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Unidade
3
Grandes temas da Filosofia
Capítulo 17: Ética e liberdade Capítulo 18: Estado e poder
A Filosofia e seus temas
Capítulo 19: Estética
A Filosofia é uma ciência? Qual é o objeto da Filosofia? De maneira muito genérica, podemos dizer que a Biologia é a ciência que estuda a vida. A História é a ciência das relações humanas em perspectiva temporal. A Geografia tem como objeto tudo o que se passa na superfície da Terra ou, de forma mais específica, tem como objeto o espaço. Mas do que trata a Filosofia? É comum ouvirmos dizer que a Filosofia não tem objeto próprio. Nesse sentido, a Filosofia não seria uma ciência, pois poderia tratar de qualquer tema. Daí vem a conhecida e, por vezes, mal compreendida expressão kantiana: não se ensina filosofia, apenas se ensina a filosofar. Kant não queria dizer que algo como a História da Filosofia não poderia ser ensinada. Há uma tradição filosófica consolidada e a História da Filosofia é a melhor forma, sem riscos de “achismos” e de reprodução do senso comum, de iniciar o aluno na própria Filosofia. Por outro lado, a Filosofia é mais do que transmissão de conteúdos. Ela é também, e essencialmente, uma certa maneira de abordar seus objetos. Essa maneira é a do conceito. Dessa forma, ainda que qualquer assunto possa ser objeto da reflexão filosófica, ele só será verdadeiramente filosófico se for criação conceitual. Essa maneira de ver as coisas e de se conceber a própria Filosofia explica a variedade temática que constitui o núcleo da terceira unidade desta obra. É assim que se pode falar de uma articulação entre Filosofia e Ciência, Filosofia e Conhecimento, Filosofia e Linguagem, Filosofia e Arte, Filosofia e Política. O objetivo desta parte é apresentar, por meio de todos esses objetos que se dão à reflexão filosófica, qual é o tratamento especificamente filosófico para temas tão variados. Vamos lá!
Capítulo 20: Conhecimento Capítulo 21: Filosofia da ciência
Loic Poidevin/Naturepl/Isuzu Imagens
Capítulo 22: Lógica e argumentação
O filósofo Hegel dizia ser a Filosofia a ave de Minerva (coruja) que só levanta voo ao entardecer, uma alusão ao material sobre o qual a Filosofia deve se debruçar: os acontecimentos do mundo. Assim, ele afirma que o pensamento filosófico se ocupa daquilo que já passou, sem propósito de predição. Nesta foto, a espécie coruja-do-nabal ou coruja-do-campo.
Unidades
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314
Na abertura de cada uma das três unidades do livro, uma imagem significativa e um texto introdutório que apresenta as principais características dos capítulos que as compõem.
Abertura de capítulo
CAPÍTULO 18
A abertura prepara o estudante para os principais temas a serem estudados, estimulando, sempre que possível, a reflexão a respeito de experiências próprias. Questões aproximam os problemas investigados pelos filósofos, e que serão desenvolvidos ao longo do capítulo, do contexto atual.
Estado e poder
Palavras-chave Estado Utilitarismo Sociedade Liberalismo Poder Democracia
Pensar o poder Poder e autoridade frequentemente são entendidos como sinônimos. A confusão entre o significado dessas palavras leva a definir o exercício do poder como obediência a uma autoridade reconhecida por uma comunidade. Por exemplo, o diretor de uma escola exerce poder sobre professores e alunos porque os membros da comunidade escolar consideram legítima a autoridade atribuída ao cargo de diretor. Os políticos exercem poder porque os eleitores reconhecem a autoridade dos candidatos eleitos aos cargos públicos. Esta não é, entretanto, a única definição para entender o exercício do poder. O poder também pode ser exercido mesmo quando sua legitimidade não é reconhecida pelos membros da comunidade que deve obedecer-lhe. Assim, é preciso elaborar uma definição de poder que não exclua os casos em que o poder seja exercido sem nenhuma legitimidade ou reconhecimento. Segundo o filósofo francês Gérard Lebrun (1930-1999), o poder deve ser entendido como potência, força e dominação. Potência é a capacidade de alguém desempenhar uma ação a qualquer tempo, independentemente de essa ação se efetivar ou não. Força é o meio utilizado para influenciar o comportamento de alguém e, enfim, dominação é a oportunidade de impor a própria vontade contra qualquer resistência. É com base nessas três categorias que o conceito de poder e de política pode ser entendido.
Ricardo Dantas
• Diante dessa definição de Lebrun, reflita sobre situações cotidianas e discuta com seus colegas de que forma o poder se manifesta no dia a dia. Em que ele se diferencia da autoridade?
Para entender melhor
PARA ENTENDER MELHOR
A gênese do mundo por Hesíodo Em algumas passagens da obra Teogonia, Hesíodo narra o surgimento dos deuses primordiais. São seres semelhantes a entidades da natureza. Observe que se tratam de figuras bastante diferentes da noção de divindade que aprendemos com a cultura judaico-cristã. Note no trecho a seguir o uso que o poeta faz de entidades como Terra, Céu e Oceano.
Os Deuses primordiais Soud
Sim bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado, e Tártaro nevoento do fundo do chão de amplas vias, e Eros: o mais belo entre Deuses imortais, solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos ele doma no peito o espírito e a prudente vontade. Do Caos Érebos e Noite negra nasceram. Da Noite aliás Éter e Dia nasceram, gerou-os fecundada unida a Érebos em amor. Terra primeiro pariu igual a si mesma Céu constelado, para cercá-la toda ao redor e ser aos Deuses venturosos sede irresvalável sempre. Pariu altas Montanhas, belos abrigos das Deusas ninfas que moram nas montanhas frondosas. E pariu a infecunda planície impetuosa de ondas o Mar, sem o desejoso amor. Depois pariu do coito com Céu: Oceano de fundos remoinhos e Coios e Crios e Hipérion e Jápeto e Teia e Reia e Têmis e Memória e Febe de áurea coroa e Tétis amorosa.
Com este boxe, aspectos mais complexos do conteúdo enfocado são explicados em detalhes. Geralmente há comentários que esclarecem passagens mais difíceis de textos filosóficos, ilustrando um dos modos possíveis de leitura.
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Unidade 3
E após com ótimas armas Crono de curvo pensar, filho o mais terrível: detestou o florescente pai. Pariu ainda os Ciclopes de soberbo coração:
Palavra de filósofo
Trovão, Relâmpago e Arges de violento ânimo que a Zeus deram o trovão e forjaram o raio. Eles no mais eram comparáveis aos Deuses, único olho bem no meio repousava na fronte.
PALAVRA DE FILÓSOFO
Ciclopes denominava-os o nome, porque neles circular olho sozinho repousava na fronte. Vigor, violência e engenho possuíam na ação.
O papel da experiência
Outros ainda da Terra e do Céu nasceram,
Na obra Metafísica, Aristóteles trata, entre outros temas, do conhecimento adquirido pela experiência, ou seja, pelos sentidos. A esse respeito, leia o trecho a seguir:
três filhos enormes, violentos, não nomeáveis. Cotos, Briareu e Giges, assombrosos filhos. Deles, eram cem braços que saltavam dos ombros,
[...] Com efeito, os homens adquirem ciência e arte por meio da experiência. A experiência, como diz Polo, produz a arte, enquanto a inexperiência produz o puro acaso. A arte se produz quando, de muitas observações da experiência, forma-se um juízo geral e único passível de ser referido a todos os casos semelhantes.
improximáveis; cabeças de cada um cinquenta brotavam dos ombros, sobre os grossos membros. Vigor sem limite, poderoso na enorme forma. (HESÍODO, 2007, p. 109-111)
Unidade 1
Capítulo 1
17
Por exemplo, o ato de julgar que determinado remédio faz bem a Cálias, que sofria de certa enfermidade, e que também fez bem a Sócrates e a muitos outros indivíduos, é próprio da experiência; ao contrário, o ato de julgar que a todos esses indivíduos, reduzidos à unidade segundo a espécie,
Em meio à exposição do texto-base, essa seção permite o acesso a formulações originais dos filósofos estudados. Nela há questões que ajudam a explorar os principais tópicos da citação.
que padeciam de certa enfermidade, determinado remédio fez bem (por exemplo, aos fleumáticos, aos biliosos e aos febris) é próprio da arte. [...] De fato, o médico não cura o homem a não ser acidentalmente, mas cura Cálias ou Sócrates ou qualquer outro indivíduo que leva um nome com eles, ao qual ocorra ser homem. Portanto, se alguém possui a teoria sem a experiência e conhece o universal mas não conhece o particular que nele está contido, muitas vezes errará o tratamento, porque o tratamento se dirige, justamente, ao indivíduo particular (ARISTÓTELES, 2002, p. 3-5).
ATIVIDADES 1. Para os gregos antigos, arte significava técnica. A arte de pintar e a arte de curar eram o mesmo que a técnica de pintar e a técnica de curar. De acordo com o texto, qual é a importância da experiência para a consolidação da arte? 2. Para Aristóteles, quais são os riscos do conhecimento teórico sem experiência?
Em busca da felicidade
A Ética epicurista
Ataraxia: Diz respeito à tranquilidade da alma, estado de quietude.
Atualmente, o hedonismo é entendido como a busca pelo prazer acima de tudo, e uma pessoa hedonista é vista como alguém individualista e egoísta. O epicurismo dedicou grande importância ao prazer, o que levou muitas pessoas a interpretarem-no com o mesmo sentido contemporâneo da palavra hedonismo. Contudo, veremos que essas duas concepções sobre o prazer são muito diferentes. Segundo Epicuro, o sentido da vida é a busca pela felicidade e as pessoas são felizes quando atingem o prazer. Contudo, nem todo prazer é bom ou conveniente para a felicidade. O prazer momentâneo, passageiro e que leva à infelicidade deve ser evitado. Por outro lado, a dor que conduz à felicidade futura é preferível ao prazer imediato que não traz felicidade.
PARA PENSAR
O prazer ontem e hoje Sobre o modo como o epicurismo tratou o prazer, leia o que é dito na Carta a Meneceu: Quando dizemos que o prazer é a meta, não nos referimos aos prazeres dos depravados e dos bêbados, como imaginam os que desconhecem nosso pensamento ou nos combatem ou nos compreendem mal, e sim à ausência de dor psíquica e à ataraxia da alma. Não são com efeito as bebedeiras e as festas ininterruptas, nem o prazer que proporcionam os adolescentes e as mulheres, nem comer peixes e tudo mais que
uma rica mesa pode oferecer que constituem a fonte de uma vida feliz, mas aquela sóbria reflexão que examina a fundo as causas de toda escolha e de toda recusa e que rejeita as falsas opiniões, responsáveis pelas grandes perturbações que se apoderam da alma. Princípio de tudo isso e bem supremo é a prudência. Por isso, ela é ainda mais digna de estima do que a filosofia... (Apud MORAES, 1998, p. 93)
National Archaeological Museum, Espanha
A boa compreensão do hedonismo epicurista e de seu elogio do prazer exige que nos distanciemos dos valores que a sociedade contemporânea, de forma geral, nos ensina e incentiva a perseguir. Releia o trecho destacado da Carta a Meneceu e reflita sobre as principais diferenças entre a compreensão epicurista do prazer e os valores de nossa sociedade atual. Adquirir sabedoria é o melhor modo de distinguir entre os prazeres que levam à felicidade e aqueles que nos distanciam dela. Também é o meio para reconhecer a dor que deve ser suportada em nome da felicidade. A sabedoria é a virtude suprema e permite aos seres humanos avaliar suas condutas, bem como diferenciar os três tipos de prazer.
Para pensar Inspirados em temas do próprio capítulo, questões do mundo contemporâneo são abordadas em perguntas que convidam o estudante a aproveitar os conceitos da Filosofia para elaborar e expor livremente suas próprias reflexões.
Unidade 1
Admite-se geralmente que toda arte e toda investigação, assim como toda ação e toda escolha, têm em mira um bem qualquer; e por isso foi dito, com muito acerto, que o bem é aquilo a que todas as coisas tendem. Mas observa-se entre os fins uma certa diferença: alguns são atividades, outros são produtos distintos das atividades que os produzem. Onde existem fins distintos das ações, são eles por natureza mais excelentes do que estas (ARISTÓTELES, 1973b, p. 249).
Unidade 1
Capítulo 4
69
Jusnaturalismo Doutrina jurídica que faz distinção entre direito natural e direito positivo. De acordo com ela, o direito natural precede e é superior ao direito positivo, cuja elaboração é feita pelas sociedades humanas. Nas Filosofias antiga e medieval, o direito natural tinha origem em Deus ou na natureza. Na Filosofia moderna, principalmente depois dos estudos do jurista Hugo Grócio (15831645), a razão tornou-se a fonte e a origem do direito natural.
Boxe explicação
Diferentemente de Sócrates, Platão e Aristóteles, que acreditavam que os bens supremos que conduziam à felicidade eram os bens da alma, Epicuro valorizava muito o prazer do corpo. Para ele, a essência humana é material, pois tanto o corpo quanto a alma são constituídos por átomos. É nesse sentido que se pode dizer que ele tinha uma concepção hedonista da felicidade bem distinta do hedonismo dos dias de hoje, pois, ao buscar os prazeres moderados, os sofrimentos indesejados são evitados. Na imagem ao lado, feita por volta de 400 a.C., a representação de um banquete em que os convidados divertem-se e ouvem música após a refeição.
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A felicidade foi um tema investigado por Aristóteles em suas reflexões éticas. As principais obras que chegaram até nós a esse respeito foram os três tratados de Ética: Grande ética, Ética a Eudemo e, principalmente, Ética a Nicômaco. O nome desse último foi uma homenagem de Aristóteles a seu filho de mesmo nome. Nicômaco também foi o nome do pai de Aristóteles, que morreu quando o filósofo era bem jovem e ainda não havia se tornado discípulo de Platão. Apesar de não ter acompanhado a vida adulta de Aristóteles, acredita-se que seu pai, Nicômaco, o tenha introduzido nos assuntos de seu ofício, a medicina, o que pode justificar os interesses científicos do filósofo. De acordo com a divisão de Aristóteles, a Ética e a Filosofia Política fazem parte das ciências práticas, ou seja, as que não têm um fim em si mesmas, mas estão subordinadas e dizem respeito a uma atividade prática. E os seres humanos, em suas atividades práticas, visam a um bem. Segundo Aristóteles:
Capítulo 5
Pequeno verbete com definição de conceitos, expressões filosóficas ou eventos históricos.
Glossário
O Estado foi tema de reflexão principalmente para Thomas Hobbes (15881679), que utilizou o conceito de estado de natureza para explicar os fundamentos e o funcionamento dessa organização política. Em geral, o estado de natureza refere-se a uma situação hipotética em que os indivíduos se encontram quando o Estado não existe. Para alguns pensadores, as características dos seres humanos no estado de natureza são seus direitos naturais, constituídos antes mesmo de qualquer regulamentação legal que venha a ser feita. Esse pensamento ficou conhecido como jusnaturalismo. No início da Idade Moderna, o absolutismo orientou as reflexões sobre o Estado. De acordo com esse sistema, o Estado deveria concentrar os poderes individuais de toda a população. O poder absoluto, resultante da reunião dos poderes dos indivíduos, era exercido por um soberano que encarnava a figura do próprio Estado. No decorrer da Idade Moderna, no entanto, o absolutismo foi enfraquecido como doutrina política e substituído por uma concepção menos autoritária. Tornava-se necessário estabelecer limites legais para o exercício do poder.
Maquiavel e o poder
Republicano: Diz respeito à república, ou seja, coisa pública, de interesse de todos os cidadãos.
Explicação simples e direta sobre o sentido contextualizado de palavras pouco usuais.
Virtude Diz respeito à excelência de algo. Expressão geralmente empregada em contexto moral. Para o cristianismo, virtude opõe-se a vício e é a qualidade de quem age de acordo com as regras de condutas cristãs. Na obra de Maquiavel, significa uma potência ou uma capacidade que alguém possui e que o habilita a realizar alguma coisa: um governante é virtuoso quando sabe qual é o melhor momento para declarar a guerra ou para celebrar a paz.
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Unidade 2
Nascido em Florença, na Itália, Nicolau Maquiavel foi um pensador do início da Filosofia moderna, mais propriamente do Renascimento. Com reflexões voltadas para a ação humana e para o caráter mais prático da vida, ele pouco se dedicou a temas especulativos ou metafísicos, investigando o modo como a política efetivamente se desenrola, isto é, o jogo de forças e interesses em seu próprio tempo. Maquiavel escreveu de biografias históricas a tratados políticos, mas duas obras se destacam por sua importância: O príncipe e Comentários sobre a primeira década de Tito Lívio. Apesar de os dois trabalhos terem sido iniciados em 1513, há uma diferença marcante entre eles. O primeiro dá conselhos a um monarca absoluto para conquistar e manter-se no poder, enquanto o segundo apresenta uma visão republicana da política. O que teria motivado Maquiavel a escrever uma obra voltada a um monarca absoluto ao mesmo tempo que elaborava uma obra republicana? Para essa pergunta, surgiram respostas variadas. Para alguns, Maquiavel pretendia agradar Lourenço de Médici (1449-1492), governante de Florença. Outros acreditam que Maquiavel estava, na verdade, prevenindo a população contra as artimanhas da política e, sobretudo, dos políticos. O pensamento de Maquiavel também é polêmico por outros motivos. De acordo com o filósofo Maurice Merleau-Ponty (1962), Maquiavel separou a política da virtude moral, vínculo mantido pelos pensadores antigos e medievais. O filósofo florentino pensava que a virtude do príncipe não devia ser a mesma que orientava as ações individuais das pessoas comuns. No entanto, Maquiavel não apresentou uma visão distorcida e amoral da política, pois não deixou de ser partidário da virtude. Segundo ele, a política exige uma moralidade própria, muito diferente da moral do cidadão comum. As obras de Maquiavel desconcertavam os leitores porque investigavam um aspecto da moral ignorado pela maioria deles: a moral política. Com esse novo conceito, o bom governante deixava de se orientar pela moral cristã, pois nem sempre valores como paz e caridade são suficientes para preservar o poder. A moral do “bom” governante passou a ser a que preserva o seu governo, e não mais a que é preenchida de virtudes morais do senso comum. As controvérsias levantadas pelas obras de Maquiavel podem ser resultado de sua originalidade. Ao analisar efetivamente as circunstâncias em que ocorre a ação política, ele mudou o enfoque dos pensadores antigos, no