Dez Ensaios Sobre Memória Gráfica - Blucher

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Dez ensaios sobre memória gráfica © 2018 Priscila Farias, Marcos da Costa Braga Editora Edgard Blücher Ltda.

Todos os esforços foram feitos para encontrar e contatar os detentores dos direitos autorais das imagens utilizadas neste livro. Pedimos desculpas por eventuais omissões involuntárias e nos comprometemos a incluir os devidos créditos e corrigir possíveis falhas em edições subsequentes.

Publisher Edgard Blücher Editor Eduardo Blücher Coordenação editorial Bonie Santos Produção editorial Luana Negraes Preparação de texto Ana Maria Fiorini Revisão de texto Fernanda Rossi Projeto gráfico, diagramação e capa Gustavo Piqueira e Samia Jacintho / Casa Rex

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934

Dez ensaios sobre memória gráfica / organização de Priscila Farias,

São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078 5366

Marcos da Costa Braga (orgs.). -- São Paulo : Blucher, 2018.

contato@blucher.com.br www.blucher.com.br Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009.

256 p. : il. Bibliografia ISBN 978-85-212-1366-6 (impresso) ISBN 978-85-212-1369-7 (e-book)

É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora. Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.

1. Artes gráficas – História 2. Ilustrações – Brasil – História 3. Comunicação visual – História 4. Design – História I. Farias, Priscila. II. Braga, Marcos da Costa. 18-1648

CDD 741.6

Índice para catálogo sistemático: 1. Memória gráfica

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Dedicamos este livro aos integrantes das redes de pesquisa sobre memória gráfica, em particular à rede Memória Gráfica Brasileira e ao grupo Memoria Gráfica y Cultura Visual, e aos colecionadores e gestores de acervos que generosamente garantem o acesso a seus arquivos e a difusão deles.

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A expressão memória gráfica tem sido utilizada, nos últimos anos, em países de língua portuguesa e espanhola na América Latina, cada vez com mais frequência, para denominar uma linha de estudos que busca compreender a importância e o valor de artefatos visuais, em particular impressos efêmeros, na criação de um sentido de identidade local. Os capítulos seguintes são exemplos desse tipo de estudo. Este ensaio propõe identificar e refletir sobre as principais características e questões ligadas a essa linha de estudos, com a intenção de contribuir com parâmetros para uma definição do que seja memória gráfica e quais seriam suas especificidades e conexões com outros campos.

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INTRODUÇÃO

Se procurarmos a expressão graphic memory em mecanismos de busca na internet como o Google, até mesmo no Google Scholar, a maioria dos links encontrados trará informações sobre dispositivos ou sistemas computacionais dedicados ao armazenamento de dados relacionados com imagens. O mesmo acontece se usarmos a expressão memoire graphique, em francês. No entanto, se usarmos a expressão memoria grafica,1 vamos encontrar um número significativo de links relacionados à pesquisa em história do design gráfico e arquivos fotográficos, a maioria deles em português e espanhol. Isso reflete a tendência, crescente desde o início do século XXI, de utilizar essa expressão na descrição de esforços para resgatar ou reavaliar artefatos visuais, em particular impressos efêmeros, visando à recuperação ou ao estabelecimento de um sentido de identidade local. Tais esforços estão, de alguma forma, relacionados com a suposição de que esses artefatos seriam exemplos do que Assmann (1995) descreve como memória cultural objetivada, portadores concretos de “energia mnemônica”, capazes de armazenar conhecimento a partir do qual um grupo obteria “uma consciência de sua unidade e singularidade” (Assmann, 1995, p. 129-130). Embora as contribuições seminais para os estudos sobre a relação entre memória, história e cultura remontem ao início do século XX (Halbwachs,

1 Assim mesmo, sem acentos. Embora a sequência de caracteres seja exatamente a mesma para escrever memória gráfica em português e espanhol – e também em italiano –, há pequenas diferenças de ortografia. Usamos aqui a expressão sem sinais diacríticos para nos referirmos ao seu uso tanto em português quanto em espanhol. 10

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1925; 1950) e ao início dos anos 1980 (Nora, 1984), é apenas no final dos anos 1980 e início dos anos 1990, de acordo com Sturken (2008), que os estudos sobre memória se configuram como um campo de pesquisa. Os estudos sobre memória gráfica, por sua vez, tornaram-se mais numerosos e consistentes a partir de 2008. No Brasil, esse ano coincide com o início de um projeto de pesquisa que uniu pesquisadores de universidades de São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco e com o lançamento de um site a ele relacionado, ambos nomeados “Memória Gráfica Brasileira”. De lá para cá, é evidente o crescimento do número de pesquisas com temas relacionados a esse campo de estudos. Artefatos gráficos desempenham um papel importante na vida cotidiana, por meio de nossas experiências comunicacionais e em nossas interações com o entorno urbano. Apesar da sua importância para a constituição de uma cultura visual que contribui para a elaboração de identidades coletivas, os estudos sobre a configuração de tais artefatos, em particular antes do estabelecimento do campo acadêmico e profissional do design, e especialmente nos países que importaram as tradições de design do exterior, foram negligenciados por muitas décadas. A memória gráfica compartilha, como veremos, interesses e métodos com campos mais conhecidos de estudos, como a cultura visual, a cultura impressa ou cultura da impressão,2 a cultura material, a história do design gráfico e a memória coletiva. Esses aspectos compartilhados foram utilizados para orientar as reflexões sobre as suas principais características e questões e sobre como os estudos sobre memória gráfica podem ajudar na construção de histórias locais do design e das artes gráficas em geral na América Latina.

2 Cultura impressa e cultura da impressão são duas traduções possíveis para a expressão inglesa print culture, como discutiremos mais adiante. O QUE É MEMÓRIA GRÁFICA?

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INTRODUÇÃO Diferentemente da prática de outras editoras e de seu próprio procedimento nos períodos subsequentes, em que os livros didáticos constituíam obras avulsas e independentes, a Companhia Editora Nacional reuniu, a partir de 1932, a maior parte de seus títulos didáticos em uma única coleção, conhecida como BPB Série II – Livros Didáticos. A justificativa para esse procedimento peculiar era que os livros da coleção obedeciam a princípios pedagógicos comuns e a características editoriais deles decorrentes. Esses princípios e características, por sua vez, eram determinados por outros princípios e objetivos mais amplos, materializados em uma coleção maior, a Biblioteca Pedagógica Brasileira, que não só abrigava a Série II – Livros Didáticos, mas também outras quatro séries, todas com seu objeto e público específicos – literatura infantil, pedagogia, iniciação científica e história e cultura brasileiras –, mas todas consonantes com um mesmo projeto político-cultural para o país. A decorrência dessa organização das obras em séries ou subcoleções – na verdade coleções, uma vez que tinham públicos específicos, características editoriais, materiais e identidade próprios – foi a adoção de um projeto gráfico, particularmente para as capas, e a padronização de procedimentos editoriais e gráficos para cada uma delas a fim de garantir estabilidade visual a um grande número de obras produzidas durante certo período, condição para uma identidade e consequente reconhecimento pelo seu público. A BPB Série II – Livros Didáticos teve início com um número significativo de títulos – a publicidade da quarta capa de uma obra de 1933 apresenta uma relação de dezoito títulos –, alguns trazidos do catálogo anterior a 1931 e outros novos, que tiveram sua primeira edição já na nova coleção, lançada no mercado em 1932. Em 1939, esse número chegaria a “mais de cem volumes”, conforme anunciava a publicidade de quarta capa de uma obra editada naquele ano. Uma redução no número de lançamentos se deu ao longo da década de 1940, sendo o 147º e último volume lançado em 1953 (Barbosa, 2009). A pesquisa material, realizada principalmente na Biblioteca do Livro Didático da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (BLDFEUSP), obteve 51 desses títulos, alguns com duas edições diferentes, perfazendo o total de 57 exemplares, publicados entre 1932 e 1956. Este é o corpus em que se observou a definição de uma solução básica inicial e suas sucessivas adaptações e variações em função de mudanças tecnológicas, faixa etária a que determinados volumes se dirigiam e mesmo opções com causas não plenamente identificadas neste ensaio, dentro do objetivo de estabelecer conexões entre linguagem do design, tecnologias gráficas e programas ideológicos e comerciais.

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A COMPANHIA EDITORA NACIONAL

A Companhia Editora Nacional foi fundada no final de 1925, por Monteiro Lobato e Octalles Marcondes Ferreira, poucos meses após a falência de sua editora anterior, a Companhia Gráfico-Editora Monteiro Lobato. Tinha um projeto comercial e editorial definido, gestado, na verdade, em meio ao próprio processo de liquidação da antiga empresa, incorporando a experiência editorial anterior e corrigindo o que os sócios consideraram o erro principal que levou à liquidação da empresa: a tentativa de constituir um setor gráfico moderno especializado na produção de livros, inexistente no país, como apoio para a expansão da atividade editorial. As imensas dívidas assumidas com a importação de máquinas, em 1924, num contexto de profunda crise econômica, e a interrupção constante das atividades em virtude da falta de energia decorrente de seca no estado de São Paulo, da revolta tenentista na capital e de sua violenta repressão pelo governo federal, foram responsáveis pela insolvência e falência da “editora-mãe”. Em função dessa experiência é que sua herdeira, a Companhia Editora Nacional (CEN), nascia com o objetivo de atuar exclusivamente na edição e comercialização de livros, delegando a outros a atividade propriamente industrial, num mercado que se constituía em função da urbanização e industrialização do país e da ampliação de classes médias instruídas. A venda de seus equipamentos, para pagar os credores, foi arranjada de forma a não os dispersar e serviu para constituir duas gráficas de ponta, a São Paulo Editora e a Revista dos Tribunais, que se comprometeram com o fornecimento dos serviços gráficos da CEN, o que viriam a fazer por mais de quatro décadas. Os primeiros meses de atividade já propiciaram recursos para a Nacional adquirir os estoques e direitos autorais das obras de sua antecessora e prosseguir a comercialização e edição dos sucessos editoriais já existentes e assim rapidamente ampliar o catálogo e expandir suas vendas (Hallewell, 2005). Assim, ao lado de títulos de literatura nacional de boa vendagem – como os romances de Afrânio Peixoto, os romances históricos de Paulo Setúbal e livros de poesia de Guilherme de Almeida, traduções e versões para crianças de clássicos da literatura mundial, feitas por Lobato, bem como suas obras para crianças, como Fábulas e A menina do narizinho arrebitado –, a editora oferecia alguns poucos, porém bem-aceitos, títulos didáticos, como os dois volumes da Gramática expositiva, de Eduardo Carlos Pereira, os livros de leitura de Thales de Andrade, e Selecta nacional, Lições de portuguez e O meu idioma, de Othoniel Motta, dentre mais de dezoito constantes no catálogo de 1925 (figura 2.1) (Razzini, 2010). Com relação à visualidade, pode-se notar que, enquanto os títulos de ficção recebiam capas ilustradas coloridas, os didáticos tinham capas geralmente tipográficas e visualmente sóbrias. O DESIGN DAS CAPAS DA BIBLIOTECA PEDAGÓGICA BRASILEIRA SÉRIE II – LIVROS DIDÁTICOS, DA COMPANHIA EDITORA NACIONAL

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O DESIGN GRÁFICO DA COLEÇÃO BIBLIOTECA DE LITERATURA BRASILEIRA, PUBLICADA PELA LIVRARIA MARTINS EDITORA NAS DÉCADAS DE 1940-1950

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BREVE HISTÓRIA DA MARTINS

Em São Paulo, no ano de 1937, José de Barros Martins abre no centro da cidade, mais especificamente na Rua da Quitanda, 87, uma pequena livraria especializada na importação de livros, na sua maioria exemplares raros, vindos de França, Inglaterra e Estados Unidos. Dois anos depois, começa a editar seus próprios livros e inaugura a Livraria Martins Editora, que se tornará uma das editoras mais representativas do mercado editorial entre as décadas de 1940-1980. As condições socioeconômicas favoráveis dos primeiros anos foram decisivas para que o editor estabelecesse a sua empresa na capital paulista, que se recuperava da depressão política e econômica após a Revolução Constitucionalista de 1932. De acordo com José Fernando de Barros Martins, filho do editor José de Barros Martins, os principais fatores que motivaram o surgimento da editora foram: a fundação da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933; a criação da Universidade de São Paulo, em 1934; a vinda de professores estrangeiros à capital paulista, como Claude Lévi-Strauss, Fernand Braudel, Roger Bastide, Donald Pierson, dentre outros; e a implantação do Departamento de Cultura, em 1935, dirigido por Mário de Andrade (Martins, 2011). No ano de 1939, diante da efervescência cultural e intelectual do período, como também do advento da Segunda Guerra Mundial – que dificultou a importação de livros –, o editor decide abrir a Livraria Martins Editora e, em 1940, publica o primeiro título: Direito social brasileiro, de Antônio Ferreira Cesarino Júnior. Em seguida, Martins lança a Coleção Biblioteca Histórica Brasileira, e, na sequência, as coleções Biblioteca do Pensamento Vivo, Excelsior, Excelsior Gigante, Mosaico, Biblioteca de Ciências Sociais, Biblioteca de Literatura Brasileira e Biblioteca Histórica Paulista. A importância do catálogo da Martins no período é comparável à do catálogo da José Olympio no que se refere à publicação de obras literárias. No entanto, enquanto a José Olympio, editora sediada no Rio de Janeiro, se firmava com uma das maiores do mercado brasileiro, a Martins era considerada uma editora de porte médio, uma vez que os lançamentos oscilavam entre 61 e 150 títulos e representavam apenas 11% do mercado (Miceli, 2001). Em poucos anos, a editora se transferiu para a Rua XV de Novembro, 135, local em que manteve a loja, quando novamente mudou-se para a Rua São Francisco, 77 e 81, como podemos ver na identidade visual do material de divulgação do livro Marília de Dirceu, publicado em 1944 (figura 3.1). Na imagem, aparecem os dois endereços: um era o da loja (importadora) e outro, o da editora.

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Figura 3.1 Material de divulgação do livro Marília de Dirceu, publicado em 1944. Fonte: acervo da autora.

As informações desse documento evidenciam a transição de importadora para editora.1 Rapidamente, a então respeitada livraria passou a gozar do mesmo prestígio ao atuar como editora e a reunir a elite da intelectualidade brasileira, bem como bibliófilos e figuras ilustres da sociedade que circulavam por sua sede. A Martins iniciava o seu percurso no mercado editorial sem quaisquer tribulações. Entretanto, a oposição de José de Barros Martins ao Estado Novo lhe rendeu várias investidas dos agentes da ditadura, que vasculhavam os escritórios e a loja da editora. Sua recusa era absoluta em publicar qualquer obra subvencionada pelo DIP [Departamento de Imprensa e Propaganda] [...]. Essa oposição explícita ao Estado Novo é responsável, também, pela convergência que faz com que escritores de vários matizes ideológicos, mas todos adversários da ditadura, passem a publicar suas obras com o selo da Martins. (Martins, 2011, p. 179)

Não por acaso, publicou Urupês, de Monteiro Lobato, em 1944, quando o escritor estava preso e tornara-se símbolo do antigetulismo. Segundo Hallewell (2005, p. 505): “Martins talvez fosse notável mais pelo que não continha. Sua inabalável recusa em publicar o que quer que fosse favorável ao regime, ou à sua filosofia, era rotulada de ‘subversiva’ tanto quanto poderia ter sido a publicação de material contrário a ele”. A partir do ano de 1956, a Martins se estabelece em uma sede própria na Rua Rocha, no bairro da Bela Vista, em São Paulo. Em alguns anos, as pressões

1 Muitas editoras do período seguiram a mesma trajetória da Martins, como afirma Miceli (2001, p. 142): “Vários comerciantes especializados na importação de livros resolvem ampliar suas atividades no ramo com a abertura de um departamento editorial: Pongetti, Vecchi, Petracone, Garavini, Bertaso, Zagari, etc. Foram sensíveis às mudanças que então se operavam e passaram a traduzir para o mercado interno as obras que antes eles mesmos importavam”. O DESIGN GRÁFICO DA COLEÇÃO BIBLIOTECA DE LITERATURA BRASILEIRA, PUBLICADA PELA LIVRARIA MARTINS EDITORA NAS DÉCADAS DE 1940-1950

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A INFLUÊNCIA DO ESTILO GRÁFICO DO ART NOUVEAU NOS PRIMEIROS JORNAIS DOS IMIGRANTES JAPONESES NO BRASIL

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INTRODUÇÃO Este ensaio propõe uma análise gráfica de “artefatos históricos”2 que remetem ao estilo gráfico do art nouveau, impressos nos primeiros jornais dos imigrantes japoneses no Brasil, entre os anos de 1916 e 1923. A princípio, o objetivo é identificar, por meio de uma análise comparativa, as características recorrentes entre os estilos gráficos de art nouveau existentes na Europa (com destaque para a França), no Japão e no Brasil e certificar que tal estilo foi reproduzido em jornais brasileiros por imigrantes japoneses, uma vez que sua vinda para cá se deu na mesma época em que o movimento estava em voga. Acredita-se que, com essa análise, será possível alcançar o conhecimento de valores e significados culturais deixados pelos imigrantes japoneses por meio do design dos artefatos históricos preservados no tempo, como representantes da cultura material, além de levar, futuramente, a novas e mais complexas indagações sobre a temática. A seguir serão descritas breves histórias sobre a origem do art nouveau em cada uma das três localidades citadas e suas particularidades gráficas, a fim de contextualizar historicamente a temática e elucidar seu papel no âmbito da cultura gráfica e material. Para uma melhor compreensão, imagens e fotos ilustram, em essência, esta análise.

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ART NOUVEAU: ORIGEM E CARACTERÍSTICAS GRÁFICAS NA EUROPA O maior comércio e comunicação entre os países asiáticos e europeus durante o final do séc. XIX provocou um choque cultural; tanto o Oriente como o Ocidente passaram por mudanças em decorrência de influências recíprocas. A arte asiática possibilitou aos artistas e designers europeus e norte-americanos novas formas de abordar espaço, cor, convenções de desenho e temas radicalmente diferentes das tradições ocidentais. Isso revitalizou o design gráfico durante a última década do século XIX. (Meggs; Purvis, 2009, p. 243)

1 Uma versão anterior deste artigo foi originalmente publicada em <http://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/o-estilo- grfico-do-art-nouveau-nos-jornais-dos-imigrantes-japoneses-no-brasil-24554>. 2 “O design deixou as marcas de sua atuação no passado por meio de objetos. Estes objetos, que chamaremos de forma genérica de ‘artefatos históricos’, contam a história do design. Eles carregam consigo informações sobre a cultura, o contexto e a comunidade à qual pertenceram [...] são memórias em forma material ou simbólica, eles reconstituem o passado e parte da identidade de uma sociedade” (Almeida; Coutinho, 2012, p. 6530). 84

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Em Paris, no ano de 1895, o marchand Samuel Bing abre sua galeria Salon de l’Art Nouveau, onde exibia e vendia a “nova arte”, oriunda das artes japonesas, europeias e norte-americanas. A galeria deu origem ao termo art nouveau, movimento e estilo artístico-cultural que abrangeu em nível internacional as “artes projetuais – arquitetura, design de mobiliário e produto, moda e artes gráficas” (Meggs; Purvis, 2009, p. 248). Desenvolveu-se como “uma verdadeira moda” (argan, 1992, p. 199) na sociedade industrial e se apresentou “como reação gradativa às múltiplas tendências estilísticas do século XIX” (Motta, 1965, p. 55). É importante salientar que o art nouveau teve como uma de suas influências o japonismo, a “mania ocidental” (Meggs; Purvis, 2009, p. 248) por estilos artísticos tradicionais japoneses como o ukiyo-e3 (figura 4.1) e o rinpa4 (figura 4.2), que circularam pela Europa disseminando a arte e os ornamentos característicos do Japão. Ambos retratavam paisagens naturais, figuras humanas e até mesmo forças divinas de forma alusiva, por meio de linhas caligráficas, abstração e simplificação, além “do uso não convencional de formas pretas pronunciadas e padrões decorativos” (Meggs; Purvis, 2009, p. 248). Poemas e outros textos também compunham as obras, integrando-se fluidamente aos elementos gráficos. Por consequência, é possível identificar características nas artes gráficas do art nouveau francês que remetem à influência japonesa de ornamentos de temática naturalista, como: elementos florais e animais, arabescos lineares e curvilíneos, o equilíbrio não simétrico dos componentes da obra e a transmissão de movimento, leveza e juventude por meio desses aspectos. A figura feminina, em particular, foi de uso abrangente, principalmente pela sua forma corporal curvilínea e pelos seus cabelos alongados e cacheados, como parte dos arabescos. A seguir, imagens das obras de famosos ilustradores da época, como Alphonse Mucha (figura 4.3) e Emmanuel Orazi (figura 4.4), ilustram tais características.

3 “Ukiyo-e quer dizer ‘quadros do mundo flutuante’ e define um movimento artístico do período Tokugawa do Japão (1603-1867). Essa época marcou o fim da história japonesa tradicional; foi um tempo de expansão econômica, estabilidade interna e florescimento das atividades culturais. [...] Os mais antigos trabalhos em ukiyo-e eram pinturas de biombos retratando os bairros de entretenimento – chamados de ‘mundo flutuante’ – de Edo (atual Tóquio) e outras cidades” (Meggs; Purvis, 2009, p. 243-244). 4 A escola de Rinpa surgiu no Japão nos séculos XVIII e XIX e teve grande influência no movimento do art nouveau, em Paris, no final do século XIX e começo do século XX. A escola de Rinpa estilizou e simplificou formas da natureza numa arte decorativa que tinha um objetivo prático. Três artistas em particular se destacaram: Ogata Korin, Hon-ami Koetsu e Tawaraya Sotatsu. (Informações extraídas do documentário Japan Spirit and Form #5: The Rimpa School [Arquivo de vídeo]. YouTube, 24 nov. 2014. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zsnv00k4zR4>. Acesso em: 25 abr. 2016). A INFLUÊNCIA DO ESTILO GRÁFICO DO ART NOUVEAU NOS PRIMEIROS JORNAIS DOS IMIGRANTES JAPONESES NO BRASIL

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CONFORTO FEMININO E CONFORTO MASCULINO: O MAPPIN E OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS (1931-1945)

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INTRODUÇÃO Tem a sua casa o conforto e os atrativos capazes de reterem V.S. no convívio amorável da família, na leitura serena, no estudo meditado ou em animados serões entre seus melhores amigos?1

O texto de um anúncio de móveis Mappin publicado em 1935 incita o leitor a reparar no conforto de seu lar. Destinado aos homens,2 o restante do texto opõe a casa confortável à “luta diária” e à “jornada fatigante” de um dia de trabalho. Em outro anúncio do mesmo ano,3 este com o desenho de uma mulher, uma geladeira é descrita como um “conforto moderno” que é “um motivo de satisfação permanente para as boas donas de casa!”. O objetivo deste artigo é observar como o conforto masculino e feminino são caracterizados numa série de anúncios publicitários veiculados entre 1931 e 1945 em São Paulo. Pretende-se, com isso, perceber possíveis diferenças na ideia normativa de conforto associado aos homens e às mulheres, tanto no que diz respeito aos artefatos a eles associados quanto à representação corpórea e à caracterização dos gêneros. Não se trata de considerar essas imagens representações puras da ideia de conforto criada pela sociedade do período, mas considerá-las artefatos ativos para a configuração dos valores e das identidades sociais. Assim, partimos da premissa de que a diferenciação de gênero não se dá no âmbito do abstrato, ou no âmbito de valores importados de um campo exterior às práticas sociais, mas é construída no cotidiano por meio e no interior das mesmas práticas. Ulpiano Bezerra de Meneses (2012), ao discutir o papel de imagens enquanto fontes históricas, ressalta a necessidade de considerá-las como artefato e não como um conteúdo em abstração, cuja representação visual veicularia um significado formado anteriormente. Considerar as imagens como coisas materiais implica duas consequências metodológicas. A primeira é a importância de estudar a trajetória desses artefatos antes de serem retidos em coleções, historicizando sua vida social. A segunda consequência imediata é que, ao fazer isso, percebemos que as imagens têm uma participação grandiosa nas esferas sociais e não podem, por conseguinte, ser vistas exclusivamente como veículos de símbolos e representações. Mais do que isso, os artefatos têm o potencial de produzir efeitos, de agir.

1 Anúncio publicado em 12 de junho de 1935 na revista Vida nova. 2 Nos anúncios do Mappin do período, usa-se V.S. para referir-se aos homens e V. Exa. para referir-se às mulheres. 3 Anúncio publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 1935.

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OS ANÚNCIOS DO MAPPIN O Mappin foi uma loja de departamentos de origem inglesa aberta em São Paulo em 1913. Inicialmente direcionado apenas às mulheres, as primeiras seções masculinas da loja foram abertas antes de 1920, mas até o limite cronológico da pesquisa realizada a maior parte dos departamentos era de roupas femininas, e a maioria dos anúncios impressos direcionava-se às mulheres. A despeito disso, o Mappin possuía espaços de sociabilidade que agregavam ambos os sexos, como o salão de chá (Alvim; Peirão, 1985). Há poucas informações sobre a produção de publicidade da loja, durante a primeira metade do século XX, mas, a partir das entrevistas feitas pelas historiadoras Zuleika Alvim e Solange Peirão com ex-funcionários da loja é possível traçar algumas características deste setor.4 O encarregado dos anúncios era o funcionário português Luis Sequeira,5 que trabalhou no Mappin entre 1924 e 1951 (Alvim; Peirão, 1985) e era o responsável por escrever os textos dos anúncios e dos catálogos e decidir o leiaute final das peças. É provável que os desenhos a traço presentes nos anúncios fossem feitos pelo funcionário Aníbal de Blasíís, responsável por fazer a capa dos catálogos.6 Todavia, não pode ser descartada a hipótese de que alguns desenhos fossem importados do exterior ou que fossem copiados de outras imagens. A cópia de desenhos parece ter sido uma prática sistemática para a criação de novas peças publicitárias. Alguns clichês presentes nos anúncios da série, embora possuam alguns detalhes diferentes, assemelham-se de tal modo que é improvável que não sejam cópias um do outro ou ambos cópias de uma terceira imagem (figuras 5.1 e 5.2).

4 As entrevistas foram feitas na década de 1980 para a elaboração do livro Mappin: 70 anos (Alvim, Z.; Peirão, S., 1985). 5 Luis Sequeira chegou a São Paulo em 1913, aos 20 anos. Antes de ser funcionário do Mappin, trabalhou por três anos na loja Grumbach, onde “fazia vitrines, foi depois chefe de arte e trabalhou com porcelanas, bronzes, mármores etc.” (Coleção Mappin, 2011). Foi por meio do seu trabalho para a Grumbach que Sequeira foi convidado a trabalhar no Mappin. 6 Em entrevista às historiadoras Zuleika Alvim e Solange Peirão, o antigo desenhista de cartazes e móveis da loja, José Sobolewski, informou que o funcionário responsável por desenhar as imagens dos anúncios e dos catálogos chamava-se Aníbal de Blasíís, o que pode ser parcialmente confirmado pela presença de sua assinatura na capa de alguns catálogos da loja (Coleção Mappin, 2011). CONFORTO FEMININO E CONFORTO MASCULINO: O MAPPIN E OS ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS (1931-1945)

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VEJA NA LOJA

Dez Ensaios Sobre Memória Gráfica Marcos da Costa Braga, Priscila L. Farias ISBN: 9788521213666 Páginas: 256 Formato: 20,5 x 25,5 cm Ano de Publicação: 2018 Peso: 0.665 kg


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