Vidas dos Santos - Pe. Alban Butler (ed. compilada e ilustrada) - TRECHO GRÁTIS

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Vidas dos Santos, Alban Butler (ed. Benziger Brothers) © Editora Concreta, 2019 Título original: The Lives of the Saints: With Reflections for Every Day in the Year Os direitos desta edição pertencem à Editora Concreta Rua Barão do Gravataí, 342, portaria – Bairro Menino Deus – CEP: 90050-330 Porto Alegre – RS – e-mail: contato@editoraconcreta.com.br Editor: Renan Martins dos Santos Tradução: Emílio Costaguá Revisão: Cássio Domingos Diagramação: Eduardo C. de Oliveira Capa: Hugo de Santa Cruz

Ficha Catalográfica Butler, Alban, 1710-1773 B9761v Vidas dos Santos [versão eletrônica] / ed. compilada por Benziger Brothers. – Porto Alegre, RS: Concreta, 2019. 550p. :p&b ; 16 x 23cm ISBN 978-85-68962-36-7 1. História da Igreja. 2. Igreja Católica. 3. Biografias dos santos. 4. Cristianismo. 5. Catolicismo. 6. Espiritualidade. I. Título. CDD-230.2

Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja ela eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer meio.

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Sumário Prefácio à Edição Brasileira

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JANEIRO

1. Circuncisão de Nosso Senhor São Fulgêncio 2. São Macário de Alexandria 3. Santa Genoveva 4. São Tito São Gregório de Langres 5. São Simeão, o Estilita 6. Epifania de Nosso Senhor 7. São Luciano São Raimundo de Peñafort 8. São Cláudio Apolinário, o Apologista São Lourenço Justiniano 9. São Julião e Santa Basilissa 10. São Guilherme de Bourges 11. São Teodósio, o Cenobita 12. Santo Elredo de Rievaulx 13. Santa Verônica de Milão Santo Hilário de Poitiers 14. Santo Isaías, São Sabas e companheiros 15. São Paulo, o primeiro eremita 16. Santo Honorato 17. Santo Antão 18. Cátedra de São Pedro em Roma 19. São Canuto 20. São Sebastião 21. Santa Inês (Agnes) 22. São Vicente de Saragoça 23. São João Esmoler 24. São Timóteo São Francisco de Sales

27 28 29 30 32 33 33 35 36 36 38 38 40 41 42 43 45 46 47 48 49 50 51 52 53 55 56 57 58 59


25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.

Conversão de São Paulo Santa Paula São Mário de Bodon Santo Tomás de Aquino São Gildas Santa Batilda Santa Marcela

60 62 64 64 66 66 67

FEVEREIRO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23.

Santa Brígida 71 Purificação no Templo (Dia da Candelária) 74 São Brás 76 Santa Joana de Valois 77 São João de Brito 78 Santa Ágata 79 São Filipe de Jesus 80 Santa Dorotéia 82 Os mártires do Japão 83 São Romualdo 84 São João da Mata 85 São Jerônimo Emiliano 87 Santa Apolônia e os mártires de Alexandria 88 Santa Escolástica 89 São Severino 90 São Bento de Aniane 91 Santa Catarina de Ricci 93 São Valentim 94 São Faustino e São Jovita 95 Santo Onésimo 96 São Pânfilo 96 São Teódulo e São Julião 98 São Flaviano 99 São Simeão de Jerusalém 100 São Barbato 101 Santo Euquério 103 São Pedro Damião 104 São Severiano 105 Cátedra de São Pedro em Antioquia 106 São Policarpo 107 São Sereno 108


24. 25. 26. 27.

São Matias São Tarásio São Porfírio de Gaza São Leandro São Gabriel da Virgem Dolorosa 28. São Romão e São Lupicino 29. Santo Osvaldo

109 110 112 113 114 114 115

MARÇO

1. São Davi Santo Albino 2. São Simplício 3. Santa Cunegunda de Luxemburgo 4. São Casimiro 5. Santo Adriano e Santo Eubulo 6. Santa Coleta 7. Santa Perpétua e Santa Felicidade 8. São João de Deus 9. Santa Francisca Romana 10. Os quarenta mártires de Sebaste 11. Santo Eulógio 12. São Paulo Aureliano 13. Santa Eufrásia 14. Santa Matilde 15. São Zacarias 16. Santo Abraão, eremita, e Santa Maria, sua sobrinha 17. São Patrício 18. São Cirilo de Jerusalém 19. São José 20. São Vulfrano 21. São Bento 22. Deogratias de Cartago 23. São Vitoriano e seus companheiros São Turíbio de Mongrovejo 24. Santa Catarina da Suécia São Simão de Trento 25. Anunciação da Santíssima Virgem Maria 26. São Ludgero 27. São João do Egito 28. São Guntrano

119 119 120 122 123 125 126 127 129 130 131 133 134 135 136 138 139 140 144 145 147 149 150 151 152 153 154 156 157 159 160


29. São Jonas, São Baraquísio 30. São João Clímaco 31. São Benjamim

161 162 163

ABRIL

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30.

São Hugo de Grenoble São Francisco de Paula São Ricardo de Chichester Santo Isidoro de Sevilha, arcebispo São Vicente Ferrer São Celestino I São Pedro de Verona Santo Hegésipo Santo Hermano José de Steinfeld São Perpétuo Santa Maria Egipcíaca e São Zósimo São Bademo (ou Vadim) Santo Estanislau São Júlio I Santo Hermenegildo São Benezet, ou o Pequeno Bento São Paterno Os dezoito mártires de Saragoça, e Santa Engrácia Santo Aniceto Santo Apolônio Santo Alfege São Marcelino de Embrun Santo Anselmo São Sotero São Leônidas São Jorge São Fidélis de Sigmaringa São Marcos Santo Anacleto e São Marcelino Santa Zita São Vital São Hugo de Cluny Santa Catarina de Siena São Pio V

167 168 170 171 172 174 174 176 176 177 179 180 181 182 183 184 186 187 188 189 190 191 191 193 193 194 195 196 198 199 200 201 201 204


MAIO

1. São Sigismundo da Borgonha 207 2. Santo Atanásio 208 3. Invenção da Santa Cruz 209 São Filipe e São Tiago 211 4. São Gotardo 212 5. Santo Ângelo 213 6. São João na Porta Latina 214 7. São Bento II 215 8. Aparição de São Miguel Arcanjo 217 9. São Gregório Nazianzeno 218 São Pacômio 219 10. Santo Antonino 221 11. São Mamerto 222 12. Santo Epifânio 223 13. São João, o Silencioso 224 14. São Cártaco 226 15. São Pedro de Lâmpsaco e Santa Dionísia 227 16. São João Nepomuceno 228 17. São Pascoal Bailão 229 18. São Venâncio 230 19. São Pedro Celestino 232 Santo Ivo de Kermartin 233 20. São Bernardino de Siena 234 21. Santo Hospício 235 22. Santa Rita de Cássia 236 23. Santa Júlia 237 24. São Donaciano e São Rogaciano 238 25. Venerável Beda 240 São Gregório VII 241 Santa Maria Madalena de Pazzi 242 26. São Filipe Néri 243 27. Santo Agostinho de Cantuária 244 28. São Germano de Paris 246 29. São Cirilo de Cesaréia 247 30. São Félix I 248 Santa Joana D’Arc 249 31. Santa Petronila 249


JUNHO

1. São Justino, o Filósofo 2. São Potino, Santo, Atala, Santa Blandina e os outros mártires de Lyon 3. Santa Clotilde 4. São Francisco Caracciolo 5. São Bonifácio 6. São Norberto São Cláudio 7. São Roberto de Newminster 8. São Medardo 9. São Primo e São Feliciano Santo Efrém São Columba (Columcille) 10. São Landerico 11. São Barnabé 12. São João de São Facundo 13. Santo Antônio de Pádua 14. São Basílio Magno 15. São Vito, Santa Crescência e São Modesto 16. São João Francisco Régis 17. Santo Aventino (Avito) 18. São Marcos e São Marceliano 19. Santa Juliana Falconieri 20. São Silvério 21. São Luís Gonzaga 22. São Paulino de Nola 23. Santa Eteldreda 24. Natividade de São João Batista 25. São Próspero da Aquitânia e São Guilherme de Vercelli 26. São João e São Paulo 27. São Cirilo de Alexandria São Ladislau 28. Santo Irineu 29. São Pedro 30. São Paulo

253 254 255 256 257 259 260 261 262 263 264 265 266 267 268 270 271 272 273 274 275 276 278 279 280 282 283 284 285 286 287 288 289 290


JULHO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.

São Galo de Clermont Visitação da Santíssima Virgem Santo Heliodoro Santa Berta Santa Isabel de Portugal São Pedro de Luxemburgo São Goar São Paládio São Panteno São Procópio Santa Everilda Os sete irmãos mártires, e Santa Felicidade, sua mãe São Hidulfo de Tréveris São João Gualberto Santo Eugênio e seus companheiros Santo Henrique São Camilo de Lellis São Jacó de Nísibis São Boaventura São Simão Stock Santo Aleixo São Francisco Solano Santa Macrina Santa Margarida de Antioquia São José Barsabás São Vítor de Marselha Santa Maria Madalena Santo Apolinário Santa Brígida da Suécia Santa Cristina São Tiago Maior Santa Ana São Pantaleão São Nazário e São Celso Santa Marta Santo Abdão e São Senem São Germano de Auxerre Santo Inácio de Loyola

295 296 297 298 298 300 301 301 303 304 305 305 307 308 309 310 312 313 314 316 317 318 319 321 321 322 323 324 325 326 327 328 329 329 330 332 333 333


AGOSTO

1. São Pedro Acorrentado Santo Afonso de Ligório 2. Santo Estêvão de Roma 3. Descoberta das relíquias de Santo Estêvão São Pedro Fabro 4. São Domingos 5. Dedicação da Basílica de Nossa Senhora das Neves 6. Transfiguração de Nosso Senhor 7. São Caetano 8. São Ciríaco e seus companheiros 9. São Romão 10. São Lourenço 11. São Tibúrcio e Santa Susana Santa Clara 12. Santa Joana Francisca de Chantal 13. Santa Radegunda 14. Santo Eusébio de Roma 15. Assunção da Santíssima Virgem Maria 16. Santo Estêvão da Hungria São Roque 17. São Jacinto São Liberato e seis monges 18. Santa Helena e Santo Agápito 19. São Luís de Tolosa 20. São Bernardo 21. São Bonoso e São Maximiliano 22. São Sinforiano 23. São Filipe Benício Santa Rosa de Lima 24. São Bartolomeu 25. São Luís São José de Calasanz 26. São Zeferino 27. Santa Mônica 28. Santo Agostinho de Hipona 29. Decapitação de São João Batista 30. São Fiacre 31. São Raimundo Nonato

337 338 339 339 340 342 343 344 345 347 347 348 349 350 351 352 353 354 355 356 357 358 359 361 362 364 365 366 367 369 370 371 372 373 374 375 377 378


SETEMBRO

1. Santo Egídio 2. Beata Margarida de Lovaina São Castor 3. São Gregório Magno Santa Serápia 4. Santa Rosália e Santa Rosa de Viterbo 5. São Bertino 6. Santo Eleutério 7. São Clodoaldo 8. Natividade da Santíssima Virgem 9. Santo Omer (Audomaro) São Pedro Claver 10. São Nicolau de Tolentino 11. São Pafúncio 12. Santíssimo Nome de Maria São Guido de Anderlecht 13. Santo Eulógio São João Crisóstomo 14. Exaltação da Santa Cruz 15. Santa Catarina de Gênova 16. São Cipriano de Cartago 17. São Lamberto 18. São José de Cupertino 19. São Januário e seus companheiros 20. Santo Eustáquio e seus companheiros 21. São Mateus 22. A Legião Tebana São Tomás de Vilanova 23. Santa Tecla 24. Nossa Senhora das Mercês 25. São Firmino e São Finbarr 26. São Cipriano e Santa Justina Santo Eusébio São Cosme e São Damião 27. São Vicente de Paulo 28. São Venceslau 29. São Miguel Arcanjo 30. São Jerônimo

383 384 384 385 386 387 388 390 391 392 393 393 394 395 396 397 398 399 400 401 402 403 404 406 407 408 409 410 410 411 412 413 414 415 416 417 418 419


OUTUBRO

1. São Remígio Santa Teresinha do Menino Jesus 2. Santos Anjos da Guarda 3. São Geraldo de Brogne 4. São Francisco de Assis 5. São Plácido e seus companheiros 6. São Bruno 7. São Marcos, o Papa 8. Santa Pelágia 9. São Dionísio de Paris e seus companheiros. São Luís Bertrán 10. São Francisco de Bórgia 11. São Taraco e seus companheiros 12. São Vilfrido 13. Santo Eduardo, o Confessor 14. São Calisto 15. Santa Teresa d’Ávila 16. São Galo Santa Margarida Maria Alacoque 17. Santo Inácio de Antioquia Santa Edwiges 18. São Lucas 19. São Pedro de Alcântara São Paulo da Cruz 20. Santo Artêmio 21. Santa Úrsula São Hilarião 22. São Melânio 23. São Teodoreto 24. São Maglório 25. São Crispim e São Crispiniano 26. Santo Evaristo 27. São Frumêncio 28. São Simão e São Judas 29. São Narciso 30. São Marcelo, o centurião 31. São Quintino

423 424 424 425 426 427 428 429 430 431 432 433 434 435 436 437 438 438 439 440 440 441 442 443 444 444 445 446 447 447 448 449 450 451 452 452


NOVEMBRO

1. Dia de Todos os Santos 2. Dia de Finados 3. São Malaquias Santo Humberto 4. São Carlos Borromeu 5. Festa das Sagradas Relíquias Santa Bertila 6. São Leonardo 7. São Wilibrordo 8. Os Quatro Mártires Coroados 9. São Teodoro Tiro 10. São Leão Magno Santo André Avelino 11. São Martinho de Tours 12. São Martinho de Roma 13. Santo Estanislau Kostka São Diogo de Alcalá 14. São Lourenço O’Toole 15. São Leopoldo III 16. Santa Gertrudes Santa Margarida da Escócia Santo Edmundo de Cantuária 17. São Gregório Taumaturgo Santa Isabel da Hungria 18. Santo Odão de Cluny 19. São Barlaão de Antioquia 20. São Félix de Valois 21. Apresentação da Santíssima Virgem Maria 22. Santa Cecília 23. São Clemente de Roma 24. Santa Flora e Santa Maria 25. Santa Catarina de Alexandria 26. São Pedro de Alexandria 27. São Máximo de Riez 28. São Tiago da Marca de Ancona 29. São Saturnino 30. Santo André

457 458 458 459 460 461 461 462 463 464 465 466 467 468 469 470 470 471 472 474 474 475 476 477 478 479 480 481 482 483 484 485 485 486 487 488 489


DEZEMBRO

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. 30. 31.

Santo Elígio Santa Bibiana São Francisco Xavier Santa Bárbara São Sabas São Nicolau de Bari Santo Ambrósio Festa da Imaculada Conceição Santa Leocádia Santa Eulália São Dâmaso São Valério e São Finiano Santa Luzia São Nicásio e seus companheiros São João da Cruz São Mesmino Santo Eusébio de Vercelli Santa Olímpia São Gaciano São Nemésio São Filogônio São Tomé Santo Isquirião São Sérvulo São João Câncio São Delfino. Santa Tarsila e Santa Emiliana Natividade de Cristo (Natal) Santo Estêvão São João Dia dos Santos Inocentes São Tomás Becket São Sabino e seus companheiros São Silvestre

493 494 495 496 496 497 498 499 500 500 501 502 503 504 504 505 506 507 508 509 510 511 512 512 513 514 515 516 516 517 518 519 520

Bibliografia Complementar

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Índice Remissivo

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Prefácio à Edição Brasileira I. A importância das vidas dos santos

O

que exatamente é o cristianismo? O mundo, o diabo e a carne têm todos a sua própria opinião a respeito – especialmente o mundo. Nas trevas civilizacionais de nossos tempos, onde o acúmulo de opiniões subjetivas encobre qualquer vislumbre da verdade, somos obrigados a conviver com as mais conflitantes e disparatadas visões a respeito de qualquer fato – que dirá sobre a religião cristã, talvez o fenômeno mais singular da história universal. Segundo os ateus militantes, o cristianismo é o grande flagelo que se abateu sobre a humanidade; de acordo com os marxistas clássicos, ele não passa de um entorpecente popular; para os liberais de direita, trata-se apenas de um mal necessário, uma espécie de “cola” da sociedade; aos teólogos da libertação, é nada mais que a justificativa espiritual da própria luta armada revolucionária. Será possível, mediante a articulação de opiniões tão diversas – e, no fundo, unanimemente negativas – chegar à verdade do que constitui a vida cristã? O principal alvo pretendido por essas críticas, como sabemos, é a Igreja Católica, bode expiatório universal desde o fim da Idade Média. Por uma ironia da Providência, a sedutora idéia de livrar-se para sempre da religião tem seu nascedouro nas pretensões mesmas de purificá-la. Muitos, arrogando-se os verdadeiros representantes do cristianismo – caso dos protestantes em geral, e de inúmeros intelectuais em específico, como Tolstói – pretendem limpar as suas tão denunciadas chagas por uma espécie de purificação interiorizante e regressiva. Isto é, seria preciso regredir aos primórdios, retornar ao suposto coração do próprio Cristo, esquecendo por completo os dois mil (ou mil e quinhentos) anos de domínio papal. Por sua vez, os católicos devotos e conscientes de sua própria religião respondem que a Igreja acabou com a escravidão, construiu hospitais, orfanatos,


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Vidas dos Santos

universidades, preservou a literatura e a cultura greco-romana dos ataques bárbaros, instituiu a justiça inquisitorial, promoveu o método científico, defendeu índios e negros contra a tirania dos Estados-nações modernos, etc. Têm estes e muitos outros fatos historicamente inegáveis a seu lado, sem dúvida.I Porém, não estarão todos – católicos inclusive – desviando seus olhares para elementos periféricos da própria religião cristã? “Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13,35). Ora, não foi Nosso Senhor em pessoa, o fundador mesmo do cristianismo, quem nos legou esta e diversas outras fórmulas para compreendermos o seu real sentido? Se, por um lado, as encarnações do amor cristão em valores civilizacionais – legado indubitável do catolicismo, e sobre o qual se assentam todos os seus críticos – agregam valor de prova e justificam a prioridade da Igreja Católica sobre qualquer das suas dissidentes, por outro lado, tal valor apenas se pode fundar na presença real do Cristo, a encarnação mesma do Amor absoluto. Mesmo a Tradição, o Magistério e a Bíblia dependem dessa presença real. Ou Deus está lá, ou não está – e se não está, “é vã a nossa pregação, e também vã a nossa fé” (I Cor 15,14). Ora, e se Cristo verdadeiramente ressuscitou desde o túmulo de pedra e se presentifica a cada missa, Ele tem de poder ressuscitar, ainda hoje como em todos os tempos, no coração empedernido do homem individual. Quem pode o mais, pode o menos: não se trata de opinião, mas de um princípio metafísico, que nossa cultura talvez já tenha tornado impossível compreender. E se Cristo pode o menos, há-de se fazer presente no mais nobre dos templos, a obra perfeita de alvenaria, criada à Sua imagem e semelhança. Portanto, este parece ser um critério seguro: procurar aqueles que praticaram a religião da maneira mais plena e fulgurante. Se, por exemplo, quiséssemos despertar em alguém um profundo amor pela música, não daríamos preferência às canções populares nas rádios, e muito menos cantaríamos sem capricho uma melodia qualquer; indicaríamos, isto sim, peças de Bach, Mozart, Beethoven, Brahms, Schubert e outros grandes gênios. Da mesma forma, se quiséssemos inspirar em alguém a devoção pela pintura, não lhe exporíamos os desenhos sem capricho de um aprendiz, mas as obras sublimes de um I. Como o leitor já deve saber, a bibliografia a esse respeito é imensa. Indicamos, apenas a título de exemplo: Thomas E. Woods, How the Catholic Church Built Western Civilization, Washington D.C., Regnery History, 2012; Régine Pernoud, O Mito da Idade Média, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1989; Rodney Stark, Bearing False Witness: Debunking Centuries of Anti-Catholic History, West Conshohocken, Templeton Press, 2016.


Prefácio à Edição Brasileira

Giotto, de um Rafael, de um Michelangelo. Ora, e se quiséssemos despertar em alguém o interesse pela arte de ser cristão? Bastaria conduzir essa pessoa a uma missa, a um evento paroquial, a um curso de teologia? Não seria natural, ao invés disso, apresentar-lhe os grandes artistas do amor divino? “Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas” (Jo 14,12). Como nos recorda uma das inúmeras reflexões presentes neste volume: Será possível trazer à lembrança o fervor dos santos ao se esforçarem e sofrerem com alegria por Deus, e ao mesmo tempo não sentir um santo ardor queimar em nosso peito, e nossa alma ser profundamente movida por heróicos sentimentos de virtude? II

Ler as vidas de santos é como ler as vidas de heróis e grandes personagens: quanto mais nos acostumamos aos seus exemplos, acabamos assimilando as imagens de suas virtudes, por um processo quase natural e inconsciente. É bem possível que um homem preencha de tesouros hagiográficos todo o seu arcabouço imaginativo e jamais cumpra efetivamente os divinos mandamentos; por outro lado, é certo que, sem esse recurso, a probabilidade torna-se quase uma certeza. Só buscamos realizar aquilo que somos capazes de imaginar. A falta de imagens de santos em nossa alma a amesquinha; reféns de uma cultura tão asséptica quanto mortal, somos cercados 24h por dia de vidas vazias de sentido, que a nada nos inspiram de verdadeiramente valioso. Estamos apartados do Céu, e sem o Céu, não enxergamos a Terra. Como já ensinava o psicólogo Viktor Frankl, o ser humano é incapaz de levar uma vida desprovida de sentido;III sem a amplitude de horizonte, caímos reféns de nossa própria insignificância rotineira; restamos como num quarto escuro, alimentando-nos do ar tóxico que nosso próprio ego expira. Precisamos saber que a eternidade é não só possível, mas experimentável ainda neste mundo. “Nisso todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros. Aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas”. Onde estão os discípulos mais exemplares, para que possamos imitá-los, para que o Céu se torne uma realidade presente, à distância de um toque? Este livro é uma resposta. II . Reflexão do dia 19 de dezembro, São Nemésio, p. 509. III. Em busca de sentido, 42ª ed., São Paulo, Vozes, 2017.

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II. A trajetória do Padre Alban ButlerIV O reverendo Alban Butler nasceu a 13 de outubro de 1710, em Appletree, em um aristocrático lar inglês. À época de seu nascimento, a família passava por graves dificuldades financeiras;V sua educação, contudo, era algo importante demais para merecer qualquer negligência, e mesmo na época de penúria, Butler foi enviado ao internato em Lancashire, onde começou a nutrir seu profundo amor pelos estudos. Ainda na infância, desenvolveu grande admiração pelas histórias dos santos; freqüentemente reunia os colegas para expor-lhes, com precisão e eloqüência, as vidas miraculosas daqueles heróis em Cristo. Aos oito anos, o piedoso menino foi enviado ao seminário em Douai.VI Por volta dessa época, viu os pais serem chamados para junto do Senhor, tendo a mãe deixado aos filhos uma belíssima carta de despedida, em que os exortava a “morrer mil vezes, se possível, antes de abandonar a fé”. Butler destacava-se no colégio por sua humildade, devoção e obediência, como ficou consignado nos testemunhos de alguns colegas. Acolhia com paciência e mansidão a todas as amarguras, incluindo as injustiças que sofria de certos professores. Nada jamais lhe agitava o espírito, e às dificuldades respondia com renovado amor ao próximo, distribuindo aos pobres grande parte do estipêndio e provisões de que necessitava para levar sua vida estudantil. Dotado de um poderoso vigor intelectual, não se permitia dormir mais que quatro horas por dia, consumindo seu tempo de vigília em estudo e oração. Fosse na solidão, ou cercado de amigos, ou durante as refeições, ou em suas caminhadas, ou sobre a sela do cavalo, jamais deixava a companhia dos livros. Possuía uma velocidade impressionante de leitura, o que lhe permitiu acumular a imensa erudição que demonstraria nos vários volumes de Vidas dos Santos. Após completar o curso natural de estudos, em 1735, seria ordenado sacerdote e admitido como professor de filosofia na Universidade de Douai. IV. Grande parte desta seção se baseia na obra escrita por seu sobrinho, Charles Butler: An account of the life and writings of the Rev. Alban Butler, Londres, J. P. Coghlan, 1799. V. Seu avô paterno, Simon Butler, fora um zeloso lorde protestante que ajudara a convocar Guilherme de Orange para que invadisse a Inglaterra e depusesse o monarca católico Jaime II, o que redundou na conhecida Revolução Gloriosa. Tomado de remorso pelas conseqüências políticas da assunção do rei protestante ao trono, Simon teria dissipado as posses da família em busca de consolo nos prazeres. VI. Cidade no norte da França, famosa por sua universidade, um dos grandes centros da intelectualidade católica européia entre os séculos XVI e XVIII. Foi em sua Faculdade de Teologia que se compôs a Bíblia Douai-Reims, célebre tradução inglesa da Vulgata.


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Estudou e absorveu a filosofia natural de Newton e a metafísica de Wolff e de Leibniz – embora sempre com imensas reservas quanto à incapacidade desses autores de iluminar as realidades da vida espiritual. Segundo testemunhos, celebrava piedosamente a Santa Missa, e tinha grande cuidado para com os penitentes no confessionário, que incluíam soldados irlandeses internados nos hospitais militares. Com freqüência os reunia para pregar-lhes sermões e exortar-lhes ao heróico exemplo dos santos. Foi um notório defensor da infalibilidade papal, mais de um século antes de promulgada oficialmente como doutrina da Igreja por Pio IX.VII Ao mesmo tempo, não deixava de denunciar o erro oposto dos ultramontanistas, que confundiam o reinado do Cristo com o império dos césares e arrogavam ao Papa o poder de depor reis e imperadores. Passados alguns anos, quando se encontrava perto de concluir seu magnum opus, Butler decide fixar-se em Londres, onde teria à disposição uma miríade de bibliotecas públicas para usar como fonte de consulta. Porém, mal se instalara, foi enviado contra a vontade em uma missão apostólica a Staffordshire. Mesmo com prejuízo para seus estudos, atenderia a todos com solicitude. Pouco depois, foi incumbido como capelão de Edward Howard, herdeiro do duque de Norfolk, enviado para estudar em Paris, aonde Butler o acompanharia. Howard faleceu muito jovem, e o sacerdote permaneceu na capital francesa, onde finalmente pôde concluir a obra à qual dedicara 30 anos de sua vida. Dominava com perfeição o italiano, o espanhol e o francês, além do latim, grego e línguas orientais. Era perito nas Escrituras e em teologia, direito canônico, patrística e história eclesiástica, demonstrando inquestionável erudição. Conhecia a fundo também heráldica e geografia, filosofia, botânica e medicina. Na companhia do bispo Challoner,VIII Butler foi intelectual católico de destaque no período mais difícil do catolicismo inglês, então perseguido na Ilha com mãos de ferro. Além de dedicar-se de corpo e alma a Vidas dos Santos, auxiliaria Challoner com suas Memórias de Sacerdotes Missionários, obra referencial sobre os católicos martirizados durante o reinado de Elizabeth e de outros monarcas anglicanos. VII. Por sinal, a primeira obra de Butler, publicada anonimamente, foi uma mordaz crítica aos erros de History of the Popes, do polêmico Archibald Bower (assim como ele, formado em Douai). VIII. Richard Challoner (1691–1781), bispo católico responsável pela revisão da tradução da Bíblia Douai-Reims (cf. nota vi acima).

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Butler jamais encontraria o tão almejado descanso para seus estudos. Tamanha era a sua reputação ao final da vida, que quatro bispos o procuravam constantemente em busca de conselho, atribuindo-lhe os poderes de vigário-geral. Faleceu em Saint-Omer, na França, em 1773. Após a Revolução Francesa, seu túmulo desapareceu.

III. Vidas dos Santos e a compilação americana Desde a sua primeira edição, há quase três séculos, Vidas dos Santos do Pe. Alban Butler tem sido uma das obras de referência mais populares no meio católico anglo-saxão. Os seis volumes originais já passaram por diversas revisões e atualizações, incluindo versões mais longas, em doze volumes, um para cada mês, e versões compiladas publicadas por diferentes editoras. As edições completas em quatro volumes, um para cada trimestre do ano, tornaram-se populares ao longo do século XX e ainda hoje encontram acolhida em inúmeras bibliotecas paroquiais e lares católicos ao redor dos Estados Unidos. A obra original, publicada em Londres entre os anos de 1756 e 1759, contém mais de 1.600 biografias de santos, constituindo-se, por sua amplitude, estilo e erudição, em realização de verdadeiro alcance universal. Acabaria traduzida em diversas línguas, ganhando destaque na versão francesa do Pe. Codescard (ou Godescard) – com tamanhos acréscimos e alterações que esta obra chegou a se intitular Les vies des Saints de Godéscard et Butler, ou mesmo Les vies des Saints de Godéscard. No entanto, nas últimas décadas, o legado monumental do Pe. Butler acabou esquecido pelas editoras católicas. Dois fatores podem ajudar a explicá-lo: em primeiro lugar, houve um aumento considerável de hagiografias avulsas no mercado, tornando dispensáveis e mesmo inviáveis as obras enciclopédicas de referência. Em segundo lugar, a reforma do martirológio ocorrida ao final dos anos 60, após o Concílio Vaticano II, acabou deixando obsoleta a disposição original das datas seguida pelo Pe. Butler, a qual se conformava ao calendário tridentino.IX IX. A única atualização do calendário sobre a obra original foi realizada em 1995, em edição de cunho assaz duvidoso, repleta de laivos modernistas, organizada por Paul Burns, autor simpatizante da Teologia da Libertação. Por aí se vê a premência de despontarem novas versões, como as que estamos lançando em português.


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Por outro lado, com o advento da internet, uma outra versão da obra veio a se popularizar entre católicos americanos, por meio de uma miríade de e-books e páginas gratuitas. Trata-se da compilação publicada em 1894 pela Benziger Brothers, a qual serviu de base para o livro que o leitor tem em mãos. Benziger Brothers foi uma editora católica muito popular na segunda metade do século XIX. Originalmente fundada como gráfica e livraria por Joseph Charles Benziger – comerciante suíço que havia perdido tudo para as devastações perpetradas pela Revolução Francesa – a empresa cresceria enormemente nas mãos de seus herdeiros, abrindo filiais nos principais centros da Europa e Estados Unidos. Foi na América que o negócio consolidou-se como casa editorial, recebendo em 1853 o título “Benziger Brothers”, então já sob direção dos netos do fundador. No imenso catálogo de livros devocionais, educativos, literários e teológicos que foi ganhando corpo, figurou com destaque a compilação de Vidas dos Santos.X Esta versão buscava condensar o extenso trabalho do Pe. Butler em apena um volume, acrescentando ao final de cada hagiografia uma breve reflexão – às vezes extraída do próprio texto do sacerdote, às vezes escrita originalmente pelo editor, John G. Shea.XI A mesma compilação, por sua vez, sofreu pelo menos mais duas atualizações – a última nos anos 50 – passando a incluir alguns importantes santos canonizados durante o início do século XX.

IV. A edição da Concreta Muito mais do que uma simples tradução para o português, a presente edição foi fruto de um árduo trabalho editorial. Em primeiro lugar, corrigimos diversos erros da compilação originalmente produzida pela Benziger Brothers, que infelizmente se perpetraram nas várias reedições americanas que ainda hoje povoam o mercado. Erros de datas, citações, frases incompreensíveis – foi tudo conferido com minúcia e corrigido na transposição para o português. Outra mudança substancial foi a reordenação das datas dos santos conforme o atual calendário litúrgico, reformado em 1969, já em época posterior à X. Durante o século xx, a editora perdeu muito de sua força, e acabou sendo adquirida em 1968 pela gigante editorial Macmillan/McGraw-Hill, transformando-se no selo católico RCL Benziger, existente ainda hoje. XI. John Gilmary Shea (1824–1892) foi um escritor, editor e historiador americano, considerado o “Pai da história católica americana”. Intelectual prolífico, escreveu, editou e traduziu quase trezentas obras.

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última atualização da edição da Benziger Brothers. Embora este editor tenha predileção pelo calendário tradicional, como tantos dos seus irmãos católicos, achamos que o livro perderia muito de sua pertinência caso os leitores não pudessem utilizá-lo conforme a prática atual da Igreja. De todo modo, mesmo reconfigurando-se a ordem das festas segundo o calendário litúrgico moderno, decidimos manter algumas celebrações especiais do calendário tradicional – por exemplo, a Invenção da Santa Cruz a 3 de maio. Em casos específicos, preferimos também preservar a data da festa tradicional de certos santos, em detrimento da data do calendário reformado. Nas respectivas notas de rodapé, explicamos exatamente o porquê em cada caso. É sabido que o calendário litúrgico tradicional seja mais rico na quantidade de celebrações. Festas de grande importância simbólica, como a Circuncisão de Jesus, sumiram a partir de 1970, e mais de 130 santos foram simplesmente excluídos do Martirológio Romano pelo motu proprio do Papa Paulo VI, Mysterii Paschalis. Com nosso trabalho editorial, procuramos reparar essa perda em alguma medida. Por fim, alinhamos melhor as duas edições – a completa e a compilada – quanto aos títulos e subtítulos de cada santo, de maneira a unificá-los. Ademais, anexamos aos títulos as respectivas datas de nascimento e morte do biografado, a fim de localizar melhor o leitor. Acrescentamos também um índice remissivo, que não constava da compilação americana, bem como uma extensa bibliografia a respeito das principais hagiografias, seja em português, seja em outras línguas. Tudo isso para fazer desta edição uma obra definitiva de referência aos católicos brasileiros – pelo menos até que seja lançada a série completa original. O leitor irá reparar que há uma presença um tanto desproporcional de santos irlandeses e ingleses na lista. Isto se explica facilmente pelo fato de o próprio autor ter sido um sacerdote inglês, escrevendo para seus compatriotas, e a compilação ser obra lançada para americanos. Outro acréscimo digno de menção são algumas poucas citações extemporâneas do Cardeal Newman – que viveu mais de cem anos após o Pe. Alban Butler – nas reflexões que se seguem às hagiografias. Ex-pastor anglicano inglês e intelectual de imenso porte convertido à Igreja, Newman era já figura de extrema popularidade no meio católico anglo-saxão à época desta compilação, ao final do séc. XIX. Era portanto natural que suas citações contribuíssem com o apelo da edição junto ao público.


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Destaca-se também, na versão que utilizamos de base, a presença de canonizações mais recentes, como já referenciamos acima. O leitor encontrará, por exemplo, a biografia de Santa Teresinha do Menino Jesus, que entrou para o panteão oficial da Igreja somente em 1925. Na versão atualizada da Benziger Brothers, esses poucos santos haviam sido acrescentados em seção que antecedia o calendário original. Dado o tempo já transcorrido desde então, cumprindo-se a incorporação dessas hagiografias à vida católica, e também de modo a simplificar a leitura, decidimos integrá-las ao calendário regular, sob suas respectivas datas. Tendo a última atualização ocorrido na década de 1950, não constam hagiografias de tempos posteriores, como a de São Pio de Pietrelcina, o qual dispensa apresentações. Porém, tendo em vista já constar material abundante sobre esse e tantos outros santos e beatos promovidos nas últimas décadas, não deixa de ser uma qualidade particular de nosso lançamento apresentar nomes por vezes ignorados pelos católicos brasileiros atuais. Nota-se também que, por algum motivo desconhecido, as biografias passam a encurtar-se nos últimos meses do ano. Provavelmente houve alguma decisão de cunho editorial influenciando essa configuração. É possível que os editores da Benziger Brothers precisassem encaixar a obra num determinado tamanho já pré-acordado, e assim se tenham visto forçados a aplicar com maior rigor a régua nos textos finais. De qualquer maneira, a edição não chega a ficar prejudicada por conta disso: pelo contrário, parece que os textos, à medida que se encurtam, concentram-se cada vez mais nos aspectos verdadeiramente centrais das hagiografias. Esta é, aliás, uma das principais vantagens deste volume: não nos perdemos em detalhes minuciosos das vidas dos santos, que às vezes importam mais ao historiador que ao devoto, e assim ficamos com os destaques que refletem a lição espiritual a seguir. É isto, no fundo, o que importa. No simbolismo tradicional, os santos são comparados às estrelas que refulgem no firmamento para guiar os fiéis na escuridão da noite – brilhem, portanto, com esse intuito. Sejam luzeiros a medir os nossos dias e os nossos passos. Confiamos que, com a nossa versão de Vidas dos Santos, os leitores da Concreta terão um confiável mapa para conduzi-los nesta via peregrina. Renan Martins dos Santos Editor-chefe

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Circuncisão de Nosso Senhor

A

1º de

janeiro

circuncisão era um sacramento da Antiga Lei, e a primeira observância legal exigida pelo Deus Todo-Poderoso aos descendentes de Abraão. Era um sacramento de iniciação ao serviço de Deus, e uma promessa e compromisso de crer e agir como Ele havia revelado e orientado. A lei da circuncisão continuou em vigor até a morte de Cristo, e, como Nosso Salvador nasceu sob a lei, “convinha a Ele”, que veio ensinar à humanidade a obediência à lei de Deus, “cumprir a justiça completa” (Mt 3,15), e se submeter a ela. Portanto, Ele foi circuncidado “a fim de remir os que estavam sob a lei” (Gl 4,5), libertando-os de sua servidão a ela; e a fim de que aqueles na condição anterior de servos pudessem libertar-se e “receber a adoção filial” (Gl 4,5) no batismo, o qual, por instituição de Cristo, veio substituir a circuncisão. No dia em que o Menino Deus foi circuncidado, Ele recebeu o nome de Jesus – que significa Salvador – dado pelo anjo antes da concepção. O Menino Deus não deseja portar nome tão belo e tão glorioso sem cumprir seu sentido a cada momento; mesmo no instante da circuncisão, Ele manifestou-se como Salvador, ao derramar por nós aquele sangue do qual uma única gota basta para o resgate e salvação do mundo inteiro.

Reflexão Tiremos proveito da circunstância do Ano Novo e da maravilhosa renovação operada no mundo pelo grande mistério deste dia, para renovar em nossos corações um aumento de fervor e generosidade a serviço de Deus. Que este ano possa ser de grande ardor e progresso! Seu transcurso há-de passar muito rápido, como o que recém terminou; se Deus permitir que o testemunhemos até o último dia, qual não será nossa alegria e felicidade se o tivermos vivido de maneira santa!


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Vidas dos Santos

São Fulgêncio (460–533) Apesar dos problemas familiares e da delicada saúde, Fulgêncio foi nomeado muito cedo como procurador de sua província em Cartago. Tal sucesso, no entanto, não lhe satisfazia o coração. Arrecadar impostos se provava a cada dia uma tarefa mais ingrata, e, quando tinha 22 anos, o tratado de S. Agostinho sobre os Salmos1 o convenceu a ingressar na religião. Após seis anos vividos em paz, seu mosteiro foi atacado por hereges arianos, e Fulgêncio acabou destituído e banido para o deserto. Buscava agora a solidão no Egito, porém, encontrando esse país também em crise cismática, dirigiu seus passos para Roma. Lá os esplendores da corte imperial, por maiores que fossem, apenas lhe simbolizavam a glória mais alta da Jerusalém celeste, e, na primeira trégua na perseguição, Fulgêncio voltou a buscar sua cela africana. Eleito bispo em 508, foi convocado a encarar novos perigos, sendo logo banido para a Sardenha pelo rei ariano Trasimundo, junto a 59 prelados ortodoxos. Embora fosse o mais jovem dos exilados, tornou-se imediatamente porta-voz de seus irmãos e suporte de seus rebanhos. Fosse em livros, fosse em cartas – que sobreviveram até hoje – confundiu os heresiarcas pelagianos e arianos e crismou os católicos na África e Gália. Um sacerdote ariano traiu Fulgêncio junto aos númidas e ordenou que ele fosse flagelado – o que acabou se realizando. Arrancaram-lhe o cabelo e a barba e o deixaram nu, com o corpo transformado como que em uma única chaga sangrenta. Mesmo o bispo ariano se envergonhou dessa brutalidade, e se dispôs a punir o sacerdote, caso o santo o processasse legalmente. Porém, Fulgêncio respondeu: “um cristão não deve buscar vingança neste mundo. Deus sabe como fazer justiça a Seus servos. Se eu levasse a punição humana a esse sacerdote, perderia meu prêmio junto a Deus. Ademais, seria um escândalo para muitos pequeninos que um católico e monge, por mais indigno que seja, busque a compensação de um bispo ariano”. Com a morte de Trasimundo, os bispos voltaram a seus rebanhos, e Fulgêncio, reestabelecendo a disciplina em sua sé, retirou-se para um mosteiro em uma ilha, onde, após se preparar por um ano, faleceu em paz, em 533. 1 Mais precisamente, o sermão sobre o Salmo 35 (36), a respeito da transitoriedade da vida material (Enarrationes in Psalmos, 35 (36) – PL 36, 342–354.) [Nota do Editor; doravante, N. E.]


Janeiro

Reflexão Que cada ano nos traga novas mudanças e provações. Aprendamos com S. Fulgêncio a receber tudo o que nos acontece como vindo da mão do próprio Deus, e designado para nossa salvação. Outros santos do dia: São Vicente Maria Strambi · São Concórdio de Espoleto · São José Maria Tomasi

São Macário de Alexandria (297–395) 2 de

janeiro

Na juventude, Macário abandonou sua barraca de frutas em Alexandria para se unir ao grande S. Antão. O patriarca, por um milagre alertado sobre a santidade do discípulo, nomeou-o herdeiro de suas virtudes. A vida de Macário foi um longo conflito consigo mesmo. “Atormento aquele que me atormenta”, respondeu ele a alguém que o encontrara curvado, carregando uma cesta de areia em pleno calor da tarde. “Sempre que estou com preguiça e ocioso, sou importunado por desejos de partir em longa viagem”. Quando ficava exausto o bastante, voltava à cela. Como o sono às vezes o dominasse, mantinha vigília por vinte dias e vinte noites; ficando a ponto de desmaiar, entrava na cela e dormia, mas a partir de então só passou a dormir quando queria. Certo dia, matou um pernilongo que o picara; em vingança por essa fraqueza, ficou nu em um pântano até que seu corpo ficasse coberto de picadas peçonhentas e só pela voz o pudessem reconhecer. Uma vez, quando estava sedento, recebeu uvas de presente, mas entregou-as intocadas a um eremita que passava sufoco por causa do calor. Este as entregou a um terceiro, que as repassou a um quarto; e assim as uvas deram a volta pelo deserto e retornaram a Macário, que agradeceu a Deus pela abstinência dos irmãos. Macário via demônios acossando os eremitas enquanto oravam: colocavam os dedos nas bocas de alguns e faziam-nos bocejar; fechavam os olhos de outros e caminhavam sobre eles quando dormiam; apresentavam imagens vãs e sensuais diante de muitos irmãos, e então zombavam daqueles que acabavam

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cativados. Ninguém conseguia se livrar com eficácia dos demônios, exceto aquele que, com vigilância constante, repeliu-os a todos de uma só vez. Macário visitou um eremita todos os dias durante quatro meses, mas nunca podia falar com ele, porque se encontrava sempre em oração; então o chamou de “anjo sobre a terra”. Após muitos anos como superior, Macário fugiu escondido para a companhia de S. Pacômio, de modo a começar novamente como seu noviço. Porém, S. Pacômio, instruído por uma visão, mandou que ele retornasse aos irmãos, que o amavam como a um pai. Na velhice, pensando ter domado a natureza, decidiu passar cinco dias sozinho em oração. No terceiro dia, a cela parecia pegar fogo, e Macário, sem poder livrar-se dos pensamentos acerca das necessidades da vida, enfim se retirou. Deus permitira essa desilusão, dizia ele, para que não fosse enganado pelo orgulho. Aos 73 anos, foi levado para o exílio e brutalmente ultrajado pelos hereges arianos. Faleceu em 395.

Reflexão A oração é a respiração da alma. Mas S. Macário nos ensina que a mente e o corpo devem ser dominados antes que a alma esteja livre para orar. Outros santos do dia: São Isidoro de Antioquia · São Gaspar de Búfalo · São Martiniano de Milão · Beata Estefânia de Quinzanis

Santa Genoveva (419–512) 3 de

janeiro

Genoveva nasceu em Nanterre, próximo a Paris. S. Germano, ao passar por ali, notou uma pastorinha em particular, e previu sua futura santidade. Aos sete anos, ela fez um voto de castidade perpétua. Após a morte dos pais, Paris tornou-se seu lar; no entanto, viajava com freqüência para realizar obras de misericórdia, o que fazia de modo infalível com seus dons de profecia e milagres. Certa vez, foi cruelmente perseguida: seus inimigos, invejosos de seu poder, acusaram-na de hipócrita e tentaram afogá-la; mas quando S. Germano


Janeiro

enviou-lhe um pouco de pão bento como sinal de estima, cessou o clamor, e desde então ela passou a ser honrada como santa. Durante o cerco de Paris por Quilderico, rei dos francos, Genoveva saiu com alguns seguidores e foi buscar trigo para os famintos cidadãos. No entanto, mesmo o pagão Quilderico a respeitava, e a pedido dela poupou as vidas de muitos prisioneiros. Novamente, quando Átila e seus hunos aproximavam-se da cidade, com a exortação de Genoveva os habitantes, ao invés de fugir, entregaram-se à oração e penitência, e evitaram o iminente flagelo, como ela previra. Clóvis, ao ser convertido do paganismo por sua santa esposa, S. Clotilda, fez de Genoveva permanente conselheira, e, apesar do caráter violento, tornou-se um rei generoso e cristão. Ela faleceu poucas semanas depois do monarca, em 512, aos 89 anos. Uma epidemia se espalhou por Paris em 1129, e em pouco tempo varreu do mapa quatorze mil pessoas. Apesar de todos os esforços humanos, diariamente surgiam mais vítimas. Finalmente, a 26 de novembro, o relicário de S. Genoveva foi carregado pela cidade em solene procissão. Nesse mesmo dia, apenas três pessoas morreram, o resto se recuperou, e ninguém mais ficou doente. Este foi apenas o primeiro dos milagrosos favores que a cidade de Paris obteve através das relíquias de sua santa padroeira.

Reflexão Genoveva era somente uma pobre camponesinha, mas Cristo habitou em seu coração. Ungida com Seu Espírito e poder, ela caminhou sobre a terra praticando o bem, na companhia de Deus. Outros santos do dia: São Florêncio · São Górdio · São Pedro Balsamo

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São Tito (13–107) 4 de

janeiro2

Tito era um convertido do paganismo, discípulo de S. Paulo, um dos companheiros escolhidos pelo Apóstolo para sua jornada ao Concílio de Jerusalém, e seu colega de trabalho em muitas missões apostólicas. A partir da Segunda Carta de S. Paulo enviada pela mão de Tito aos coríntios, somos capazes de vislumbrar seu caráter e entender o grande afeto que lhe nutria seu mestre. Tito fora encarregado de realizar uma tarefa dupla, que necessitava de muita firmeza, discrição e caridade: devia ser o mensageiro de uma severa reprimenda [de S. Paulo] aos coríntios, que estavam causando escândalo e abalando a própria fé, e ao mesmo tempo devia colocar ainda mais à prova a caridade deles, pedindo-lhes abundantes esmolas para a igreja de Jerusalém. Enquanto isso, S. Paulo esperava ansiosamente pelo resultado. Em Trôade, escreve ele: “meu espírito não teve sossego, porque não achei o meu irmão Tito” (II Cor 2,13). Partiu em viagem à Macedônia, e lá finalmente Tito trouxe as boas novas: seu sucesso fora total. Relatou a consternação, o entusiasmo, a generosidade dos cristãos, até que o Apóstolo já não podia mais conter-se de alegria e enviou-lhes de volta esse fiel mensageiro, levando a carta de consolo recém-citada. Tito terminou como bispo em Creta, onde, por sua vez, recebeu a epístola que leva seu nome, e onde enfim faleceu em paz. A missão de Tito a Corinto nos mostra quão bem o discípulo absorveu o espírito do mestre. Sabia ser firme e ao mesmo tempo inspirar respeito. Os coríntios, segundo nos é dito, “receberam-no com respeito e deferência” (II Cor 7,15). Era também paciente e cuidadoso. S. Paulo “bendisse a Deus, por ter posto no coração de Tito a mesma solicitude por eles” (II Cor 8,16). E tais dons foram intensificados pela celeridade que demonstrava em detectar e dar ênfase a tudo que houvesse de bom nos outros, com uma alegria que transbordava sobre o espírito do próprio S. Paulo, o qual “muito mais se alegrou pela alegria de Tito” (II Cor 7,13). 2 No atual calendário, este santo é celebrado junto com São Timóteo a 26 de janeiro. Neste caso, optamos por mantê-lo na data tradicional, de modo a dar maior realce à sua biografia – levando-se em conta que, nesta edição, o dia 26 de janeiro já se encontra suficientemente preenchido pela festa de Santa Paula. Também mantivemos a comemoração particular de S. Timóteo no dia 24 de janeiro; cf. p. 58. [N. E.]


Janeiro

Reflexão Os santos conquistam seu império sobre os corações dos homens por meio de uma larga e afetuosa simpatia. Este era um dom característico de S. Tito, como o foi também de S. Paulo, S. Francisco Xavier e muitos outros.

São Gregório de Langres (450–539) São Gregório era um dos principais senadores de Autun (França), e permaneceu leigo viúvo desde a morte da mulher até os 57 anos, quando, por conta de suas singulares virtudes, foi consagrado bispo de Langres. Governou esta sé com admirável zelo e prudência ao longo de 33 anos, santificando seus trabalhos pastorais com a mais profunda humildade, contínua oração e extraordinária mortificação e abstinência. Uma quantidade incrível de infiéis foi convertida por ele e afastada da idolatria – e os cristãos mundanos, da desordem. Faleceu por volta do ano 539, somente alguns dias após a Epifania. Por devoção a S. Benigno, desejou ser sepultado próximo ao túmulo do santo em Dijon; o que foi realizado por Tétrico, seu virtuoso filho e bispo sucessor. Outros santos do dia: São Caio · São Hermes · Santa Elizabeth Ann Seton

São Simeão, o Estilita (390–459) 5 de

janeiro

Em um dia de inverno, por volta do ano 401, a neve se acumulava em torno de Sisan, uma pequena aldeia na Cilícia. Ali, um pastorzinho, que devido ao frio não podia guiar aos campos suas ovelhinhas, dirigiu-se em vez disso à igreja, onde ouviu as oito Bem-Aventuranças lidas naquela manhã. Perguntou como se podiam obtê-las, e, quando lhe contaram sobre a vida monástica, uma sede de perfeição surgiu em seu peito. A partir daí viria a se tornar a maravilha do mundo, o grande S. Simeão Estilita. Foi também alertado de que a perfeição lhe custaria caro, como de fato custou. Ainda uma simples criança, deu início à vida monástica, na qual passou

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doze anos em uma disciplina de penitência praticamente sobre-humana. Atava uma corda em volta da cintura até que a carne ficasse gangrenada. Comia não mais do que uma vez a cada sete dias, e, quando Deus o conduziu à vida solitária, praticava jejuns de quarenta dias. Passou 37 anos no topo de pilares,3 exposto ao calor e ao frio, dia e noite adorando a majestade de Deus. Para S. Simeão, a perfeição era tudo em todos (I Cor 12,6); tratava suas necessidades temporais como nada, exceto na medida em que Deus as designasse para seu usufruto. Os eremitérios do Egito suspeitavam dessa vida tão inédita e estranha, e enviaram um dos seus para pedir a S. Simeão que descesse do pilar e retornasse à vida comum. Na mesma hora o santo se preparou para descer; porém, o monge egípcio se satisfez com tamanha prova de humildade. “Fica”, disse, “e sê corajoso; teu modo de vida vem de Deus”. A alegria, a humildade e a obediência selaram as práticas penitenciais de S. Simeão. As palavras que Deus colocava em sua boca levaram multidões de pagãos ao batismo e de pecadores à penitência. Por fim, no ano de 459, os que o observavam desde baixo notaram que já estava imóvel fazia três dias inteiros. Subiram e encontraram o corpo do envelhecido homem ainda curvado em posição de oração – mas sua alma já estava com Deus. Por mais extraordinária que possa parecer a vida de S. Simeão, ela nos ensina duas lições muito simples e práticas: a primeira, que devemos renovar constantemente dentro de nós um intenso desejo de perfeição; a segunda, que devemos usar com coragem e fidelidade os meios de perfeição que Deus nos apresenta.

Reflexão Diz S. Agostinho: “Eis a tarefa da tua vida: com esforço e dedicação, com oração e súplica, avançar na graça de Deus, até que atinjas aquele nível de perfeição em que, com corações puros, haveremos de contemplar a Deus”. Outros santos do dia: Santa Emiliana · São Telésforo · Beata Sinclética de Alexandria

3 Daí a alcunha de “Estilita”, que vem de stylos, “pilar” em grego koiné. [N. E.]


Janeiro

Epifania de Nosso Senhor 6 de

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A palavra epifania significa “manifestação”, e passou a ser aceita universalmente por toda a Igreja, a partir do fato de Jesus Cristo ter então manifestado aos olhos dos homens Sua divina missão pela primeira vez. Neste dia, uma miraculosa estrela revelou o Seu nascimento aos reis do Oriente, os quais, apesar das dificuldades e perigos de uma longa e tediosa jornada por desertos e montanhas quase intransponíveis, apressaram-se de imediato a Belém para adorá-Lo e oferecer-Lhe presentes místicos – a Ele, o Rei dos reis, o Deus do Céu e da Terra, e também um homem, frágil e mortal. A segunda manifestação foi quando, saindo das águas do Jordão após receber o batismo das mãos de S. João, o Espírito Santo desceu sobre Ele na forma visível de uma pomba, e uma voz ecoou do céu, dizendo: “Eis meu Filho muito amado em quem ponho minha afeição” (Mt 3,17). A terceira manifestação foi a do Seu divino poder, quando nas bodas de Caná transformou água em vinho, o que levou os discípulos a crerem n’Ele. A lembrança desses três grandes eventos, concorrendo para o mesmo fim, quis a Igreja celebrar em uma única festa.

Reflexão Admire a onipotência desse pequeno Menino, que desde o berço faz conhecer Sua vinda aos pastores e magos – aos pastores, por meio de Seu anjo, aos magos, por uma estrela no Oriente. Admire a docilidade desses reis: Jesus nasceu, e ei-los ali, a Seus pés! Sejamos pequeninos e nos ocultemos, e a divina fortaleza nos será concedida. Sejamos dóceis e dispostos a seguir as inspirações divinas, e então nos tornaremos sábios da sabedoria de Deus, e poderosos por Sua onipotência. Outros santos do dia: Santo André Corsini · São Nilamão · São Guarino

4 Data tradicional da Epifania no calendário antigo; após a reforma, foi designada para o domingo entre os dias 2 e 8 de janeiro. [N. E.]

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São Luciano (c. 240–312) 7 de

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São Luciano nasceu em Samósata, na Síria. Tendo perdido os pais ainda jovem, distribuiu aos pobres todos seus bens mundanos, dos quais herdara uma abundante soma, e se retirou para Edessa a fim de viver próximo a um santo homem chamado Macário,5 que passou a infundir-lhe a mente com o conhecimento das Sagradas Escrituras e levá-lo à prática das virtudes cristãs. Ao se tornar sacerdote, seu tempo ficou dividido entre os deveres do encargo sagrado, a realização de obras de caridade e o estudo da literatura sacra. Revisou os livros do Antigo e do Novo Testamento, expurgando-os dos erros que acabaram encontrando espaço no texto, seja pela negligência dos copistas, seja pela malícia dos hereges, assim preparando o terreno para S. Jerônimo, que logo em seguida daria ao mundo a tradução latina que ficou conhecida como “Vulgata”. Denunciado como cristão, Luciano foi jogado na prisão e condenado à tortura, que se prolongou por doze dias inteiros. Alguns cristãos o visitaram na prisão na festa da Epifania e trouxeram-lhe pão e vinho; mesmo preso e acorrentado de costas, consagrou os divinos mistérios sobre o próprio peito, e comungou os fiéis que estavam presentes. Encerrou sua gloriosa carreira na prisão e faleceu com as seguintes palavras nos lábios: “Eu sou um cristão”.

Reflexão Se quisermos manter pura nossa fé, devemos estudar suas verdades sagradas. Não poderemos detectar a falsidade a menos que conheçamos e amemos a verdade; e para nós a verdade não é uma abstração, mas uma Pessoa: Jesus Cristo, Deus e homem.

São Raimundo de Peñafort (c. 1175–1275) Nascido em 1175, em uma nobre família espanhola, aos vinte anos Raimundo já ensinava filosofia em Barcelona com incrível sucesso. Dez anos mais tarde, suas raras habilidades lhe permitiriam conquistar o grau de doutor na Universidade de Bolonha, além de muitas altas honrarias. Uma terna devoção 5 São Macário, festejado no dia 2 de janeiro. Cf. p. 29.


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à Nossa Senhora, com a qual crescera desde a infância, foi decisiva para que na meia-idade renunciasse a todos os seus títulos e ingressasse na Ordem de S. Domingos. Ali, novamente, uma visão da Mãe de Misericórdia o instruiu a cooperar com o seu penitente, S. Pedro Nolasco,6 e com Jaime, Rei de Aragão, para fundar a Ordem de Nossa Senhora das Mercês para a Redenção dos Cativos. Começou sua grande obra pregando uma cruzada contra os mouros, e incitando à penitência os cristãos que haviam sido escravizados pelos infiéis tanto na alma quanto no corpo. O Rei Jaime I de Aragão, homem de enormes qualidades, mas cativo de uma paixão avassaladora, foi instado pelo santo a se livrar da causa de seu pecado. Dada sua delonga, Raimundo pediu-lhe permissão para deixar Maiorca, pois não podia conviver com o pecado. O rei não só recusou o pedido, como proibiu, sob pena de morte, que alguém lhe oferecesse qualquer ajuda para deixar o país. Cheio de fé, Raimundo abriu seu casaco sobre as águas, amarrou-lhe a ponta ao cajado, como uma vela, fez o sinal da cruz e, destemido, pisou no tecido. Em seis horas foi conduzido até Barcelona, onde, recolhendo o casaco ainda seco, esgueirou-se para dentro do mosteiro. O rei, vencido por este milagre, tornou-se um sincero penitente e discípulo do santo até sua morte. Em 1230, Gregório IX convocou Raimundo a Roma, fez dele seu confessor e Penitenciário-Mor, e dirigiu-o na compilação das Decretais, uma coleção das decisões de papas e concílios ao longo da história. Tendo recusado o arcebispado de Tarragona, Raimundo se viu em 1238 escolhido como o terceiro geral de sua ordem, posto a que, mais uma vez, conseguiu renunciar, devido à já avançada idade. Sua primeira ação ao se libertar foi continuar seu trabalho entre os infiéis, e em 1256, então com 81 anos, conseguiu registrar que dez mil sarracenos haviam recebido o batismo. Faleceu em 1275.

Reflexão Peça a S. Raimundo para protegê-lo daquela covarde servidão – pior do que qualquer escravidão do corpo – que tende a ser produzida mesmo por um único hábito pecaminoso. Outros santos do dia: São Teodoro · Santo Alderico · Beato Luciano 6 V. festa do dia 24 de setembro, p. 411.

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São Cláudio Apolinário, o Apologista (fl. séc. II) 8 de

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Cláudio Apolinário, bispo de Hierápolis, na Frígia, foi um dos mais ilustres prelados da segunda era da Igreja.7 Apesar dos grandes encômios a ele dirigidos por Eusébio, S. Jerônimo, Teodoreto, entre outros, conhecemos muito pouco acerca de seus feitos; e seus escritos, então tidos em grande estima, hoje se encontram aparentemente todos perdidos. Escreveu diversos tratados competentes contra os hereges, onde demonstrava – como o testemunha S. Jerônimo – de qual seita filosófica cada heresia derivava seus erros. Contudo, nada tornou-lhe o nome tão ilustre quanto a nobre apologia da religião cristã que dirigiu ao Imperador Marco Aurélio, por volta do ano 175, logo depois da milagrosa vitória que esse príncipe obtivera sobre os quados8 graças às orações dos cristãos. S. Apolinário lembrou ao imperador o benefício que recebera de Deus pelas orações de seus súditos cristãos, e implorou pela proteção deles contra a perseguição pagã. Marco Aurélio então publicou um édito em que proibia qualquer pessoa, sob pena de morte, de acusar um seguidor de Cristo por causa de sua religião. No entanto, por uma estranha inconsistência, o imperador não teve a coragem de abolir as leis então em vigor contra os cristãos, e, como conseqüência, muitos sofreram o martírio – embora seus acusadores também acabassem mortos. A data do falecimento de S. Apolinário é desconhecida; o Martirológio Romano o menciona em 8 de janeiro.

Reflexão “Por isso, vos digo: tudo o que pedirdes na oração, crede que o tendes recebido, e vos será dado” (Mc 11,24).

São Lourenço Justiniano (1381–1456) Lourenço desde a infância desejava ser santo e, quando tinha dezenove anos, foi-lhe concedida uma visão da Sabedoria Eterna. Todas as coisas ter7 Isto é, após a era dos primeiros apóstolos. [N. E.] 8 Uma das inúmeras tribos germânicas em conflito com o Império Romano. [N. E.]


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renas tornaram-se pálidas aos seus olhos diante da inefável beleza desse vislumbre, que, ao se esvanecer, deixou-lhe um vazio no coração que somente Deus poderia preencher. Recusando a oferta de um esplêndido matrimônio, fugiu em segredo para Veneza e se uniu aos Cônegos Seculares de São Jorge. Um a um, esmagou cada instinto natural que impedisse sua união ao Amor que contemplara. Quando Lourenço entrou pela primeira vez na vida monástica, um nobre foi dissuadi-lo da tolice de sacrificar todas as perspectivas terrenas. O jovem monge ouviu pacientemente o apelo apaixonado, o escárnio e a violenta injúria do amigo. Então, calma e gentilmente, deu sua resposta; destacou a curta duração da vida, a incerteza da felicidade terrena e a incomparável superioridade do prêmio que buscava em relação a qualquer prêmio citado por seu amigo. O nobre não teve o que responder; na verdade, sentiu que Lourenço era sábio, e ele mesmo um tolo. Deixou o mundo, tornou-se noviço junto com o santo, e em sua santa morte exibiu todos os sinais de que também garantira os tesouros ilimitados. Como superior e geral, Lourenço expandiu e fortaleceu sua ordem, e como bispo de sua diocese, apesar dos insultos e difamações, reformou completamente a sé. Seu zelo o levou a ser nomeado o primeiro patriarca de Veneza, mas permaneceu sempre de corpo e alma um humilde sacerdote, ansiando pela visão do Paraíso. Enfim, começou a despontar a contemplação da eternidade. “Estais a preparar uma cama de penas de ganso para mim?”, perguntou aos subordinados que lhe preparavam o lugar de repouso final. “Não! Meu Senhor foi estirado sobre um madeiro duro e penoso”. Deitado sobre a palha, exclamou em êxtase: “Meu Bom Jesus, eis que me vou”. Faleceu em 1435, aos 72 anos.

Reflexão Peça a S. Lourenço para lhe conceder um tal senso da suficiência de Deus que você possa se precipitar até Ele e encontrar seu descanso. Outros santos do dia: São Severino · Santo Antônio de Categeró · Santo Erardo

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São Julião e Santa Basilissa († c. 304) 9 de

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São Julião e Santa Basilissa, embora casados, por consenso mútuo viveram em perpétua castidade. Santificavam-se com as mais perfeitas práticas de uma vida ascética e utilizavam seus proventos para o alívio dos pobres e doentes. Com este fim em mente, converteram a própria casa em uma espécie de hospital, onde por vezes chegaram a acolher mil pobres. Basilissa servia àquelas do seu sexo, em alojamentos separados dos homens, estes por sua vez cuidados por Julião – chamado Hospitaleiro, devido à sua caridade. Naquela época, no Egito, onde vivia o casal, começaram a proliferar exemplos de pessoas que, fossem nas cidades, fossem nos desertos, dedicavam-se às mais perfeitas práticas de caridade, penitência e mortificação. Basilissa, após ter resistido a sete perseguições, morreu em paz; Julião sobreviveu ainda por muitos anos e recebeu a coroa de um glorioso martírio, junto com Celso, um jovem, Antônio, um padre, Anastácio, e Marcianila, mãe de Celso. Muitas igrejas e hospitais no Oriente, e especialmente no Ocidente, trazem o nome de um desses mártires. Quatro igrejas em Roma, e três das cinco em Paris que levam o nome de S. Julião, foram originalmente dedicadas ao nome do mártir Hospitaleiro. Na época de S. Gregório Magno, a caveira de S. Julião foi trazida do Oriente para a França e entregue à Rainha Brunilda, que, por sua vez, entregou-a ao convento que fundou em Étampes; parte dela se encontra no mosteiro de Morigny, próximo a Étampes, e parte na igreja das cônegas regulares de S. Basilissa em Paris.

Reflexão Deus seguidamente recompensa os homens pelas obras agradáveis aos Seus olhos conferindo-lhes a graça e a oportunidade de realizar obras ainda maiores. S. Agostinho dizia que jamais vira um homem compassivo e caridoso ter uma morte ruim. Outros santos do dia: Santa Marciana · São Vidal · Santo Eulógio de Córdoba


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São Guilherme de Bourges (c. 1140–1209) 10 de

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Guilherme Berruyer, da ilustre família dos antigos condes de Nevers (França), foi educado por Pedro, o Eremita, arquidiácono de Soissons, seu tio por parte de mãe. Desde a infância, Guilherme aprendeu a desprezar a insensatez e vacuidade do mundo, a abolir seus prazeres e a estremecer por seus perigos. Tinha como único prazer as práticas de piedade e os estudos, nos quais empregava todo seu tempo com infatigável dedicação. Tornou-se cônego, primeiro de Soissons e depois de Paris, mas logo decidiu abandonar o mundo e se retirou para o ermo de Grandmont. Nesta austera ordem,9 viveu com grande disciplina, até que finalmente se uniu aos cistercienses, comunidade que então exalava maravilhoso odor de santidade. Após algum tempo, foi eleito prior da Abadia de Pontigny, e depois se tornou abade de Chaalis. Com a morte de Henrique de Sully, arcebispo de Bourges, Guilherme foi escolhido como seu sucessor. O anúncio dessa nova honra que lhe sobrevinha cobriu-o de tristeza, e ele não teria aceito o cargo não tivesse a ordem de assumi-lo vindo diretamente do Papa e seu geral, o abade de Citeaux. O primeiro cuidado que teve nessa nova posição foi conformar a própria vida às mais perfeitas regras de santidade. Redobrou as penitências, alegando que agora lhe cabia praticá-las tanto pelos outros quanto por si mesmo. Sempre vestia um cilício sob o hábito religioso, e jamais acrescentava camadas de roupa durante o inverno ou as diminuía no verão; nunca comia qualquer tipo de carne vermelha, embora a servisse à mesa para os outros. Quando se aproximava seu fim, pediu para ser deitado com o cilício sobre a cinza, e nesta posição expirou, a 10 de janeiro de 1209. O corpo foi sepultado em sua catedral, e, honrado por muitos milagres, foi levado em 1217, e no ano seguinte Guilherme foi canonizado pelo Papa Honório III.

9 Refere-se à Ordem de Grandmont, ou Ordem dos Grandmontinos, fundada por Santo Estêvão de Grandmont no final do século XI. [N. E.]

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Reflexão Os defensores da fé provam a verdade de seu ensinamento menos pela força de seus argumentos do que pela santidade de suas vidas. Jamais se esqueça de que, para converter os outros, devemos primeiro olhar para nossas próprias almas. Outros santos do dia: São Nicanor · São Marciano · Santo Agatão · São Pedro Urseolo

São Teodósio, o Cenobita (423–529) 11 de

janeiro

Teodósio nasceu na Capadócia em 423. O exemplo de Abraão o incitou a deixar seu próprio país, e o desejo de seguir a Jesus Cristo o atraiu para a vida monástica. Colocou-se sob a direção de Longino, um eremita muito santo, que o enviou para governar um mosteiro próximo a Belém. Incapaz de se fazer comandar os outros, fugiu para uma caverna, onde passou a viver em penitência e oração. No entanto, sua grande caridade o proibia de recusar o cuidado de alguns discípulos, que, escassos no início, logo se tornaram uma multidão, e Teodósio construiu-lhes então um grande mosteiro e três igrejas. Acabou se tornando o superior das comunidades religiosas da Palestina. Teodósio se adequava tão atenciosamente às personalidades dos subalternos, que suas reprimendas eram antes adoradas que temidas. Porém, uma vez foi obrigado a separar, do convívio com os outros, um monge culpado de uma grave falta. Ao invés de humildemente aceitar sua sentença, o monge foi tão arrogante que chegou a pretender excomungar Teodósio por vingança. Teodósio não guardou no espírito qualquer indignação, nem teve em mente seu posto na hierarquia, mas mansamente se submeteu à falsa e injusta excomunhão. Isto tocou de tal modo o coração do discípulo, que este cedeu de imediato, reconhecendo enfim a própria culpa. Teodósio jamais recusava auxílio a qualquer pessoa que experimentasse pobreza ou aflição; em certos dias os monges chegaram a preparar mais de cem mesas para os necessitados. Mesmo em épocas de fome, Teodósio proibia a diminuição das esmolas, e muitas vezes multiplicou os mantimentos por meio de milagres.


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Também construiu cinco hospitais, nos quais servia com amor aos doentes, enquanto pela assídua leitura espiritual se mantinha em perfeito recolhimento. Opôs-se com sucesso à heresia eutiquiana em Jerusalém, e por isso foi banido pelo imperador. Sofreu uma longa e dolorosa doença, recusando-se a orar por sua cura, alegando que se tratava de saudável penitência pelos sucessos anteriores. Faleceu aos 106 anos.

Reflexão S. Teodósio, em nome da caridade, sacrificou tudo o que mais prezava – o lar, pelo amor a Deus; a solidão, pelo amor ao próximo. Será verdadeira a nossa caridade se ela nos custar muito pouco ou nada? Outros santos do dia: São Sálvio · Santa Honorata · Santo Higino · Santa Hortência

Santo Elredo de Rievaulx (1110–1167) 12 de

janeiro

“Uma só coisa te falta”. Com estas palavras, Deus convocou Elredo desde a corte de um santo rei, Davi da Escócia, para o silêncio do claustro. De modo a atender a esse chamado, abandonou o monarca, os companheiros da juventude e um queridíssimo amigo. A simples convicção de que, no mundo, sua alma estava a perigo, bastou para que rompesse tais laços. Muito tempo depois, a amargura da partida permaneceu viva em sua alma, e declarou que “embora, no corpo, tivesse deixado os entes queridos para servir ao seu Senhor, no coração estava sempre com eles”. Ingressou na Ordem Cisterciense, e mesmo ali exibia sua sede de amizade através da afeição que nutria por um dos irmãos em particular, chamado Simão. Este santo monge deixara o mundo na juventude, e parecia como surdo-mudo, de tão absorvido que era em Deus. Certo dia, Elredo, esquecendo por um momento a regra do silêncio perpétuo, dirigiu-lhe a palavra. Imediatamente prostrou-se-lhe aos pés em sinal de culpa; mas o olhar de dor e desgosto de Simão o assombrou por muitos anos, ensinando-o a não deixar

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que nenhum sentimento humano perturbasse por um único momento sua união com Deus. Uma vez, um certo noviço foi até Elredo, dizendo que devia retornar ao mundo. Porém Elredo implorara a Deus por sua alma, e respondeu: “Irmão, não deves te arruinar a ti mesmo; de fato, não o poderás, mesmo que o queiras”. Contudo, o noviço não lhe deu ouvidos, e saiu a perambular pelas colinas, durante todo o percurso achando que se afastava da abadia. Eis que, ao pôr do sol, viu-se diante de um convento estranhamente parecido com o de Rieveaulx – e de fato era o mesmo. O primeiro monge que encontrou foi Elredo, que deu-lhe um abraço apertado, dizendo: “Meu filho, por que fizeste isso comigo? Ah! derramei muitas lágrimas por ti, e confio em Deus que atenderá ao meu pedido, e tu não perecerás”. O mundo não ama seus amigos de tal maneira. A mando dos superiores, Elredo compôs grandes obras, entre elas A Amizade Espiritual e O Espelho da Caridade. Nesta última, ele diz que o verdadeiro amor de Deus só pode ser conquistado ao nos unirmos, em todas as coisas, à Paixão de Cristo. Ele faleceu em 1167, sendo fundador e abade de Rieveaulx, o mais austero mosteiro da Inglaterra, e superior de cerca de trezentos monges.

Reflexão Quando um homem se entrega a Deus, Deus devolve-lhe não só a Sua amizade, como todos os outros dons, cem vezes mais. Os amigos então passam a não mais ser amados por si mesmos, mas por Deus, e com um amor vivo e sensível, pois Deus facilmente pode purificar os sentimentos. Não é o sentimento, mas o amor próprio que corrompe a amizade. Outros santos do dia: São Modesto · Santa Taciana · Santo Arcádio · São João de Ravena


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Santa Verônica de Milão (1445–1497) 13 de

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Os pais de Verônica eram camponeses de uma vila próxima a Milão. Desde a infância, trabalhava duro no lar e no campo, e cumpria com alegria cada tarefa servil. Aos poucos, foi-lhe crescendo no íntimo o desejo de perfeição; seu ouvido ficou mouco às piadas e cantigas dos amigos, e às vezes, enquanto trabalhava na colheita ou capinava, escondia o rosto e chorava. Não sabendo ler nem escrever, começou a ficar preocupada com a própria instrução, e todas as noites se levantava escondida para aprender sozinha as letras. Nossa Senhora então veio lhe dizer que eram necessárias outras coisas, mas não essa, e mostrou a Verônica três letras místicas que lhe ensinariam muito mais do que os livros. A primeira significava a pureza de intenção; a segunda, a abolição do murmúrio ou da crítica; a terceira, a meditação diária sobre a Paixão. Pela primeira, aprendeu a começar suas tarefas diárias sem nenhum motivo humano, mas somente por Deus; pela segunda, a realizar essas tarefas cuidando de sua própria vida, jamais julgando o próximo, e sim orando por aqueles que incorriam em erro manifesto; pela terceira, a esquecer-se de suas próprias dores e tristezas nas dores e tristezas de seu Senhor, e a derramar lágrimas constantemente – mas em constante silêncio – pela memória dos erros cometidos contra Ele. Experimentava freqüentes êxtases, e contemplava em visões, uma após a outra, a vida inteira de Jesus e diversos outros mistérios. Contudo, por uma graça especial, nunca os arrebatamentos ou as lágrimas interrompiam seus trabalhos, que só se concluíram à sua morte. Após três anos de longa espera, foi recebida por uma irmã-leiga no convento de S. Marta em Milão. A comunidade era extremamente pobre, e o dever de Verônica era pedir esmolas por toda a cidade para alimentar-lhe todos os dias. Três anos após receber o hábito, ficou vítima de dores corporais secretas porém constantes, sem, no entanto, jamais consentir em ser aliviada dos trabalhos ou omitir quaisquer orações. Com uma rigorosa obediência, tornou-se modelo vivo daquela regra, e obedecia com um sorriso no rosto às mais mínimas sugestões de sua superiora. Até o fim, buscou as ocupações mais duras e humilhantes, e na realização delas desfrutou de alguns dos favores mais elevados já conferidos a um santo.

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Faleceu em 1497, no dia que havia previsto, após uma enfermidade que durou seis meses, aos 52 anos de idade e treze de profissão religiosa.

Reflexão Quando Verônica, pela doença, era instada a aceitar um alívio nos trabalhos, sua única resposta era: “Devo trabalhar enquanto puder, enquanto tiver tempo”. E nós, ousaremos desperdiçar o nosso?

Santo Hilário de Poitiers (310–368) Santo Hilário era natural de Poitiers, na Aquitânia (França). Nascido e criado como pagão, só veio a abraçar o cristianismo já na meia-idade, movido a isso principalmente pela idéia de Deus que se lhe apresentava nas Sagradas Escrituras. Logo converteu a mulher e a filha, e se separou escrupulosamente de todas as companhias não-católicas. No princípio de sua conversão, S. Hilário não se sentava à mesa para comer com judeus ou hereges, nem os cumprimentava pelas ruas; porém, mais tarde, pensando neles, abrandou essa severidade. Ingressou nas ordens sagradas, e em 353 foi eleito bispo de sua cidade natal. O arianismo então, sob a proteção do Imperador Constantino, estava no auge de sua força, e S. Hilário se viu chamado a dar apoio à causa ortodoxa em diversos concílios na Gália, em que os bispos arianos formavam imensa maioria. Como conseqüência, foi acusado junto ao imperador, que o baniu para a Frígia. Passou seus mais de três anos no exílio compondo suas grandes obras acerca da Trindade. Em 359, participou do Concílio de Selêucia, no qual digladiaram-se arianos, semi-arianos e católicos. Acompanhado dos delegados do concílio, partiu para Constantinopla, e lá consternou de tal modo os líderes da causa ariana, que prevaleceu sobre o imperador, o qual o deixou retornar à Gália. Atravessou a Gália, a Itália e a Ilíria, por toda a parte frustrando os hereges e obtendo o triunfo da ortodoxia. Após sete ou oito anos de viagens missionárias, retornou a Poitiers, onde morreu em paz, em 368.

Reflexão Como S. Hilário, nós também somos chamados a uma disputa de uma vida inteira contra os hereges. Obteremos êxito na mesma proporção em que combinarmos o ódio pela heresia com a compaixão por suas vítimas.


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Outros santos do dia: São Leôncio · Santo Hermilo · Santo Agrício · São Vivêncio

Santo Isaías, São Sabas e companheiros (séc. III) 14 de

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Santo Isaías, São Sabas e 38 outros santos eremitas do Monte Sinai foram martirizados por uma tropa árabe em 273. Todos esses anacoretas sobreviviam de tâmaras, ou outras frutas, jamais comiam pão, trabalhavam fazendo cestos em suas celas, a uma distância considerável uma da outra, e se encontravam aos sábados ao fim da tarde, em uma igreja comum, onde faziam vigília e celebravam o ofício da madrugada, e aos domingos recebiam juntos a Sagrada Eucaristia. Eram notáveis por sua assiduidade na oração e no jejum. Também muitos outros santos anacoretas do Monte Sinai, cujas vidas eram cópias exatas da perfeição cristã, e que se encontravam aos domingos para receber a Comunhão, foram martirizados por um grupo de sarracenos no século V. Um menino de apenas quatorze anos levava entre eles uma vida ascética de grande perfeição. Os sarracenos ameaçaram matá-lo se ele não revelasse onde os monges anciãos haviam se escondido. Ele respondeu que a morte não o atemorizava, e que não podia pagar por sua vida o preço do pecado ao trair seus pais. Ordenaram-lhe que se despisse: “Depois que me tiverdes morto”, disse o modesto jovem, “de bom grado vos entregarei minhas roupas; porém, como jamais vi meu corpo nu, tende compaixão e consideração por minha vergonha, e deixai-me morrer coberto”. Os bárbaros se enfureceram com tal resposta e caíram todos ao mesmo tempo sobre o piedoso jovem, que sofreu um martírio tão grande quanto o número de seus executores. Outros santos do dia: São Dácio · São João de Ribeira · Santo Eufrásio · São Pedro Donders

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São Paulo, o primeiro eremita (c. 230–342) 15 de

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São Paulo nasceu no Alto Egito, por volta do ano 230, e ficou órfão aos quinze anos. Era muito abastado e foi educado com primor. Temendo que as possíveis torturas de uma terrível perseguição pudessem pôr em risco sua perseverança cristã, retirou-se para uma vila remota. Porém, o cunhado pagão o denunciou, e S. Paulo, em vez de permanecer onde sua fé estava a perigo, adentrou o deserto inóspito, confiando que Deus proveria suas necessidades. E foi recompensado por essa confiança, pois, no exato local a que a Providência o levara, encontrou um fruto de palmeira que lhe serviu como alimento, suas folhas, como vestimentas, e a água de uma fonte, como bebida. Seu objetivo original era retornar ao mundo quando acabasse a perseguição, mas, experimentando grandes deleites nas preces e ascese, permaneceu pelo resto da vida – mais 90 anos – em penitência, oração e contemplação. Deus revelou a existência de S. Paulo a S. Antão, que o procurou por três dias. Ao ver uma loba sedenta correndo por uma abertura nas rochas, Antão seguiu-a em busca de água e acabou encontrando Paulo. Reconheceram-se um ao outro de imediato, e louvaram juntos a Deus. Quando S. Antão foi visitá-lo, um corvo lhe trouxe um pão, e S. Paulo disse: “Vê como Deus é bom! Por sessenta anos este corvo tem me trazido metade de um pão todo dia; agora que vieste, Cristo dobrou a provisão para Seus servos”. Passando a noite em oração, ao raiar do dia Paulo contou a Antão que estava para morrer, e pediu para ser enterrado no manto dado a Antão por S. Atanásio. Antão se apressou para consegui-lo, e na volta viu Paulo subir em glória aos céus. Encontrou seu corpo ajoelhado como em posição de oração, e dois leões vieram cavar-lhe a sepultura. Paulo faleceu aos 112 anos de idade.

Reflexão Jamais devemos nos arrepender de ter confiado em Deus, pois Ele não falha com aqueles que n’Ele se apóiam; e jamais podemos confiar em nós mesmos sem nos enganar. Outros santos do dia: São Isidoro de Alexandria · São Miquéias · São Plácido · São Boneto


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Santo Honorato (c. 350–429) 16 de

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Santo Honorato era de uma família de cônsules romanos fixada na Gália. Na juventude, renunciou o culto dos ídolos, e conquistou para Cristo seu irmão mais velho, Venâncio. Convencidos da vacuidade das coisas deste mundo, ambos desejaram renunciar a ele e a todos seus prazeres, mas um pai amoroso e pagão insistia em impor-lhes obstáculos no caminho. Enfim, levando consigo como diretor espiritual S. Caprásio, um santo eremita, velejaram de Marselha até a Grécia, com a intenção de viver em segredo em algum deserto. Em seguida, Venâncio faleceu contente em Metona, e Honorato, também enfermo, viu-se obrigado a retornar com seu condutor. Primeiro levou uma vida de ermitão nas montanhas perto de Fréjus. No mar junto a essa costa, encontram-se duas pequenas ilhas; na menor, hoje conhecida como ilha de Saint-Honorat, é onde nosso santo se instalou e, seguido por outros, fundou o famoso mosteiro de Lerins, por volta do ano 400. Determinou que alguns de seus seguidores vivessem em comunidade; outros, que lhe pareciam mais perfeitos, em celas separadas, como anacoretas. Sua regra se inspirou em grande parte na de S. Pacômio. Nada pode ser mais amável do que a descrição feita por S. Hilário de Ar10 les sobre as sublimes virtudes dessa companhia de santos, especialmente as da caridade, concórdia, humildade, compunção e devoção, que reinavam em seu meio, sob a conduta do nosso santo abade. Contra a vontade, foi consagrado arcebispo de Arles em 426, e faleceu, exaurido pelas penitências e labores apostólicos, em 429.

Reflexão A alma não pode verdadeiramente servir a Deus enquanto estiver envolvida com as distrações e prazeres deste mundo. S. Honorato sabia disso, e escolheu tornar-se um servo de Cristo, seu Senhor. Esteja determinado – não importa sua vocação – a viver absolutamente desligado do mundo, e a dele separar-se o máximo que puder. 10 Sermo de vita Honorati (PL 50, 1250).

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Outros santos do dia: São Marcelo I · Os Cinco Primeiros Mártires Franciscanos · São Melas

Santo Antão (251–356) 17 de

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Santo Antão nasceu no ano de 251, no Alto Egito. Ouvindo na missa as palavras: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo que tens, e dá aos pobres” (Mt 19,21), decidiu doar todos os seus inúmeros bens. E então implorou a um velho ermitão que o introduzisse na vida espiritual. Também prestou visita a vários anacoretas, com o intuito de imitar a principal virtude de cada um. Para servir a Deus de modo mais perfeito, Antão penetrou o deserto e enclausurou-se em uma ruína, construindo ali uma porta para que ninguém pudesse entrar. Neste lugar, os demônios o atacaram com intensa fúria, sob a forma de diversos monstros, chegando a feri-lo gravemente; mas sua coragem jamais cedeu, e ele os superou a todos confiando em Deus e fazendo o sinal da cruz. Certa noite, quando Antão se encontrava em seu retiro, diversos demônios flagelaram-no tão terrivelmente que ficou quase como morto. Um amigo o encontrou nesse estado e, pensando que tivesse morrido, levou-o para casa. No entanto, quando Antão recuperou os sentidos, persuadiu o amigo a levá-lo de volta ao seu ermo, apesar dos ferimentos. Ali, prostrado pela fraqueza, desafiou os demônios, dizendo: “Não vos temo! não podeis separar-me do amor de Cristo!”. Depois de mais ataques, todos em vão, os demônios fugiram, e Cristo apareceu a Antão em Sua glória. Seu único alimento era pão e água, os quais jamais consumia antes do crepúsculo – e às vezes apenas em dois, três ou quatro dias por semana. Vestia-se com pano de saco e pele de carneiro, e com freqüência ficava ajoelhado em oração desde o nascer até o pôr do sol. Muitas almas lhe acorriam em busca de conselho, e, após vinte anos de solidão, consentiu em guiá-las na santidade – assim fundando o primeiro mosteiro. Seus inúmeros milagres atraíam tamanhas multidões que ele se viu obrigado a fugir novamente para o ermo, onde passou a viver de trabalho manual.


Janeiro

Expirou em paz, em idade bastante avançada. S. Atanásio, seu biógrafo, diz que o mero conhecimento de como viveu S. Antão já serve como um belo guiamento para a virtude.

Reflexão Quanto mais violentos eram os ataques da tentação sofrida por S. Antão, mais firmemente ele segurava suas armas – a saber, a mortificação e a oração. Imitemo-lo nisto se quisermos obter semelhantes vitórias. Outros santos do dia: Santa Leonila, Mariano e Julião Sabas · Santa Roselina de Villeneuve · São Januário Sánchez Delgadillo

Cátedra de São Pedro em Roma

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janeiro

Como S. Pedro triunfasse sobre o demônio no Oriente, este o perseguiu até Roma, na pessoa de Simão Mago. Aquele que tremera de medo ante a voz de uma pobre senhora (Mt 26,69; Mc 14,66; Lc 22,56) agora não temia sequer o próprio trono da idolatria e superstição. A capital do império mundial – e o centro da impiedade – necessitava do zelo do Príncipe dos Apóstolos. Deus estabelecera o Império Romano estendendo seu domínio para além de qualquer monarquia anterior, para assim propagar mais facilmente o Evangelho. Sua metrópole era, portanto, da mais alta importância para tamanha empreitada. S. Pedro assumiu aquela província e, encaminhando-se até Roma, ali pregou a fé e estabeleceu sua cátedra eclesiástica. Que, em Roma, S. Pedro tenha pregado, fundado a Igreja e sofrido o martírio a mando de Nero, são fatos os mais incontestáveis, segundo o testemunho de todos os escritores de diferentes nações que viveram próximos daquela época, pessoas de inquestionável confiança e que não podiam deixar de estar a par da verdade numa questão tão importante e, por sua própria natureza, tão pública e notória. 11 Festa removida do atual calendário reformado, junto com a festa da Cátedra de São Pedro em Antioquia, celebrada a 22 de fevereiro; cf. p. 106.

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Temos também o testemunho de monumentos de vários tipos, e pelas prerrogativas, direitos e privilégios de que essa igreja desfrutou desde aqueles primeiros tempos, como conseqüência de tal título. Era costume antigo observado pelas igrejas celebrar uma festa anual para a consagração de seus bispos. A festa da Cátedra de S. Pedro funda-se em antigos martirológios. Os cristãos acertadamente celebram a fundação dessa igreja-mãe, o centro da comunhão católica, em ação de graças a Deus pelas mercês para com Sua Igreja, e para implorar por Suas bênçãos futuras.

Reflexão Como uma das maiores mercês de Deus para com Sua Igreja, imploremos a Ele com toda sinceridade para que nela suscite zelosos pastores, eminentemente banhados do mesmo Espírito com o qual animou Seus apóstolos. Outros santos do dia: Santa Liberata · São Liobardo · Santa Beatriz

São Canuto (c. 1042–1086) 19 de

janeiro

São Canuto, Rei da Dinamarca, foi agraciado com excelentes dons, tanto na mente quanto no corpo. É difícil dizer se ele se destacou mais pela coragem ou pela conduta e habilidade no campo de batalha, no entanto sua singular piedade eclipsava a todos os outros dons. Ele livrou os mares da presença dos piratas e subjugou diversas províncias vizinhas que infestavam a Dinamarca com suas incursões. O reino dinamarquês manteve a tradição de eleições até o ano de 1660; quando o pai de Canuto faleceu, seu irmão mais velho, Haroldo, foi eleito ao trono. Ele morreu depois de reinar por dois anos, e Canuto foi o escolhido como seu sucessor. Começou seu reinado com uma vitoriosa guerra contra os incômodos inimigos bárbaros, e semeando a fé nas províncias conquistadas. Em meio à glória das vitórias, prostrava-se humildemente aos pés do crucifixo, repousando ali seu diadema, e oferecendo-se a si mesmo e o seu reino ao Rei dos reis.


Janeiro

Após ter garantido a paz e a segurança de seu país, casou-se com Elta, filha de Roberto, Conde de Flandres, a qual se provou uma esposa muito digna. Sua preocupação seguinte foi reparar os abusos em sua terra. Para este fim, decretou leis severas mas necessárias para a rigorosa administração da justiça, e reprimiu a violência e tirania dos poderosos, sem distinguir pessoas. Canuto favoreceu e prestou honras a homens santos, e concedeu muitos privilégios e imunidades aos sacerdotes. Sua caridade e gentileza para com os súditos fazia com que contemplasse todas as maneiras possíveis de torná-los um povo feliz. Demonstrou prodigalidade real ao construir e adornar igrejas, e doou a coroa que portava, de extremo valor, a uma igreja na sua capital e local de residência, onde os reis da Dinamarca ainda hoje se encontram enterrados. Às virtudes que constituem um grande rei, Canuto somou as que definem o grande santo. Estourando uma rebelião em seu reino, o rei foi surpreendido na igreja pelos rebeldes. Percebendo o risco envolvido, confessou seus pecados ao pé do altar e recebeu a Sagrada Comunhão. Estendendo os braços diante do altar, o santo fervorosamente encomendou a própria alma ao seu Criador; nesta mesma postura, foi atingido por uma lança arremessada através de uma janela, e caiu vítima pelo amor de Cristo.

Reflexão A alma de um homem é agraciada com muitas nobres capacidades, e sente uma alegria viva no exercício delas; porém, a alegria mais viva que podemos sentir consiste em prostrar todas as nossas capacidades da mente e do coração na mais humilde adoração diante da majestade de Deus. Outros santos do dia: São Mário · São Germânico · São Bassiano · São Gerôncio

São Sebastião (256–288) 20 de

janeiro

São Sebastião era um oficial do exército romano, estimado até mesmo pelos pagãos como bom soldado, e desde então honrado pela Igreja como um guerreiro de Jesus Cristo. Nascido em Narbonne (França), Sebastião foi

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a Roma por volta do ano de 284, onde engajou-se contra os poderes do mal. Descobriu os irmãos gêmeos Marco e Marcelino, detidos na prisão por causa de sua fé, e, quando estes estavam quase cedendo aos apelos dos parentes, encorajou-os a ter desprezo pela carne e pelo sangue, e a morrer por Cristo. Deus ratificou suas palavras através de milagres: uma luz brilhava-lhe ao redor enquanto falava; curava os doentes com suas orações; e, levado por essa fortaleza divina, conduzia multidões à fé, no meio delas o prefeito de Roma, com seu filho Tibúrcio. Viu seus discípulos serem mortos, e um voltou do Céu para lhe contar que o seu próprio fim se aproximava. Foi num concurso de fervor e caridade que S. Sebastião encontrou a ocasião para o martírio. O prefeito de Roma, após a conversão, retirou-se para suas propriedades na Campânia e levou consigo a esse lugar seguro um grande número de amigos convertidos. Discutiram se Policarpo, o sacerdote, ou S. Sebastião deveria acompanhar os neófitos. Ambos estavam ávidos por encarar de frente o perigo em Roma, mas no fim o Papa decidiu que a igreja romana não podia dispensar os serviços de Sebastião. Ele continuou a trabalhar arduamente nesse arriscado posto, até que foi traído por um falso discípulo, sendo levado à presença de Diocleciano e, ao comando deste, perfurado de flechas e deixado para morrer. Mas Deus o reergueu, e por conta própria Sebastião foi até o imperador e apelou para que estancasse a perseguição à Igreja. Mais uma vez condenado, foi enfim espancado com porretes até a morte, coroando seus esforços com o mérito de um duplo martírio.

Reflexão Suas ocupações diárias darão oportunidades suficientes para que você se empenhe pela fé. Peça o auxílio de S. Sebastião – o qual não era padre ou monge, mas um soldado. Outros santos do dia: São Fabiano · São Mauro de Casena · São Neófito · Santo Eutímio


Janeiro

Santa Inês (Agnes) (291–304) 21 de

janeiro

Santa Inês tinha apenas doze anos quando foi levada ao altar de Minerva em Roma e lhe ordenaram que obedecesse às leis persecutórias de Diocleciano, segundo as quais teria de oferecer um incenso à deusa. No meio dos ritos idólatras, ergueu as mãos para Cristo, seu Esposo, e fez o sinal da cruz vivificante. Não se afligiu quando teve as mãos e pés atados, e os grilhões deslizaram de suas pequeninas mãos, levando às lágrimas os pagãos ao seu redor. As ataduras não lhe eram necessárias, pois apressou-se contente em direção ao lugar em que seria torturada. Em seguida, o juiz, ao ver que as dores não lhe causavam terror algum, desferiu-lhe um insulto pior do que a morte: suas vestes foram rasgadas, e ela foi posta na rua diante de uma multidão pagã. Contudo, nem isso a atemorizava. Exclamou: “Cristo guardará os seus!” E assim foi. Por um milagre, Cristo mostrou o valor que dá à guarda dos olhos. Ao mesmo tempo em que a multidão desviava o olhar da esposa de Cristo, conforme ela permanecia exposta à vista de todos na rua, houve um jovem que ousou fitar com imodestos olhos a inocente criança. Um clarão de luz o cegou, e seus companheiros o levaram embora, semimorto, aflito de dor e pânico. Uma última vez, a fidelidade de S. Inês a Cristo foi posta à prova, desta vez por meio de lisonjas e ofertas de casamento. Porém, ela respondeu: “Meu Esposo é Cristo: antes de todos, foi Ele quem me escolheu, e d’Ele eu serei”. Enfim, foi dada a sentença de morte. Por um momento, S. Inês permaneceu ereta, em oração, e então curvou o pescoço para receber a espada. Com um só golpe, a cabeça foi separada do corpo, e os anjos transportaram sua alma pura até o Paraíso.

Reflexão A inocência de S. Inês conquistou seu favor aos olhos de Cristo, como o fez aos olhos de Sua Igreja desde então. Mesmo penitentes, podemos imitar essa inocência, segundo nossa própria medida. Guardemos com rigor os olhos, e Cristo, ao ver que mantemos nossos corações puros por amor a Ele, renovará nossa juventude e nos “restituirá as colheitas devoradas pelo gafanhoto” (Jl 2,25). Outros santos do dia: São Frutuoso · Santo Epifânio · São Meinardo

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São Vicente de Saragoça (séc. III) 22 de

janeiro

São Vicente era arquidiácono na igreja de Saragoça. Valeriano, o bispo local, tinha dificuldade na fala; por isso, Vicente pregava em seu lugar, e respondeu em seu nome quando ambos foram levados à presença de Daciano, o presidente (governador da Espanha), durante a perseguição de Diocleciano. Quando o bispo foi banido, Vicente permaneceu, para sofrer e morrer. Em primeiro lugar, foi esticado no cavalete; e, quando estava quase sendo rasgado em pedaços, Daciano, o presidente, perguntou-lhe com deboche como ele se sentia. Vicente, com a alegria estampada no rosto, respondeu que sempre rezara para que um dia estivesse assim. Em vão Daciano bateu nos verdugos e os espicaçou, incitando-os a seu ofício selvagem. A carne do mártir foi rasgada com ganchos; ele foi preso a uma cadeira de ferro incandescente; óleo e sal foram esfregados em suas feridas; e em meio a tudo isso, ele mantinha os olhos erguidos para os Céus, sempre imóvel. Foi enfim jogado em uma masmorra solitária com os pés presos a um tronco, mas os anjos de Cristo iluminaram a escuridão e deram a Vicente a garantia de que ele estava próximo de seu triunfo. Suas feridas foram então tratadas, prontas para receber novos tormentos, e os fiéis puderam encarar seu corpo mutilado. Eles vinham em multidões, beijavam as chagas abertas, e levavam embora consigo pedaços de tecido banhados naquele sangue. Antes que pudessem recomeçar as torturas, a hora do mártir chegou, e ele expirou a alma em paz. Mesmo os cadáveres dos santos são preciosos aos olhos do Senhor, e a mão da iniqüidade não pode tocá-los. Um corvo guardou o corpo de Vicente no local em que fora despejado sobre a terra. Quando afundou no mar, as ondas o levaram de volta à praia, e suas relíquias estão preservadas até hoje no mosteiro agostiniano de Lisboa, para consolo da Igreja de Cristo.

Reflexão Você deseja permanecer em paz em meio ao sofrimento e à tentação? Então faça da sua principal empreitada crescer no hábito da oração e na união a Cristo. Tenha confiança n’Ele. Ele o fará vitorioso contra seus inimigos espirituais –


Janeiro

e contra você mesmo. Ele iluminará a sua escuridão e abrandará seus sofrimentos, e na solidão e desolação se aproximará de você com seus santos anjos. Outros santos do dia: São Gaudêncio · Santo Anastácio · Beato Vicente Palloti

São João Esmoler (c. 552–619) 23 de

janeiro

São João era casado, mas quando sua mulher e os dois filhos morreram, considerou isso um chamado de Deus para levar uma vida perfeita. Começou a dar como esmolas tudo o que possuía, e se tornou conhecido por todo o Oriente como o Esmoler. Foi eleito patriarca de Alexandria, contudo, antes que tomasse posse da sé, disse aos servos para irem até a cidade e trazerem-lhe uma lista com os nomes dos senhores locais – queria dizer os pobres. Eles lhe informaram que havia 72 mil deles, os quais ele se comprometeu a alimentar todos os dias. Às quartas e sextas-feiras de cada semana, sentava-se em um banco diante da igreja para ouvir as reclamações dos necessitados e aflitos, e não permitia que os servos sequer provassem da comida até que reparassem suas próprias faltas. O temor da morte estava sempre diante dos seus olhos, e jamais falava uma palavra vã. Expulsava a todos que pegasse conversando dentro da igreja, e proibia qualquer detrator de entrar em sua casa. Deixou 70 igrejas em Alexandria, onde encontrara originalmente apenas sete. Um mercador recebeu de S. João dois quilos de ouro para comprar mercadorias. Sofrendo um naufrágio e perdendo tudo, novamente recorreu a João, que disse: “Parte de tua mercadoria fora tomada ilicitamente”, e lhe deu cinco quilos mais; todavia, na próxima viagem ele perdeu não só os bens, como o próprio barco. João então disse: “O barco fora adquirido de modo indevido. Toma oito quilos de ouro, compra milho com isto, e o carrega em um de meus barcos”. Desta vez, o mercador foi inconscientemente levado pelos ventos até a Inglaterra, onde havia um surto de fome; ali vendeu o milho pelo seu peso equivalente em estanho, e na viagem de volta o estanho transformou-se na prata mais fina. S. João faleceu no Chipre, sua terra natal, por volta do ano 619.

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Reflexão Quantos de nossos sacrifícios pelos pobres serão o bastante, quando refletimos que a misericórdia para com eles é o nosso único meio de retribuir a Jesus Cristo, o Qual sacrificou a própria vida por nós? Outros santos do dia: Santo Ildefonso · Santa Emerenciana · São Barnardo

São Timóteo (c. 17–97) 24 de

janeiro12

Timóteo foi um dos cristãos convertidos por S. Paulo. Nasceu em Listra, na Ásia Menor. A mãe era judia, mas o pai, pagão, e embora Timóteo lesse as escrituras judaicas desde a infância, não havia sido circuncidado como judeu. À chegada de S. Paulo a Listra, o jovem Timóteo, acompanhando a mãe e a avó, abraçou a fé com muito vigor. Sete anos mais tarde, quando o Apóstolo novamente visitou o país, o menino já havia atingido a fase adulta e conquistado a estima de todos à volta por seu bom coração, austeridade e fervor, e homens santos profetizavam grandes coisas para o impetuoso jovem. S. Paulo notou de imediato como ele era apto para o trabalho de um evangelizador. Sem delongas, Timóteo foi ordenado, e a partir de então se tornou o querido braço direito do Apóstolo. Na companhia de S. Paulo, visitou cidades da Ásia Menor e Grécia – às vezes, impelindo-se à frente como confiável mensageiro, em outras, ficando para trás para confirmar na fé alguma igreja recém-fundada. Finalmente, tornou-se o primeiro bispo de Éfeso, onde recebeu as duas cartas que levam o seu nome (no Novo Testamento), a primeira enviada da Macedônia, e a segunda, de Roma, na qual S. Paulo, desde a prisão, ventila seu anseio de ver, se possível, seu “filho caríssimo” uma vez mais antes da morte

12 No atual calendário, São Timóteo é celebrado junto a São Tito, no dia 26 de janeiro; assim como mantivemos este último em sua data particular do calendário tradicional (4 de janeiro), decidimos fazer o mesmo com S. Timóteo, por iguais motivos; cf. nota 2, no dia 4 de janeiro, p. 32. [N. E.]


Janeiro

(II Tm 1,2). O próprio S. Timóteo, não muitos anos depois de S. Paulo, veio a conquistar também a coroa do martírio, em Éfeso. Quando criança, deleitava-se na leitura dos livros sagrados, e até o último momento de vida se recordaria das palavras de despedida de seu pai espiritual: proseche tē anagnōsei – “aplica-te à leitura” (I Tm 4,13).

Reflexão S. Paulo, ao escrever para Timóteo, fiel e experimentado servo de Deus e bispo já avançado em idade, dirige-lhe a palavra como a um filho, e parece muito preocupado com sua perseverança na fé e na piedade. As cartas abundam de minuciosas instruções pessoais com vistas a esse fim. É de se notar a enorme ênfase dada pelo Apóstolo na prevenção da conversa frívola e na dedicação à leitura sagrada. Estes são seus principais tópicos. De novo e de novo, exorta seu filho Timóteo a não admitir pessoas “indiscretas e curiosas” (I Tm 5,13), a “esquivar-se das conversas frívolas dos mundanos” (II Tm 2,16), a tomar “por modelo os ensinamentos salutares” (II Tm 1,13), a tornar-se “modelo para os fiéis, no modo de falar e de viver” (I Tm 4,12), e a aplicar-se “à leitura, à exortação, ao ensino” (I Tm 4,13).

São Francisco de Sales (1566–1622) Francisco nasceu de pais nobres e devotos, próximo a Annecy (França), em 1566, e estudou com brilhante êxito em Paris e Pádua. Ao retornar à Itália, desistiu da grandiosa carreira que seu pai lhe havia planejado, a serviço do Estado, e se tornou padre. Quando o Duque de Sabóia decidiu restaurar a Igreja na província de Chablais, Francisco se ofereceu para a empreitada, e partiu a pé com sua Bíblia, seu breviário e um companheiro, o primo Luís de Sales. Foi um trabalho repleto de dificuldades, privações e perigos. Encontrava diante de si fechadas todas as portas e todos os corações. Foi rejeitado com insultos e ameaçado de morte. Mas nada podia arrefecer-lhe o ânimo ou impedi-lo, e não demorou muito para a Igreja irromper em uma segunda primavera. Diz-se que ele converteu 72 mil calvinistas. Então foi compelido pelo Papa a se tornar bispo coadjutor de Genebra, e elevou-se à sé em 1602. Às vezes, a extrema gentileza com que recebia hereges e pecadores quase escandalizava os amigos, um deles chegando a lhe dizer: “Francisco de Sales

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irá para o Paraíso, é claro; mas não tenho tanta certeza quanto ao bispo de Genebra; chego a temer que sua gentileza acabe o destruindo”. “Ah”, respondia o santo, “prefiro prestar contas a Deus por excesso de gentileza do que por excesso de severidade. Deus não é todo amor? Deus Pai é o Pai da misericórdia; Deus Filho, um cordeiro; Deus Espírito Santo, uma pomba – isto é, a própria gentileza em pessoa. És por acaso mais sábio do que Deus?”. Em parceria com S. Joana Francisca de Chantal, fundou em Annecy a Ordem da Visitação, que logo se espalhou pela Europa. Embora pobre, recusou riquezas e honrarias, e mesmo a grande sé de Paris. Faleceu em Avignon, em 1622.

Reflexão “Pegarás mais moscas”, S. Francisco costumava dizer, “com uma colher cheia de mel do que com cem barris de vinagre. Se por acaso houvesse algo melhor ou mais justo sobre a terra do que a gentileza, Jesus Cristo o teria nos ensinado; e no entanto Ele nos deixou apenas duas lições para guardarmos – a mansidão e a humildade de coração.” Outros santos do dia: São Feliciano da Úmbria · Santo Urbano · Santo Exuperâncio · São Surano

Conversão de São Paulo 25 de

janeiro

O grande apóstolo Paulo, chamado Saulo quando da sua circuncisão, nasceu em Tarso, capital da Cilícia. Era por privilégio um cidadão romano, qualificação que lhe concedia grande distinção e algumas dispensas, conforme as leis do império. Foi instruído desde cedo na estrita observância da lei mosaica, e vivia de acordo com ela da maneira mais escrupulosa. Em seu zelo pela lei judaica, que pensava ser causa divina, tornou-se um violento perseguidor dos cristãos. Foi um dos que tramou o assassinato de S. Estêvão, e, na violenta perseguição aos fiéis que se seguiu ao martírio do santo diácono, Saulo destacou-se mais do que todos os outros. Em virtude do poder de que fora investido


Janeiro

pelo sumo sacerdote, arrastava os cristãos para fora de suas casas, cobria-os de correntes e atirava-os na prisão. Na fúria de seu zelo, alistou-se numa comitiva que deveria capturar todos os judeus em Damasco que confessassem a Jesus Cristo, e levá-los presos até Jerusalém, para que servissem de exemplo aos outros. Mas Deus dignou-se aparecer-lhe com Sua imensa paciência e misericórdia. A caminho de Damasco, ele e seu bando foram cercados por uma luz vinda do céu, mais brilhante que o Sol, e de súbito caíram por terra. E então ouviu-se uma voz que dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (At 9,4). E Saulo respondeu: “Quem és, Senhor?”, ao que a voz replicou: “Eu sou Jesus, a quem tu persegues” (v. 5). Esta tênue queixa de Nosso Senhor, acompanhada de uma poderosa graça interior, bastou para curar o orgulho de Saulo, aplacar sua fúria, e produzir-lhe de imediato uma mudança total. Assim, tremendo e atônito, exclamou: “Senhor, que queres que eu faça?” (v. 6). Nosso Senhor ordenou-lhe que se levantasse e seguisse seu caminho até a cidade, onde seria informado do que deveria fazer. Saulo, levantando-se do chão, descobriu que, embora seus olhos estivessem abertos, não podia ver nada. Foi conduzido pela mão até Damasco, onde o alojaram na casa de um judeu chamado Judas. Por designação divina, veio a essa casa um santo homem de nome Ananias, o qual, impondo as mãos sobre Saulo, disse: “Saulo, meu irmão, o Senhor, esse Jesus que te apareceu no caminho, enviou-me para que recobres a vista e fiques cheio do Espírito Santo” (At 9,17). Imediatamente, umas como que escamas caíram dos olhos de Saulo, que recuperou a vista. Então se levantou e foi batizado. Permaneceu por alguns dias com o discípulo em Damasco, e logo começou a pregar nas sinagogas que Jesus era o Filho de Deus. Foi assim que um blasfemador e perseguidor se tornou apóstolo, e aquele escolhido por Deus como um de seus principais instrumentos na conversão de todo o mundo.

Reflexão Ouça as palavras da Imitação de Cristo, e deixe que repousem em seu coração: “Quem deseja conservar a graça de Deus seja reconhecido quando Ele lha dá e paciente quando lhe retira; ore para que se lhe restitua; ande cauteloso e humilde para não na perder.” 13 13 Tomás de Kempis, Imitação de Cristo, II, 9, 5, trad. Pe. Leonel Franca, Dois Irmãos (RS), Minha Biblioteca Católica, 2019, p. 111.

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Vidas dos Santos

Outros santos do dia: São Juventino · Santo Apolo · São Maximino · São Bretânio

Santa Paula (347–404) 26 de

janeiro

Este ilustre modelo das viúvas ultrapassava a todas as outras damas romanas em riqueza, sangue e inteligência. Nasceu a 5 de maio de 347. Fulgia como brilhante paradigma de virtude no estado matrimonial, e tanto ela como o esposo edificaram Roma pelo bom exemplo. Porém, sua virtude não vinha sem alguma mistura: um certo grau de amor pelo mundo era quase inseparável daquela vida na alta sociedade. Ela não discernia os laços secretos de seu coração, nem sentia o peso de suas próprias correntes, e não tinha coragem de rompê-las, tampouco uma luz para ver clara e distintamente sua pobreza e miséria espiritual. A Deus, compassivo de sua fraqueza, aprouve em Sua misericórdia abrir os olhos daquela mulher pela violência, e enviou-lhe a maior aflição que lhe podia sobrevir, na morte do marido, quando ela tinha apenas 32 anos de idade. Seu luto foi tremendo, até que ela se encorajou em dedicar-se totalmente a Deus, pelas exortações da amiga Santa Marcela, uma santa viúva, que então edificava Roma com sua vida de penitência. Paula então erigiu em seu coração o estandarte da cruz de Jesus Cristo, e corajosamente decidiu seguir-Lhe o caminho. Desde então, jamais sentou-se à mesa com homem algum, nem mesmo com quaisquer dos santos que conhecia. Abstinha-se de toda carne vermelha, além de peixe, ovos, mel e vinho; utilizava óleo apenas nos feriados; deitava-se em um piso de pedra coberto com uma roupa de pano; negava todas as visitas e prazeres mundanos, livrou-se de todas as vestimentas caras, e deu tudo o que podia aos pobres. Sua filha mais velha Blesila, perdendo o marido logo depois do casamento, decidiu também abandonar o mundo, mas faleceu antes que pudesse cumprir com seu piedoso desígnio. A mãe sentiu em extremo – talvez em excesso – essa perda, e São Jerônimo, que na época recém chegara de Belém (384), escreveu-lhe uma carta para censurá-la e consolá-la. Quanto maior o progresso de Paula nos exercícios espirituais e na experimentação das coisas celestiais, mais insuportável era-lhe a vida tumultuosa da


Janeiro

cidade. Suspirava pelos desertos, ansiava livrar-se das companhias e viver no eremitério, onde seu coração não teria outra ocupação senão Deus. Enfim, após garantir a fixação de seus filhos na mesma via santa, decidiu partir para o mar. Toda a família lamentava, incapazes de pronunciar palavra devido às lágrimas, porém Paula, já no barco e erguendo os olhos secos aos céus, desviou o olhar da praia, para não ser tentada. Partiu primeiro ao Chipre, onde esteve na companhia de S. Epifânio por dez dias, e dali foi à Síria. Visitou os principais locais abençoados pela presença de nosso Redentor, bem como as abadias dos principais anacoretas e solitários do Egito e Síria. Após as longas jornadas em que distribuiu grandes esmolas, fixou-se em Belém com a filha Eustóquia, sob direção de S. Jerônimo. Nos anos seguintes, mandou erigir um hospital na estrada para Jerusalém e um mosteiro para S. Jerônimo e seus monges, e três mosteiros femininos. Nossa santa viveu 56 anos e 8 meses, dos quais cinco passou em sua viuvez em Roma, e quase vinte em Belém. Em sua enfermidade final, mas especialmente durante a agonia, ela repetia quase ininterruptamente certos versos dos salmos, que expressam um ardente desejo da Jerusalém celeste, e de se estar unido a Deus. Quando não podia mais falar, fez o sinal da cruz em seus lábios e expirou na mais profunda paz, a 26 de janeiro de 404.

Reflexão Conforme lembra São Jerônimo a Santa Paula em seu luto: Deus é nosso mestre, e temos o dever de nos regozijar com a Sua vontade, sempre santa e sempre justa, a dar-Lhe graças e louvor por todas as coisas. Acima de tudo, não podemos lamentar uma morte assistida pelos anjos, de alguém que parte deste mundo para ir encontrar o Cristo. O que devemos lamentar, isto sim, é o prosseguimento do nosso exílio. Outros santos do dia: São Roberto de Molesme · Santo Alberico · Santo Estêvão Harding · São Teógeno

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Vidas dos Santos

São Mário de Bodon (séc. VI) 27 de

janeiro

São Mário nasceu em Orléans, tornou-se monge e após algum tempo foi escolhido abade de Val-Benoît, na diocese de Sisteron, no reino de Gondebaldo, Rei da Borgonha, que faleceu em 509. S. Mário realizou uma peregrinação até a Igreja de S. Martinho, em Tours, e outra até o túmulo de S. Dionísio, próximo a Paris, onde, ficando doente, sonhou que tinha a saúde restaurada por uma aparição daquele santo, e, despertando, viu-se perfeitamente recuperado. Segundo um costume acolhido em muitos mosteiros antes da regra de S. Bento, S. Mário, imitando o retiro de nosso divino Redentor, transformou em regra viver recluso em uma floresta durante os quarenta dias da Quaresma. Em um desses retiros, recebeu uma visão onde previu a desolação que os bárbaros logo espalhariam pela Itália, e a destruição de seu próprio mosteiro, antes de sua morte, em 555. Com a demolição da Abadia de Val-Benoît, o corpo do santo foi trasladado para Forcalquier. Em alguns lugares, São Mário é chamado erroneamente de São Mauro (de Gália). Outros santos do dia: Santa Ângela de Mérici · São Julião · São Vitaliano

Santo Tomás de Aquino (1225–1274) 28 de

janeiro

Santo Tomás nasceu em uma família nobre de Aquino, na Itália, em 1225. Aos dezenove anos, recebeu o hábito dominicano em Nápoles, onde conduzia seus estudos. Capturado por seus irmãos a caminho de Paris, permaneceu em cativeiro por dois anos, no castelo deles, em Roccasecca. Porém, nem os carinhos da mãe e irmãs, nem as ameaças e estratagemas dos irmãos podiam abalar-lhe a confiança em sua vocação. Enquanto S. Tomás permanecia confinado em Roccasecca, seus irmãos se empenharam em armar-lhe uma cilada para cair no pecado, mas a tentativa terminou apenas


Janeiro

com o triunfo de sua castidade. Pegando da lareira um tição em brasa, o santo expulsou de sua câmara a miserável criatura14 com que lhe haviam trancado ali. Então, desenhando uma cruz sobre a parede, ajoelhou-se em oração, e, sendo arrebatado em êxtase, um anjo o cingiu com uma corda, sinal do dom da perpétua castidade que Deus lhe concedeu. A dor causada pela cinta era tão aguda que S. Tomás soltou um grito lancinante, atraindo os guardas até o quarto. Porém, jamais revelou essa graça a ninguém, exceto ao Irmão Reginaldo, seu confessor, um pouco antes da morte. Assim teve origem a Confraria da Milícia Angélica15 para a preservação da virtude da castidade. Enfim escapando, S. Tomás se dirigiu a Colônia (Alemanha) para estudar sob a orientação de S. Alberto Magno, e depois a Paris, onde por muitos anos ensinou filosofia e teologia. A Igreja sempre venerou seus numerosos escritos como um tesouro da sacra doutrina, enquanto, ao nomeá-lo Doutor Angélico, indicou que seu conhecimento é mais divino que humano. Em S. Tomás, combinaram-se os mais raros dons do intelecto à mais tenra piedade. A oração, dizia ele, havia lhe ensinado mais do que o estudo. Sua especial devoção ao Santíssimo Sacramento resplandece no Santo Ofício e nos hinos que compôs para a festa de Corpus Christi. Às palavras miraculosamente proferidas pelo crucifixo em Nápoles, “Falaste bem de Mim, Tomás. Qual deve ser tua recompensa?”, respondeu: “Nada além de vós, Senhor”. Faleceu em Fossanova, em 1274, a caminho do Concílio ecumênico de Lyon, a que o Papa Gregório X o havia convocado.

Reflexão O conhecimento de Deus é para todos, mas há tesouros escondidos que estão reservados somente àqueles que sempre seguiram o Cordeiro. Outros santos do dia: São Leônidas · Santo Amadeu

14 Refere-se à prostituta contratada pelos irmãos de S. Tomás para pervertê-lo. [N. E.] 15 Uma das confrarias ligadas à Ordem Dominicana, mais popular nos Estados Unidos e em países hispânicos. [N. E.]

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São Gildas, o Sábio (500–570) 29 de

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Seu pai, que se chamava Cauno e era rei de certas províncias meridionais de Gales do Norte, foi morto na guerra pelo próprio Rei Artur. São Gildas converteu suas aflições temporais nos maiores proveitos espirituais, e, desprezando um mundo falso e traidor, aspirava com todo seu coração ao Reino celestial. Abraçando a vida monástica, retirou-se em companhia de São Cadoc, abade de Llancarfan, para certas ilhas desertas, das quais foram despojados por piratas provenientes das Órcades.16 Duas ilhas, uma chamada Ronech, e a outra Ecni, providenciaram-lhes por algum tempo um feliz retiro, o qual voluntariamente abandonaram para ir pregar aos pecadores a obrigação de se fazer penitência, e para convidar os homens todos ao bem-aventurado estado do amor divino. Desempenhadas pelo espaço de alguns anos essas funções apostólicas, retirou-se o santo para a região sudoeste da Bretanha, à Abadia de Glastonbury, onde veio a falecer, e foi enterrado no ano de 570. Sobreviveram diversos relatos de seus milagres e profecias. Outros santos do dia: Santo Aquilino · São Constâncio · São Sarbel · São Sulpício Severo

Santa Batilda (626–680) 30 de

janeiro

Santa Batilda foi uma inglesa levada ainda jovem para a França, e lá vendida como escrava, a um preço baixíssimo, para Erconvaldo, prefeito do palácio do Rei Clóvis II. Quando cresceu, seu mestre estava tão encantado com a prudência e virtude da jovem que a deixou encarregada de sua residência. A fama de suas virtudes se espalhou por toda a França, e o Rei Clóvis II a tomou como cônjuge real. 16 Arquipélago no Mar do Norte. [N. E.]


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Esta inesperada elevação social não produziu alteração alguma naquele coração tão perfeitamente assentado na humildade e outras virtudes; ela parecia ter se tornado ainda mais humilde do que antes. Sua nova posição lhe fornecia os meios para ser verdadeiramente uma mãe dos pobres; o rei deu-lhe a sanção de sua autoridade real para a proteção da Igreja, o cuidado dos necessitados e o cumprimento de todas as tarefas religiosas. A morte do marido a deixou como regente do reino. De imediato, proibiu a escravidão de cristãos, fez tudo ao seu alcance para promover a piedade e preencheu a França de hospitais e casas religiosas. Assim que seu filho Clotário atingiu a idade de governar, ela retirou-se do mundo e ingressou no convento de Chelles. Lá, parecia ter esquecido completamente sua importância mundana pregressa, e veio a se distinguir do resto da comunidade unicamente por sua extrema humildade, sua obediência aos superiores espirituais e sua devoção aos doentes, que confortava e servia com maravilhosa caridade. Conforme se aproximava seu fim, Deus a visitou com uma severa doença, a qual suportou com paciência cristã, até que, a 30 de janeiro de 680, encomendou a alma em devota oração.

Reflexão Em tudo que fizermos, esteja Deus e Sua santa vontade sempre diante de nossos olhos, e seja nosso único desejo e objetivo agradar a Ele. Outros santos do dia: Santa Jacinta · Santa Savina · São Barsimeu · Santa Martina

Santa Marcela (325–410) 31 de

janeiro

Santa Marcela – que S. Jerônimo chamava de a glória das mulheres de Roma – ficou viúva no sétimo mês de casamento. Determinada a consagrar o resto de seus dias ao serviço de Deus, rejeitou a mão de Cerealis, o cônsul, tio de Galo César, e decidiu imitar a vida dos ascetas orientais. Abstinha-se de vinho e carne, empregava todo seu tempo na leitura devota, na oração e na

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Vidas dos Santos

visita às igrejas, e jamais falava sozinha com qualquer homem. Seu exemplo foi seguido por muitos que se colocaram sob sua direção, e Roma em pouco tempo estava repleta de mosteiros. Quando os godos, sob o comando de Alarico, saquearam Roma em 410, nossa santa sofreu enormemente nas mãos dos bárbaros, que cruelmente a flagelaram para fazê-la revelar as riquezas que, àquela altura, já havia há muito distribuído em obras de caridade. Contudo, ela temia apenas pela inocência de sua querida filha espiritual, Princípia, e caindo aos pés dos cruéis soldados, implorou, banhada em lágrimas, que não insultassem a castidade daquela virgem. Deus os moveu à compaixão, e eles conduziram nossa santa e sua pupila à Igreja de S. Paulo, à qual Alarico havia concedido o direito de santuário, junto com a de S. Pedro. S. Marcela, sobrevivendo a esse evento apenas por um curto período, cerrou os olhos em uma morte feliz, nos braços de S. Princípia, quase no fim de agosto de 410. Outros santos do dia: São João Bosco · Santa Luísa Albertni · São Metrano · São Ciro


Vidas dos Santos Fevereiro



Santa Brígida (c. 451–523)

D

1º de

fevereiro

epois de São Patrício, Santa Brígida, a quem podemos considerar sua filha espiritual em Cristo, sempre foi objeto de uma especial veneração na Irlanda. Ela nasceu por volta do ano 451, em Fochard, na província de Ulster. Durante a infância, seu devoto pai teve uma visão de homens vestidos em paramentos brancos derramando um ungüento sagrado sobre a cabeça da menina, prefigurando assim sua futura santidade. Enquanto era ainda muito jovem, Brígida consagrou a vida a Deus, oferecia aos pobres tudo de que dispunha, e era motivo de edificação para todos que a conheciam. De rara beleza, temia que tentassem induzi-la a quebrar os votos pelos quais havia se entregue a Deus e dessem sua mão a um dos muitos pretendentes, e por isso rezou para se tornar feia e deformada. Sua prece foi ouvida, pois inchou um dos olhos, e todo seu aspecto mudou de tal forma que ela pôde seguir sua vocação em paz, e a idéia de casar-se com Brígida já não estava mais na cabeça de ninguém. Por volta dos vinte anos de idade, nossa santa revelou a São Mel, sobrinho e discípulo de S. Patrício, sua intenção de viver apenas para Jesus Cristo, e ele consentiu em receber seus votos sagrados. No dia marcado, realizou-se a solene cerimônia de sua profissão, segundo a maneira introduzida por S. Patrício, com o bispo oferecendo muitas preces e investindo Brígida de um hábito branco como a neve e um manto da mesma cor. Enquanto ela curvava a cabeça para receber o véu, ocorreu um milagre particularmente notável e incrível: a parte da plataforma de madeira adjacente ao altar na qual ela se ajoelhara recobrou a vitalidade original e reassumiu todo seu antigo viço, permanecendo assim por muito tempo depois. No mesmo instante, o olho de Brígida foi curado, e ela se tornou tão linda e maravilhosa quanto antes.


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Vidas dos Santos

Encorajadas por seu exemplo, diversas outras mulheres acompanharam-na nos votos, e, atendendo ao pedido dos pais de suas novas companheiras, a santa concordou em fundar uma casa religiosa nas cercanias. Tendo o bispo estabelecido um local conveniente, ergueu-se ali um convento – o primeiro da Irlanda; e em obediência ao prelado, Brígida assumiu a direção. Sua reputação de santidade se tornava cada dia maior, e quanto mais se difundia por todo o país, mais aumentava o número de candidatas para admissão no novo mosteiro. Os bispos da Irlanda, logo percebendo as importantes vantagens que suas respectivas dioceses poderiam tirar de semelhantes fundações, persuadiram a jovem e santa abadessa a visitar diferentes partes do reino e, se surgisse a ocasião, estabelecer em cada uma sua instituição. Assim, enquanto ela se dedicava a esse plano em uma área da província de Connaught, chegou uma delegação vinda de Leinster para solicitar à santa que fixasse sua residência naquele território; mas os motivos que eles alegavam eram todos humanos, e não poderiam ter peso algum para Brígida. Foi só a perspectiva dos muitos benefícios espirituais que resultariam de atender ao pedido que a levaram a concordar com a requisição. Levando consigo diversas de suas filhas espirituais, nossa santa viajou até Leinster, onde foram recebidas com muitas demonstrações de respeito e alegria. No local em que hoje se encontra Kildare, parecendo bem adaptado para uma instituição religiosa, a santa e suas companheiras fixaram residência. Ao local apropriado para a nova fundação foram anexados alguns terrenos para cultivo, cujos frutos se destinavam ao pequeno estabelecimento. Tal doação de fato contribuiu para suprir as necessidades da comunidade, porém, para se manter, a devota irmandade dependia ainda principalmente da liberalidade de seus benfeitores. Mesmo com seus escassos recursos, no entanto, Brígida conseguiu um jeito de assistir os pobres da região de maneira considerável; e quando as necessidades daqueles indigentes ultrapassou suas exíguas finanças, ela não hesitou em sacrificar os próprios bens do convento por eles. Numa ocasião, nossa santa, imitando a ardente caridade de S. Ambrósio e outros grandes servos de Deus, vendeu algumas das vestes sagradas para que pudesse adquirir meios de aliviar as necessidades daquele povo. Ela era tão humilde que às vezes, por conta própria, cuidava do gado no terreno que pertencia ao mosteiro. O rumor da caridade ilimitada de Brígida levou multidões de pobres para Kildare; a fama de sua piedade atraía muitas pessoas ansiosas em lhe solicitar preces ou tirar algum proveito de seu santo exemplo. Com o passar do tempo, o número delas cresceu tanto, que se tornou necessário fornecer-lhes


Fevereiro

alguma acomodação nas proximidades do novo mosteiro, e assim se originou a cidade de Kildare. As exigências espirituais da comunidade e daqueles inúmeros forasteiros que se abrigavam na região sugeriram a nossa santa a conveniência de se erigir ali uma sé episcopal. Ela apresentou a idéia aos prelados, a quem cabia de direito tal exame. Considerando a proposta útil e justa, Conlath, um recluso de grande santidade, ilustre pelas grandes coisas que Deus concedeu através de suas orações, por desejo de Brígida foi escolhido como primeiro bispo da diocese recém-fundada. Pouco a pouco, tornou-se a metrópole eclesiástica da província à qual pertencia, provavelmente em conseqüência da vontade geral de honrar o local em que S. Brígida residira por tanto tempo. Depois de 70 anos dedicados à prática das mais sublimes virtudes, as debilidades corporais avisaram nossa santa de que estava chegando a hora de sua dissolução. Já havia se passado meio século desde que, pelos votos sagrados, ela irrevogavelmente se consagrara a Deus, e durante esse período realizaram-se grandes conquistas, tendo sua santa instituição espalhado-se por toda a “Ilha Verde” e promovido imensamente a causa da religião em vários distritos em que se estabeleceu. Como um rio de paz (Is 66,12), seu progresso foi constante e silencioso, fertilizou cada região afortunada o bastante para receber suas águas, e fez com que se produzissem frutos e flores espirituais com todo o doce perfume da fragrância evangélica. A recordação da glória que obtivera junto ao Altíssimo, bem como dos serviços prestados a valiosas almas resgatadas pelo preciosíssimo Sangue de seu divino Esposo, alegrava e consolava a Brígida, que enfrentava a debilidade inseparável da velhice. Sua última enfermidade foi aliviada pela presença de Nennidh, um sacerdote de grande santidade, de cuja juventude ela havia cuidado com devota solicitude, e que devia às preces e instruções da santa o seu grande progresso na sublime perfeição. Chegado o dia de nossa abadessa encerrar sua jornada, a 1º de fevereiro de 523, ela recebeu das mãos do santo sacerdote o sagrado corpo e sangue de seu Senhor na divina Eucaristia, e, aparentemente em seguida, seu espírito expirou, indo ter com Ele naquela pátria celeste onde o Senhor é visto e fruído face a face (I Cor 13,12), sem o risco de perdê-Lo jamais. Seu corpo foi enterrado em uma igreja anexa ao convento, mas um tempo depois foi exumado e deposto em um esplêndido relicário próximo ao altar-mor.

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No século IX, com o país desolado pelos invasores dinamarqueses, os restos mortais de S. Brígida foram removidos para manter-se a salvo de qualquer profanação, e, sendo transferidos a Downpatrick, foram depositados no mesmo túmulo em que se encontravam os de S. Patrício. Seus corpos, juntos ao de São Columba, foram trasladados mais tarde para a catedral da mesma cidade, porém seu monumento foi destruído no reinado de Henrique VIII. A cabeça de S. Brígida hoje é mantida na igreja dos jesuítas em Lisboa.

Reflexão A semelhança exterior com Nossa Senhora foi privilégio particular de S. Brígida; mas todos são obrigados a crescer como ela interiormente, na castidade do coração. Esta graça S. Brígida obteve em grau maravilhoso para as filhas de sua terra natal, mas jamais deixará de obtê-la também para todos os seus devotos seguidores. Outros santos do dia: São Severo · Santa Veridiana · São Sigisberto · São Piônio

Purificação no Templo (Dia da Candelária) 2 de

fevereiro

A Lei de Deus entregue por Moisés aos judeus ordenava que uma mulher, após o parto, devia continuar por certo tempo em um estado que aquela lei chamava de impuro, durante o qual não podia aparecer em público, nem se atrever a tocar nada consagrado a Deus. Esse período durava 40 dias após o nascimento de um menino, e o dobro deste tempo no caso de uma menina. Ao expirar o prazo, a mãe devia trazer à porta do tabernáculo (ou templo) um cordeiro e uma pombinha, ou rola, como oferenda ao Senhor. Sacrificando-os ao Deus Todo-Poderoso, a mulher era purificada e recobrava seus privilégios legais anteriores. Uma pombinha ou rola, como sinal de oferta pelo pecado, era obrigação de todos, fossem ricos ou pobres; porém, como o custo de um cordeiro podia ser alto demais para pessoas em situação difícil, permitia-se substituí-lo por uma segunda rola.


Fevereiro

Sendo nosso Salvador concebido pelo Espírito Santo, e Sua santa Mãe permanecendo sempre virgem imaculada, evidentemente ela não era contemplada pela lei; mas como o mundo ainda ignorava a sua miraculosa concepção, ela submeteu-se com grande rigor e precisão a cada circunstância de sujeição que a lei exigia. O zelo e devoção com que Maria honrava a Deus em todas as observâncias prescritas em Sua Lei a impelia a praticar esse ato de religião, embora evidentemente estivesse isenta do preceito. Sendo pobre, realizou a oferenda designada aos pobres; contudo, por mais simples que fosse, havia sido criada com um coração perfeito, que é o que Deus mais contempla em tudo que Lhe é oferecido. Além da lei que obrigava a mãe a se purificar, havia outra que a obrigava a oferecer o primogênito a Deus e, após a apresentação, resgatar a criança por uma determinada quantia em dinheiro e certos sacrifícios particulares. Maria cumpre com exatamente todas essas obrigações. É obediente não apenas nos pontos essenciais da Lei, mas observa estritamente todas as circunstâncias. Permanece por 40 dias em casa; nega a si mesma, em todo esse período, a liberdade de adentrar o templo; não participa das coisas sagradas; e no dia da purificação caminha vários quilômetros até Jerusalém, com o Redentor do mundo em seus braços. Aguarda pelo sacerdote ao portão do templo, faz suas oferendas de ação de graças e expiação, apresenta o divino Filho pelas mãos do sacerdote ao Seu Pai Eterno, com a mais profunda humildade, adoração e gratidão. E então O resgata com cinco shekels, como a lei obriga, recebendo-O de volta como a um objeto sagrado que lhe foi confiado com todo o carinho, até que o Pai venha novamente reivindicá-lo para a consumação final da redenção do homem. A cerimônia desse dia encerrou-se com um terceiro mistério – o encontro no templo entre os santos Simeão e Ana com Jesus e seus pais. São Simeão, na ocasião, recebeu em seus braços o propósito de todos seus desejos e suspiros, e louvou a Deus pela bênção e felicidade de poder contemplar o Messias tão esperado. Então profetizou a Maria seu martírio de sofrimento, e que Jesus traria a redenção aos que o aceitassem nos termos a serem oferecidos; no entanto predisse também um pesado julgamento sobre todos os infiéis que obstinadamente o rejeitassem, e sobre os cristãos cujas vidas fossem contrárias a suas máximas e seu santo exemplo. Maria, ouvindo esta terrível profecia, não disse uma só palavra, nem perturbou-se pelo presente ou temeu pelo futuro, mas, corajosa e gentil, entregou tudo à santa vontade de Deus. Do mesmo

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modo Ana, a profetisa, a qual em sua viuvez servia a Deus com grande fervor, teve a felicidade de reconhecer e adorar em tão grande mistério o Redentor deste mundo. Simeão, contemplando Nosso Salvador, exclamou: “Agora, Senhor, deixai o vosso servo ir em paz, segundo a vossa palavra. Porque os meus olhos viram a vossa salvação” (Lc 2,29–30). A festa é também chamada de Candelária, porque a Igreja abençoa as velas (candeias) a serem carregadas na procissão do dia.

Reflexão Lutemos para imitar a humildade da Santíssima Mãe de Deus, lembrando-nos de que a humildade é o caminho que leva a uma paz duradoura e nos aproxima das consolações do Senhor. Outros santos do dia: São Feliciano de Roma · Santa Maria Catarina Kasper · Santo Aproniano · São Cornélio

São Brás († 316) 3 de

fevereiro

São Brás dedicou os primeiros anos de sua vida ao estudo da filosofia, e depois se tornou médico. Na prática de sua profissão, viu tantas misérias da vida e tamanha vacuidade dos prazeres mundanos, que decidiu passar o resto de seus dias a serviço de Deus, e a deixar de sanar as doenças do corpo para se tornar um médico de almas. Falecido o bispo de Sebaste, na Armênia, nosso santo, para grande sorte dos habitantes daquela cidade, foi designado como seu sucessor. S. Brás logo começou a instruir o povo por seu exemplo e palavras, e as grandes virtudes e santidade desse servo de Deus eram atestadas por muitos milagres. De todas as partes vinham-lhe multidões buscar a cura de doenças do corpo e da alma. Agricolau, governador da Capadócia e da Armênia Inferior, iniciou uma perseguição por ordem do Imperador Licínio, e nosso santo foi capturado e jogado na prisão. A caminho de lá, uma mãe muito nervosa, cujo único filho


Fevereiro

estava morrendo de uma doença na garganta, atirou-se aos pés de S. Brás e implorou por sua intercessão. Tocado pelo sofrimento dela, o santo ofereceu suas preces a Deus, e a criança foi curada; e desde então seu auxílio tem sido muitas vezes solicitado com sucesso em casos semelhantes. Recusando-se a cultuar os falsos deuses pagãos, S. Brás foi em primeiro lugar flagelado, depois seu corpo foi rasgado com ganchos, e finalmente decapitado, no ano de 316.

Reflexão Não há sacrifício que, pelo auxílio da graça, a natureza humana não seja capaz de realizar. Quando S. Paulo se queixou com Deus quanto à violência da tentação, Ele respondeu: “Basta-te minha graça, porque é na fraqueza que se revela totalmente a minha força” (II Cor 12,9). Outros santos do dia: Santo Oscar · Santa Claudina Thévenet · São Celerino · Santa Werburga

Santa Joana de Valois (1464–1505) 4 de

fevereiro

Herdeira do sangue real da França, Joana de Valois levou uma vida notável por suas humilhações, ganhando destaque mesmo nos anais hagiográficos. Seu pai, Luís XI, que esperara um filho para sucedê-lo no trono, baniu Joana do palácio, e, segundo dizem, chegou a atentar contra sua vida. Aos cinco anos, a criança abandonada ofereceu seu coração por inteiro a Deus, e ansiava por fazer algum serviço especial em honra de Sua Santíssima Mãe. Atendendo à vontade do rei, embora contra a própria inclinação, casou-se com o Duque de Orléans. Diante de um marido indiferente e indigno, sua conduta era cada vez mais paciente e zelosa. Suas preces e lágrimas salvaram-no da morte quando fora condenado como traidor e encurtaram o cativeiro que, por rebeldia, havia merecido. Contudo, nada podia conquistar um coração que já estava entregue a outra. Quando o marido subiu ao trono como Luís XII, seu primeiro ato foi repudiar com falsos pretextos aquela que enfrentara

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vinte e dois anos de cruel negligência como sua leal e autêntica esposa. Na sentença final de separação, a santa rainha exclamou: “Deus seja louvado por tê-lo permitido, para que eu possa servi a Ele mais condignamente do que o fiz até aqui”. Retirando-se para Bourges, lá realizou seu antigo desejo de fundar a Ordem da Anunciação, em honra à Mãe de Deus. Sob a orientação de S. Francisco de Paula, seu diretor na infância, S. Joana conseguiu superar os duros obstáculos que mesmo pessoas boas impunham à fundação da nova ordem. Em 1501, a regra da Anunciação foi finalmente aprovada por Alexandre VI. O objetivo central da instituição era imitar as dez virtudes praticadas por Nossa Senhora no mistério da Encarnação, ficando a madre superiora intitulada Ancelle, isto é, “escrava”, em honra à humildade de Maria. S. Joana construiu e subsidiou o primeiro convento da ordem em 1502. Ela faleceu em santidade heróica, em 1505, e foi enterrada portando a coroa e a veste púrpura real, debaixo da qual estava o hábito de sua ordem.

Reflexão Durante a vida de S. Joana, estabeleceu-se a oração do Angelus na França. O som da Ave Maria três vezes ao dia lhe dava esperança na aflição, e nutria-lhe ainda mais o desejo de honrar a Encarnação. Quantas vezes poderíamos obter graças por essa mesma bela devoção, tão enriquecida pela Igreja, e ainda tão negligenciada por inúmeros cristãos!

São João de Brito (1647–1693) Dom Pedro II de Portugal, quando criança, tinha entre seus pequenos pajens um menino modesto, ainda que filho de pais ricos e nobres. João de Brito – pois assim era chamado – precisava agüentar duramente os companheiros, todos de vida fácil, para quem sua vida santa era uma verdadeira afronta. Uma terrível doença fez com que buscasse a intercessão de S. Francisco Xavier, santo tão amado pelos portugueses; e quando, em resposta às orações, recobrou a saúde, sua mãe o vestiu durante um ano inteiro no traje típico dos padres jesuítas daquele tempo. A partir de então, o coração de João passou a arder com o desejo de seguir o exemplo do Apóstolo dos Índios. E conseguiu realizá-lo. Em 17 de dezembro de 1662, ingressou no noviciado da Sociedade em Lisboa, e onze anos depois, apesar da tão determinada oposição da família e da corte, abandonou tudo para ir converter os hindus em Madurai (Índia).


Fevereiro

Quando a mãe de S. João soube que o filho se dirigia às Índias, usou de toda sua influência para impedir que ele deixasse o país, e persuadiu o Núncio apostólico a interferir. “Deus, que me chamou do mundo para a vida religiosa, agora me chama de Portugal para a Índia”, foi a resposta do futuro mártir. “Não responder à vocação, como é de meu dever, seria provocar a justiça de Deus. Enquanto viver, jamais deixarei de lutar por um caminho até a Índia”. Por quatorze anos lutou, orando, convertendo e batizando multidões, ao custo de privações, dificuldades e perseguições. Enfim, depois de capturado, torturado e quase massacrado pelos pagãos, foi banido daquele país. Forçado a retornar a Portugal, João mais uma vez rompeu cada obstáculo e retomou seu trabalho de amor. Como S. João Batista, morreu vítima da fúria de uma mulher culposa, que um rei convertido havia dispensado, e, como seu precursor, terminou decapitado após um doloroso encarceramento.

Reflexão Diz a Imitação de Cristo: “Grande honra e grande glória é servir-vos e tudo desprezar por Vosso amor. Graças abundantes receberão, por certo, os que espontaneamente se submeterem ao vosso santo serviço.” 17 Outros santos do dia: Santo André Corsini · São Filéias · Santo Isidoro de Pelúsio · São Modano

Santa Ágata (231–251) 5 de

fevereiro

Santa Ágata nasceu na Sicília, de pais ricos e nobres – uma criança bendita desde o princípio, pois foi prometida aos pais antes de nascer, e na mais tenra infância já consagrada a Deus. Em meio aos perigos e tentações, serviu a Cristo em pureza de corpo e de alma, e morreu por amor da castidade. Quinciano, que governava a Sicília sob o Imperador Décio, ouvira o rumor de sua beleza 17 Tomás de Kempis, Op. cit., III, 10, 5, p. 150.

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