A Linguagem de Bion

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A linguagem de Bion

obra de Freud em relação aos caminhos da formação de sintomas, descrito nas conferências introdutórias sobre psicanálise na Universidade de Viena, entre 1916 e 1917, Bion observa que o leitmotiv dos processos alucinatórios contitui-se como “uma tentativa de cura”. A primeira observação analítica de Bion publicada sobre a alucinação utiliza plenamente as percepções de Klein sobre a fantasia de identificação projetiva e também de identificação introjetiva: os pacientes alucinam ter uma capacidade concreta tanto para ejetar como engolfar sentimentos e ideias, e até mesmo ejetar e/ou engolfar uma pessoa: “Pode ter ocorrido o fato de o paciente ter manipulado a análise, e a mim mesmo, a tal ponto que, em seu sentimento, eu não seria mais um objeto independente, e poderia então ser tratado por ele como se fosse uma alucinação”. Observa um paciente que sentiu que “seus olhos podiam sugar algo de mim”; os olhos também podiam “expulsar” aquilo que ele tinha sugado para dentro de forma alucinatória (ST, 67). Bion, segundo seu escrito, parecia ser capaz de trabalhar de um modo em que simultaneamente aliava prática e teoria; habilidade psicanalítica praticada primeiramente por Freud, e passível de ser reproduzida por analistas atentos que puderam obter sua própria análise: uma visão dinâmica, que permite uma tolerância de paradoxos. Neste caso, uma postura pessoal aberta, possibilitando observar uma fantasia “interna” e “externa”, ocorrendo simultaneamente, de modo, especificado pela primeira vez por Freud, “dinâmico”. Realmente, Freud sugeriu pelo menos três nomes para a ciência que descobrira: psicanálise, psicologia profunda e psicodinâmica. Uma das aplicações que pode ser considerada como prática similar àquelas preconizadas pela psiquiatria preventiva aparece na frase “Uma ‘consciência consciente’ [awareness, no original] do duplo sentido que verbalizações alusivas aos órgãos sensoriais têm para o psicótico, por vezes, possibilitam detectar um processo alucinatório antes de ele se denunciar por meio de sinais mais conhecidos” (ST, 67). Os sinais mais conhecidos correspondem à perturbação manifesta conhecida em psiquiatria como esquizofrenia e sentimentos malignos de perseguição. Bion, fiel à visão de Freud sobre a função “curativa” dos sintomas, mostra-os como um ajudante para o psiquiatra, evitando posturas que apelem para julgamentos de valor. Alucinações e a fantasia de que órgãos sensoriais poderiam ejetar e também receber indicam a severidade do distúrbio impondo sofrimento ao paciente; no entanto, preciso assinalar a benignidade no sintoma, que certamente não foi demonstrada anteriormente. Clivagem, uso evacuativo dos sentidos e alucinações estavam sendo empregados a serviço de uma ambição, a de ser curado, e, portanto, podem ser considerados como atividades supostamente criativas (ST, 68).

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