

F 825 Franco, Carlos (organizador)
Contos Capitais, Editora Olympia, Uberlândia, MG –2024
Pág. 274
ISBN 978-65-86241-12-9
1.1 Literatura brasileira – Contos - I Título
F 825 Franco, Carlos (organizador)
Contos Capitais, Editora Olympia, Uberlândia, MG –2024
Pág. 274
ISBN 978-65-86241-12-9
1.1 Literatura brasileira – Contos - I Título
A todos os autores que empregaram tempo e talentoparalevaremaosleitoresnovasvisõese interpretações, sem culpa, dos Sete Pecados Capitais.
CarlosFranco/Apresentação/Página7
AbílioPacheco/Umarotinadeeconomia/Página13
AlekWayne/7consequênciascapitais/Página15
AnaMartaNascimentoOliveira/Detudoum pouco/Página20
AntonioCarlosSarmento/Exagero/Página24
AntônioCésarVeiga/Opreguiceiro/Página28
ArthurAraújo/Oanimalemmim/Página30
BaldomeroOliveira/7diabos7pescados/Página37
BrunaRojeSanches/Luxuriacriminal/Página38
CarlosHenriquedosSantos/Desejoemelancolia/ Página42
CarlosHenriquedosSantos/UmjantarparaLuís/ Página47
CélioD’Ávila/Ainveja,opodereomenino/Página51
DanielaMatosOnnis/Angélica/Página57
DavidLaureanoAlves/Castigada/Página60
DianaSousa/Acondessa,seusgêmeoseodeclínioda nobreza/Página69
DianaSousa/Misteriosapoção,poderosaaliada/ Página75
EduardoMartinez/OdestinodePerfídia/Página82
ElaineDacorso/Vozesdoíntimo/Página85
EstelaSimone/Aprincesavaidosa/Página82
FernandaSteffen/Amaçãdaluxúria/Página98
GlauberSantosSoares/OdespertardeLilith/Página102
JeanJavarini/(Re)nascimentodacidadedahumildade: Jornadaalémdasoberba/Página107
JeanJavarini/Resplandecendonassombras:a transformaçãodeIra/Página113
JeannePipa/Desejoenorme/Página120
JeffersonMachado/Afugadaporca:ahistóriadeHenri deMontpelli/Página132
JúliaGomes/Gotejantesarrepios/Página138
KássioBarreirosPaiva/Lágrimasdacriação/Página142
LucaViannaZulato/Ohomemqueamavaasi/ Página148
LucaViannaZulato/Redenção/Página152
LucasGelati/IrmãJúlia/Página158
LucasPereiradaSilva/Gopedoros/Página163
LucianaFerreiradaSilva/Telúricairada?/Página171
LukeNegreiros/Serpentedomar/Página176
LukeNegreiros/Existealgosobreelesqueeupreciso contar/Página184
MárciodosSantosMedeiros/Mesadebar/Página191
MariaJoãoAmaralGraça/Irasanguinária/Página197
MatheusSantosRangel/Faminta/Página202
MatileFacó/Covildospecados/Página207
MatileFacó/SombraeluznaCidadedos Pecados/Página210
MildredPitman/Asoberbadocompetente/Página213
PauloCesarTórtora/Opunhaldaira/Página218
QueliRodriguesdosSantos/Ossetepecados capitais/Página220
RaianMoreiradaSilva/Ossetedoligeirão/Página227
RaianMoreiradaSilva/Ecosnosótão/Página237
RogersSilva/Umvooentreasestrelaseochão/Página 239
RuthdeAlmeidaeCastro/Eleonora/Página245
SimoneDagostin/OavarentoNicolau/Página249
SorayaM.Pellizer/Amanteacidental/Página251
ThiagoRodrigueiro/Umdivinocontomacabro/Página 256
W.MárciaSouza/Víciosevirtudes/Página261
WesneyG.L.Sartori/AguladeSiasbex/Página264
WilliamR.F.Ramires/TudooqueArthurtemé melhor/Página270
Carlos Franco
A história está repleta de homens e mulheres que transformaram e seguem transformando os sete pecados capitais em marcas registradas. Avareza, gula, inveja, ira, luxúria, preguiça e soberba se espalham pelo ar como as batatinhas dos versos infantis se esparram pelo chão. É em torno de um ou mais pecados que giram os contos desta antologia.
Os chamados Sete Pecados Capitais têm suas origens na tradição cristã e foram popularizados pela teologia católica. Eles são listados como pecados graves que são considerados fontes de outros pecados. Esses pecados dialogam com os dez mandamentos da tradição judaica e constituem regras de convivência capazes de assegurar a harmonia e integridade do ser humano na sociedade em que vive.
São eles:
Soberba (ou Orgulho): Excessiva autoestima ou autovalorização.
Avareza (ou Ganância): Desejo excessivo por riquezas materiais.
Luxúria: Desejo sexual excessivo.
Ira (ou Raiva): Sentimento intenso de raiva, ódio ou violência.
Gula: Consumo excessivo de comida ou bebida.
Inveja: Desejo intenso e prejudicial pelo que outra pessoa possui.
Preguiça (ou Acídia): Falta de interesse ou motivação para realizar atividades.
A lista elaborada ao longo dos séculos teve a influência de teólogos católicos, depois tornados santos pela Igreja, como São João Cassiano e São Gregório Magno. Copilados na Idade Média por São Tomás de Aquino (1225-1274), esses pecados ganharam propagação ainda maior por meio do livro “A divina comédia” do italiano
Dante Alighieri (1225-1321).
O diálogo dos Sete Pecados Capitais com os Dez Mandamentos só foi possível porque nos seus primeiros séculos de existência, a Igreja Católica Apostólica Romana decidiu, a partir dos concílios de Hipona, em 393 d.C., e do Concílio de Cartago, em 397 d.C., acoplar ao que chama de escrituras sagradas, ainda que escritas por homens, os cinco primeiros livros da Torá judaica, conhecidos como Pentateuco e que inclui Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Para tal, os teólogos da Igreja se valiam do anúncio da chegada de um Messias previsto nestes livros.
Portanto, o nascimento, em Belém, do palestino Jesus Cristo, que daria origem ao universo cristão e ao Novo Testamento, representaria uma continuidade clara do processo religioso da Torá. Desde então, ficaram os livros judaicos conhecidos pelos católicos como o Velho Testamento, o que não foi questionado posteriormente
no século 16 por aqueles que romperam com a Igreja Católica como o monge agostiniano e alemão Martinho Lutero (1483-1546) e o teólogo francês João Calvino (1509-1564), fundadores das bases do protestantismo e do presbiterianismo, embriões das igrejas evangélicas, pentecostais e neopentecostais.
Em comum, para os cristãos, Jesus Cristo é o filho de Deus, o Messias anunciado no Velho Testamento. Para os muçulmanos, ele é um dos seus profetas, como Maomé, enquanto para os judeus ele épersonanongrata, um impostor, por isso ainda hoje aguardam a chegada do Messias e seguem acreditando que são o povo escolhido em nome do qual barbaridades, como o genocídio do povo palestino na faixa de Gaza, nos correntes anos de 2024 e 2025, possam ser cometidas. O roubo de terras e a escravização de palestinos por meio de um regime colonial abolido em todo o mundo no século passado são, neste caso, meros detalhes das ocupações de territórios pelo belicista Estado de Israel criado em 1947.
O que acontece hoje, por sua vez, é decorrência natural do fato de as religiões judaico-cristãs, apesar dos Dez Mandamentos e dos Sete Pecados Capitais, terem encontrado abrigo e acolhimento no perdão das transgressões em rituais que tornam ungidos e perdoados aqueles que confessam seus pecados ou são submetidos a um banho de óleos essenciais ou mesmo nas águas de rios considerados sagrados. Conduzidos por religiosos mortais que dizem falar com o imortal Deus das crenças monoteístas, como se isso fosse possível, tais rituais
prometem ser a ponte entre a mortalidade e a imortalidade.
É o que tem justificado ao longo da história e nos próprios textos do Velho Testamento a sagração de reis ordinários e sanguinários como Davi, no qual se pode observar, nos mesmos textos, uma predileção especial por atos e atitudes contrários aos Dez Mandamentos e aos Sete Pecados Capitais.
O apego ao Velho Testamento também justifica o fato, sobretudo de igrejas pentecostais e neopentecostais, terem abandonado o Evangelho de Cristo, ainda que se dizendo cristãs, pois tal comportamento em defesa de teologias como as da prosperidade e a do domínio como desejava Davi, se chocaria frontalmente com o legado de Cristo de amor ao próximo e a sua opção pelos pobres e excluídos sem estabelecer fronteiras e o total distanciamento da política, “a César o que é de César” .
No Evangelho de Cristo, que visa superar e elevar a outro patamar a sociedade, expulsando os vendilhões dos templos erguidos em nome de Deus, realçando a importância e relevância dos excluídos e dos diferentes, o que prevalece é justamente o amor ao próximo, o respeito à mulher e aos pobres, além da convivência com a natureza que provê ao homem o seu sustento ao contrário do Velho Testamento em que o poder e a força dos reis se faz presente. Tanto que é numa montanha, uma colina longe dos templos, o local onde o Cristo teria feito o seu principal sermão e nele pontuado: “Olhem os lírios do campo, que não trabalham nem tecem! E, contudo, nem
Salomão em toda a sua glória se vestiu tão bem como eles” (Lucas 12:27).
Alguns dos sacerdotes, sacerdotisas, bispos, bispas, pastores e pastoras que dizem falar em nome de Deus e, acredite, do próprio Cristo, preferem, no entanto, se vestirem como Salomão, trocarem a palavra amor pelas armas, a compreensão e o respeito à mulher pelo desrespeito de gênero, a distribuição da renda como a entrega do peixe e do pão, do vinho e da água, aos que têm fome e sede, pela concentração da renda e, por fim, a caridade pela humilhação. E o mais grave de todos os pecados capitais também previstos nos dez mandamento: a morte em vez da defesa intransigente da vida.
E ainda que muitos transgridam os Dez Mandamentos e os Sete Pecados Capitais, eles continuam a arranhar a pele introjetando o soro positivo da vida nas mentes, como o fazem os contos reunidos nesta antologia.
Por fim, nos cabe ressaltar o objetivo da Editora Olympia em, por meio destas obras coletivas, abrir espaço para novos e consagrados autores. Afinal, a transmissão do conhecimento além de ser ato de amor, contribui para a formação de sociedades plurais que possam viver em harmonia com suas diferenças e contradições como as que cercam aqueles que propagam os Sete Pecados Capitais, mas a eles se entregam talvez na certeza de, futuramente, serem ungidos e perdoados. Tornarem-se, inclusive pastores, como é o caso de tantos criminosos que povoaram os púlpitos, as ondas do rádio e das emissoras de televisão com falsas promessas de milagres em nome de Deus.
Pensador e pregador batista inglês, Charles Spurgeon (1834-1892) observou que “quem serve a Deus por dinheiro é capaz de servir ao diabo por salário melhor”. Sorte deste pregador londrino não estar vivo para observar, e certamente se indignar, com denominações batistas que hoje trocam o amor de Cristo pelo ódio e a intolerância e a caridade pelo dinheiro.
Tanto que Spurgeon, considerado “o príncipe dos pregadores”, pontuou: “Eu detesto a escravidão do fundo da minha alma... e, embora eu tenha comunhão à mesa do Senhor com homens de todos os credos, ainda assim, com um dono de escravos não tenho comunhão de nenhum tipo ou espécie. Sempre que [um dono de escravos] me chama, considero meu dever expressar minha repulsa por sua maldade, e seria o mesmo que pensar em receber um assassino em minha igreja... como um ladrão de homens.”
Com igrejas, inclusive de denominações batistas, convertendo assassinos e exploradores de homens em pastores, o fosso que separa o Evangelho de Cristo de rituais realizados em seu nome é hoje tão dantesco quanto a obra de Dante Alighieri.
Boa e intrigante leitura,
Abílio Pacheco
Toda tarde seguia o caminho de sempre, a rua na contramão que ele acreditava ser o atalho. O sol lançava sombras longas enquanto ele se dirigia ao posto de gasolina habitual. Com suas garrafas térmicas em mãos, ele logo começava sua rotina de sempre.
Ao chegar ao posto, cumprimentou o atendente de maneira breve e foi direto para a caixa de água encher sua garrafa térmica de 15 litros. Ele sabia que àquela hora teriam acabado de encher as garrafas de café. Sem nenhuma discrição, ele enchia sua térmica de 500ml. Enquanto isso, conversava com o frentista e comentava qualquer coisa sobre o preço da gasolina no painel eletrônico. Dia ou outro, murmurava consigo mesmo, calculando mentalmente quanto seria gasto para encher o tanque, mesmo que não tivesse intensão de fazer isso. Preferia colocar somente uns poucos reais e dizer para o atendente chorar um pouquinho o bico da bomba.
Enquanto saboreava o café, dirigiu-se à área de conveniência. O atendente o conhecia bem e, ao vê-lo, já estava pronto para atender suas habituais perguntas sobre os salgados e mostras de quibes, arestas de pastéis ou pães de queijo um pouquinho queimados. Dentro da conveniência, acomodava-se diante da televisão e assistia ao telejornal que passava de hora em hora em uma emissora por assinatura. Após a atualização de notícias, ele se dirigia ao hotel próximo, onde pegava algumas caixas de fósforo como brinde, ou sabonetes ou frascos de shampoo, ou uma mini bisnaga de pasta de dente. Qualquer coisa seria como uma pequena vitória em sua busca incessante
por brindes. Satisfeito, retornava ao posto de gasolina para recuperar seu carro.
Ao partir, lançava um olhar de lado para o indicador de combustível, ponderando se realmente não haveria algum desconto no dia seguinte. A passagem pelo posto de gasolina era também um atalho para sua casa, um caminho mais curto. E mais barato. Ele seguia adiante, verificando se encontraria algum comércio no caminho com brindes ou mostras gratuitas.
Se o sinal estivesse fechado e algum vendedor estivesse dando provas de biscoitos ou amendoins, ele receberia, perguntaria se poderia levar mais alguns para provar com café quando chegasse em casa.
— CALE SUA BOCA, EU NÃO DEVERIA ESTAR NESSA ESPELUNCA.
Ouvia os sonoros gritos vindo da secretária, era mais um dia corriqueiro no consultório, mandei o chamar, ele entrou com os olhos enfurecidos, sua cara pálida e sentou na cadeira, sua acompanhante esperou do lado de fora.
— Dr. Eu realmente não sei o que estou fazendo aqui — disse ele em um tom elevado.
Fiz uma releitura rápida em sua ficha.
Senhor Ira, vejo que o senhor esteve envolvido em várias brigas, o que tem a falar sobre isso?
— Dr. Eu não deveria estar aqui, é simples assim.
Observei inúmeras cicatrizes em seu corpo, feridas que o tempo não curou, ousei perguntar.
Te machucaram?
Eu não deveria estar aqui, eu não deveria estar aqui, EU NÃO DEVERIA ESTAR AQUI CARAMBA, ISSO TUDO É TÃO INÚTIL.
Segurei em sua mão que me repudiou com uma face de desgosto, e calmamente falei:
— Tá tudo bem, somos amigos Ira, ninguém vai te machucar aqui.
Não era para eu estar aqui, não era para ele estar ali – disse deixando escapar três lágrimas corajosas.
Eu o abracei em um ato involuntário, ele quis me empurrar, mas eu resisti, naquele momento ele desmoronou, chorou como uma criança perdida, me contou sobre sua infância torturante, no qual o mínimo erro ocasionaria nos mais severos castigos, contou sobre suas tentativas de suicídio para fugir daquele mundo de cobrança e dor, e que gostaria de estar em lugares mais tranquilos, conversamos ativamente durante toda sessão, recomendei a técnica de respiração cíclica e a prática frequente de meditação para ele.
Sinta-se bem falei me despedindo.
Luxúria adentrou a sala com um sorriso ardente que queimava como brasas. Seus olhos faiscavam com uma chama desafiadora enquanto ela se aproximava, o corpo esculpido para provocar tentações.
Doutor, eu vejo que você sabe apreciar as coisas boas da vida. - Sua voz sussurrante ecoou pelo consultório.
Eu mantive uma postura profissional, ignorando as investidas de Luxúria. Ela circulava pela sala como uma predadora, seus gestos insinuantes buscando me envolver numa dança perigosa.
Luxúria, estamos aqui para discutir seus problemas, não para jogar esse jogo. - Tentei manter a voz firme, mas ela apenas riu, como se minhas palavras fossem um mero detalhe em sua busca pelo prazer.
Luxúria, você é mais do que isso, esse oceano de superficialidades é muito raso, o que existe dentro desse vazio?
Luxúria revelou os alicerces de sua natureza sedutora. Seus olhos, agora nublados por uma melancolia fugaz, deixaram transparecer uma dor antiga.
Doutor, não entende? A luxúria é meu refúgio, meu escudo. Quando fui deixada pelos meus pais na rua, à mercê da solidão, eu busquei consolo em prazeres passageiros.
Ela murmurou, os lábios que antes provocavam agora confessando uma tristeza oculta.
Luxúria, a verdadeira resolução está na compreensão e enfrentamento, não na fuga através da tentação. - Falei, tentando manter a terapia no caminho certo.
Conversamos entre sorrisos e desabafos, ao final Luxúria saiu com um sorriso desafiador, deixando para trás uma atmosfera carregada de eletricidade.
A outra consulta era com o senhor preguiça, a ficha apontava introspecção e alto grau de bullying na infância, mas ele não compareceu.
Gula e Inveja adentraram a sala, gêmeos univitelinos, compartilhavam o mesmo DNA, mas suas essências eram contrastantes como luz e sombra. Gula, um adolescente de apetite voraz, lutava contra a compulsão alimentar para preencher o vazio emocional. Inveja, sua irmã, alimentava ressentimentos e desejos de superioridade, sentindo-se sempre na sombra dos outros.
Ao explorar suas origens familiares, emergiu uma narrativa onde a escassez de afeto era o epicentro. Gula buscava consolo na comida, enquanto Inveja procurava superar suas inseguranças através da comparação constante com os demais.
A terapia tornou-se um mergulho na dualidade de suas existências, onde a sessão desvelava as camadas de suas personalidades opostas. O consultório, antes palco de diferenças, tornou-se o espaço onde os irmãos, apesar das suas disparidades, começaram a encontrar pontos de conexão e compreensão mútua.
Na sua primeira visita ao consultório, Avareza adentrou com a postura típica de quem valoriza cada segundo de seu tempo, os olhos ávidos por informações. Ele se sentou, visivelmente desconfortável, em uma cadeira austera.
Doutor, estou aqui porque minha assistente insistiu que seria benéfico para minha "saúde mental". Vamos direto ao ponto, não tenho tempo a perder - declarou Avareza, o tom de sua voz refletindo impaciência.
Durante a conversa, Avareza, relutantemente, compartilhou uma memória dolorosa de sua infância. Crescendo em um ambiente de escassez, ele testemunhou a angústia de sua família diante das privações financeiras. Essa experiência deixou uma marca indelével em sua psique, criando uma fome insaciável por segurança financeira.
Ao abordar essa ferida, o consultório tornou-se uma arena emocional. Avareza, que sempre enxergou o dinheiro como um escudo protetor, começou a sentir as rachaduras em sua armadura. Ao relatar a história de sua infância, ele desvelou as cicatrizes de uma época em que sua família mal tinha recursos para suprir as necessidades básicas, quanto mais para proporcionar-lhe a simples alegria de um brinquedo. A narrativa, permeada por uma mistura de mágoa e anseio, trouxe à tona as emoções enterradas que Avareza havia tentado esconder sob uma fachada fria de ganância. O consultório, agora impregnado com as lembranças da infância de Avareza, tornou-se um palco onde as feridas emocionais eram expostas e, talvez, começariam a cicatrizar.
A sessão única, então, transformou-se em uma jornada de autodescoberta acelerada. O desafio de abrir mão de algo valioso, mesmo que temporariamente, desencadeou um turbilhão de emoções conflitantes. Avareza, imerso nas profundezas de seu passado, começou a perceber que a verdadeira riqueza não residia apenas nas contas bancárias, mas na busca por um equilíbrio emocional que ele negligenciara por tanto tempo.
As sessões haviam sido encerradas, entrei no meu carro, fiquei feliz pela oportunidade de reconhecer e validar aquelas pessoas, algo muito distante da minha realidade, a psicologia não era valorizada na minha família de médicos, aquelas histórias de alguma maneira me lembravam a mim, mas essa comparação era surreal.
Chegando em casa, encontrei minha mulher que logo perguntou:
— Como foram as consultas? — Aquela voz doce me encantava.
Um monte de malucos, você iria sorrir muito, pessoas perdidas precisando de orientação, eu me sentia Noé embarcando vários animais naquele consultório.
Vai dormir Soberba, você está cansado.
Ana Marta Nascimento Oliveira
Ele era uma pessoa com muitos defeitos, assim como um paciente que vai ao médico e sai de lá com uma grande lista de doenças.
Lucas era uma pessoa amigável e todos o achavam um grande amigo para todas as horas. Era disponível para ajudar quem quer que fosse, e estendia a mão para ajudar qualquer pessoa. E sua fama e carisma corria pela cidade, e por causa disso fazia amizades.
Entretanto, com o tempo as coisas mudaram, e como costumamos dizer: “mudaram da água para o vinho”, pois aquele rapaz se transformou realmente da água para o vinho, se tornando alguém avarento, invejoso, irado, preguiçoso e que vivia na luxúria e na soberba.
E tudo começou porque era um jovem sem posses, e se meteu com más amizades, entrando em diversos vícios e começou a se enfiar em jogos. E ganhou muito dinheiro, mas perdia também, e se afastou dos amigos antigos e os novos o desviaram de seus princípios. E não é à toa que às escrituras nos alertam contra as más companhias dizendo:
Provérbios 13:20: “Aquele que anda com os sábios será cada vez mais sábio, mas o companheiro dos tolos acabará mal”.
Provérbios 20:6: “Muitos se dizem amigos leais; mas um homem fiel, quem poderá achar”?
Provérbios 19:4: “A riqueza traz muitos amigos, mas até o amigo do pobre o abandona”.
1 Coríntios 15:33: “Não se deixem enganar: “As más companhias corrompem os bons costumes”.
Provérbios 24:1 – “Não tenha inveja dos ímpios, nem deseje a companhia deles”.
Deus realmente é sábio e se ouvíssemos seus conselhos não íamos cair em tantas armadilhas como muitos caem.
E assim como conheceu com Lucas que se meteu com amizades que só o destruiu.
Não tinha mais tempo para os amigos, pois vivia correndo em busca de dinheiro em diversos tipos de jogos. E vivia uma vida de avareza, e quanto mais tinha mais queria e tinha inveja de tudo que via dos outros e queria comprar para si também para não ficar por baixo de ninguém.
Se irava com tudo e aquele rapaz calmo e educado havia se transformado em alguém rancoroso e irado.
Era preguiçoso em tudo e não ajudava mais ninguém em nada.
Não fazia mais bondade ao próximo e em tudo era desleixado.
Vivia agora uma vida de luxúria, realizando todas as vontades da carne, se afundando na promiscuidade e sensualidade, e não havia mulheres que o agradavam e cada dia as trocava.
Era soberbo e desejava que todos estendessem um tapete vermelho para ele passar. Se achava melhor que os outros e seu orgulho se concentrava em que se achar o centro das atenções aos olhos das multidões.
Porém, a época das vagas gordas passava, pois o vício nos jogos o fez perder tudo, e agora já estava em uma situação pior que antes, pois, não tinha nem dinheiro e nem amigos, pois, os amigos de jogos o abandonaram.
E para piorar o jovem ficou doente e sua doença piorava a cada dia mais. E no final das contas, Lucas entendeu a brevidade da vida, e como ela passa rapidamente, assim como lemos em Salmos 90. Entendeu também o contexto de Mateus 16: 26 que diz: “Pois, que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro
e perder a sua alma? Ou o que dará o homem em troca da sua alma?”. Ou seja, o que adianta ganhar tanto dinheiro e não aproveitar as coisas que mais tem valor na vida que é Deus, a família e os amigos?
Lucas agora se amargava em uma vida solitária e sem razão para mais nada.
Porém, um dia seus velhos amigos o visitaram, e o acolheram novamente, e ele aprendeu com seus erros que nenhum dinheiro vale a pena se trocamos as melhores coisas e os melhores momentos por ele.
Este conto é fictício, mas com certeza é uma carapuça que serve para mim mesma e para muitos que estão lendo, onde muitas vezes valorizamos coisas e não pessoas, onde trabalhamos demais e não temos tempo para nossos familiares, onde às vezes esquecemos dos amigos quando enriquecemos, e quando deixamos de curtir momentos com quem amamos porque queremos ganhar mais dinheiro. E a vida sendo tão passageira vai passando, e vamos passando com ela, e voamos e pode ser que não mais existiremos. E no final das contas, o que fizemos, a não ser correr em busca de riquezas? E quando a morte chegar, nem gavetas no caixão teremos para levar o nosso dinheiro e os bons momentos da vida serão desperdiçados em ambições e avareza.
Por isso, devemos analisar diariamente como está sendo a nossa vida e quais as arestas que temos que aparar, para que não saiamos do trilho que nos faz percorrer o caminho certo.
Quais propósitos estamos realizando pela vida, se estamos sendo úteis ou inúteis como uma palha seca sem serventia.
Que não nos esqueçamos que a nossa vida está passando e que possamos não passar junto com ela, mas que devemos deixar a nossa marca no coração das pessoas e que nossa falta seja sentida quando formos embora como pessoas que fizeram a diferença e que brilharam por Cristo pelo mundo afora.
Que nossos planos sejam guiados por Deus, e nenhum deles irão se frustrar.
O momento de refletir e tomar atitude é agora. Pois, pode ser que o amanhã não exista mais e as nossas oportunidades vão se embora.
Que possamos ser de tudo um pouco, mas de tudo o que é bom e não do que é mal. Pois um dia prestaremos contas com Deus, e cada um irá ter a retribuição do que fez ou deixou de fazer. Deus julgará todas as obras, doa a quem doer. Ele é amor, mas é justo também. E julgará cada um de acordo com as suas ações, quer sejam boas ou más, assim como lemos em Eclesiastes 12: 14. E todos terão que comparecer ao tribunal de contas (2 Coríntios 5: 10).
Que este conto nos seja uma alerta como uma trombeta bem barulhenta que a todos acorda do sono da morte.
Busquei escrever letras e palavras carregadas de significados aos leitores, para que encham seus corações de alegria e esperança em dias melhores e que tenham discernimento em tomas atitudes e decisões mais sábias.
Não adiantaria ter escrito poesias que só emocionam, mas que não trazem a razão à tona.
E isso é necessário em nossos dias atuais, pois Jesus está voltando e precisamos acordar do sono para nos preparar para encontrá-lo.
Sei que muitos podem não acreditar, mas a minha parte estou fazendo, pois, não quero somente o bem a mim mesma, mas a todos que este conto estão lendo, pois, desejo vê-los no céu também.
Antonio Carlos Sarmento
O exagero está na raiz dos nossos pecados. A nossa tendência de trocar o comportamento comedido pelo desmedido, escorregando para além de limites razoáveis, pode ser a mola que nos impele aos desvios, vícios e consequentes sofrimentos.
Não desejo teorizar e muito menos teologizar, mas os sete pecados capitais parecem trazer em si a marca do exagero. Afinal, o que é a gula senão o exagero da alimentação, a luxúria o exagero do sexo, a ira o exagero da contrariedade e a preguiça o exagero do repouso? Não seria a avareza o exagero do apego aos bens? A soberba um exagero de si mesmo e a inveja um exagero do outro? Até nem sei se são sete pecados ou se é apenas um...
Arrisco a dizer que o exagero parece ser uma ponte muito convidativa, bela e atraente, pois tendemos a percorrê-la com muita frequência. Só que sempre num sentido único, pois o retorno aos limites, a volta à moderação, ao ponto de equilíbrio, apresenta-se sempre como um caminho muito mais difícil e acidentado, que exige esforço e disciplina. É quase como deslizar numa prancha do alto de uma duna até embaixo desfrutando da velocidade e do vento no rosto e depois ter que subir de volta, a pé, na areia inclinada, fofa e quente.
Não conheço as razões desta nossa tendência a exagerar, mas é certo que grande parte das vezes, dependendo da intensidade, acentua nossos defeitos e embaça nossas qualidades.
Sim, o exagero pode ser também destruidor de virtudes. Vemme à memória um colega de empresa, muito preparado e inteligente, com uma oratória clara e articulada, mas que, ao apresentar suas opiniões, estendia-se em ênfases e ilustrações,
citava exemplos, referia situações semelhantes, analisava hipóteses e arvorava-se em comparações, de tal modo que ocupava tempo em demasia, esgotando a tolerância dos ouvintes e desmerecendo suas argumentações. Com o tempo, deixou de ser convidado a participar das reuniões e inconformado foi ao diretor:
Por que não sou mais chamado para debater os assuntos? questionou, revelando tristeza e inconformismo.
— Posso ser sincero?
Claro!
— Vou resumir assim: você, em menos de um minuto, mata o passarinho de forma precisa e eficaz. Mas depois, passa horas arrancando as peninhas, as patinhas, o bico... O passarinho já morreu! Ninguém precisa nem aguenta esta abundância de explanações. Como diz o filósofo, quem exagera o argumento prejudica a causa!
Mesmo assim, no tempo em que fiquei na empresa, aquele colega continuou acorrentado ao excesso que travava sua evolução profissional.
Relembro também uma passagem numa academia de yoga que frequentei em certa fase da vida. Era uma nova turma, com apenas sete ou oito alunos. A professora, já madura, conduzia muito bem o nosso aprendizado, demonstrando conteúdo e traquejo. Ao final de cada aula sempre havia um momento para comentários e uma das alunas revelava sua empolgação, propagando uma completa mudança de vida e dizendo-se maravilhada com a prática. Ali pela terceira ou quarta aula, atrasei-me na hora de ir embora e todos já haviam saído quando encontrei a professora perto da porta e comentei:
— Aquela menina está adorando. Você deve estar contente com este resultado em tão pouco tempo.
Uma escada se sobe degrau por degrau disse ela, do alto de sua experiência.
Na hora não entendi, mas de fato, após mais umas três aulas a menina desapareceu para nunca mais retornar. Caiu da escada. Eram trovoadas sem chuva. O excesso de entusiasmo resvalou para o vazio.
Até mesmo nas coisas mais belas a sombra do exagero apaga o brilho. Para não cansar o leitor e acabar também pecando pelo excesso, passo a relatar o terceiro e derradeiro caso.
Uma de minhas irmãs foi morar em um condomínio de casas e convidou-me para uma visita de fim de semana. No sábado, para melhor aproveitar a beleza da tarde amena e agradável, resolvemos dar um passeio a pé, nas ruas internas. À medida que andávamos, ela foi contando histórias dos vizinhos, da construção das casas e outras curiosidades dos moradores. O tempo foi passando e a noite caindo quando notei uma casa que destoava das demais, apresentando certo descuido, jardim com mato, varanda com folhas e quase todos os cômodos apagados, ou seja, poucos sinais de vida.
— E nesta casa? Mora alguém? — perguntei.
Mora uma pessoa sozinha.
— Numa casa deste tamanho?
Pois é. A mulher o abandonou. Um belo dia deixou um bilhete e nunca mais apareceu.
— E ele permaneceu na casa?
Sim. Ele acha que a mulher vai voltar. Toda vez que toca o interfone ele corre para atender e pergunta ao porteiro se é ela.
— Mas quando ela foi embora?
Há dez anos...
Aquele caso me impressionou.
Tudo tem um limite: nem o amor, o mais belo dos sentimentos, admite exagero.
Já ouviram falar do Paulinho Sarará?
Minha opinião é que ele, o Edison Tiririca e o Betinho Tarugo foram os melhores jogadores de futebol que contemplei jogar (e não proseio que essa “soberania” tenha ficado confinada nos bairros da Zona Sul). Mas não quero falar de esportes, e sim de “preguiça”. Fui criado na mesma rua que o Paulinho Sarará (bem dizendo, vizinhos bem pegados). Segundo seus irmãos, aqueles acompanhantes da mocidade do “dito cujo”, sua “preguiça” deveria ser objeto de estudos da classe médica especializada...
Contam que o Sarará, deitado no seu quarto, ligou para sua própria casa, forjando uma voz diferente, quando “cabeça” seu irmão, atendeu prontamente, e foi quando disse que queria falar com ele mesmo. Sendo assim, Cabeça entrou no quarto e avisou que tinha alguém querendo falar com ele. Sarará então confessou que fora ele que havia ligado, e só queria que o irmão apagasse a luz. Cabeça, enraivecido, foi embora e não apagou, ao mesmo tempo em que o preguiçoso virou para o lado e dormiu aquela noite inteira... (sim, com a luz acesa!).
Certa vez, ao acabar de tomar banho, nosso “amigão” ficou de pé no banheiro esperando secar antes de vestir a roupa porque tinha esquecido a toalha, e estava com preguiça de chamar a mãe Dona Heldi , para alcançar (risos). Posteriormente confirmou que permaneceu nessa situação até ficar bem sequinho (“escutei todo o primeiro tempo do jogo do Colorado contra o Brasil de Pelotas e nem de toalha precisei” disse com sorriso maroto).
Mas o Sarará não tinha só preguiça atitudinal, ela se espraiava também na esfera verbal. Mário, um amigo comum, antes de entrar no baile do Clube Tristezense, sábado à noite, arriscou perguntar: Sarará, qual o conselho do dia? — Mário e suas expectativas amorosas.
Pois é, não tenho nenhum, porque já é noite! (balbuciou, pois estava com preguiça de falar).
Assim como existem os amigos presentes da infância, há os distantes da maturidade... Eles não estão por perto, mas ficam grudados na lembrança e no coração da gente.
Um beijo, Paulo Henrique Arend da Silveira e família.
Arthur Araújo
Os deuses habitam o sertão pernambucano em junho. E falam no odor da carne e da cana, no sol que luta contra o frio improvável da manhã, nas ruínas das casas de pedra e cal. Ao meio dia, o sol acentua o oliva da pele feminina, os olhos tentam, sem sorte, abarcar algo que não seja a luz q tremula nos cílios, o cheiro dos limoeiros arranha a garganta. Mal posso divisar a massa de jurema preta que lança seus galhos ao redor da vila do Bom-Nome e parte para riba dos montes onde deita as raízes na terra batida pelos cascos dos cavalos que, no correr, imitam a pancada do mar.
Foi nesse lugar que eu resolvi descansar, passar as minhas férias cuidando das ovelhas e trabalhando na fazenda. Para esquecer um pouco o recife, eu sou um cara religioso, pelo menos pensava ser, no dia em questão eu fui a uma rezadeira, e sentado na sala de espera olhando o Instagram, eu vi Beatriz.
Eu estava sentado enquanto dona Maria Porteira passava folhas de pinhão em torno de mim, ao terminar a reza colocou castanhas no meu bolso para servir de amuleto. custou-me a levantar, estava cansado do dia no vale do monte. Perguntei a mim mesmo o que iria fazer e decidi tomar a benção do velho Napoleão, depois de abençoado, atinei a perguntar como faria para conhecer sua sobrinha neta. Dirigi-me a uma fazenda perto do vilarejo, a casa senhorial é cinza e adornada de pedras, compõe um visual interessante, pulei a porteira e perguntei a uma senhora - também minha parente- onde estava sua neta.
Ela levou-me até Beatriz, a mãe dela foi simpática, me chamou de maluco e disse que eu agia como meu pai, procurei esconder a timidez com cinismo -dane-se vamos todos morrer,
eu a trouxe para o vale do monte, mostrei os cavalos e coisas antigas, conversamos
sobre literatura, no alpendre da minha casa paterna, a conversa a deixara particularmente bonita. Uma vez aí, beijei-a. Estava frio, eu a desejava.
Ela também, julgo eu. Preocupei-me com um possível flagrante constrangedor. Levei-a ao quarto em que estava e a deitei na minha cama, nesse movimento, toquei-lhe a carne dos seios.
Ela se estendia na cama de barriga para o ar. Voltou-se para mim. Tinha os cabelos a caírem-lhe para os olhos e sorria. Subi para o lado dela. Estava surpreendentemente frio, como de brincadeira, deixei cair a cabeça, e descansei o nariz na nuca dela. Não disse nada e eu deixei-me ficar assim: Tinha os negros cabelos nos olhos, e o cheiro estava muito bom. Nas minhas costelas, sentia o corpo de Beatriz latejar suavemente. Ficamos muito tempo na cama, meio adormecidos.
Quando o sangue ferveu agarrei-a, passei-lhe um braço em volta da cintura e a beijei por todas as partes. Ela ria muito. Depois de algumas horas, relutantemente, disse-me: "Preciso ir". Perguntei-lhe se queria passar a noite comigo. Voltou a rir e disse que a avó a mataria. Levei-a para casa, mas aproveitei cada minuto do percurso, por o fim do beijei-a e agradeci a sua avó. Voltei ao vale do monte e dormi.
Quando acordei, pensei que era domingo, o que me aborreceu: não gosto dos Domingos. Então voltei-me na cama, procurei no travesseiro o cheiro que os cabelos de Beatriz ali tinham deixado e dormi até às quatro e meia: Tomei depois um café, e observei o quebrar da barra do clarão.
No dia seguinte, Beatriz bloqueou-me, como se a realidade daquela noite tivesse sido apagada em um clique. Estranhamente, meu corpo, apesar do desprezo psicológico, sentia uma fome intensa por ela. Cada molécula parecia pulsar
em desejo, ansiosa por uma ligação covalente exclusiva com as dela. Era como se o impulso físico superasse a lógica da mente.
A obsessão crescia, e mesmo que eu a menosprezasse mentalmente, uma força magnética me impelia a ser exatamente o homem que ela desejava. A dualidade entre o repúdio consciente e a irresistível atração física criava um conflito interno, alimentando uma determinação estranha de conquistá-la novamente.
Assim, eu me via num jogo contraditório, onde a mente resistia, mas o corpo clamava por mais. Cada célula ansiava por aquele toque, como se a química do nosso encontro tivesse desencadeado uma reação incontrolável, uma busca desesperada pela reconexão. Era uma batalha entre a razão e a pulsação primal, deixando-me cativo da insaciável fome de Beatriz, enquanto eu mesmo tentava negar o que meu próprio corpo ansiava.
Retornei ao recife em busca de um alívio para as lembranças de Beatriz, experimentando encontros casuais na esperança de apagar sua presença. Natália foi a primeira, com quem tentei forjar uma relação tão intensa quanto a chama fiscal que nos unia. No entanto, mesmo em meio ao calor do momento, minha mente inconscientemente projetava traços de Beatriz em Natália. Seus gestos, olhares e até mesmo o timbre de voz se misturavam, criando uma ilusão impossível de escapar.
Logo depois, conheci Marina, uma mulher aparentemente fervorosa em sua fé, mas que escondia uma ferocidade luxuriante. Nossa noite de prazer foi um mergulho profundo em desejos ocultos. Enquanto explorávamos paixões proibidas, ficou claro que, por mais que Marina oferecesse uma experiência diferente, Beatriz permanecia como uma sombra persistente em minha mente.
Cada toque, cada sussurro com Marina, reacendia a lembrança da noite no vale do monte com Beatriz. A dualidade entre tentar preencher o vazio com novas experiências e a
persistência da imagem de Beatriz complicava meu entendimento sobre o que buscava nos encontros. O riso e a paixão com Marina, embora intensos, eram sempre acompanhados por uma sombra daquela noite anterior, deixando-me intrigantemente insatisfeito, enquanto eu continuava a me perder nas diferentes faces que encontrava.
Retornei ao recife em busca de um alívio para as lembranças de Beatriz, experimentando encontros casuais na esperança de apagar sua presença. Natália foi a primeira, com quem tentei forjar uma relação tão intensa quanto a chama fiscal que nos unia. No entanto, mesmo em meio ao calor do momento, minha mente inconscientemente projetava traços de Beatriz em Natália. Seus gestos, olhares e até mesmo o timbre de voz se misturavam, criando uma ilusão impossível de escapar.
Logo depois, conheci Marina, uma mulher aparentemente fervorosa em sua fé, mas que escondia uma ferocidade luxuriante. Nossa noite de prazer foi um mergulho profundo em desejos ocultos. Enquanto explorávamos paixões proibidas, ficou claro que, por mais que Marina oferecesse uma experiência diferente, Beatriz permanecia como uma sombra persistente em minha mente.
Cada toque, cada sussurro com Marina, reacendia a lembrança da noite no vale do monte com Beatriz. A dualidade entre tentar preencher o vazio com novas experiências e a persistência da imagem de Beatriz complicava meu entendimento sobre o que buscava nos encontros. O riso e a paixão com Marina, embora intensos, eram sempre acompanhados por uma sombra daquela noite anterior, deixando-me intrigantemente insatisfeito, enquanto eu continuava a me perder nas diferentes faces que encontrava.
De volta ao meu dia a dia, retomei minhas rotinas habituais: as orações, as leituras e as idas à academia. No entanto, o tédio tornava-se um grito ensurdecedor dentro de mim. A lembrança do olhar de Bia transformava meu coração em algo
semelhante a um cavalo selvagem, embaiado à revelia de sua vontade.
A luxúria obsessiva ainda me dominava, criando um anseio insaciável por ser notado, por conquistar algo mais. Era uma busca incessante por preencher o vazio que a ausência de Beatriz deixara em mim. Cada movimento, cada esforço parecia impulsionado por essa necessidade de validação, como se apenas através de conquistas externas eu pudesse apaziguar a tempestade interior.
Assim, o meu cotidiano, apesar de aparentemente normal, tornava-se um palco de lutas internas. O desejo de ser notado, de realizar feitos marcantes, era alimentado pela sombra persistente daquela noite no vale do monte, uma noite que, mesmo agora, continuava a moldar os contornos da minha existência.
Num convite impulsivo, aceitei passar alguns dias na fazenda de meu amigo em Bezerros. Levei comigo Marina, como se ela pudesse ser um refúgio temporário da busca incessante por algo que eu não conseguia definir.
Ao chegar, fui alertado sobre as sombras de inimigos que pairavam sobre a família do meu amigo. Em um gesto de cautela, ele me entregou um revólver para autodefesa, como se o frio da fazenda não fosse o único arrepio a percorrer minha espinha.
Nos dias que se seguiram, a fazenda mergulhou em uma calma melancólica, onde o frio se entrelaçava com a solidão. Marina e eu passamos longos períodos na cama, cada toque carregado de uma tensão existencial, como se estivéssemos desafiando a indiferença do universo.
Esses momentos eram uma dança entre a busca de sentido e a resignação diante do mundo. O frio da fazenda ecoava a frieza das perguntas sem respostas, enquanto os lençóis testemunhavam a efemeridade de nossos esforços em encontrar significado naquela experiência isolada.
Assim, entre os lençóis e o frio da fazenda, os dias se desenrolaram como um espetáculo absurdo, onde a luxúria, o vazio existencial e a autodefesa se misturavam de maneira indissociável, como se cada momento de prazer fosse também um confronto com a inescapável absurdidade da vida.
A necessidade de uma simples escova de dentes levou-me à cidade. Ao sair do carro, uma sensação incômoda de ser observado por um grupo de quatro homens pairou no ar. Ignorando a inquietação, entrei na farmácia, mas, sem motivo aparente, decidi caminhar até a praça da igreja. A sensação persistia, como se uma sombra invisível me seguisse.
Sentado num degrau, à beira da calçada, observei as flores da praça, tentando afastar os pensamentos. Foi então que um homem loiro se aproximou, seu olhar carregado de um sorriso mórbido. Um arrepio correu pela minha espinha, e uma voz dentro de mim sussurrou "Beatriz". De repente, subjetividade e questões existenciais deram lugar à pura concupiscência.
Naquele instante, não havia mais dúvidas ou dilemas internos; tudo se reduzia a uma fera interior. Eu me tornei um leão, caçando e abatendo uma presa indefesa. Num movimento rápido e gélido, saquei o revólver e atirei contra o rosto do homem loiro. A praça da igreja se transformou no palco sombrio de uma cena abrupta, com três tiros subsequentes ecoando aos pés da igreja.
O corpo inerte no chão testemunhava a transformação da calma aparente da praça numa realidade brutal. O ato impensado, impulsivo, deixou-me ali, em meio às flores, enquanto a percepção da vida, agora tingida de vermelho, escapava como fumaça.
Um sentimento estranho e inesperado tomou conta de mim após o ato impulsivo. O cheiro acre da pólvora pairava no ar, enquanto o corpo inerte do homem loiro jazia aos meus pés. Em meio àquele cenário sombrio, uma sensação indescritível
de prazer emergiu, como se, de alguma forma, eu tivesse restabelecido o contato com Beatriz.
O calor da adrenalina pulsava em minhas veias, e a frieza do ato era estranhamente revigorante. Uma conexão obscura, quase transcendental, parecia ter sido reacendida. A praça da igreja, agora manchada por uma violência inesperada, tornouse o palco de uma metamorfose interior. Era como se, ao confrontar aquele homem loiro, eu estivesse confrontando também os fantasmas de minha própria luxúria obsessiva.
A presença de Beatriz, evocada de maneira quase sobrenatural, parecia mais palpável do que nunca. A sensação de bem-estar, embora impregnada de um sabor amargo, preenchia o vazio que as tentativas anteriores haviam deixado. O ato, que à primeira vista parecia um desvio para o abismo, tornou-se um estranho catalisador de uma conexão intensificada com minha própria escuridão interior.
Baldomero de Oliveira
Enquanto em cena: Heldecorônio, Atoret e um tolo,
Juntos na Luxúria de uma Jacuzzi, encenam deleite e gozo;
Belzebu, pela Gula e Avareza, ao tolo engordas e excessos;
Leviatã, pela Inveja, ao tolo à discórdia leva;
Azazel, pela discórdia que o tolo encerra, a Ira lhe entrega;
Belphogor, pela Soberba do tolo, a Preguiça mental lhe reserva;
Moloc, pai do medo, pondo fim a esta peça capital,
Pela inércia mental do tolo, apresenta-lhe sua cena final:
Um cadafalso e o seu carrasco chamado Depressão Fatal.
Era um dia comum na minha vida, não tinha muito o que fazer, pois minhas aulas acabaram há meses e ainda não tinha um emprego, mas algo estranho havia ocorrido e eu precisava entender.
Assim que olhei para a janela, vi pessoas correndo e gritando, como se estivessem pedindo socorro, até eu ver uma pessoa segurando uma arma e atirando sem nem ver seu alvo, apenas amedrontando cada um dos moradores que passavam na rua.
Não sentia tanto medo por morar em um apartamento com vários andares, no entanto, os dois elevadores começaram a fazer barulho, deixando-me com medo de ser uma vítima.
“Amor, se esconde no banheiro, é o lugar mais seguro. Vou ficar no quarto com a porta trancada, só abra quando eles forem embora”
Ler aquela mensagem aumentou meu frio na espinha, ainda assim eu deveria ser uma pessoa corajosa o suficiente para não virar vítima.
— Não tem ninguém aqui. — A voz era grossa e por algum motivo meu corpo começava a ceder, como se a luxúria estivesse dominando a minha mente apenas por ouvir um criminoso falar.
Eu deveria me esconder, mas cada vez mais queria usufruir de quem poderia me matar em um instante e acabei saindo do banheiro mesmo não devendo.
Então tem alguém aqui. Qual seu nome? Não quero matar sem ao menos saber o nome da minha vítima.
Me chamo Alice, mas que tal você transar comigo ao invés de me matar? Se eu não te fizer gozar, aí pode me matar, afinal, eu não fiz meu trabalho direito. — Os olhos azuis me causavam ainda mais vontade ao ser vista como inferior.
— Pode ser. Mas não implore para que eu não te mate, siga direito sua promessa. — Sua voz mais uma vez era sádica e logo ele tirou as minhas roupas e as dele. Vamos, deixe meu pau duro ou não consegue nem fazer isso?
Ele tentava me desestabilizar, afinal, assim eu seria morta bem mais fácil, porém não desistiria tão cedo, ainda mais com essa vontade de me aproveitar do prazer carnal que um homem me proporcionaria.
Antes que ele dissesse qualquer palavra, usei a minha boca para chupar seu pau em conjunto com a minha língua para dar ainda mais prazer, então sentia aos poucos seu pau ficar muito duro, tanto que até dificultava continuar o oral.
Você faz muito bem seu trabalho, mas vai ter que continuar de outra forma. — Ele tirou seu pau da minha boca, depois usou sua língua na minha vagina, fazendo-me gemer muito mais alto do que eu gostaria, mas antes que a gente pudesse continuar, um outro homem apareceu.
Esse homem tinha cabelos bem curtos, olhos escuros e barba, além de ter um corpo muito sedutor. E pela aparência deveria ser o chefe do outro criminoso, então seria a chance perfeita para libertar minha namorada e ainda por cima sentir muito prazer.
Vejo que o seduziu muito bem, mas agora será você e eu. Ele vai ficar na porta impedindo que mais alguém entre,
enquanto você vai me satisfazer em troca da sua liberdade. Se falhar, será morta no mesmo instante junto com qualquer um que esteja nessa casa, entendidos?
Sim, mestre. Ele sorriu e tirou as roupas, mostrando que tinha um pau bem maior do que eu imaginaria, então empurrou a minha cabeça para que eu chupasse até o final, nisso gozou dentro da minha boca, obrigando-me a beber seu sêmen.
Ainda é só o começo. E eu não vou parar até me dar todo prazer que é capaz, já que eu nunca vi a luxúria dessa forma ao ponto de contaminar outras pessoas. — Ele logo me empurrou na parede, subindo meu corpo enquanto usava sua língua enorme na minha vagina.
Era tão bom que eu não conseguia sequer pensar direito, tinha apenas a excitação em mim, nisso ele enfiou seu pau dentro de mim de uma vez só.
Você é mesmo uma puta né? Nunca vi meu pau caber tão fácil em alguém. — Já com seu corpo deitado, subiu e desceu o meu até gozar dentro de mim, mas era só a primeira rodada, porque logo meteu mais e mais, até usar sua saliva para lubrificar meu ânus e colocar aquele pau imenso lá dentro.
O prazer era tanto que eu não tinha nada na minha cabeça, apenas queria mais e mais, de tal forma que ainda tivemos mais três rodadas e ele terminou na minha boca, gozando mais uma vez.
— Você ainda aguenta mais? É mesmo um humano? Mas espera aí um pouco, na sua mensagem do celular tem a palavra amor, então eu entendo que namora, certo? Pois bem, traga ele aqui, quero que ele participe também, já que você é uma puta insaciável. E se não trouxer, será morta na frente dele. — Abri a porta do quarto, ainda com sêmen saindo de mim e até
minha namorada ficou surpreso, mas eu não tive muito tempo de explicar.
O que aconteceu com a minha namorada?
Calma, ela só fez o possível para te salvar. Agora eu quero que seja nossa terceira pessoa, vamos, usufrua da sua namorada junto comigo. O tom mandatório dele era único e nós sabíamos que não podíamos escapar, nisso vi que meu amado já estava ereto, então o chefe enfiou seu pau no meu ânus enquanto minha namorada usava a minha vagina.
Mestres, por favor, gozem muito dentro de mim. A tarde foi longa, mas quando todos estavam cansados e só sobrava a luxúria criminosa, pudemos voltar a ter nossa vida normal e para a minha sorte, voltei a ter esses momentos deliciosos com aquele criminoso.
A minha condição para manter a liberdade em meio a tanta luxúria? Ser para sempre a puta do criminoso, sempre que ele quisesse se satisfazer, eu deveria obedecer e ele viria para a minha casa, usaria meu corpo e como pagamento, eu receberia uma comida caseira, afinal, ele poderia ser sim um criminoso cruel, mas sabia que sem energia, ninguém mantinha a vontade dos prazeres carnais.
Recebeu a revista em quadrinhos de presente após alguns meses de castigo. Era seu aniversário de onze anos e ele estava contente. Deu um beijo na mãe, agradeceu e correu para a quarto com seu gibi. Dominado pela empolgação, se pôs a folheá-lo com avidez, passando as páginas rápido, sem se deter muito no que era contado e querendo ver o máximo possível.
Todo seu interesse nas histórias em quadrinhos se concentrava no ato de olhar, o que deseja principalmente era contemplar as imagens e dessa forma ele sentia um frisson percorrendo seu corpo à medida em que mais e mais desenhos desfilavam à sua frente.
Folheava toda a revista com ânsia e sofreguidão, em seguida repetia o procedimento, agora com um pouco mais de lentidão, detendo-se cuidadosamente em uma ou outra figura. Se antes queria engolir com os olhos cada ilustração, agora seu desejo era se deixar fixar nas linhas sinuosas de cada quadrinho. Percorria bem lentamente as gravuras, tocava uma ou outra enquanto um prazer estranho, novo e intangível o envolvia. Não sabia o que era aquilo e nem de onde surgia, porém gostava, a sensação era boa, prazerosa, seu corpo parecia relaxar à medida em que era invadido por aquele sentimento desconhecido.
Naquela noite de sexta-feira houve uma pequena festa de comemoração. Alguns familiares e amigos da escola compareceram e ele ficou contente com as visitas e os presentes recebidos. Após o último convidado se retirar ele
ajudou a mãe a lavar a louça, recolheu o lixo da cozinha e, animado por não precisar ir à aula no dia seguinte, foi para o quarto. Antes de apagar a luz, pegou a revista que estava sobre a cômoda para uma nova olhada.
Assim como fizera à tarde, se pôs a passar as folhas com lentidão, detendo-se por alguns instantes em cada imagem, deixando os olhos percorreram cada parte do traçado que compunha o desenho de modo vagaroso, lento, se deixando embeber pelas cores, pelos traços e linhas sinuosas que compunham os quadrinhos. Seu coração dava pulos, acelerava, reduzia o ritmo, batia cadenciado junto das emoções que a revista ia despertando. Foi então que, ao concentrar o olhar num detalhe que lhe passara em branco mais cedo, aconteceu dele novamente ser invadido pelo frisson desconhecido. Uma onda de calor percorreu seu corpo, uma espécie de ânsia foi se apoderando dele, num misto de empolgação e desassossego novos e intensos. Percorreu com os dedos a imagem, contemplou-a meditativamente enquanto cobria todo o desenho com lentidão: começava pelos pés descalços da personagem, subia por suas pernas nuas e se fixava bem abaixo do seu curto vestido. Era ali, onde uma pequena parte de tecido se encerrava e deixava outra à mostra, que a concentração dele se manteve. Fechou os olhos imaginando o que haveria por sob aquela peça, um formigamento cresceu dentro dele, uma espécie de agonia foi ganhando corpo, surgindo do fundo do seu ser. Mexia-se na cama com certa ansiedade e impaciência, nessa hora percebeu que algo nele estava diferente, desceu uma das mãos até o meio das pernas e sentiu que seu sexo estava mudado, havia crescido, enrijecido e ardia, pulsava. Enquanto olhava continuamente a figura pôs-se a massageá-lo como forma de tentar dirimir aquela angústia que o dominava, à medida em que se tocava uma volúpia foi emergindo, ficou tentado a se tocar mais, a continuar mexendo no próprio sexo, que estava
extremante rijo, dava-lhe a impressão de que explodiria, que se soltaria de seu corpo. Sua visão se mantinha presa ao gibi, era uma atração intensa que a imagem exercia sobre ele, às vezes até fechava os olhos e se imaginava dentro da história, como um personagem que interagia com aquela menina de vestido, lembrava também das colegas de escola, do cheiro que cada uma delas exalava, dos sorrisos, do roçar de braços nas brincadeiras no recreio, pensou na professora, em como sua voz doce e macia os acolhia no início das manhãs com um bom dia sempre sorridente e luminoso, pensava, olhava, sentia, tudo de forma intensa, uma lubricidade tomava conta de todo seu ser, seu corpo era um misto de tentações permanente, uma lascívia o dominou por completo, agarrou com firmeza o pênis e o manteve entre as mãos até que um enlevo o envolveu, todo seu corpo se contraiu e logo depois amoleceu, uma onda de contentamento o encharcou, foi tomado por um regozijo, sentiu um gosto diferente em estar vivo, um prazer novo e indistinguível, nada antes o deixara assim, tomado por uma alegria, uma satisfação plena e absoluta. Foi só então que percebeu algo em suas mãos, um líquido viscoso e esbranquiçado que saíra de seu sexo e molhara a revistinha. Secou-a com o lençol, a colocou no chão embaixo da cama e fechou os olhos enquanto ainda sentia laivos de desejo percorrendo seu corpo. Compreendeu que algo novo surgira em sua existência, algo ainda sem nome mas extremamente delicioso e que ele queria manter de forma incessante ao longo da vida.
Alguns anos depois a lembrança desse dia ainda sobrevivia com força em sua mente. Acreditava que ali havia tido início seu descontrole sobre os próprios desejos. O que de início se apresentou como um deleite, proporcionando um prazer novo e encantador, paulatinamente se transformou, metamorfoseando-se em algo cruel e arrebatador, que o fazia se sentir fraco, vulnerável e totalmente impotente. Era um
desejo maior que ele, intangível mas ao mesmo tempo bastante concreto, algo quase que palpável tamanha a dimensão que assumia em seu íntimo. Ele foi aos poucos percebendo e compreendendo como essa vontade ia surgindo, crescendo, se expandido até o dominar por completo e o levar a praticar ações que em seguida lhe causavam vergonha, frustração e arrependimento.
Se na transição da infância para a adolescência o maravilhamento fruto dos gozos masturbatórios o levava ao ápice do prazer, com a vida adulta o que antes era visto e sentido como natural e comum se configurou como um ponto de fraqueza, que lhe tolhia as forças e o colocava frente a frente com sua pior versão.
O primeiro sinal de que algo não estava indo bem se deu numa época bastante agitada, no começo da vida adulta, quando passava pela transição entre ensino médio e trabalho, já que não almejara uma faculdade e pensava que trabalhar seria a opção mais condizente com seus objetivos para o futuro.
Arrumara uma vaga de vendedor numa loja de roupas e estava tendo uma boa adaptação. Porém o fato de ter que lidar com diversas mulheres ao longo do dia, vendo-as escolher e experimentar roupas, abria dentro dele um vácuo enorme, que ia pouco a pouco o sugando, tirando dele toda a razão e o levando a se refugiar no banheiro dos funcionários para se masturbar. Fazia isso de três a cinco vezes por dia. O que acabou chamando a atenção dos outros funcionários. Chegou então ao gerente o boato sobre o seu comportamento inusitado, com sumiços inexplicáveis no decorrer do expediente e isso acarretou na sua dispensa meses após ter iniciado no serviço.
Tentou relevar e justificar a demissão dizendo para si mesmo que a falta de experiência havia sido a causa principal. Passou um tempo em casa e isso teve um efeito avassalador sobre ele,
o levando a identificar nas suas ações algo que não podia ser comum tamanha a ânsia com que se masturbava. Bastava ter algum contato visual com imagens que minimamente sensualizavam as mulheres, como as páginas de lingeries nas revistas de cosméticos que a mãe vendia. Nessas horas o buraco do desejo dentro dele se abria e dava início ao processo se sucção que o fazia refém de si mesmo e do seu descontrole. Passou com isso a sentir um misto de tristeza, fraqueza e solidão após se masturbar. Vivia numa constante oscilação de humores, porque muitas vezes ao longo do dia era movido por uma lascívia desenfreada, perdia o controle e se masturbava. Após a satisfação desse desejo impulsivo caía sobre ele um peso enorme, composto de culpa e incompreensão. Fatigado e sem domínio sobre o próprio corpo ele foi se isolando cada vez mais do mundo. Lembrava com frequência do seu aniversário de onze anos e nessas horas, triste e desmotivado, ele se trancava no quarto, fechava os olhos e se punha a rememorar em detalhes os traços que compunham aquela revista. Então a pegava do fundo da gaveta e se deixava levar pelos tortuosos caminhos do desejo e da melancolia.
O jantar seria servido apenas aos amigos mais íntimos e alguns familiares e tinha como objetivo exaltar a memória do morto. A viúva inicialmente fora contra, porém suas irmãs a convenceram de que esta seria uma forma de homenagear o falecido, já que assim ela poderia fazer algo que era tido por ele como um grande prazer: juntar os amigos, saborear uma boa comida e desfrutar de uma conversa prazerosa.
Pontualmente às 19 horas os primeiros convidados começaram a chegar. Vinham com semblantes tristes, um tanto cabisbaixos, mas no fundo se percebia que cada um carregava uma doce lembrança de Luís. O local escolhido contribuía para acentuar o clima de prazer e dor, de vida e morte que parecia envolver cada convidado. Era um antigo casarão do século XVIII que fora transformado em um luxuoso restaurante. Fruto de influências da arquitetura barroca, possuía uma linha arquitetônica marcada por ondulações côncavas na fachada e algumas inclinações dos planos externos, destacando assim o caráter de monumentalidade da obra. Era um conjunto arquitetônico imponente, composto por uma construção repleta de beleza e uma agradável área externa, com seu jardim florido. No seu todo a área do restaurante, por vezes, remetia a algumas igrejas construídas ao longo dos anos de 1700, pois o seu interior trazia alguns murais com motivos religiosos, eram cenas vívidas de passagens bíblicas que compunham alguns vitrais e permitiam ainda uma iluminação extra, dando mais vivacidade e brilho ao local.
Certamente Luís adoraria um encontro ali com os amigos, recheado de boa conversa, regado a muitos goles de um delicioso vinho e apreciando pratos diversos e saborosos.
Por isso a viúva se deixou convencer e, ao longo dos dias de preparação, pode-se dizer mesmo que ela demonstrava, em certas ocasiões, uma incontida empolgação e até mesmo um leve regozijo. Nesses momentos um misto de culpa e vergonha se apossava dela, ficava mais calada, se recolhia a um canto e em breves orações se dirigia a Deus e pedia perdão. Aliviada, voltava aos afazeres que envolviam toda a preparação do jantar.
Separou algumas fotos de Luís, mandou imprimir em tamanhos diferentes, todas grandes, emoldurou e espalhou pelos cômodos do casarão/restaurante. Com isso pretendia criar um clima mais intimista, aproximando Luís, sua aura e sua memória dos convidados.
E foi com tranquilidade que o dia chegou. Seus medos e receios pouco a pouco se desfizeram, a ansiedade foi tomando outra e nova roupagem e o que antes lhe causava ainda um certo desconforto foi gradativamente se metamorfoseando num sorriso complacente e caloroso e essa era a identidade com o qual ela se vestiu e, sorridente e contida em suas emoções, recebia cada convidado pessoalmente.
Acomodados em duas enormes mesas redondas os aproximadamente 50 familiares e amigos pareciam se sentir bem ao prestar essa homenagem ao saudoso Luís. Alguns fizeram breves discursos, pequenas elegias fúnebres em memória do falecido. A viúva agradeceu, se mostrara equilibrada, transitando desenvolva entre o recato saudosista e o dinamismo de uma anfitriã. Os pratos começaram a ser servidos e entre conversas, sorrisos e algum lamento evocado por lembranças os convivas foram se entregando às delícias do pequeno banquete. Comiam não apenas com as bocas mas também com olhos, mãos, narizes e ouvidos. Todos os
sentidos funcionando em prol de absorver mais e melhor cada item que era levado à mesa. Sentiam o prazer e a satisfação de uma alimentação intensa, saborosa e saudável que exalava cores e odores os mais diversos. Paulatinamente as conversas foram silenciando, não se ouviam mais vozes ou sorrisos e o salão foi invadido pelo som dos talheres, copos, mastigação, taças e passos dos garçons, que interagiam num fluxo ininterrupto, era um ir e vir constante entre cozinha e salão lembrando um balé, com seus passos cadenciados e passadas ritmadas. Os convidados, imersos cada qual numa espécie de mundo particular representado pelos alimentos a sua frente, comiam com uma voracidade controlada. Como componentes de uma orquestra, cada um se dedicava ao seu universo particular. Nada mais era dito e o silêncio só não era total porque ouviam-se ainda os sons de cada talher em contato com pratos e travessas. O tempo ia passando e ninguém dava sinais de que pensava em ir embora. Os garçons, autômatos, seguiam seu fluxo de servir e recolher, servir e recolher enquanto os convidados seguiam deglutindo, saboreando, vivendo, como se estivessem num pequeno transe, a experiência sensorial de cada prato servido. A viúva era a única que parecia um pouco menos absorta pelo banquete. Vez ou outra lembrava de Luís e sorria ao imaginar como ele teria gostado de ver pessoas tão queridas, tidas por ele em alta conta, se satisfazendo num momento tão íntimo como a alimentação. Às suas costas, sem que ela percebesse, o retrato de Luís emoldurado parecia realmente feliz sorrindo.
O fluxo do tempo seguiu, o balé dos garçons se manteve, os convidados já não se olhavam mais, nada diziam, estavam agora totalmente entregues, absorvidos pelo ato de comer. Já não agiam por conta própria mas era sim controlados por uma força maior, que os fazia seguir comendo ininterruptamente. Nenhum deles possuía mais controle sobre suas ações e com voracidade comiam. Alguns já dispensavam talheres e usavam
as mãos, outros, sentindo-se ameaçados pela pessoa ao lado, procuravam um lugar mais reservado e se retiravam do grande salão. Havia até quem fosse se esconder no banheiro levando consigo uma travessa. Independentemente de como e onde todos pareciam movidos por uma força maior que eles e dessa forma seguiam comendo sem parar. Não parecia haver um fim para a fome que os consumia. A viúva agora já sorria sem culpa, continuava sentada à frente da moldura de Luís que, satisfeito em poder observar o prazer da gula sendo saciado por pessoas a quem ele tanto queria bem, também sorria.
Pedro era um garoto como tantos outros, vivendo numa casa que não era rica, mas ainda assim, era impossível afirmar que fosse pobre. Seus caprichos eram frequentemente atendidos, e mesmo que sua mãe nem sempre expressasse o carinho que ele ansiava, ele conseguia perceber o afeto do jeito dela. Quanto ao seu pai, com cabelos enrolados e uma voz de trovão que contrastava com o pacífico tom esverdeado de seus olhos, tinha mais facilidade em demonstrar carinho, mesmo com o trabalho que o mantinha fora durante a maior parte do dia.
Na escola, Pedro tinha dificuldades para fazer amigos e na maior parte do tempo, acabava ficando sozinho, até o dia em que começou a ouvir vozes de um ser invisível. Inicialmente, medroso como o garoto era, ficou apavorado e criou teorias: “estou louco?”, “Tenho poderes mediúnicos?”, “Será que todos tem uma voz que escutam assim?”, passados alguns dias, O menino conseguiuse entender com o dono daquela voz, que se tornou amigo invisível e dizia para ele que ele poderia achar um lugar mágico, dentro do próprio quintal de sua casa e nesse lugar, ele poderia ter poderes.
A verdade é que o garoto tinha tanta dificuldade em se relacionar com outras pessoas, que não queria ter amigos. Mentia para si, que não sentia que aquilo fosse necessário, por trás de sua aparente serenidade, estava um turbilhão de pensamentos onde ele se via acima de todos aqueles, que o tratavam de forma grossa e ter um lugar onde pudesse ter poderes e controlar tudo, parecia uma forma de personificar
toda superioridade que ele sentia ter e sua necessidade de ter todas as variáveis previstas.
Em uma quarta-feira, o garoto não quis ficar na bancada de ferramentas de seu pai com os brinquedos rotineiros. Enquanto o sol se inclinava, banhando parte de suas costas e deixando as tábuas amareladas mais claras do que seus olhos gostavam de sentir, Pedro esperava que o invisível lhe desse instruções sobre qual das árvores daquele quintal guardaria o misterioso poder. Quando a hora chegou e finalmente a voz do amigo o chamou para ir entre as árvores, havia pés de uva, goiaba, manga e até mesmo café no quintal daquela casa. Mas o lugar para onde ele precisava ir era tão óbvio que o garoto se odiou por nunca ter ido lá antes, pois o formato já indicava sua importância.
Ficava ao lado da amoreira, que tantas vezes deixara a boca e as mãos do garoto roxas. Era um abacateiro, com um formato diferente do comum: a base grossa do tronco se dividia em três após alguns centímetros, formando um apoio para costas, um espaço onde era possível manter-se sentado, e dois troncos laterais que subiam, proporcionando apoio para os braços. Isso indicava uma poltrona, ou melhor, um trono.
Ao se acomodar naquele espaço e fechar os olhos, o garoto sentia um forte vento passando por seu corpo, como estar dentro de um redemoinho. Ele nunca abria os olhos no meio da passagem, mas sentia-se como a menina Dorothy ao adentrar no mundo mágico de Oz. Pedro só abria os olhos ao perceber que o vento havia cessado, e logo que fazia isso, conseguia ver que estava diante de um reino mágico. A árvore transformava-se em um trono acima das nuvens, de onde o garoto poderia ver e julgar tudo o que acontecia naquele novo mundo revelado aos seus olhos.
Aquele lugar passou a ser uma válvula de escape. O garoto estava constantemente cansado e, principalmente, irritado com os apelidos e piadas que ouvia na escola. Ficar observando o reino era fabuloso e lhe dava mais vontade de permanecer ali, de ter a vida daquelas pessoas. Logo, ele descobriu que naquele reino tinha poderes e começou a usá-los, inicialmente para se transformar em um pássaro e se aproximar de algo que queria observar melhor. Em outras ocasiões, usava seus poderes para experimentar alimentos diferentes, mas nunca pensou em usá-los para se aproximar de outros garotos do reino, temendo que também o rejeitassem.
No mundo real, a família começou a estranhar que o menino passava tanto tempo naquela árvore e cada vez parecia ter menos amigos na escola. Mesmo assim, ele corria para lá sempre que podia, passando horas sentado. Nenhum adulto queria sentar na árvore, embora ela fosse perfeita para isso, e, por isso, apenas ele conseguia experimentar as viagens ao reino mágico. Enquanto ele estava em suas aventuras no reino, tudo o que as pessoas viam no mundo real era ele parado de olhos fechados, como se estivesse meditando em uma "poltrona da paz".
Após alguns meses, talvez impulsionado pelo que vivia no mundo real, Pedro começou a descarregar sua raiva no reino, provocando terríveis acontecimentos, como tornados, chuvas intensas e aparições de animais perigosos nas vilas. Ao fazer isso, os gritos e terror das pessoas eram imaginados por ele como reações daqueles que o incomodavam no mundo real. Não demorou muito para que o amigo invisível o alertasse de que não deveria usar os poderes de forma prejudicial daquela maneira, pois poderia se ferir. No entanto, o garoto, irredutível, afirmava: "Me ferir? Eu sou quase um Deus naquele mundo." Cansado de ouvir frases assim, até o amigo invisível se afastou aos poucos.
O impulso de ira do jovem no mundo mágico passou meses depois, quando Pedro se apaixonou por uma camponesa daquele reino e começou a criar arco-íris, manter um clima agradável e garantir que não faltasse comida para aquelas pessoas. Em determinada época, o garoto dedicava seus dias para ver de perto a moça chamada Nina. Transformava-se em borboleta para que ela pudesse tocá-lo, convertia-se em flores para que ela pudesse sentir seu perfume. Quanto mais ele observava o cabelo trançado com mechas roxas, as bochechas volumosas e lábios pequenos da tímida moça, menos ele queria voltar para o mundo real. No entanto, nunca teve coragem de revelar sua forma verdadeira à garota.
Até que um dia, foi tarde demais, pois o coração da moça já estava conquistado. Seu nome era Oscar, um jovem negro com cabelos enrolados longos, que sempre carregava um ukulele e tocava para Nina após presenteá-la com diversas flores. Pedro não conseguia nomear exatamente o que sentia; parecia uma mistura de inveja e raiva. Com seus poderes, ele poderia facilmente acabar com seu concorrente amoroso, mas sabia, no fundo, que aquilo não conquistaria o coração da sua amada. Por isso, passou dias afastado, pensando em como fazer para disputar o amor da camponesa.
No mundo real, o menino já havia se apaixonado também, mas, ao contrário do mundo mágico, ele não acreditava que poderia reverter uma rejeição. No entanto, envolto em pensamentos soberbos, começou a achar que, caso se revelasse para a jovem, ela não conseguiria deixar de desejá-lo, pois cederia à ideia de ser dele e compartilhar seus poderes.
Armado dessa caprichosa certeza falsa, ele já tinha seu plano. Naquele dia, ao sentar na árvore, iria dar adeus ao mundo comum, conquistar o coração da jovem moça e chamá-la para se tornarsua Deusa, para que juntos governassem aquelereino.
Ao entardecer, ele fez o ritual de sempre, sentou-se na árvore, fechou os olhos, sentiu o vento em seu rosto e ao abrir estava no reino mágico. Ele não sabia o que aconteceria com seu corpo no mundo real caso não voltasse, mas pouco importava naquele ponto.
Pedro então procurou por sua amada Nina, que estava à beira do campo de girassóis, um de seus lugares favoritos do reino. Ela vestia um vestido branco digno de uma aparição santa, e sua tiara tinha várias flores presas, deixando apenas as mechas rochas pendendo nas laterais de seu rosto. Ela parecia ansiosa à espera de Oscar.
Quando finalmente Pedro percebe que seu rival está chegando, ele se transforma no vento e vai até ele, criando uma jaula mágica onde o prende, e toma seu lugar indo em direção à camponesa. O verdadeiro amado da camponesa, ainda sem entender como aquilo aconteceu, amaldiçoa o garoto e promete machucá-lo se ele tocar na garota.
Minutos depois, a camponesa percebe que alguém se aproxima, seu coração começa a palpitar achando que é seu amor, e quando ela vira, o sorriso mais belo que Pedro já havia presenciado em sua vida instantaneamente some e dá lugar a um misto entre decepção e preocupação. Mas o garoto não desiste e começa a usar seus poderes para tentar fazer coisas que animassem a garota, trazendo pássaros, borboletas e várias das coisas que ele já havia visto que ela gostava.
"Sou grata pelos seus sentimentos, mas ainda que você pareça um anjo sem asas, jovem garoto, meu coração já fez sua escolha, e tenho certeza de que não existe magia no mundo que possa superar esse sentimento."
Nesse mesmo momento, é possível escutar um rugido vindo de não muito longe. A raiva havia feito Oscar se transformar
em um leão e destruir a jaula. Antes que Pedro pudesse tentar entender como o garoto teve poder para isso, viu seu corpo sendo jogado ao chão pelo leão, que lhe desferiu uma patada no rosto, o deixando marcado e sangrando. Ele estava em estado de choque e não conseguia nem mesmo virar vento para fugir do amante furioso que provocara. Tinha certeza de que ali mesmo seria o local de sua morte, devorado por um leão.
Mas enquanto atacava Pedro, Oscar percebeu o semblante assustado de Nina, e aquilo o fez ter medo de perder sua amada. Ele soltou seu rival e foi caminhando em direção à garota, que, mesmo assustada, pôde reconhecer seu amado e, ainda que com medo, estendeu a mão e abraçou o leão que vagarosamente se transformara novamente em Oscar, enquanto os dois saíam e o menino ficava no chão imóvel.
Naquela tarde, o pôr do sol estava rosado no reino mágico quando Pedro recuperou-se e transformou-se no vento mais uma vez, mas um vento de chuva que mesclava sua tristeza ao pensar que jamais conseguiria viver um amor e seu arrependimento por cobiçar estar em uma história onde o amor já estava pronto. A chuva naquele dia tomou todo o reino mágico, desde os amantes até as mais longínquas planícies, onde provavelmente habitavam elfos e unicórnios, até que o garoto estivesse de volta à árvore.
Quando voltou para o mundo real, sentiu que não deveria mais ir para aquele mundo, que, mesmo que a beleza dele fosse maior, precisava buscar no mundo real sua própria história e identidade, tendo como único arrependimento, não ter ouvido o amigo invisível, que jamais voltou. O que não soube explicar nunca para sua família e amigos foi como ele machucou o rosto e conseguiu aquela cicatriz que o lembraria para sempre daquele reino mágico.
Era sábado de Carnaval e ele estava sozinho. Sozinho como nunca estivera antes, sem amigos, sem família e sem Angélica. Trancado no apartamento que tinha sido dos dois, já tinha tomado dezoito cervejas na esperança de fazer aquela dor passar. Não adiantou. Precisava de alguma coisa mais forte ou iria enlouquecer.
O bar da esquina nunca fechava. Vestiu a primeira roupa que encontrou e desceu as escadas em direção à rua, tentando evitar os foliões que gritavam nas calçadas. Não queria ver gente, menos ainda gente feliz. Seu ódio do mundo só aumentava com aquela animação toda. Torturava-se imaginando que Angélica devia estar se divertindo entre confetes e serpentinas enquanto ele sofria. Maldita!
O bar que nunca fechava estava fechado. O aviso na porta dizia “Reabriremos na quarta-feira. Bom Carnaval”. Só podia ser uma brincadeira de mau gosto, pensou. Furioso, olhou em volta procurando algum objeto com o qual pudesse arrombar a entrada e pegar tudo que fosse capaz de beber. Havia uma pedra no chão. Grande, maciça, pesada. Sim, aquilo serviria.
Pancada, pancada, pancada, pedra contra madeira, a porta foi ao chão no terceiro golpe. Ele se surpreendeu com a própria força. Tinha mesmo feito aquilo? Entrou no bar tropeçando nas próprias pernas e tentou pular o balcão que cercava a estante refrigerada das bebidas. Não era uma tarefa fácil no estado em que estava, mas não desistiu. Quase dez minutos e
muitos chutes e socos depois estava diante do paraíso etílico que acreditava ser a solução para seu problema de coração, que atendia pelo nome de Angélica.
Poderia ter aberto a portinha de vidro e retirado o que quisesse do freezer, já que não estava trancado, mas seu humor azedo era mais forte que a razão. Quebrou, mesmo, quebrou com vontade. Com as mãos levemente cortadas em alguns pontos pegou uma garrafa, depois outra, depois outra, até o organismo gritar para ele parar. Quando se tornou impossível ingerir qualquer líquido, sua raiva, distraída momentaneamente pelo paladar, despertou de vez. Arremessou o restante das garrafas no chão até não sobrar mais nada. Se ele não conseguia beber, não permitiria que ninguém mais na cidade fizesse isso.
Ele não percebeu o momento exato em que os policiais chegaram. A visão estava turva, a cabeça pesada, na boca um gosto de vômito. Perguntaram-lhe qualquer coisa que ele não entendeu e não respondeu. Desmaiou antes de sentir as algemas nos pulsos.
Acordou na cadeia de ressaca e sem a menor ideia de quanto tempo tinha se passado. Um homem fardado surgiu do nada para abrir a cela e dizer que a nova delegada queria vê-lo imediatamente. Ele sabia que estava bem encrencado, já tinha sido preso por agressão antes, então resolveu não resistir e acompanhar o guarda até a sala de interrogatório.
A delegada estava de costas quando ele entrou, mas ele reconheceria aquela mulher em qualquer lugar do mundo. Foi um choque e tanto. Desde quando Angélica trabalhava na polícia? Era a primeira vez que se encontravam desde que se separaram, desde o dia em que ele tinha perdido a cabeça e batido nela. Agora ela tinha uma arma na cintura e um distintivo pendurado no pescoço. Ele não conseguiu dizer uma palavra, mas ela quebrou o silêncio:
Seja muito bem-vindo. Espero que aprecie sua estadia aqui. Acho que vai ser um pouco demorada.
David Laureano Alves
“Umsermãoensinaocaráter,umcastigoensinaoerro”
Astaroth
— Deus me livre! — respondi cuspindo na face dele.
Astaroth limpou o cuspe com seu braço e me olhou furioso.
— Escute-me, Kethelin! Hoje irá fazer 7 anos que você recusa o pedido do Rei Lúcifer, dessa vez ele não te deixará impune falou baixinho.
— Esse bosta de Lúcifer te manda me sequestrar uma vez por ano há 7 anos, e ainda acha que eu vou ter pachorra em aceitar me casar? Digo e repito... nem que a vaca tussa! gritei tentando me soltar das cordas que me prendia em uma cruz de ferro ao contrário.
Astaroth me olhou com os olhos baixos e após sussurrar algo, desaproximou-se andando de costas.
— Demônios e energúmenos, eu apresento o grande Rei Lúcifer! disse levantando os braços para uma porta ao lado, que foi arremessada ao entrar esse tal de diabo.
Kethelin... disse o senhor das trevas se aproximando , você continua linda como uma romã.
E você um dragão de Komodo tossi quando respirei , qual a última vez que botou pasta na boca? Queda do muro de Berlim?
Obrigado falou sorrindo. A aparência dele era feia igual um lagarto depois de brigar com um urso pardo, já a de
Astaroth... bem... ele era bem charmoso, tirando essa roupa de mago demonía-co e cabelo sujo com terra de cemitério.
Astaroth rosnou em minha face ao perceber que eu estava encarando seu escravo por tempo demais.
Essa vai ser a última vez, Kethelin. Case comigo.
Eu caso com você...
— Sério? — gritou em uníssono com Astaroth.
— Claro, quando Deus te aceitar de volta ao paraíso — sorri com os olhos fechados.
Lúcifer me levantou pelo pescoço e senti o peso da cruz ferro me puxando.
— Astaroth! — berrou com os olhos ardendo em chamas — castigue-a! Quero que Kethelin sinta a maldição dos 7, e veremos no sétimo dia essa prostituta de Sodoma se arrastar aos meus pés implorando para ser minha serva!
Como deseja falou com o semblante triste, em seguida, desenhou um 7 com uma poeira molhada vermelha em minha mão esquerda. Entregou-me uma piscadinha escondida e foi para trás.
Te amo, espertinha disse em um tom sarcástico.
— O certo é “amo-te”, burrinho — entreguei no mesmo tom.
De repente, ele me soltou, e de algum jeito, acordei na minha cama de casa. Olhei para os lados e vi no despertador que ainda era de noite, então voltei a dormir, ninguém merece acordar 4 da manhã, e não é o diabo que vai me obrigar.
Acordei tranquilamente e fiz todas minhas obrigações vespertinas, nem parece que dei de cara com o capeta ontem..., mas mesmo assim, algo estava entranho, e eu não sabia descrever o que era.
— Que vontade de ficar rica — falei me olhando no espelho.
Faltava 42 minutos para começar o expediente na empresa, e eu só conseguia pensar em maneiras estratégicas de como ficar rica antes dos 24, ganhando 2300 reais mais vale transporte de 150 reais, com 2 cartões de créditos, dívidas atrasadas e ainda dormindo 10 horas por dia. Sim! Eu sou uma princesa que saiu de um conto de fadas.
Resolvi faltar do trabalho para ir no cartório registrar minha nova empresa de agronegócio ecológico e depois dar uma passadinha no penhor para vender minhas joias desnecessárias.
Não é nada, mas já é algo falei olhando minha bolsa cheias de nota de 100.
— Moça..., aceita uma salada de frutas? — perguntou um garotinho com uma bandeja de frutas é para ajudar minha mãe, ela tem uma doença degenerativa.
É claro garotinho! Qual o valor? perguntei pegando minha carteira.
3 Reais.
3 REAIS? gritei esse valor nessas frutas cheias de agrotóxico? Esse preço nessas frutas podres cheias de bigato, eu hem! Vai investir em criptomoedas, vai engraxar sapato... desgosto do empreendedorismo!
Depois de terminar meu expediente, fiquei pensando na minha atitude ontem com o garotinho. Coitado! Traumatizei o menino. Eu até pediria desculpas se eu o visse, mas ele jogou aquela salada de frutas no chão. E isso eu não perdoo.
Que vontade de engolir um boi falei enquanto via uma vaca sendo transportada em um caminhão, dando-me a brilhante ideia de sair para comer fora.
Eu não queria ser mais rica, apenas comer como rica.
Boa noite, moça! disse um garçom bonitinho se aproximando — posso anotar seu pedido?
— Boa noite... pois bem — falei olhando o cardápio —, vou querer uma pizza tamanho família...
— Ótimo! Alguma bebida?
Ei! Calma aí, amigo falei brava, ora, ele me atrapalhou , além da pizza, um X-Tudo bem completo, um pastel 45 centímetros de calabresa com queijo, uma porção de frango à passarinho e um cupim na telha.
E... e... gaguejou anotando deseja bebida?
Ah sim! Uma cervejinha bem gelada para começar.
— Quer um copo ou pode trazer logo o barril? — perguntou com uma risadinha, se ele não fosse bonitinho eu gritaria pelo gerente na mesma hora.
Traz o engradado.
— É para já! — respondeu correndo para dentro, e eu só conseguia pensar que eu deveria ter pedido uma porção de peixe frito também.
Eu detesto a rapariga da Fernanda, pensei enquanto olhava aquela perua de 2 pernas mandando mensagem para o amante. Queria vê-la se engasgar nessa felicidade tão tóxica de traição, e eu já tinha planejado todo o esquema.
— Tchau, amiga! — falou Fernanda me dando um abraço — tenho que ir me trocar para o date de hoje, você sabe... com o Rodrigo disse o nome em tom baixo , até amanhã.
— Até meu amor! Cuidado com a rua — falei acenando a mão a vendo sair do escritório espero que seja atropelada enquanto pula pelas ruas feita uma gazela que acabou de casar com um servo chifrudo!
Peguei meu celular e liguei para o Marcelo, o marido de Fernanda, e disse para encontrá-la no restaurante que Fernanda o trai quase todo dia dizendo que faz hora extra no serviço. E como acham que essa vadia paga as contas dos date dela? Ela rouba da empresa, transferindo 70 reais todos os dias para a conta dela assinando que vai usar para comprar material de escritório.
Nunca chegou uma resma na mão dessa praga de narizinho retinho.
Enviei um vídeo da câmera de segurança para a nossa chefe em anônimo mostrando o momento da transferência, e um screenshot da tela do dinheiro sendo transferindo para o mesmo cartão que usa no pagamento dos restaurantes.
Burra. Tão burra! Confiar em “amiga” é assim. Não sou invejosa, estou fazendo o certo.
IRA
Bom dia! disse meu vizinho.
Vê se eu estou no cabaré! gritei mostrando o dedo.
Hoje até o sol radiante está me deixando furiosa. O vento, a grama, os carros e as crianças do parquinho... que tudo se destrua! Além desse vizinho escandaloso, “bom dia”, como se o dia fosse bom. O dia é uma merda, igual a água. Por que raios desenham a água de azul se ela é transparente?
— Bom dia, meu amor — falou meu namorado se levantando do banco da praça.
Olhei furiosa para as flores envolvidas em um papel azul.
Que bico é essa, florzinha? perguntou me dando um selinho.
— Eu quero terminar, Ângelo — falei ríspida. Ele largou as flores no chão e continuou me encarando com lágrimas no rosto . Que espécie de namorado faz a namorada lavar as cuecas? Você tem que lavar minhas calcinhas! Eu detesto sua risada de sirene de polícia, sua mãe com aquele queijo caseiro que fede ao seu pé depois de correr pelo parque. Tenho raiva da sua burrice em fazer conta de subtração e quando lembro que preciso te aturar toda sexta na minha casa tenho vontade de me jogar na savana africana sem paraquedas, porque se eu sobreviver, estarei a mais de 40 quilômetros a distância desse seu comportamento infantil e egoísta.
Tergiversei e inspirei de alívio.
— Não me sinto solta desde a adolescência... eca, adolescência lembra minha família, e que raiva daquele povo que sempre me dava blusinha do camelô no natal falei pegando meu celular ligando para minha mãe.
Bocejei.
Que horas são? perguntei olhando no meu celular.
— 16 Horas — respondeu um homem saindo de baixo da coberta.
Gritei apavorada e percebi que estávamos nus.
— O quê? Como? Por quê? — Olhei bem para o homem suspeito e vi que era o garçom garçom...?
— Renato... não sou uma profissão — disse com seu sorriso sedutor.
— Como viemos parar aqui?
— Você terminou com seu namorado, brigou com sua família, depois com seu vizinho e aí brigou com a lagartixa na parede... o periquito de uma tal de Kátia e depois à noite foi até o restaurante e me humilhou por umas duas horas.
“Nossa”, pensei na vergonha que passei.
Só que quando deu Meia Noite, seus gritos viraram elogios e você me chamou para conhecer sua casa e... estamos aqui... você lembra pelo menos do que aconteceu? — Enrubesceu a face.
Revirei os olhos e balancei a cabeça em negação.
— Que pena — falou um pouco decepcionado. E sua cara triste me acendeu um chama que veio lá ado interior do meu útero.
— Mas você pode me ajudar a relembrar — falei vendo seu sorriso de canto se animar.
O que aconteceu depois eu deixo em anônimo, mas posso dizer que não foi algo de 30 minutos...
Levantei da cama no próximo dia e vi que já era meio dia. Eu estava atrasada para o serviço e precisava ir ao banco pagar umas contas senão eu perco minha casa, passo fome e vou sobreviver por doação solidária.
Dane-se. Deitei e dormi.
SOBERBA
Porcaria de dor nas costas! Dormir por um dia ferrou com toda a minha coluna.
Hoje era o sétimo dia, e o eu só estava esperando Astaroth aparecer de repente e me sequestrar como sempre faz uma vez por ano, entretanto, esse ano seria a segunda.
— Com licença, moça — disse um idoso ao meu lado, estávamos na faixa de pedestre —, poderia me ajudar a atravessar a rua?
Que saco, Astaroth. Que tal pular a parte que fingi ser um completo inútil e me leva logo ao inferno para aguentar aquele bafo de carcaça adoecida?
Algo me cutucou atrás, era um homem... e pelos olhos únicos, vi que era alguém familiar.
Asta...roth? perguntei dando um sorriso culposo.
— Sim, Kethelin — disse o homem rindo da minha vergonha.
— Senhor, desculpe-me minha atitude, não é nada pessoal com o senhor... vamos atravessar a rua? — perguntei relando em seu ombro.
— Vai pro inferno! — gritou o idoso caminhando sozinho.
— Ela vai mesmo — caçoou Astaroth relando no meu ombro, e repentinamente, aparecemos na sala de Lúcifer. Infelizmente,
apareci na frente do ser, que estava sentado me olhando de cima a baixo com um sorrisinho vitorioso.
Curve-se, esposa! mandou.
Não falei sem demonstrar reação.
— Como é? — gritou — eu te fiz sofrer com os 7 pecados durante toda a semana! Perdeu seu namorado, sua amiga, seu emprego, sua casa, sua família. Você foi CASTIGADA! Aja como tal!
Dei uma risada sincera e respirei fundo.
— O último pecado, que provavelmente estou hoje, é o orgulho. Não é? Eu só vou conseguir dizer essas palavras graças a ele, bastava você esperar 1 dia e eu com toda certeza ia aceitar o casamento, seu burrinho, mas um grande amigo me disse uma vez, “Um sermão ensina o caráter, um castigo ensina o erro”, e eu não fui castigada, senhor Satã, eu fui abençoada!
Graças a você, terminei com um desempregado preguiçoso, graças a você, consegui dormi o quanto sempre quis, graças a você, arrumei psicologicamente meus traumas com a minha família, graças a você, fiz um ladra ser desmascarada... e o mais importante..., graças a você, comi pela primeira vez na vida sem me preocupar com o meu peso.
Ver a cara dele de destruído era lindo, e ver o sorriso na cara de Astaroth era surpreendente.
Obrigado pelo castigo, Lúcifer. Espero que daqui 7 anos, você possa me abençoar novamente.
Caminhei e encostei minha testa na dele.
E digo e repito... Deus me livre! Sorri vitoriosa. Eu sempre serei a vitoriosa.
Diana Sousa
Amaranta, a Condessa, reinava nas sombras dos desejos proibidos. Viveu um casamento arranjado, sabidamente infeliz e ficou viúva ainda muito jovem. Ela vivia de luto pelos dias aos olhos da sociedade, mas de festa nas noites. Seus salões secretos seduziam a nobreza com banquetes carnais. Poesia estava nos corpos entrelaçados, nos olhares lascivos que trocavam entre goles de vinho e suaves gemidos orquestrados pela luxúria.
Ela administrava dois salões secretos, sob o pseudônimo de Madame Lenda, nunca se apresentava nos salões sem roupas escandalosas, forte maquiagem e máscaras que lhe escondessem a identidade.
Com o passar do tempo, a condessa se tornou cada vez mais dependente do prazer que aqueles momentos lhe proporcionavam. Em seu auge, ela decidiu tornar-se amante de dois belos jovens, irmãos gêmeos. Eles a dividiam na cama e também nas festas da nobreza, permitindo que ela se apresentasse ora com um, ora com outro. Exibia-os como seus criados pessoais, sempre estava acompanhada por um deles aonde quer que fosse, tratavam-se afetuosamente.
Amaranta evitava suspeitas sobre seu complexo triângulo amoroso. Mas o destino é implacável e a luxúria deixa rastros de sua energia por onde passa. Em um fatídico momento de devassidão extrema, a condessa foi flagrada em um ato sexual
proibido com os dois gêmeos na antessala do rei. Ele observou escondido por um tempo a lascívia dos amantes, desejando participar da relação, o que não poderia propor, então teve uma ideia gananciosa. O soberano se mostrou na antessala, fez um discurso moralista, arrastou Amaranta para o salão principal e expôs a jovem condessa perante a corte, revelando seu segredo mais sombrio. Em sua ira, o rei a excluiu da nobreza retirando seu título, suas posses e apoderando-se dos gêmeos para si.
Condenada a pobreza e solidão, a condessa precisaria trabalhar para viver, sua fortuna e suas propriedades lhe foram tiradas, ela pode levar apenas alguns de seus vestidos. Desolada e a caminho das ruas, lembrou-se que os salões de prazer não estavam em seu nome, mas sim no de uma de suas protegidas.
Com a descoberta de seus pecados e exposição do rei para a corte morreu a condessa Amaranta e nasceu com força e vigor redobrado a Madame Lenda em seus salões do prazer. Rancorosa pela ousadia do rei em se apossar de seus gêmeos como se eles fossem objetos e não pessoas, ela só pensava em vingança. Trabalhou por dois longos anos, aumentou sua fortuna e maquinou um plano ousado, ela passou a guardar segredos dos respeitáveis senhores e senhoras que frequentavam seus salões, uma arma poderosa que ela usaria no momento certo.
Tais segredos viraram lanças, que ela soube usar contra o monarca que lhe tomará os amantes, conspirou o quanto pode e de posse de informações valiosas foi minando os portões da realeza. Rei e rainha pouco se suportavam nessa época, o rei isolado e a rainha ganhando cada vez mais poder e prestígio no reino.
Ela infiltrou-se novamente no palácio, ficando próxima da rainha. Passou-se por outra dama da sociedade, usava
maquiagens e perucas que a deixavam de fato muito diferente da condessa Amaranta que no passado usava sempre vestidos pretos e coques no cabelo, sem o uso de cosméticos, sem qualquer graça. Agora era uma dama vibrante de trajes coloridos, peruca loura e maquiagem vibrante. Em suas visitas ao palácio soube que seus gêmeos eram mordomos do rei, imaginou as aflições que poderiam estar passando e que sua função não se limitava a servir refeições, mas sim servir a luxúria do próprio rei. Ela sabia o quanto os gêmeos apreciavam uma boa relação carnal e que sentiam desejos por mulher, forçá-los a outras relações era uma afronta.
Amiga da rainha, Amaranta agora com o nome Alice, conseguiu com ajuda de outros nobres forjar uma cilada. Preparou uma surpresa para soberana que consistia em um chá da tarde em que estaria toda a nobreza do reino. Propôs aos convidados que fizessem antes do chá um pequeno tour pelo palácio e acabou indo parar “acidentalmente” em suas escondidas salas de banho. A rainha também recebeu um recado para que comparecesse à sala de banho a fim de descobrir sobre uma suposta traição do marido
Antes dessa ação, ela já havia se encontrado com seus queridos gêmeos, que logo a reconheceram mesmo sob o disfarce de Alice. Aproveitaram todos os momentos que puderam e tiveram deliciosos encontros pelas câmaras escondidas do castelo, matando as saudades e reafirmando suas afinidades. Eles aceitaram participar do plano de sua amada condessa para expor as inclinações lascivas do rei para toda a corte, aos olhos dos súditos ele se mostrava extremamente moralista. O plano era arriscado e perigoso, mas melhor morrer lutando do que sobreviver sofrendo.
Enquanto Alice guiava os nobres em direção a sala de banhos, os gêmeos preparavam a banheira e chamavam o rei para se banhar. Eles sabiam que o soberano não resistiria e partiria
para cima deles com investidas lascivas. Os irmãos fugiam das investidas do rei desde o fatídico dia em que o monarca os flagrou compartilhando e sendo compartilhados por sua condessa em um momento de luxúria. Mas naquele dia eles fariam parte dos jogos, de boa vontade então, prepararam a água do banho, colocaram perfumes e perguntaram ao soberano:
Majestade, há algo mais que possamos fazer para o desfrute do senhor?
— Que pergunta mais interessantes, rapazes, deixe-me pensar. Que tal me fazerem companhia na banheira?
Os gêmeos se entreolharam com cumplicidade e foram lentamente tirando a roupa, o rei ficou extasiado com a visão dos corpos nus dos rapazes, fez um sinal apressado pedindo que entrassem na água.
Eles entraram e inocentemente encostaram as partes íntimas no monarca, que dominado pelo desejo pediu que fizessem com ele o mesmo que fizeram com a dama da corte Amaranta em sua antessala no dia em que ele a exilou. Após proferir essas palavras, as cortinas da sala de banho se abriram mostrando a multidão de nobres e a uma furiosa rainha, uma imagem e palavras que refletiam os gostos do rei.
Após esse fato, eu confidenciei à rainha que não me chamava Alice, e que era a dama da antessala, a condessa arruinada no passado. Contei que era apaixonada pelos gêmeos tanto quanto eles o eram por mim. Expliquei a furiosa rainha que eles não tinham desejo nem afeição pelo monarca, sendo vítimas de suas investidas, então pedi que os liberasse do serviço do palácio sem maiores punições. Ela acatou meu pedido, me agradeceu por ter mostrado a verdadeira face e os desejos do marido. Me confidenciou que até o dia da descoberta ela se sentia mal, pois o rei não a procurava para
noites de amor, ela acreditava que a culpa era dela. A falta de companhia do marido, impossibilitava que ela tivesse um herdeiro legítimo.
Sim, a rainha tinha um filho, um belo e nobre rapaz que soube neste dia não ser filho legítimo do rei. Após essa confidência a rainha Elizabeth ordenou que eu guardasse segredo da situação exposta. Era mais um escândalo da monarquia, que ela por certo iria contornar. Determinou que eu pegasse o que era meu, os rapazes, e não retornasse nunca mais ao palácio.
Saí feliz daquele castelo, pois não queria de fato participar da nobreza, apenas queria de volta os meus gêmeos, Adrian e Alan, juntos. Pouco tempo após o escândalo real o rei ficou doente, uma doença certamente causada por veneno. Ele convalesceu pagando os seus pecados e morreu. A rainha viúva assumiu o reino até que o filho chegasse à maioridade, ele foi um excelente monarca para a nação.
Quando juntei fortuna o suficiente para três gerações nos salões como Lenda, passei minhas casas de espetáculo de vez para minha protegida. Ela era outra jovem e gananciosa garota que fugiu de um casamento forçado com um homem trinta anos mais velho sendo por isso foi expulsa pela família para as ruas.
Catherine foi um achado, eu a ajudei e ela retribuiu assumindo a administração de meus negócios, expandindo-o por toda a Europa e reativando a colheita de informações para os baús de segredos. Ela não precisava, mas fazia questão de me enviar parte dos lucros todos os meses. Pude assim, me aposentar ainda jovem, não tive filhos por escolha e fui com meus amores viver nossa paixão no campo. Cada dia eu era amada de uma maneira diferente, os rapazes eram criativos, as vezes um assistia enquanto o irmão me fazia feliz. Outras vezes eles me acariciavam a ponto de eu quase explodir de prazer, mas não
passavam disso, outras tantas tomávamos banho juntos no lago ou banheira e eu era amada por eles.
A luxúria desenfreada trouxe percalços em minha vida, sofri e achei que não mais encontraria meu lugar no mundo, foi através do amor, mesmo que um amor incompreendido pelas regras sociais, que consegui minha redenção.
Cada ação em nossa vida tem um preço, os pecados mais ainda, apenas o amor verdadeiro pode nos retornar aos trilhos e amenizar nossos infortúnios. Assim que me lancei na relação com dois homens deixei de ser condessa, perdi minha fortuna, afundei no poço do desespero. A linha entre o prazer e a perdição é delicada, me perdi nos prazeres despertados por meus amores.
No entanto, quando pensei não apenas em mim, mas no bemestar dos meus queridos afetos. Decidindo revidar as ações do rei, eu salvei meus gêmeos de uma relação que eles não queriam, resgatei a rainha de um casamento infeliz e de certa forma libertei todo o reino das garras de um soberano cruel e insensível.
Diana Sousa
Ser mulher nunca foi fácil, no século XVI, por mais ricas e influentes que fossem, as mulheres eram dadas em casamento e seu destino ficava nas mãos do marido. Não haviam casamentos por amor e os maridos poderiam ser abusivos e violentos. A vida delas não raramente corria risco.
Uma linda camponesa, chamada Giovana, vivia em sua cabana com sua família. A mãe era uma boticária natural, conhecia sobre o uso medicinal das plantas e ensinava tal ofício à filha.
Eram de classe social baixa, mas nada lhes faltava e tinham o principal, liberdade e independência, um luxo para pouquíssimas mulheres da época. Certa manhã Giovana colhia ingredientes para os medicamentos na beira do rio, quando foi surpreendida por dois homens. Ela já os havia visto na vila e percebido que era observada por eles. Com o coração acelerado teve um presságio de que eles não fariam bem a ela, então tentou escapar. Eles a cercaram e a sequestraram, levando-a rumo a um destino desconhecido.
Ela foi deixada desacordada em um quarto. Ao acordar percebeu que, em uma cômoda próxima, havia um lindo e rico vestido, sapatos, joias e outros itens. Não entendendo o que estava ocorrendo, tentou forçar as janelas e sair dali. Deparouse com um lindo jardim, ricamente ornado com flores do campo e uma fonte, não se lembrava de ter estado em um local tão belo assim antes. Era impossível abrir as janelas e portas, estavam atadas por ferrolhos. Enquanto tentava forçar as trancas uma mulher entrou e disse:
Não faça isso, os homens lá fora podem ser violentos, eles podem até mesmo matá-la, ou alguém da sua família.
Giovana aterrorizada perguntou onde estava e o que estava acontecendo. A mulher explicou que ela estava na casa do Barão Alexander que ele havia prometido a filha em casamento ao conde Franchesco, mas a garota morrera no verão passado. O barão precisava de uma filha para honrar seus negócios. Ela começou a entender que havia sido raptada para se passar por filha do barão e ser dada em casamento a um desconhecido. Contudo esse plano tinha tudo para dar errado, quem garante que ela não falaria ao conde que ele estava sendo enganado.
A mulher parecia ter lhe ouvido os pensamentos da garota e disse:
Ao conde Franchesco pouco importa quem seja a “filha” do barão, ele não costuma ser afetivo, esse é o seu terceiro casamento. Dizem que ele não conversa e nem convive com as esposas, apenas a visita uma vez por semana em busca de descendência e quando a mulher não engravida, acaba morrendo e ele se casa de novo.
Giovana tomada pela ira logo calculou:
Para esse conde desgraçado eu serei apenas uma matriz, não me dará ouvidos. Mesmo sabendo a verdade não se importará desde que eu lhe dê filhos. Se eu insistir em falar com outras pessoas vai me aprisionar, pelo visto ele assassina suas esposas que não engravidam. É um louco, estou sem saídas.
Ela chorou enquanto era preparada pela mulher, que se apresentou como Lúcia. Lúcia a consolava dizendo que a vida de nobre trazia vantagens, ela não precisaria trabalhar, não teria fome e jamais passaria frio. Além disso, teria a maior vantagem de todas, ela veria os filhos crescendo protegidos da miséria.
Giovana não aceitava aquele destino, ela era livre com sua mãe, nada lhe faltava. Teve seus pensamentos interrompidos pelo Barão que entrou no quarto com os outros dois homens que a haviam raptado, ele a olhou e disse aos dois homens:
— Realmente essa garota pode se passar por minha filha, mas quanto a educação dela, como faremos?
Os homens responderam:
— Pode dizer que ela foi criada num convento que é muito religiosa e dócil, quase não fala. Nós podemos arranjar uma forma dela ficar caladinha, cortando um pedacinho da língua, garanto que o conde nem vai notar.
O barão olhou para eles e para a garota dizendo que essa seria uma solução razoável, mas por hora desnecessária, virando-se em direção a Giovana falou:
— Garota não a quero machucar, para a sua segurança e bemestar preciso que você concorde em ficar quieta e se passar por minha filha. Talvez o conde não se agrade de você e então eu lhe devolverei para onde foi encontrada com uma boa quantia em dinheiro e ambos nos esqueceremos dessa história.
Caso o conde se agrade, você terá uma vida próspera, ele não tem boa saúde, logo morrerá e você herdará tudo. Seja esperta, tenha logo um filho e assuma sua posição como condessa. Sei que você está aqui contrariada, mas não parece ser burra então pense no que eu te falei. Daqui a três dias o conde virá conhecê-la, seja dócil e obediente pelo seu bem e o de sua família.
Três dias foi o tempo de Giovanna ser treinada para se passar por Gioconda, a filha do barão, o treinamento consistia em falar o mínimo possível, andar de cabeça baixa e ser dócil. Ela detestava tudo aquilo, mas não tinha opções de recusa, o barão
ameaçava a vida dela e de sua mãe. Se o conde não gostasse dela, estaria livre. Se ele gostasse estaria, após a morte do conde, livre e rica, poderia ajudar sua mãe e outras mulheres. Em meio ao desespero um plano já se delineava em sua mente.
O conde Franchesco era trinta anos mais velho que Giovanna, então com dezoito anos, ele era uma figura detestável, grosseiro e antipático, colocava defeitos na garota. Ao conhecelo ela rezava para que ele a repudiasse e a deixasse livre, mas contrariando a tudo que ele dizia, no final ele aceitou desposar a garota.
A noiva quis fugir, mas para onde iria. Correu para o quarto desesperada, não sabia o que fazer. Lúcia foi ao seu encontro e pediu que ela se acalmasse que o barão poderia ser violento caso ela o contrariasse. Ele a mataria, também mataria sua família. Lucia perguntou se Giovanna tinha os dons das poções, ela assentiu e a governanta propôs que criassem um preparo para dar fim a vida daquele odioso conde, assim ela se tornaria uma condessa poderosa e poderia tirar Lucia das garras do barão.
Giovana já havia pensado nesta possibilidade, mas todas as receitas de veneno que conhecia, deixavam rastros e se ela fosse pega, seria morta. Precisava criar uma opção que não deixasse rastros. Lúcia confidenciou a Giovanna que sua avó também era boticária e estava trabalhando em uma poção especial, que ela sabia os ingredientes. Juntas poderiam testar e aprimorar a receita antes do casamento dali a duas semanas.
Giovana gostou da ideia de aperfeiçoar a poção, gostou mais ainda da opção de treino, iria treinar e sua cobaia seria o barão, senhor de seu destino trágico, o homem egoísta que a raptou. A ideia de matá-lo a agradava. Se seria rica, porque não ser rica de fortunas acumuladas, o barão era viúvo e não tinha outras
filhas, se ele morresse logo após o casamento a herança seria do conde e com a morte do conde, tudo passaria para ela.
Era um plano arriscado, mas era delicioso, seria a vingança perfeita para as vilanias daqueles patifes, que usavam as mulheres como animais para gerar filhos e conseguirem status. Maltratando-as durante o percurso de diversas maneiras.
Homens assim não mereciam clemência e compaixão, ela trabalharia nesta receita e haveria de ser livre e quando pudesse também libertaria outras mulheres.
Junto com Lúcia, chegou a uma mistura perfeita, fez experimentos com ratos que deram muito certo, dosando até mesmo o momento ideal para a morte. Agora era hora de testar com humanos, testou primeiro com um dos homens que a sequestrou, calculou a dose de forma que o levasse a falecer em três dias. A morte pareceu natural, um ataque do coração, ninguém sequer desconfiou.
Enquanto ainda se recuperava da perda do administrador da fazenda, o barão começou a ficar doente, a dose da poção estava sendo aplicada a ele em doses menores, gotas fracionadas no vinho. Ele a princípio ficou indisposto, depois gripado, foi piorando. Na ocasião do casamento teve uma melhora súbita e três meses depois faleceu. Lúcia aumentou a dosagem da poção após o casamento para dar fim ao vilão conforme as instruções de Giovana.
A garota passou por maus momentos ao se casar com o conde, ele possuía um gênio terrível, a tratava mal, por sorte era mais velho e raramente a procurava. Quando a procurava era um suplício, mas assim que começou a ficar indisposto e doente ele parou de ir atrás de Giovana, ela já estava grávida nesta época. Com um herdeiro na barriga ninguém poderia reclamar a herança do conde, as coisas estavam indo bem. Lucia com a morte do barão veio trabalhar na casa de Giovanna como
combinado e a ajudava na produção da poção. O conde definhou o tempo calculado por Giovana, tempo o suficiente para pagar pelos seus pecados, sentia dores e fraqueza, não conseguia falar e dependia de outras pessoas para tudo. Aquele homem cruel e arrogante teve que aprender a pedir por favor e a dizer obrigado. Quando a presença dele incomodou além da conta, a condessa deu cabo da miserável vida dele, assim como ele havia feito antes com suas jovens esposas que não engravidavam.
Tomada pela ira a condessa o asfixiou com o travesseiro. Ninguém desconfiou traços do veneno não foram encontrados no corpo, a morte por asfixia também não foi descoberta. A alta burguesia sentia pena da jovem que veio do interior e em tão pouco tempo perdeu o pai e o marido, ainda por cima estando grávida, por sorte ela tinha uma governanta leal e competente para ajudá-la.
Giovana tornou-se uma influente condessa na corte italiana, conhecida por sua religiosidade católica, ela ajudou muitas mulheres que sofriam nas mãos de homens cruéis e mesquinhos. Ela deu à luz a um casal de gêmeos, Seraphin e Seraphina, sua descendência, filhos que ela amou e cuidou com zelo e carinho. Cresceram bons e caridosos, constituíram famílias felizes.
Sua poção começou a fazer sucesso pela Europa, a receita era chamada Acqua de Gio e incluía arsênico, chumbo e beladona, além de uma pitada de ingredientes ocultos (nunca revelados), magia. Ela distribuía esse produto para que mulheres conseguissem se livrar de maridos abusivos, ficando ainda mais rica, poderosa e influentes. Para passar despercebida ela comercializa seus produtos dentro de imagens de santos, como era um pó incolor e inodoro ninguém desconfiava. Distribuía a poção por toda a Europa usando uma extensa rede de padres e freiras que entregavam a encomenda para as destinatárias e
essas administravam a seus maridos. Caso a mulher desistisse do intento de assassinato ela poderia deixar de dar a poção. O preparo precisava ser administrado pelo menos três vezes consecutivas em uma dosagem específica para causar a morte.
Caso a dosagem fatal fosse dividida em mais de três doses ela aumentaria o tempo de doença e debilidade do marido, apenas quando fosse completamente administrada ele morreria. A Acqua de Gio era uma poção que poderia medir com precisão a data e hora da morte do escolhido. Relatos da época afirmam que havia ingredientes especiais que faziam com que esse preparo funcionasse apenas com homens, nunca com mulheres ou crianças. Funcionava com homens violentos, jamais um bom e gentil morreu ao tomar a poção. Havia um quê de magia envolvida na receita.
Ela teve uma vida longa e plena, morreu já bem velhinha, com a certeza de ter feito o melhor que podia na defesa de mulheres que não tinham quem as defendesse de maridos cruéis e de uma sociedade patriarcal e machista que não as respeitava.
Em testamento doou parte de sua fortuna para caridade e outra parte deixou a seus filhos. Giovana para alguns foi uma assassina, para outros uma heroína, mas, no fundo, ela foi apenas uma mulher que lutou com as armas das quais dispunha. O uso de venenos foi um poderoso aliado para equilibrar as forças em um mundo desigual. Se a ira tem um rosto, certamente é de mulher.
Eduardo Martínez
Não sei se o que me aguarda é o Céu ou o Inferno, mas, confesso, continuo dormindo tranquilamente, apesar de malfalada há décadas. E tudo por conta de um ciúme tolo, quase infantil, do meu então marido, o senhor Bento Santiago, vulgo Bentinho. Talvez você ainda não esteja ligando o nome à pessoa. Pois bem, fui honestamente batizada de Capitolina, mas foi como Capitu que caí na boca do povo. Seja como for, posso lhe garantir que não fui a única. Duvida? Então, preste atenção na história que irei lhe contar.
Perfídia ganhou esse nome pela sonoridade que tanto agradou sua mãe, fã de Altemar Dutra. Cresceu sem entender as risadinhas de alguns quando descobriam como a garota se chamava. A mãe, por sua vez, nunca se deu conta de que havia traçado o destino da filha assim que a registrou no cartório.
A menina cresceu mais formosa do que a maioria naquela cidade. Tão bela se tornou, que logo atraiu os olhares mais sortidos. Obviamente que os olhos que a fitavam não eram apenas os de desejos, mas também os de inveja. Alguns até ambíguos, onde esses sentimentos se misturavam.
A jovem, bem cedo, causou discórdias inconciliáveis. Tanto é que até o padre foi chamado para resolver tais pendengas, já que os pastores não se entendiam, pois todos pareciam desejar aquele pitéu para si. Diante de tamanha hipocrisia, juntou-se uma pequena quantia, que foi entregue à mãe de Perfídia, com a condição de irem embora daquela cidade.
Sem maiores perspectivas, as duas compraram passagens pro próximo ônibus e, antes que a primavera terminasse, rumaram para a capital. Mal chegaram, a velha morreu de disenteria, coisa comum naqueles tempos. Sozinha, Perfídia, apesar da tristeza de ter que enterrar sua própria mãe, se sentiu livre pela primeira vez na vida.
A mulher usou preto por alguns dias, mas logo percebeu que havia nascido para as cores vivas. E foi assim que resolveu procurar pelo primeiro emprego, já que o dinheiro andava ainda mais curto do que a sua saia. E lá foi a moça de pernas torneadas em direção à padaria da esquina, onde não havia cartaz de procura-se funcionário. E daí? Isso não foi empecilho para Perfídia.
O velho Joaquim, que nem era tão velho assim, foi chamado pela balconista, a Doroteia. Uma mulher estava à procura de emprego. Joaquim resmungou algum palavrão e se levantou enfurecido, certo de que aquele dia havia começado pelo avesso. No entanto, assim que bateu os olhos naquela formosura, mudou de ideia e a contratou antes que ela fosse embora.
Viúvo há poucos meses, o dono da padaria se viu apaixonado por Perfídia. Então, assim que as coisas se ajeitaram, ele tomou coragem de propor casamento para a jovem mulher, que mal entrara na casa dos 20. Ela, que estava passando pano sobre o balcão, gostou da proposta e, já no mês seguinte, com toda papelada em mãos, o casório foi realizado.
Perfídia gostou de acrescentar o sobrenome do marido ao seu, já que ela carregava, desde sempre, apenas o da sua falecida mãe. Perfídia da Silva Almeida. Soava respeitoso. A mulher gostou tanto, que fez questão de emoldurar a certidão de casamento e pendurá-la na ampla sala do apartamento, que ficava justamente em cima da padaria.
Agora ela era a patroa e, por isso, não precisava mais se preocupar com a faxina do comércio. Gastava seu tempo entre o salão e algumas compras. Joaquim, mesmo sendo mão de vaca, não se atrevia a contrariar a esposa, pois era muito bem recompensado durante as noites de alcova. O ciúme, todavia, estava sempre presente, pois todos os fregueses da padaria corriam os olhos pelo corpo de Perfídia. Tanto é que ele insistia para que ela não ficasse muito tempo por ali.
Obediente como uma boa esposa que era, Perfídia mal pisava no comércio do esposo. Gastava seu tempo lendo as revistas de fofocas ou, então, batendo perna pelo bairro. Pra quê?
Acabou se encantando por Augusto, um belo gajo recémcasado. Apesar dos compromissos firmados, os dois se entregaram às tardes num quarto de motel do outro lado da cidade. Afinal, era necessário manter a seriedade.
Não se sabe se a esposa de Augusto descobriu o entrevero, já que era moça de família e, portanto, sabia que homens dignos também precisavam se divertir. Quanto ao Joaquim, parece que ele andava preocupado com os sumiços da mulher. Tanto é que pensou em dizer para ela passar mais tempo na padaria, mas logo se lembrou dos fregueses atrevidos.
Para encurtar a história, eis que era uma quarta-feira, por volta das 14 h, quando Joaquim tombou direto no chão da padaria. Clientes e funcionários tentaram acudi-lo, mas já era tarde. O coração do velho havia parado antes mesmo do rosto se esborrachar na cerâmica fria e gasta. Enquanto isso, lá do outro lado da cidade, a agora viúva se divertia com o amado entre os felpudos lençóis da traição. Perfídia!!!
Elaine Dacorso
O que resta após o nada. A noite estava tão escura quanto o espírito que a assolava.
Então ela levantou sua mão sobre a tão escura noite e o que ela viu?
Ela não viu nada. Absolutamente nada. Neste momento poderia ter se levantado e ido em direção a luz.
Mesmo não conseguindo visualizar a própria mão direita que estava erguida próximo a sua face, porque insistiu em permanecer na ausência de luz?
Porque se sentiu leve. Era como se pudesse até mesmo levitar na escuridão.
Não teve medo, porém teve a real consciência que não poderia enxergar nem a própria mão que estava a um palmo de seu nariz, quanto mais às demais partes de seu corpo. O Pecado da Preguiça lhe impregnou o pensamento, teve preguiça de se perguntar o que estava fazendo neste lugar tão inóspito, escuro, frio e desalmado. Onde estaria a luz? Porque não via nem um feixe de claridade?
Foi nesta ocasião que percebeu a existência do bendito nada. Era como se não existisse ali uma pessoa conectada em si. A única conexão seria a escuridão e a sua leveza.
Todavia existia um corpo, seu corpo, mas a noite escura lhe abraçou sobremaneira que a sensação do nada lhe tocando o tudo lhe era apenas a existência de seu verdadeiro eu.
Ali permaneceu presa a essa sensação. Percebeu estar livre de si mesma, livre em si mesma.
Então correu em direção ao nada, pode então dançar, pular, gritar, girar, sorrir e chorar.
Estaria ela só? — Não estaria. A noite lhe era sua companhia.
Ela então sorriu por ter um lugar só seu.
Sentiu então o Pecado da Inveja chegando ao seu coração ao dizer a si mesma:
—Esse lugar será só meu.
Assim que houver luz não direi a ninguém sobre este lugar, para que eu não tenha que dividi-lo.
— Não me interessa de quem ele seja, agora ele será somente meu. — Ele será só meu.
— Permanecerei um pouco mais neste sonho, pois certamente de todos fui a escolhida para vivenciar tal sensação.
Tão logo como a sensação veio, assim ela se foi e de uma maneira tão repentina foi invadida por algo tão estranho dando lugar a um certo desconforto. Tudo então começou a girar, girar e girar, foi quando a tontura lhe invadiu a mente e então ela caiu.
Caiu ao chão e atordoada sentiu algo caminhar sobre seu pé direito, sentiu umas perninhas bem ligeiras caminharem sobre seus pés. Então o medo adentrou por sua coluna e se entranhou em todos os músculos de seu corpo, ela travou e imediatamente parou.
Mas como parar a respiração, o coração, o medo? Como parar este pavor? Sentia sua respiração ofegante.
Seu coração acelerado. Mas não podia enxergar nada além da escuridão persistente.
Foi neste momento que desejou a presença de luz, mas o pavor era tão exorbitante que teve mal estar ao sentir algo sobre seu corpo. E o pior era sentir este algo caindo sobre as regiões de seu corpo e rastejando ao chão bem próximo aos seus pés.
O que seriam agora essas perninhas fazendo cócegas em seu pé direito e em seu pé esquerdo? O que poderiam ser tais perninhas?
Foi quando se abaixou e tocou nas inúmeras perninhas e sentiu uma estrutura pequenina, gelada e grudenta. Estrutura ágil e ao mesmo tempo tão grosseira lhe passavam pelos dedos, estes estavam enrijecidos. Ela não sabia se seus dedos estavam enrijecidos devido ao pavor ou a sensação de frio que corria em seu corpo.
Passou a mão sobre a estrutura e percebeu como se fosse um tapete forrado ao chão dessas pequeninas coisinhas estranhas. À medida que andava, as coisinhas estranhas começavam a cair e parecia que elas estavam meio que impregnadas em seu próprio perímetro.
Então engatinhando sobre seu próprio halo forrando seu próprio tapete de coisinhas estranhas iniciou essa jornada, porém não a iniciou sozinha pois as coisinhas estranhas também estavam se movimentando.
Engatinhou cerca de metros e devido ao cansaço sentou-se sobre essas coisinhas estranhas.
Um certo nojo lhe estava intrínseco e então fechou os olhos.
Olhos fechados, olhos abertos a cena vista seria a mesma.
Sentou, abriu os olhos e olhou para sua frente.
O que viu? — Não viu nada, nadica de nada.
Apenas a noite escura e um tapete forrado ao chão de estruturas que não saberia dizer o que seriam.
Deitou-se ao tapete de barriga para cima e o que viu? — Nada. Ela não pode ver nada. Mas poderia sentir tudo.
Seu corpo estava todo em movimento por essas coisinhas tão estranhas.
Então deitou-se de lado e a imensa escuridão a cercou.
Foi nesta ocasião que pressionou o estômago e vomitou, vomitou, vomitou.
Vomitou sobre o tapete e a única sensação era como se lhe tivesse saído uma gosma ardente.
A gosma misturou-se ao tapete que havia sido forrado sobre todo o seu entorno e este então cresceu.
Não era ele que havia crescido, mas era o que estava nele ou abaixo dele que veio em direção ao tapete e lhe começou a devorar.
Eram larvas, pequeninas larvas.
Eram tantas as larvas que brotaram competindo por seu vômito.
Não havia perninhas, o que havia eram larvas.
Então ela se levantou e correu desesperadamente.
Findou-se a textura do tapete sobre seus pés.
Ela correu o máximo que pode, mas não chegou a lugar nenhum.
Sentiu um cheiro estranho e teve medo.
Era um cheiro fétido como que de algo que você deveria ter colado na lixeira e então esqueceu.
Lembrou que naquela noite havia tomado uma quantidade significativa de vinho.
Sim, ela conseguiu visualizar a valiosa garrafa que havia ingerido.
Na verdade, a meses estava ingerindo escondido vinho em sua casa, mas ele não era notado, assim como ela não havia percebido que estava exagerando na dose.
Mas eram pequenos cálices diários que se tornaram em copos de amargura.
E foi nesse vômito que ela então descobriu o Pecado da Gula, associado à falta de controle sobre suas papilas linguais.
Foi quando colocou a língua para fora de seus lábios e lhe tocou com o dedo indicador.
Dedo direito tocando a língua.
A língua estava estranha, amarga.
O dedo estava tão endurecido, enrijecido.
Cheirou o dedo e percebeu que algo de estranho ali estava, era tão fétido, mas tão fétido que mais uma vez vomitou.
Inclinou-se o corpo para frente e vomitou, mas o que saía de dentro dela era apenas uma água ácida e tinha pedacinhos de restos de comida ali, como se fossem carne moída, aquelas que são preparadas para fazer almôndegas.
Não conseguia enxergar, mas sabia que não estava só, pois mais uma vez em seu vômito essas coisinhas começaram a avançar freneticamente e se multiplicavam de uma maneira inexplicável.
Mais uma vez correu e desta vez gritava em meio a escuridão.
De sua boca saíam palavras torpes, sentia tanta raiva, tanto ódio e o Pecado da Ira lhe comandou os pensamentos. Pecado este que lhe fez desferir alguns golpes contra si mesma. Agarrou-se em si mesma e começou a se esbofetear, a puxar seus cabelos e bater em seu ombro esquerdo.
Um tufo de cabelos lhe caiu sobre os dedos e então gritou.
Ao gritar percebeu que também lhe caiu um dente, mas não era um dente qualquer, era o dente incisivo de ouro e então enlouqueceu de raiva, pânico e desespero. Chegou à conclusão que estava bem perto da loucura nessa imensa escuridão.
Imediatamente colocou as mãos enrijecidas sobre o bolso de sua calça para pegar o celular.
Precisava de ajuda.
Precisava ligar para alguém.
Mas onde estava o celular?
Então lembrou que o celular estava zero por cento bateria, no ímpeto de raiva o jogou ao chão inúmeras vezes e, logo depois, ao acordar nessa imensa escuridão, chorou dizendo a si mesma como poderia ter quebrado algo tão caro.
Seria um grande pecado quebrar o celular. Jogou dinheiro fora quebrando o celular.
O Pecado da Avareza estava inundando sua alma de tal maneira que não permitia ela raciocinar de maneira coerente,
tão logo o celular não poderia estar em seu bolso pois ela o havia quebrado ao chão antes de adormecer no sofá.
Então em meio ao nada ela caminhou.
Caminhou tão calada quanto a noite assim era.
Os pensamentos eram nocivos e a deixaram num estado de desespero, porém ela tentou dizer a si mesma:
— Qual o problema, era só um celular.
— Depois eu vou adquirir outro.
Caminhando percebeu que era só uma questão de tempo para a luz aparecer.
Porém a luz demorava cada vez mais e o tempo se esticava nesta vasta escuridão.
Se sentiu tão dona de si que olhou para a escuridão e lhe falou:
Nada podes fazer contra mim, assim que eu sair deste lugar horroroso aqui nunca mais virei.
Assim que eu acordar deste sonho tudo me será diferente.
Passou a mão sobre a cabeça e sentiu o buraco pela falta de cabelo e logo indagou:
Só uma questão de tempo para crescer de novo, não tem problema.
Quanto ao dente, posso fazer um implante.
Dinheiro não me é um problema
Lhe cresceu ao coração o Pecado da Soberba, pois dentro de si tinha a convicção que logo sairia deste buraco.
Caminhando esbarrou em algo à sua frente, parecia ser um monte. Não era um monte de verdade, era apenas um monte que lhe impediria de ter passagem. Lembrou-se de ter adormecido sobre seu sofá antes de acordar nesse lugar pavoroso. Seria um pesadelo?
Seria um sonho?
Mas se recordava que seu sofá era tão aconchegante, aveludado e cheio de almofadas, ela adorava descansar sobre o sofá e pisar no seu lindo tapete. Os braços do sofá lhe pareciam abraçar de tanta ternura e o lindo tapete aquecia seus pés.
Porque lhe veio um estranho sentimento que a fez lembrar que se sentiu presa neste sofá por alguns dias, mas era uma sensação apenas. Uma estranha sensação.
O Pecado da Luxúria não a fez perceber que desfaleceu neste sofá e não caminhou sobre o tapete, portanto a luz cessou.
Estes não foram apenas palco de momentos de paixão, volúpia, desejo, mas foi o palco do último suspiro.
O tempo já não existia.
Ela precisava apenas partir, precisava caminhar, precisava subir sobre o monte, precisava ir até a luz logo depois do monte, porém e infelizmente, parou e ali insistia em manter-se no apego das coisas que não existem mais.
O que realmente a estava impedindo dessa caminhada?
A noite estava tão escura quanto o espírito que a assolava.
Estela Simone
Num tempo muito distante e sobre um lugar o qual não podia ser encontrado em algum mapa existente no mundo lógico, reinava uma Princesa que, de tão adorada por seus pais, Rei e Rainha, assim como por todos os súditos, de nobres a trabalhadores, era protegida por um castelo de vidro.
O lugar era imenso e repleto de todas as riquezas que se possa imaginar. Banquetes se enchiam com os melhores músicos e as mais deliciosas comidas. Festas eram repletas de todas as pessoas afortunadas que tinham o privilégio de estarem ao lado da Princesa mais linda que já pousou sobre todas as terras. Tão linda que arrastava multidões às portas de vidro do castelo para terem um vislumbre que fosse da tal beldade e assim poder compartilhar da graça dos mais bolos.
Sua pele era pálida como a neve; suas bochechas rosadas refletiam, pois caso um doce pôr do sol; seus lábios vermelhos e cheios representavam a paixão, tal qual um buquê de rosas; seus olhos verdes e brilhantes eram hipnotizantes pedras preciosas; seus cabelos negros inspiravam aventuras perigosas na mais atraente das noites; seu sorriso transparecia a felicidade imensa de ser amada fervorosamente; sua voz ecoava as melodias doa anjos que carregavam a benção de todos os Deuses. Era desejada, embora inalcançável, como todas as criaturas tocadas pela perfeição. Era soberba, porém a dádiva da beleza concedia direito à tal característica.
Os Deuses abençoavam o reino de vidro e seus arredores graças à Princesa que era a divindade escolhida para representá-los: sua existência magnífica tornava viva essa
ligação. E, portanto, era protegida de todos os perigos, mantida sob vigilância constante, sem nunca ousar colocar os pés para os desconhecidos caminhos da vida. Era adoração e egoísmo. Era um destino triste e desumano... Mas era o destino de uma Deusa! Um sortilégio equiparável ao pedestal que a elevava!
Tinha tudo o que precisava no castelo; luxos e riquezas; as mais finas iguarias que instigavam seu nobre paladar; e admiradores que lhe dedicavam poemas e canções de adoração eterna. Era vaidosa como a lua, e os mimos oferecidos satisfaziam seu ego que não conhecia melhor prazer de espírito.
Contudo, assim como todas as criaturas vaidosas, foi traída pela própria veneração sobre si.
Em meio às mais belas palavras já ouvidas, um flautista entoou a mais doce sedução para ouvidos desejosos de mais... Ela merecia mais adoração, não apenas do reino de vidro, mas de todos os reinos que pudessem existir.
Sua beleza merece adoração eterna e infinita.
— Eterna e infinita — a Princesa repetiu completamente embriagada pela própria figura magnífica que fazia. — Eu preciso ser vista por todas as criaturas vivas...
E adorada por elas o flautista interrompeu com um sorriso vencedor brincando em sua face dissimulada. — Para ser vista, precisará deixar este castelo.
Meus protetores nunca permitirão.
— É verdade. — O flautista, como num passe de mágica, fez surgir um pequeno frasco em sua mão. — Eles a querem protegida dos perigos e longe de mais adoração.
O que eu preciso fazer para escapar deles? ela questionou agora totalmente tomada pelo desejo de ser mais adorada do que era.
Beba isto ele entregou o pequeno frasco a ela, onde um líquido escarlate repousava , é um néctar dado a mim pela Deusa Hera para ser entregue àquela que melhor representa Sua Majestade. Estou aqui como um humilde servo para cumprir esta importante missão.
O que isto fará comigo? Ela abriu o frasco sem qualquer hesitação, desconsiderando os absurdos da história ao ser comparada à Deusa da vaidade.
— Fará da Princesa tão forte quanto a Deusa, para assim ser infinitamente adorada.
Com as últimas palavras e embebecida na vaidade, a Princesa tomou o líquido de uma só vez sob o olhar vitorioso do homem que passou a sorrir um som diferente da voz sedutora que usara para convencê-la. Rapidamente, o líquido doce se tornou amargo como o veneno da traição, trazendo a morte que congelava os músculos do seu belo corpo.
Sobre a agonia derradeira, a Princesa teve o vislumbre da verdadeira figura à sua frente. Uma pena azul tornava conhecida sua identidade divina: Hera nunca permitiria competições vaidosas onde apenas ela poderia ter adoração eterna e infinita.
Logo tudo irá passar, minha criança a Deusa disse fingindo compaixão enquanto a Princesa desfalecia , e você cairá para uma grande adoração, como desejou, cheia de poesias e canções em sua homenagem. Pois, a morte de uma mulher bela é, sem sombra de dúvida, o tema mais poético do mundo.
A bela Princesa deu seu último suspiro sob a risada tenebrosa de Hera que deixava clara sua superioridade através da brincadeira maléfica. A vaidade sendo usada como o punhal que completou seu destino caprichoso.
A beldade do reino foi velada dentro de um caixão de vidro onde todos puderam respirar sua aura abençoada por mais algumas horas antes que ela fosse tomada pela terra que cobria
todos os mortais, já que somente aos Deuses era dado o direito da adoração eterna.
A poesia levou a história aos cantos mais distantes com os ventos da imaginação:
Vaidosaeadmiradacomoalua
Iluminadapelaluzmaisofuscante
Sabiaquetodaadoraçãodoreinoerasua
Seusolhostraziamariquezaorgulhosaeestonteante
Avaidadecomoumpecadomortal
Feznasceracobiçasobreainocênciadeumavidanunca aproveitada
Umdesejoegoístaatingiuseucoraçãocomoomaiscortante punhal
Caindoparaatraiçãodesereternamenteadorada APrincesavaidosasempretãoprotegida
Trocouumcastelodevidroporoutrorecanto Ricamenteenfeitadacomoumabonecaadormecida
Numdescansoeternoparaoseudesencanto
Desejoconcedidoeumaliçãovaliosa
Fábulaslevaramseutristedestinocomoumconselhoaquem quisesseescutar
Paraasalmasmaishumildesàsmaisorgulhosas
Amortechegaedelanãosepodeescapar
Maisvaleviveravidacomsabedoria
Esquecerosespelhoseolharparaabelezainterna
Levandoconsigomomentosbonsquesãoaverdadeiraalegria
Poisbeloscorpossedesfazemeapenasaalmaéeterna
Logo os poemas e as canções representaram outro belo rosto e a Princesa vaidosa foi esquecida junto do reino nunca mencionado em mapas, obscurecido sobre o orgulho do tempo.
Fernanda Steffen
Nunca irei me esquecer daquela noite... Minha última noite.
Sou Neyvi, tenho vinte anos. Estava deitada na minha cama, lendo um de meus livros favoritos sobre criaturas mitológicas.
Nunca fui de dormir cedo, nem sair para festas, preferia minha paz e silêncio, mesmo que isso me causasse uma frustrante solidão.
Adormeci enquanto lia e comecei a ter belos sonhos, no qual conheci um lindo rapaz. Aquilo era tudo que eu desejava, uma companhia, especificamente, um companheiro para a vida toda.
Mas quando me dei conta, estava de olhos abertos vendo aquele lindo ser. Os cabelos brancos como neve caiam sobre o delicado rosto. Usava roupas formais, uma camisa de manga comprida de gola alta e calças pretas. Estava descalço.
Não pude ver seus olhos.
— Vejo que acordou.
- Quem é você? perguntei assustada. Eu estava sonhando ou não?
— Hum...isso não importa agora.
Ele andou devagar até mim, senti meu coração acelerar e minhas mãos suarem frio. Minha vontade era de sair correndo, mas algo parecia me impedir. Quando seu rosto estava a poucos centímetros do meu, vi que seus olhos eram vermelhos como sangue. Ele sorriu, com enormes caninos afiados.
Está sozinha, minha querida? Posso te fazer companhia.
Percebi repentinamente que uma de minhas mãos tocava nas bochechas gélidas do vampiro. Lembrei de um capítulo no livro que vampiros são seres que nos encantam, mas parecia tão real o desejo que sentia por ele que a adrenalina em meu corpo diminuía.
— Não se preocupe, nunca a machucaria. Quero apenas a fazer minha.
Minha cabeça estava confusa. Afinal, era real, eu estava falando com um vampiro de verdade.
— Me chamo Loate, venho lhe observando a algumas noites, quando saio do mundo espiritual para caçar. Normalmente você estaria morta agora, mas percebi que não era isso que eu queria fazer. -suas mãos deslizavam suavemente pelas minhas pernas. -Se você concordar, podemos ficamos juntos para sempre.
— Eu...
Não tem que decidir agora, mas a resposta tem prazo de validade. Vamos dormir juntos, amanhã me dê seu veredito.
Loate simplesmente deitou na cama e suavemente me aninhou em seu peito. Fui caindo cada vez mais na real quando não ouvi as batidas de seu coração e nem sua respiração.
Pela manhã, ao levantar, não o vi. Quase acreditei que era um sonho até ver uma rosa negra no travesseiro que ele estivera deitado.
Pode parecer loucura, mas senti um intenso amor entre nós, uma conexão real. Eu realmente quero ser de Loate, mesmo que seja difícil.
A noite chegou e minha resposta era certeira. Fui tomar meu banho para esperar dar o mesmo horário da noite anterior que nos encontramos.
Lavei meu cabelo, e ao enxugar os olhos tomei o maior susto da minha vida. Senti mãos geladas sobre meus ombros, e a ponta de um nariz acariciando meu pescoço.
— Loate! -parecia que havia milhares de borboletas em minha barriga, que aumentaram ainda mais quando senti seu corpo sem as roupas de cima em minhas costas.
—Tão bela. Para que se assustar tanto? Afinal tenho quase certeza que ficaremos juntos para sempre, não é?
Senti uma vontade enorme de o tocar, beijar. Meu corpo implorava por ele.
Sim.
Perfeito. Mas antes temos que fazer um trato. Termine seu banho.
Olhei para trás e ele não estava mais lá. Me arrumei e fui para o quarto.
No mundo espiritual, para nos casarmos, a mulher tem de comer uma maçã. Após comer, seremos um do outro na noite de lua cheia daqui quatro dias, é quando pertencerei a ti, se não respeitarmos o trato, terei de achar outra companheira. Mas terá um preço. Todas as noites, me alimentarei de seu sangue.
Não havia condição que me impedisse de o ter somente para mim.
Tudo bem.
Loate me entregou uma maçã vermelha. Sem hesitar mordi, sentindo o gosto mais horrível que minha língua provou, a fruta era preta por dentro.
O vampiro me pegou no colo para deitarmos. Sua mão esquerda segurou meu pescoço delicadamente, enquanto o rosto se aproximava. Senti suas presas afundarem na minha
pele, era uma dor quase insuportável, mas quando ele começou a beber, era a melhor sensação do mundo. Mal podia esperar pela noite de lua cheia.
As noites foram se seguindo assim, acompanhadas de presentes e pequenas carícias.
Chegou a minha tão sonhada noite. Só precisava que Loate bebesse meu sangue uma última vez. Me sentia fraca nos últimos dias que mal conseguia me levantar da cama. Ele entrou pela porta do quarto.
Nossa última noite, minha querida.
Quando ele subiu por cima de mim, meu corpo estava no limite de o agarrar, mas precisava esperar apenas alguns minutos.
Após três minutos, senti suas presas saírem da minha garganta.
Humanos são tão tolos. Acham mesmo que um ser como eu me apaixonaria por meros mortais? Que piada infame.
Naquele momento, não compreendi o que estava acontecendo.
Loate não estou entendendo...
— A parte do trato era real, mas ficarmos juntos para sempre? Mulher idiota, era apenas mais uma presa!
Lágrimas escorreram por meus olhos enquanto senti minha vida esvaindo, percebendo que Loate era como nas histórias e que o homem que desejei nunca foi real. Enquanto ouvia a risada do vampiro, lembranças da minha vida apareciam diante de meus olhos. Então tudo virou escuridão.
Numa pequena vila à beira-mar está localizado o belo vilarejo português de Azenhas do Mar, onde o calor do verão abraça as ruas de paralelepípedos e os telhados de terracota, a vida transcorre com um ritmo tranquilo. Construído sobre paredões de pedra de frente para uma baía no atlântico cujo mar é azul-turquesa, a vila é um refúgio para aqueles que buscam a paz e a simplicidade da vida à beira-mar.
Neste cenário paradisíaco, uma professora chamada Safira, veio se refugiar fugindo da correria da vida na Capital Lisboa. Historiadora por formação, lecionava em uma escola local, apaixonada por desvendar os mistérios do passado, dedicou anos da sua vida na pesquisa de mitos e lendas hebraicas. Um dia, enquanto explorava a biblioteca do vilarejo em busca de material para suas aulas, Safira deparou-se com um livro antigo cuja capa era confeccionada em couro animal e suas páginas empoeiradas encardiram-se com o tempo, livro esse que aparentava ter centenas de anos.
O livro parecia conter um segredo, e Safira, curiosa por natureza, começou a folheá-lo. As páginas eram preenchidas por símbolos estranhos e desenhos enigmáticos. A professora sentiu uma energia peculiar emanando das páginas amareladas, como se estivesse tocando algo além do conhecimento humano.
Determinada a decifrar o mistério, Safira passou noites e dias imersa no estudo dos símbolos. Gradualmente, ela começou a entender que aquele era um antigo documento relacionado a uma entidade chamada Lilith. A primeira tradução do texto dissertava assim: “Há eras, antes mesmo da criação do mundo
conhecido, quando as sombras dançavam nos recantos do universo, surgiu uma entidade maligna cuja essência era a personificação da luxúria. Esse demônio, conhecido como Lilith, era a encarnação da tentação, um ser sedutor e astuto que se alimentava das fraquezas humanas”.
Safira, movida pela curiosidade e confiante em sua habilidade de controlar forças ocultas, ignorou os avisos e decidiu desvendar completamente os símbolos. Assim que pronunciou as palavras finais da invocação, uma luz intensa preencheu o ambiente, e uma presença maligna se materializou diante dela.
Lilith, a sedutora entidade, riu de forma encantadora e, em um instante, possuindo o corpo de Safira, transformou a professora inocente num recepitáculo de pura luxúria. Agora, a mulher outrora reservada estava imbuída de uma beleza sedutora e um magnetismo irresistível.
As lendas antigas contam que, ao tocar o solo da Terra pela primeira vez, Lilith trouxe consigo uma aura de sedução irresistível. Homens e mulheres, reis e plebeus, todos caíam perante seu feitiço. As noites eram marcadas por encontros secretos e promessas que selavam pactos de desejo.
Com seu novo poder, Safira, agora Lilith, começou a frequentar eventos sociais na cidade. Sua presença não passava despercebida, e os homens, principalmente aqueles vinculados a Ordem dos Cavaleiros de Cristo foram os primeiros a cair sob seu feitiço. Homens que haviam jurado lealdade a suas famílias e à Ordem sagrada agora encontravam-se cativados pela aura envolvente da professora, eram eles as grandes lideranças políticas e sociais da região costeira portucalense.
Lilith, consciente de seu papel como agente da tentação, não se limitou a seduzir. Ela tecia uma teia de intrigas e manipulações, expondo os segredos mais sombrios dos cavaleiros. À medida que os homens cediam às suas vontades, Lilith desfrutava do caos que criava entre eles.
O vilarejo começou a ser assolada por escândalos e traições. A Ordem dos cavaleiros era abalada e a comunidade se via envolta em um véu de decadência moral. Lilith, aproveitandose do poder que agora possuía sobre os homens, conduzia a vila para um caminho sombrio e perdido.
A vila inteira compartilhava de um pesadelo coletivo, onde sombras sedutoras dançavam nos becos escuros e risadas malignas ecoavam pelos corredores vazios. O mal que Lilith trouxera à vila começava a atingir todos os seus habitantes. Lilith, entretanto, não era apenas uma testemunha do declínio humano; ela era uma catalisadora, uma força sinistra que sussurrava desejos proibidos e despertava paixões obscuras.
Enquanto isso, uma figura misteriosa, um exorcista chamado Gabriel, chegava ao vilarejo em busca da origem do mal que se espalhava. Enviado pelo Vaticano com recomendações do próprio Pontífice, Gabriel era membro sênior da Escola de Exorcistas da Sagrada Espada de São Jorge.
Investigando os acontecimentos, Gabriel descobriu a relação entre a professora e o antigo documento. Ele percebeu que a chave para derrotar Lilith estava nas páginas daquele livro proibido. Guiado por sua experiência e conhecimento, o exorcista começou a estudar os símbolos e a preparar um ritual de expulsão da possessão demoníaca.
Ao se aproximar da luxuosa mansão do Marquês de Barbacena, onde se dizia que as atividades malignas eram mais intensas, pois Lilith decidira viver ali o Padre Gabriel foi recebido por um grupo de moradores apreensivos. O líder da comunidade, Dona Laura, uma mulher idosa de semblante preocupado, foi a primeira a saudá-lo.
— Padre Gabriel, graças a Deus que você veio. O demônio tomou nossa vila, e não sabemos mais a quem recorrer.
Não se preocupe, Dona Laura. Vim aqui para ajudar. Este é o local onde os incidentes são mais frequentes? Esta é a casa
onde os rumores indicam atividades demoníacas? Questionou Gabriel.
Dona Maria assentiu, olhando para a mansão com apreensão.
Sim, Padre. Coisas estranhas acontecem aqui todas as noites. Barulhos, sombras, vozes que não pertencem a este mundo.
Vamos entrar. Preciso examinar o local e entender o que estamos enfrentando.
Ao adentrarem a casa, o ambiente estava carregado de uma energia opressora. O silêncio era interrompido apenas pelos ruídos distantes do vilarejo. O exorcista começou a recitar orações enquanto observava cada canto sombrio.
Demônios têm uma predileção por espreitar nos lugares mais obscuros. Precisamos encontrar a origem dessa presença maligna.
Enquanto exploravam a casa, ruídos estranhos ecoavam pelas paredes. O exorcista parou subitamente ao ouvir um sussurro gutural vindo de um dos quartos.
A atmosfera pareceu se agitar ainda mais, as sombras dançando nas paredes como se tivessem vida própria. O quarto se encheu de um vento frio, enquanto Padre Gabriel continuava a recitar preces antigas.
No ápice da batalha espiritual, Gabriel conseguiu recitar as palavras de um antigo encantamento, devolvendo Lilith ao seu selo original. A entidade demoníaca foi aprisionada mais uma vez, e o corpo de Safira foi libertado do domínio maligno. A cidade, agora aliviada do jugo de Lilith, começou a se recuperar lentamente.
No entanto, as cicatrizes do período sombrio permaneceram, e os habitantes do pequeno vilarejo aprenderam uma valiosa lição sobre os perigos da curiosidade desmedida e da tentação. Safira, recobrando sua humanidade, enfrentou o peso da
responsabilidade por suas ações e jurou dedicar sua vida a redimir a vila e a si mesma.
A história da professora que libertou o demônio Lilith e quase levou à ruína um pequeno vilarejo tornou-se uma lenda local, passada de geração em geração como um lembrete das consequências das escolhas imprudentes. A vila, agora reconstruída e fortalecida pela experiência, ergueu um monumento em homenagem à coragem de Gabriel e à redenção de Safira, celebrando a vitória da luz sobre as trevas.
Havia uma cidade cercada por montanhas majestosas, onde seus habitantes viviam em harmonia, regidos por valores de humildade, respeito e gratidão. No entanto, essa paz estava prestes a ser ameaçada pela chegada de um forasteiro que trazia consigo a sombra da soberba, um pecado capital que se manifestava de diversas formas. Era um homem de aparência imponente, sua arrogância pairando sobre ele como umacoroa invisível. Seu egoísmo era evidente em suas ações, pois buscava constantemente sua própria vantagem, sem se importar com o impacto sobre os outros. Sua presunção era notável, sempre se considerando superior aos demais, e sua intolerância se manifestava na falta de aceitação das diferenças que encontrava. A cidade, outrora um refúgio de empatia e compreensão, começou a sentir os efeitos devastadores da competitividade destrutiva que o forasteiro trouxera consigo. O exibicionismo tornou-se uma praga, com cada habitante tentando superar o outro, enquanto a falta de colaboração prevalecia, fragmentando a comunidade. Desonestidade permeava as interações diárias, com o forasteiro manipulando a verdade para atender aos seus próprios objetivos. A falta de gratidão era uma característica marcante, pois ele nunca reconhecia os esforços alheios, sempre querendo mais. A superioridade moral do intruso criava um ambiente tenso, onde julgamentos constantes corroíam a moral da cidade. A insegurança do forasteiro, apesar de suas atitudes presunçosas, era evidente para aqueles que observavam de perto. Essa
insegurança se manifestava na falta de empatia, na incapacidade de se colocar no lugar dos outros, e na falta de compreensão das necessidades e sentimentos dos habitantes locais. No auge da crise, um ancião sábio, conhecido por sua humildade e modéstia, surgiu como uma luz na escuridão. Ele convocou os habitantes a abraçarem novamente os valores que haviam moldado a cidade desde tempos imemoriais. Pediu simplicidade nas atitudes, respeito mútuo, compreensão para superar as diferenças e generosidade para restaurar a harmonia. À medida que os habitantes começaram a seguir os ensinamentos do ancião, a cidade lentamente se curou. A tolerância substituiu a intolerância, a gratidão dissipou a falta dela, a amabilidade floresceu onde antes havia desprezo. A empatia retornou, e a colaboração se tornou a pedra angular da sociedade. O forasteiro, confrontado pela mudança que ele mesmo havia instigado, teve duas escolhas: resistir ou se render. Ao testemunhar a transformação positiva ao seu redor, ele finalmente deixou de lado sua arrogância e se abriu para a humildade. A cidade, mais uma vez, tornou-se um oásis de virtudes, onde a soberba foi derrotada pela força coletiva dos valores que sempre a superaram.
Numa ensolarada tarde, os habitantes reuniram-se na praça central para discutir o futuro da cidade. O ancião, com sua sabedoria etérea, falou com voz serena:
Caros amigos, somos espectadores do ingresso da soberba em nosso cotidiano, porém, neste momento, vislumbramos a necessidade premente de restabelecer a harmonia. A humildade se apresenta como a bússola que nos orienta, enquanto a modéstia se erige como nossa defesa inabalável. É imperativo que extraiamos lições valiosas de nossos equívocos, empenhando-nos na árdua tarefa de reconstruir tudo aquilo que restou danificado.
Um murmúrio de consentimento ecoou entre a multidão, mas o forasteiro, ainda relutante, questionou:
Qual seria a justificativa para acatarmos suas orientações?
Qual atributo o designa como o detentor da autoridade moral?
Essas são ponderações pertinentes que demandam uma reflexão mais aprofundada. Instigamos a compreensão dos fundamentos que respaldam sua posição como árbitro da moralidade, buscando esclarecimentos que iluminem a razão subjacente à confiança que se espera que depositemos em seus conselhos.
O ancião respondeu com calma:
— Não almejo assumir o papel de árbitro, mas sim o de um guia compassivo. Cada um de nós, sem exceção, é propenso a cometer equívocos, eu incluso. Contudo, a autêntica grandiosidade revela-se no reconhecimento de nossas falhas e no empenho para corrigi-las. São a modéstia e a humildade que se configuram como forças motrizes capazes de nos conduzir de volta ao percurso correto, delineando o caminho para uma jornada de aprimoramento contínuo.
Uma jovem, outrora vítima da intolerância do forasteiro, levantou-se e disse com coragem:
No passado, experimentei a mira do seu desdém, no entanto, opto por trilhar o caminho do perdão. O processo de transformação tem sua origem em cada indivíduo, e chegou o momento de erigirmos uma comunidade fundamentada na prevalência da tolerância e do respeito. É por meio desse comprometimento coletivo que podemos cultivar um ambiente onde as diferenças são valorizadas, promovendo a coexistência pacífica e a construção conjunta de um futuro mais compassivo.
Outro habitante, um comerciante que antes se deixava levar pela competitividade destrutiva, admitiu:
Torno-me consciente, neste instante, de como nossa contínua busca por superar uns aos outros resultou apenas em prejuízos. É evidente que o caminho para uma verdadeira
prosperidade repousa na colaboração mútua, no compartilhamento de experiências e no apoio recíproco. Nessa trajetória conjunta, encontramos a base sólida para o florescimento genuíno, reconhecendo que o sucesso é mais significativo quando é coletivamente construído e sustentado.
O forasteiro, confrontado pela sinceridade e coragem de seus vizinhos, começou a refletir sobre suas próprias ações. A insegurança que ele tentava esconder com sua superioridade moral começou a se dissipar.
— Percebo, neste momento de reflexão, que minha arrogância teve repercussões prejudiciais para o coletivo. Manifesto minha sincera disposição para transformação, ansioso por absorver ensinamentos valiosos desta comunidade que, de maneira notável, demonstrou verdadeiros valores. Com humildade autêntica refletida em meus olhos, coloco-me humildemente diante de vocês, solicitando orientação para trilhar o caminho da humildade. Estou aberto a aprender e crescer, reconhecendo a riqueza que a sabedoria coletiva desta comunidade pode oferecer.
O ancião sorriu:
— O ponto de partida para a humildade reside no entendimento profundo de que todos compartilhamos uma igualdade intrínseca, cada indivíduo portando suas virtudes singulares e limitações inerentes. A aceitação consciente de nossas próprias imperfeições não apenas promove o nosso crescimento individual, mas também fornece o terreno fértil para a construção coletiva. Unindo-nos, podemos empreender a reconstrução desta cidade, fundamentada na verdadeira grandeza de espírito, onde o respeito mútuo e a compreensão são os alicerces que sustentam a jornada comum em busca de um ambiente mais coeso e enriquecedor.
Assim, a cidade começou um processo de cura e renovação. A humildade, a modéstia, a tolerância e a colaboração tornaramse os alicerces da comunidade, e a soberba foi transformada
em uma lição valiosa que uniu os habitantes em prol de um futuro mais promissor. À medida que os dias se desdobravam, a cidade florescia com uma nova energia. A generosidade substituiu a competitividade destrutiva, e a amabilidade se tornou a norma em cada interação. As ruas ressoavam com risos, e os corações outrora divididos se uniram em solidariedade. O forasteiro, agora integrado à comunidade, mostrou sua transformação por meio de atos de verdadeira empatia e colaboração. A humildade que ele havia adquirido tornou-se evidente em suas ações, e sua presença inspirou outros a seguir o mesmo caminho. A cidade, que um dia esteve à beira da desgraça devido à soberba, tornou-se um exemplo de superação. O ancião, com olhos cheios de satisfação, testemunhou a transformação que os habitantes trouxeram a suas vidas. Ele proclamou em um dia ensolarado, quando a cidade estava repleta de harmonia:
Na região que anteriormente era dominada pela soberba, hoje floresce a humildade como semente plantada em solo fértil. A trilha percorrida foi desafiadora, contudo, a redenção emergiu graças aos princípios do perdão, da compreensão e do amor. Que esta cidade, que testemunhou a transformação, permaneça inabalável como um santuário perpetuante para a verdadeira grandeza de espírito. Que as lições aprendidas durante nossa jornada sejam os pilares que sustentam uma comunidade enraizada na aceitação mútua, na compaixão e na constante busca pela elevação coletiva.
Dessa maneira, a cidade prosseguiu em sua trajetória, compreendendo que, mesmo confrontada pelos desafios dos pecados capitais, a possibilidade de redenção se desenha nítida quando a humildade, a empatia e a colaboração se convertem nas forças motrizes da comunidade. O enredo da cidade transformou-se em uma lenda atemporal, semeando a memória coletiva com a lembrança de que, mesmo nas sombras da soberba, a luz inextinguível da virtude tem o poder de prevalecer. Com o passar do tempo, a cidade transformada tornou-se não apenas um símbolo de renovação, mas também
um farol que orientava outras comunidades. A narrativa inspiradora ecoava nos corações dos habitantes, servindo como recordação constante de que a jornada para a grandeza espiritual é uma senda acessível a todos. As lições da cidade transcenderam as eras, guiando as gerações vindouras para a construção de sociedades fundamentadas nos pilares da humildade, empatia e colaboração, perpetuando assim a luz da redenção e virtude através dos tempos.
Jean Javarini
Houve um tempo em que uma diminuta vila repousava em meio a uma vastidão de floresta, abrigando em seus limites habitantes que desfrutavam de uma existência pacífica e harmoniosa. Contudo, uma sombra pairava sobre a vila, uma sombra com raízes que se estendiam por gerações: um poço enigmático, discretamente oculto no coração da floresta. A narrativa popular alegava que esse poço servia como a morada dos sete pecados capitais, um desafio reservado apenas àqueles audazes o suficiente para confrontar esses pecados, visando desvendar as camadas mais profundas de sua verdadeira identidade. É aqui que nossa história se desvela, com Daniel, um jovem imerso em um temperamento explosivo e uma raiva incontrolável. Seus frequentes embates e explosões de ira haviam alienado sua família e afastado os amigos. Em meio às ruínas de sua vida, Daniel reconhecia a necessidade premente de mudança. Em um momento de acalorada discussão com seu pai, Daniel foi informado sobre a existência do enigmático poço na floresta, uma revelação que ele enxergou como uma oportunidade única para confrontar sua ira e buscar a tão almejada redenção. Movido por uma determinação inabalável, embarcou em uma jornada solitária em direção à densidade da floresta, onde a presença do poço misterioso aguardava. No coração desse bosque encantado, deparou-se com o poço, um local mágico envolto por uma aura sombria que parecia sussurrar segredos ancestrais. Fixando seu olhar no poço, Daniel, com uma coragem recém-descoberta, proclamou a palavra "ira" em um arroubo de emoções intensas.
Instantaneamente, uma figura sombria emergiu das profundezas do poço, assumindo a forma de um guerreiro feroz, dando início a um capítulo inusitado em sua busca por transformação interior.
O guerreiro que emergiu do poço personificava a própria essência da ira, desafiando Daniel para uma guerra interna cujos campos de batalha eram os recônditos mais profundos de sua psique. O embate entre os dois desdobrou-se em uma epopeia singular, onde as palavras se transformavam em armas afiadas e a compreensão, o tão almejado objetivo. A guerra interior dentro de Daniel desdobrava-se em uma intensidade palpável, marcada por explosões emocionais e confrontos internos que ecoavam nas profundezas de sua alma. À medida que a batalha prosseguia, Daniel começava a vislumbrar a importância crucial da autodescoberta. Ele se deparava, de forma reflexiva, com sua própria imagem espelhada na ira do guerreiro, percebendo que era imperativo enfrentar suas próprias fraquezas para alcançar a redenção almejada. Além disso, a luta proporcionava lições valiosas sobre a defesa pessoal, ensejando a compreensão de como proteger seus entes queridos sem recorrer à raiva descontrolada, evidenciando que a verdadeira força reside na maestria sobre as emoções.
À medida que a batalha se desenrolava, a motivação que impelia Daniel a enfrentar suas próprias tempestades emocionais experimentava uma metamorfose. Sua resolução era agora direcionada não apenas para derrotar a ira, mas também para descobrir uma abordagem saudável na gestão de suas emoções. Simultaneamente, o guerreiro, personificação da ira, começava a manifestar sinais de empatia para com Daniel, compreendendo as raízes profundas de sua fúria. Nesse cenário transformador, a comunicação emergiu como a chave mestra para a resolução do conflito. Daniel, através de uma jornada interna, aprendeu a expressar suas emoções de maneira construtiva, enquanto o guerreiro, por sua vez, começava a ceder diante do poder transformador do
entendimento mútuo. O estresse inicial da batalha gradualmente se metamorfoseava em um estado de autocontrole, revelando que a verdadeira vitória ia além da mera derrota do adversário, consolidando-se na conquista da maestria sobre as próprias emoções.
No final, Daniel emergiu vitorioso, não sobre o guerreiro, mas sobre sua própria ira. Ele havia conquistado a resiliência para enfrentar seus demônios internos e finalmente encontrou o perdão dentro de si mesmo. Ao retornar à vila, Daniel se tornou um homem transformado, um exemplo de superação. Ele compartilhou sua jornada com os habitantes da vila, inspirando outros a enfrentar seus próprios pecados capitais e encontrar a redenção. O poço misterioso, escondido na floresta, permaneceu como um lembrete de que, mesmo nas profundezas de nossos piores pecados, podemos encontrar o caminho para a luz. A jornada de Daniel ensinou que, com coragem e determinação, a ira pode ser domada e transformada em força. A vila encontrou paz, não apenas com a floresta, mas também dentro de seus corações. E assim, a história de Daniel e a redenção da ira se tornaram uma lenda na vila, lembrando a todos que a verdadeira batalha muitas vezes ocorre dentro de nós mesmos. Com o passar dos anos, a história da redenção de Daniel e sua batalha com a ira se espalhou por toda a região. Pessoas de vilas vizinhas começaram a visitar o poço misterioso em busca de sua própria transformação. O local se tornou um ponto de peregrinação, onde aqueles que buscavam enfrentar seus pecados capitais podiam iniciar sua própria jornada.
À medida que mais e mais pessoas enfrentavam os pecados capitais no poço, a vila começou a prosperar de maneira inimaginável. A ira de muitos se transformou em motivação para buscar uma vida mais significativa e pacífica. Com a conscientização de seus problemas e o desenvolvimento de empatia uns pelos outros, a comunidade floresceu. A vila, outrora marcada por conflitos e discórdia, agora era conhecida por sua harmonia e compreensão mútua. Os habitantes
aprenderam a importância do perdão e da resiliência, e os conflitos eram resolvidos por meio do diálogo e do autocontrole. Além disso, o poço misterioso revelou uma incrível capacidade de cura. A água do poço tinha propriedades notáveis que ajudavam as pessoas a enfrentar seus próprios pecados capitais. As palavras "sete" e "pecado" gravadas nas pedras que cercavam o poço eram uma lembrança constante das lutas que todos enfrentavam.
A vila também se tornou um farol de esperança e transformação para as regiões circundantes. Os contos da redenção de Daniel e das lições aprendidas na floresta viajaram longe, inspirando outras comunidades a confrontar seus próprios pecados capitais. Com o passar do tempo, a vila floresceu, tornando-se um lugar de empatia, respeito mútuo e autodescoberta. As pessoas aprenderam a abraçar a diversidade e a compreender que todos enfrentavam desafios internos. A antiga vila, outrora assolada pela ira, havia se transformado em um refúgio de paz e aceitação.
O poço enigmático, guardião silente de tantas jornadas interiores, perdurou como uma recordação perene de que, mesmo nos abismos mais sombrios, a luz da redenção tem o poder de resplandecer. A saga de Daniel e da vila da redenção transcendeu os limites de uma narrativa singular, transformando-se em um símbolo inspirador de esperança e mudança para todos que almejavam a metamorfose interna. O progresso da vila não se restringiu apenas à prosperidade material, mas estendeu-se à riqueza espiritual, tornando-se um paradigma de superação e harmonia para todo o reino.
À medida que a fama da vila da redenção se disseminava, peregrinos de diferentes regiões do reino começaram a convergir, trazendo consigo os fardos de seus próprios pecados capitais para confrontar diante do misterioso poço. Esse ponto antes escondido nas profundezas da floresta agora testemunhava a formação de uma comunidade crescente, composta por almas determinadas a encarar suas fragilidades e, por meio desse confronto, extrair lições valiosas. O poço,
outrora velado por sombras, tornou-se o epicentro de uma jornada coletiva em direção à autodescoberta e transformação, representando um farol de esperança em meio às trevas que, por fim, atraiu a atenção e respeito de toda a extensão do reino. Ao longo do tempo, a vila floresceu ao criar um sistema de suporte sólido para acolher aqueles que chegavam em busca de redenção. Estruturas como grupos de terapia e sessões de aconselhamento foram meticulosamente estabelecidas, enquanto os moradores mais experientes assumiam o papel de mentores dedicados para orientar os recém-chegados em suas jornadas de autotransformação. Alicerçada na comunicação aberta e na empatia sincera, a vila testemunhava o surgimento de uma abordagem holística para a recuperação, onde os indivíduos que já haviam confrontado seus próprios pecados capitais compartilhavam suas narrativas e ofereciam orientação fundamentada na experiência.
O poço misterioso transcendeu seu papel inicial como local de confronto com os pecados capitais, evoluindo para tornar-se um oásis de cura e renovação. A água do poço, antes símbolo do confronto, agora adquiria uma nova dimensão em rituais de purificação, representando visualmente a transformação que ecoava na vida daqueles que a buscavam com fervor. O poço não apenas oferecia um espelho para as sombras interiores, mas também proporcionava uma fonte vital de rejuvenescimento espiritual, consolidando-se como um espaço sagrado onde a jornada rumo à redenção se entrelaçava harmoniosamente com a busca pela cura e renovação de espírito.
Conforme a fama da vila se espalhava, desafios inesperados surgiram. A vila passou a ser vista como um lugar de cura e redenção, mas também despertou o interesse de indivíduos poderosos que desejavam controlar o poço e explorar sua magia. Conflitos começaram a surgir à medida que esses indivíduos tentavam assumir o controle da vila. A vila, agora unida por sua experiência de enfrentar os pecados capitais, não estava disposta a ceder. Os habitantes estavam determinados a
proteger o poço e a manter a essência da redenção que havia transformado suas vidas.
A batalha que se desenrolou na vila da redenção não era mais sobre pecados capitais individuais, mas sobre a integridade, a comunidade e a liberdade. O poço misterioso, um símbolo de cura e renovação, era o epicentro dessa luta. No clímax da batalha, quando parecia que a vila da redenção estava prestes a ceder, uma solução inesperada surgiu. O guerreiro da ira, o mesmo que Daniel havia enfrentado no início, emergiu do poço para proteger a vila. Ele se uniu aos habitantes na luta contra os invasores e, juntos, enfrentaram a ameaça. No final, a vila da redenção triunfou, preservando o poço misterioso como um lugar de transformação e cura. A experiência de enfrentar os pecados capitais e a luta pela sua preservação fortaleceu ainda mais a comunidade, reforçando os laços de empatia, comunicação, autocontrole e resiliência que eram o cerne da vila.
E assim, a vila da redenção continuou a resplandecer como um farol de esperança, irradiando sua luz acolhedora para todos aqueles que almejavam confrontar seus pecados capitais e trilhar o caminho da transformação interior. A narrativa de Daniel e a epopeia da vila da redenção consolidaram-se como fontes perenes de inspiração, transcendendo o tempo para ecoar como um legado inspirador para as gerações vindouras. Esta história atua como um lembrete constante, enfatizando que, com coragem e determinação, qualquer pecado capital pode ser superado, e a conquista da paz interior está ao alcance de todos. Num cenário onde a paz reinava, um homem chamado Daniel desafiou sua própria raiva, alcançando a redenção ao confrontar o guerreiro da ira nas profundezas do poço misterioso, escondido na exuberância da floresta. Sua jornada de transformação tornou-se a semente inspiradora que germinou em outros corações, culminando na formação da vila da redenção. Este refúgio excepcional floresceu como um santuário dedicado à autodescoberta, comunicação e empatia,
fundamentando-se nos valores que transcenderam os conflitos interiores.
A reputação da vila como um farol de transformação não só atraiu visitantes em busca de renovação, mas também provocou desafios por parte daqueles que cobiçavam controlar o enigmático poço. Na batalha que se seguiu, a vila uniu-se solidamente para preservar seu símbolo de renovação, e o guerreiro da ira, erguendo-se novamente, defendeu incansavelmente a comunidade. A vila da redenção emergiu triunfante, mantendo viva a chama da transformação interior, reafirmando a todos que a paz e a redenção estão ao alcance daqueles que enfrentam corajosamente seus próprios demônios.
Assim, a saga de Daniel e a vila da redenção transcendeu as páginas do tempo, transformando-se numa lenda encantadora de esperança, coragem e superação, transmitida de geração em geração como um testemunho atemporal de que a jornada interior pode ser conduzida com êxito, mesmo nos momentos mais sombrios. Assim, a saga de Daniel e a vila da redenção transcendeu as páginas do tempo, transformando-se numa lenda encantadora de esperança, coragem e superação, transmitida de geração em geração como um testemunho atemporal de que a jornada interior pode ser conduzida com êxito, mesmo nos momentos mais sombrios. Que esta história inspire continuamente os corações que buscam a luz interior, lembrando a todos que a redenção e a paz são destinos alcançáveis para aqueles que enfrentam corajosamente suas próprias batalhas internas. E, nas trilhas da redenção, a vila permanece como um farol, guiando os passos daqueles que buscam o renascimento interior.
Jeanne Pipa
Jenifer é filha de um poderoso magnata, sua mãe uma requintada mulher de negócios, o pai, um milionário do jogo de bicho, dono de cassinos subterrâneos que ostenta com celebridades do mundo todo.
Raul e Helena vivem como um casal feliz. Jenifer é filha única. Uma jovem de 18 anos, estatura média, corpo definido, cabelo e olhos castanho escuro. Traça o corpo com perfeição, é inteligente, estudante de medicina, tem muitos amigos e leva uma vida feliz e cheia de oportunidades.
A família reside na cidade Alta da Itália, na ilha de Elba, em um luxuoso resort com inúmeros criados.
Entre eles tinha o filho do senhor Lino, o motorista particular de Helena, cuja esposa se chama Carmela e além de governanta, foi babá e mãe de leite de Jennifer.
Conhecido pelo apelido de Zeca, o filho cresceu com todo carinho da família e como meio irmão de leite de Jenifer eram grudados.
Tiveram infância feliz e livre pelos jardins da mansão por onde corriam e brincavam. Chegou a juventude e ambos foram para faculdade tendo sido aprovados no vestibular logo na primeira tentativa.
Jenifer passou para medicina e Zeca em administração.
Jenifer e Zeca só tiveram namoricos à toa.
Vigiada pelos pais a moça foi criada com todos os princípios morais, sem saber sobre os negócios ilícitos do pai.
Como presente de 18 anos, ela foi para o Egito e lá ficou encantada
pelas pirâmides e por um homem conhecido como faraó, que é um título de nobreza, dado aos reis com estatuto de deuses no Antigo Egito, os coptas são os descendentes mais prováveis dos antigos egípcios, porque não têm o DNA recente dos árabes e dos negros.
Era um homem exuberante, imponente e completamente sensual e muito rico.
Arão era o nome desse deus gato que lhe aparece entre as pirâmides.
Uma verdadeira visão de beleza. Alto, moreno claro, olhos verdes, e um corpo perfeito.
Os olhos de Arão atrás das lentes dos óculos, sondava todos os contornos da moça de origem egípcia.
E ela apreciou seu sorriso, respondendo com seu sorriso tímido e sem jeito.
Arão convidou a moça para conhecer a grande pirâmide de Quéops (túmulo do faraó Khufu) uma das Sete Maravilhas do Mundo.
Montados nos camelos, seguiram com ele guiando e narrando as estórias de seu povo. Em dado momento, enfeitiçados por olhares que se cruzavam, o casal decide explorar o interior daquela exuberante estrutura arquitetônica. De frente para ela sem conter seus impulsos, Arão a puxa para si com um beijo dos deuses, que loucura!
A moça completamente delicada, suspirou. Com toda elegância, ofegantes, saíram dali e voltaram ao hotel, com turma guiada da excursão, com quem ela troca conversas sobre
tudo o que viu, escondendo o que mais a surpreendeu, o beijo roubado daquele sonho de qualquer mulher.
Chegando ao hotel, ligou para seus pais e confirmou a alegria do passeio.
Zeca seu amigo companheiro, de cor clara e olhos azuis, alto e sensual, também procurou saber notícias da aventura, porém guardou pra si o ocorrido sem confidenciar ao amigo.
Horas depois, a moça prepara uma banheira para relaxar do passeio. Mergulhada naquele banho perfumado de espuma, fechou os olhos e começou a imaginar o que mais poderia ter acontecido entre eles.
No outro dia pela manhã, preparada para o passeio com seus amigos de viagem, ela não presta atenção em nada, além de procurar por aquele que mexeu com suas emoções e lhe roubou um beijo.
À noite, um lindo baile acontece, com celebridades e multimilionários do Petróleo e os maiores do mundo.
Jenifer com um vestido sensual e transparente deixa seu corpo em posição de destaque.
Seduzindo com olhares os jovens e velhos alucinados por novinhas, ela desfilou pelo salão procurando Arão.
Aquele homem teria mentido quanto a sua parentela e relação com os egípcios nobres? Porque ele não estaria ali, num evento de origem casta?
Desiludida e triste volta para hotel e arruma as malas, decidida a embarcar de volta ao amanhecer.
Quando entrou no avião percebeu que não havia passageiros, somente os comandantes e as aeromoças. Ela se acomoda, coloca o fone e se distrai ouvindo músicas.
De repente acorda de seu devaneio, e percebe a presença de um homem que veio desejar a ela uma boa viagem, com máscara e com quepe na cabeça, a deixou confusa com o que imaginou ser.
Chegando próximo do aeroporto, a aeromoça pede para que ela só desça quando for liberada pelo comandante. Respeitando a ordem, ela esperou o avião aterrizar, descer todos e aguardou.
Veio então aquele homem que a tinha abordado antes de decolar. Ele senta ao seu lado e num gesto rápido, começa a beija-la. o coração acelerado pelo carinho e a levando a ofegar e fazer seu coração pulsar além do limite dos dois, mas são interrompidos pelo alarme toca de uma chamada no rádio do avião, que soa pedindo a descida dos dois. Com as pernas bambas, eles descem encabulados e seguem para seus destinos sem trocar informações.
Zeca, seu amigo e meio irmão de leite, com quem aprendeu a beijar, estava a sua espera na sala VIP do aeroporto e ela cheia de mistério aproximou com abraço apertado.
Seguindo até o balcão de informações, perguntou sobre o comandante e descobriu que ele pilota uma viagem por mês, mas que as informações eram confidenciais e não podia fornecer o contato, só preencher formulários de reclamação se fosse o caso.
Decepcionada e sem saber como encontrar um homem que não tem rede social ela não podia fazer mais nada além de se conformar.
Chegando à ilha, já avistou seus colegas de faculdade esperando para saber das aventuras dela no Egito. O que ela iria contar, se sua cabeça não registrou nada além dos beijos frenéticos? Seus pais cheios de alegria com a chegada da filha a abraçam com muita saudade.
Passou um ano e ela, sempre atenta e dedicada aos estudos não teve vida social.
Se mantinha com os beijos no amigo que não te despertava grandes desejos.
Maior de idade e já podendo ir ao cassino do pai, ela avista Arão fazendo uma aposta, sem pedir licença e muito imponente, entra oferecendo o dobro, o homem lhe sorri, mas sem atenção no jogo, ou sem sorte ambos perderam.
A sorte no amor estava ali, os dois discretamente entram numa sala de jogos vazia e sobre uma mesa de carteado se jogam nos braços um do outro, com beijos frenéticos, que os enlouquecem. Mãos se misturam naquele jogo de sedução, o desejo tomava conta dos dois, um calor corria em seus corpos ardentes.
Disparado o celular toca e Helena preocupada, chama a filha para irem pra casa, pois já era madrugada.
Jenifer sai atordoada, sem ter como descobrir mais sobre o misterioso nobre egípcio, comandante de avião e o que mais ele pudesse ser. Ele se despede com um beijo na testa, como se para apagar todo aquele incêndio. O homem tem toda aparência e o estilo sedutor do Massimo, personagem da série 365 dias que Raissa amiga de Jenifer ficou encantada e relatou detalhes para ela e ela sem curiosidade e achando que sua amiga era exagerada não assistiu os filmes.
Jenifer então começou a se familiarizar com o ambiente do cassino e a frequentar com sua amiga e Zeca.
Pra chegar ao cassino, é preciso descer um elevador panorâmico que era um espetáculo, um ambiente riquíssimo em todos os detalhes, subterrâneo com um ar de total mistério e muita sedução, que ficava escondido como refúgio para os amantes dos jogos de azar.
Por meses Jenifer frequentou o cassino, na esperança de encontrar seu misterioso Arão, que não apareceu. Desistindo da ideia obcecada de encontrar aquele homem sedutor, ela decide seduzir Zeca.
Chegando ao seu quarto sem cerimônia na calada da noite, com um hobby transparente, ela deita ao lado dele, assustado o amigo crush das horas incertas a abraça e revela que seu amor era tão puro que nunca poderia molestar. Ele confessou que apenas a beijava para que ela tivesse carinho, por ser uma moça sozinha e que só tinha a ele para conversar.
Muito triste, ela se retira do quarto e quando percebe o choro. Como entender aquela atitude? Ele a amava muito e tinha medo de decepcionar, fugia para não se entregar a dor. Covarde talvez.
Acordou raivosa e foi andar na praia e por horas pensativas olhava o mar.
Encostada numas pedras ficou apreciando o cenário, quando alguém vem por traz e tampa seus olhos, a segura à força, a fazendo gritar, e o homem fala pra ela se entregar, e a beija quando ela então sentiu que era Arão, virada de costas e quando no céu aparece um helicóptero voando baixo e batendo palmas pra cena, ela corre para se esconder e ele some novamente.
Assustada, com receio de conhecidos da família, terem a visto naquela situação com um homem que ela nem conhecia, ela foge para casa em disparada e bate com o carro contra o muro do portão de entrada de casa.
Helena sua mãe, observando que a filha não está bem, questiona o que pode estar acontecendo, ela disfarça e sai para o quarto. O pai chega e começa a questionar o motivo da filha estar tão dispersa e chama Zeca para pedir a ele uma opinião. O rapaz jura não ter observado nenhuma mudança e pensa ser ele a causa de tudo, e se cala.
Zeca marca uma festa de amigos e colegas, que chegam para uma noite badalada, a bebida rolando solto e Jenifer incentivada por Amélia e Raissa duas mulheres liberais, lindas, descoladas e que encara aventuras. Jenifer entra nos coquetéis de frutas e descontraída dança na pista com muito molejo.
Jogadores de futebol do time brasileiro estavam no país e foram convidados a participaram do evento, as moças universitárias deliraram com tantos homens viris e bombados e cena de amor atrás das moitas do jardim . Jenifer observa Raissa se insinuando para Zeca e percebe que se retiram da festa. Ela vai atrás sem ser observada e assiste os amigos numa cena de amor. Zeca começa beijando a moça.
Jenifer então perguntou à sua mãe de leite, porque ninguém olhava para ela com desejo e revelou ser virgem. Carmela diz a moça que tudo tem o tempo certo, que ela precisa entender que sexo sem amor não seria boa experiência para perder sua virgindade, o certo seria tentar conhecer rapazes nas rede sociais dos amigos e se apaixonar. Desesperada ela ficou olhando fotos dos pretendentes, de um site de relacionamentos tentando encontrar Arão onde só tinha homens de primeira linha.
Um jantar foi dado na sua mansão para parentes e na mesa Zeca sentou.
Seu pai então promoveu o rapaz a sucessor na empresa e surpreso ele ficou contente.
Sem saber das falcatruas do patrão ele empresta seu nome para fazer parte dos negócios.
Arão se apresenta para Zeca como um empresário poderoso que realiza negócios na Itália e se chama Anubis.
Eles então seguem para o cassino e se embreagem. Zeca revela seu amor por Jenifer e conta ao rapaz que no ano seguinte, eles se formando, e saindo da faculdade vai pedir a moça em namoro. Arão pergunta porque ainda não teria feito isso.
Ele responde que tem medo por ser pobre e porque o pai dela passou uma ordem no País, de que quem se aproximasse dela morreria. Conhecendo a personalidade de Raul a rapaz se protege.
Anúbis protegido pelo nome falso, a fim de Jenifer não sabe quem está por perto, começa suas investidas em Zeca que muito inseguro, pede conselhos sobre como agir nos negócios de Raul e mostrar sua confiança e respeito. O suposto Anúbis, descobre senhas e arquivos de todo o comando do jogo de bicho.
Encontra por acaso com Jenifer e Zeca e para disfarçar, olha para os olhos cegos de Jenifer que nem percebe que Zeca o conhece.
Zeca então entra no banheiro do campo de futebol, e a moça fica em frente ao seu amado Arão novamente, ele então marca um encontro com ela e promete que vai ter tempo para se conhecerem, despede e vai embora.
Começa então a trama, com tudo nas mãos, os segredos, e corrupção de Raul vão sendo descobertos pelo rei do petróleo Dr. Arão Riveres, que estava tentando desmascarar Raul Lopes, um homem sem escrúpulos que usa Helena para ganhar fiéis convictos de sua bondade, com dízimos milionários.
Arão marca uma reunião sigilosa com seus aliados e todos da sua comitiva, para fazerem planos e tomarem de Raul as joias que foram roubadas num esquema sujo, durante uma apresentação num desfile egípcio. O influente Raul que dominou o mundo com jogos de azar e o jogo de bicho que gera fortunas por hora, controlado por computadores e sorteios milionários, uma máfia que escraviza a mente do jogador na ânsia de ganhar o prêmio. Raul colocou seus cúmplices a irem ao desfile e com trocas de carros blindados onde foi colocado as joias para irem para o cofre do museu real dos faraós entre eles as joias de Cleópatra. O plano de
invadir os túneis subterrâneos que esconde ouro de outros países, inclusive peças romanas roubadas seria finalmente atacada.
Com esquema com dia marcado, houve um imprevisto. Os programas do cassino tinham sido alterados por Zeca em momento de embriagues e estavam fazendo novos ajustes e não seria possível conseguir a tempo do ataque, novas senhas. Como iriam passar por equipamento a laser e cheio de alarmes?
Arão então encontra Jenifer e pede para ir à sua casa, certo que não encontraria seus pais, ela o deixou entrar no seu quarto e aí o envolvimento aconteceu. Nus e se olhando encantados um pelo outro, foram se tocando devagarinho.
lábios quentes dela que cansada dorme em seus braços. Ele sai do quarto e rumo ao escritório do pai, pega todas as pistas para o ataque sem atingir ninguém.
Dentro do cofre que por sorte ele havia conseguido a senha na pasta secreta de Raul, estava a gargantilha de Cleópatra. O homem se veste, beija Jenifer e sai dali sem que ninguém o veja.
Lino o motorista de Helena acordou na madrugada e ouviu barulhos. Apressado vai até Raul e comenta que observou que algumas câmeras foram desligadas. O cofre havia sido aberto sem dificuldade, quem teria entrado ali? Sinal de alerta foi enviado a todos e Zeca foi levado pelos capangas. Sem saber de nada o rapaz é interrogado com agressões e câmeras revelam que ele havia conversado com um estranho.
Anúbis, que era um empresário conhecido em seu país, foi identificado e concluíram que ele espionou o local e arrancou informações sigilosas de Zeca.
Descobriram que ele mantinha relações com a inteligência máxima do seu País.
Jenifer acorda e já fica sabendo de toda confusão e se sente usada, o que a deixa revoltada, jurando matar o homem que ela tanto amava.
Seu pai descobre que ela dormiu com Arão e a prende, acreditando que assim o homem voltaria para salva-la, acreditando na cumplicidade dos dois.
No mesmo local, Zeca é transferido para que à moça fosse protegida no pensamento do pai, que irado manda ameaças para Arão, que de longe vigiava o local. Pego por capangas num vacilo enquanto urinava, ao mesmo tempo em que vigiava a passagem secreta do cassino.
Jogaram então os três na cela até que fossem interrogados.
A inteligência do país egípcio cercou os túneis e a mansão de Raul, enquanto seus guerrilheiros estavam prontos para atacar e matar Arão. Na sela então, os dois amantes apaixonados, resolvem dar a Jenifer o amor que ela tanto queria.
Zeca ficou chocado ao saber que Arão tinha contato com ela, tentou agredir seu rival, quando Jenifer começaram então a se dedicar à ela. Com beijos ardentes, os dois entraram quase que numa disputa, para ver quem dava mais prazer à moça. E em seus ouvidos, promessas de um amor contido há tanto tempo.
Barulhos de bombas e tiros começam a se aproximar e a investida é contra os homens de Jenifer. As balas atingem e matam Arão. Jenifer ainda nua chora sobre seu corpo sem vida.
O corpo foi levado para o necrotério e congelado até serem entregues à família. Jenifer puxou a gaveta com o defunto lindo e o corpo perfeito.
Jenifer quase enlouque e com Zeca na UTI começou a visitar salas de sexo, com trizal e envolvida pra aprender a técnica do jogo, observava atenta o sexo sem lei, uma promiscuidade sem regras.
Zeca melhora e com poder nas mãos, responsável por administrar os bens da família de Raul (que acabara preso por seus crimes) ele pede Jenifer em casamento.
Os dois então na lua de mel, finalmente fazem sexo. Ele, como que para compensa-la por tanto tempo perdido, a envolve com beijos tão esperado,
Sete anos se passaram e Jenifer insaciável e não satisfeita com os prazeres proporcionados por Zeca, decide se separar e viaja para Egito, lugar onde tinha sido despertada para o amor. Entra na pirâmide dos ancestrais de Arão, onde os restos dele estavam. Como num sonho ou magia, em um silêncio sepulcral, Arão aparece e a toma em seus braços que em delírio, se entrega ao homem, louca e cheia de tesão naqueles porões frios como a lembrança que ela tinha do seu corpo morto. E some!
Achando ter sido um sonho, ele, como de costume some e ela retorna ao hotel.
Felizes e saciados, eles finalmente podem conversar e ele conta ter forjado sua morte até tudo se acalmar.
Juntos, eles viajam para Itália e ela retoma a faculdade concluindo sua formação. No baile de formatura Zeca a convida para dançar. Com os olhos atentos, Arão percebe que existe ainda alguma paixão envolvida no casal e se afasta.
Deixando Zeca no meio do salão, ela sai atrás de Arão cheio de ciúmes e propõe que eles vivam em triangulo amoroso. Embora ambos os homens tenham tido suas dificuldades em aceitar tal proposta, resolvem que não querem perde-la e aceitam dividi-la. Teriam sexo entre eles e cuidariam sempre de Jeniffer.
Os três resolveram assistir a um filme que conta uma estória de invasores galácticos e pela rede de canais aberto encontram o filme “Conto de Cristine”.
O filme é altamente envolvente faz parte da nova vivência a três. Com essa experiência eles saberão se podem compartilhar tudo.
Ao final, impactados com toda pornografia e muito envolvidos, eles se pegam de desejo ardente e saciados decidem que iriam para Grécia comprar um canal aberto e sem preconceitos e barreiras, como os ancestrais de Arão que mantinham relacionamentos parental. A DINASTIA PTOLEMAICA tinha tradição o casamento entre irmãos para manter a linhagem real.
Viveram os três em total harmonia, e tiveram seus filhos irmãos que cresceram em total união da relação de Jennifer com os dois esposos.
A mãe de Jenifer abriu uma ONG para ajudar os necessitados, o pai Raul morreu na cadeia, os pais de Zeca foram para Grécia para juntos cuidarem dos netos.
Jefferson Machado
Paris, França, 1700, ano do reinado de Luiz XIV. No coração do bairro de Marais, na vibrante cidade, erguia-se majestoso o Château d'Écouen, um castelo que personificava a grandiosidade da arquitetura renascentista. Sua imponente presença na rua Saint-Antoine atestava a sofisticação da época, capturando os olhares dos transeuntes com sua fachada ornamentada.
O palácio exibia uma profusão de detalhes arquitetônicos característicos do Renascimento, destacando-se por suas linhas elegantes, janelas adornadas com delicadas esculturas em pedra e uma entrada majestosa que conduzia a um pátio interno. As torres altivas que se erguiam nos quatro cantos do edifício acrescentavam uma dimensão vertical imponente à sua silhueta.
No interior do Château os salões espaçosos revelavam uma harmoniosa fusão de requinte e funcionalidade. Pinturas e tapeçarias decoravam as paredes, contando histórias visuais do período renascentista. Móveis finamente esculpidos, lustres suntuosos e detalhes decorativos refinados testemunhavam o cuidado meticuloso dedicado à ornamentação interior.
O castelo, além de sua função estética, também era um símbolo de prestígio e poder, tendo sido a morada de Anne de Montmorency, figura proeminente da corte francesa. O Château d'Écouen, em sua magnificência, permanecia como
um testemunho duradouro da opulência e da arte refinada que caracterizaram a Paris do século XVII.
O edifício era morada de Henri de Montpelli, um homem idoso, avarento e desconfiado, guardava todo o seu dinheiro em casa. Ele desconfiava de todos ao seu redor, inclusive de seus próprios filhos. Apesar de ostentar a grandiosidade de seu título nobre, era um homem velho cuja presença carregava consigo a sombra de sua avareza. Seus traços marcantes e enrugados revelavam as marcas do tempo, enquanto seus olhos penetrantes, frequentemente estreitados em dúvida, denunciavam a sua natureza.
Vestindo roupas que denotavam uma certa parcimônia, Henri guardava para si a riqueza acumulada ao longo dos anos. Seu castelo, embora imponente, exibia sinais de economia, desde os móveis simples até a moderação nas obras de arte decorativas. Cada moeda, meticulosamente contada, encontrava-se sob seu olhar vigilante, pois sua mesquinhez transcendia os limites comuns da prudência financeira.
A expressão carrancuda de Henri refletia não apenas a dureza de seus anos, mas também a suspeita arraigada que nutria em relação aos outros. Ele receava de todos ao seu redor, incluindo seus próprios filhos, temendo que suas fortunas pudessem ser comprometidas. Seu ceticismo perante o mundo era evidente em sua postura reservada e em suas interações, sempre calculando cada palavra e gesto.
Na solidão de sua riqueza, Montpelli guardava o tesouro de sua avareza como um dragão guardando seu covil, um homem cujo coração estava mais seguro entre cofres trancados do que entre as relações familiares.
Henri, com seus traços marcantes e olhos titubeantes, comandava a família com uma rigidez que refletia não apenas
sua idade avançada, mas também a cautela adquirida ao longo dos anos.
Claudio, o filho mais velho, destoava da severidade do pai ao se apaixonar por Mariana, uma mulher desprovida de dotes financeiros. Esse amor proibido adicionava uma dimensão de tensão à dinâmica familiar, desafiando as convenções sociais e econômicas que Henri tanto prezava. Mariana, a jovem amada por Claudio, contrastava com a avareza reinante, emanando honestidade e amor, mesmo na sombra da desconfiança do patriarca.
Isabella, a filha mais nova de Henri, tornava-se a representação da busca pela liberdade nos limites opressivos do castelo. Seu desejo ardente por independência e autodeterminação lançava uma nota de rebeldia na atmosfera controladora da casa. Assim, a família Montpelli, envolta em conflitos, amor proibido e anseios por liberdade, constituía um microcosmo onde as complexidades das relações humanas desafiavam as fronteiras impostas pela avidez e desconfiança do patriarca.
O aniversário de Henri de Montpelli foi marcado por uma festa que refletia não apenas a celebração, mas também a miséria inabalável que caracterizava o patriarca. Os filhos, decididos a proporcionar um evento memorável, organizaram cada detalhe, sem suspeitar do estratagema peculiar do idoso.
Henri, com seu olhar desconfiado, transmitiu suas instruções ao mordomo da casa de maneira clara e autoritária. A ordem era única: acrescentar dois terços de água ao vinho e servir uma sopa rala que, ao contrário das expectativas festivas, consistia em verdadeiras carcaças de frango. Sua sordidez era evidente não apenas nas escolhas dos alimentos, mas também na estratégia elaborada para economizar nos custos da celebração.
No ápice da festa, Henri exibiu sua natureza avarenta hilariantemente. Quando os convidados criticavam o
banquete, ele exclamava com satisfação forjada, apreciando o sucesso de suas artimanhas mesquinhas. A comédia se desdobrava quando o mordomo, seguindo à risca as instruções, só oferecia vinho aos convivas após serem persistentes em suas solicitações, fazendo-se de surdo às primeiras abordagens.
O evento, apesar de peculiar, tornou-se um reflexo jocoso da tacanhice de Henri, onde a frugalidade exagerada e a busca incessante por economias transformaram o que poderia ter sido uma celebração extravagante em um espetáculo de excentricidades. Os risos dos convidados misturavam-se à perplexidade diante da inusitada boda que revelava, o caráter singular do anfitrião avarento.
Em cada canto sombrio do Château d'Écouen, Henri de Montpelli, mantinha um segredo que revelava sua profunda desconfiança em relação ao mundo financeiro. A porca de madeira, guardiã de sua fortuna, acompanhava- o para cima e para baixo, uma testemunha silenciosa de sua sovinice e incerteza até mesmo em relação aos próprios filhos.
Em sua convicção de que os banqueiros eram ladrões, Henri recusava-se a confiar seu patrimônio aos cofres bancários, preferindo manter sua riqueza tangível, guardada na porca. Ele proclamava o seu ceticismo aos sete ventos, tornando-se uma espécie de mantra repetido em sua vida cotidiana. A porca de madeira, por sua vez, transformava-se em um ícone peculiar, contendo não apenas moedas, mas também o cerne da incerteza que definia a existência de Henri.
A ironia da devoção de Henri a Santo Antônio de Pádua, o santo protetor dos pobres, não escapava à atenção. Enquanto clamava por auxílio espiritual, suas ações contraditórias revelavam a complexidade de seus sentimentos em relação à riqueza e à caridade. O conflito interno entre a devoção ao
santo e a adoração à porca simbolizava uma dualidade intrigante na vida do avarento, uma luta constante entre a confiança e a desconfiança, a generosidade e a avareza. Assim, entre Santo Antônio de Pádua e a Porca, o avarento oscilava em um dilema espiritual e material, sem saber a quem verdadeiramente entregar sua devoção.
Na quietude opressiva do Château d'Écouen, Henri de Montpelli acordou repentinamente, sentindo o peso da solidão e da perda. A porca de madeira, que guardava, havia desaparecido, levando consigo não apenas moedas, mas também a sensação de segurança material que tanto prezava. O desespero tomou conta do patriarca, que, em um misto de raiva e angústia, ecoou seu lamento pelas vastas paredes do castelo.
Ao vasculhar a mansão, Henri percebeu que sua filha, Isabela, o mordomo e até mesmo seu filho, Cláudio, haviam fugido com a preciosa porca. A traição familiar feriu o avarento, que se viu abandonado por aqueles de sua própria casa. A ironia cruel da situação trouxe à tona uma verdade amarga: na busca por proteger seu tesouro material, Henri perdera o verdadeiro tesouro da vida, a conexão humana e os laços familiares.
Foi nesse momento de desolação que Henri, sozinho em sua mansão vazia, encontrou consolo nos ensinamentos de Santo Antônio de Pádua. A figura do santo, protetor dos pobres e defensor da caridade, passou de uma mera devoção a uma fonte de iluminação espiritual. Na amargura da perda material e da solidão, ele compreendeu que o verdadeiro valor estava nas relações humanas, na generosidade e na caridade, princípios que ele havia negligenciado por tanto tempo em nome da avareza.
Assim, na calma resignada do Château d'Écouen, Henri de Montpelli encontrou a redenção espiritual. A fuga de seus
entes queridos com a porca revelou a ele a importância de onde verdadeiramente guardar o coração, não em cofres de metal, mas nos vínculos afetivos e nos valores altruístas que permeiam a verdadeira riqueza da existência.
Em qualquer época que fosse, desde os tempos das cavernas quando os primeiros hominídeos começaram a formar grupos de no máximo trinta pessoas, havia a eleição de um líder, avaliado pela força, habilidade de caça e alguns estudiosos até dizem que em sua maioria eles tinham algo em comum: o tamanho. Os líderes eram sempre os maiores, que o corpo armazenava mais energia e atraiam mais mulheres por ser um parceiro cheio de vitalidade, ou a conhecida gordura extra.
Essa era a explicação nojenta que meu pai, um homem evidentemente obeso, me dava para explicar o porquê ele tinha que comer mais na hora das refeições. Empilhando em sua imensa pilha de arroz, feijão e bife algumas batatas roubadas do prato de meu irmão mais novo. O pequeno já havia deixado algumas gotas de saliva caírem nas batatas antes que nosso pai as pegasse, mostrando o quanto estava faminto, mas ao mesmo tempo restrito as regras do líder da casa.
Quando nossa mãe chegou com um prato fundo quase tão grande quanto o de nosso pai, sentando-se na mesa ao lado dele e tirando o único e diminuto bife que havia em meu prato, estávamos permitidos a comer. Era uma velha regra, talvez tão antiga quanto a época dos hominídeos em que era necessário todos estarem na mesa para a refeição se iniciar.
Outra regra era, os adultos têm prioridade em pegar a comida, pois são maiores, vão a caçadas exaustivas ou coleta de alimentos, o que no caso nos tempos de hoje foram mudadas para uma caçada de reuniões no computador em home-office
e a coleta de alimentos era feita através de aplicativos com comidas baratas e calóricas. E quanto as crianças da casa nós tínhamos que desenvolver nossas habilidades observando os adultos derramando meio pote de manteiga em uma frigideira para fritar as o torresmo e tomar uma cerveja.
Até então os únicos momentos de prazer que nossos pais tanto se deliciavam e nos enalteciam eram através das brigas para lamber a panela que derreteram o chocolate para o filme de adultos que se trancavam no quarto, os toques da doçura era raros e nos faziam fechar os olhos em deleite, as queimaduras de gordura quente ao ficar perto do fogão com mamãe cozinhando bacon, ao lamber as bolas vermelhas na pele sempre acompanhadas de um delicioso cheiro vinha o salgado que derretia na boca.
Sempre que olhava meus pais sentia horror e ao mesmo tempo deleite. Horror em pensar que não me encaixaria mais nos padrões de beleza que eu tanto gostava e admirava nos aplicativos, mostrando sempre uma cintura fina, pernas finas e sem veias estouradas, sem papada no pescoço, rosto fino e com bochechas rosadas apenas de maquiagem, não por ter comido um delicioso chocolate quente com caramelos extras e marshmallows. E deleite por pensar que quando fosse adulta, ganhasse meu próprio dinheiro e morasse em minha própria casa, eu poderia comer o que quisesse sem ter alguém que tirasse a comida do meu belo e saboroso prato de comida com suas mãos gigantes e gordurosas, cheias de sabores nos dedinhos gordurosos que causavam outra sensação na comida.
Na escola e depois na faculdade meu corpo era invejável por todos que o olhassem, o padrão estético perfeito do saudável, sendo sempre questionada se eu e meu irmão não éramos adotados, já que diferente de nossos pais com obesidade que nem saiam de casa, nos éramos lindos. Depois de cinquenta
salários que recebidos, pude finalmente sair de casa e ficar e ir para um apartamento.
Finalmente a liberdade de morar sozinha havia sido alcançada, eu tinha um emprego, estava na faculdade, tinha um apartamento só para mim onde ninguém poderia mandar em mim, o sonho de adolescente padrão de internet havia sido realizado. Mas aquilo não me satisfazia, nem de longe as coisas de listas de realizações banais estavam dando certo. Foi então que naquela cozinha suja e sem vida me lembrei do meu presente de aniversario de dez anos: um hamburguer com batata frita.
Aquilo havia sido o ápice da satisfação da minha infância, antes do conselho tutelar descobrir que eu e meu irmão estávamos desnutridos e com o colesterol alto devido as migalhas gordurosas de meus pais. Mas ali naquele momento de desejo eu os entendia.
Abri o aplicativo e pedi um hamburguer com batata frita, sentei-me no sofá encardido de gordura corporal de outras pessoas que moraram naquele apartamento, tamborilando os dedos no encosto em expectativa, olhando a atualização do trajeto a cada dez segundos. Me anestesiando vendo na televisão a deliciosa preparação de um concurso de churrasco, derramando os temperos, pincelando os molhos e deixando a carne cozinhar em seu próprio vapor delicioso, cada pingo da gordura que chiava ao cair no fogo causava um arrepio ao chefe churrasqueiro e em mim.
Ele estava ali para ganhar e deixava a carne o mais macia e suculenta possível. Nem sei como fui parar naquele programa, mas sabia que agora queria uma boa carne para compensar pela saliva que deixei pingar no chão. Abro o aplicativo de novo e peço um delicioso filé mignon em outro restaurante, já que a espera do pedido estava demorando uma eternidade.
Enfim a campainha toca, corro o mais rápido possível pelas escadas e encontro o entregador, segurando sete sacos de hamburgueres com batatas fritas e uma garrafa de refrigerante de cortesia por ter feito uma compra tão grande. Aquilo não estava certo, mas quando olhei o aplicativo percebi que havia confundido o número um com o número sete devido a uma mancha de suor que borrou a tela. Logo o outro entregador chegou com sete filés, refrigerante e um doce de sobremesa.
Ao olhar a conta senti que deveria estar chorando, pois havia esgotado o dinheiro reservado para comida equivalente ao mês todo. Mas olhando aquilo tudo e vendo a televisão minha barriga começou a roncar, a cada mordida e gole de refrigerante era como uma orgia de sabores em minha língua. Ali naquele sofá com minhas entregas de comida eu não ligava para mais nada, nunca mais iria deixar de me privar do prazer.
Kássio Barreiros Paiva
Conta-se uma lenda que quando Deus estava criando a nossa casa, o nosso mundo, nosso planeta Terra.Elefez o céu, o sol, o dia, a noite, as montanhas, as planícies, as florestas, os desertos, a lida era muito grande, ainda não havia terminado. Pois sabia que muitas coisas teriam que ser feitas, estava muito feliz com o seu progresso nessa criação, essa imensa alegria estava estampada em sua face, cada obra feita, era motivo de muito orgulho!
Foi então que Eleparou um pouco para descansar, e num momento de tristeza, percebeu que não seria só o bem moraria ali, mas o mal, infelizmente também iria habitar, o precioso planeta que estava sendo criado. Os dois dividiriam o mesmo espaço, o bem sempre teria que enfrentá-lo, para que ele não tomasse conta de tudo, não contaminasse o mundo recémnascido...
Então, uma lágrima escorreu do seu rosto, com tanta dor e sofrimento, que ao cair na terra, criou uma nascente, um pequenino veio d'água, a princípio era um fino fio d’água a brotar do solo, que depois foi se avolumando, e ganhando forças, até se transformar em um pequeno córrego, depois num rio, ainda mais forte e caudaloso, foi descendo pelas rochas, virando uma enorme cachoeira. Com sua força aumentou o leito do rio, que se transformou em mares e oceanos, tamanho era o volume de água, que surgiu de uma simples lágrima do Criador!
Porém, a cada tristeza que sentia, mais lágrimas caiam de sua face, aumentando mais e mais a quantidade de água que tomava conta da Terra. Por isso que o nosso planeta tem mais
quantidade de água do que de terra, 97,5% é de água salgada, que são os mares, oceanos, onde Deus colocou os mais coloridos, e diversos tipos de peixes, dos minúsculos, quase invisíveis, como o cavalo-marinho pigmeu , com apenas 2 centímetros, até a imensa baleiaazul , que chega a medir 30 metros, e pasme, ela se alimenta só de krill , um pequenino crustáceo.
Sobrou 2,5% de água doce, sendo lagos, cachoeiras, e os rios, onde Deus nos presenteou com peixes saborosos para a nossa alimentação, alguns tão frágeis, e pequeninos que vivem em aquários. Como você pode perceber Elepensou em tudo, para o nosso bem-estar!
Mas esse mundo precisaria ser habitado por alguém, Deus teve a brilhante ideia de criar o “Homem”, o ser humano, a sua imagem e semelhança! Deu a ele inteligência para cuidar do planeta, e não deixar nada destruí-lo. Pois Eleo estava criando com muito amor e dedicação, para ser inteiramente desfrutado por nós humanos, totalmente livre de impostos, grátis,0800.
Como esse homem estava sozinho, vivia triste pelos cantos, não tinha disposição para nada, estava totalmente desanimado, quase não se alimentava, Deus decidiu então criar a “Mulher”, uma companheira para ele, formavam um par perfeito. Hoje em dia diríamos que era um casal de novela, ou de filmes românticos, “deu match”. Viviam muito felizes, era tanta felicidade que não cabia neles, mas nem tudo era perfeito, e essa felicidade toda já estava incomodando a vizinhança. Qualquer semelhança com a nossa realidade, é certeza mesmo, não é só coincidência...eles começaram a sentir na pele o pecadodainveja...
Um belo dia, numa linda macieira, conhecida como a “Árvore doconhecimentodobem edomal” , cheia de deliciosos, e suculentos frutos, vermelhos, brilhantes, que dá vontade de comer só de olhar. A boca salivava tanto que babava. Porém, esse era o único fruto, que era totalmente proibido por Deus, porque nele habitava o pecado e a tentação!
Nessa árvore tinha uma serpente enorme, ardilosa, sua pele era verde e dourada, com voz sedutora, quase que hipnotizando disse para a mulher:
— “Eeeeiiii,pssssiiiiiuuuuuu,minhaquerida,vocêaindanão comeudessasaborosafruta!Porquê?
— Prove!Éumadelícia.Onomedelaémaçã,
Vocênãoirásearrepender”!Eaindaporcima,emagrece...”
Essa serpente tinha uma excelente lábia, melhor do que qualquer “call center” que a gente conhece. Conseguiu convencê-la muito rápido. O que foi uma pena!
Assim que a mulher provou da maçã, gostou tanto do seu sabor, que a cada mordida que dava, sentia escorrer o caldo daquele delicioso fruto proibido, pois ela era molhadinha, suculenta mesmo. Impossível resistir! Considerando também que ela cometeu um pecado capital: a gula!
A mulher tinha todas as espécies de frutas a sua inteira disposição, apenas uma que era proibida, a danada da maçã, por não conseguir se controlar, pois tudo a perder por causa de uma vontade desnecessária, sem ao menos pensar nas consequências desse ato, ela cometeu outro pecado, a soberba...achando que não sofreria nenhum mal...
Ela era totalmente sentimento e paixão, e não satisfeita de somente ela comer daquele fruto, ofereceu um pedaço ao marido, que era pura razão. Usou com ele a mesma lábia da serpente, dizendo que poderia comer sem problema, sem culpa, que não faria mal nenhum. O homem disse que não deveria comer, que aquele era um fruto, que Deus proibiu, sendo assim, teria que respeitar essa Lei. Como você pode perceber, desde os primórdios até os dias atuais, a mulher tem poder de convencimento e persuasão, então, o marido a obedeceu, e comeu...
Daí tudo mudou, o céu escureceu, o dia virou noite, raios e trovoadas os assustaram, passaram a se sentir estranhos, com vergonha um do outro, perderam toda aquela inocência que tinham. Eles viviam nus, livres, como nasceram, sem nada cobrindo seus corpos, não havia malícia nenhuma, pois não conheciam o “pecado” !
Ao se verem naquela situação, correram para achar algo para cobrir suas partes íntimas, pois já não se sentiam à vontade desnudos. Procuraram em todos os cantos perto de casa, acabaram achando uma parreira, comeram algumas uvas, e com as suas folhas se vestiram. Dali em diante, a vida deles se transformou, uma sementinha do mal, foi plantada em seus corações, e isso causou muitos estragos, que estamos vivenciando até hoje...
Esse mal foi se alastrando por todo o mundo, aumentando ainda mais a tristeza de Deus! Ele não merecia essa traição, depois de ter dado ao homem, um lugar lindo para morar, sem cobrar nada em troca, um verdadeiro paraíso.
Eles viraram então “pecadores”, meros mortais, sujeitos a todos os tipos de doenças e pragas, tudo de bom que eles possuíam, agora não tinham mais, pois não cumpriram com a única condição que Deus impôs a eles. Que era de “nãocomer dofrutoproibido”!Deus queria com isso testar em sua criação, despertando o direito de escolha, de saber o que é bom ou mau, certo ou errado de se fazer, o livre-arbítrio para viver feliz, e em paz. Só que esse livre-arbítrio foi usado de forma errada, que prejudicaria para sempre o rumo da nossa história.
Após esse episódio, todos os que vieram da união do primeiro homem, e da primeira mulher passaram a ter essas dúvidas, seus filhos, e os filhos dos seus filhos, passaram a ter hesitação, passaram a ficar indecisos com o que devem ou não fazer, o que agradará ou não a Deus.
Atualmente vivemos o reflexo dessa desobediência, todos os dias enfrentamos situações que nos fazem decidir qual caminho escolher. E nem sempre escolhemos o certo...
Também serve de exemplo para mostrar como é importante, que as crianças sejam obedientes aos seus pais, pois, assim como Deus, eles sabem o que é bom ou ruim para elas, eles só querem o bem, só querem proteger de todo mal que existe no mundo! A criança é a única, e última esperança de dias melhores...
Após contar essa história, acariciando os cabelos da netinha, o avô deu um beijinho de boa noite em sua testa, ajeitou as cobertas, apagou a luz do abajur, e já estava de saída, quando ela perguntou: “Vovô,queméDeus?”
Ele se sentou na beirada da cama, acendeu novamente o abajur, e calmamente respondeu:
“Um grande poeta, amigo meu, durante uma longa e filosóficaconversa,medisseque:
—“Deuséumavelha,feitaderugas,multimilenária,elaécega, totalmentecega,umatecelãqueteceàsavessas,sóelasabeo queestásendobordado.Porsercega,nãolhedãocrédito, Alinhadessebordadoéanossavida.Quandoaagulhatocao tecido,eofere,chamamosissodesofrimento, Oquesairádessebordado?Éprecisoterféparaconfiar...
Então,eudisse:—QueDeusestáemtodolugar, Nocabodaenxadaquearaaterra,namãoquesemeia,
Norioqueencharcaochão,quegerminaogrão,queserá nossopão.
Deustambémestá,namãoqueacolhe,enuncaescolhe,quem vaisocorrer,nãotemdiferença, Sesoueu,ouvocê.
Sevocêprocurar, Deusiráencontrar, Numsorrisodecriança,
Quedetãoinocente,acreditaemgente, Quenãotrazconfiança.
Deuséomuito,éopouco, Éosão,éolouco, Éocerto,éojusto.
Nãocondena,quemerra, Emseulivre-arbítrio.
Deusnãotemcor,
Seébranco,amarelo,afrodescendente.Deuséagente!
Masseaindanãosouber,ondeDeusencontrar,
Procurenumlugar,ondeElemaisgostadeficar, Nãousearazão,Deussempreestá...
Emseucoração.Bastaacreditar!”
Quando terminou de falar ela já estava dormindo, mas bastou o ranger da cama quando ele se levantou, para fazê-la despertar, e imediatamente pedir uma nova história, mas teria que ser uma que a heroína fosse uma menina como ela, seu avô coçou a cabeça, pensou um pouco, e resolveu adaptar uma história que já era manjada demais, só que agora numa versão mais atualizada, diríamos repaginada, se ajeitou novamente na cama ao lado da neta, e começou, era uma vez.... uma princesa preguiçosa.
Luca Vianna Zulato
Vivia uma vida abjeta. Nunca se importou em ter alguma companhia, além de sua própria solidão e sempre demonstrara enorme indiferença perante o mero vislumbre de se relacionar com alguém. Talvez não dissesse a si mesmo que, dessa forma, levasse uma vida feliz, mas sempre tivera a impressão que qualquer outro caminho que seguisse seria muito pior.
— Apenas acho que os outros só trazem problemas — Disse ele em uma das raras ocasiões em que se sentara para conversar com alguém, ao que o outro indagou:
Mas como você sabe disso se nunca deu chance a ninguém?
A conversa acabou aí. Algo no seu semblante passava a impressão de que sua postura não precisava se justificar, como se o interlocutor, tamanha a sua ignorância, não fosse capaz de compreender as razões de sua atitude. Provavelmente nem ele saberia explicar, tamanha a complexidade dessas razões, mas ainda assim cultivava aquele ar de desprezo e superioridade muda contra aquela pergunta legítima.
A verdade é que não havia complexidade alguma. Isolou-se a vida inteira, desde os tempos colegiais, pelo simples medo injustificado dos outros, que, evidentemente, sempre levaram a culpa pelo seu auto-exílio. Alguns anos mais tarde, descobriu que esse isolamento poderia ser substituído pelo rótulo patético de “auto-suficiência”. O medo continuava a existir, mas agora era justificado.
Seu maior objetivo de vida havia sido conquistado recentemente. Obtivera um aumento no seu mísero emprego
de bancário e agora conseguia se sustentar em uma dessas kitnets mal-frequentadas das ruas comerciais da Asa Norte. A fumaça a que se sentia fortemente o odor e o vai-e-vem diário de diferentes mulheres no apartamento vizinho, que hora ou outra era seguido por aquela gritaria falsa que poderia facilmente ser confundida com uma agressão – e talvez deveras fosse – em nada incomodava sua atitude solipsista. Sentia-se pleno em sua solidão e, mesmo que desde que conseguira dinheiro suficiente para pagar o aluguel não tivesse mais nenhuma grande meta em sua vida, a sua rotina que se resumia a ir ao trabalho, à faculdade durante a noite e voltar para casa parecia ser a realização máxima a que ele poderia almejar e, de alguma forma, sentia-se bem com isso.
Seu dia-a-dia na faculdade seguia a mesma tônica, porém uma certa tentação oferecia algum tipo de distúrbio em sua monotonia. Havia em sua turma uma colega a quem desejava incessantemente, ainda que não houvesse trocado nenhuma palavra a não ser um tímido “boa-noite” que ele regurgitava em sua mente, como se aquela memória lhe trouxesse um sentimento muito mais profundo que uma simples cordialidade merecesse. Ainda assim, qualquer que fosse o afeto que aquele par de coxas lhe trazia, ele quase instantaneamente se convertia em uma raiva contida contra aquela figura, em um misto de tesão e ódio que entravam em conflito.
Uma bela gostosa falava de si para si Mas parece uma tremenda vagabunda – pensava logo em seguida, e, quando algum amigo ou qualquer figura masculina se aproximasse da moça e a fazia sorrir, ele chegava à conclusão mirabolante: Definitivamente, uma vagabunda.
Certa noite, após voltar da UnB, via-se, como é de se esperar, sozinho em seu apartamento, porém sem a menor vontade de dormir. A imagem da sua colega de classe tomou posse de seus pensamentos e arrebatou-lhe com uma excitação súbita. Pensou em mandar alguma mensagem para ela naquele
momento. Chegou a encarar a foto dela no contato do celular por alguns minutos, pensando se tentava alguma investida, nem que fosse tão simples quanto aquele “boa noite” que ele guardava em sua lembrança como a epítome de sua vida amorosa. Depois de algum tempo, desistiu, mas sua excitação não passou.
Após um bom tempo esfregando as mãos nos olhos, como se tentasse apagar a imagem da colega, decidiu entrar em um desses sites que movimentam a economia noturna da Asa Norte. Depois de muito procurar pelas fotos alguma garota que pelo menos lembrasse o corpo ou o rosto da mulher pela qual era apaixonado, finalmente achou uma que lhe agradava. Mandou mensagem àquela moça da vida, que não tardou muito a responder. Após concordarem com os detalhes contratuais, dos quais não perderei tinta descrevendo, a mulher passa o endereço, algum lugar assim e assim em algum canto sombrio da W3 Norte.
Eu preferia que você viesse aqui em casa disse ele
Mas aí fica mais caro, meu amor respondeu a mulher naquela falsidade típica tanto da sua profissão quanto da dos juristas, seja lá qual for a diferença entre elas.
— Tanto faz, eu pago — Disse ele, ao que a garota concordou, e foi de prontidão.
Quando ela chegou, as mãos dele tremiam de nervosismo. A moça, mesmo com pouca experiência, tanto de profissão quanto de vida, percebeu, e tentava acalmar seu cliente da forma mais gentil que seu talento de jovem atriz permitia.
Relaxa, meu anjo. Sussurrou ela com uma voz doce É sua primeira vez?
— Não — Respondeu ele em uma voz tão falha que não convencia nem a si mesmo.
A moça o empurrou no sofá da sala, como que tentando imitar aquelas cenas ridículas de filme, e passou as pernas em volta dele, já sentado, enquanto beijava-lhe o pescoço, na tentativa de deixá-lo à vontade com sua presença.
O rapaz suava frio, tremia as mãos. Seu sangue fervia, mas não de desejo, e sim de ódio. Ódio por aquela mulher, nojo pela sua ideia estúpida de tê-la chamado e um desprezo profundo pela colega de faculdade que o tinha colocado naquela situação. Quando a moça tentou tirar-lhe a camisa, o rapaz afastou-a de cima dele, empurrando-a para o lado do sofá.
JÁ
Gritou em sua explosão VAI EMBORA, VAGABUNDA!!!
A mulher, assustadíssima com aquela cena, apanhou suas coisas e saiu em disparada do apartamento, sem nem pensar em seu honorário.
O rapaz continuou sentado no sofá, com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos no rosto e a respiração entrecortada, palpitando. Seu desespero foi interrompido por um estrondo que ouvira do lado de fora. Quando olhou pela janela, apenas viu a multidão que estava espalhada pelos bares da rua comercial se reunindo perto da faixa de pedestre.
Desceu correndo as escadas e se acotovelou para ver através da aglomeração que se formava. Quando conseguiu chegar à fileira da frente dos espectadores, pôde ver o corpo da garota que acabara de sair de sua casa estirado sobre uma poça de sangue e o motorista que a atropelou falando ao telefone, em desespero. Olhou no fundo dos olhos daquela figura inerte e teve um devaneio ao imaginar a sua colega de classe ali. Em meio a todas aquelas faces pálidas que assistiam àquele espetáculo trágico era possível ver um sorriso destoante. Pela primeira vez podia-se dizer que sentia algum desejo pela vida. Pela primeira vez podia-se dizer que amava um outro ser.
Luca Vianna Zulato
Não existe nada mais deprimente do que igreja evangélica!
Postulou Daniel efusivamente ao seu ouvinte enquanto levava o copo de cerveja à boca.
Ora, essa! Dizimar o salário do pobre é uma atitude reprovável, mas não sei se concordo com o “deprimente”. Nas poucas vezes em que eu fui, quase voltei de lá surdo. Diria que é um lugar bastante agitado... Respondeu o amigo que o acompanhava na mesa do bar.
— Não é a isso que me refiro. Veja bem: entre em qualquer igrejinha católica, qualquer uma, seja na Sacre Coeur em Paris ou em uma bem simples no interior do interior de algum canto do nordeste. Toda decoração, as pinturas, vitrais, velas, crucifixos te fazem sentir perto de algo maior, ainda que esse algo não exista! É notório o esforço que fazem para você se sentir acolhido sem ter que ouvir uma palavra sequer do sermão! Já na igreja evangélica, vá lá ver se há algo que te atrai naquelas paredes brancas que te obrigam a ficar duas horas tentando buscar alguma esperança naqueles gritos histéricos do pastor! É um ambiente que de tão vil beleza poderia se chamar de burocrático!
Nunca tinha olhado por esse lado. Disse o amigo, intrigado com a fala de Daniel Mas acho que eu não tenho muita referência de igreja católica a não ser a Catedral.
— Ora, nem me fale nessa! Essa é a exceção à minha regra! Se Deus está morto, o túmulo é na Catedral de Brasília! A única igreja católica que consegue ser mais deprimente que qualquer máquina de lavar dinheiro do Edir Macedo!
Tão inteligente, mas fala tanta besteira Conclui por fim o amigo para não ter que ouvir mais dessas afirmações mirabolantes.
As máximas da qual se servia Daniel vinham de seu estilo de vida excentricamente paradoxal. As noites, gostava de passar tal como a descrita, perambulando pelos bares de Brasília, proclamando a ermo filosofias das quais jamais creu a quem quer que o acompanhasse. Porém, aos finais de semana, geralmente no final da tarde, poderia facilmente ser encontrado sentado no banco de alguma igreja nas entrequadras da Asa Sul, observando as paredes e, por vezes, folheando a Sagrada Escritura para relembrar daquelas histórias que para ele não significavam nada, mas que, de certa forma, o entretinham.
O mais curioso era que nunca havia assistido a uma missa. Tinha decorado de cor os horários em que começavam, justamente para se entregar ao prazer de contemplar o silêncio daqueles salões quase totalmente vazios durante os contraturnos. “Missas são o que há de mais profano na igreja”, volta e meia dizia.
Em uma dessas tardes de domingo, pegou-se mais distraído do que de costume enquanto lia uma dessas passagens mais do que repetitivas em que se afirma que todos são pecadores e estão destituídos da glória de Deus. Achava isso tudo ridículo. Não se via como um pecador, não enxergava nenhuma atrocidade metafísica nas suas atitudes corriqueiras do dia-adia. Aliás, em tudo que via algo de metafísico tinha a plena certeza de que se tratava de uma ilusão pela qual se morre e se mata sem razão. Porém, mesmo não crendo em uma palavra do que lia, confortava-se com aquelas palavras por alguns minutos, como quem se contenta com o aconchego da ilusão efêmera mesmo tendo conhecimento do sangue do qual ela é feita.
Sua leitura foi interrompida após ter sentido uma mão tocar em seu ombro. Ao olhar para quem o interpelara, deparou-se
com uma belíssima mulher que aparentava a mesma idade que a sua, branca, de olhos mansos, rosto simpático, e de longos cabelos negros que combinavam com a ausência de cor do seu vestido, que possuía uma saia longa que ia até os calcanhares e cobria os braços, mas que, paradoxalmente, era bastante justo em seu busto, o que deixava escapar uma beleza sacrílega que contrastava com o crucifixo que pendia um pouco acima.
“São esses decotes que me fazem suspeitar que Deus realmente exista”, pensou Daniel no momento em que se virou, num lapso que veio acompanhado de certa culpa.
— Pois não — Disse após ter olhado alguns segundos para o corpo da mulher, que o encantava pela sugestão da heresia em meio a uma aparência imaculada.
— Desculpe incomodar a sua leitura — Disse a mulher em uma voz dócil – Mas é que eu sempre te vejo sentado por aqui antes da missa, mas você sempre vai embora um pouco antes dela começar. — Ela fez uma pausa como se esperasse uma explicação para a sua constatação.
Sim... Começou Daniel, tentando elaborar alguma justificativa para aquele comportamento que ele reconhecia ser peculiar, ao mesmo tempo em que se espantava com o fato de nunca ter reparado a presença daquela inebriante figura em suas visitas silenciosas àquele templo. – Eu gosto de sentar aqui e ler um pouco, mas não gosto muito de ouvir o sermão.
Poxa, uma pena Respondeu a moça que se inclinava de forma insinuante no banco onde Daniel estava sentado, mas com a mesma delicadeza na voz. — Eu costumo assistir à missa sozinha também. Pensei se você não gostaria de me acompanhar essa noite, talvez eu faça você gostar mais dos sermões.
Daniel achava aquilo tudo confuso. Embora não achasse verossímil que fosse tentado por uma mulher de igreja, os gestos e olhares da moça faziam-no ter a sensação plena de que existia um desejo oculto naquele convite. Pensou em recusá-lo
em um primeiro momento, quase que por um respeito ao local em que se encontrava, mas, ao olhar para o rosto dócil da mulher, lembrou que não devia respeito algum, e concordou com a proposta.
Como se chama?
Rebeca. E você?
Daniel. Então, que horas começa a missa?...
Alguns minutos se passaram até que a igreja enchesse e a missa começasse. Os fiéis que ali estavam ouviam o discurso do Padre sobre buscar o perdão dos seus pecados, que Daniel considerava, novamente, tão repetitivo e estúpido quanto qualquer coisa que remetia às histórias bíblicas. Na realidade, nada chamava tanto a atenção dele quanto o colar com Cristo pendurado acima dos seios de Rebeca, que estava sentada à sua esquerda e olhava para frente a todo o momento. “Hoje espero estar contigo no paraíso”, ironizava para si mesmo enquanto mirava o pingente.
Após intermináveis horas de cerimônia, ao fim da pregação, Rebeca andava ao lado de Daniel, que caminhava até seu carro no estacionamento que ficava atrás da igreja.
— Gostou? — Perguntou Rebeca durante a caminhada.
Ah... Exclamou Daniel, que prestava atenção na moça, mas não ao que ela dizia. Acho que sim, o padre fala bem. Disse na ausência de comentário melhor.
— Concordo, gosto muito dele. Escuta, você poderia me dar uma carona para casa? Eu moro aqui perto — Disse ela, sorrindo docemente.
Claro! – Respondeu o rapaz com um entusiasmo que ele gostaria que não houvesse escapado — Pode entrar — Disse, enquanto abria a porta do carro para Rebeca.
Nem em seus melhores sonhos Daniel poderia antever o que aconteceu. Logo após sentar-se no banco do motorista, o rapaz sentiu a mão da mulher ao seu lado puxando-lhe o pescoço e promovendo o encontro de seus lábios. Daniel olhou para o estacionamento não muito movimentado, depois para a Igreja, como se agradecesse que sua prece tivesse sido atendida. Porém, no fundo sabia que o que se consumou a seguir não passava da vil luxúria que não poderia ser atribuída como obra de quem habita aquele templo. Ainda assim, sendo esse pecado obra de qualquer criatura que fosse, Daniel desfrutoulhe sem a menor culpa.
Uma semana se passou desde esse ocorrido, que o rapaz vangloriava perante seus amigos como um iluminado que passou por uma experiência sobrenatural. Mostrava as conversas que manteve com Rebeca durante a semana como uma prova contra a incredulidade de seus interlocutores. Em sua vida, nunca havia ansiado tanto pelo dia em que Deus descansara.
No domingo seguinte, perto do mesmo horário, estava novamente na mesma igreja. Olhava em volta do salão, procurando por Rebeca, mas não a encontrou, o que fez com que ficasse aflito depois de certo tempo. Alguns minutos antes da missa começar, Daniel recebe uma ligação da moça e, com um sorriso no rosto, sai do recinto para atendê-la.
— Você não vem hoje? — Perguntou Daniel, após saudá-la.
- Hoje não. Na verdade, eu só te liguei para lhe dizer que meu marido descobriu nossa conversa… - Houve um breve silêncio - ...e disse que vai até a aí para te matar. Se eu fosse você, iria embora correndo.
Daniel emudeceu por alguns segundos, em choque. A calma com que a moça havia feito o anúncio soava como um tom de piada para ele, mas, embora a voz acalentadora da moça em nada condissesse com a sua fala, ele sabia que ela falava a verdade.
Então você é casada?
Sim, com um policial militar.
E você não se culpa por tê-lo traído?
— Mas por que eu deveria?! Todo mundo trai hoje em dia. Achei que eu pudesse me divertir um pouco com você.
— Então eu fui só um brinquedo para você?
Alguns segundos de silêncio antecederam a fala de Rebeca, que, ainda com a mesma serenidade de um ser sem alma, quase com certo desprezo, perguntou:
— Você não espera que eu peça perdão por isso, né?
Daniel nada mais disse após a indagação. Desligou o celular e, calmamente, apesar do que lhe fora recomendado, voltou para dentro da igreja e sentou-se na última fileira.
Alguns minutos depois, o sermão do padre fora interrompido pelo estrondo das grandes portas de entrada da igreja sendo escancaradas por um homem carregando uma arma exposta no coldre da cintura. Enquanto todos ali olhavam assustados para o homem, Daniel admirava, hipnotizado, as imagens sacras nas paredes.
Lucas Gelati
Julio abriu os olhos e se espreguiçou. Após um bocejo, ligou o abajur e sentou em sua cama. Uma visão curiosa tomou seu interesse: ao lado oposto da sua cama de coberta azul, se encontrava uma cama de coberta rosa. Igualzinha a sua, exceto pela coberta. Não teve muito tempo para refletir, pois sua mãe logo o chamou.
Julio, venha logo almoçar! A Julia já está aqui.
Quem era essa tal de Julia, ele não tinha ideia, mas o garoto de nove anos sabe que ser chamado para almoçar não era um pedido a ser recusado, e saiu correndo. Desceu a escada, cruzou a sala e olhou para a cozinha. Viu sua mãe, Aurora, dando os toques finais em uma travessa de macarrão, e uma garota sentada na lateral da mesa.
A garota tinha cabelos castanhos, como os dele, e olhos azuis, também como os dele. Na verdade, tinha uma semelhança considerável com ele, exceto pelos cabelos um pouco mais longos e um laço rosa.
— Ora ora, olha quem nos honra com sua presença! — disse sua mãe num tom animado, enquanto colocava queijo ralado sobre o macarrão.
Notando sua inquietude, perguntou se estava tudo bem. Julio apontou para a garota, e perguntou:
Quem é essa?
Sua mãe fez uma cara confusa, e respondeu:
É a sua irmã.
Preocupada, Aurora pôs a travessa na mesa, se abaixou ao seu lado, e pôs a mão em sua testa.
— Está tudo bem? Você parece pálido, eu vou te dar um copo d’água. E deixou seu filho, pálido e confuso.
Julio olhou para Julia, que o fitava sem demonstrar emoções ou dizer qualquer palavra. “Irmã? Eu não tenho irmã”, ele pensou, buscando em suas memórias qualquer coisa que o provasse do contrário. Seria filha de seu pai? Não, seu pai não tinha outros filhos, ele tinha certeza.
O copo d’água veio, e Julio o tomou. Esperava que ao terminar e baixar o copo, sua irmã inexistente sumisse, mas ao fazê-lo, viu apenas o mesmo fitar vazio.
— Melhor agora? Vamos, venha comer macarrão, filho — disse a mãe o guiando para o lado oposto de Julia na mesa.
Com o pegador de massa, começou a servir seu prato, mas Aurora o interrompe:
Damas primeiro, Julio, não vai servir sua irmã?
O garoto parou o pegador no ar, e o molho do macarrão caiu na toalha de mesa. A garota não demonstrava ânsia pelo macarrão, e apenas o olhava, quase como se estivesse buscando algo atrás dos olhos dele.
Mas Julio não era de desobedecer as ordens de sua mãe, e serviu a garota. Sem agradecer, Julia pegou seus talheres e começou a comer, como uma criança normal.
Julio ainda a olhava com desconfiança. “Quem era essa intrusa? Como ela havia convencido a mamãe que era sua irmã?” Comia o macarrão com olhos vidrados em Julia, que agora, só tinha olhos para o macarrão.
Após o almoço, sua mãe recolheu os pratos da mesa, e disse que podiam brincar na sala “até as três horas, depois quero ver vocês fazendo o tema de casa!”
O garoto foi para a sala, seguido pelo fitar desconcertante da garota. Ele se sentou ao lado da caixa dos carrinhos, enquanto ela pegou a caixa de blocos e legos, e juntou-se ao seu lado.
— Quem é você? — perguntou Julio, sussurrando. Sem resposta, continuou Porque a minha mãe acha que você é minha irmã? Eu não tenho irmã.
— Brinquem direitinho aí — disse Aurora, ao vê-lo falando com Julia — Por que não fazem uma casinha?
Relutante, Julio pegou um punhado de legos e começou a fundação de uma casinha. Julia o olhava, sem ajudar.
— Vamos, irmã — ele disse com desgosto — ao menos me ajude com isso.
Ela o ajudou a colocar um punhado de peças na construção da casinha. Logo, ela passava dos joelhos dos dois, um amontoado de cores e formas que, com sucesso, aparentavam um formato de casa. Até que Julia chutou sua lateral. A casa caiu, metade de seus blocos se soltando e fazendo uma pilha de destroços.
Pra que isso, sua idiota! ele gritou.
Julio, não brigue com a sua irmã!
Ele virou para trás, e sua mãe o olhava com represália.
— Mas olha o que ela fez!
Quando olhou de volta, a casa estava quase toda montada, faltando apenas duas peças, que Julia colocou no lugar. Em comparação ao seu estado anterior, estava muito mais coerente quanto às cores e posições das peças.
Muito bem, Julia! Que bonita!
Aurora passou a mão no cabelo da garota, enquanto Julio olhava confuso para a casa antes destruída.
Na hora do tema de casa, Julio tinha dificuldades com frações. Parte por não saber fazê-las, parte por estar inquieto com a sua “irmã”. Ela possuía um caderno igual ao seu, e também resolvia os mesmos problemas da quarta série.
Talvez resolvia não era a palavra certa, pois fora os enunciados, o caderno dela estava em branco. “Além de mentirosa, é burra”, pensou Julio, mais motivado a tentar resolver as suas frações.
— Simplifique a fração 4/36… Tá, quatro fica dois, e trinta e seis fica… dezesseis, não, dezoito. Mas os dois são pares ainda, dá pra diminuir… 1/9! e escreveu rapidamente em seu caderno.
Se já terminou, ajude sua irmã! disse sua mãe, sentada no sofá.
Eu não… começa o garoto.
— Você sim, é isso que irmãos fazem!
A contragosto, ele se levantou, e foi de encontro a Julia.
— Tá, o que você já… fez…
O caderno da garota já estava completamente preenchido. Quando ela o fez, Julio não sabia, mas todas as frações estavam simplificadas e todas as equações estavam resolvidas. Nisso, sua mãe levantou para dar uma olhada.
Muito bom, Julia! ela disse ao ler suas respostas E acho que está tudo certo, mas vou deixar a professora de vocês corrigir.
Ela largou o caderno dela e olhou para o de Julio.
Julio! Achei que você já tinha terminado!
— Mas eu… — e Julio olhou para o seu caderno, que estava completamente em branco — Mas eu fiz, mãe! Ela deve ter pego o meu!
Não gosto de mentiras, Julio. Essa não é a sua letra!
E de fato, não era. Sentou, emburrado e raivoso, e respondeu qualquer coisa para acabar logo com aquilo.
Após mais uma refeição com a intrusa, Julio voltou ao seu quarto. Bateu a porta, e se jogou na cama. “Quem ela pensa que é?” Questionava ele, “invade minha casa, é mais inteligente que eu, mas criativa que eu… Até minha mãe gosta mais dela do que de mim”. O garoto tem um princípio de choro, mas é interrompido com a porta abrindo.
Julio sentou na cama, esperando sua mãe, mas foi Julia quem entrou, fitando-o com o mesmo olhar vazio do dia todo. Ela fechou a porta e caminhou até a cama do cobertor rosa. A porta se abriu novamente, e desta vez era mesmo sua mãe.
Boa noite, meus queridos! Bons sonhos!
Boa noite! responde Julio, ansiando por mais contato com sua mãe, mas ela desligou a luz e fechou a porta do quarto, deixando-o sozinho com Julia.
Iluminados apenas pelo abajur na cômoda que divide as camas deles, Julio olhou para a garota, já deitada e coberta, que o olhava também.
Julio deu um suspiro de derrota. Talvez, só talvez, ela fosse realmente sua irmã, e não seria certo não tratá-la como tal. Ele apagou o abajur, e disse:
— Boa noite, irmã.
Boa noite, irmão respondeu Julia, com uma voz doce e suave.
Lucas Pereira da Silva
— Você ficou sabendo do caso do Belzebu? — digo a Vitória, uma mulher alta que deve ter seus 20 anos. Possui uma pele negra, um coque de dreads roxos, olhos alaranjados, roupas modernas, e apesar de não usar maquiagem, tem uma beleza natural surpreendente. Está sentada com as pernas cruzadas na segunda mesa do restaurante, junto a mim.
— Ah sim, uma tragédia. Nunca pensei que um ser humano pudesse fazer aquilo — a minha companheira olha sem rumo para uma outra mesa com um grupo de amigos comendo morangos e pitaias.
— Pois é, devorar mulheres com os dentes, todos pensavam que era um urso gigante, mas não, é um ser humano — arrumo minha máscara preta no rosto.
Os implantes biológicos estão ficando cada vez mais modernos. Estudei um pouco sobre para ilustrar esse assassino em uma revista, foi uma vibe meio Lovecraftiana, até que gostei toma um gole de café, ainda com os olhos fixos na outra mesa.
Verdade, você é ilustradora né? noto que a posição da lâmpada está de uma maneira que posso vê-la de onde estou. Isso me tranquiliza.
— Sim, eu sou. Mas você já sabe disso, vim aqui apenas para discutir sobre a vaga na minha empresa — os amigos da outra mesa se levantam, e Vitória os acompanha com os olhos até saírem, puxando um caderninho da bolsa logo depois, para
rabiscar algumas coisas Você disse que estava interessado, certo? apoio o queixo na mão, encarando a Vitória.
Quando pequeno, me lembro de correr pela casa com vários bonecos, brincando de ser herói. Meu pai sempre chegava em casa com brinquedos novos, por isso nunca enjoei da brincadeira. Minha mãe, por outro lado, às vezes me pedia pra brincar de outra coisa, algo mais quieto. Ela dizia que precisava de um pouco de paz para trabalhar com seu notebook.
Mas eu queria brincar, então eu brincava.
Certo senhor Bruno? ela me encara nos olhos, e por instinto, desvio minha visão na hora.
— Ah... Certo, certo — ajeito minhas costas na cadeira — Sou designer, e quero entrar na sua empresa. Um dia pretendo me tornar gerente, quem sabe o dono Vitória deixa uma risada escapar entre os lábios. Ela ri como minha tia.
— Ok, ok — abre seu caderninho em outra página — Você tem alguma formação?
Sim! Tenho ensino médio técnico em design gráfico completo, e... tiro uma pasta da minha bolsa e mostro meus certificados.
Nunca gostei da casa da minha tia, pois sempre que ficava por lá, ela me falava para ficar quieto, e era diferente da mamãe, a tia Gabriela gritava, mandava. E eu não gosto, odeio qualquer coisa alta. Entretanto, como não tinha opção, eu obedecia.
Passava o dia todo brincando no meu canto com meus heróis, enquanto minha tia trabalhava com seu notebook. Hora ou outra ela parava e vinha com um lanche, que era sempre pão de forma com queijo e presunto. Não gostava do lanche, não pelo gosto, era até bom, mas é que eu queria cortado em triângulo. Ela ria quando eu a mandava cortar, e ria com um tom familiar, me lembrava como a vizinha falava com os filhos. Mas a tia Gabriela também ria de outras coisas, das amigas, de
algumas piadas, da vizinha. Mas era diferente, não tinha a ver comigo, por isso eu também ria.
— Tá bom senhor, já entendi que tem muitos certificados, é o suficiente. Tem como mostrar algum portfólio? — risca o caderno.
Com meu celular em mãos, o entrego com a minha galeria de trabalhos aberta.
Meu principal trabalho foi ilustrar o assassino Belzebu para um concurso.
Vitória inicia a análise do meu trabalho, às vezes realizando anotações, outras mexendo seu lápis com tamanha violência que dava a entender que estava apenas riscando a folha, como uma criança desenhando usando giz.
Lembro de quando entrei na escola, não fiz nenhum amigo, na verdade até fiz, mas poucos. Todos desistiram de mim no final do ensino médio, e eu não concordei, não entendi o motivo, mas mesmo assim eles iam embora.
É tão injusto, foi o que pensei.
Eu não era o melhor aluno, apesar de ter estudado bastante as matérias que eu queria. Nunca estudei por nota, só estudo para ter o conhecimento guardado para quando precisar discutir. Mas mesmo explicando essa minha linha de pensamento, os professores ainda me chamavam de "aluno razoável", como se eu fizesse somente o básico.
Eu não concordava.
Outros professores falaram sobre tirar a máscara, que nos trabalhos acabava se enchendo de rasgos enquanto falava minha parte. Mas apenas tiro essa máscara para trocar ou para me olhar no espelho, apenas nessas circunstâncias. Então não vou tirar a máscara para ninguém daqui.
Ok, ok, tem uma boa técnica ela fecha o caderninho e me encara, fixa, firme. Ajeito minha coluna esticando os braços sobre a mesa.
— Tem algo a ressaltar? — desvio o olhar para as pernas de Vitória se descruzando e cruzando novamente, dessa vez na direção oposta.
— Olha, infelizmente você não é quem estou procurando — se levanta com a bolsa nos ombros.
O que? Como? Por quê? arrumo minha máscara.
— É simples... — seus olhos me veem sentado, um olhar firme e alto.
Na época do fundamental foi quando namorei pela primeira vez, apesar de ter terminado em um mês. Ela disse que não podia namorar alguém que não se importasse com a namorada e coisas desse tipo
Eu não concordei.
E toda namorada que eu conquistava era a mesma coisa, "nossa Bruno, você não se importa comigo, não podemos continuar juntos".
Até que conheci a Lili, e a gente se tornou inseparável, uma dupla demoníaca que fazia o caos na escola. Era divertido. O único ponto negativo era que nos nunca nos beijamos ou abraçamos. Entretanto, esse incômodo sumiu quando conversei com Lili em uma segunda, no meio da madrugada.
Falta estilo, originalidade Vitória está cobrindo minha visão da lâmpada do restaurante.
— Que? Não! Não concordo! Eu sou original, você viu meu portfólio! — me levanto, voltando a enxergar a lâmpada. Ajeito minha na máscara bem rápido e abaixo o tom de voz, o pano parece ter rasgado. Não quero que ela caia, ainda.
Você é meio teimoso, né? a mulher abre sua bolsa e me mostra um papel. É Gabriel, o arcanjo, quase nu, olhando para o espectador Sabe dizer qual a diferença desse desenho da arte que você fez do Belzebu? — a folha cobre a lâmpada.
Que um é um demônio e o outro um anjo? ela ri de novo, igualzinha à minha tia.
— As coisas vão além do que você vê. Sua visão de mundo é limitada, muito limitada — eu gosto de ver as fontes de luz do lugar, então me aproximo para tirá-la do meio. Mas a mulher se afasta rápido, mantendo a luz tapada.
Não estou te entendendo Vitória, como assim? Minha técnica é boa, você disse isso não disse? mesmo me mexendo para ver a lâmpada, ela continua na frente.
Esse anjo foi feito por IA, a técnica é diferente, claro, mas a qualidade gráfica é semelhante. Se você for só isso, compensa mais a minha empresa usar IA’ s até tento enxergar, mas desse ângulo, ela está bloqueando toda luz.
— Ainda não concordo — me sento de novo.
Tchau Bruno a Vitória dá as costas e caminha sem olhar para trás — Espero que consiga um emprego em outro lugar.
A Lili, na conversa que teve comigo, disse que é ignorante demais para ver algo além dela mesma, que é fechada demais para entender os outros e o mundo, que é limitada demais para pensar fora da caixa, e que sendo assim ela nunca teria um amigo ou namorado. Isso até me achar, alguém que, nas palavras da Lili, é igual a ela.
Eu não concordo.
Depois de ouvir aquilo, me escapa um grito muito alto, que nem mesmo eu consegui entender as intenções, as palavras, a frase.
Vejo minha máscara no chão.
Minha namorada me encara, fixa, trêmula, e berra ainda mais alto do que eu, perfurando meus ouvidos. Por instinto acabo tapando a orelha com uma mão, e aproveitando que a máscara caiu, abro minha boca com a outra.
Nessa hora me lembro do que quis dizer com o grito:
— AQUILO NÃO TEM NADA A VER COMIGO!!!
Me aproximo o bastante para disputarmos o ar da nossa respiração, enxergo seu rosto, sua boca seca, suas pernas… Roubo um beijo da minha namorada, para evitar outro grito daquele, odeio que gritem comigo. A solto, e a observo colocar as mãos nos lábios. Finalmente ela calou a boca.
Vejo as pernas, sinto vontade de tocá-la, e passo os dedos devagar, sentindo aquele suor quase gélido. Como em um espasmo minha namorada tropeça, deixando tudo lento, muito lento, como se sessenta minutos vivessem dentro de um segundo. Meu olhar percorre aquele cabelo, aqueles olhos, aquele corpo… surgiu uma vontade tão grande de abraçá-la… E eu abraço…
Abraço com meus dentes.
O gosto é um doce peculiar, mas também tem traços de sal, tudo em um ponto muito específico.
Meu intestino arrepia. Um borbulhar coça minha garganta. Uma queimação cobre a ponta da língua.
— É tão incrível, como eu imaginei, a Vitória possui um sabor único, insubstituível!
Uma ânsia, um ronco. O estômago lateja, o coração palpita devagar. Que fome…
— Foi um ótimo aperitivo, estou satisfeito.
Vejo o vômito escorrer pelo corpo até a poça de sangue, pingando dos meus dentes até a ferida na boca do cadáver
Por quê? as pernas, tenho certeza de que vomitei as pernas.
Olho aquele pedaço de carne, com o tronco esmagado por completo, sem nada do quadril para baixo. Respiro bem fundo. Algo diferente atinge a morta… São lágrimas.
Caio de joelhos no chão. Meu corpo se contrai, se expande, consigo sentir se mexendo dentro da garganta, subindo como uma minhoca — O gosto dela foi tão bom… — devo ter vomitado a boca.
A lâmpada foi apagada, as mesas esvaziadas. Somente eu permaneço aqui, chorando, cuspindo o pouco vômito que grudou na minha gigantesca mandíbula de titânio.
Estou satisfeito…
Minha visão embaça.
Mas por que eu…
Meu choro goteja sobre os olhos alaranjados da Vitória.
Por que eu estou me sentindo assim? aperto meu peito
Será que… vejo minha mão.
Uma sirene de repente invade o restaurante, tão alta que fere meus ouvidos, meus pensamentos se perdem, meu choro aumenta, e eu não gosto disso, mas continuo ouvindo.
Acho que… passo os dedos nos olhos Preciso parar de comer essas coisas… vejo minha mão Mas ainda me sinto tão…
Encaixo as presas no meu braço, e arranco. É salgado, uma boa dosagem de sal, e… mais nada.
Será que eu sou só isso?
Demoro para engolir, tento saborear, porém ainda continua igual Não!!! Não!!! NÃO CONCORDO COM ISSO!!!
arranco a perna usando a minha mandíbula, mesmo gosto, mesmo sal, mesma coisa. Tão sem graça, tão esquecível, tão…
A sirene para de soar.
MERDA!!! enfio o braço na minha garganta, tão fundo que…
Parado Belzebu! apontam lança granadas, estão vestidos de armaduras grossas, não gosto nada disso, não tem nada que possa fazer, isso é tão... Idiota.
Fico de pé com minha única perna, levanto minha única mão, e aproveito da situação para observar todo meu vômito escorrer pela Vitória.
Cuide dos seus filhos de maneira a prover absolutamente tudo o que querem para viverem de forma intensa e plena, expressavam-lhe em atitudes. Os filhos considerados, por eles mesmos, mais inteligentes eram os mais exigentes. Esses queriam sempre mais do que necessitavam. Aliás, esses construíam – vangloriando de suas inteligências - conceitos de necessário cada vez mais distantes do que poderíamos chamar de natural. Artificializaram toda a relação com ela. Se tornaram insaciáveis. Seus filhos possuíam diversas e mescladas versões dos pecados capitais. Profanavam que demais criaturas eram inferiores e deveriam se submeter a eles. Afinal, acreditavam também que a mãe foi criada para o propósito exclusivo de acolher, prover e servir-lhes. Não teria propósito em si e perderia totalmente seu sentido de existir sem eles.
Enquanto demonstravam maior inteligência, essas criaturas tentaram transformar a essência daquela que chamavam de mãe. Esses adoravam conceituar tudo conforme seus próprios interesses. Inclusive, eles lhe creditaram a identidade materna sem que ela autorizasse ou se entendesse mãe. Nem todos da espécie protagonizavam os abusos, mas, participavam deles por coexistência omissa. Parecia cômodo aos menos abusivos creditarem aos protagonistas toda a responsabilidade pelo que praticavam. Tal atitude lhes dava certa isenção - não apenas de culpa, mas, sobretudo, de responsabilidade em suas ações. Para esse imenso grupo das criaturas, ou seja, a maioria da espécie – a omissão se traduzia em repetir e expandir os abusos
realizados pelos protagonistas, como se não tivessem alternativas. O fato é que essa maioria servia, ainda, para aniquilar e reduzir o poder de transformação que uma minoria de representantes dessas criaturas tentava efetivar. Em alguns lugares que a minoria atuava, sem ter que se relacionar mais proximamente dos protagonistas de abusos, outras relações eram construídas. Ações opostas as abusivas. Por certo, todos exemplares dessas criaturas sempre tiveram enormes dificuldades de se relacionarem sem abusos e violências, mas havia uma certa beleza em sua busca por superarem a si. Não se pode dizer que a essência dessas criaturas era fadada ao mal, ao abuso ou a violência, afinal, as formas como foram deliberadamente constituindo a divisão de poder, acabou por – cada vez mais – aliená-los de si. Eles não sabiam o que eram. Sequer queriam saber o que eram. Não sabendo buscar o que eram, deixavam de poder ser para além ou mesmo de conhecer sua forma, para se transformarem. A transformação necessária seria algo muito mais complexo do que promover a violência e abusos, ao menos de imediato. Ora, o imediatismo era outra característica importante dessas criaturas. Desgraçadamente essa característica comprometia os que nascem e a reprodução de erros parece aumentar de forma caótica. Somada ao imediatismo também se exacerbou o individualismo. Para a entendida como mãe, o individualismo era algo aniquilador, afinal, ao mesmo tempo que lidar com a individualidade seria fundamental para aquelas criaturas, não se entenderem como coletivas e interligadas fazia toda a potência de mudança ser perdida. A complexidade da busca pela transformação demandaria, ainda, a necessidade de entender-se como parte de algo maior e mais complexo, que interage com diversas outras criaturas e espécies. Mas, se não conseguiam lidar com eles mesmos, com ela e com demais espécies, beirava a impossibilidade.
As criaturas mais abusivas, considerando-a como mãe, no pior sentido que atribuíam a essa função, lhe deram vários nomes, entre eles o de Gaia. Por sua vez, se ela fosse Gaia, os entenderia como Perses e não seriam filhos dela diretamente, mas, de Crio e Euríbia. Afinal, Perses era um dos titãs, deus da destruição. Para essas criaturas equivocadas, o reconhecê-la como mãe daria a Gaia a condição de ter para com eles um amor incondicional. Por eles, Gaia deveria sacrificar-se e estar disponível completamente. Creditavam nessa relação o estereótipo de mãe perfeita. Ela os proveria sempre - a despeito de qualquer custo. Sempre estaria ali para se recompor e prover-lhes em suas necessidades desmedidas. Inclusive, poderiam exterminar as demais criaturas coexistentes que, mesmo assim, ela estaria ali, disposta a se adaptar às suas empreitadas. Ela reagiria bem e adaptar-se-ia a toda sua tecnociência – essa entendida como redentora. Contudo, as mais inteligentes criaturas da espécie eram, ao mesmo tempo, as mais imbecis. Assim como Gaia, não poderiam ser entendidas de forma mitológica, afinal, não eram os deuses da destruição. Eram pura e simplesmente agentes de autodestruição.
Imersos em afã e delírio coletivo, todas as criaturas da espécie continuavam a entendê-la como Gaia. Ela não era mãe. E se fosse mãe, seriam as existentes na realidade: cheias de conflitos, emoções difusas e antagônicas coexistentes. Seria o que é uma criatura da espécie deles: humana apenas.
Reiteradamente, mesmo enquanto dava sinais de estar agonizante, as criaturas a atacavam vitalmente. Abusando sem cessar, ignorantes de seus anseios existenciais, a dilaceravam. Egoístas só pensavam em manter a necessidade de alguns de sua espécie e aniquilavam centenas de milhares de outras vidas. E as criaturas mais abusivas resolveram, além de aniquilar as demais espécies, aumentar o extermínio entre si. Em período
mais agonizante para as demais espécies da chamada Gaia, os representantes das criaturas mais abusivas decidiram pela exterminação, traduzida em guerras institucionalizadas e perversas.
A chamada Gaia, ignorada, em seus apelos, sempre deixou absolutamente claro que as ações abusivas e nefastas não deveriam continuar. Agora, a imensa maioria da espécie, imersa em abusos contra si, clama para que ela não ire. Ao se depararem com eventos extremos mais recorrentes, com terremotos, vulcões em erupção, apavoram com sua ira.
E apontam: Gaia, em sua ira, vingará nossos atos! Gaia impiedosa nos fará lidar com sua ira imensa! Não somos nada diante da ira de Gaia! Emergência, Gaia está irada, é vingativa!
E se Gaia fosse mesmo uma mãe. Se ela fosse Gaia. O que ocorreu geraria ira?
A essa que chamamos de Gaia, nossa existência não importa. Importamos sequer para gerar ira. O sentimento poderia, talvez, ao máximo, ser traduzido em mais profundo desprezo. Gaia não se constitui sobre pecado capital algum – isto é típico das criaturas que sequer entendem a relação existencial com ela.
Ela viveu, vive e viverá plenamente sem seus abusadores.
Eles, os abusadores, iram contra ela.
Ela continua sendo, com ou sem eles. Ela é, absolutamente, em sua plenitude e complexidade, não passível de entendimento pelas reles criaturas abusivas.
Ela impõe-se.
As criaturas, imersas em seus pecados capitais, suplicam para não revidar: Mãe Terra, mãe Gaia, mãe, não se ire contra nós!
Ela, não sendo compreensível a eles, que sequer eram seus filhos, segue sua existência imersa em consequências geradas por tais criaturas. Ela não sente, não ira ou possui pecados capitais.
Os eventos extremos mais recorrentes e intensos são apenas consequências das ações das criaturas abusivas. Ela seguirá existindo. Afinal, emergência climática é somente para as criaturas – para ela tanto faz.
Dentro de Ivone existe uma bússola guiando para a gentileza e a bondade. Mesmo diante do tumulto das marés tempestuosas, ela se mantém inabalável, resistindo às tentações mundanas de cobiça e realizações alheias. Com determinação e resolução, Ivone se dedica a auxiliar os outros nessa complexa e duradoura jornada.
Nunca nos consideramos uma má pessoa. Ela sempre dizia.
Diante de seus quatro gatos, Ivone adentrou o apartamento de dois quartos com todo o cuidado de uma mãe prestativa. Ela usava artifícios para distraí-los, dissimulando sua chegada enquanto tilintava as chaves. O estímulo de intenções maiores.
De um lado, um desejo insaciável por água e biscoitos ressecados sabor atum. Do outro, a satisfação de ser útil, mesmo após tantos anos no comando daquele pensionato. Ambos se complementavam, cada um à sua maneira, sorriam e miavam, em completa satisfação.
As pernas ardiam e o esforço da caminhada, somado aos lances de escada, cobravam o preço da meia-idade. Ivone não reclamava de sua condição, lamentava não gozar de articulações mais jovens, músculos tonificados e aparência mais jovial. Seus filhotes não se importavam, mas havia outros necessitados de sua assistência.
Ivone cochilou por alguns minutos na poltrona, não caiu no sono profundo. Acordou com o barulho da porta batendo no andar de baixo. Nora. …já era sem tempo!
Nora alugava o primeiro quarto, sozinha, solteira e amante de gatos, assim como Ivone. Foi o que atraiu a amizade entre elas. Ivone, que excedia em tempo livre, oferecia a Nora. O suficiente para tranquiliza-la nas tarefas diárias. — Solteira, nessa idade, não deve ser fácil!
Assim que reconheceu a abertura apressada da porta, Ivone desceu as escadas. Fingiu estar de passagem e acenou do outro lado do corredor. Nora não percebeu sua presença, equilibrando sacolas de supermercado. Ivone se aproximou e esperou Nora terminar de recolher as compras.
Hum, teremos um jantar especial? Vai convidar alguém? perguntou Ivone.
— Que nada! É só para mim mesmo. Questão de sobrevivência.
Ivone jurou ter visto um absorvente por cima da sacola, mas logo recolheu as mãos. A vida alheia não lhe dizia respeito. Nora entrou sem fechar a porta, sabendo que Ivone faria por ela.
— Brigada, mãe! — murmurou Nora em agradecimento sincero.
Ivone não era mãe biológica de Nora. O apelido fora passado de pensionistas antigos para os mais novos. Como um título honorário sugerido e deferido por decreto. Ivone era, de fato, mãe, mas seu filho não a visitava com frequência desejada. Ele vivia na idade de trabalhar, ocupado com a correria da vida, descansando somente nos fins de semana.
Ivone entrou, devolvendo o jornal da manhã, retirado da sua caixa de correspondência. Perguntou trivialidades e ofereceu um chá — Você merece descansar, sente um pouco e eu cuido de tudo!
Ivone encontrou tempo para regar as plantas e conversar sobre as preocupações de Nora. As plantas não responderam, o que não a impediu de sorrir.
Os gatos de Nora levavam uma vida de artista, normalmente usados como tema para vídeos engraçados transmitidos pela internet. Nora tinha uma infinidade de brinquedos e até um ringue usado em um de seus quadros chamado "luta-livre de fofurices". Seu canal rendia algum dinheiro, mas o cansaço da rotina cada vez mais exigente de vídeos diários. Tem dias em que eles não fazem nada! O que posso fazer? Ligar o secador de cabelo em seus focinhos...
Ivone serviu o chá, seguido de uma série de dicas para acalmar os gatos. Seus palpites prestavam conta apenas para os felinos, pois não entendia de internet e essas coisas. Em sua época, não havia posts, curtidas ou visualizações, mas era feliz mesmo assim. Nora concordou, ressentida.
Finalmente, Ivone ofereceu seus cuidados. Ela cuidaria dos gatos por alguns dias, enquanto Nora se prestava por ela própria. Só estou dizendo que é possível ser feliz lá fora! ela sorriu. Só estou tentando te proteger! Ivone alertou sobre uma possível punição ou a perda dos gatos para essas associações ou órgãos de proteção aos animais domésticos. Eles podem pensar que você está maltratando.
Nora ouviu, deitada.
Você não consegue algo diferente? Você sabe como os gatos hipnotizam pessoas...
Pare! Nora desdenhou.
— É verdade! Eu li sobre... — e Ivone conservou-se por mais algum tempo, contando casos, situações, histórias e anedotas sobre gatos e suas façanhas.
Tempo depois, Ivone se despediu, mas não sem dar uma última espiada no apartamento. Tudo arranjado em seu devido
lugar. Livros, almofadas, tapetes e plantas. Os porta-retratos mantinham as mesmas fotos de casais em preto e branco desde que foram comprados em uma liquidação.
— Até mais, Nora! E lembre-se do que eu te falei… Ficarei feliz em cuidar dos seus bichinhos, viu!
Tchau, mãe! E obrigada.
* * *
Ivone, líder da pensão, observou a rua cautelosa. A cidade se tornara um mar perigoso, mas ela aceitava seu destino, garantindo segurança a todos. Contudo, uma tristeza tomou conta, especialmente ao pensar na vida afetada de Nora.
Diante dos olhos da comandante, ondas distantes se formavam em rebuliço. Sob nuvens negras, surgiam tempestades e trovoadas. Escamas reluziam na fina camada de águas salgadas, revelando sua silhueta. O supremo dos oceanos!
* * *
Alva chegou. Moradora do segundo quarto, jovem e noiva de um advogado promissor na cidade. Faziam planos para viagens sobre um trailer antes de fixarem morada. Ivone se alegrava com as histórias de Alva. As promessas em linha fina, dedicando seus conselhos os quais, somente os mais velhos e experientes, compartilhavam.
— Você acredita mesmo, mãe?
Sim, querida! Escute o que estou dizendo. Cuidado com rapazes de boa índole, por mais que desejem, e eu não duvido, eles têm obrigações com suas famílias.
Ivone escolhia cuidadosamente suas palavras. Não queria magoá-la, mas sentia uma obrigação em compartilhar suas experiências do que já viveu nesse mundo. Ivone plantou sementes de dúvida sobre as verdadeiras intenções do noivo.
Mas mãe, a senhora ainda não o conheceu!
— Conheci um, e um apenas já me basta. Não é como dizem: só mudam de endereço!
— ...
— ...você sabe como as coisas são hoje em dia, minha querida! Talvez seja melhor ajeitar suas coisas antes de dar um passo tão grande na vida.
Ivone manteve-se um pouco mais, até a entrada da noite. Ao sair, pediu emprestado alguns utensílios, qualquer prataria lhe prestava. — reparei que você se desfez de algumas coisas… — era o hábito de guardar o lixo, justificou. Alva não soube responder e a despedida ficou marcada por um silêncio constrangedor.
— Não se preocupe, minha querida, eu dou um jeito!
A noite trazia consigo o senhor Algenor, um cavalheiro respeitoso, alto, na idade do sucesso. Cabelos penteados com elegância. Algenor postava como um cavaleiro distinto, daqueles que não se encontram mais. Ivone preparou os pasteis doces favoritos do Sr. Algenor.
Ele já aguardava pelo serviço de quarto, deixando a porta aberta, conversando com Ivone sem olhar, enquanto tirava a gravata e trocava o terno. Ivone considerava Algenor um homem tradicional, tendo em mente a sorte em tê-lo conhecido. Ele se parecia com seu filho, conversaram. Algenor morava nesta pequena pensão, mas seu gosto refinado não permitia desleixo. Quarto decorado, com móveis novos e roupas impecáveis. Ivone sempre se oferecia para limpar o quarto. Não por dinheiro, insistia. Era outra coisa!
Ivone provocava Algenor com perguntas sobre namoradas, como um verdadeiro galanteador. Ela dava conselhos sobre interesses amorosos e pretenções bem-sucedidas,
compartilhando lições, conselhos fantasmas do que fora no passado.
Algenor sorria, apreciando as extravagâncias de mãe. Rendeuse aos encantos dos pasteis e permitiu que ela continuasse a ensiná-lo sobre compostura e maneiras adequadas.
Já te disse que você se parece muito com meu filho? Vocês deveriam se conhecer... teriam tanto para conversar. Ele também tem o próprio negócio, sabia?
Sim, mama. Já me disse!
* * *
A esperança tomou conta de Ivone, enquanto ela encarava o horizonte onde a linha azul se encontrava com o céu. As ondas do norte pertenciam aos navegadores, enquanto as do sul vinham do passado. No entanto, pelas laterais que a criatura atacava. Sobrenadando em ondas, serpenteando lentamente mergulhando em calda espessa. Coberta de prata, um volume iridescente se formava como óleo sobre água, as trevas se aproximavam emergindo das profundezas abissais. A serpente do mar chegara, revelando todo o seu fulgor. Suntuosa, no auge da embarcação. As guelras de fogo ardiam pelos ares, até que as chamas consumissem Ivone e seus desejos.
Na manhã seguinte, a campainha tocou, estridente e violenta, grito incessante de um rapaz desnutrido e apático. Sua debilidade o impedia de encarar Ivone. Respondeu com susto.
Meu Deus! O que você está fazendo aqui, rapaz! Já falei para não aparecer...
Ele se espremeu através da pequena abertura da porta. Familiarizado com o lugar, percorreu os corredores em busca de novidades.
Para onde está indo? Ivone se envergonhava da postura débil de seu único filho. Meu Deus, você não pode vir, aqui, desse jeito.
O rapaz entrou no primeiro quarto, bisbilhotando como um oportunista, mas não encontrou nada além de um quarto vazio, cheirando abandono.
— Você ainda não alugou para ninguém, mãe?!
Não interessa!
— Deprimente. — Ele invadiu o segundo quarto, cheirou o ar em meio ao silêncio, desdenhou da solidão evidente. Subiu até o quarto de Ivone, revirou a caixinha de joias e guardou algo no bolso. Abriu a geladeira, bebeu e roubou pão e biscoitos. Ivone mal terminou de subir a escadaria.
Ao chegar à porta, o rapaz se despediu. — Tchau, mãe! Cuidese... e vê se toma jeito. Olhou para o alto, imaginando o dia em que tudo seria seu, pronto para o primeiro banqueiro que lhe oferecesse algum consolo.
No mesmo dia, Ivone saiu para caminhar, abalada pela visita inesperada do filho prodígio de promessas não cumpridas. Tamanho imprevisto a fez lembrar da ausência de Nora, Alva, Algenor e também Inês, Vera, Jair e tantos outros. Sua condição não lhe favorecia, vivendo na construção que lhe convinha, nos sonhos e nos desejos. Um amor ilusório, pois no esclarecimento divino, só era capaz de amar a si mesma. Mesmo o encontro inesperado com Vera, à luz do dia, depois de tanto tempo, um esbarro ao acaso lhe rendeu agradecimento, Vera cumprimentou-a com um sorriso sincero e perguntou pelos outros. Ivone não soube responder, se acanhou e se calou. Mudou de assunto e se despediram. Não agradeceu a gentileza, pois não conhecia o gesto, apenas desejou boa ventura.
Ivone amava o próximo à sua maneira. Nesse dia, a esperança não retornou, pois Ivone perdera a bússola dentro de si. Ela
duvidou das próprias intenções, temeu a própria sombra e naquela noite, ela não dormiu.
A última casa, após a colina, contornada por granito escurecido, servia de anteparo para a quebra das ondas do mar. O casarão de grama natural, bem aparada no verão e épocas chuvosas, abriga hóspedes de alta classe, exigentes do mais fino costume.
Joshua recebeu o convite por insistência e a mando de seus próprios líderes. Um estranho em uma casa de vaidades. Sua missão destinava-se a recolher depoimentos, entrevistas, fotos e pormenorizar um relato pessoal. Esse último, uma liberdade maquiada pelos representantes da sua igreja. O dia azul, as águas verdes e a natureza exuberante convidavam os hóspedes para uma saudação de boas-vindas. Com copos de cristal, brindavam com champanhe enquanto petiscavam pequenos canapés.
Joshua fingia conforto com um sorriso melindroso. Os convidados estavam vestidos a caráter, com camisetas floridas, bermudas casuais, linho off-white. Usavam óculos escuros com armação dourada, estilo aviador, e charutos grossos como dedos. As mulheres exuberantes desfilavam marcas e tecidos exóticos, acessórios, brilhos e chapeleiras.
Nada se parecia com um encontro religioso. Era uma colônia de férias com magnatas e herdeiros da mais alta casta social. O dízimo, pensou Joshua, seria generoso! Motivo de preocupação para intenções menos espirituais. Joshua anotava cada pensamento. Sua presença foi motivo de alarde cordial, o anfitrião da casa de veraneio apontou em sua direção e pediu
acolhimento dos demais participantes. Os convidados aplaudiram contidos, com duas ou três palmadas.
A verdade exclusiva de um conhecimento especial não era facilmente compartilhada, mesmo em um grupo tão fechado. Possuir o que os outros não ousam conceber fazia parte da vida cotidiana dos frequentadores. Cada um à sua maneira, advogados, empreiteiros, usineiros, banqueiros, celebridades, políticos e autoridades religiosas.
A casa estufava sobre ela mesma.
Ao cair da noite, Joshua percorreu os corredores vazios, testemunhando portas em completo silêncio. Ele seguiu os motivos geométricos rubros e negros no carpete, um convite para os fundos da residência. No extremo oposto, um mordomo permanecia absorto, zelando pelo salão principal. No interior, vozes, rezas e invocações. Penitências e adoração em transe. Murmúrios respeitosos de um grupo de orações. A missa era conduzida por uma figura carismática, vestida com uma túnica branca e listras negras com detalhes em dourado. O sorriso estampado despertava um vislumbre de maravilhas e um fervor único.
No altar, figuras e símbolos renovados, nas paredes pinturas recontavam passagens bíblicas e eventos históricos importantes. Joshua se perdeu nos murais. De repente, a senhora de antes caminhou com dificuldade até o altar. Sob a reza e os acenos do sacerdote, seu caminhar foi se ajeitando. O que antes eram cistos e um caminhar doloroso e desajeitado, cedeu lugar a um andar perto da normalidade. Firme e jovial. Joshua desconfiou. Era uma coincidência muito conveniente para um único dia, ser agraciado pelo cumprimento de uma senhora quando, supostamente, receberia uma graça divina. Contrariado, saiu e foi se deitar. Apesar da falsidade, aquela imagem não saía de sua cabeça. Sua missão não estava completa e no dia seguinte faria tudo de novo.
Qual foi a sua surpresa ao acordar com o som de carros apressados. O concierge e as camareiras se amontoavam na recepção, atarefados com a despedida dos hóspedes. Perguntei o que estava acontecendo, mas nada parecia fugir da normalidade, sempre foi assim, todas as vezes! O staff já atendera encontros de dois dias e, mais raramente, de quatro dias completos. Com reuniões a portas trancadas e acordos fechados com zelo sob o véu do mistério.
Mas não naquele dia. Não com um hóspede ilustre.
Joshua fingiu humildade. Nas próximas horas, iria confrontar sua própria vaidade quando se sentiu superior por estar associado a um acontecimento peculiar e por acreditar que estava diante de um conhecimento exclusivo, levando-o a negligenciar as dúvidas e preocupações de outros fiéis da sua igreja. Anotava tudo.
Por orientação do concierge, Joshua permaneceria na casa até o dia seguinte, com todas as despesas pagas. Joshua se recolheu, descobrindo mais tarde, que nem todos haviam partido. O sacerdote carismático desejava lhe dirigir algumas palavras. E assim ele ficou, desfrutando da piscina vazia, da brisa quente do fim de tarde e dos coquetéis servidos na varanda do quarto.
Durante a noite, Joshua foi convidado a permanecer no salão oval, atrás da capela, e ali permaneceu por alguns minutos. O sacerdote entrou, vestido de forma mais informal do que antes. Ele se desculpou pelos imprevistos e agradeceu novamente sua presença.
Espero que esteja sendo bem tratado! O sacerdote acenou negativamente, fingindo uma intimidade convidativa. E assim seguiram com uma conversa superficial sobre o funcionamento geral. Falaram sobre doações e, eventualmente, sobre os frequentadores temerosos de uma possível repercussão negativa por causa da investigação. Enquanto falava, o sacerdote preparava uma bebida despejada
em cálice de ouro, uma receita com caráter ritualístico. Despejou uma água cristalina, tampando-o em seguida. Pretendo lhe mostrar alguns dos nossos segredos disse o sacerdote, continuando a falar.
Joshua se envolveu com a narrativa, ouvindo sobre a origem das reuniões, os primeiros contatos, o chamado em terras estrangeiras, a visão e o bem comum. Porém, eram discursos antigos para problemas novos.
O sacerdote e Joshua debateram por longos minutos sobre os propósitos das instituições criadas por homens para adorar símbolos abstratos e idealizados. O sacerdote alegou que a imagem construída sobre sua representação divina na terra, incluindo seu nascimento virginal, ressurreição e outros elementos, era em grande parte derivada de histórias antigas de divindades pagãs, como Horus, Mitra e outras figuras mitológicas. Ele apontou semelhanças em narrativas pré-cristãs de adoração a um único corpo celeste.
Qual corpo celeste? perguntou Joshua.
— O Sol!
Isso incomodou Joshua, que contra-argumentou sobre as interpretações distorcidas da sua fé, alimentadas pela sensação de posse de uma verdade exclusiva, levando-o a se afastar da verdadeira essência espiritual.
— Isso é pecado! O pecado primordial que nos afastou Dele — disse Joshua.
Pecado, redenção... Joshua, essas são meras palavras que só mostram de que lado da guerra você está lutando. Houve um tempo em que uma entidade de luz sentou ao lado esquerdo do Seu trono.
Joshua se perdeu em pensamentos, letárgico. O sacerdote abriu o cálice e fez uma prece silenciosa. Com palavras de uma linguagem ancestral próxima ao aramaico, o sacerdote se
aproximou de Joshua. Sereno e determinado, proferiu palavras de ordem.
— Conheça a verdadeira essência espiritual! Oh, Joshua, você sabe mesmo o significado de caput ao qual se refere? — provocou o sacerdote.
— Blasfêmia!
O sacerdote inclinou o cálice para baixo, derramando um líquido espesso, escuro, rubro adocicado. No chão, o licor tomou uma forma indistinta e começou a crescer diante dos olhos incrédulos de Joshua, assumindo uma silhueta hedionda.
— Você já presenciou um milagre, Joshua?! Um milagre verdadeiro em que suas preces são atendidas e não ignoradas por um símbolo morto?!
A figura deformada continuava a crescer. Joshua rezou pelo ultraje, ainda que não conseguisse desviar os olhos do absurdo e abominável aborto.
Misericórdia! exclamou Joshua.
— Sim, você a terá!
Joshua caiu de joelhos, segurando o crucifixo em suas mãos, sentindo a desesperança diante da submissão se desvanecer em descrença.
— Não tema, Joshua! Nós nos libertamos das promessas não cumpridas, livres da penitência, do controle, da austeridade e da submissão. Ele, finalmente nos atendeu! Ele existe, Ele está aqui! Contemple sua presença!
Joshua foi tomado pela sombra da silhueta, revestida de uma escuridão, ele estendeu a mão em sinal de comunhão. Sereno e pacificador. Joshua não sentia a morte se aproximando. Uma agitação se apossou do impossível e lhe fazia um convite. A euforia permanecia escondida, envergonhado demais para admitir. Era belo! Celestial e profundamente vivo!
O restante da noite transcorreu com certa tranquilidade. Imerso no silêncio, Joshua se perdia em pensamentos profundos. Questionava sua fé, sua adoração e temia pelo seu destino. A tentação não era uma prova de caráter ou resistência moral, mas sim uma possibilidade, uma simples escolha que poderia dar certo. Joshua se entregou à bebida. Seu quarto estava trancado, com uma cadeira escorando a porta para evitar qualquer tentativa de arrombamento. Uma medida ingênua, admitia, diante do fantástico que presenciara, mas algo precisava ser feito. Joshua confrontara a existência da figura distorcida de adoração, colocando à prova sua fé na liderança carismática do grupo. Retornou ao salão e expressou toda a sua consternação, raivoso e enérgico.
Não é fácil, eu sei muito bem. Na primeira vez... negamos aquilo que não conhecemos, atribuímos engodos maliciosos a seres imateriais, atribuímos nomes ultrajantes e repulsivos.
O sacerdote se aproximou de Joshua, aquietando, até sussurrar a poucos centímetros.
Ele continua lá! Existe uma corrupção maior por trás dessa interpretação distorcida da fé. Sua igreja não valoriza a verdade, pois lhe é muito doloroso. — O sacerdote continuou sua acusação, erguendo as mãos. — Um mecanismo de controle não deve atender a uma prece, mas perpetuar a promessa não cumprida de uma pós-morte próspera. Olhe ao seu redor, Joshua. Ele está aqui! Fale com Ele!
No altar, a figura alta e suntuosa permanecia de costas. Seu semblante intimidador levava a outros sonhos além do nosso tempo. Sua presença curvava a luz ao redor, criando uma iridescência única, contendo uma luz em si mesma, uma força que impulsionava para a vaidade em credo. Sua voz grave reverberava pelo salão.
Buscadores da verdade e da luz, nós, a Legião, entidades celestiais, nos reunimos para uma jornada espiritual. Ao longo dos tempos, testemunhamos a corrupção das mentes, a mentira da escuridão. A humildade é a resposta. Neste novo santuário, não peço que se curvem diante da arrogância ou falsa superioridade. Não possuímos ornamentos de vaidade, mas reflexos humildes de uma beleza espiritual que habita cada alma. Juntos, construiremos uma comunhão baseada na aceitação, na compreensão mútua e na busca coletiva pela verdadeira luz espiritual.
A figura silenciou e caminhou serenamente para os fundos do salão, desaparecendo de vista. Sua existência se dissolveu, trazendo Joshua de volta à realidade e o tirando do torpor causado por sua presença. Joshua permaneceu ali durante o restante da noite, ajoelhado e rezando, sem compreender o verdadeiro significado daquelas palavras.
Palavras ao vento! Retrucou. O que lhe era oferecido senão o conforto e uma nova estrutura religiosa.
Na manhã seguinte, o sacerdote não estava mais na casa. Não havia mais ninguém, nem criados, mordomos, garçons e camareiras. Apenas a brisa de um dia ensolarado e um convite na recepção. O envelope branco trazia seu nome.
Era o último convite, um chamado de fé diante das novas promessas, os pilares de uma nova instituição já haviam sido erguidos e Joshua ocuparia uma posição de destaque nessa missão. Subitamente, ele foi tomado por visões de oportunidades, reconhecimento e um pouco de conforto material. A promessa de um conhecimento superior lhe garantiria poder sobre os demais. Ele prometeu rejeitar a soberba e conduzir com humildade seu novo destino. Era um caminho de renovação, um caminho para a nova igreja.
Joshua sorriu.
Márcio dos Santos Medeiros
Pelo dia que tive, era entrar num bar e tomar alguma coisa. Entrei em um bar aleatório, com fachada discreta e pequena. Achei que ali seria um bom lugar para me manter com acabeça vazia por um tempo. O estado desanimado do meu ser, combinou com o bar. Sua decoração tinha recortes de jornais e revistas nas paredes, notícias e desastres de famosos. Parecia a tentativa frustrada de fazer um mural de astros de Hollywood, com recortes em papel vagabundo. As notícias de desastres e mortes dos famosos também estavam espalhadas, formando um ambiente que variava do insípido ao macabro. Talvez tenha errado o bar!
Recebi um caneco de vidro grosso bem gelado. Boa cerveja!
Parece que eu não tinha errado tanto assim. Primeira caneca, segunda caneca. Me levanto e ao achar o banheiro, me surpreendo novamente: a decoração também é de muitos recortes, mas de atrizes e atores pornôs. Genitálias pra todo lado decorava o ambiente. Realmente, aquele bar era muito peculiar para meu gosto. Mas a bebida estava completamente do meu agrado.
Retorno para o bar. Em uma mesa do lado onde me sentei, sentaram 7 pessoas. O papo fluía no grupo tão peculiar quanto o bar: três mulheres, uma delas muito vaidosa e arrumada. A segunda, musculosa, gestos bruscos e agressivos. A terceira, exalava pecado e libido. Dos quatro homens, o primeiro parecia um mendigo maltrapilho. O segundo observava a tudo e a todos, muito incomodado. O terceiro, era imenso. O quarto homem e último integrante desta estranhíssima mesa, parecia estar com completo desdém a tudo. Tentei disfarçar e
sentar onde poderia bisbilhotar aquela mesa. O papo fluía até que começa uma discussão:
— Cala a boca, seu gordo maldito, disse a halterofilista. Você não tem quase trabalho hoje em dia. Todos comem um monte de lixo. Você é quase um gordo inútil!
E você? Todos estão feito cães raivosos na coleira, prestes a explodir. Você não tem nada para fazer, apenas deixar a natureza humana fazer seu trabalho e olhar! Respondeu ele.
O homem que parecia incomodado com tudo, entrou mediando:
— Já que todos estamos aqui disputando, façamos isso de modo organizado. Vamos contar nossos feitos, assim podemos saber quem está com a razão, quem é bom e quem é fraco.
Alguns riram, outros levaram a sério. Eu, achava tudo muito louco. Logo após a proposta, o maltrapilho responde:
Serei vosso mediador, senhores e senhoras. Direi uma sequência e com isto, esta pessoa nos dará um exemplo do seu trabalho! A partir de como tem feito, diremos se há vitoriosos ou perdedores nesta mesa.
Algumas risadas, mais pedidos de bebidas feitos ao garçom. O estranho papo, me deixando mais curioso, me fez parar de disfarçar e olhar direto para a mesa. Precisei controlar meu susto: Aquelas pessoas estavam diferentes, assustadoras! A mulher vaidosa, tinha uma cara como de um cadáver seco; a raivosa, um monstro com garras; a libidinosa, tinha dentes eram pontudos e afiados; o avarento maltrapilho, sua pele era áspera como um lagarto; o invejoso, que se incomodava com tudo, não tinha olhos - eram uma profunda escuridão; o imenso era inchado, feito um cadáver num rio; O homem de fala preguiçosa tinha escárias purulentas por toda parte. A visão era desconcertante. Demorei demais olhando a mesa, senti o último homem me olhando. Sorriu para mim, pingando nojenta secreção. Senti minhas pernas bambearem e não
consegui mais mexê-las, senti que perdia o controle do corpo. Minha cabeça caiu no balcão, fitando-os.
— Parece que temos uma testemunha ocular hoje, irmãos e irmãs. Eu cuidei dele, podemos continuar nossa conversa e deixá-lo enlouquecer um pouco. O que acham? O maltrapilho responde:
— Preguiça, deixe disso. Deixa o moço... enlouquecer nos vendo! Riu. Gargalhadas tomaram conta da mesa. Não conseguia me mover. Mal respirava. Ele responde:
Vamos prosseguir. Deixa ele apreciar. Não é todo mundo que consegue nos ver, não é Avareza? Deve ser um bom filho da puta. Vamos nos divertir. Soberba, pode começar! A mulher bem arrumada, começou:
Como quiser. Eu, Soberba, faço a humanidade se matar de trabalho para conquistar bens materiais que não suprem o vazio de suas existências. Eu os forço a buscar tanto dinheiro e riqueza que se sufocam em seus próprios medos. Suicídio, depressão, afastamento dos valores morais. Tudo isto está na minha conta, meus irmãos e irmãs! Ela sorri. Que siga a disputa!
Certo, Soberba. É uma boa lista. Passemos a palavra a Inveja, agora.
— Bem, meus irmãos e irmãs. Não vou me demorar. Eu matei Abel. Filho de Adão. Talvez eu não precise me delongar muito. Mas por inveja, grandes atrocidades foram feitas pela humanidade!
Inveja sempre vivendo do passado. Eu sou o futuro. Sou fastfood, sou o excesso, sou a solução da indústria farmacêutica: eu adoeço a todos. Os humanos me atendem salivando de desejo! Disse o imenso - a gula. Preguiça responde:
Eu posso simplesmente fazer com que os humanos evitem todos vocês. Não se esqueçam disto. Posso leva-los a um
estado miserável física e financeiramente, para depois mantêlos lá, em cativeiro nas suas próprias mentes. Faço gênios deixarem uma ideia revolucionária se apagar. Faço brilhantes coisas, coisas que mudariam o mundo, se apagar na frente dos olhos de quem queria, mas não fez. Se trabalho mais, o caos estaria instaurado e nós não estaríamos em equilíbrio.
Agora a Preguiça quer o título de melhor de todos? Realmente, me poupe. Acho que está com um pouco de soberba, não? Soberba ri fartamente. Fora Preguiça, todos riem.
A discussão seguiu tenebrosamente. Eu estava louco; os pecados capitais, materializados, estavam se divertindo disputando o título de melhor pecado e se exibindo para mim. Com toos me encarando, começam a falar, começando pelo mediador, Avareza:
— Você, mortal maldito, deve imaginar que nem todo mundo consegue ver a personificação dos sete pecados mortais, não é? Para que nos veja é necessário que esteja tão em sintonia conosco, todos os sete, que você poderia até estar em nosso lugar. Ou seja, cada um de nós aqui é um bom filho da puta; você, consegue ser sete vezes pior! Todos riem. Eu, imerso em meu estado de apavoramento, não consigo esboçar nenhuma palavra. Tudo no meu corpo parece cada vez mais parado. Avareza se vira para mim e diz;
— Agora nós vamos brincar de outra coisa. Agora vamos dizer seus feitos, em nossa homenagem! Eu mesmo começo! Você economizou na sua pequena empresa, a transformou em um grande empreendimento. Cortou tudo que podia, incluindo amigos. Eles eram produtivos e você sabia que precisavam do emprego, mas ainda assim, os demitiu, distribuindo as tarefas aos que ficaram, forçando a trabalharem mais, pelo mesmo salário. Deu calote nos impostos e cortou benefícios de todos, Cortou até a garganta do seu sócio, para ter tudo sozinho! Ira interveio:
Antes fosse só cortar, Avareza. Ele se divertiu fazendo! Disse que ia pegar tudo o que o sócio tinha, inclusive a esposa dele. Estamos resumindo, seu maldito! luxúria. Luxúria continuou:
— Já que a sua esposa havia ameaçado se divorciar de você por começar a te conhecer de verdade, a dopou e matou, forjando um acidente com o corpo do seu sócio. Você conseguiu forjar a mentira de que eram amantes. Tantas mentiras consegue inventar. Pouco tempo depois estava tentando se consolar com a viúva. E ela se negou e você, com ira das negativas dela, a tomou como mulher à força. Três vivas para você, que vai apodrecer no inferno! Todos batem palmas, sarcasticamente para ele. Inveja começa a falar:
Invejou tudo e invejou todos. Seu parceiro fez a empresa crescer enquanto você tentava comer todas funcionárias, garçonetes, esposa de amigos e quem cruzasse seu caminho. E você, invejava muito as atitudes dele. Eu poderia falar muito mais coisas, mas temos ranço de você. Para os humanos em geral, podemos aparecer pouco. Com nossas faces, menos ainda. Todos juntos, com nossas faces, são os que nós queremos buscar pessoalmente. Estamos todos aqui, não estamos?
Eu estava estarrecido. No começo eu estava assustado, depois passei por revolta de estarem me julgando. Agora, sinceramente, se pudesse, arrancaria as tripas de cada um, mesmo ainda com medo das caras medonhas deles. Se pudesse me mexer, teria partido para cima deles. Mas nada fiz. Mal conseguia respirar. Avareza retoma:
Sua cara de desprezo nos espanta. Mal pode se mexer e ainda exibe revolta. Viemos consumir você, seu merda. Vivo! Viemos corroer suas entranhas, consumi-lo psicologicamente! Você se sintonizou tanto por nós que, se preguiça te soltar, você seria capaz de se tornar um de nós. E não vamos deixar o equilíbrio ser ameaçado. Nosso reino é só nosso! Preguiça intervém:
Calma irmãos e irmãs. Este ai eram um bom servo. Mas eu cuido dele num estalo! Preguiça se levantou, estalando os dedos. Meu corpo sente uma pontada. Meu coração bate mais devagar a cada segundo. Eu via imagens e falas de partes da minha vida e de todo de mal que fiz. Estas cenas iam sumindo, voltando cada uma para seu dono original. Disseram-me que viriam consumir de volta os pecados e estavam fazendo exatamente isso. A dor era lacerante. Eu, que havia entrado para tomar alguma bebida, saia do bar; diretamente para uma ambulância. Os paramédicos comentaram:
Parada cardíaca. Talvez tenha usado droga. Tá vendo a pele dele? Parecem escárias! Algo de errado tem nesse sujeito. Está fétido, mas morreu faz pouco tempo.
O outro responde:
— Vamos deixar para o legista se virar, ó homem. Anda, joga na maca que eu tô perdendo os lances do jogo. Estamos quase na final!
O primeiro emenda:
Rapaz, é mesmo, bora correr com isso.
Em um canto escuro, caminhando, se vão sete figuras estranhas. Um deles se vira para os outros e diz com voz arrastada:
Eu disse que mantinha as coisas em equilíbrio!
Maria João Amaral Graça
15 de janeiro de 2000 - 19h00
Se algum dia descobrirem estas folhas amarrotadas, cujas palavras de angústia retratam a situação dramática em que me encontro, é porque não consegui escapar. Olho ao redor em busca de uma saída, mas não vejo nenhuma. A janela está alta demais e a porta é inacessível. Quem me trouxe forçada certificou-se que seria impossível fugir, mesmo que tentasse. Esforço-me por ocupar a mente com momentos alegres, que me possam dar alento e esperança, todavia, recordar os meus pais só agrava o meu estado de ansiedade, que já é caótico. Imagino o seu desespero, tentando encontrar-me em cada viela, assustados e impotentes. Se, pelo menos, tivesse ouvido o conselho de quem gosta de mim, a esta hora não estaria aqui, mas eu nunca quis ouvir ninguém. Esse foi o mal que traçou o meu destino. Tomei a infeliz decisão de encurtar caminho para a escola, enfiando-me pela mata dentro, farta de saber que o mal se esconde atrás de qualquer árvore. Achei que valia a pena correr o risco. Desejava chegar antes dos outros, apenas para vê-lo sair do carro, usando o mesmo casaco com capuz, botas de cano alto, negras como a noite, ombros caídos e olhos colados ao chão. Toda eu vibrava só de lhe dizer “Olá”, consciente que seria ignorada. Limitava-se a levantar o braço e a acenar-me com a mão. Muitas vezes, perguntei-me o que teria eu visto naquela figura mórbida que passava despercebida a todos, menos a mim, e cheguei à conclusão de que me apaixonei pelo conjunto completo: um andar triste e solitário, acompanhado de um olhar carente e necessitado de proteção. Hoje, tenho a certeza que Jack se lembrará de mim, cada vez
que estacionar o carro, pois não faltarão panfletos com a minha fotografia espalhados pela rua. Parece que estou a vê-los: “Ana Júlia da Silva, quinze anos, desaparecida no dia 14 de janeiro de 2000, pelas 10h.
O meu raptor esconde-se atrás de uma máscara, e veste um casaco preto até aos pés, tornando-se irreconhecível, mas, ainda assim, tapa-me os olhos com uma venda quando aparece. No dia em que chegamos, e me atirou para este pardieiro, avisou-me com a voz alterada por algum aparelho: "Os meus gostos são requintados. Adoro castigar meninas desobedientes".
Mas que mal lhe fiz eu? perguntei, num desespero atroz, debatendo-me como uma louca para soltar-me das amarras.
O que vai acontecer comigo?
— Falas demais e ouves de menos. — respondeu. — A tua mãe disse-te para evitares atalhos, mas tinhas de fazer o contrário.
Naquele momento, percebi que me conhecia. Pensar que podia ser um vizinho encheu-me de esperança, e deu-me coragem para implorar pela minha liberdade, todavia, ignorou o meu sofrimento, revelando ter uma pedra no lugar do coração. Nada mais me restava a não ser apelar por algum sentimento oculto por detrás daquela máscara de gelo.
Tem filhos? perguntei.
— Tenho uma filha da tua idade. E também é muito desobediente — disse ele.
Como se chama ela?
O homem permaneceu calado durante uns minutos. As minhas mãos tremiam, enquanto as lágrimas caiam descontroladamente pelo rosto. Eu precisava tentar. Eu não podia desistir. Pensei nos meus pais, e não obstante o terror que me dominava, perguntei novamente:
— A sua filha tem nome?
Se fores boazinha, sou capaz de não te magoar muito. redarguiu. E já que desejas tanto saber, chama-se Ana Júlia.
Estremeci quando ouvi o meu nome. Em milésimos de segundos, percorro a minha rua de uma ponta à outra, e todas as casas do bairro, procurando filhas de outros pais, que usem o mesmo nome que eu. Não encontro ninguém. E conheço-as a todas.
— Pai… — chamei, embora não quisesse acreditar que poderia ser ele.
Quem quer que fosse, não voltou a dirigir-me a palavra. Despiu-me, deitou-me numa cama velha e fedorenta, e obrigou-me a sentir o peso do seu corpo em cima do meu, sem que eu pudesse dizer nada, nem mesmo pestanejar.
Julgo que virá novamente.
Esperem… Ouço algo, ao longe.
Ele vem aí.
E eu, ainda estou aqui.
16 de Janeiro de 2000 - 20h20
Ontem, senti na carne a força da sua ira. Um exemplo de perversidade que nunca imaginei existir, só mesmo nos filmes policiais que costumava assistir com a mãe, confortavelmente aconchegada no sofá, enquanto ia saboreando as pipocas estaladiças, acabadas de sair do microondas. Estava sentada na cama, quando a porta se abriu, e ouvi os seus passos na minha direção. Cobriu-me os olhos, levantou-me os braços, atandome as mãos à cama, e alimentou a sua ira ao ritmo de uma valsa satânica. Supliquei-lhe incansavelmente que parasse, contorcendo-me na cama, em agonia. Esperneei, gritei, mas os meus protestos só serviram para aumentar ainda mais a sua raiva. Subitamente, parou de dançar com o meu corpo
debilitado. Agarrou-me o queixo e mandou-me abrir a boca. Pensei, apavorada: "Vai drogar-me e violar-me, como bem lhe apetecer". Se calhar, teria sido preferível adormecer, no entanto, não tive essa sorte. O carniceiro estava ali com um único propósito: castigar-me. bem acordada, deliciando-se com o meu sofrimento, no momento em que senti o sabor amargo do sangue que jorrava da minha língua, quando a cortou com uma lâmina. Acordei com o rosto sobre um lençol ensanguentado. Ao meu lado, vi um copo com água e dois comprimidos, que engoli de uma só vez. Esperei uns minutos, mas ao invés de fechar os olhos para sempre, senti as dores abandonarem a minha boca.
Ouço alguém a caminhar, do outro lado da porta…
Ele vem aí.
E eu, ainda estou aqui.
17 de janeiro de 2000 - 18h00
Abro os olhos e vejo a pouca claridade que sai pelas frestas da janela. Sinto a cabeça pesada e a mão esquerda parece segurar um coração que bate a um ritmo desenfreado, enrolado num pano manchado de sangue. Não sinto o dedo polegar. “O que aconteceu, na noite passada?” Lembro-me de sentir algo frio a penetrar-me na pele, que me fez desmaiar, e a partir daí, perdi-me numa escuridão absoluta. Acho que este homem é movido por uma ira sem limites. Como alguém consegue suportar tamanha raiva, dentro de si? A cada instante que passa, questiono-me: “Porque tinha de ser eu?”, e não pensem que gostaria que outra pessoa estivesse no meu lugar.. Não me entendam mal. Estou exausta, só isso. Cansada de tentar perceber. A ira de um homem frustrado fá-lo cometer os crimes mais hediondos. Por ter sido mal amado, por ter sido abusado, violentado. São tantas as razões que levam alguém a agir assim…
A única certeza que tenho é a de que jamais verei a luz do sol, o rosto dos meus pais, as colegas da escola, e ele, o rapaz que entrava nos meus sonhos, todos os dias, desde que tinha doze anos. Pouco sei da sua vida, a não ser que é mais velho, e vive com a mãe num bairro social. Abandonado pelo pai, quando ainda era muito novo, entregou-se à solidão, fazendo dela o seu refúgio. Às vezes, penso que foi aquele seu jeito introvertido que me fascinou.
Parece que estou a ouvir o barulho de um carro.
Ele vem aí.
E eu, ainda estou aqui.
18 de janeiro de 2000 - 21h00
Ele veio… Mas nada me fez. Penso, até, que não voltará mais. Abandonou-me aqui, ferida, à mercê dos animais selvagens que possam entrar pela porta aberta. Desta vez, permitiu que visse o seu rosto. Tirou a máscara, e fitou-me, com um olhar malicioso.
— Jack! — o meu coração quase parou, vítima da surpresa.
Lamento desiludir-te, mas o meu nome é Jackson, o irmão gémeo. Esse merda nunca teve estômago para estas coisas. disse-me, num tom provocador. E embora me queira ver pelas costas, família é família, e tu… Estavas a abusar. Onde já se viu, adolescentes perseguirem homens adultos!
Desconheço porque me deixou viva, mas, sinceramente, acho que nem quero saber. Prometi-lhe nunca revelar a sua identidade, em troca da minha liberdade. Ele cumpriu a sua parte, e eu farei o mesmo.
Matheus Santos Rangel
Ele era gostoso.
Bíceps enormes, torneados no formato de duas rochosas muralhas. Bronzeados pelo sol da praia da barra, que lhes rendiam aspectos dominantes. Tríceps igualmente impressionantes, demonstrando o intenso treinamento àqueles braços impostos. As pernas eram tão massivas, que mais assemelhavam-se à vulcões em erupção, e o tamanho daquelas tão desenvolvidas panturrilhas denunciavam que, diferentemente de muitos, aquele rapaz jamais ousava macularse com o sacrilégio de pular o “dia de perna”. Gostava de se exercitar, superar os limites de seu corpo. Dizia fazer por saúde, mas não passava de balela moralista. A verdade era que em muito divertia-se impressionando todos que o vissem por aí, caminhando na rua ou nadando em meio às ondas. Principalmente as mulheres, pelas quais era sedento.
Seu apetite era insaciável. Já chegara a dormir com três fêmeas ao mesmo tempo, dando conta de todas e ainda sentido a mesma fome que sempre lhe acompanhava. Frequentava as baladas encontradas pertencentes à noite e organizava magistrais banquetes pela manhã. Empanturrava-se de todos os tipos de comida: de patricinhas loiras, que não tinham outras preocupações além de dançarem até cair, a pobretonas magricelas, que aceitavam fazer qualquer coisa por algumas moedas. Tratava-as da mesma maneira, usando e descartando, como o fast food que eram. Não dava bola, odiava perder tempo e ficar de conversinha. Tinha fome, e queria logo encher a barriga.
Mas era inútil, logo percebeu.
Por mais que se esforçasse para preencher o vazio que sentia dentro de si, era incapaz de encontrar alguém que o deixasse verdadeiramente satisfeito. “O problema é a liquidez com a qual você leva a vida, Sr. Esfomeado” lhe disse uma psicóloga formosa, que costumava comparecer às sessões com os negrumes cachos esvoaçantes “Veja bem, em sua obra, Baumann nos diz que...” Não importava, ela também acabou sendo devorada na mesma tarde, pois estava claro que não conseguia desviar seus olhos da força da natureza que se encontrava ali, sentado no sofá de seu consultório particular. No fim, todas juntavam-se ao cardápio.
As coisas sempre terminavam da mesmíssima forma: um quarto sujo em um motel aleatório, o ar impregnado com os odores da consumada refeição e a comida ao lado, extasiada após ser devorada, sussurrando vazias promessas de amor e fidelidade ou então limitando-se à gemidos eufóricos. Ele mentia-se quieto, contudo. Reservado, metódico, permitindose destruir parte dos pulmões com a infamante centelha de um cigarro ou dois, enquanto pensava em qual seria o próximo passo.
Era essa a sua vida, sua rotina miserável. Não importava o quanto mentisse para os outros e para si próprio, nem o quão confiante parecesse em frente às lentes alheias. A verdade era uma só, e lhe assombrava em todos os momentos, incluindo aqueles em que comia: estava perdido.
Isso, claro, até Ela aparecer.
Alta e pálida, com longos braços que se estendiam para níveis muito abaixo da linha de sua finíssima cintura. Cabelos escorridos, frágeis e quebradiços, que despencavam do couro cabeludo em contraste ao mais simplório movimento de sua cabeça. Olhos opacos, inertes, eternamente fixos em um mesmo ponto, como se buscando a salvação de uma luz. Lábios secos, rachados nas respectivas extremidades, por vezes
rechaçados em rubro ardor. Dentes amarelos, expelindo pútridos odores.
Ela era perfeita.
A cidade era pacata, serena: as notícias espalhavam-se de maneira acelerada, e as fofocas viajavam com ainda maior velocidade. Às tricoteiras de plantão, que atravessavam o dia inteiro confabulando sobre os mais diversos boatos, porém, seu nome e origem permaneciam um mistério. Ninguém sabia de onde aquela mulher havia surgido, qual era sua história ou o que fazia por ali. Não parecia trabalhar em lugar algum, e nem ter uma casa ou ponto fixo de transição. Vivia a esmo pelas calçadas, vestindo roupas simples e jamais parando em lugar algum. Transitava em círculos, sempre retomando para os mesmos pontos em que havia passado horas anteriores. Dizia-se ser uma drogada: mais uma vítima do tráfico. Existiam também teorias de tratar-se de uma maluca qualquer, que recusava-se a seguir o devido tratamento médico. Para o faminto, contudo, a resposta era diferente: aquela era uma deusa.
Com todas as outras, bastava flexionar os músculos ou abrir a carteira. Não era necessária lábia ou maiores habilidades de interação social, pois ele próprio já representava tudo o que qualquer uma daquelas mulheres desejavam. Era uma potência absurda, uma robustez exuberante. Não parecia real, de tanta definição que surgia a frente. Todas desejavam tocar em suas partes, cheiras suas extremidades, lamber cada partícula e beijar até que o sonho acabasse, só para que tivessem certeza de que tudo aquilo fora real, e não uma espécie de fervorosa ilusão, úmido sonho. Para a Deusa, contudo, as coisas teriam de ser diferentes, pois a mesma não parecia intrigada com sua aparência. Fazia sentido, supôs ele, já que a própria Bíblia descrevia como os seres superiores julgavam a natureza da alma, e não simplesmente a forma da carne.
Ele educou-se até não poder mais, consumindo livro atrás de livro, infinitas bibliotecas de conhecimento latente. Juntamente
à Tales e seus conterrâneos, buscou a origem da arché. Logo depois, aprendeu que Sócrates só sabia que nada sabia, e pesquisou a fundo sobre o idealismo platônico e toda relevância das formas puras. Com Aristóteles, transmutou-se em ser social e político, e a partir de São Tomás de Aquino, chegou a fundo no universo eclesiástico. Mas então, Nietzche lhe contou que Deus estava morto, e que ele havia sido o responsável por tal ato. Kant lhe fez questionar a crítica da razão pura, Hegel explicou-lhe os fenômenos e Marx lhe demonstrou a opressão do Capital. Foram Sartre e Foucault que o fizeram buscar pela liberdade, e ainda tinha mais uma pilha de filósofos para ler quando enfim decidiu que havia chegado a hora de uma vez mais tentar a sorte.
Era um novo homem, um tipo inédito. Incapaz de resistir, Ela aceitou seu convite para uma noite.
Os ombros ardiam, enquanto pus escorria por cada um dos hematomas que surgiam em seu corpo. Tossia, já que a garganta encontrava-se obstruída pelo próprio sangue, que torrencialmente despencava do retalho exposto logo acima. Mais abaixo, as vísceras tocavam o solo, espalhadas de maneira desordenada, anárquicas. Estava agachado, pois o prazer que sentia era tamanho, que as pernas pareciam ter sido cerradas pela metade. De fato, havia uma serra presente na escura sala, mas aquele instrumento havia sido usado para findar com os movimentos de seu braço direito, e não dos membros inferiores. Sua língua estava na boca divina, sentindo o gosto da eterna glória. Não chorou quando a mesma lhe foi arrancada; pelo contrário: aliviou-se em derradeiro prazer.
Ela devorava sua carne, salivando conforme suas presas rompiam os nervos e ossos daquele homenzinho. Ele não gritava ou esperneava, aceitava seu destino com um tolo sorriso em seu rosto, como uma criança sendo abraçada pela própria mãe. Seus membros tornaram-se momentaneamente rijos e, então, inflaram-se com súbita energia. Para, no momento seguinte, não passarem de vazia casca. Ele estava livre, a
vontade para vagar para o que existisse além. Ela seguiria ali, naquela terra devastada, dando continuidade à sua busca implacável, sabendo que jamais seria suficiente, que sua fome nunca seria aplacada.
Era seu destino, a maldição lançada pelas incompreensíveis vontades do Todo Poderoso. Irreparável, irreversível. Não era capaz de chamar aquilo de vida, pois mais assemelhava-se a uma instintiva prisão. Era refém de seus desejos, vítima de forças superiores. Ou então – sorria ao pensar nisso – o Trono dos Céus estava vazio, e tudo aquilo não passava de suas próprias ações, os resultados das escolhas que havia feito durante a juventude, séculos passados. A verdade não importava, pois a mesma não existia. Era uma piada de mal gosto, um trocadilho sem propósito, um conto mascarado de crítica. Era sua história, e divertia-se tingindo as páginas com escarlate vermelho.
Limpou a boca com as costas de suas mãos, suspirando conforme voltava a vestir suas roupas. Apagou as luzes do quarto e saiu em direção à madrugada, sem jamais olhar para trás. Era verdade que aquele havia sido um prato saboroso.
Mas, pensava Ela, conforme descia as escadas que lhe levariam para o reino seguinte, em muito aquele prato principal deixou a desejar. O molho era suculento e a cobertura, apetitosa...
Mas então, havia muito músculo.
Matile Facó
Na cidade envelhecida pelo tempo, onde as sombras dançavam nos becos e o aroma do pecado pairava no ar, vivia uma mulher chamada Helena. Seus olhos, marcados pela jornada de uma vida repleta de excessos, carregavam a sabedoria de quem conhece os segredos do Covil dos Pecados.
Helena era uma presença constante na taverna decadente no final da rua, onde o orgulho, a luxúria e todos os demônios se reuniam para um banquete noturno. Ela não era apenas uma espectadora; era a mestra de cerimônias no espetáculo dos sete pecados capitais.
O orgulho era seu primeiro convidado, vestido com trajes dourados e adornado com joias brilhantes. Helena, porém, já o conhecia bem. Ela lhe ofereceu uma taça de vinho e, num gesto de desafio, o despiu das vestes que escondiam suas fragilidades.
A luxúria apareceu como uma sombra sensual, envolvendo os presentes em sua teia tentadora. Helena, com seu olhar experiente, desvelou a verdade por trás dos desejos efêmeros, revelando o vazio que residia na busca incessante pelo prazer.
A gula, um glutão insaciável, devorava banquetes que não preenchiam o vazio interior. Helena, com um sorriso irônico, mostrou que a verdadeira fome residia na alma, não no estômago.
A ira rugiu em fúria, mas Helena, com a calma de quem enfrentou tempestades, revelou que a verdadeira força reside
na serenidade. Ela desarmou a ira com um simples olhar, transformando a tempestade em uma brisa suave.
A inveja, uma sombra verde de olhos famintos, rondava os corações dos presentes. Helena, com um gesto compassivo, apontou que a verdadeira riqueza estava na aceitação e na gratidão pelo que se tem.
A preguiça se arrastava, envolvendo todos numa letargia entorpecente. Helena, com sua energia contagiante, mostrou que a verdadeira realização vinha da ação, não da passividade.
A avareza, com suas garras afiadas, tentava acumular riquezas efêmeras. Helena, sorrindo, revelou que as verdadeiras riquezas eram as experiências, as conexões e as histórias que se tecem ao longo da jornada.
No final da noite, com o Covil dos Pecados silenciando, Helena, a guardiã da sabedoria, desaparecia nas sombras. Seus passos ecoavam como um sussurro, deixando para trás uma cidade transformada, onde os sete pecados haviam sido despidos, desmascarados e dissipados pelo conhecimento e pela compreensão.
E assim, Helena seguia seu caminho, a mulher que enfrentou os sete pecados capitais, não como inimigos, mas como sombras que precisavam ser iluminadas pela verdade.
A aurora tingia o horizonte quando Helena deixou para trás o Covil dos Pecados. Seus passos guiavam-na para além dos limites da cidade, em direção a terras desconhecidas, onde novos desafios aguardavam.
Enquanto caminhava, a lembrança da noite no Covil permanecia viva em sua mente. Cada pecado desvelado era como uma página virada em um livro antigo, revelando segredos e aprendizados profundos.
O sol erguia-se majestoso, pintando o céu com tons dourados, e Helena sentia a energia do renascimento pulsar em seu
íntimo. Ela não era mais apenas a guardiã do conhecimento sobre os pecados; tornara-se uma buscadora da redenção, tanto para si quanto para os outros.
A estrada se estendia à sua frente, serpenteando por vales e montanhas. Ela não sabia o que encontraria adiante, mas a certeza de que sua jornada era essencial a impulsionava para frente.
Ao longo do caminho, encontrou almas em busca de respostas, cada uma envolta em suas próprias batalhas contra os pecados. Helena, com suas experiências, oferecia orientação e conforto, compartilhando a sabedoria adquirida nas profundezas do Covil dos Pecados.
Ela viajava leve, carregando consigo não apenas as memórias daquela noite transformadora, mas também a determinação de auxiliar outros viajantes em suas jornadas.
Com o passar dos dias, histórias se entrelaçavam à sua volta. Helena tornara-se uma lenda, uma contadora de verdades e uma guia para almas inquietas. Seus ensinamentos eram como sementes plantadas em solos férteis, germinando a esperança e a compreensão.
E assim, enquanto a cidade ficava para trás, Helena adentrava novos territórios, navegando pelas águas turbulentas da vida. Seu propósito não era mais apenas desmascarar os pecados, mas iluminar o caminho para a redenção, para a busca constante por uma alma mais pura e em paz consigo mesma. Era uma jornada sem fim, permeada pelo renascimento e pela transformação contínua.
Matile Facó
Na cidade dos arranha-céus, onde o brilho das luzes contrastava com a escuridão das almas, vivia uma mulher chamada Sofia. Seus olhos, cansados pelas batalhas internas, carregavam a carga de quem conhece os segredos ocultos nos recantos sombrios da metrópole.
Sofia não era uma mera espectadora na dança dos sete pecados capitais que ecoavam pelas vielas estreitas. Ela era como uma sombra, presente em todos os lugares onde a ganância, a inveja, a luxúria, a ira, a preguiça, a gula e o orgulho deixavam suas marcas.
A ganância se revelava nos empresários com sorrisos falsos e bolsos cheios, desejando sempre mais. Sofia, com sua visão aguçada, enxergava a miséria da alma que se escondia por trás das riquezas acumuladas.
A inveja se disfarçava nas aparências impecáveis das pessoas, ocultando desejos de serem outros. Sofia, com sua empatia afiada, via a dor daqueles que não aceitavam a si mesmos, desejando desesperadamente serem quem não eram.
A luxúria, como uma chama ardente, seduzia corações e mentes, consumindo-os na busca incessante pelo prazer. Sofia, com seu coração endurecido pelas desilusões, entendia a efemeridade das paixões efêmeras e o vazio deixado por elas.
A ira, um fogo que queimava sem controle, despertava discórdia e destruição por onde passava. Sofia, com sua serenidade enraizada na dor do passado, acalentava corações
exaltados, lembrando que a verdadeira força vinha da calma, não da raiva descontrolada.
A preguiça se estendia como um manto sobre a cidade, envolvendo as mentes em letargia e desinteresse. Sofia, com sua persistência incansável, mostrava que a realização vinha da ação, não da inércia.
A gula, uma fome insaciável por prazeres mundanos, devorava a essência das pessoas, deixando um vazio que nenhum banquete poderia preencher. Sofia, com sua visão além das aparências, revelava que a verdadeira satisfação estava na moderação, não no excesso.
O orgulho, uma armadura que escondia fragilidades, erguia muros ao redor dos corações. Sofia, com sua humildade conquistada nas derrotas da vida, demonstrava que a verdadeira grandeza vinha da humildade, não da arrogância.
Enquanto caminhava pelas ruas da cidade, Sofia era testemunha silenciosa da luta diária entre sombra e luz, entre os sete pecados e a busca pela redenção. Ela não almejava ser uma heroína, mas sim uma guia, uma voz suave entre o caos, oferecendo um vislumbre de esperança na busca pela transcendência dos pecados capitais.
Sofia vagava pelas vielas estreitas e pelos becos sombrios da cidade, deixando um rastro de compreensão e reflexão por onde passava. Sua jornada não era apenas testemunhar os pecados, mas mostrar a possibilidade da redenção, um caminho de luz na escuridão.
A cada encontro, Sofia compartilhava palavras de sabedoria, semeando sementes de transformação nas almas atormentadas pelos pecados capitais. Ela entendia que o caminho da redenção não era fácil, mas acreditava na força da mudança.
Com sua voz suave, ela acalmava corações inquietos tomados pela ira. Oferecia a mão amiga àqueles consumidos pela inveja,
mostrando que a aceitação de si mesmo era o primeiro passo para a libertação.
Enquanto atravessava a cidade, histórias se entrelaçavam à sua volta. Pessoas buscavam seu conselho, buscavam compreender as cicatrizes deixadas pelos pecados que, por vezes, se tornavam correntes que as aprisionavam.
Sofia, com sua alma repleta de compaixão, oferecia luz na escuridão da ganância, lembrando que a verdadeira riqueza vinha do coração, não das posses materiais.
Ela percebia a transformação gradual nos corações antes seduzidos pela luxúria, agora buscando conexões genuínas e amorosas. Com um sorriso sereno, Sofia iluminava o caminho para aqueles que ansiavam por um amor verdadeiro.
A preguiça se desvanecia diante da inspiração de Sofia, que mostrava que a realização vinha do esforço e da busca por propósitos maiores.
A gula cedia lugar à moderação, enquanto aqueles que uma vez se afogavam em excessos aprendiam o valor da medida e da gratidão pelas pequenas coisas.
O orgulho, como uma fortaleza frágil, começava a ruir à medida que as pessoas compreendiam a beleza da humildade e da aceitação mútua.
Assim, Sofia seguia sua jornada, não como uma julgadora, mas como uma guia compassiva, oferecendo a chance de redenção aos corações dispostos a olhar além dos sete pecados capitais, em busca de uma vida plena e iluminada pela luz da transformação interior.
O sol ainda despontava longe. Abílio acordara cedo e sequer tomara café, pois precisava chegar ao trabalho.
O trânsito não era um problema naquele horário. Mês de férias escolares. Mas a distância exigia que seu deslocamento ocorresse antes do que era rotineiro e ele precisava mostrar o quanto se entregava ao trabalho.
Ao chegar ao prédio no qual funcionava a empresa para a qual trabalhava conseguiu estacionar na primeira vaga, normalmente ocupada pelo dono e, diferente do que fazia todas as manhãs, conseguira subir no elevador privativo do mesmo, pois estava acessível. Ele achou perfeitas as coincidências, pois precisava de mais tempo sozinho para começar a refletir sobre sua estratégia. Seu plano era começar o que tinha a fazer antes do burburinho e da movimentação dos seus outros 2 (dois) colegas de trabalho e, principalmente daquele a quem queria impressionar com a conclusão da tarefa que lhe fora repassada com a seguinte fala:
- Preciso que você em entregue este trabalho amanhã. Sei que você consegue. Só confio em você para uma tarefa tão importante. Você é o único competente para isso. Disse-lhe o dono da empresa.
Cheio de si, Abílio adentrou o escritório pela porta dos fundos para que ninguém o visse nem o perturbasse. Colocou seu notebook sobre a mesa, ligou o ar e manteve as persianas
cerradas. Era necessário. A seguir, colocou os fones nos ouvidos e imergiu em uma frequência de concentração. Ele tinha certeza de que cumprir o que o dono da empresa lhe pedira renderia o convite para ser sócio.
A manhã terminou e, sem tempo para almoçar, resolveu beliscar um lanche que levara de casa, apenas para não interromper o que estava fazendo e conseguir atender ao que lhe fora solicitado.
O que acontecia do lado de fora de sua sala não era importante. Afinal, ele tinha uma missão grandiosa e precisava concluí-la. Certamente sua agilidade e a qualidade do que estava fazendo mereceriam elogios do dono da empresa e isso lhe traria os frutos esperados.
Ele aguardava ansiosamente por isso, embora soubesse que nenhum dos outros colegas tinha a capacidade dele.
Nessa imersão, Abílio permaneceu isolado ainda uma boa parte da tarde, sempre concentrado no que estava fazendo. Mas, quando seus dedos digitaram a última frase no computador ele resolveu dar, a si mesmo, um momento de silêncio.
E assim que o fez percebeu algo estranho.
O movimento do dia-a-dia do lado de fora de sua sala não existia. Nenhum barulho de conversa, nem de pessoas no geral.
Olhou para o celular com o objetivo de ver as horas e resolveu checar suas mensagens. Verificou que ainda eram 15:00h e que não recebera nenhuma mensagem, o que também era esquisito, pois em um dia normal seu aplicativo de mensagens estaria lotado de mensagens do dono da empresa, assim como dos grupos de familiares e amigos, com piadas sem sentido e cobranças de toda parte.
Decidido a entender o que estava acontecendo, resolveu abrir as persianas de sua sala.
Ficou aturdido com o que viu.
Não havia ninguém, nem móvel algum no grande salão contíguo à sua sala. Como de manhã ele havia entrado diretamente pela porta de sua sala, que ficava acessível diretamente pelo corredor do andar, sequer tinha visto tal situação. E agora estava surpreso, sem ter a menor noção do que ocorrera ali.
Resolveu ligar para o dono da empresa.
A ligação, no entanto, não completou.
Decidiu mandar mensagem no grupo de Whatsapp. Foi quando percebeu que ele era o único que ainda estava no grupo.
Tentou falar com qualquer um de seus colegas, mas lembrou que fora do grupo nunca havia agendado o número de ninguém além do dono da empresa. Afinal, que interesse teria ele em falar com algum deles não fosse a respeito do trabalho?
E, mesmo assim, nunca o fizera nem mesmo no grupo, já que sua atenção era apenas para desenvolver seu trabalho e mostrar ao dono da empresa como ele era imprescindível. No máximo reagia às mil mensagens trocadas ao longo do dia pelos demais integrantes. Utilizava ora um sinal de ok, ora um emoji piscando. Jamais um “amem”. Tinha receio de se comprometer com aspectos religiosos e ser mal visto pelo dono da empresa.
O que lhe importava, de verdade, todos os dias, era tornar evidente a sua importância e a qualidade suprema de seu trabalho para que a empresa alcançasse uma imagem inigualável no mercado.
O dono da empresa precisava ter ciência de que, sem Abílio, seu negócio não seria nada, e que o certo era premiá-lo, deixando os demais como meros coadjuvantes, que já eram no contexto.
Insistiu novamente e mandou uma nova mensagem para o dono da empresa. Ligou mais umas 10 (dez) vezes. Nada.
O que acontecera com todo mundo?
Decidiu ligar para a portaria. Mas a ligação do interfone não foi atendida. Ele nem sabia quem estava no turno, pois quando chegou cedo não havia ninguém.
Desceu as escadas até a garagem. Ninguém no caminho, nem no local. Aliás, nenhum carro parado ali. Estranhou tudo aquilo e resolveu pesquisar no GOOGLE.
Em questão de minutos descobriu, no “site” de notícias local, a seguinte notícia:
“Empresa de fachada foi alvo de ação da Polícia Federal no início da noite de ontem. O dono da empresa, que estava envolvido com tráfico de drogas, foi encontrado no local fazendo a entrega de diversos quilos de cocaína. Foram apreendidos documentos que revelam que a empresa vinha desenvolvendo um programa de logística para fornecimento da substância via “Aplicativo de Delivery”. Os 2 (dois) empregados da empresa ouvidos até agora pela polícia disseram nada saber sobre o aplicativo, pois não trabalhavam junto com o dono. A polícia segue investigando quem estaria atuando em conjunto com o traficante. Mais notícias a qualquer momento.”
Abílio recostou-se na parede e começou a pensar no tempo que tinha despendido para criar uma versão mais eficiente do aplicativo de entrega de medicamentos que lhe fora solicitada, com a máxima urgência, pelo dono da empresa. Pensou no
endereço de IP de seu notebook. De repente, e já sem fone nos ouvidos, começou a ouvir sirenes....
Paulo César Tórtora
Eram casados havia cinco anos, não tinham filhos, eram felizes.
Não acreditou quando vieram contar que sua mulher o traía.
Recusou-se a crer que uma união com aquela estabilidade pudesse ser maculada daquela maneira. Tal coisa só acontecia com os outros, não com ele.
Entretanto, a dúvida o corroía.
Um dia, deixou mais cedo o trabalho para ficar na rua, de tocaia, vigiando a porta de casa. Quando a esposa saiu, seguiua. Foi somente quando a viu encontrando-se com o amante, entre acalorados beijos e abraços, é que pôde constatar, à distância e com o coração dilacerado, a infidelidade conjugal que ele teimava em não admitir.
Aguentou firme, não falou nada para ninguém, nem para a esposa infiel.
Passado o primeiro momento de choque foi a uma loja de armas e adquiriu um punhal. A vingança haveria de ser em grande estilo!
Na primeira oportunidade chamou-a, conversaram educadamente (afinal, era um sujeito contido e civilizado). Cartas à mesa, os fatos foram expostos. A esposa, inicialmente, tentou contemporizar, se disse arrependida, fora uma fraqueza momentânea... Mas não houve conserto. Não obstante a discordância inicial da mulher e os pedidos de perdão (que
foram aceitos, mas, sem volta) partiram para o divórcio, que ocorreu de forma amigável.
Mais cedo do que pensava, superou a dor da separação e já estava até aprendendo a desfrutar aquela esquecida delícia, que era estar sentimentalmente desimpedido. Era uma nova vida que se abria para ele. Só não se esquecera da promessa de vingança que fizera a si próprio, da necessidade de lavar a própria honra com sangue. A ira devido à traição ainda o consumia.
Meses depois combinou um encontro com a ex sob um pretexto qualquer. Não esqueceu de levar o punhal. Na amistosa conversa que se seguiu, mesmo recusando o reatamento pedido por ela, foram parar num quarto de motel. Uma última vez, em nome dos velhos tempos.
Conheceu então o singular deleite que era estar do outro lado. Agora era ele que traía o outro, então tornado relação estável dela. A arma branca não precisaria ser usada. Deu-se conta de ser ele próprio que, sem nenhuma culpa ou remorso, cravava o punhal da traição nos dois. Não literalmente, é certo, mas, exatamente por ser um ato metafórico, trazia o êxtase de um prazer maior.
E gozou em dobro as delícias de ser um homem livre.
Sãoapenassete
Masbrotamdocoração
Sempredãomanchete Cometê-loséaperdição
Airaéoprimeiro Umpecadocapital
Teenvolveporinteiro Éumódiosemigual
Nãosedeixeafundar Numsentimentotãovil
Maspiorquedoqueirar Édeixardesergentil
Cuidedocoração
Paraquedelebroteamor Nairaseperdeanoção Fere,causandodor
Seiradoestiver Arranquedesiessasemente Falarcontigoninguémquer Airaperturbaamente
Meditaçãoouterapia Nãoimportaotratamento Seairaéteuguia Buscaajudanomomento
Asoberbaéterrível Umpecadocapital Éorgulhoemoutronível Causaimensomal
Humilharoutrapessoa Éatitudecruel
Osoberbonãoperdoa Sóasieleéfiel
Masosábiojádizia Oorgulhososedámal Éjustoqueumdia Elepercaamoral
Asoberbatedestrói Afastaqualqueramigo Éummalquetecorrói Umpecadobemantigo
Sejahumildedecoração Tratetodosporigual
Seferiupeçaperdão Asoberbaébrutal
Senooutrovocêpensar Eseelesesentir
Vaiparardemaltratar Eaprenderainteragir
Glutonariaépecado Umdossetecapitais
Comertudoéumfardo Percebaossinais
Comeratésemfome
Éumhábitoperigoso
Gulaéonome
Doapetiteenganoso
Oglutãoéhumilhado Pecadovergonhoso
Nãosesentesaciado
Paraeleissoédanoso
Àsaúdefazmuitomal Comerebebercomexagero
Chegaatéaserfatal
Comercomdesespero
Cuidebemdesi
Peçaajudaseprecisar
Tratelogodeassumir
Seagulateforçar
Tratedasuasaúde
Háquempossateajudar
Sejaforte,tenhaatitude
Paraagulacontrolar
Ainvejaéumpecado Umpecadocapital
Oinvejosoéumcoitado
Terinvejanãoélegal
Quertudoqueooutrotem Nãosealegracomnada Sempreagecomdesdém Seuelogioéumacilada
Temoolhogrande Aspirasempremais
Seudesejoseexpande
Nuncasesatisfaz
Étristeterqueesconder Doinvejosonossaconquista Poisoolhotempoder Sejamosrealista
Queminvejasempreperde Bemmelhoréconquistar Agramadovizinhonãoémaisverde Paredecomparar
Fiquefelizpeloseuamigo Comemoresuavitória
Nuncasejaoinimigo Ainvejaépredatória
Avarento,quehorror Preferepediroupassarfalta Gastarlhecausador Caridadenuncaépauta
Sódesejaeconomizar Mesmoquandotemprecisão Quandopensaemgastar Aceleraocoração
Mesmosetiverdinheiro Suametaéabarganha Comosparentesécabreiro Oqueécaroeleestranha
Odinheiroéoseudono Paratê-lofazdetudo Deixaamãenoabandono Senãoficasisudo
Essavidaésóuma Paranadadesfrutar Comopoucoeleacostuma Prapodereconomizar
Massóperdequemnãovive Quemsópensaempoupar Masviverassimtepriva Dodireitodesonhar
Apreguiçaoimpede Deagir,deexercitar Suafamaoprecede Delenadapodeesperar
Éumpecadobemhorrível Opreguiçosoéavacalhado Trabalharéimpossível Pensaréumimensofardo
Semprequertudonamão
Fogedequalquertrabalho
Viveemcimadocolchão Preferepegaratalho
Nuncasaidecasa Nemconversacomninguém
Suavidasóatrasa
Apenasfazoqueconvém
Enquantoissootempopassa
Bemdepressatudoacaba Apreguiçaéadesgraça
Tuavidaentãodesaba
Nãopermitaqueapreguiça
Tedomineporinteiro
Ouçabemessapremissa Apreguiçadámalcheiro
Opecadodaluxúria Émuitoextravagante
Semsexovemafúria Porissotemamante
Nuncaestácontente
Necessitasempremais
Temumavidadecadente
Relacionamentosbanais
Promiscuidadeesadismo
Orgiaebacanal
Curtemuitoerotismo
Geralmenteéimoral
Éviciadoemsexo
Sóquersentirprazer
Noamornãoháreflexo
Nãotemnadaaoferecer
Éprecisosetratar
Cuidardocorpoedacabeça
Paraasimesmopreservar
Eaninguémmaisaborreça
Terumavidamaisregrada
Paraasaúdenãoperder
Fazer o que lhe agrada
Semocorpoofender
Raian Moreira da Silva
O céu pesado e cinzento caía em forma de chuva.
Num fim de tarde sombrio em Curitiba, mais especificamente na estação tubo da Praça Carlos Gomes, sete almas perdidas se reuniram, cada uma imersa em seus próprios conflitos internos, desconhecendo o encontro fatídico que estava para ocorrer.
Fábio, um executivo bem-sucedido (na cabeça dele), exalava arrogância. Com seu terno caro (comprado no brechó) e olhar de superioridade, ele ignorava os demais enquanto checava impacientemente seu Rolex submariner (que comprou no aliexpress).
Seu orgulho o tornava cego para o mundo ao seu redor.
Helena, com seus óculos de grife e bolsa de marca (um presente da vó, que mora em Foz do Iguaçu e trafica muamba do Paraguai), observava as pessoas e suas posses com um olhar cobiçoso. Ela vinha de uma tarde de compras, sempre em busca de mais, nunca satisfeita.
Rafael, um homem robusto e descuidado, comia vorazmente um cachorro-quente (completo com milho, batata palha e 2 vinas). Ele parecia encontrar conforto apenas na comida, comendo mais por compulsão do que por fome.
Beatriz, jovem e desinteressada, mergulhada em seu celular, representava a preguiça moderna. Ela mal olhava para cima,
perdida em um mundo virtual (quem não está?), evitando a realidade ao seu redor.
Eduardo estava todo molhado, e tinha acabado de ter um péssimo dia (assim como todos), de punhos cerrados e sobrancelhas franzidas, emanava raiva. Recém-saído de uma discussão acalorada no trabalho, ele remoía cada palavra, cada olhar de desprezo que recebera.
Amanda, uma mulher de aparência modesta (estava a 2 dias sem tomar banho devido ao frio), lançava olhares invejosos para os outros passageiros, especialmente para Helena. Ela se sentia diminuída pela felicidade e sucesso alheios, incapaz de ver o valor em sua própria vida.
Tiago, atraente e charmoso (auto estima é tudo), flertava descaradamente com cada pessoa (ou coisa) que passava. Mas por trás de seu sorriso sedutor, escondia-se um vazio profundo, uma sede de afeto que nunca parecia ser saciada.
Quando o Ligeirão chegou, envolto em uma névoa densa e misteriosa, uma figura enigmática desceu. Vestido em tons de cinza, com um chapéu ocultando seus olhos, ele chamou cada um pelo nome, convidando-os a embarcar numa jornada de autoconhecimento.
Quando o Ligeirão azul se materializou imponente através da névoa, não era um mero ônibus, mas uma carcaça retorcida e sombria de metal e vidro, que parecia respirar com vida própria. A névoa se agitava ao seu redor, como se fosse parte de sua substância, e de suas profundezas sombrias, uma figura emergiu.
A figura era alta e magra, vestida em trapos que já foram elegantes, agora desbotados em tons de cinza, como se tivessem absorvido a própria névoa. Seu chapéu, gasto e
amassado, cobria seu rosto, deixando apenas a boca visível, um ricto que poderia ser um sorriso ou um esgar de dor.
Quando ele falou, sua voz era um sussurro, como folhas secas arrastando-se pelo chão, mas cada palavra ressoava com um poder que parecia ecoar diretamente da alma. "Venham", ele disse, e seu convite era uma ordem, um chamado que eles sentiam que não podiam recusar.
Um a um, seus nomes foram pronunciados, não apenas falados, mas sussurrados diretamente em suas mentes, revelando verdades escondidas e medos não confessados.
Com cada nome, um sopro gelado da névoa tocava suas peles, deixando uma marca que parecia queimar e gelar ao mesmo tempo.
Ao embarcar no Ligeirão, cada passageiro sentiu a realidade mudar. O interior do ônibus era um labirinto de corredores escuros e assentos vazios, cada um coberto de uma fina camada de poeira e teias de aranha. Algumas baratas rodeavam o chão em busca de alimentos derrubados pelos passageiros anteriores.
O ar estava carregado com o cheiro de coisas antigas e esquecidas, e a luz que penetrava pelas janelas embaçadas era fraca e trêmula, como se estivesse lutando para se manter viva.
À medida que o ônibus começava a se mover, a paisagem fora das janelas se transformava. Não mais as ruas de Curitiba, mas uma série de cenas horríveis e maravilhosas se desenrolava: florestas densas de Araucárias e Ipês amarelos, onde árvores torcidas formavam rostos grotescos, cidades abandonadas com edifícios desmoronando sob um céu vermelho-sangue, e vales onde neblinas luminosas escondiam criaturas indizíveis.
Através das janelas, os sete passageiros observavam, fascinados e aterrorizados, enquanto a realidade que conheciam se desintegrava em uma tapeçaria de alucinações.
Fábio, sempre tão arrogante e seguro de si, agora se encolhia contra o frio couro de seu assento, a arrogância esvaindo-se como névoa ao amanhecer. Seus olhos, outrora narizes empinados para o mundo, agora estavam arregalados em puro horror. A estrada sinuosa levava-o por uma floresta de árvores retorcidas, Araucárias e Ipês amarelos, cada uma delas transformando-se, diante de seus olhos incrédulos, em rostos acusadores. Eram os rostos das pessoas que ele havia desprezado, humilhado e esquecido em sua escalada egoísta e narcisista pela vida. Cada expressão congelada em madeira era um espelho de sua própria crueldade, um tribunal silencioso e condenatório.
O vento sibilava através dos galhos, soando como vozes distantes, sussurrando seus pecados e falhas.
Em outro lugar, Helena, cuja vida havia sido dedicada à busca incansável por riquezas, permanecia tão paralisada quanto a sua conta bancária, com seu coração cobiçoso batendo freneticamente. Ela se via em meio às ruínas de uma cidade outrora grandiosa, onde joias cintilantes e tesouros brilhavam sob a luz pálida do luar. Mas, ao tentar tocá-los através da janela, suas mãos passavam direto por eles, como se estivessem tentando agarrar a própria fumaça emanada pelo biarticulado. As riquezas que ela tanto desejava estavam ali, espalhadas aos seus pés em forma de ilusão, mas tão inatingíveis quanto os sonhos desfeitos, os sonhos que ela mesma se permitiu enganar para não aceitar a pobreza do seu espírito. Cada pedra preciosa, cada moeda de ouro brilhando zombeteiramente, era uma lembrança daquilo que ela sacrificara em sua busca insaciável: amizades, amor, integridade. Agora, cercada pela opulência de uma civilização desaparecida, ela percebia a
futilidade de sua ganância. O vento uivava entre as colunas quebradas, carregando consigo os ecos de risos e conversas há muito silenciados.
Rafael, cuja vida havia sido uma eterna busca por prazeres sensoriais, agora se encontrava em um pesadelo vívido e implacável. Bem no centro infinito da articulação do ônibus, ele estava cercado por banquetes que se estendiam até onde a vista alcançava. Mas, ao contrário dos festins luxuriantes de seus sonhos, estes estavam em um estado de decadência repulsiva. A “sanfona” do ônibus se expandia e recolhia em frequências aleatórias. As mesas, outrora símbolos de alegria e indulgência, agora eram palcos de um espetáculo grotesco de apodrecimento. Frutas outrora suculentas murchavam e escureciam, carnes antes tenras se desfaziam em putrefação, e o cheiro doce e enjoativo da decadência enchia o ar. Cada tentativa de Rafael de provar essas iguarias resultava em uma repulsa crescente e um aperto sufocante em sua garganta. Era uma lembrança cruel e incessante de sua busca insaciável por prazer físico, agora transformado em um tormento eterno.
Enquanto isso, Beatriz, cuja vida se perdera em um mar de indolência e procrastinação, enfrentava seu próprio inferno pessoal. No fundo do busão sufocante, relógios de todos os tipos cobriam cada centímetro das paredes e do chão. Cada relógio corria em velocidades diferentes, seus ponteiros girando em uma dança frenética e descontrolada. O som de tic-tac era ensurdecedor, preenchendo o espaço com o lembrete constante do tempo que escapava, do tempo que ela havia desperdiçado. As horas, minutos e segundos voavam em uma vertigem, um turbilhão que simbolizava os anos perdidos em sua indolência. Beatriz tentava desesperadamente parar os relógios, mas seus movimentos eram lentos e pesados, como se estivesse submersa em uma geleia. A ironia de seu esforço era demasiadamente sofrida, e quanto mais esforço ela fazia
para parar o relógio, mais sons de notificação de celular ela ouvia. Mais a mais alto.
Tiago, conhecido por sua luxúria desenfreada não sabia exatamente onde estava. De repente tudo ficou escuro, iluminado apenas pela luz da lua que se filtrava através de cortinas finas e desgastadas, emulando a luz vermelha de cabaré. As paredes do ônibus pareciam respirar, ofegante, se contorcendo como se estivesse tendo um orgasmo, movendose sutilmente com as sombras que dançavam ao seu redor.
Essas sombras, de formas sedutoras e movimentos lânguidos, sussurravam promessas de amor e conexão, palavras que Tiago sempre desejara ouvir. Mas, como a névoa matinal que desaparece ao toque, elas se desvaneciam sempre que ele tentava alcançá-las. Cada tentativa de toque era uma agonia, uma lembrança cruel de sua busca vazia e incessante por um amor que nunca se concretizava.
Tiago estendia as mãos, desesperado por contato, mas tudo o que encontrava era o vazio frio do ar. A cada falha, seu coração afundava mais em desespero. Ele começava a perceber que essas sombras eram manifestações de suas próprias falhas e anseios, criadas a partir do vazio que havia dentro dele. Cada sombra era uma amante perdida, um romance falhado, um momento de paixão que se desfazia em nada.
Sua cabeça começou a girar, as paredes se aproximando, as sombras se fundindo em uma escuridão opressiva. Tiago, agora ciente de sua solidão, percebia a ironia de seu destino: cercado por desejos e tentações, mas condenado a uma eternidade de isolamento. Sua luxúria, que uma vez fora uma fonte de poder e confiança, agora se tornava sua prisão, um lembrete constante de que a verdadeira conexão não pode ser encontrada na obsessão superficial, mas sim na profundidade do ser.
Com a luz da lua como única testemunha, ele sentou no chão frio, abraçando seus joelhos. As sombras continuavam a dançar, mas agora ele não tentava mais alcançá-las. Ele apenas observava, perdido em pensamentos sobre o amor verdadeiro que nunca conheceu e a conexão que sempre escapou de suas mãos ávidas.
Em um canto da sala, uma sombra permanecia imóvel, observando. Talvez, em algum lugar naquele reino de escuridão e ilusão, houvesse uma chance para redenção, um caminho para um amor mais puro e significativo. Mas, por enquanto, Tiago permanecia sozinho, um prisioneiro de sua própria luxúria.
Sozinho, triste e...com tesão.
Eduardo, o irado, pressionava sua testa contra o vidro frio da janela do Ligeirão, seus olhos fixos nas tempestades furiosas que se desenrolavam no mundo além. Cada relâmpago que rasgava o céu era como um grito silencioso de sua própria fúria, e cada trovão, um eco de sua frustração. As ondas gigantescas, batendo contra rochas invisíveis, eram a perfeita metáfora para a luta interna que Eduardo travava diariamente. Ele se via naquele mar tempestuoso, perdido e consumido pela ira que não conseguia controlar, uma ira que muitas vezes se voltava contra si mesmo, deixando-o exausto e vazio. Assustado.
Atrás do banco do motorista, Amanda observava através dos retrovisores que apareciam e desapareciam nas paredes do ônibus, reflexos de si mesma que ela mal reconhecia. Em cada espelho, ela se via como desejava ser: mais bem-sucedida, mais feliz, mais amada. Mas a cada visão, seu coração se enchia de uma dor mais profunda, uma inveja que corroía sua alma. Os espelhos não eram apenas reflexos; eram janelas para vidas que ela nunca viveria, lembranças de escolhas que nunca fizera. E com cada nova imagem, Amanda sentia sua inveja transformar-
se em um lamento silencioso, um desejo de abraçar sua própria vida com todas as suas imperfeições.
Tinha pena de sí mesma.
Enquanto Eduardo e Amanda enfrentavam suas tormentas pessoais, a figura enigmática que guiava o Ligeirão observavaos com olhos que viam além das aparências. Ele sabia que cada tempestade, cada espelho, era uma lição crucial na jornada dessas almas perdidas. Eduardo precisava aprender a acalmar as ondas de sua raiva, a encontrar a paz no olho do furacão de seus sentimentos. Amanda, por sua vez, precisava quebrar os espelhos da inveja e aprender a valorizar o reflexo real que eles escondiam.
O Ligeirão, mais do que um mero ônibus, tinha se tornado um vórtice de horrores, um veículo transportando almas através de uma jornada tanto física quanto espiritual. Seus passageiros, os sete representantes dos pecados capitais, cada um absorto em sua própria redenção, começaram a sentir a densidade da atmosfera que os envolvia. Era como se o ônibus se movesse através de um limbo entre a realidade e um reino de sombras.
Nas janelas úmidas do Ligeirão, imagens começaram a se formar, como pinturas vivas, retratando cenas de vidas passadas. Eram fragmentos das histórias do condutor, cenas de um tribunal sombrio onde ele, em sua vida anterior, emitia seus julgamentos severos. As sombras dos condenados pareciam se contorcer e gemer, presas eternamente nas paredes do ônibus, testemunhos silenciosos de sua inflexibilidade e crueldade.
O condutor, uma figura enigmática que até então parecera apenas um guia sombrio, revelou-se uma alma atormentada, acorrentada ao Ligeirão como punição por seu pecado, o oitavo pacado, julgamento. Seus olhos, agora visíveis sob a aba de seu chapéu desgastado, brilhavam com uma luz triste e
distante. Eles eram janelas para uma alma condenada a vagar eternamente, um espírito amaldiçoado a repetir a jornada do Ligeirão, guiando outros pecadores enquanto ele mesmo permanecia preso em um ciclo de penitência sem fim.
Cada parada do Ligeirão, cada alma que ele transportava, era uma lembrança constante de seu próprio fracasso em buscar a verdadeira justiça. Sua existência havia se tornado um paradoxo cruel – um juiz que agora enfrentava o julgamento eterno. A névoa que envolvia o ônibus parecia ser um reflexo de sua própria agonia, um véu entre o mundo dos vivos e o purgatório ambulante que ele agora habitava.
Os passageiros, ao testemunharem as visões sombrias das paredes do Ligeirão, sentiram um misto de horror e empatia pelo condutor. A jornada que inicialmente parecia ser uma punição para seus próprios pecados, agora se revelava como uma lição sobre a complexidade da alma humana e a tênue linha entre justiça e vingança.
Fábio, uma vez consumido pelo orgulho, agora olhava pela janela com uma humildade recém-descoberta, seus olhos refletindo não apenas o mundo externo, mas também um mundo interno que ele estava apenas começando a compreender. Helena, com sua cobiça esvaziada, encontrou beleza nas coisas simples que a névoa revelava e escondia em seu balé misterioso.
Rafael, que havia buscado conforto na gula, sentiu uma fome diferente agora - uma fome de significado. Beatriz, cuja preguiça havia sido uma barreira para a vida, agora sentia uma energia renovada, uma urgência de viver plenamente. Eduardo, libertado das correntes de sua raiva, contemplava a tempestade com olhos serenos, como se tivesse encontrado paz no coração do caos.
Amanda, que invejava os outros, agora olhava para si mesma com uma nova apreciação, entendendo que cada vida é única e inestimável. E Tiago, o sedutor, percebeu que o verdadeiro amor não era um jogo de conquista, mas um ato de entrega.
O condutor, um fantasma de julgamentos passados, guiava o Ligeirão com uma tristeza que era tanto punição quanto redenção. Ele era uma lembrança viva de que cada decisão, cada julgamento, carregava consigo o peso de consequências eternas.
Quando o Ligeirão parou e os passageiros desceram, eles sentiram como se estivessem deixando para trás mais do que apenas um ônibus. Eles estavam deixando para trás partes de si mesmos que não mais precisavam, transformados pela jornada através da tempestade entre os mundos.
Eles observaram ainda confusos enquanto o Ligeirão desaparecia na névoa, uma névoa que parecia absorver tanto o veículo quanto as lições que ele carregava. A pergunta que permaneceu em suas mentes era um eco de sua própria jornada: quantas almas ainda enfrentariam a viagem no Ligeirão, guiadas pelo juiz condenado em sua busca eterna por redenção?
Eles saíram da Praça Carlos Gomes, não apenas como pessoas que haviam enfrentado seus pecados, mas como testemunhas de uma verdade mais profunda sobre a natureza humana e a busca interminável pela compreensão e pelo perdão.
Mas ainda eram pecadores, e você sabe muito bem qual é o salário do pecado.
Eu estava sentado na sala, o livro em minhas mãos já esquecido, quando ouvi algo estranho vindo do sótão.
Eu: "Deve ser o vento... mas nunca ouvi um vento sussurrar assim."
Subi as escadas, cada degrau rangendo sob meu peso. Abri a porta do sótão e o som ficou mais claro.
Eu: "Isso não é possível... um rádio antigo? Como?"
Toquei no rádio empoeirado e ele ganhou vida, enchendo o ar com vozes antigas.
Vozes do Rádio: “Que saudade do meu Ceará”... "...lembra quando nós..." "...as crianças brincando..." "...não conte a ninguém..."
Eu, murmurando para mim mesmo: "São como fantasmas... falando comigo."
Na noite seguinte, a voz do rádio mudou, se tornando assustadoramente clara.
Voz do Pai no Rádio: "Eu fiz algo terrível... nas terras atrás da casa... nunca contei a ninguém..."
Eu, atordoado: "Pai? O que você está dizendo?"
A voz se calou e o rádio ficou mudo.
Eu, para mim mesmo: "Preciso descobrir a verdade."
Nos dias seguintes, comecei a cavar a terra seca ao redor daquele sertão. Finalmente, encontrei algo...
Eu, para mim mesmo, enquanto cavava: "O que é isso? O que você escondeu, pai?"
Desenterrando os segredos do passado, percebi que as vozes no sótão não eram apenas ecos; eram pedidos de justiça.
Eu, falando sozinho no sótão: "Eu vou descobrir toda a verdade. Vou fazer o que é certo, não importa o que custe."
Rogers Silva
“A dúvida é comparada ao vento de morte e de ruína”, li em algum lugar. Onde? Não sei. Não lembro. Não quero lembrar. Foda-se. Fodam-se todos vocês, norte-americanos ou não! Essa nossa televisão norte-americanizada! Estados Unidos pra lá, Estados Unidos pra cá, cachorrinho do Bush, terroristas (como se eles não fossem), aqueles filmes retardados e retardantes. Um bando de imbecis que se acham os dez. E nós, os subimbecis. Deixe-me só, deixe-me respirar, posso? Então ela veio vindo vindo chorando e eu pensei, pedirá mais o quê? Só sabemos pedir. Não, ela não. E dar? Não dar sexualmente falando, porque assim ela me dava muito, toda hora, eu era o dono (exclusivo?) do seu corpo. Nunca vi gostar de dar como ela (seria só pra mim?). Insaciável. Posições diversas. Novidades sempre. Ninfomaníaca. Todo, todo o seu corpo era meu. Porra! Televisão dizendo da guerra do Iraque (que George W. Bush morra com um tiro na testa. O mundo ficaria um pouco melhor. Os deuses com a sua não interferência agradeceriam) e a propaganda dizendo pra eu comprar isso aquilo este esse aquele compre compre você pode, é a sua chance! Não tenho dinheiro pra isso tudo, seus filhos duma puta! Não percebem que não temos dinheiro pra tudo isso?! Somos brasileiros! Desligo-a. Melhor. Por que, meu amor? Por que, Josi? Ela veio vindo me beijando a boca, o rosto, o pescoço, seus lábios sobre minha pele negra, tirando minha camiseta, descendo a boca até tirar minhas calças e suada, eu suando também, gostando também. A música (Ando tão à flor da pele / Qualquer beijo de novela me faz chorar) que eu
escutava não tinha nada a ver com o ambiente de amor e prazer que se criou quando ela entrou sorridente e sensual por aquela porta vestida com uma calça jeans que ficava maravilhosamente bem em seu corpo lindo e uma blusinha que apertava seus seios grandes (Barco sem porto, sem rumo, sem vela). Como era linda. E gostosa. E uma boca linda! E gostosa. Os seios, a barriga sarada, o quadril maior que a cintura. Morena bronzeada, os olhos sensuais e verdes. A boca grande, linda de Angelina Jolie. Não perdia em beleza para a atriz. Só não fazia filmes, mas fazia sexo como ninguém. E como gostava! Seria amor? Ou puramente sexual o nosso caso? Três anos sexualmente ativos, os dois, um querendo mais que o outro (Oh, sim! Eu estou tão cansado). E ela entrou séria mas fez quase tudo o que sempre fazia. Por que está mais recatada?, tinha vontade de dizer. Por que, Josi? E o nosso pacto de prazer sem restrições? Ela veio, tomamos um refrigerante, mas nunca tomávamos nada!, enrolamos um pouco, um pouco que se tornou muito, e eu com vontade, a excitação aumentando aumentando e fui ao sofá onde ela estava sentada com as pernas cruzadas, mostrando-as, essas pernas brancas porém bonitas. Fui até ela, dei-lhe um beijo animalesco, intenso e ela gostou da minha atitude. Eu estava acostumado com isso. Fizemos sexo (e não amor) durante uns cinquenta minutos. Apesar do longo tempo, sexo ruim. Estava muito, mas muito recatada. Ela saiu feliz. Eu não. O gozo anterior transformou-se em náusea para mim. Náusea. No outro dia ela veio vindo, negra, a negra mais linda que eu já vira, os cabelos longos e encaracolados, o rosto mais perfeito, sem manchas sem espinhas sem falha alguma. O corpo lindíssimo, magro e lindíssimo. Nua, escultura. Defeitos físicos, se tivesse, não os vi. Seu charme tentando me impressionar, e impressionou. Mas Josi! Por que tão diferente? E agora, nada de sexo oral? Por quê? E outras vezes viria. Quem? Ruivas, morenas ao monte, poucas loiras e algumas negras. Sempre bonitas. Todas. Nunca fiquei com mulher feia.
Sou bonito e exijo que pague na mesma moeda. Mas Josi estava à minha altura: eu, um metro e oitenta dois e ela, um e setenta e sete. E vinha vinha, não gostando do meu apartamento, mas aqui?, sentou com nojo, ofereci suco mas ela não quis, não seria capaz de beber algo que não fosse puro. Essas ricas! E ainda casada! Gosto delas, dessas falsas puritanas, doidas por sustentar uma imagem: a Virgem. Se chamava Maria mas não era mais virgem. Talvez com o marido fosse, mas comigo não. Comi muito. Alguns dias, de três a quatro vezes. Como ela gemia! Por quê? Mas Josi! Você nunca foi assim! A Maria casada tudo que não fazia com o marido fazia comigo, como gostava de chupar! Mas sempre olhando pedindo aprovação. Josi não era assim, ela vinha sempre alegre e sensual e querendo querendo até não aguentarmos mais. Mas aguentávamos. Sempre aguentávamos e nunca era o bastante. Sempre nos queríamos e nunca foi o bastante, nem pra mim nem pra ela. A casada me ligando me procurando pra sexo só sexo e nada!, e assim foi durante uns oito meses, até eu enjoar. Me enojei também da negra (e não digam, seus retardados, que era racismo!). Era apenas cansaço de tudo isso sem amor sem paixão. Apenas o prazer. E aquele oco. A negra que antes, nas primeiras vezes, não gostava de sexo oral. Sim. Depois gostou, aprendeu como ninguém. Sempre começava pelo meu órgão, depois puxava a minha cabeça para o seu. Peles negras se encontrando. Chorou quando eu disse a ela que não queria mais, nunca mais, entende! Chorou porque eu nunca mais daria o prazer que sempre lhe dera. Sentiria falta, como não? Eu, o expert em mulheres e seus mistérios sexuais. Um choro interesseiro. Apesar, a dispensei. Não te quero mais! E a noiva evangélica veio um dia, pela primeira vez, disse que vinha porque, por que mesmo? Não lembro, só sei que veio, a puritana (puritana não sei, mas virgem, disse). Percebi quando tirei sua virgindade. Embora demonstrasse dificuldade, eu consegui. No sentido sexual, eu consigo tudo de uma mulher.
O segredo? Paciência. E falsidade. Com a noiva virgem tive que beijar uns vinte minutos sua boca, mais uns dez o rosto o pescoço e a orelha até descer para os seios pequenos. Tinha vergonha do corpo, mas isso não foi grande problema. Beijei sua barriga e a virgem gemia. Olha que ainda nem tinha beijado seu sexo. Sexo? Mas beijei, além de descer para as pernas magras, morenas, brilhantes, mas naturais, não eram bronzeadas. Demorei umas duas horas para terminar o serviço. Apenas duas horas para tirar todo seu pudor. E sua virgindade. Nua ao meu lado, na minha cama, ela sorria. Eu virava o rosto, disfarçadamente, para não ter que lhe oferecer o meu sorriso. Fiquei mais de um ano com ela. Continuava virgem do noivo, dizia. Só dera para mim. Eu fora o primeiro e o único. Estou honrado, dava vontade de dizer. Mas eu nada dizia, não tinha vontade nem de conversar às vezes. Outro dia ela foi vindo, avisou que viria, tinha a chave, entrou sem eu perceber e já foi logo me beijando (gostava, a noiva virgem, dos beijos intensos, afobados). Era tudo que eu não queria: ela viesse com aquela cara de insatisfeita sexualmente, de imatura sexualmente, de bitolada sexualmente. Assembleia de Deus, isso? Sim, era a igreja que frequentava. Comi-a, nesse dia, apesar de tudo, duas vezes. Gozou duas vezes. Suada ao meu lado, na cama, me olhava, já apaixonada e disse: Larguei do meu noivo. Meu Deus!, pensei. E daí?, deu vontade de perguntar. Evitei falar alguma coisa. Ela percebeu o meu silêncio, o meu característico silêncio. Pela primeira vez teve iniciativa e tirou minha roupa que eu pusera pouco antes e caiu de boca, quase literalmente. Foi horrível. Nunca recebera um sexo oral tão mal feito, babado. Eco. Tudo me causava nojo. Mas... e Josi? Josi já era uma miragem há muito. Lembro de quando nos conhecemos e ela disse quando eu disse que não acreditava em amor: Vou fazer você acreditar. Fez? Conversava tanto! E de um modo tão natural, sem forçação de barra. Tudo tão natural! E eu, desde o primeiro momento que a vi, na praia, fiquei admirado. Como era linda! De sutiã, nua,
com roupa (e qualquer uma), como era linda! Contemplava-a muito. E a olhei quando veio vindo chorando chorando, será que ficou sabendo algo de mim?, pensei. As lágrimas caindo dos olhos verdíssimos, pela pele morena, lisa, seca, sem mancha alguma. Apesar de tudo que você faz, eu te amo, eu te amo!, entrou dizendo e me abraçando. Nunca a vira assim, resignada. Sempre fora forte. Áspera não. Ao contrário, sempre carinhosa. Agora sofro por toda a idealização que fizera de mim, e eu dela. Nos adorávamos, sempre, a todo o momento. Batem na porta e não atendo. Bate, bate. Porteiro filho duma puta, deixa qualquer uma entrar e subir. Sei que é mais uma mulher daquelas que exigem um príncipe encantado mas é feia, dura, ruim de cama e, como sempre, carente. Sempre carentes, elas. Por carência fazem tudo: dá pra outro (traem), matam, abandonam pai, mãe e filhos. E se dizem inocentes, as falsas. Justificadas, as dissimuladas. Não as aguento mais! Foi-se minha paciência junto com o meu amor. Foram-se. Para onde? Onde procurá-los? Por onde andar e encontrar a alegria fugaz mas antes existente? Não há saídas. Só há lembranças. E lembro da morena desprovida de vaidade que conheci uma semana atrás. Por incrível que pareça ainda não a levei pra cama. Não demorará. Mas na boate onde nos beijamos pela primeira vez ela já foi logo pegando firme, se é que vocês me entendem: olhe, não sou vaidosa mas sou fogosa! Em pleno século XXI há ainda mulheres que não usam batom, não se maquiam, não se disfarçam? Sim, há: ela. Mesmo assim (talvez por isso) se torne tão bonita, a morena clara, cabelos lisíssimos, brilhantes, bem tratados. Um corpo bonito e uns olhos cor de mel. Muito bonita. Não demorará que ela me ligue e depois gema aqui na minha cama. Mas ela tem namorado, foi o que disse. Foda-se. Eu não tenho. Só as lembranças... Quando Josi veio vindo chorando, pela primeira vez entrou chorando no meu apartamento, sempre entrava feliz, sorrindo, quando ela veio vindo me abraçando, pensei:
O que será? Eu te amo eu te amo eu te amo, saiba, insistia em dizer. Sei, murmurei. E eu também. Mas..., começou. Não terminou. Por quê?, perguntou. E eu sabendo do que se tratava falei: Você é insubstituível. Fomos para a sacada. Quantas vezes fizemos amor ali, à noite, na sacada. As estrelas e o chão, polos distantes. E nós, no décimo quinto andar, no meio. Ficamos ali olhando as casas que se estendiam e outros prédios. Calados. E as luzes já acesas. O sol se fora. Josi mais calma. Eu, evitando tocar no assunto e lhe perguntar por que estava chorando, disse: Vou pegar uma água pra você. Fui.
Uma semana antes ela me falara algo, mas sorrindo. Deixa de bobeira, eu respondera. Não fale isso. Mas no fundo vaidoso por ouvir algo assim. Lembrei disso, esqueci a água, corri e Para Eliza de Beethoven tocando no vizinho, corria corria corria à sacada. Meu Deus! Tropecei na mesinha no meio da sala. Josi! Josi! A resposta: um grito já distante.
E lembrava de quando ela (sorrindo) me sussurrara, sua forma de dizer eu te amo: Por você... Por você eu me mataria.
de Almeida e Castro
A mulher se via numa grande “sinuca de bico”. Era casada com Abelardo há dez anos. Sempre teve com ele uma relação amigável, morna, cordial. Ambos se ajudavam no que podiam, e levavam a vida monotonamente. Mas, Eleonora foi mudando, estudando, trabalhando, vendo coisas diferentes. Enquanto o marido parecia sempre o mesmo, fazia o mesmo, e ela se cansando.
Queria ir embora para começar uma história diferente, porém, no fundo, tinha muitos receios ainda, e um pouco de pena de Abelardo. O homem já não tinha amigos, o contato com a família era pouco. Vivia apenas no computador, seu refúgio simplista do cotidiano. Ela também não tinha muito apoio por aí, e se perguntava se sentiria ainda mais solidão. Era um risco.
Algo dentro dela implorava uma reviravolta. Se via cobrando demais o esposo, mais dentro da própria mente do que em expressão falada. Todavia, sua cara amarrada e seu olhar desviante não negavam o sentimento de desânimo. As saídas e entretenimentos diminuíram, já que ele não gostava de viajar e também não fazia questão de levá-la em nenhum lugar, a não ser que ela pedisse, às vezes, com insistência. Era avarento, e nunca a presenteava. Datas especiais, como o aniversário, passavam praticamente em branco.
Chegou a falar de separação, ao que ele respondia com tristeza e contrariedade. Olhos marejados, dizendo que não tinha por quê. Se ele tinha amor, ela não sabia ao certo. Parecia mais comodidade, costume. Os dois tinham ritmos bastante
opostos, e cada vez mais isso ficava claro para quem quisesse ver.
Um dia, Eleonora conheceu Mauro numa lanchonete, enquanto conversava com uma amiga da época da escola. Eles se olharam repetidamente, e ele se levantou da mesa, no mesmo momento em que a mulher ia em direção ao caixa pagar a conta. Deixou um papel com o número do celular com ela, dizendo simplesmente “me liga”, em meio a um sorriso abusado.
Ela já ia fazendo uma bolinha de papel, para acertar na lixeira da saída. Porém, algo a fez se conter e guardar o número na bolsa. No dia seguinte, tentada a falar com o desconhecido, gravou o número no bate-papo, e chamou, sem esperar muita coisa. Ele visualizou rápido, mandou uma foto para ela em que estava muito bem apanhado, camisa entreaberta, tirando os óculos escuros. Ela, por sua vez, também enviou uma foto, que tirou na hora, deitada na cama.
Estava com uma caixa de bombons e notou, de repente, que estava voraz em relação à comida, engordando, o que a preocupou. Mauro estava em forma e era, provavelmente, mais novo do que ela. A partir dali, ficou de olho na gula, e pensou em entrar para a academia. Inclusive, usou esse mote para alongar a conversa por telefone. Mauro sugeriu uma academia onde malhava regularmente.
Abelardo continuava do mesmo jeito: na dele, sem sair da rotina. Namoravam muito pouco, e a frequência acabou diminuindo mais. Parecia preguiçoso, ou apenas desinteressado. Antes, Eleonora se incomodava, chegando a ficar irada, o acusando de displicência. Entretanto, agora parecia totalmente neutra, e o motivo era Mauro. A essa altura, os diálogos e chamadas de vídeo aconteciam diariamente. Também combinaram de se exercitar no mesmo horário.
O tom das abordagens era amigável, mas dava pra ver certa insinuação de ambas as partes. Tanto que algumas indiretas eram lançadas “à queima roupa”, e estava claro que a mulher se envaidecia, orgulhosa por estar chamando a atenção e despertando algum interesse. Mesmo que não fosse coisa séria, estava servindo para distraí-la e mostrar que poderiam existir outras possibilidades.
Conforme as semanas passavam, mais Eleonora estava focada em sua reeducação alimentar e nas atividades físicas que o preparador havia combinado com ela. Deu uma repaginada no cabelo, fez um curso de auto maquiagem, comprou algumas roupas novas. As mulheres de seu círculo notaram as mudanças, com inveja. Já o marido não teceu nenhum comentário. Continuava ajudando em alguns afazeres domésticos, saíam juntos para fazer a despesa, comunicavam só o necessário. Os abraços foram rareando. Ela ficava triste pela falta de iniciativa dele, enquanto ele pensava que ela estava cansada, ocupada demais, e não queria atrapalhar.
Em compensação, a história com Mauro avançava. Ele era muito cortês, dava carona, mandava sempre mensagens carinhosas, a elogiava. O convite para o primeiro almoço finalmente saiu. Eleonora foi, sem pensar. Quando estavam numa mesa do canto, especialmente preparada para recebêlos, ele se adiantou para beijar sua boca. Houve correspondência e, a partir daquele dia, a mulher se sentia mexida demais por um lado, e culpada por outro.
Refletia o fato de sempre comentar que, se acontecesse de se interessar por alguém, antes de dar qualquer passo, seria honesta com Abelardo e se separariam. Não tomara uma posição definitiva a respeito, e mantinha o caso em segredo. Ela e Mauro começaram a se encontrar em locais mais íntimos.
A química dos dois era avassaladora. Entre ambientes criados, fantasias, posições diferentes, Eleonora experimentava algo inédito: orgasmos seguidos, onde se via ousada, totalmente sem pudor, entrando no jogo. Mauro estava verdadeiramente atraído, e gostando do enredo. Não imaginava ter um compromisso, todavia, pretendia levar aquela situação por mais um tempo. Se dizia apaixonado, tentando ludibriar, e não era claro em suas intenções. Achava que isso estragaria a empolgação.
O fato é que se passou mais de um ano. Os dois continuam se encontrando furtivamente. Já foram vistos por alguns conhecidos, e o aviso chegou aos ouvidos de Abelardo, que parecia não crer, ou somente não se importar. Eleonora chegara a deixar celular à disposição, se produzir com esmero em horários atípicos, para ver se ele faria perguntas. Nada.
No trabalho de Eleonora um novo ajudante geral fora contratado. Elias era um rapaz de vinte e cinco anos, forte, corado, tímido. A mulher se encantara com a simplicidade dele. Estava radiante, devaneando em ter mais um “deslize”. No fundo, só queria que alguém a amasse de verdade. Procurava o que o esposo não fornecia. E, com isso, continuava sonhando.
Ele sempre foi muito pão-duro. Desde pequeno, mostrava sinais de sua mesquinhez. Nunca gostou de dividir, de partilhar nada, nem uma bala. Nem de brincar com os amiguinhos ele gostava. Era tudo para si.
Nicolau, este era seu nome, nasceu em uma família abastada. Sempre teve tudo o que quis. E nada queria dividir.
Na escola, nem se um colega precisasse da borracha só para apagar uma letrinha, ele não emprestava. Nicolau cresceu assim, avarento, esganado, mesquinho.
Quando adolescente, começou a trabalhar como mensageiro numa empresa da cidade onde morava. Como ele morava com seus pais, o salário ia direto para a poupança.
Aos vinte anos, ele já tinha uma poupança bem gorda. Agora tinha condições de sair de casa. Alugou um pequeno apartamento, e foi morar só. Afinal, sempre teve o sonho de morar sozinho, para não ter que dividir nada, nem um pedaço de pão.
Ele subira de cargo, e seu salário aumentou. Era tão dedicado, que atingiu o posto máximo da hierarquia: agora era o presidente. Sim, agora estou com a vida ganha, como pensava. Namorada? Nem pensar; ninguém vai tocar no meu dinheiro.
Ele guardava o dinheiro embaixo do colchão. Para ele, não havia lugar mais seguro.
Nicolau não tinha amigos, vivia isolado em sua ilha de dinheiro. Só quem o visitava era a sua mãe.
Sempre contava o dinheiro aos finais de semana. Era uma espécie de Tio Patinhas da vida real. E sempre via seu dinheiro aumentar. E seu prazer também.
O dinheiro já era tanto que não cabia mais embaixo do colchão. Começou a guardar no seu guarda-roupas. Em três meses de trabalho, não havia mais espaço.
Começou a guardar dinheiro em todos os armários da casa, em cima da mesa. Não havia mais lugar para tanto dinheiro.
E, num certo dia, misteriosamente, o dinheiro começou a ganhar vida própria, e se multiplicou. Era tanto dinheiro que encheu a casa toda.
Naquele dia, ao chegar em casa, Nicolau foi surpreendido por uma avalanche. E não era uma avalanche qualquer, era uma avalanche de dinheiro. Não teve como escapar. Morreu soterrado pela sua montanha de dinheiro. Parafraseando o ditado do peixe, “Nicolau morreu pela boca”.
Ela abriu a porta da sala. Só não conseguiu atinar a razão. A cabeça doía muito.
Não se lembrava de ter ouvido o porteiro no interfone avisando sobre uma visita. Não se lembrava de ter ouvido a campainha, não se lembrava de ter combinado algo com alguém, porque às vezes isso acontecia. Marcava, depois deletava. Bastante comum.
A cabeça doía.
Não se lembrava de nada, a não ser da TV anunciar o comercial de um desses alimentos úmidos para animais de estimação, isso porque foi a hora que teve de tomar um punhado de analgésicos para a dor de cabeça.
Só abriu a porta porque sua cabeça dolorida mandou, mais ou menos como um levanta-te e anda.
Então abriu, mas não sem antes olhar para a mesinha no centro da sala; bagunçada, muito bagunçada. Deixou para entender aquilo mais tarde, primeiro precisava seguir com urgência até a porta. Sabia que alguém a esperava por trás dela.
Abriu.
Ele era grande, forte, bonito. Lembrava uma pantera-negra, olhos esverdeados puxados para o amarelo, ou eram amarelados que puxavam para o verde, não conseguiu
discernir, e os movimentos do andar eram lentos, pomposos, sensuais.
Ela permitiu que ele entrasse, ainda que procurasse nos fios soltos dos pensamentos de onde surgira o indivíduo. Quem o havia chamado?
Não lembrava de ter marcado nada. Não tinha pedido companhia. Não que lembrasse.
Ainda assim checou as chamadas no celular em sua mão.
Nenhuma para o disque-companhia.
Então, quem enviara o sujeito até seu apartamento? Talvez Madalena, a amiga intrometida, pensou ela.
Ele olhou bem no fundo dos olhos dela, passou pela porta e começou a andar pelo pequeno apartamento, passando os ambientes em revista. Parou em frente à mesinha da sala. Observou por alguns instantes os itens que compunham a bagunça. Em seguida, girou o pescoço para ela; os olhos chegaram instantes mais tarde.
O olhar transmitia desaprovação.
“Ei, ei, nem sei seu nome.”, disse por dizer, isso não importava muito. Quase pediu desculpas pela ousadia. Não o fizera por de fato não saber o nome dele, ou por causa da bagunça da mesinha?
Ele ignorou o que ela disse. Para ele, a voz indecisa pareceu mais um lamento do que uma indignação. Por isso seguiu adiante com a revista. Parou em frente à taça sobre a mesinha, sorveu dois ou três goles e prosseguiu.
Da TV veio a vinheta do telejornal e ela decidiu se ajeitar no sofá. Bateu a palma da mão no courvin puído convidando o visitante. Ele rejeitou a oferta. Serpenteou o corpo sensual até
o quarto. Ela deixou, estava mesmo disposta a ouvir as notícias do dia. As mesmas que a fariam procurar o terapeuta para discutir o modo sobrevivência em que vivia, o modo pânico em que se atolara, o modo ansiedade que assumira como meio de vida.
Ele voltou à sala, sentou-se ao lado dela. Entreolharam-se, ela sorriu e permitiu que a cabeçorra do sujeito deitasse em suas pernas. Ele era quente, musculoso, pesado, confortável.
“Quer alguma coisa para comer?”, perguntou para ele, desvencilhando-se da pressa.
Ele apenas esticou os olhos amendoados, e ela imaginou ter visto um sorriso em sua boca coberta de bigode por fazer. Presumiu que o trejeito significasse um sim. Foi até a cozinha, abriu um pacote de pipoca e ligou o micro-ondas. Enquanto ouvia as notícias vindas da TV e o tum-pá-tum-pá-pá-pá do estourar dos milhos vindos do forno, picou uma maçã, uma banana e uma pera, para fazer uma salada de frutas sem laranja; achou que as laranjas não cairiam bem; muito ácidas para a ocasião. Deu uma espiada e viu que ele descansava espalhado no sofá, olhava para a TV sem interesse, e desviava o olhar para ela com interesse.
Ofereceu a pipoca e a salada de frutas. “Qual você quer?”
Ele ergueu o olhar oblíquo e serviu-se de pipoca. Ficaram sentados assistindo ao noticiário. As mesmas corrupções na essência, mas em formas diferentes, as mesmas violências em endereços diferentes, as mesmas mazelas humanas encarnadas em personagens escolhidas pelo acaso, pela sorte, pelo destino, pelo merecimento.
Ele se espreguiçou depois de comer a pipoca e alguns pedaços de frutas e, então, voltou a se espalhar pelo sofá. Mas antes de ter encontrado a posição ideal, com movimentos delicados,
afetuosos, ajeitou-a no sofá de forma que conseguisse se deitar sobre seu ventre. Esfregou-se para deslocar o incômodo do elástico do short sob ele e, só então, deitou sua barriga na dela. Os calores compartilhados.
Ela moveu as nádegas para um encaixe mais confortável. Ele reposicionou-se entre suas pernas e ajeitou a cabeça sobre o ventre, os olhos erguidos fitando os olhos dela.
O calor que ela sentia subiu para o peito, para o pescoço, para o rosto até se dissipar na cabeça e retornar pelas costas em arrepios de conforto. A cabeça ainda doía, o que não impediu que se sentisse constrangida. Madalena, ah a Madalena. Amiga astuta.
Precisava conversar com Madalena. Ela não podia continuar a interferir em suas escolhas, mas essa... o suprassumo da ousadia, perfeita. Só que desconfiava de que não poderia mais continuar aquela relação com a amiga. Não havia dado permissão para que decidisse por ela. Sua própria vontade parecia não contar diante da necessidade de resolver problemas que fazia parte da essência da amiga.
Depois que ela se separara do marido, Madalena achava que companhia, qualquer companhia resolveria seus problemas físicos e, principalmente, os mentais.
Precisaria ter uma conversa séria com Madalena.
Seguiu o olhar dele, concentrado na mesinha. Mais uma vez constrangida. O pó branco ainda mantinha resquícios de sua passagem pelo vidro da mesa. A garrafa de whisky vazia ao lado da de vinho pela metade, ao lado da de cachaça tombada, e completamente sem vida. Contou doze guimbas de cigarros de diversas composições químicas no cinzeiro. Ele voltou o olhar de reprovação para ela, que voltou a se concentrar na TV.
A cabeça ainda doía, os analgésicos não funcionaram, e acabara de descobrir por qual razão.
Ele desceu do conforto de suas pernas, passou pela mesinha e resvalou na taça de vinho, que balançou, balançou, até que ela conseguisse alcançá-la, depois de ter saltado como um felino do sofá.
Bateu a cabeça no chão, a cabeça doía, doía ainda mais, doía muito. Abriu os olhos e viu novamente o comercial de alimento para gatos que ainda passava na TV. E depois se virou para o grande gato preto de Madalena, que ronronava entre suas pernas.
Dilaceradospelodivino.Nuncariadoprofeta.
“EntãosubiudaliaBetel;e,subindoelepelocaminho, unsmeninossaíramdacidade,ezombavamdele,e diziam-lhe:Sobe,calvo;sobe,calvo!E,virando-seele paratrás,osviu,eosamaldiçoounonomedoSenhor; entãoduasursassaíramdobosque,edespedaçaram quarentaedoisdaquelesmeninos.”
2Reis2:23,24
Em uma aldeia bem distante do mundo eu morava. Brincava e me divertia com meus amigos fiéis, porém algo em comum nos semblantes daqueles meninos, olhos tristes e ofuscados pela poeira no ar. Se divertir era uma tarefa árdua naquele lugar, pois não tinha nada que prendesse a atenção deles ali. Com a pele ferida pelas escaras do tempo espalhadas pelos corpos magros e secos, corriam e pulavam com energia de sobra. Uma criança inocente e feliz era o que eu era. Orações e rezas se apresentavam bem comum naquele lugar de ódio reprimido pelo divino espírito santíssimo. Meu pai, anunciador do saber e da intolerância do altíssimo, porém da ignorância e estupidez também. Nos criara como descendentes de uma maldição eterna e servil. Sob o olho dele, brincávamos e riamos de tudo e o sorriso largo e calmo, sereno e empolgante corria sobre meu rosto sujo e pálido. Mãos trêmulas, porém, confiantes. Às vezes era o ladrão outrora o vilão e em dias de aflição poderia ser o inquisidor ou impostor, o homem da lei julgador e simples pastor de ovelhas negras e
brancas. Imaginativo, como sempre com meus amigos que viviam a mesma penúria similar que eu. Éramos irmãos de rua, e sim, filhos da aflição religiosa que paira sobre essa terra larga de conflitos internos e externos. Guerras santas, em nome da justiça divina implacável. A paz pelo sangue derramado jorra, e eu no meio deles desorientado, mas firme nas convicções de meu pai profético. Leis impostas pelos doutores do apocalipse e das obrigações determinavam nosso fim. Minha pouca idade me faz inocente de certeza.
Em um dia comum como qualquer outro, nos divertíamos como sempre, entretanto não sabíamos o que estava por vir naquele fatídico dia. Se alegrar um pouco é normal na nossa idade. Meras brincadeiras de jovens entusiasmados com a potência da sua inocência, mas não para o altíssimo e legislador. O senhor dos homens e seus carrascos bípedes sedentos de poder e ignorância, que transbordam sua ira babando pelos cantos da boca quando discursam palavras cruéis vindas de uma sabedoria escravagista. O infanticídio estava perto, desfilando com a morte aliados ao mais puro sangue do cordeiro derramado em minhas vestes de criança. Glória e estupidez são amigas nesta terra que jaz é dele. O inimigo que em pele de cordeiro se aproxima e com um simples ataque de fúria te faz chorar e implorar por um paraíso hipócrita de servidão eterna. Um paraíso feito para homens, sim é isso, só para homens mesmo, visto que em sua transcrição melodramática e punitiva as mulheres não têm voz ativa, e são escravas do senhor e dos senhores. Paraíso esse que serve de barganha e suborno para alcançar a sua misericórdia eterna. Inflamados pelo medo voraz de não ser destruído por toda a eternidade sendo jogado em um lago de fogo ardente, onde os dentes rangem e a carne queima sem fim. Eu não tive chance nem escolha, padeci pela ignorância sagrada dos que deveriam me proteger.
Avistamos um senhor perturbado, barbado e com vestes de linho. Voltava de uma viagem estranha e falava em carruagens de fogo e “arrebatação” pelo divino espírito de seu amigo, loucura. O velho parecia falar sozinho murmurando pelos cantos, a loucura era sua companheira. Naquele dia indesejável passou em nossas mentes pequenas uma brincadeira, apenas uma zombaria infantil. Brincamos com ele pela sua aparência e sua forma oval dos montes destelhados de sua cabeça. Com seus ombros sujos de poeira pela longa viagem, nos amaldiçoou. Aquilo parecia o bastante para irritar e afligir seu temperamento tosco, feroz e descontrolado. Xingamentos e condenações foram enviados em nome dele, do altíssimo.Amaldiçoados sejam. Ele dizia. Nem ligamos para as palavras cuspidas em forma de ódio que saiam da sua boca suja e fétida. Voltamos a correr sem rumo ao desconhecido da nossa imaginação de criança.
O profeta de javé distante dali se encontrava em súplica e prantos, sentindo-se desonrado pela simples brincadeira feita a pouco por crianças desobedientes. O homem voraz, e sedento de sangue infantil, derramava pelo lado direito da boca sua angústia e soberba em forma de saliva. Orava e pedia que o santo dos santos, a entidade maior, o detentor do poder, interviesse por ele e que vingasse sua honra outrora tirada de forma tão estúpida. E de alguma forma vil e sem remorso ele foi atendido.
Ali perto da entrada da selva próxima da cidade andávamos despreocupados e furtivos. Sorrindo e se divertindo íamos cantando alegres. Nem recordávamos mais da brincadeira de outrora mais cedo. Um barulho estranho, algo se mexe no arbusto da frente. Pressentindo o perigo, em nossas faces suamos frio. Gelados e pálidos e brevemente paralisados com os olhares atentos para dentro da escuridão da selva, sem piscar. Consigo ouvir a respiração do meu amigo ao meu lado, ofegante e intermitente. Nossos corações batendo mais
acelerados pareciam uma sinfonia de agonia em conjunto com o medo. O silêncio da morte ronda este lugar. A desesperança busca o barulho dos passos pesados e rápidos das feras. Por um instante fixando o olhar nos animais ferozes percebi que eles babavam saliva espumosa pela boca cercada de dentes afiados. Navalhas intensas e olhos brancos revirados, aquela aparência não era normal. Pareciam estar sendo controladas, manipuladas por uma entidade desconhecida e cruel. Sem titubear vieram em nossa direção. A tentativa de correr era vã, mesmo assim o anseio de viver era maior. Um grito de arrepiar os pelos do corpo inteiro partiu do meu flanco esquerdo, era um dos meus amigos sendo arrastado pela gigantesca ursa sombria de olhos brancos. Um rápido olhar desesperado com a visão periférica e pude ver o sangue que escorria pela face do animal descontrolado. Pedaços do menino voavam para o céu azul e celestial colorindo a visão daqueles que estavam lá. Logo seu grito parou, afogando-se em seu próprio sangue bolhas de ar subiram pelo resto do seu corpo pequeno encharcado. A outra besta divina enviada por Deus saltou em minha frente e com sua pata gigantesca despedaçou meu outro amigo menor, ele não teve chance e o peso dela o esmagou. Em uma mordida arrancou seu coração pequeno que ainda batia. Separando sua cabeça do corpo e engolindo suas vísceras elas se lambuzavam de vermelho escarlate. Em um lugar distante, porém perto o suficiente para o ouvir o horror, o homem calvo ajoelhado implorando pela intervenção do senhor orava, não para aliviar a dor dos meninos, mas para causá-la com mais intensidade. Com os olhos fechados e ouvidos aguçados ele continuava implorando pela justiça do senhor em sua oração de misericórdia.
De um e um fomos caçados e mortos. Os gritos eram infernais. Fomos despedaçados, mutilados e engolidos pelo amor de Deus soberano, aleluia. Quarenta e dois foram os violados naquele dia. Simples crianças que exerciam sua prática mais
comum, brincar. Não foram todos os que zombaram do profeta e mesmo que fosse não justificaria a carnificina e o infanticídio descontrolado. Me parecia que o simples fato de rir nos condenou à morte.
Uma lembrança. Já salivando sangue e cuspindo ossos pequenos a fera pisou em meu peito. Eu ofegante, não sentia minhas pernas finas e fracas de criança. Me sufocando com o seu peso fixou o olhar dentro de meus olhos a lacrimejar. Era como se a fera me pedisse desculpa com os olhos brancos e molhados. Senti o arrependimento da besta sobre mim e naquele momento não a culpei pelo horror. Mas aquilo fazia parte de um plano maior, o plano do altíssimo. Depois de me encarar alguns segundos, dilacerou meu rosto e meu corpo não sobrando nada do que parecia antes.
Elas foram embora no exato momento em que o homem cessou sua oração de profeta superior. No amém dito por ele os olhos dos animais voltaram a cor estável natural, e deixaram para trás tristeza, pedaços, ossos e pais órfãos de seus filhos. Logo vendo e sentindo o cheiro do que tinham feito as ursas choraram em silêncio. As feras foram embora, entraram na mata e sumiram. Seus corpos achados dias depois no penhasco da divina bondade junto a seus filhotes. Lá o alívio do calabouço da culpa.
O profeta, satisfeito, limpou sua boca e seus joelhos sujos de poeira. Depois de suplicar a morte de crianças inocentes foi se deitar, sem remorso algum. Ele agora aproveita a soberana glória divina nos céus. Amém.
No início tudo era treva, assim a Gula fez morada nas esferas abismais da alma humana e sua existência independe do tempo e do espaço. Dessa forma, fascina com suas habilidades excepcionais de semear o descontrole; de exibir o poder da corrupção; de desafiar com sua insaciedade; de excitar o sadomasoquismo sexual; de seduzir para o deleite da ostentação. Portanto, nutre-se da compulsão; da pretensão; da impulsividade; da voracidade e do excesso.
Ademais, arrebata com imodéstia o material e o espiritual e sente-se extremamente segura usando a armadura da sedução, bem como conquista tudo o que deseja com as ferramentas da manipulação, extasia-se protegida pelos escudos da extravagância e regozija-se provocando a humilhação; exalta-se negando a solidariedade, por fim aguça impiedosamente a destruição dos sonhos por intermédio dos seus dons sabotadores.
Porém, separada por uma linha tênue e vibrando em outra frequência, governava pacífica a Temperança, respeitada edificadora das virtudes, cultivando sementes de equilíbrio e prudência, tal qual nutre-se da empatia e da discrição. Então, a Gula exalou ódio pela ousadia da ameaça aos seus domínios por raios de luz a espalhar ponderação; senso de igualdade e cordialidade. Inevitavelmente preparou uma emboscada para apunhalar, sorrateiramente e com requintes de crueldade a Temperança.
Assim, com indignação e altivez, invocou seus atributos ególatras que emergiram sórdidos , a Gula Intelectual com sua capacidade de elaborar, meticulosamente planos de vingança; a Gula por poder, com seu desejo avassalador de ostentar; a Gula por dinheiro com seu apetite de opulência e sua sede de desvirtuar com o suborno; a Gula por atenção com sua habilidade de enaltecer os vícios da prepotência e do exibicionismo.
No entanto, a Temperança repleta de compaixão e respeito externou o desejo de redimir a Gula, assim explicitou suas vulnerabilidades, tais como: seus conflitos internos; seus traumas de infância; suas inseguranças e sua necessidade de validação. Tamanhas verdades foram como um afiado punhal e a Gula sentiu-se despida, exposta, inferiorizada, insegura, nostálgica e foi acolhida pela Temperança.
Tão logo a Temperança se dedicou à celebração da conversão da Gula e a planejamentos benéficos de como suprir sua carência, como cuidar das feridas de sua “criança interior”, como semear a moderação, de súbito a Gula, calculadamente emergiu do lodo fétido do egocentrismo e esculpiu, com o lixo tóxico e devastador dos pecados depositados em suas profundezas, a retaliação.
Sequiosa, intimou seus demônios interiores e estes se lambuzaram com o veneno de suas entranhas e erguendo a espada da arrogância golpeou prazerosamente a Temperança. Dessa forma, do alto do seu pedestal, tocou as trombetas da vitória, excitando os monstros disseminadores dos excessos e desequilibradores dos desejos inerentes ao ser humano.
Consequentemente todos os pecados capitais exibiram suas poderosas armas como: o ódio; a vingança; a impiedade; os delírios do prazer; os devaneios da lascívia, misteriosamente estavam separados das virtudes pela vulnerabilidade de um
véu, logo ofertando composturas como: a compaixão; o perdão; a moderação e como extremos opostos admitiram que estavam sujeitas às rédeas do livre arbítrio.
Fome…
Ela estava com fome…
Fome de vida, pois estava morta.
Questionou-se: por que estava morta?
Como… como havia morrido?
E quem era ela, afinal?
Também tinha fome de respostas…
Sentia suas memórias desvanecerem pouco a pouco enquanto seu espírito despencava no infinito abismo do vazio. Então… morrer era assim? Sempre pensou que seria diferente. Mas… quando pensou?
Eram tantas perguntas sem respostas…
Respostas…
De repente, lembrou-se: sua vida havia sido uma constante busca por respostas. Mas… para quais perguntas? Ela tentou recordar-se, porém em vão; a escuridão penetrava sua alma, dificultando seu raciocínio. Talvez devesse desistir e contentarse com essa única lembrança, essa única resposta; estava morta, afinal, e logo desapareceria com suas memórias, devorada pelo vazio.
Não…
Ela precisava de respostas!
Apenas uma não era suficiente para saciar sua fome…
Na verdade, resposta alguma seria, pois sua fome era insaciável!
Ao dar-se conta disso, um estranho sentimento apoderou-se dela. Que sensação mais singular! O que era? A resposta surgiu como uma luz na escuridão: gula. Sim, agora lembrava: durante toda sua vida, a gula guiou seu pensar e agir. Gula por conhecimento, poder, riqueza, status… A fome e a sede que sentia por essas coisas eram impossíveis de satisfazer; não importava quanto tivesse, ela sempre queria mais, mais e mais.
Sempre mais…
Outra luz, então, acendeu-se em sua mente e uma palavra curiosa tomou forma em seus pensamentos: Siasbex. Todo seu ser vibrou com essa palavra, que parecia refletir sua fome, sua sede, sua gula. Era seu nome? Acreditava que não, mas, por ora, consideraria que sim.
O que essa palavra significava?
Por que surgiu tão repentinamente?
E por que parecia ressoar com sua gula?
Ah, tantas perguntas…
Que prazer teria em respondê-las!
Entre todas que fervilhavam em sua mente, a principal era: como recuperar suas memórias e o conhecimento nelas contido? Além dela, outra igualmente importante: como sair do vazio? A resposta para ambas era uma só: lutando.
Mas… como faria isso? O vazio era implacável…
Ainda assim, precisava ao menos tentar…
Então, utilizando sua gula como força motriz, Siasbex opôs-se ao vazio e a seu domínio, agarrando-se ferozmente às memórias que lhe restavam, enquanto tentava tomar de volta aquelas que foram roubadas. De súbito, como uma barragem se rompendo, uma enchente de lembranças fluiu violentamente por sua consciência e a transportou para tempos distantes…
Siasbex era uma criança comilona, rechonchuda e desajeitada, que amava guloseimas e devorava qualquer prato colocado diante dela. Todos, inclusive seus pais, ridicularizavam-na e a humilhavam por seu apetite incontrolável e falta de elegância, afirmando que jamais alcançaria sucesso na vida nem conquistaria homem algum. A única que não compartilhava da opinião geral era sua irmã gêmea, que sempre defendia Siasbex com unhas e dentes quando ouvia alguém caçoá-la; as irmãs nutriam imenso amor uma pela outra.
Na adolescência, cansada de tanta zombaria e chacota, Siasbex decidiu dar um novo rumo para sua vida e provar a todos o quanto estavam enganados; auxiliada pela irmã, pouco a pouco abandonou sua gula por comida e a redirecionou para coisas que favorecessem seu crescimento pessoal, como artes marciais e estudos. Assim, construiu um estilo de vida saudável e moldou seu corpo de acordo com sua vontade.
Ao atingir a idade adulta, já era considerada uma das mulheres mais belas da capital, ainda que não atendesse aos padrões de beleza do reino. Ademais, os anos de leitura e estudo despertaram em íntimo um profundo desejo de aprender tudo sobre tudo que existe, uma insaciável fome de conhecimento, uma inigualável sede de respostas.
Por isso, entre seus pretendentes, escolheu aquele que melhor serviria aos seus objetivos: um rico e bem-sucedido comerciante, o irmão mais velho do marido da irmã. Ao casarse com ele, planejava obter os recursos necessários para adquirir tantos livros e materiais de estudo quanto precisasse para amenizar sua fome de conhecimento, assim como riqueza e status. Seu marido, porém, era um homem muitíssimo avarento e nunca atendia aos seus desejos, além de tratá-la como posse, um mero troféu a ser exibido.
Talvez tenha por esse motivo Siasbex não tenha hesitado em traí-lo quando começou a ser cortejada por outro homem o próprio rei! , relacionando-se com ele em segredo até serem descobertos pelo marido. Indignado, o comerciante exigiu que eles fossem mortos conforme as leis, que mandavam apedrejar quem cometesse adultério; em vez disso, porém, foi ridicularizado em público pelo rei, despojado de suas posses, forçado a assistir ao casamento da esposa com outro homem e, por fim, exilado do reino.
Por causa disso, Siasbex perdeu a amizade e o apreço do cunhado, embora ele e o irmão não suportassem um ao outro, e acabou afastando-se da irmã. Após anos sem contato, a rainha foi abalada pela terrível notícia de que sua irmã havia sido assassinada pelo próprio marido. Consumida pela angústia, ela entregou-se aos estudos para esquecer sua dor.
Ao contrário do ex-marido de Siasbex, o rei não poupava esforços para auxiliá-la em sua busca por conhecimento, permitindo, inclusive, que ela montasse um laboratório particular numa das torres do castelo. Embora soberbo e arrogante, seu novo marido tratava-a com carinho, dignidade e respeito; com ele, teve uma filha, a quem muito amou, a despeito do desgosto que sentia ao vê-la crescer e tornar-se uma jovem preguiçosa e desmotivada. Imensa dor Siasbex
sentiu ao ver sua preciosa princesinha assassinada pelo próprio tio, o demônio que matou sua irmã.
Do mesmo modo, enorme foi sua satisfação ao vê-lo ser executado pelos crimes que cometeu. Apenas uma coisa manchava esse sentimento, algo que ele disse quando o visitou em sua cela horas antes da execução: que sua irmã entregarase à luxúria e o traíra com vários homens, o rei entre eles. Noite após noite, durante meses, a sombra do falecido parecia voltar para atormentá-la, sussurrando essas palavras em seu ouvido.
Sua amada irmã teria sido capaz de algo assim?
Siasbex não queria acreditar…
Para não ter de pensar nisso, mergulhou profundamente nos estudos, tornando-se cada vez mais obcecada por conhecimento. Abandonando todo e qualquer escrúpulo, Siasbex começou a realizar experimentos envolvendo cobaias humanas vivas; sabia que muito do que fazia era errado, mas não se importava, pois sua fome era maior que tudo.
Então, quando menos esperava, suas pesquisas chegaram ao fim: numa noite escura e fria, o castelo foi invadido por rebeldes que queriam depor seu marido; traídos pelos soldados, ela e o rei foram entregues aos revoltosos e, para seu completo assombro, o líder deles era seu ex-marido. Pelos crimes decorrentes de seus experimentos em humanos, assim como pelo adultério cometido muito tempo atrás, Siasbex foi condenada à morte.
Sua alma estremeceu violentamente quando sua última memória foi devorada pelo vazio.
Sua fome cessou…
Se conseguisse, choraria…
Quantas coisas terríveis fizera!
Sua gula causou sua ruína…
Ah, como se arrependia!
Não…
Tudo que fez foi em prol do conhecimento.
Ela não se arrependia de nada!
Sua fome retornou…
Na verdade, arrependia-se de apenas uma coisa: não conseguir reter o conhecimento contido em suas memórias. Mas isso podia ser revertido, agora que estava livre do vazio. Quem foi e o que fez não importavam mais; agora ela era Siasbex e nada nem ninguém conseguiria impedi-la de saciar sua fome insaciável!
William R.F. Ramires
Queria a bicicleta do Artur. Até posso comprar uma igual, mas quero a do Artur. Aquele ingrato colega tem uma mania terrível: ter tudo o que desejo. A namorada dele é o tipo de mulher que sempre sonhei. A bicicleta é verde a cor que mais gosto e tem um adesivo de dois coelhos que torna aquela magrela única. Moro em um apartamento de frente para o dele e por incrível que pareça, o dele é melhor e virado para o nascente, o meu é poente para o meu azar, ainda mais nesta cidade quente dos infernos, isso só comprova o que sempre digo: tudo que o invejado Artur tem é melhor.
Fui passando do sentimento de inveja para ódio, não conseguia entender como aquele sujeito podia ter tudo o que eu queria. Certo dia um entregador apertou meu interfone:
— Encomenda para Artur.
Desci até o portão, assinei e peguei a encomenda. Era uma calça bem estilosa, de cor laranja com desenho de flores verdes. No outro dia desfilava usando a calça do Artur. A namorada dele chegava bem no momento em que eu saia, parei bem em frente aquela mulher. Ela fez que ia para um lado, eu também, foi para o outro lado, fui junto, a vistosa mulher parou e abriu um florido sorriso, apontou para a calça e disse:
Comprei uma calça igual para meu namorado, ficou ótima em seu corpo, espero que fique igual nele.
Não consegui dizer nada, a mulher que sempre sonhei falava comigo. E me elogiava, estava vestido como ela gostava. Me desvencilhei dela e sai do prédio, na rua até esqueci porque havia saído, nem sabia para onde ir. Parei na esquina e vi Artur sair do prédio irritado, bateu o portão, passou por mim sem me ver e seguiu seu caminho.
Voltei para meu apartamento, sendo vizinho de Artur, compartilhamos de uma mesma parede. Encostei um ouvido na parede para tentar escutar algo. Ouvi um choro, soluços e suspiros. Imaginei a bonita namorada de meu vizinho com seu lindo rosto e os olhos de amêndoas vermelhos vertendo lágrimas, como pode este ingrato vizinho fazer isso com a mulher do meu sonho. Minha raiva pelo sujeito só aumentava, pensei em bater na porta e mostrar para a jovem que ainda vestia a calça, mas não bateria lá sem flores.
Lembrei da floricultura umas três ruas para baixo, sai do apartamento com pressa, quando cheguei no térreo vi a bicicleta do Artur, a verde com o adesivo dos dois coelhos, estava sem cadeado. Não pensei duas vezes, levei a bicicleta empurrando até passar pelo portão, então sentei no selim e pedalei. Estava com a calça do sujeito, me sentia com a mulher do amigo e agora pilotava a bicicleta.
O vento batia em meu rosto de uma forma que eu nunca tinha sentido. Andava cortando os carros, seguindo pelo meio do trânsito. A bicicleta de Artur era realmente a melhor que já tinha pedalado. Este fato só comprovava que havia razão em invejar meu amigo. A calça ficou perfeita, a sua namorada seria minha esposa ideal.
Até esqueci da floricultura, quando percebi havia pedalado para um shopping, fui em uma loja de chocolates e me esforcei para pensar como o Artur. Se ele estivesse aqui, o que compraria para sua namorada. Comprei uma caixa com
delicados bombons de licor de cereja. Já tinha visto meu caro colega chegando no apartamento com uma destas caixas, parece que a bicicleta dele conhece seus gostos. Cada vez mais gostava de ser ele.
Voltei para o prédio pensando que tudo estava indo bem, só faltava dar um jeito de conseguir o apartamento virado para o nascente, mas isto era mais difícil, só se desce um fim no Artur, mas nunca faria isso, queria tudo o que era dele, porém de forma justa.
Coloquei a bicicleta na minha vaga da garagem e entrei no elevador. Quando o elevador parou no térreo, Artur entrou no cubículo móvel com uma maravilhosa morena, que para variar era do jeito que sempre sonhei. Ela estava triste, o colega a abraçava e falava baixinho sussurrando em seu ouvido:
É você que amo, ela vai entender, falaremos juntos, vai dar certo.
Fiquei muito chateado com Artur, trocou a chorosa antiga namorada pela mulher predestinada para mim. Não era possível como esse homem conseguia tudo o que era para ser meu, sai do elevador e joguei os bombons na lata do lixo. A minha nova paixão olhou para mim e com uma cara de decepcionada me falou:
São os meus bombons favoritos. Que pena!
Aquilo me deixou com muita raiva de Artur. Porque ele faz isso comigo? Não conseguia colocar a chave na fechadura, minha mão tremia, os dois entraram primeiro no apartamento da frente, ouvi choro, poucas palavras, consegui abrir a porta e entrei. No mesmo momento a outra porta abriu, passos pesados saíram e um forte estrondo anunciou um abrupto fechamento. Olhei pelo olho mágico, era a ex-namorada chorosa saindo.
Tirei a calça e joguei no lixo, não queria nada daquela ingrata, nem gostava dela mesmo. Toda minha dedicação agora era para a nova namorada de Artur, que cara de sorte, um dia vou ter tudo o que é dele.
Esta obra é resultado do esforço e talento de autores de língua portuguesa que arranharam o véu da hipocrisia jogando luz sobre os sete pecados capitais. São eles: Carlos Franco (organizador), Abílio Pacheco, Alek Wayne, Ana Marta Nascimento Oliveira, Antonio Carlos Sarmento, Antônio César Veiga, Arthur Araújo, Baldomero Oliveira, Bruna Roje Sanches, Carlos Henrique dos Santos, Carlos Henrique dos Santos, Célio D’Ávila, Daniela Matos Onnis, David Laureano Alves, Diana Sousa, Eduardo Martinez, Elaine Dacorso, Estela Simone, Fernanda Steffen, Glauber Santos Soares, Jean Javarini, Jeanne Pipa, Jefferson Machado, Júlia Gomes, Kássio Barreiros Paiva, Luca Vianna Zulato, Lucas Gelati, Lucas Pereira da Silva, Luciana Ferreira da Silva, Luke Negreiros, Márcio dos Santos Medeiros, Maria
João Amaral Graça, Matheus Santos Rangel, Matile Facó, Mildred Pitman, Paulo Cesar Tórtora, Queli Rodrigues dos Santos, Raian Moreira da Silva, Rogers Silva, Ruth de Almeida e Castro, Simone Dagostin, Soraya M. Pellizer, Thiago Rodrigueiro, W. Márcia Souza, Wesney G. L. Sartori e William R.F. Ramires.