda força, mas Julia e Wymber gritaram - Ele está amaldiçoado! Não fez intencionalmente. - Enquanto ela via seu irmão de joelhos com lagrimas correndo pelos olhos enquanto ele gritava o nome dos amigos de seu irmão que haviam morrido. Clara em um misto de choro e insanidade, diz para o artista e seu fantoche seus amigos mortos e para Wymber –Acho que esse é o pior aniversário que você já trabalho - e o pequeno homem logo responde –

EDITORA OLYMPIA

Por que você não estava em um cruzeiro onde estive semana passada, mas se serve de consolo, e se eu puder te ajudar, ficaria feliz em ter você como minha discipula, basta você entrar para a ordem.

Enquanto dialogavam, rapidamente membros da ordem entraram e começaram a ajudar a conter as pessoas, amarrando Pedro para conter qualquer ritualeolevandoembora, depoisdealgumtempo os membros da ordem reuniram todos presentes próximos do palco e coube a Wymber começou a convencer algumas pessoas de que aquilo havia sido apenas um show de mágica feito por adolescente excêntricos influenciados pela serie da Wandinha, o que incrivelmente foi comprado pelo público, parecendo que realmente o artista tinha um dom de diplomacia e enganação maior que o comum.

Depois desse dia, Clara passou a frequentar a ordem com mais frequência e com ajuda de Wymber criou um boneco em formato de papagaio para se chamar Laura José e ficar no lugar de sua amiga, dizendo que a original apenas havia desenvolvido um trauma de câmeras. Ainda não se tem notícia de onde Pedro está atualmente,

GAMEFIQUE-SE

mas dizem que em uma das celas da ordem, enquanto Clara prometia se tornar uma agente para conseguir perseguir toda família Albatroz e fazer com que aqueles esoterroistas pagassem pelos seus atos e não afinassem mais a membrana que separa nosso mundo do outro lado .Mas bem, as próximas aventuras são assunto para outro conto dos Cruvinel.

EDITORA OLYMPIA

Contos Paranormais – O dia do pássaro caído.

Célio D’Ávila

A família Albatroz sempre foi conhecida por ser envolvida em histórias sinistras, arquirrivais dos Cruvinel, seu legado era baseado na exploração de família mais fracas, financeiramente, psicologicamente e dizem que até mesmo por meio de rituais ligados ao outro lado. Pouco se sabe sobre o por que esse pássaro é o brasão da família, mas o patriarca que atualmente foi para o continente africano a negócios, dizia que a linhagem veio das regiões mais nobres da Europa.

A família a essa altura era composta por cinco membros: Pai, mãe e três filhos, neste conto dos Albatroz, não vão ser encontradas muitas coisas sobre a maioria deles, até o presente momento os membros dos quais mais se tem informação dois dos filhos: Guilherme Albatroz e e João Pedro Cruvinel, que muitos conheciam como Gelado.

GAMEFIQUE-SE

Gelado era um ocultista poderoso, já havia se exposto ao paranormal repetidas vezes, no começo por um motivo nobre, mate-lo vivo.

Induziram diversos experimentos paranormais no garoto durante sua infância, com o objeto de conseguir por meio do outro lado, curar um câncer e conseguiram, quando Gelado desenvolveu afinidade com o elemento da morte, como grande parte da sua família. Mas depois disso, começou a fazer por gosto, o elemento pulsando em seu corpo o fez se viciar no uso do outro lado, mesmo quando ele acabou perdendo umas de suas pernas ao tentar fazer um ritual de poder maior do que podia controlar naquele momento.

Guilherme era um garoto um pouco desengonçado, mas muito popular no internato Anghell, onde passará alguns anos estudando junto com a caçula dos Cruvinel, Clara. Até que acabou se atrasando por uma reprovação, mas se todos Albatroz tem segredos, o mais íntimo do coração de Guilherme era sempre o seu modo de sentir o amor, seus sentimentos eram vivos, como impulsos quase animais, bombeando como sangue, o que levou o garoto a se sentir dividido entre dois amores, Clara Cruvinel (um amor

EDITORA OLYMPIA

proibido, por ser de sua família rival) e Jean Carlos Gavião (um amor proibido, pois sua família não via a bissexualidade com bons olhos).

Conta-se que no dia em que aconteceu uma apresentação de um artista de um metro e cinquenta de altura na porta da escola, Jean Carlos desapareceu, sendo que algumas pessoas relatavam ter visto um grupo de pessoas encapuzadas o levarem desacordado para dentro de uma van preta. Guilherme suspeitava que aquilo poderia ser obra de sua família, era comum que eles sequestrassem pessoas para fazer experimentos e transformá-las em criaturas paranormais, mas se coração torcia para ele estar errado,poisseu irmãoGelado,eraumdos poucos que sabia sobre o íntimo de seus sentimentos.

Gelado um dia chamou seu irmão para uma conversa séria, onde apresentou o que seria o grande plano dos Albatroz para acabar com a moral da família Cruvinel na sociedade Uberlandense e tudo começaria na formatura deles, no nono ano do internato. Onde com a ajuda de Guilherme, eles iriam parasitar a mente do irmão mais velho de Clara, para conseguir começar o plano que teria sua culminância do

GAMEFIQUE-SE

aniversário de 15 anos da garota, meses depois. Naquele momento, Guilherme não sabia que isso envolveria o uso de outras pessoas e por seu ódio irracional contra os Albatroz, aceitou sem pestanejar o plano.

A formatura foi um evento luxuoso realizado na Acrópole com todas as despesas custeadas pela família Cruvinel, que não queria que sua caçula tivesse uma cerimônia de formatura social, como era comum para abarcar as famílias mais pobres que estudavam ali. Clara e seus melhores amigos dançaramanoitetoda,sendoRenatoumdestaque na pista com seus passos de breakdance que todos sempre queriam ver, mas apenas nas raras vezes que ele deixava sua timidez de lado, conseguia executar. Dizem que foi enquanto duas alunas peculiares apresentaram um show improvisado junto com seu professor de arte, que Guilherme teria ido até a mesa dos Cruvinel e colocado uma larva paranormal na bebida de Pedro, a fazendo ficar invisível, enquanto ele sustentava um ritual para mantê-la nesse estado. Por estar tão feliz por sua irmã, ainda que fosse um ocultista experiente, Pedro não sentiu a presença paranormal na bebida e ingeriu a larva, ficando desde então menos sociável e suscetível as ordens mentais à

EDITORA OLYMPIA

distância dadas pelos Albatroz em seus círculos de transcendência.

Após aquele dia, Guilherme começou a se sentir culpado, pois foi quase um ano de espera vendo Pedro contaminado pela larva, já que clara faria aniversário apenas no dia onze de setembro do ano. O garoto aos poucos começou a abandonar o gel de cabelo que era tão característico dos Albatroz, tal como as vestimentas padrão que ele usava, sempre ostentando ser parte do time de futebol da família. Agora Guilherme usava apenas uma blusa transparente sem mangas e um colete por cima, saindo todas as noites para as regiões commaisarvoresdacidadeempunhandoseuarco e flechas com penas do pássaro albatroz e sua espada, que parecia extremamente enferrujada e inofensiva, mas era uma relíquia de família apelidado de ceifa-pavão, por já ter sido usada para matar muitos membros da família rival em décadas anteriores.

Um dia, no entanto, ele teve que parar de frequentar o internato, devido a um incidente durante a noite, onde uma das criaturas criada por sua família havia fugido, um enorme e bizarro lobo com corpo retorcido e com sua coluna e

GAMEFIQUE-SE

cabeça completamente invertidas, com os ossos proeminentes e olhos vermelhos onde deveria ser sua mandíbula.

Nidere é um enorme lobo retorcido e desfigurado, andando em duas patas, porém, com sua coluna completamente invertida para trás, fazendo-o assim, andar quase como se estivesse de costas. Sua cabeça é a de um crânio de um lobo de ponta cabeça, onde originalmente seria a parte de baixo de sua mandíbula, o Nidere possui dois brilhantes olhos vermelhos. Guilherme foi pego de surpresa pela criatura que gravou suas garras no tronco do garoto o perfurando e deixando em estado próximo a morte, até que usa família chegou e conteve a criatura, para que pudessem manter o garoto vivo, foi preciso que gelado usasse um ritual de cura que o faria envelhecer um ano a cada vez que usado e dado a gravidade do ferimento, foi necessário fazer duas vezes. Portanto, não era mais cabível que Guilherme fosse a escola, por ter envelhecido tanto da noite para o dia.

Após essa noite, ele só foi visto novamente no próprio aniversário de Clara que teria a presença dofamosobonequeiroWymber,queiriafazerum

EDITORA OLYMPIA

show com seu fantoche Julia, um show bem diferente daquele que os Albatroz usaram como plano de fundo para sequestrar Jean no ano anterior. Por ser um evento que contava com as mais influentes figuras da cidade, para apresentar a debutante da família, os Cruvinel precisaram manter a boa aparência e descrição e por isso chamaram os Albatroz, que foram representados por Gelado e Guilherme (ainda que quase ninguém reconhecesse o garoto com a nova aparência envelhecida).

Gelado já tinha todo seu plano orquestrado, nos últimos meses controlando a mente de Pedro Cruvinel, eles haviam feito com que o garoto levasse em um imenso presente, cinco zumbis de sangue que seriam usados para matar a aniversariante e o máximo de pessoas que eles conseguissem (claro que Guilherme não estava ciente deste plano), enquanto isso a festa ocorreu normalmente, com uma inesquecível apresentação de Wymber, que nem parecia ter apenas um metro e cinquenta de altura quando estava no palco enquanto apresentava sua tradicional encenação de Dom Quixote de la mancha, onde ele interpretava o protagonista e seu fantoche a amada Dulcinéia Del Toboso.

GAMEFIQUE-SE

Enquanto as pessoas ficam sempre fixadas em Julia quando Wymber a manipulava e parecia que ela mesmo quem tinha vida, já que a boca do artista jamais se mexia enquanto ele a manipulava.

Foi exatamente essa distração que fez com que gelado conseguisse fazer com que o parasita paranormal assumisse o controle de Pedro completamente, gerando uma fina linha vermelha que Gelado usou para controlar o corpo do garoto. Assim, quando chegou a hora de abrir o presente, Pedro tira de sua roupa um livro um grimório antigo e começa a recitar palavras impossíveis de interpretar, enquanto uma luz vermelha toma conta do interior do presente e logo se espalha, revelando ser um mar de sangue enquanto o presente se abre, revelando cinco Zumbisde sangue, enquanto Pedro Gargalhava de forma compulsiva com olhos vermelhos.

Neste meio tempo Wymber já havia percebido tudoecomeçouaagir,masnãorápidoo suficiente para impedir a morte dos quatro melhores amigos de Clara Cruvinel, a última coisa que Guilherme conseguiu ver foi a cabeça de seu antigo colega de sala, Adam rolando pelo salão, enquanto reconhecia que parte da carne humana ainda

EDITORA OLYMPIA

presa no corpo daquele zumbi de sangue, ele ainda tentou de alguma forma conter o zumbi gritando o nome que ele tinha quando era vivo –Jean! – mas não havia mais alma naquele corpo que foi completamente consumido pelo outro lado, e no salto que deu para seu primeiro ataque, a faixa que Jean costumava usar em sua cabeça caiu e Guilherme, aos prantos pegou ela e colocou na cabeça, antes de ser puxado para fora por seu irmão, enquanto via um de seus antigos amados banhar de sangue o salão no dia mais importante da outra dona de seu coração.

A situação do aniversário foi resolvida por Wymber e a ordem paranormal na medida do possível, mas Guilherme naquele dia sentiu o sangue mais ardente do que nunca ao ter consciência de que duas de suas paixões jamais poderiam ser suas e o sangue se tornou ódio e o ódio se tornou contra sua própria família, fazendo com que o garoto decidisse chamar uma audiência com a cúpula Albatroz, onde vários descendentes pelo pais eram forçados a vir. Seu irmão o tentava alertar – Eu reconheço sua dor e lamento ter feito o que a família precisava, irmão. Eu realmente te amo, mas amo mais o nosso legado. Mas enfrentar a cúpula é algo grande demais, você será

considerado traidor e com isso, terá que sofrer o castigo mais humilhante a ser aplicado aos traidores do nosso sangue! – dizia o seu irmão mais velho.

Mas já não havia mais espaço para aceitar a morte, tão querida pela sua família em um coração que clamava pelo sangue. Durante todos os anos em que Guilherme foi forçado a estudar anatomia humana para ser capaz de criar zumbis, como aquele, no fundo ele queria apenas usar esse conhecimento para praticar medicina e salvar pessoas e após o aniversário sangrento de Clara, ele decidiu que se arrependeria de toda ligação com a parte ruim de sua família, renegaria até mesmo os rituais que já conhecia, para poder ajudar as pessoas.

A cúpula foi convocada, composta por ao menos um membro Albatroz de cada estado do Brasil e para a surpresa de Guilherme, até mesmo seu pai aparecerá, com sua pele negra e seus um metro e noventa de altura, além dos músculos enormes, ele seria o Juiz da sessão e para o azar do garoto, para seu pai o legado vem muito antes dos laços de sangue.

EDITORA OLYMPIA

— Bem, senhores da corte, o que apresento para vocês é que quero permissão para que possa sair dessa família, eu não tenho a mesma frieza que vocês e certamente não tenho afinidade com a morte. Eu só peço que me deixem em paz viver fora do círculo de nossa família, não me levantarei contra vocês, mas também não quero ter que sentir o peso de ser um assassino. Ninguém de vocês ao menos sabe dizer por que somos inimigos dos Cruvinel, nunca foi revelado o real motivo dessa guerra ridícula, mas eu sei que ela não é minha. — Disse o garoto em frente aos seus familiares.

Após uma série de diálogos entre os representantes dos estados, ficava claro que nenhum deles apoiava a decisão e que um Albatroz que quer sair da família se torna inimigo dela, como seu pai deixou claro no veredito – Sim, jovem Guilherme. Você por muitos anos foi um filho honrado e respeitado, mas é inaceitável que alguém se levante contra a sagrada ave de nossa família, ainda mais em apoio a escorria Cruvinel. Se quer saber sobre o por que a guerra começou, talvez tenha que buscar respostas entre os primeiros seres, quem sabe até mesmo um Enoque, mas mesmo com todo amor que eu lhe

GAMEFIQUE-SE

tive um dia, você está excomungado dessa família e deverá sofre a punição que todos os excomungados recebem.

Gelado tentou intervir: Pai, cúpula, perdoem esse herege, eu amo meu irmão e serei responsável por guiar seu caminho de volta ao amor a nossa causa, nem que para isso eu tenha que tirar todo o sangue de seu corpo. — Mas ainda queojovemfosseclaramenteomaispromissordo clã a cúpula não ouviu suas palavras e começou a pronunciar versos de difícil compreensão, enquanto a espiral com símbolo de morte brilhava em torno de Guilherme e Gelado (que havia se coloca a frente do irmão). O brilho negro se tornara lodo e esse lodo de morte aos poucos foi revelando patas que pareciam ter mais patas dentro de si e o corpo de diversas aranhas começa a emergir diante de Guilherme e Gelado.

O jovem que queria enfrentar sua família sabia que aquilo seria o fim então gritou – Saio dessa família, mas não abandonarei o nome, pois serei eu o Albatroz que vai corrigir os pecados de nosso nome, a única coisa que muda em mim, é que a partir de hoje, honrarei também uma das vítimas, levando seu nome. Hoje em memoria daquele

EDITORA OLYMPIA

que tinha esse lenço vermelho que levo na testa, passo a me chamar Jean Guilherme Albatroz, e vocês ainda vão ouvir me nome ser pronunciado, enquanto eu estiver limpando as suas merdas do mundo! — enquanto ele dizia aquilo, as aranhas começaram a aglomerar-se tomando a forma de apenas uma enorme em frente aos irmãos — Gelado, saia daí ou você também será consumido disse o pai aflito pelo filho que não era traidor.

Enquanto a Aracnasita arremessa sua teia em direção a Gelado que tenta ainda proteger o irmão, mas o agora Jean Guilherme Albatroz tem nasuamissãoosacrifícioepulanafrentedoirmão em um impulso final, sendo carregado pela teia e engolido pelo ser paranormal, permanecente em estado de estase dentro do corpo dela, enquanto gelado bate a mão no chão e chora por seu irmão, mas a cúpula não liga para o garoto, enquanto entoa cânticos e uma serie de fitas com sigilos começa a cobrir o corpo da aranha e o patriarca Albatroz profere: Queo corpodessa aranha seja teleportado para a floresta, para que nosso plano para a região continue. E a partir de hoje, Guilherme Albatroz deve ser riscado de nossa arvore genealógica.

GAMEFIQUE-SE

VIDA LONGA AO LEGADO ALBATROZ!

VIDA LONGA AO LEGADO ALBATROZ! –

cantam juntos os membros da família, enquanto esse conto se encerra, mas a jornada de Jean Guilherme Albatroz, ainda promete ser longa.

EDITORA OLYMPIA

Edineia Werner

Doçura

Carmen descobriu os doces em um dia de chuva. Ela tinha mais de sessenta anos. Aposentada, passava os dias cuidando do jardim e sonhando com netos que seus filhos não a quiseram dar. Estava na condição de viúva há mais de 10 anos, após seu marido fumante ser acometido por um câncer de pulmão rápido e rasteiro.

Dona Carmen não tinha grandes preocupações e gostava do silêncio que a solidão fazia ecoar pelas paredes. Estava acostumada com a própria presença e não almejava dividir seu ninho com outras pessoas. Se o destino havia escolhido aquele desfecho, quem seria ela para questioná-lo.

Mas os doces vieram e ficaram. Quem lhe mostrou foi seu filho mais novo, professor da educação básica. Aparentemente, o jogo era uma febre entre pré-adolescentes. O filho fez o download por precisar se inteirar da brincadeira e

GAMEFIQUE-SE

ter assunto com as crianças no portão, enquanto seus pais não chegavam para retirá-las. O educador ficou fascinado e foi flagrado jogando em uma das visitas de sua mãe. Pronto! Ela também foi fisgada pela brincadeira.

Nos dias de chuva, os silêncios da antiga casa quase vazia eram quebrados pelos ecos dos ruídos musicais do jogo. Balas coloridas se juntavam para presentear a simpática senhora com estrelas e novas fases. Ela não era capaz de deixar o sofá enquanto ainda tivesse vidas. Ganhava dos guaxinins e de quaisquer outros bichinhos que o próprio jogo usava para imprimir desafios. Chegou na fase seis mil antes de seu próximo aniversário.

Dona Carmen era um fenômeno do Candy Crush. Não havia outra como ela. Seus filhos tentaram acompanhá-la. Em vão. Eram desistentes. Quando as fases ficavam difíceis, eles abandonavam o jogo por semanas e perdiam os bônus diários. Ela não. Outros jogos vieram e se foram, mas ao Candy Crush ela era fiel. Todo santo dia ocupava seu lugar no cantinho do sofá e jogava até não restarem vidas.

EDITORA OLYMPIA

E assim a sua vida também se foi, restando a quem ficou apenas a lembrança da velhinha que nunca foi avó e que descobriu prazer numa tecnologia que lhe alcançou somente na terceira idade. As vidas do jogo se esgotaram. Sua vida se esgotou. Dizem que quem passar por seu túmulo hoje poderá ver esculpida na pedra uma bala colorida, memória de um tempo feliz e da inclusão da idosa nessas coisas tecnológicas que tanto cativam aos jovens.

Malulinha, a gauchinha

Lá estava a Dona Irene desesperada, pois havia perdido a filha de vista por um minuto. Um mísero minutinho! Cadê aquela garota?

– Malulinha, cadê você? Malulinha!!!

Nada! Nadica de nada da menina, que, bem antes de andar, já engatinhava pela casa à procura de aventuras. Mas cadê essa guria? Vamos tentar ajudar aquela mãe desesperada, que havia se distraído com a Bebel e a Clarinha por um instante.Ah,essas duasoutrassãoasirmãscaninas da Malulinha. Irmãs de sangue, pois, não raro, as três se engalfinham por conta de uma bolinha.

Nascida e criada no Menino Deus, o mais tradicional bairro de Porto Alegre, a Malulinha possui alguns amiguinhos por ali. Pois é, ela se diverte muito com o Serginho, que é apenas dois dias mais velho. Dois dias! Acredita nisso? Também apronta muitas com a Nena, que vive

EDITORA OLYMPIA

reclamando dos preços de tudo. Outros coleguinhas são a Jojô, a Florisbela, o Bicudo e o Ravi.

Mas voltemos à residência da Malulinha, onde sua mamãe já estava arrancando os cabelos de tão desesperada. Olhou debaixo das camas. Nada. Olhou dentro dos armários. Nada. Olhou até dentro da máquina de lavar. Nada. Onde teria se metido aquela espoleta?

Dona Irene, de tão aflita, nem percebeu que a Bebel e a Clarinha também haviam desaparecido, tamanha a preocupação com a caçulinha da trupe. Na verdade, ela até percebeu, mas demorou um tempinho. É que ela se lembrou de pedir ajuda às suas filhas caninas para encontrar a Malulinha. Mas cadê aquelas duas? Aliás, cadê aquelas três?

A campainha tocou. A mulher foi atender. Era o Dudu, seu marido, que trazia duas melancias, uma em cada mão, o que o impediu de abrir a porta.

— Olha o que eu trouxe!

Nem precisava falar.

Ué, o que houve?

GAMEFIQUE-SE

— A Malulinha desapareceu!

— Como assim?

Não sei como.

Cadê a Bebel e a Clarinha?

— Sumiram também. Não faço a menor ideia de onde aquelas três podem estar. Já revirei toda a casa e nada.

— Será que elas não foram dar uma volta na pracinha?

— Não, pois as coleiras estão aí penduradas na porta.

— Hum... Tenho uma ideia!

— Que ideia, Dudu?

O homem foi até a cozinha, lavou uma das melancias e a partiu. Colocou vários pedacinhos em uma grande bacia e, em seguida, voltou a conversar com a esposa.

— Amor, que tal comermos uma melancia inteirinha só nós dois?

EDITORA OLYMPIA

Não deu outra! De dentro de uma enorme caixa de papelão, que estava bem ali no canto da sala, eis que surgem as três irmãs. Elas estavam brincando de pique-esconde com a mãe, que não sabia que estava naquela brincadeira. Bobas que não são, trataram logo de sair do esconderijo, pois adoram melancia.

Os Jogos do Tempo: Além dos Confins da Imaginação

Jefferson Machado

Enquanto Alex se ajustava à sua nova realidade após a separação dos pais, ele se viu envolvido em um conflito interno doloroso. Morar com sua mãe e seu novo padrasto trouxe à tona sentimentos de abandono e negligência. Sua mãe, ocupada com os afazeres do novo relacionamento, estava distante e desinteressada em suas necessidades. Ele se sentia constantemente diminuído e ignorado, com suas tentativas de busca por atenção sendo frequentemente desconsideradas.

A situação não era muito diferente quando visitava seu pai. Este, imerso em sua própria vida com uma nova companheira, mal tinha tempo para seu filho.AsinteraçõeseramsuperficiaiseAlexsentiase como um estranho em sua própria casa. Ele encontrou refúgio na casa de seu avô, um arqueólogo aposentado. O ancião era a âncora em meio à tempestade emocional que ele enfrentava.

EDITORA OLYMPIA

A relação entre eles floresceu, proporcionandolhe um senso de pertencimento e estabilidade que ele tanto ansiava. Nos momentos compartilhados, o garoto descobriu uma paixão pela história e pela aventura. Essa dualidade moldou sua percepção do mundo e o impulsionou em sua jornada de autodescoberta e crescimento pessoal.

O quarto de Alex estava imerso na penumbra da tarde, os últimos raios de sol filtrando-se pelas cortinas entreabertas. O ambiente estava impregnado com o aroma de livros antigos e poeira, enquanto ele se dedicava à sua rotina de organizar sua coleção de livros de história. Sendo cada volume, uma janela para o passado, uma oportunidade de escapar da realidade mundana para os gloriosos dias de outrora.

Foi quando uma caixa empoeirada, esquecida no canto do sótão, emitia um chamado silencioso, uma promessa de aventura além dos confins da imaginação. Curioso, arrastou o caixote para fora de seu esconderijo, revelando uma relíquia há muito esquecida: o antigo console de videogame.

Com mãos trêmulas, conectou o console à velha televisão, o zumbido elétrico enchia o quarto com uma melodia nostálgica. No momento em que o botão “Start” foi pressionado, uma faixa de luz

GAMEFIQUE-SE

brilhante irrompeu do console, preenchendo o cômodo com um resplendor ofuscante.

Uma sensação de frio intenso varreu o lugar, envolvendo em seu abraço gelado. A poeira dançava no ar, iluminada pelos raios de luz que emanavam do videogame. A respiração dele ficou presa em sua garganta enquanto ele testemunhava a cena surreal diante de seus olhos.

O medo e a curiosidade se misturaram em seu peito, criando uma sensação de borboletas frenéticas batendo suas asas dentro de sua mente. Um cheiro de terra úmida e um aroma misturado de especiarias como açafrão, cominho, canela e pimenta-preta, combinando com o odor de peles de animais, tomou conta das narinas. Ao mesmo tempo, um tinido metálico e uma sensação de formigamento percorreu sua espinha enquanto o portal para o desconhecido se abria diante dele.

O mundo ao seu redor se contorceu e se distorceu, as linhas entre a realidade e a fantasia se fundiram em um turbilhão de luz e sombra. E então, num piscar de olhos, ele foi engolido pelo vórtice, deixando para trás o mundo familiar em favor de uma jornada inesquecível através do tempo e das civilizações antigas.

EDITORA OLYMPIA

Quando percebeu, estava numa feira livre, com o sol do meio-dia lançando seus raios dourados sobre o mercado movimentado da Suméria, criando um caleidoscópio de cores e sombras dançantes. Ele encontrou-se imerso em um turbilhão de atividade, cercado por pessoas vestidas com túnicas coloridas e ornamentos exóticos. O ar estava impregnado com o aroma de especiarias e o calor do deserto envolvia tudo em seu abraço escaldante.

Diante dele estava um homem misterioso, vestido com uma túnica ricamente bordada e carregando um amuleto em homenagem a Inanna, rainha dos céus e deusa do amor, procriação e guerra. O talismã brilhava sob o sol ardente, uma centelha de poder divino em meio ao bulício do mercado. Os olhos do homem faiscavam com uma sabedoria antiga, enquanto ele estendia um convite silencioso a Alex para participar de um jogo.

O tabuleiro circular gravado em argila, com suas 20 casas marcadas e a entrada ornamentada por flores azuis, pulsava com energia. As 14 peças dispostas ao redor do tabuleiro aguardavam ansiosamente para começar sua jornada através dos desertos perigosos, em busca dos oásis seguros representados pelas casas marcadas.

GAMEFIQUE-SE

Os dados em forma de pirâmides, com suas marcas enigmáticas, prometiam revelar os destinos das peças no jogo. O jogador teria que confiar na sorte e na estratégia para navegar pelos corredores perigosos do tabuleiro, evitando ser capturado e alcançando a saída em segurança.

Enquanto Alex se preparava para enfrentar o desafio diante dele, ele sentiu uma sensação de excitação e apreensão se misturando em seu peito. Ele estava prestes a embarcar em uma jornada, num mundo de antiguidade e magia, onde os deuses caminhavam entre mortais e os destinos eram forjados em tabuleiros de argila.

O caos irrompeu no mercado sumério, transformando-o em um cenário de desordem e pânico. Alex, envolto pela multidão enlouquecida, foi arrastado para longe de sua posição anterior, incapaz de entender o que estava acontecendo. O barulho ensurdecedor dos gritos e dos passos apressados ecoava em seus ouvidos, enquanto ele lutava para se manter de pé em meio à maré humana.

Quando a poeira finalmente se assentou, o passageiro do tempo encontrou-se diante de um grupo de soldados egípcios, suas lanças e espadas reluzindo à luz do sol do deserto. Ele foi

EDITORA OLYMPIA

capturado pela invasão egípcia e levado como prisioneiro para a terra das pirâmides.

Nos seis meses seguintes, Alex foi obrigado a servir como servo na casa de um governador egípcio. No entanto, sua vida tomou um rumo inesperado quando ele descobriu a paixão do governador pelo Senet, um antigo jogo de tabuleiro egípcio. A admiração do governador cresceu exponencialmente quando ele demonstrou habilidade e estratégia excepcionais durante uma partida intensa contra um rival do governador.

Em uma jogada crucial, Alex ofereceu conselhos perspicazes que permitiram ao seu mestre alcançar a vitória sobre seu adversário. Seus olhos brilhavam com inteligência e determinação, enquanto ele manobrava as peças do Senet com maestria, como se estivesse dançando ao ritmo de uma melodia.

O governador, impressionado com a habilidade dele no jogo, não apenas ganhou o respeito de seu servo, mas também começou a vê-lo como um igual. Ele confiou a Alex responsabilidades crescentes e o tratou com deferência e respeito, reconhecendo-o como um aliado valioso em sua busca por poder e influência na Terra dos Faraós.

GAMEFIQUE-SE

Assim, o navegador temporal se destacou como jogador no Terra do Nilo, não apenas por sua destreza no Senet, mas também por sua inteligência e perspicácia, que o tornaram um aliado valioso e respeitado em uma terra estrangeira.

Sob a bênção e proteção de Anúquis, a encarnação divina do Nilo entre os egípcios, Alex e seu mestre embarcaram em uma jornada, chegando à vibrante cidade-estado grega de Tarento, na Magna Grécia.

Ao entrar no mercado grego, ele foi imediatamente envolvido pela atmosfera cosmopolita e efervescente da cultura helênica. As ruas estavam repletas de cores, aromas e sons, enquanto os comerciantes vendiam suas mercadorias e os cidadãos se entregavam ao frenesi da vida urbana.

No centro da feira, diante do majestoso Templo da Deusa Ártemis, Alex testemunhou um espetáculo intrigante: dois homens envolvidos em uma partida acalorada de um jogo de tabuleiro improvisado, usando ossos de carneiro como peças. A cada jogada, os jogadores vibravam com emoção, enquanto uma multidão crescente se reunia ao redor para testemunhar a competição.

EDITORA OLYMPIA

O jogo de tabuleiro não era apenas uma forma de entretenimento para os gregos, mas também uma manifestação dos aspectos míticos e religiosos de sua cultura. Ártemis, a deusa da caça e da natureza selvagem, era reverenciada pelos gregos e o Templo em sua honra servia como um centro de adoração e atividades rituais. A presença dos jogadores diante do Templo, envolvidos em uma partida de tabuleiro, simbolizava a interseção entre o divino e o cotidiano, onde os mortais buscavam a aprovação e a bênção dos deuses em suas atividades mundanas.

Enquanto isso, o governador, impressionado com a alegria e habilidade de Alex durante sua estadia na colônia grega, decidiu conceder a liberdade ao seu servo. O visitante temporal encontrou um lar naquela cidade vibrante, mergulhando na cultura e na vida cotidiana dos gregos, enquanto continuava aprimorando suas habilidades nos jogos de tabuleiro que tanto amava.

No entanto, o tempo era implacável, e um novo poder emergia ao norte: os romanos, que rapidamente se expandiam sobre a península itálica. Os romanos traziam consigo não apenas sua expansão territorial e poder militar, mas também uma cultura rica e influente que se estendia por todo o Mediterrâneo.

GAMEFIQUE-SE

Quando Alex chegou à nova Capital do Império, Roma, ele testemunhou uma cena familiar diante do Templo de Saturno, o deus romano da agricultura e da abundância. Um jogo intrigante estava em andamento, chamado de Latrunculi, o jogo do Império Romano. Os tabuleiros quadriculados de vários tamanhos, eram uma visão comum nas ruas movimentadas da cidade. O Templo de Saturno era um local de importância religiosa e política, e a presença do jogo em frente a ele simbolizava a conexão entre as atividades cotidianas dos cidadãos romanos e a vontade dos deuses.

Enquanto observava a partida de Latrunculi se desenrolar, refletiu sobre a natureza cíclica da história, onde os antigos jogos de tabuleiro continuavam a ser apreciados e praticados, mesmo em meio às mudanças tumultuadas do mundo ao seu redor. O jogo representava não apenas um passatempo para os romanos, mas também um reflexo da complexidade e da estratégia da vida cotidiana, onde a busca pelo poder e pela supremacia era uma constante batalha, tanto no tabuleiro quanto fora dele.

Agora um homem idoso e rodeado por seus amados netos, contemplava sua vida com um misto de gratidão e nostalgia. As memórias nas

EDITORA OLYMPIA

cercanias da capital romana inundavam sua mente, trazendo sorrisos e lágrimas em igual medida. Mas, em vez de encontrar o silêncio da morte, ele foi surpreendentemente arrancado da escuridão pela sensação de estar novamente em seu quarto na casa de seu avô. O videogame antigo estava ligado, emitindo uma suave luz azul no ambiente familiar.

Um turbilhão de emoções o envolveu enquanto ele se perguntava: tudo não passara de um delírio? Ou será que sua jornada através do tempo e das civilizações antigas fora real? Mas à medida que ele olhava para o videogame, a resposta permanecia elusiva, deixando-o com uma sensação de fascínio e mistério. Talvez, afinal, não houvesse uma distinção clara entre o que era real e o que era apenas uma ilusão. Alex fechou os olhos mais uma vez, pronto para embarcar em uma nova jornada, seja ela real ou apenas um sonho.

O Tabuleiro dos Destinos Entrelaçados

Matile Facó

Na pequena vila de Nuvens Serenas, onde os dias se desdobravam como páginas de um livro antigo, acontecia algo singular. Uma vez a cada geração, as famílias maisantigas se reuniam para um evento místico conhecido como “O Jogo do Destino” .

Era uma tradição complexa, onde as linhas do passado, presente e futuro se entrelaçavam em um tabuleiro adornado com símbolos ancestrais. Os participantes, escolhidos entre os mais habilidosos videntes da vila, guiavam as peças com mãos trêmulas, enquanto os olhos atentos observavam o desdobrar do destino.

Naquele ano, uma jovem chamada Isabella estava destinada a participar. Seus olhos, tão profundos quanto os segredos da vila, refletiam a curiosidade de quem ansiava desvendar os fios que teciam sua própria história. Seu pai, o venerável Mestre dos Destinos, a orientava com sabedoria, mas mesmo

EDITORA OLYMPIA

ele sabia que o tabuleiro guardava mistérios insondáveis.

O Jogo começou sob o crepúsculo, quando as sombras dançavam no tabuleiro como espectros do passado. Cada peça era uma peça da vida, movendo-se em direções que nem mesmo os videntes podiam prever completamente.

Isabella, com mãos trêmulas, guiou sua peça pelo caminho iluminado da lua crescente. A aldeia assistia em silêncio, e o vento sussurrava segredos nos ouvidos dos expectadores. O destino de Nuvens Serenas estava entrelaçado com o movimento das peças, e todos sentiam a gravidade do momento.

Conforme o tabuleiro se desdobrava, revelações surgiam. Amores perdidos, alianças inesperadas, conflitos inevitáveis. O Jogo tecia a narrativa da vila, mostrando que, mesmo em meio à incerteza, havia beleza na complexidade dos destinos entrelaçados.

À medida que as horas avançavam, Isabella percebeu que seu papel no Jogo era mais do que mover peças. Ela era a tecelã, a contadora de histórias, uma guardiã das possibilidades que se desenhavam diante deles.

GAMEFIQUE-SE

Ao final da noite, quando as últimas peças encontraram seu lugar, a vila suspirou coletivamente. O Jogo do Destino havia revelado seu veredito, e todos estavam imersos na aura única que pairava sobre Nuvens Serenas.

Isabella, olhando para o tabuleiro agora silencioso, compreendeu que o jogo era tanto uma bênção quanto uma maldição. O destino não era umcaminhofixo,masumatapeçariaemconstante evolução, moldada pelas escolhas e ações de cada indivíduo.

O Jogo do Destino continuaria, e a vila de Nuvens Serenas seguiria adiante, consciente de que o futuro estava sempre em movimento, esperando ser desvendado por mãos corajosas e corações abertos.

A manhã seguinte trouxe consigo a calmaria que sucede eventos excepcionais. Isabella caminhava pelas ruas da vila, seu olhar agora tingido por uma sabedoria recém-descoberta. As conversas sobre o Jogo do Destino ecoavam nas esquinas, as especulações sobre o que o futuro reservava.

A jovem, apesar de ter participado de um evento tão transcendental, sentia-se mais conectada com sua própria jornada. O tabuleiro tinha cumprido

EDITORA OLYMPIA

seu papel, mas agora as peças eram moldadas por escolhas conscientes. A complexidade da vida se revelava não apenas nas linhas do destino, mas nas decisões que cada indivíduo tomava.

Enquanto Isabella contemplava os destinos entrelaçados da vila, percebeu que o poder de moldar o amanhã estava em suas mãos e nas mãos de seus conterrâneos. O Jogo do Destino não era um ditador intransigente; era um guia, uma fonte de inspiração.

Ao longo dos anos que se seguiram, Isabella tornou-se uma figura central na comunidade. Seu entendimento profundo do Jogo do Destino transformou-se em sabedoria compartilhada. As peçascontinuavamase movernotabuleiro davila, mas agora, em vez de apenas observar, os habitantes de Nuvens Serenas começaram a participar ativamente na criação de seus destinos.

Alianças inusitadas floresceram, amores verdadeiros se manifestaram, e desafios foram enfrentados com coragem renovada. Isabella liderava, não como uma vidente, mas como uma mentora, incentivando a comunidade a abraçar a incerteza e a oportunidade que cada novo movimento trazia.

GAMEFIQUE-SE

No Jogo do Destino, não havia mais apenas um desfecho predestinado. Os caminhos se bifurcavam, e as histórias se entrelaçavam em uma dança fluida de livre-arbítrio. A vila de Nuvens Serenas prosperava, não por uma predição, mas pela determinação coletiva de forjar seu próprio destino.

E assim, enquanto o sol se punha sobre o horizonte, a vila continuava a escrever suas páginas na tapeçaria do tempo. O tabuleiro do Jogo do Destino permanecia como um lembrete, não de um destino fixo, mas da beleza encontrada na jornada, nas escolhas feitas e nas histórias compartilhadas que transcendiam qualquer previsão.

EDITORA OLYMPIA

No tempo em que eu era um Mario Bros

Parte I: Start

Sim, prazer, eu fui um irmão Mário. Portanto, assumo aqui minha dupla personalidade. Minha e do meu irmão de verdade, o Fábio, com quem, nos idos da década de 1990, eu costumava jogar. Isso já faz um século! Seis anos mais velho que meu irmão, eu tinha vinte, ele, quatorze, de quando em quando jogávamos, ou melhor, encarnávamos as aventuras dos Irmãos Mário, sendo ora um, ora outro. O Mário, é claro, era o preferido, quando disputávamos quem ia ficar com ele no console. Assim, até que o start fosse dado, era uma guerra pessoal bem intensa.

A mãe, de soslaio, ficava olhando os irmãos brigarem por causa de um joguinho daqueles, mas, para a gente, era uma forma de mostrar nosso poder pessoal, e a gente sempre dava um jeito de, ao fim da briga para ver quem ia largar

GAMEFIQUE-SE

primeiro rumo ao salvamento da princesa, ter algo prazeroso entre irmãos, que, assim como os próprios irmãos do jogo, nem sempre se entendiam assim de pronto, custando a entrar na onda um do outro, mas, quando acontecia, era um prazer!

Intensos, os anos 1990 entrariam para a História como um recomeço do homem perante ele próprio, com a tecnologia digital mostrando a que estava vindo, com os celulares engatinhando, mas, como sabemos hoje, crescendo, vindo a se tornarem parte indispensável de todo aquele e de toda aquela que precisa viver conectado. Conectar-se. De certo modo, os chamados videogames talvez tenham sido a forma de nos educarem para o que temos hoje, o ciberespaço, cada vez mais presente em nossas vidas, sendo que, além dos jogos cada vez mais modernos, passamos a interagir como se houvessem duas vidas em uma, a analógica e a digital.

Meu irmão, por ser mais novo e jogar com os amigos fora de casa, emcertos jogos, era bem mais habilidoso do que eu, mostrando muita competência nos jogos de futebol, por exemplo, em que eu não era nada bom. Aliás, nunca tive muita chance de jogar futebol de verdade, embora até gostasse do jogo. Era e sempre fui gordinho,

EDITORA OLYMPIA

então não me escolhiam muito na escola para esses jogos. Meu irmão, por sua vez, não sei, tenha tido mais chances de jogar de verdade bola.

Não, não éramos muito parecidos fisicamente com os Irmãos Mário, mas, de certo modo, eu, pelo menos àquela época, era mais gordinho do que ele, tinha, como ainda tenho, os cabelos pretos, e ele era mais magro, lembrando o Luigi. Então, para todos os efeitos, eu estava mais para o Mário, só não tinha, como ainda não tenho, bigodes. Nem meu irmão. Mas, como o jogo era virtual, isso pouco importava, e a gente acabava se sentindo os encanadores mais loucos do mundo, que entravam e saíam de canos, pulavam, saltavam, perdiam e ganhavam vidas num piscar de olhos, como se tudo fosse uma questão de start e apenas isso, recomeçando a jogar.

Parte II: Entre os mundos

Jogar videogame era uma forma de estarmos juntos. Uma boa forma. Meu irmão, sendo mais novo, teve outros amigos, da idade dele, por assim dizer, mas, como era seu irmão, também jogava com ele. Não foi um tempo muito fácil para mim, pois estava com depressão, algo que me acometeu

GAMEFIQUE-SE

ao fim da adolescência e perdurou por algum tempo, quando eu quase não saía de casa, e o mundo dos games era de fato meu mundo.

Assim, entre os mundos, eu me sentia andando para algum lugar enquanto andava com as personagens, encontrando o Yoshi e os Mushrooms até encontrarmos o temível Bowser, uma espécie de dragão, que, como se esperava, cuspia fogo e fazia de refém a Princesa Toadstool no jogo que mais jogávamos, Super Mario Bros. Ah, mas não era só esse que a gente jogava, não! Além do de Soccer, ou de Futebol, também jogávamos o famoso Donkey Kong, que eu adorava.

Era um barato trilhar com o “macacão” e seus amigos aquele mundo fantástico, pegando bananas, andando, correndo, nadando, se metamorfoseando em tantas trilhas diferentes, tentando chegar ao fim do jogo como se fôssemos heróis de… não sei, de nada, mas a ilusão real que esses jogos nos davam era demais, e a gente se sentia super! Ainda mais no meu caso, que, impossibilitado de sair devido à depressão, me realizava indo de mundo para mundo, nos jogos.

Atenção, vai começar a partida! Peguem seus joysticks e comecem a correr! Eu quero o Mário!

EDITORA OLYMPIA

Eu também! Ele é meu! Não, é meu! — E as vozes do meu irmão e a minha se confundiam na sala, onde a gente jogava e o tempo parecia parar. Éramos felizes, e não sabíamos. Parece clichê, essa frase, e é mesmo, mas um clichê único, verdadeiro, certo de que está dizendo uma coisa que todo mundo em algum momento da vida se diz. A felicidade, como bem disse Guimarães, o Rosa, vem mesmo em horinhas de descuido. Horinhas em que, entre os mundos, o mundo lá fora não parecia tão mal, e a gente tinha mais vidas caso as vidas da vida acabassem.

Varar a noite para passar de uma fase para outra? Era praxe! E a gente parecia não ter fome, nem sede, nem frio, só tentando mudar, andar, passar para outro mundo, que a vida é mesmo para a frente. Nem sempre, eu sei, mas devia. E era uma disputa para ver quem conseguiria tal feito, quem seria o dono da bola que começaria outro mundo, mais forte e primeiro que seu jogador secundário! Uma questão de honra.

Parte III: Game over

Como tudo na vida tem fim, um dia, o jogo também acaba. Meu irmão acabou saindo de casa, eu fiquei sem parceiro para o jogo, e os Irmãos

GAMEFIQUE-SE

Mário foram ficando para trás. Quer dizer, mais ou menos, pois, mesmo sem meu irmão, continuei jogando sozinho, tentando e conseguindo pela milésima vez salvar a Princesa Toadstool das garras do malvado Bowser, que, depois de tantas lutas, acabou mais parecendo um jacaré do que um dragão, lembrando até mesmo a Cuca.

Pac Man não nos ouça, mas o Mário é o melhor! Com ele, andei quando não podia andar de verdade, suprindo uma ausência, ilusão ou não, mas me fez ir em frente. Foram horas jogando, enfrentando os perigos nada reais, nem imediatos, indo a casas de games, alugando cartuchos, soprando-os, para ver se voltavam à vida, e, por incrível que pareça, voltavam! O verdadeiro sopro da vida que os gamemaníacos tinham inventado, ou melhor, descoberto que tinham. Isso, sem falar nas lan houses, lojas que agrupavam diversos computadores, atraindo a atenção da garotada, que chegava a varar a noite jogando. Eu mesmo, acredite, cheguei a trabalhar em uma, e, mesmo sem ter tanta habilidade com a net, tive que me “virar nos trinta” para dar conta do recado, mas, graças aos deuses, dei conta, venci as fases e cheguei ao mundo em que precisava.

EDITORA OLYMPIA

Nessa mesma lan house, que também era uma videolocadora, febre naquela época, instalaram um novo game que chegava ao mercado, o Nintendo Wii, mas eu, vintage de tudo, que só tinha sido o Mário em sua versão Super Nintendo, não consegui me acostumar com a nova versão e, até hoje, não sei como mover os manos naquele mundo, que, de lá pra cá, ficou ainda mais novo, moderno, alçando outros voos, também com o Donkey Kong e toda aquela galerinha.

Meu irmão, eu sei, comprou um game novo, mas, infelizmente, jamais joguei com ele novamente.

Acho que foi um Playstation. Hoje, ele já tem uma filha pré-adolescente e um menino com quase cinco anos de idade. Não sei se jogará com ele, mas sei que meu irmão e eu não jogamos mais. Ele mora muito distante, e a vida foi se encarregando de deixar o mundo dele e o meu cada vez mais longe, sem que um joystick pudesse dar play numa nova partida casual entre irmãos. Irmãos. Mario Bros, Donkey Kong, Zelda e toda uma legião de personagens que, eu sei, também fizeram, ou ainda fazem parte de seu repertório de aventuras. Para eles, um pouco do que sei fazer, o que, talvez, também seja um jogo, uma forma divertida de inventar outros mundos sem ser preciso ligar qualquer coisa num plug para voar…

GAMEFIQUE-SE

QuandoeueraumMarioBros

Euhonravaaquelelogo

E,entremimemeuirmão

Nãohaviafimdejogo

Atardeficavaquente

Eacoisapegavafogo!...

Eraumaganadever

Quempassariadefase

Quemchegariaaofinal

Quemgritariaumafrase

Quenãosaíatãofácil

Masquenosdavaoutrabase!...

Umafrasequeindicava

Quemtinhamesmovencido

Quemtinhamesmoganhado

Feitoheróidestemido

EDITORA OLYMPIA

DoIrmãoMário,seulegado

Eseudestinoatingido!

O jogo do cotidiano

Patricia de Campos Occhiucci

Mário passava horas a fio, sentado em frente ao computador, no seu quarto ou na sala de estar, falando em grupos de bate-papo, que abordavam como superar fases de determinado game, e combinavam de entrar nas salas de partidas simultâneas,parasedesafiaremousejuntaremem equipes. Estamos acostumados a ver essas cenas atualmente com nossos adolescentes e crianças, pois a era contemporânea acentuou o uso das tecnologias e restringiu, de certo modo, o contato pessoalmente, fazendo com que muitos até se isolassem mais e tivessem dificuldades para socializar.

Porém,Máriojáeraumhomemcasado.Quarenta anos de idade, tinha um trabalho remunerado, e suas responsabilidades. Infelizmente, não as cumpria com a qualidade que poderia, pois grandepartedotempoeragastonomundovirtual. O que o levava a ficar ali, parado, encantado por uma irrealidade? A esposa já estava ficando cansada, pois quando eram namorados imaginava

EDITORA OLYMPIA

que ele desejaria crescer junto com ela. Muito mais do que economicamente falando, mas sonhando juntos. Nádia gostava de passear, viajar, fazer coisas diferentes, encontrar pessoas.

Aparentemente, prazeres ao contrário do que Mário fazia questão.

A psicóloga de Nádia pedia para ela conversar francamentecom ele.A mulher tentava, explicava, dizia o que esperava que ele fizesse para 98urnola. Entretanto, o ritmo não mudava, enquanto ela fazia dez atividades, Mário ainda estava na primeira. Era nítido que se gostavam, todavia, a maneira de lidarem com as coisas estava minando o relacionamento.

Um dia, Mário sonhou que estava dentro de um dos jogos que mais adorava, e que era “febre” entre os aficionados nesse hobbie . Havia sido “sugado” para dentro de uma tela de TV, e podia conversar com os personagens da história. Tratava-se de um enredo de construção, onde explorava ambientes, colecionava itens, e somava pontos. E havia alguns perigos nos caminhos, para impedir novas conquistas e perder os objetos já adquiridos.

No começo, a adrenalina era instigante. Porém, com o passar do andamento da saga, suava frio e

GAMEFIQUE-SE

entrava em desespero, pois percebia que era atacado de verdade e tinha dúvida se os machucados que via nos demais componentes também poderiam fazê-lo sentir dor, ou 99urn-lo. Queria acordar, forçando o pensamento, e não conseguia. Parecia totalmente preso ao cenário, onde suas habilidades eram testadas. A certa altura, parecia uma situação de guerra. A princesa do jogo, que acompanhava o personagem principal nas aventuras (no caso agora, o próprio Mário), se achegou. Tinha o semblante de Nádia e, pacientemente, foi dizendo: “você tem a escolha sobre seus atos! Você pode ser seu próprio herói, ou vilão”. Ela virou as costas, e se foi. As fases foram acelerando, mais oponentes aparecendo, ele foi perdendo vidas, se frustrando, sem sentir dor física, mas moral. Perdeu tudo, até a tela escurecer e aparecer ogameover.

Despertou, exaurido. Também muito pensativo. Passou alguns dias mais calado do que de costume. Percebeu que Nádia não perguntava o porquê da quietude, e sentiu certo pesar. A mulher estava visivelmente irritada, fazendo duplo turno no trabalho, cuidando da casa e ainda ajudando a mãe doente. Estava se afastando cada vez mais dele, e quase não sorria. Mário não conseguia se expressar direito, mas havia um

EDITORA OLYMPIA

mundo de palavras retidas dentro dele. Talvez, por conta desse costume arraigado de ficar imerso na ilusão, tinha problemas para se portar no dia a dia.

Começou a se perceber fechado, sem muito repertório, e isso o incomodou. Nádia ia atrás disso e daquilo, enquanto ele não fugia da mesmice. Entrava nos jogos como sempre, pois aquilo parecia uma sequência que não poderia quebrar. Até o dia em que Nádia pediu para conversarem. Ela estava saindo de casa, e no próximo final de semana já pretendia estar num cantinho que alugou.

Mário estava cabisbaixo e só fazia chorar. O computador e o celular perderam a graça. Nádia via, mas não conseguia mais acolher. Disse a ele que seria estranho ver uma mulher da idade dela brincando de boneca horas a fio, e não entendia porque os homens podiam ficar no vídeo game a se perder de vista, sem as pessoas questionarem mais veementemente.

A psicóloga explicou que, para ele, provavelmente o jogo era uma grande válvula de escape. Até mesmo uma espécie de esconderijo, onde podia se reservar dos outros, e se mostrar habilidoso, para compensar a outra face de competência

GAMEFIQUE-SE

sobre convívios que lhe faltava. Nádia compreendia, porém, achava triste ele não se esforçar para mudar isso um pouco que fosse, já que notava o quão importante seria para ela.

O fato é que ele ficou mesmo só na casa, com mil personagens. Continuou a dialogar com os “amigos” à distância, sem ter nenhum presente para um almoço ou café. Cumpria as oito horas no serviço, onde boa parte também ocupava jogando, pois não era muito exigido. Em alguns dias, pulava refeições, nem tomava banho, afundado, sem nem piscar, fixo naquele “quadradinho”. Seus conhecidos observavam, criticando, comiserados ou indiferentes. A verdade é que Mário mal sabia porque existia, por isso, qualquer rumo servia. Estava ali de novo, com os dedos frenéticos, empolgado com a jogada, feliz.

EDITORA OLYMPIA

Pedro Linhares

Cartas

A senhora sexagenária dormia, descansando em seu sofá de cobertura florida, sonhando, talvez, com qualquer coisa. No entanto, ela com certeza não imaginava que seus únicos dois netos estavam enfurnados em seu sótão, brincando por entre os móveis velhos e objetos obscuros e perigosos. E se eles encontrassem o machado do falecido avô? Ou então a coleção de facas? Ela se virou no sofá, aconchegando-se mais ainda nas almofadas, sem suspeitar de nada.

Talvez não devessem ter ido ali. Talvez não devessem nem ter aberto a porta. O ambiente fazia questão de que os dois soubessem disso. O sótão da avó deles era um lugar muito estranho. A luz não entrava, nem mesmo por entre as telhas, procurando uma goteira porque não havia nenhuma. Além disso, não havia lâmpadas. Munidos de lanternas, os dois continuaram procurando, mirando os fachos de luz na direção das caixas, procurando uma inscrição que sabiam existir e que lhes seria mais interessante.

GAMEFIQUE-SE

Deve estar mais nos fundos comentou Sofia, olhando para o irmão, apertando os olhos.

Ou então debaixo de alguma coisa completou Luís, olhando, com a lanterna na mão, para baixo de um armário com formato estranho e, ao mesmo tempo, muito familiar.

Os dois continuaram adentrando os domínios do sótão, empurrando as caixas e outras coisas que estavam empilhadas, como uma coleção estranha de chaleiras e outra de cuias de chimarrão das mais variadas cores e estampas. Ao mover três caixas grandes empilhadas, Fotos formatura Arturo , Fotos casamento e Equipamento alpinismo , de cima para baixo, respectivamente, Sofia derrubou um porta-retratos no chão. Ele se espatifou no fim da queda e os dois fizeram o mais absoluto silêncio.

Dona Hortência quase rolou para fora do sofá, mas a manta a segurou e a confortou. Continuou roncando.

Os dois suspiraram e empurraram os cacos de vidro com os pés, tirando-os do caminho.

A foto não estragou disse Sofia, segurando o papel brilhante na mão. É a mamãe, e o papai.

EDITORA OLYMPIA

Eles estão tão sérios… Luís pareceu devanear. Estava prestes a dizer alguma coisa, mas sua atenção foi atraída por outra coisa: Olha, cartas!

Era um maço de retângulos de papel colorido, provavelmente com cento e seis cartas. Pareciam pintadas a mão, com desenhos intrincados nos versos e ilustrações magistrais no lado dos números e dos naipes.

Não sabia que a vovó tinha um desses Luís falou, passando as cartas de uma mão à outra. Ainda mais um tão bonito.

Nem eu disse Sofia. Talvez seja novo?

Que nada negou o irmão, logo soprando as cartas. Olha a poeira.

Ela precisou concordar.

Os dois desceram, satisfeitos com o achado, e voltaram para o quarto de hóspedes, onde estavam dormindo durante a viagem do pai na Dinamarca lazer, claro, mas um tipo só para adultos, um congresso anual de alguma coisa; não estavam prestando atenção no momento. Era um quarto pequeno, com dois beliches e uma cama de solteiro, todos de quando seus pais eram

GAMEFIQUE-SE

pequenos. Segundo o Sr. Souza, Arturo, ele já tinha usado o cômodo para abrigar seus amigos durante suas “festas do pijama”, embora não as chamassem assim, é claro, não eram exatamente festas e não estavam de pijamas; “noites de jogo” talvez se encaixasse melhor. Fora assim que conhecera a mãe dos dois, Amélia, aliás.

Os dois se sentaram no chão e Sofia começou a embaralhar as cartas. Era a mais velha, por isso no mundo dos irmãos geralmente é assim que funciona embaralharia e distribuiria as cartas. Talvez até ganhasse se não estivesse se sentido muito benevolente.

Jogaram uma partida de pife. Cartas para lá, cartas para cá, cartas acolá, e Sofia venceu. Luís percebeu o que estava acontecendo e decidiu que não permitiria que acontecesse de novo. Jogaram outra partida. Sofia venceu novamente. E mais outra. E lá foi Sofia de novo, vencendo. Ela venceu nas próximas dez partidas que jogaram. Luís ficou levementeirritado.

Não é justo! disse ele. Era apenas um ano mais novo, Sofia estava sendo cruel. Você está trapaceando que eu sei!

Não estou não rebateu Sofia, calma. Ela

EDITORA OLYMPIA

realmentenão estava. Pensei nisso, é verdade, mas desisti. Não seria justo com meu irmãozinho querido.

Ela apertou a bochecha de Luís. Ele odiava quando ela fazia isso.

Eu só sou muito boa continuou ela, mostrando a língua. Ou só melhor que você.

Os dois seguiram discutindo por alguns minutos, em um volume baixo o suficiente para que Dona Hortência não despertasse de sua sesta, claro, não eram bobos de brigarem em frente à avó, quem lhes fazia comidas gostosas atualmente e que poderia muito bem simplesmente decidir colocar chuchu na comida de ambos, e não chegaram a lugar algum com seus argumentos nem um pouco fundamentados.

E você não toma banho! Luís falou, com a confiança de alguém que venceu um debate jurídico com um argumento irrefutável e completamente plausível para a ocasião.

Sofia ficou incrédula e furiosa, mas, antes que pudesse pensar em qualquer coisa que fosse comparável ao argumento de seu irmão, sua atenção foi atraída pelo baralho de cartas e ela

GAMEFIQUE-SE

ficou quieta. Suas trincas e sequências, ordenadas em sua mão, pelo verso das cartas, emitiam uma luz vermelha penetrante. As cartas do irmão também faziam o mesmo.

Luís… chamou Sofia.

Ele continuou olhando para o rosto dela, esperando uma resposta, sorrindo com a invencibilidade de suas palavras. Ela estava visivelmente preocupada, talvez não com o irmão, mas estava.

Suas cartas, olha. Estão… brilhando?

Os dois jogaram as cartas no chão, e elas continuaram brilhando. A pilha de compra também brilhava. E a de descarte também. Os desenhos, antes a tinta preta e delicadamente delineados por um pincel fino, agora formavam desenhos estranhos, feitos com uma tinta levemente avermelhada.

Os dois irmãos se entreolharam, assustados. Por que as cartas estavam brilhando? Como elas estavam brilhando? De onde elas vieram? Quem as tinha feito? O que os desenhos significavam? E de onde eles se materializaram, se os versos antes eram praticamente iguais?

EDITORA OLYMPIA

As cartas levantaram voo e os circundaram, rodopiando pelo ar acima de suas cabeças. A janela continuava fechada. A porta também. E não havia vento. As cartas voavam por conta própria, girando e girando sem parar, cercando-os com uma parede impenetrável de cartas voadoras.

— Nem havia tantas cartas assim no baralho! — falou Sofia, de repente, aproximando-se mais de seu irmão conforme eram espremidos pelo cilindro que diminuía de raio. Isso é ridículo!

A parede de cartas girando aumentou tanto a velocidade quanto lhe foi possível. Os números desapareceram, bem como os naipes e seus desenhos respectivos. Todas as cartas se viraram para o mesmo lado, pondo o verso para dentro, mostrando uma única imagem com os desenhos girando. O quartodesapareceu conformeas linhas do desenho se tornaram mais verdadeiras.

Os dois surgiram na sala de estar, ao lado de Dona Hortência. Ao menos parecia com a sala de estar. E com Dona Hortência.

Os dois ficaram em silêncio, embora a avó não pudesse ouvi-los, um silêncio tão alto que era possível ouvir suas respirações e batimentos

cardíacos. Estavam, os três, calmos, isso ficou evidente, mas havia um outro som, distante, que era familiar e, ao mesmo tempo, tão estranho. Talvez fosse o aviso de um forno de micro-ondas, ou então o de um alarme de incêndio. O único problema era que Dona Hortência não tinha nem um, por causa do que lera em uma revista nichada e sensacionalista sobre a radiação de micro-ondas e seus impactos na saúde, nem outro, porque morava bem perto de um corpo de bombeiros, uma tolice, em casa.

Antes que qualquer um dos dois tentasse se comunicar com a idosa adormecida, um caminhão de combustível atravessou a parede da sala de estar e chegou até o outro lado, comprimindo o sofá na parede e logo em seguida incendiando tudo.

As cartas desaceleraram em sua rotação e se organizaram de volta no baralho, para espanto geral de seus jogadores, que ainda estavam em choque com a visão. A sala de estar desapareceu rapidamente, e os dois seencontravam novamente no quarto cheio de camas. As cartas, alinhadas em uma pilha perfeita sobre o tapete, pararam de brilhar.

EDITORA OLYMPIA

Os dois se entreolharam, espantados, com as bocas abertas e surpresas. Seus olhos estavam arregalados, e os corações, agitados. Pareceu tão… real. Não havia palavras, não havia interlocutor, para expressarem sua experiência. Teria sido uma visão? Seria dali a dias? Estaria prestes a acontecer? Os dois não esperaram uma resposta, nem mesmo discutiram a ideia um com o outro, simplesmente pensaram igualmente: os irmãos correram para a sala de estar.

Dona Hortência dormia tranquilamente, embora fosseumasurpresaquesuasestapósalmoçoainda estivesse acontecendo — fazia pelo menos três horas que a refeição fora servida, talvez já devesse ter acordado. A manta do sofá, feita por ela mesma durante uma semana com alguns quilômetros de linha e uma agulha de crochê que era de sua mãe, ainda a cobria, com suas cores desbotadas e aconchegantes. A xícara de chá ainda estava ali, com metade da bebida, agora fria, a ser tomada. Estaria ficando esquecida? Já? Não poderia se dar a tal luxo, tinha dois netos para cuidar de, além de um filho que, às infelizes vezes, bebia demais — principalmente depois de Amélia…

GAMEFIQUE-SE

Sofia e Luís pararam ao lado do sofá. Não tinham como saber se o que viram nas cartas era verdade ou não, se aconteceria em breve ou não, nem mesmo se tinham como evitar ou não, mas precisavam tentar, o quanto antes. Talvez sua avó ficasse agradecida, ou só muito confusa, mas já bastava. Luís puxou a manta para perto de si, enrolando-anosbraços;Sofiacutucouoombrode Dona Hortência e a despertou de seu sono.

Vovó? chamou ela. Vamos ali fora um minuto?

A idosa, ainda sonolenta,aceitou calmamente e de bom grado as instruções da menina. Sentou-se, apoiou-se na jovem, calçou os chinelos, aceitou a manta para colocar nas costas, para não ficar com frio na rua, e acompanhou os dois até a porta dos fundos. De lá, caminhou pela lateral da casa, na beirada mais distante do terreno, indo em direção à rua que passava ali na frente. A cerca de grades de metal, pintada de marrom para não enferrujar com a maresia, estava quente ao toque, por conta do Sol, mas lhe serviu de apoio enquanto observaram a cena na rua.

Uma gritaria repentina pôde ser ouvida, e vista. Pessoas correndo, balançando seus braços,

EDITORA OLYMPIA

zanzando de um lado para o outro, puxando seus telefones de dentro dos bolsos e ligando para a emergência surgiram de dentro das casas mais acima no morro — não era tão alta para ser considerada uma montanha, mas o aspecto geral da formação rochosa lembrava uma. O alvoroço parecia surgir lá de cima, onde mais gente, mais desesperada ainda, gritava coisas inaudíveis para a gente mais abaixo.

A algumas dezenas de metros dali, tanto no plano quanto de altitude, mais abaixo, no caso, uma coisa, terrível para muitos, acontecera. O freio de um veículo parara de funcionar. Nada de mais um carro sem freio em um lugar onde o limite de velocidade era relativamente baixo, mas ele capotou e bloqueou boa parte da passagem. O caminhão foi obrigado a tomar um desvio: ele precisou subir o morro. O motor provavelmente aguentaria, os pneus tinham aderência suficiente para tal e caixa de engrenagens das marchas parecia funcionar maravilhosamente bem. Portanto, ninguém esperava o que aconteceu a seguir.

O encaixe entre a carga e a cabine rompeu.

GAMEFIQUE-SE

O carregamento de combustível desceu ladeira abaixo. As pessoas saíram da frente, ou tentaram desviar seus carros. Algumas, mais corajosas, tentaram parar a carga, e o motorista do caminhão tentou impedir.

O ângulo de descida foi perfeito para atingir apenas uma das casas da rua. Os irmãos e sua avó observaram tudo do canto do terreno: o cilindro de metal atravessou o portão de entrada e cortou caminho pela grama recém-cortada do jardim, atravessando em cheio a parede de tijolos da sala de estar. As faíscas da fiação da casa, o impacto, o calor pelo atrito dos eixos, as tentativas de frenagem: algo iniciou as chamas na gasolina. O amarelo preencheu a casa, e a explosão assustou a todos. A empresa cobriria os danos, ou então o seguro.

Dona Hortência abraçouseus netos, soluçando de medo, colocando-os o mais próximo que conseguiu, cobrindo-os parcialmente com a manta. Luís a abraçou de volta, assustado. Sofia suspirou, aliviada, e pôs uma das mãos no bolso de sua calça, procurando conforto no calor aprisionado do próprio corpo. Ela sentiu as cartas no bolso.

EDITORA OLYMPIA

Rodrigo Ortiz Vinholo

Jogo da vida

Mas Carlos, isso não é justamente aquilo que você quer combater? perguntou a terapeuta. — Sim — admiti, hesitante — mas… para as outras pessoas. Eu não sou como as outras pessoas.

Eu havia começado a terapia um tanto tarde na vida, aos 33. Há quem diga que isso nem é uma demora tão grande assim, mas mais de uma vez me torturei por não ter visto antes o que eram problemas óbvios para mim. Me torturar, logo ficará óbvio, é algo que sempre fiz muito bem.

Uma combinação de uma personalidade introvertida, competitiva, impulsiva e orgulhosa, tendendo a excesso de trabalho, havia prejudicado consideravelmente minha saúde mental e física. Era um resultado estranho: eu rejeitava o mundo e me cansava com ele, ao mesmo tempo em que me arrastava para fazer cada vez mais e provar ao

GAMEFIQUE-SE

mundo que eu era merecedor, superior. Nem preciso dizer que boa parte da minha terapia envolvia entender esse paradoxo aparentemente irreconciliável.

Qualquer fala minha me diferenciando dos outros não era inédita para a terapeuta, de modo que ela hesitou apenas um instante, selecionando as palavras certas, antes de responder:

— Certamente você não é como as outras pessoas

— o tom era apaziguador, e eu antecipei o que vinha em seguida — cada um de nós tem nossas particularidades, mas você precisa sair desse lugar sobre-humano em que se coloca. Você tem mais em comum comas outraspessoas do que imagina, e isso não é demérito algum.

Será que não? desafiei. A maior parte das pessoas é medíocre.

A partir do momento em que você parte desse lugar de competição, fica fácil julgar qualquer pessoa, mas é justamente isso que está te atormentando. Você já parou para pensar que quando julga os outros, você só está reforçando seu papel nessa lógica? Foi você mesmo que me falou tantas vezes que odeia a ética de trabalho do

EDITORA OLYMPIA

mundo contemporâneo. Você chegou a usar a palavra “combater”.

Suspirei, escolhendo as palavras e sabendo que ela tinha razão. Mas o problema é que não adiantava fazer sentido se eu não sentisse que fazia sentido.

— Eu quero combater… — concedi. — …para os outros. Eu ainda quero ser melhor que todo mundo.

Ela piscou algumas vezes, e senti que teve que se segurar para não fazer uma careta de decepção.

— Carlos… você reconhece que foi educado e condicionadoemumalógicadetransformaravida em um jogo, em uma competição constante, rejeita essa ideia, mas julga as outras pessoas e a si mesmo dentro dela…

Certo.

E no seu esforço de acabar com isso você ainda quer ser o primeiro lugar em tudo que for possível e impossível, mesmo sabendo que, no fim, se você combatesse a lógica de competição excessiva com sucesso, ela deixaria de existir?

Refleti por alguns instantes.

GAMEFIQUE-SE

— Bom, quando você coloca as coisas desse jeito…

Não saí daquela sessão com nenhuma conclusão concreta, mas a promessa de que eu pensaria mais profundamente naquela questão. Era aquilo que constantemente me dava crises de ansiedade, insônia e mais de uma vez me aproximara de um burnout, e depois de algum tempo de terapia e de colocar meu bem-estar como tarefas em uma lista para tentar enganar minha mente, tive algum tanto de sucesso.

A melhoria mais notória era perceber essa lógica e suas contradições, mas como deve ter ficado claro, isso não bastava. Eu continuava a pensar nessas idas e vindas, e o universo me parecia fundamentalmente errado… ou, quem sabe, era eu quem estava.

Não era difícil chegar a uma dessas conclusões. Bastava sair para a rua e ver como tudo e todos existiam em uma lógica de competição. Competíamos nos estudos, no trabalho, nos esportes e na vida. Filosofias e religiões pregavam

EDITORA OLYMPIA

o que significava o sucesso, a mídia e o entretenimento reproduziam outras metas. Se olhássemos para trás, para o que entendíamos como uma vida mais natural, havia a competição na natureza.

Ganhar significava ter mais dinheiro, mas também significava saber mais, estar certo, ter mais reconhecimento. E enquanto várias dessas frentes não faziam sentido para mim, eu me via querendo saber mais que todos, ter opinião sobre tudo. Queria ser o melhor no meu trabalho no escritório, mas em minha carreira de escritor, e qualquer outra fama que surgisse pelo caminho eu abraçaria. De um aplicativo de celular ao estudo de uma língua nova, tudo era um jogo em potencial, mais um lugar para eu ganhar.

A pergunta básica constantemente surgia na terapia: afinal, o que eu queria ganhar? Ou, ainda, de quem? Qual era a falta que eu tentava cobrir? Qual era a origem dessa noção na minha vida, além de uma influência ampla? Frequentemente mapeávamos alguns caminhos, mas eu sempre acabava voltando na vaga noção de que nenhum deles justificava, e que eu estava em uma regra maior. De que havia uma programação na própria

GAMEFIQUE-SE

existência que nos induzia, e que esse jogo da vida era a competição verdadeira, secreta apenas no sentido que, apesar de estar à frente dos olhos de todos, nem sempre era reconhecida como tal.

Enfim, com o passar dos meses e anos, eu fui melhorando. Fui me cuidando mais, dosando os períodos de trabalho e descanso, separando mais espaço para outras pessoas na minha rotina. Era muito difícil não ver muitas coisas mundanas como perda de tempo, especialmente porque eu tinha o condicionamento de rejeitar tudo que era comum… mas eu fui aos poucos conseguindo, reconhecendo um tipo de jogo também nisso. Talvez não fosse a saída ideal, mas era melhor que asalternativasqueeuenxergava.Mas,éclaro,estar melhor não significa estar “curado”, e eu ainda me via naquelas conversas com a terapeuta.

Preciso dizer, antes de mais nada, que sempre tive uma paixão por games. Meu lado competitivo, antes de ser direcionado à vida, era canalizado também em consoles e no computador, mas conforme fui entrando mais na vida adulta, passei a escolher outras competições e tive menos tempo para eles, até que me conformei em jogar apenas no celular, justamente porque era mais rápido.

EDITORA OLYMPIA

Eu não vou dizer que eu não gostava de videogames, que jogava apenas por esse impulso incontrolável, porque eu sei que me divertia com outros aspectos deles. Mas é fato que a competição, as conquistas, a sensação de completude eram mais importantes do que a experiência em vários dos casos.

Mas é isso: eu realmente não jogava seriamente há anos quanto eu acordei pela manhã, uma semana depois daquela sessão, e minha visão estava tomada por indicadores de objetivo, análise de itens e, conforme comecei meu dia, até mesmo identificadores de pessoas.

Alimentos recebiam uma indicação, roupas recebiam outras, e vez ou outra havia sugestões de ações possíveis com cada objeto. Tudo que era mais importante, como as chaves da porta ou minha carteira, ganhavam um destaque especial. Se eu fechasse os olhos, via um indicador de objetivo me dizendo para me preparar para o trabalho, depois para sair, e assim por diante.

Na rua, e depois no ônibus, pude contestar e analisar o modo como essas indicações funcionavam com pessoas. Eu não via barras que indicassem vida, mas havia indicadoresclaros para

aqueles que eu conhecia, e marcações neutras para os desconhecidos. Se normalmente eu já tinha dificuldade de pensar em pessoas como iguais a mim, naquele momento era difícil deixar de pensar que não fossem personagens em um jogo.

Veio à mente o termo NPC, ou “Non-playable character”. A expressão do inglês define personagens não-jogáveis, ou seja, aqueles com quem seu personagem interage em um jogo. NPCs, em termos gerais, podem ser amigáveis, neutros ou hostis. Só que a metáfora não me escapou: eu, que sempre me pensava melhor que os outros, também me lembrava de um termo que já via ouvido muito na internet.

Em alguns espaços online, a expressão era usada para denominar pessoas que eram comuns demais, ou conformistas demais, incapazes de pensar nas próprias circunstâncias, do modo como um NPC faria. Eu sabia o quão esquisito seria adotar essa terminologia e sempre resistira, mesmo na terapia, mas era difícil negar essa possibilidade, ali.

Devia ser óbvio para as pessoas ao redor que eu estava agindo de modo estranho, porque me

EDITORA OLYMPIA

lembro de receber olhares confusos. Muito provavelmente eu devia estar encarando, mas era difícil não fazê-lo. Eu sabia que era loucura, que nada daquilo poderia estar acontecendo, mas me assombrava a ideia de que, talvez, a lógica do jogo tivesse sido sempre verdadeira e aquilo fosse a revelação do caráter gamificado da realidade que sempre me escapara.

Me saltou aos olhos uma indicação vermelha, cercando uma senhora com a indicação universalizada de um inimigo. Era uma idosa, no ônibus, mas assim que voltei a ela a atenção ela já gritava comigo. Aparentemente eu estava olhando estranho para ela e ela não gostou. Balbuciei uma desculpa, me afastei, e aguardei longe até conseguir descer no meu ponto.

A pergunta amalucada foi inevitável: ela gritou comigo porque eu estava olhando, ou ela gritou porque era inimiga? Personagens hostis em games tendem a atacar automaticamente. Se ela fosse um NPC do tipo, era claro que iria se mostrar hostil. Seguindo o caminho para o trabalho, sem chegar a resposta alguma e sem perspectiva daquelas visões sumirem, fui ficando paranoico. O objetivo

GAMEFIQUE-SE

imediato que o jogo da vida indicava era ir para o trabalho, mas eu me questionava o que eu faria se a ilusão me indicasse algo questionável.

Consegui trabalhar, consegui conviver com as pessoas, mas o dia não passou sem certa mudança de perspectiva. Fiquei mais focado em minhas prioridades, fiquei mais atento para colegas de trabalho ou pessoas na rua que via como ameaças, e aos poucos que eu identificava como aliados, ou ao menos amigáveis.

Na prática, eu já trabalhava bastante e me esforçava mais, mas aquele foco deixava tudo mais intenso. Eu tinha uma percepção paralela que me preocupava: como a visão gamificada me direcionava, o que não era foco eu deixava de lado. Isso incluía o sabor da comida, as conversas com as outras pessoas, e qualquer uma das tantas distrações que me entretinham na vida, apesar do meu estilo.

No fim do dia, eu estava com um misto de sensação de missão cumprida e uma exaustão

EDITORA OLYMPIA

enorme, do tipo que temos quando não conseguimos deixar de tirar nossa atenção de algo por um tempo prolongado. Era justamente o que estava acontecendo, no caso.

O ônibus de volta foi difícil. O excesso de pessoas se traduzia em um excesso de estímulo e mesmo a prática que estava adquirindo até então não facilitava. Eu seguia com olhares e atitudes estranhas que incomodavam os outros, mas não conseguia evitar.

Quando cheguei em casa, exausto, fui tomado por um alívio intenso. À frente dos meus olhos, um indicador dizia que eu completei uma missão, inclusive com um prazeroso som para reforço positivo. Duas novas missões surgiram imediatamente: a primeira era o jantar… e a segunda era meu compromisso daquela noite, a sessão de terapia semanal. Desde a pandemia fazíamos tudo pela internet, por vídeo.

Enquanto comia, voltei a me preocupar com aquilo. Eu poderia conviver com aquela visão de jogo. A certeza de que eu havia finalmente percebido um mecanismo maior explicava tanta coisa que parte de mim dizia que era até mais fácil

GAMEFIQUE-SE

viver daquele jeito, apesar do cansaço e das cobranças e estímulos constantes.

Havia também uma questão filosófica inevitável: se a vida era umgrande jogo, havia jeitos de ganhar e perder, e sem dúvida iam tentar fazer com que eu perdesse escondendo as questões mais básicas. Eu ter adquirido aquela visão, e todas conclusões subsequentes, poderia ser uma vitória.

Eu sabia que a terapeuta ia estranhar, que havia a chance até que me encaminhasse para um psiquiatra, porque não era normal as pessoas verem aquelas indicações de jogo. Mas até aí... e se ela também fosse um inimigo? Se o mundo inteiro era de NPCs, ela era mais um, só era incerto até então qual era a categoria.

Respirei fundo, terminei de comer, arrumei as coisas, escovei os dentes, e me preparei para a sessão. Eu não sabia o que faria a partir de lá, mas sabia que o primeiro ponto, meu objetivo para aquela hora, era conversar com a terapeuta.

Assim que o vídeo apareceu na tela, lá estava ela e, ao redor, a indicação em vermelho que confirmava todas as minhas piores suspeitas: ela era um inimigo. E como um inimigo, certamente

EDITORA OLYMPIA

ela faria o possível para que eu não enxergasse a verdade do jogo.

A dama de copas

Aquele era um jogo incomum…

Em vez de dinheiro, apostaram suas vidas…

O Infernallis, porém, também não era um cassino comum…

Localizado no subúrbio de Yevanil, o lugar era um espetáculo de luxo e perdição. O vermelho profundo das cortinas misturava-se à luz dourada que pairava sobre mesas meticulosamente ornamentadas. As atendentes, vestidas de modo provocante, circulavam entre as mesas, servindo bebidas refinadas e garantindo que tudo permanecesse impecável. Uma música envolvente ressoava pelo estabelecimento e o ar estava impregnado por uma mistura de fragrâncias de perfumes caros e cigarros.

À primeira vista, apenas um cassino como qualquer outro…

EDITORA OLYMPIA

O que distinguia o Infernallis dos demais, porém, não eram suas instalações suntuosas, mas suas apostas. Os jogadores podiam apostar o que quisessem: dinheiro, joias, órgãos… Toda aposta era válida! Bastava apenas assinar um termo de compromisso concordando em cumprir as condições da aposta e isentando o cassino de qualquer responsabilidade e o pacto estava selado. Ainda assim, apostar a própria vida era ir ao extremo. E o pior: a ideia tinha partido dela…

Molaiel amava jogos de azar e costumava frequentar o Infernallis apenas pelo puro prazer de jogar e arriscar-se nas apostas. Jogos de cartas eram seus favoritos, o pôquer sendo sua principal paixão. Devido à sua maestria nesse jogo, Molaiel era conhecida no cassino como “a Dama de Copas” e circulavam pelo Infernallis rumores de que ela nunca perdeu uma partida.

Naquela noite, após uma série de vitórias contra outros jogadores, Molaiel preparava-se para ir embora quando um homem encapuzado se aproximou e a desafiou para uma partida de pôquer. Identificando-se apenas como Ás de Espadas, a figura misteriosa disse que tinha ouvido falar da famosa Dama de Copas do Infernallis e,

GAMEFIQUE-SE

considerando-a uma adversária à altura, decidiu que queria jogar contra ela e testar essa fama.

Molaiel já tinha escutado histórias sobre ele: o Ás de Espadas era conhecido por ser um exímio jogador de pôquer.

Empolgada com a possibilidade de jogar contra alguém do seu nível, ela aceitou o desafio. Entre vitórias e derrotas para um lado ou outro, as fichas alternavam entre a Dama de Copas e o Ás de Espadas, sem que um conseguisse todas as fichas do adversário e, assim, vencesse o jogo. Uma audiência entusiasmada se aglomerava ao redor deles; os espectadores criavam uma parede humana de expectativa, com olhares curiosos e murmúrios de excitação.

Fazia mais de três horas que estavam jogando… Embora Molaiel estivesse muito excitada com aquela partida, o jogo estava começando a perder a graça. Então, após mais uma vitória, a Dama de Copas decidiu elevar as apostas: a vida do perdedor pertenceria ao vencedor, que poderia fazer o que quisesse com seu prêmio, sem restrições. Com isso, ela esperava aumentar o risco e a emoção do jogo. Seu adversário aceitou as novas condições, então eles assinaram um

EDITORA OLYMPIA

termo de compromisso para firmarem oficialmente aquela aposta.

Uma nova mão teve início.

A crupiê embaralhou as cartas, então Molaiel e o Ás de Espadas fizeram suas pré-apostas. Em seguida, cada um recebeu duas cartas. Molaiel sorriu: um rei e um dez, ambos de copas. Olhou para seu adversário; o rosto dele era uma máscara que nada deixava transparecer.

Hora das apostas!

Ansiosa por mais emoção, Molaiel abandonou todo e qualquer senso de autopreservação e apostou todas as suas fichas, então encarou seu adversário. O Ás de Espadas ergueu uma sobrancelha e a encarou de volta, demonstrando estar impressionado, ainda mais considerando o que estava em jogo, então sorriu e pagou.

Era tudo ou nada…

A crupiê, então, virou três cartas sobre a mesa: valete de copas, seis de espadas e dois de paus.

Molaiel não deixou transparecer seu descontentamento. Com aquelas cartas

GAMEFIQUE-SE

conseguiria, no máximo, uma carta alta, a mão mais baixa do pôquer. Olhou para seu adversário, tentando ler sua expressão, mas o Ás de Espadas aparentava apenas calma e tranquilidade. A Dama de Copas estava começando a se arrepender das suas escolhas…

Sem fichas para apostar, ambos deram mesa e a crupiê virou mais uma carta: um ás de copas. Molaiel suava frio. Estava muito entusiasmada e excitada, mas também tinha medo… Sua melhor mão continuava sendo carta alta. Para conseguir uma melhor, a próxima carta deveria ser uma dama de qualquer naipe, completando uma sequência, ou qualquer carta de copas, formando um flush .

Ao olhar para o Ás de Espadas, percebeu que ele sorria.

Novamente, ambos deram mesa.

Agora era, enfim, a hora da verdade: a última carta, aquela que decidiria seu destino. No ápice da empolgação e tensão, Molaiel se perguntou o que aconteceria caso perdesse. O sorriso malicioso do adversário não prometia nada de bom… A Dama de Copas percebeu, então, o quanto estava viciada em jogos de azar. Apostar a

EDITORA OLYMPIA

própria vida… O que tinha na cabeça para sugerir tal coisa!? Agora percebia quão fundo descera… Decidiu que, independente do resultado daquela partida, abandonaria os jogos de azar após aquela noite. Continuaria jogando cartas, sim, mas nunca mais da forma como vinha fazendo, andando na corda bamba.

A última carta foi virada sobre a mesa…

O coração de Molaiel parou por um instante… Então, o alívio inundou sua alma: dama de copas. Última rodada de apostas; mais uma vez, os jogadores deram mesa. Em seguida, mostraram suas cartas. O adversário de Molaiel tinha um ás de espadas e outro de ouros; com o ás de copas da mesa, formou uma trinca. Uma boa mão, realmente… A dela, porém, era melhor: dez, valete, dama, rei e ás, todos do mesmo naipe; um royalflush , a mão mais alta do pôquer. Ela tinha vencido!

O Ás de Espadas encarou-a, perplexo, e o público soltou uma exclamação, admirado.

A felicidade de Molaiel era tamanha que ela decidiu libertar seu adversário das condições da aposta, o que pareceu deixá-lo ainda mais assombrado. Ele, então, levantou-se e agradeceu

GAMEFIQUE-SE

pelo ótimo jogo, o mais emocionante da vida dele. Após despedir-se, o Ás de Espadas saiu do Infernallis.

A Dama de Copas observou-o desaparecer em meio àquele mar de gente.

Molaiel estava tão eufórica que queria jogar mais.

Mas… e sua promessa de abandonar os jogos de azar? Ela mordiscou o lábio, pensativa. Ah, só mais essa noite… Amanhã pararia. Amanhã… Olhando para as pessoas impressionadas ao seu redor, sorriu e perguntou:

E aí? Quem é o próximo?

EDITORA OLYMPIA

Crescendo com games

Lembro ainda criança quando meu pai apareceu com um aparelho estranho, era meio retangular e tinha dois botões, um em cada canto para a gente girar, como um botão de volume, destes antigos. Fiquei curioso com aquilo, ele chegou todo feliz e foi direto conectando um monte de fios na televisão, deu trabalho, aqueles fios, era uma confusão imensa, porém trinta minutos depois ligou a tela e pela primeira vez vi aquilo que me fascinaria por décadas.

Eu era bem pequeno, isso aconteceu no começo dos anos oitenta, aquele aparelho era o primeiro videogame que foi vendido no país.

Aquilo, se não me engano, se chamava Telejogo, era algo bem simples, os botões mexiam barras que ficavam nas laterais da tela, apenas com movimentos para cima e para baixo e uma bolinha, quadrada, que pingava para lá e para cá.

GAMEFIQUE-SE

O objetivo do jogo era não deixar a bolinha passar para a lateral da tela, cada um protegendo seu lado. Uma coisa simples demais, mas fantástica para a época, a revolução tinha chegado em casa.

Depois daquilo a era do videogame entrou em minha história. Minha vida ficou atrelada ao vício de ficar em frente à televisão apreciando e jogando cada vez mais. Foram anos incríveis. Logo depois daquele primeiro contato ganhei um Atari, outra fantástica evolução. Esse, sim, antecipava o futuro, com bolinhas, quadras, personagens quadrados, com tarefas quadradas, os píxeis tinham centímetros de comprimento, talvez, mas aquelas imagens coloridas que a gente podia movimentar na tela, era encantadora.

Devido às minhas condições financeiras, nos anos oitenta não pude evoluir nos games, novos consoles foram lançados, mas fiquei a década toda tendo que movimentar os quadradinhos pela tela através do console Atari.

Porém, isso não foi ruim, soube aproveitar de maneira eficiente e agregadora. Chegou um tempo, já no começo da década de noventa, que a maioria dos Ataris dos meus amigos estavam quebrados, e o meu continuava funcionando. Então, todos os meus amigos vinham para minha

EDITORA OLYMPIA

casa, para jogarmos as nostálgicas fitas do velho videogame.

Campeonatos de frostbite, enduro, pitfall, as disputas foram acirradas. Desmontamos os controles, arrumamos o que dava, aqueles eventos eram levados a sério. Na vitrola, vinis de heavy metal e na tela os bons jogos em baixa definição.

Mas tudo que é bom um dia acaba. Outro amigo comprou um Nintendo e o jogo de futebol era viciante demais e começamos a mudar de console. Todos, pernas de pau na realidade, mas com aquele controle com mais botão que o único do Atari, viravam verdadeiros craques. Acabei ficando para trás, não havia como ganhar daqueles que treinavam todos os dias, quando havia disputas com o famigerado futebol, eu ficava responsável por manter os vinis gritando o heavy metal.

Um dia, outro amigo me emprestou um Master System, foi como mudar de era, me sentia saindo de um mundo analógico e entrando na era digital, claro que não chegava a tanto, mas foi outra evolução. Jogos com muito mais cores, com mais definição, porém, seu reinado foi rápido. Logo depois o Mega Drive, superado rapidamente pelo primeiro PlayStation 1, este era incrível. Comecei

GAMEFIQUE-SE

a conhecer este console em meados dos anos noventa.

Aqueles anos noventa, a evolução tecnológica começava a acelerar exponencialmente, tudo acontecia muito rápido, mas a entrada dos PlayStation revolucionou tudo o que se imaginava de consoles de jogos.

Seu maior avanço foi usar CDs para armazenar os jogos, até então todos os anteriores usavam fitas e cada console tinha um tipo diferente de entrada das não pirateadas fitas. Os CDs vieram para dominar as décadas seguintes, e sua pirataria era viável, isso facilitou muito o acesso e a popularidade deste jogo.

As imagens eram quase perfeitas, os jogos de um grau de dificuldade incrível, entretanto, aquelas disputas entre amigos foram diminuindo. Um dos motivos era que crescemos e estávamos saindo da adolescência. Namoros, trabalhos, casamentos, filhos, foi mudando o rumo de todos, as prioridades eram outras. Outro motivo foi que os jogos de estratégia que tanto fascinavam na época eram jogados sozinhos. O divertimento dos jogos passou a ser individual, uma maneira de relaxar num dia após trabalhar ou estudar.

EDITORA OLYMPIA

Na primeira década dos anos dois mil, me afastei dos jogos, mudei de estado, fui morar sozinho, logo casei, tive filhos, trabalho, faculdade, tudo ao mesmo tempo.

Mas logo os filhos foram crescendo e o console voltou em minha vida, um pouco de maneira nostálgica. Comecei a conhecer através do computador moduladores de jogos do Atari, foi uma volta à infância e adolescência, apresentei aos meus filhos aquela fantástica forma de jogar. Eles gostaram e curtimos juntos por um período. Depois comprei um PlayStation 3, e a evolução continuou, jogava com eles, me divertia em família com meus filhos.

Certo natal as crianças ganharam um novo console, outra revolução, o Xbox. Com um tal sensor de movimento, ficava imaginando o que viria depois, o céu é o limite. Mas fui ficando para trás, gostava dos controles na mão, dos vários botões de pensar mais do que me movimentar. Com o novo console meus filhos brincavam mais com os primos.

Porém, essa época foi rápida, toda evolução depois do Atari foi muito acelerada, a cada um, dois anos, outro console mais avançado era lançado. Porém, algo aconteceu, entramos numa

nova era. Os celulares, individuais e conectados, invadiram tudo e a todos.

Os jogos ficaram piores, no meu ponto de vista, mas se diziam estar conectados com o mundo todo. Hoje jogamos com pessoas de todo o globo, realmente acontece, em tempo real. Entretanto, falta o contato, o calor humano. É uma maneira muito solitária de se divertir. Os jogos continuam viciantes, mas acabou o encanto. Vejo meus filhos, já grandes, cada um em seu mundo, olhando para seu quadrado, sozinhos, isolados. Isso repercute em minha esposa que segue neste caminho sem volta, e não vou negar, às vezes me pego neste mundo retangular que cabe na palma das mãos.

Sinto saudades dos tempos dos amigos sentados no chão da sala, torcendo pelos quadrados nas telas, com cores primárias e sem muitos efeitos estrambólicos, mas são apenas nostalgias, os tempos mudam, a passos largos e toda aquela (r)evolução que imaginava parou, voltamos para o individualismo, cada um em seu quadrado.

Mas o que fica são as lembranças, afinal é uma vida crescendo com os videogames, espero ansioso pela próxima metamorfose dos jogos. Quero agora, já que os filhos foram viver suas vidas, participar da nova geração dos consoles,

EDITORA OLYMPIA

estou aguardando pelos mundos virtuais de imersão, quem sabe não desperta em mim uma nova era com os games.

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.