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4. Outras marcas culturais do nosso tempo

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Prefácio

Prefácio

19. Avaliação na prática

O autoconhecimento é condição básica para um mundo em mudança. Giuseppe Cocco

A avaliação é instrumento fundamental para o autoconhecimento e se faz por meio da análise do outro e da autoanálise.

A autoanálise é uma exigência primordial da cultura psíquica; deveria ser ensinada desde o começo do ensino fundamental para se tornar uma prática tão costumeira quanto a cultura física. A autoanálise só pode acontecer por meio de um olhar capaz de autocrítica. Edgar Morin (2005)

Em nosso contexto, essa autocrítica poderia ser mais bem pensada como autopercepção. Com isso, incluímos este assunto que

consideramos importante nas relações pessoais na escola, que acontecem a todo momento: na troca de um simples olhar, num tom de voz, numa palavra... Aspecto que acaba se perdendo no dia a dia pela falta de observação, de escuta não só da expressão verbal, mas da corporal, pela ausência do diálogo. Aqui, vamos focar na interação professor-aluno, na comunicação diária nos momentos de ensino-aprendizagem.

O potencial da interatividade cotidiana, em certo sentido, é muito ignorado. O que se constata na vida diária em geral, e na vida escolar, é o medo de ser avaliado. Na verdade, o medo de entrar em contato com autoanálises ou mesmo com análises objetivas dos outros. Quando alguém nos faz uma observação a nosso respeito, logo já tomamos como um julgamento e, portanto, a rejeitamos se não nos é favorável. Desconhecemos o poder que o entorno nos oferece como possibilidade de crescimento. Para isso, é necessário abertura.

Sem desconhecer que há análises e análises ao postular aqui uma proposta pedagógica voltada à formação da subjetivação – o ser pessoa – no mundo em mudança, o debate sobre a avaliação escolar é imprescindível, como mostram as epígrafes, pois ela está no cerne da relação cotidiana no ambiente escolar, como na vida, e principalmente na relação professor-aluno. Daí darmos importância à sua presença neste conjunto de ideias que viemos construindo sobre o educar no século XXI.

A avaliação é aquele componente do currículo que deve nutrir, alimentar, realimentar para reorganizar o processo de ensino-aprendizagem em sua evolução, e isso não se faz sem entrar em contato com o que é preciso mudar ou deve ser mantido. Na vivência de um processo, costumeiramente a avaliação acontece ao final de um período, perdendo-se o que pode estar presente no início, como análise diagnóstica, no decorrer do seu processo evolutivo, e deve

20. Avaliação e vocação: uma relação a ser valorizada

Para maior compreensão da importância de uma boa prática de avaliação, trazemos a análise de um caso real, vivido recentemente por um jovem de uma escola particular, que é esclarecedor. Comecemos pelo relato de Esméria.

Fim do ano escolar de 2015. Fui solicitada por uma mãe a conversar com seu filho, que, no encerramento do 1º ano do Ensino Médio, se recusava a comparecer à escola para realizar a prova final de Física no dia seguinte. Eu já sabia que nos anos escolares anteriores seu forte não estava na área de exatas e, na conversa, fiquei sabendo que ele, em sua primeira experiência com os conteúdos do Ensino Médio, havia demonstrado dificuldade no aprendizado dos conceitos dessa disciplina durante todo o ano.

Perguntei a ele: “Durante todo este ano, o professor nunca mudou sua forma de ensinar a fim de ajudá-lo (e os outros) a entender os conceitos de física previstos no programa? Na volta das provas bimestrais, nunca se sentou ao seu lado para conversar e perceber onde estava sua dificuldade?”. A resposta a essas perguntas, e outras similares, foi sempre NÃO. “E a escola, nunca tomou providências para ajudar os alunos com dificuldade? Nunca promoveu mudança na organização escolar? No currículo? No modo de ensinar do professor?” Resposta: NÃO. Contou que a única coisa, muito conhecida, que vivenciou foi a comunicação à família de seu baixo desempenho. Melhor dizendo, um modo tradicional de transferir para a família o problema de aprendizagem do filho. Diante de suas respostas, eu disse a ele: “Não aprender física não deve ser um problema para você, pois não há no mundo ser humano bom em tudo. Esse problema é mais da escola e do professor, que ainda não aprenderam a fazer avaliação de fato. Ou seja, ver o aluno na sua integralidade. Cada professor acha que o aluno tem de ser bom na sua matéria. Isso demonstra falta de visão de conjunto”. Para resumir, sem maiores detalhes, o jovem decidiu não ir fazer a prova. Por quê? Ele me disse: “Eu não vou permitir que a escola me reprove!”.

Que escola é essa – paga, por sinal, e não barata – que atribui ao aluno o fracasso por não aprender, que alimenta o estresse e o medo, sendo esses tipos de afeto bloqueadores do aprender, quando o papel do professor – o professor facilitador – é liberar, e não aumentar,

21. Um novo olhar para o erro: a perspectiva construtiva

[A] aversão pelo erro é o mais grave dos erros. Mia Couto (2005)

Ó erro! Tão malvisto! Considerado fruto de ignorância ou de maldade, pode, no entanto, ser fruto de distorção de algum significado. É o queremos apresentar aqui.

Na visão construtiva, a ocorrência do erro faz parte da dinâmica complementar com o acerto e, assumida na prática da avaliação, consiste exatamente no instrumento que permite a qualquer sistema, inclusive o educacional, se manter no rumo pensado para o país e definido em cada projeto pedagógico escolar. Uma vez elaborado, este vai ganhar vida no dia a dia de sua execução. No entanto, nem sempre o percurso traçado corresponde à realidade. A ação, uma vez colocada em prática, sofre a pressão de ocorrências não previstas, surpresas que acontecem – como a que vivemos com a pandemia –, obrigando-nos a flexibilizar e às vezes até mesmo desviar do

planejado a fim de corrigir rumos. Algumas são favoráveis e confirmadoras, outras estranhas e perturbadoras, mas muitas vezes são exatamente estas que nos desafiam a encontrar respostas e soluções.

A fim de garantir o bom funcionamento da escola – mas o mesmo se aplica a qualquer sistema –, é preciso estar atento à busca pelo equilíbrio, sempre perturbado pela ingerência de elementos não esperados, e às vezes não desejáveis, mas que trazem novos recursos para fomentar o aprendizado. O erro diagnosticado nas avaliações dos alunos é um exemplo. Comecemos por averiguar o que é um erro.

O que é um erro?

Ele sempre surge como algo não previsto, em função de uma expectativa referenciada como modelo ou parâmetro predefinido. Assim, uma resposta apresentada pelo aluno pode não corresponder à expectativa do professor, que a toma, portanto, como errada, já que ele detém o modelo do certo. Mas vamos além.

Segundo a teoria da comunicação, erro é aquele elemento estranho produtor de ruído que interfere na interpretação das trocas de mensagens, mas que pode ser favorável na medida em que traz novidades e estimula a interação e a criatividade. Detectamos esses ruídos também nas polissemias das palavras poéticas. Vejamos o exemplo da palavra “casa”. Assim escrita, ela é considerada correta pelo padrão da língua portuguesa. Se escrita “kasa”, embora errada pela análise morfológica da palavra, ela traz algo de novo e criativo na linguagem do marketing publicitário, ao sugerir a ideia chamativa de uma casa de estilo diferente.

Nem sempre são desse tipo os erros praticados em exercícios, provas e deveres escolares, mas pode acontecer de algumas das

22. Finalizando nossas conversas

O tema que nos propusemos a tratar neste livro é vasto, complexo e delicado. Cada item abordado mereceria tratamento mais aprofundado. Porém, como afirmamos, nosso objetivo no momento é trazer elementos para iniciar o debate sobre a formação da subjetividade na educação escolar, pouco explorada e objeto de tão pouca reflexão, a partir de nossas experiências escolares e de vida pós-escola sempre observando o que ocorre na área.

Procuramos trazer aqueles pontos centralizados na construção de uma escola desejante, a partir de novas relações que se apoiam na superação da visão distorcida do desejo e do afeto. Embora muito ainda pudesse ser abordado, exploramos em cada tópico tratado o que merece ser considerado no estabelecimento de novas práticas de relações afetivas, tendo como base a pedagogia autogenerativa/ autopoiética, que tem como pressuposto que educar e ensinar é uma arte, por se tratar de um processo criativo.

Se quando escrevemos este livro estávamos diante de um cenário da sociedade em acelerado ritmo de mudanças que pedia uma nova pedagogia, ao depararmos com a chegada da pandemia de covid-19,

nos demos conta de que este pedido se tornou uma exigência. Se muitos ainda pensam ser possível voltar à vida normal de antes, pelos rumos vividos, acreditamos que teremos de construir um novo normal pós-pandemia. Muitas ações precisam ser repensadas a fim de fazer face a um novo cenário que desponta em vários âmbitos da vida social. E a educação escolar terá papel relevante nesse enfrentamento. Escola, família – esta com diversas formas de organização – e comunidade serão três pilares fundamentais na reconstrução de um novo modo civilizatório. Não acreditamos que isso acontecerá num passe de mágica, mas com enorme esforço a partir da compreensão de que é preciso alcançar níveis mais elevados de consciência.

Acreditamos que, dando início a essa discussão, focamos o que é relevante para fazer da escola um espaço desejante, ou seja, um espaço atraente e acolhedor, mais necessário ainda neste momento estonteante em que nós mergulhamos. Um espaço de cuidado com a formação integral dos alunos em um mundo conturbado, a fomentar a questão do desejo e do afeto nas relações que permeiam a interação sobretudo entre professor e aluno, dada a relevância da sua figura no processo educativo. Enfim, a escola como espaço de subjetivação.

Para que se evite qualquer confusão sobre o que seja uma prática educativa que valorize o papel das emoções e dos sentimentos na interação pedagógica, trouxemos como referência para nossa abordagem o pensamento da psicóloga Sara Paim (2012) de que à educação escolar cabe integrar a formação epistêmica, objetiva, racional, intelectual à formação do sujeito desejante, ou seja, à formação subjetiva, afetiva, emocional. Como referências, além de Freud, podemos citar Byington (2003), a teoria da complexidade de Edgar Morin, em seus seis volumes sobre o método, entre outras. Trata-se de referências que apontam para o cuidado não só com o pensar ou o arquivar informações na memória, mas também com o sentir e o querer, hoje reconhecidos pela ciência como base para o

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