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PROJETO DARWIN –DIA 365

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PRESENTE PERDIDO

PRESENTE PERDIDO

Tiago F. Ribeiro

Os rebeldes ameaçam a dominação Nazista total. Centros de pesquisa surgem para solucioná-lo, mas as descobertas vão além do esperado.

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Passos altos. Ecoam pelo corredor frio e escuro. A ponta do salto estala como tiro de revólver. Armas são proibidas ali em baixo. Um novo corredor se abre à direita, cheio de mais gelidez e breu, com algo, porém, que abafa até mesmo o som dos passos: gritos. Berros ininteligíveis por causa da grossura das paredes, amplificados pelo pé direito diminuto do corredor.

A hora dos testes havia começado. “Como porcos no abatedouro.” Pensa a dra. Pluth, escolhendo uma das portas, a que não emanava barulhos assustadores.

– É realmente necessário fazer o que quer que os esteja fazendo gritar tanto? – Fechou a porta de imediato para abafar o caos sonoro.

À frente, a calma da saleta era contagiante. Cheiro de café. Um homem com um jaleco sujo balançava de lá para cá enquanto fazia algo sobre o balcão branco. Será que ele não conseguia ser mais profissional e manter o uniforme limpo como o dela? Era o que Pluth estava para dizer antes de perceber que ele nunca a escutaria com o volume de seus fones de ouvido.

– Ah, oi, Syd. – Bordado em seu bolso dianteiro lia-se: “Dr. Marcus Urek”. – Hã... você acabou de me jogar um pedaço de bolacha? Sabe que são da Vanya, né?

– Vou dizer que foi você quem pegou sem pedir. – A doutora recosta-se no balcão e solta os cabelos loiros ondulados com alívio. – E o que está fazendo, afinal? Você não gosta de café.

– Eu só... preciso de um estímulo. – O homem, de cabelos menos dourados que os da colega, enche tristemente dois copos de plástico com o líquido quente.

Aquele não parecia ser o colega extrovertido e otimista com quem Pluth trabalhara o ano inteiro. O que o estaria deixando tão cabisbaixo?

– Hoje é o dia 365 que estamos aqui embaixo, né? – Ela pergunta retoricamente. O café estava levemente forte, como preferia. – Um ano depois do início da rebelião na América do Norte. Ouvi dizer que as coisas estão feias por lá. Não se entregam fácil, mesmo sendo os únicos a não se renderem ao Fuhrër.

Urek não reage.

– Porém, mesmo assim, – Continua a mulher. – dizem que nossas tropas tem uma boa vantagem. E como não teriam, afinal? São só alguns judeus armados com forcados, enxadas e...

– E armas nucleares. – O doutor termina de mexer seu café e começa a esfriá-lo.

– São boatos, é claro, de que conseguiram furtar uma das nossas instalações, mas por que outro motivo nos mandaram acelerar o projeto?

– Marcus, o Projeto Darwin serve para expandir os limites da humanidade...

– E criar super soldados. Reticências. A sala fica um pouco mais fria.

– É por causa do seu paciente? Aconteceu alguma coisa com o paciente 1...? – Tenta perguntar a doutora.

– Como está indo com as duas cobaias?

– O tom do dr. Urek, apesar da interrupção, é manso.

– Ah, bem, o paciente 7 não apresentou tanta mudança desde a manifestação de suas habilidades especiais. – Pluth puxa a cadeira mais próxima e acomoda uma perna sobre a outra. – Ele só... come. Tudo o que damos para ele, não importa que tipo de substância seja. Ainda lembro quando começamos com uma pastilha para tosse por que achávamos que os experimentos no sistema digestivo haviam sido exagerados. Agora o Glutão faz jus ao apelido que você inventou e devora madeira podre como se fosse um sanduíche. Com certeza a mudança em suas papilas gustativas foi a coisa mais impressionante. E ele está sem - pre com fome, sabe, outro dia ele comeu o próprio...

Não devia contar ao Urek sobre aquilo, sua mente alertou-a. Mas agora não havia mais escapatória. Que desleixada.

– Bem, foi um acidente, na verdade. –O copo estala com o aperto dos dedos dela. Ainda sentia arrepios só de lembrar. – Era um material resistente e... ele tinha que morder forte. O dedo dele estava na frente e... bem, quando vimos, havia sangue para todo lado. O paciente gritou. Porém, quando os paramédicos entraram na sala de testes, ele já havia voltado a comer, como se nada tivesse acontecido, como se não houvesse sangue literalmente cobrindo tudo. Ele... até mesmo lambia os dedos restantes. Foi nojento, mas... creio que seja algum tipo de avanço? Eu não sei. Depois disso tive de aumentar seu nível de ameaça.

Pluth olha para o colega, que esperava silenciosamente. Ele quer ouvir o resto da história, percebeu.

– Claro, o número 6. – A doutora empertigou-se. Urek sempre dizia que ela era como gelo, mas falar dos pacientes a fazia sentir um frio inquestionável na espinha. –Regeneração acelerada durante o sono profundo. Sinceramente não entendo o porquê do dr. Biden o ter abandonado. Tudo o que ele faz é dormir. Algumas vezes durante os testes. Nada fora do comum, olhando para seu modus operandi.

– Sério? Por isso aumentaram recentemente o nível de ameaça do Dorminhoco para o mesmo que o do Glutão? – Marcus Urek senta-se à mesa calmamente. Pluth não entendia o porquê de todos aqueles questionamentos.

– Já disse que não é boa ideia ficar inventando nomes para os pacientes.

– Vamos lá, me conta, vai. Eu sei que você descobriu alguma coisa. Talvez tenha a ver com o sumiço do Biden. Pluth respirou fundo. Não queria mesmo continuar falando daquilo, mas fez um esforço, sabe-se lá o porquê:

– Ok. Na semana anterior ao desaparecimento do dr. Biden houve um experimento com a quantidade de tempo que o Dorminho... que o paciente 6 conseguiria ficar sem dormir. Na teoria, ele apenas teria sua habili- dade regenerativa enfraquecida. Mas não foi o que aconteceu. Depois de 48 horas acordado, sob estímulos externos, é claro, começamos os testes. Ele estava mal, como qualquer um ficaria. Nem parecia estar no próprio corpo. O enfermeiro aproximou-se, para desamarrá-lo, mas não precisou, pois as tiras de couro foram imediatamente arrancadas. Foram necessários três guardas armados com bastões para parar o ataque do paciente 6 e salvar o que restou do enfermeiro. Mas, apesar de tudo, sabe o que foi mais impressionante? O paciente 6 estava dormindo! Sim, durante todo o processo! Seu estado de sonambulismo assustou a todos, principalmente por conta dos ferimentos que sofreu durante a batalha. Porém, como sempre, no momento em que acordou já estavam todos cicatrizados e os ossos estavam no lugar. Ele não se lembrava de nada.

– Então ele matou o enfermeiro.

– Marcus, eu sei que está preocupado com seu irmão. Qualquer um estaria. Mas o front não é tão perigoso para os curandeiros.

E as nossas pesquisas não tem nada a ver com qualquer coisa que esteja acontecendo por lá, pode acreditar.

Inquieto, Marcus levanta e dirige-se de volta à cafeteira com o copo vazio na mão esquerda.

– Na primeira semana após os primeiros testes – Seu tom era mais cansado do que triste. – Eu ficava apenas observando como o paciente 1 estava reagindo. Ajudaria muito se nos contassem o que haviam feito com ele. Eu não o conhecia antes, mas quando acordou eu tive quase certeza de que nada de sua vida passada havia sobrado. Como? O cara parecia ter saído de uma daquelas novelas antigas de cavalaria. O perfil de um rei. Daí o apelido: Monarca. Eu sabia que ele era especial, mesmo em relação aos outros seis. Podia sentir só de olhar para ele. Mas...

– Ele nunca apresentou resultados. –Completou Pluth, abraçando o amigo. Marcus soluça e, mesmo virado para o balcão, a doutora percebe que ele chora. – Então por isso você está tão triste. Sinto muito, Marcus. Com tudo o que está acontecendo no mundo e você lidando com uma cobaia defeituosa... não deve ser fácil.

– Esse é o problema, Syd. – A doutora solta o colega e se afasta, mas já é tarde de- mais. O parafuso da cafeteira já se vê na aorta de seu pescoço, assim como seus dedos a tentar estancar o sangramento. – O Monarca nunca foi uma cobaia defeituosa.

Dor. O mundo escurece e os sentidos falham. Ela está caindo? Achou que sim, pois num instante Marcus ficou maior e olhando para ela de cima como se olha para os porcos no abatedouro. Foi difícil de, enquanto se arrastava na direção da porta, entender as próximas palavras dele:

– Batizei a habilidade dele de Predador Alfa. Qualquer espécie que entre em contato com ele tem sua vontade forçada a se curvar perante o Monarca.

Faltavam poucos metros. O sangue ameaça afogá-la. A voz de Marcus, agora abafada, aproxima-se:

– Eu sinto muito, Syd. Mas o que o rei manda, eu devo obedecer. Não se preocupe, pois o Glutão nunca deixa sobrar nada. Isso ficou comprovado depois que eu dei o dr. Biden para ele comer.

Pluth berra ao ser puxada de volta pelas pernas. Por que aquilo estava acontecendo com ela? O que ela havia feito de errado? Por que Marcus estava chorando? Onde Marcus havia achado aquele bisturi? Por que o estava aproximando de seu rosto? Não, não, não, aquilo não podia ser, não podia...

“Por quê?” Pensou, antes que o chão deixasse de ser branco.

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