Os Lusíadas (ed. didática) - Vol. I - TRECHO GRÁTIS

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Apresentação

Um livro para ler – e entender

Q

uando eu tinha quinze anos, abri uma edição “com notas” de Os Lusíadas. Li o poema inteiro – isto é, fiz aquilo que, à época, eu chamava de “ler” – e, para além de captar o sentido superficial da maioria das estrofes e algo da entonação épica, não entendi bulhufas. Camões é um clássico; é o clássico da língua portuguesa. Nele estão os sentimentos morais, as virtudes, a dignidade da civilização lusa. Camões é o fundamento da nossa cultura, é o herói dos nossos escritores. Mas como arranhar as intuições poéticas, a elevação moral, os arroubos sobrenaturais de um poeta, quando não se consegue juntar sujeito com predicado em seus longos períodos? Quando suas expressões figuradas parecem enigmáticas e até incompreensíveis? Quando não se sabe ao menos do que está ele a falar: quem é Pacheco, em que ponto da Terra os heróis se encontram, que diabos é um mauritano? Os abecedários medievais começavam com os dizeres: legere et non intellegere, neglegere est – ler, e não entender, é negligenciar. Na raiz etimológica de intellegere, segundo uma tradição antiga, estavam as palavras intus legere (“ler dentro”); na de neglegere, nec legere (“nem ler”); e a mesma frase, lida etimologicamente, assim se traduz: ler, e não ler dentro, não é nem mesmo ler.


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