ULTRAJE A RIGOR: NÓS VAMOS INVADIR SUA PRAIA

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A todas as pessoas que, de alguma forma, ajudaram a contar aquilo tudo que a gente sente e em memória de Palmyra e Angelina.



© 2011 Andréa Ascenção

Editor Gustavo Guertler Revisão Andrey do Amaral Marcele Brusa Maciel Capa e projeto gráfico Celso Orlandin Jr. Foto capa Arquivo pessoal Leôspa / Fotógrafo não identificado Tratamento de fotos Anderson Fochesato

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (Biblioteca Pública Municipal Dr. Demetrio Niederauer – Caxias do Sul) A811u

Ascenção, Andréa Ultraje a Rigor: Nós Vamos Invadir Sua Praia / Andréa Ascenção._Caxias do Sul, RS: Belas-Letras, 2011. 352 p.

ISBN 978-85-60174-74-4

1. Ultraje a Rigor (Banda de Rock). 2. Música brasileira – Rock. 3. Músicos brasileiros – Biografia. I. Título.

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CDU 78 ULTRAJE A RIGOR

Ultraje a Rigor (Banda de Rock) Música brasileira – Rock Músicos brasileiros – Biografia

78ULTRAJE A RIGOR 78.036(81) 78-051(81): 929

Responsável pela catalogação: Bibliotecária Maria Nair Sodré Monteiro da Cruz CRB10/904

IMPRESSO NA GRÁFICA COAN

[2011] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA BELAS-LETRAS LTDA. Rua Coronel Camisão, 167 Cep 95020-420 – Caxias do Sul – RS www.belasletras.com.br


sumario 06 09 59 Doscencre 13 3 Capítulo 3: Doscencre, Raiz Punk 2 0 1 Capítulo 4: Uma Outra roto que Como 2 3 3 Capítulo 5: Era um Ga

Começar Prefácio: O Show Vai o ao Rock n’ Roll Capítulo 1: Em Direçã Capítulo 2: É Agora!

o Ultraje a Rigor Eu Amava os Beatles e Para Posfácio: O Show Não

293 Letras 3 11 Genealogia 3 4 6 Agradecimentos 3 4 8 Bibliografia 3 4 9


Prefácio

O SHOW VAI COMEÇAR Quem é a banda, quem são os fãs? Um aperitivo do que está por vir acontece numa São Paulo bastante diferente de onde tudo começou.

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m um teatro relativamente pequeno, as cadeiras numeradas estão ocupadas. Do lado esquerdo, um fotógrafo com sua jovem filha. Em frente, três senhores aparentemente muito sérios já com indícios de calvície. Na boca da cena algumas garotas. Atrás, a inspiração da abertura do espetáculo, uma mulher. Junto a ela, algumas

crianças param para cumprimentá-la, talvez parentes dos donos da festa. Em volta dessas pessoas, muitas outras de todas as idades estão agitadas. Fãs de carteirinha que correram para a avenida mais paulista de todas. O público já está acomodado e à espera. São 20h. As luzes se apagam e oito homens fazem parte da próxima hora na atração. No palco, à esquerda do público, Osvaldinho e Paulinho; um pouco mais à frente, Mingau; no centro, Roger e, mais ao fundo, Bacalhau. Continuando a panorâmica, à direita estão Ricardinho e Manito. Na mesma direção, mais perto do gargarejo, Serginho Serra.

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Um pouco mais à direita, quase invisível aos olhos da plateia, o homem que me entregou o convite para esse show no Teatro Popular do Sesi, o Trovão, atento para que tudo esteja nos seus lugares. Algumas outras pessoas estão com ele, são os funcionários da casa. O show abre com a onipresente Zoraide,


ou melhor, Solange (a mulher sentada atrás de mim). O pequeno grupinho de meninas bem próximas ao palco se levanta. Essas já não sentam mais. Há a sensação de que as luzes foram meticulosamente escolhidas. O resultado é uma sincronia perfeita entre o som e a imagem da banda. Algumas pausas nas músicas dão espaço a um colorido rítmico e os fãs são iluminados quando a banda joga para o público a parte que lhe cabe cantar. Mas as pessoas presentes não se contentam com apenas alguns trechos. Todos demonstram saber tudo, de cor. O set list segue com ar de improviso. Bastam os primeiros acordes, e quem ainda estava sentado levanta-se. Agora sim, um característico show de rock, e o clímax daquela noite chega com Ciúme e num som único há pelo menos três gerações cantando ainda mais alto, mas eu me mordo de ciúúúme... Daí em diante o fotógrafo da banda tem a chance de mostrar à sua jovem filha o que é o rock n’ roll dos anos 1980, tão perspicaz que vive como um garoto que nunca envelheceu, tornando-se inrotulável. Até aqueles três senhores já afrouxaram as gravatas e parecem três moleques que fugiram da escola. A festa ainda acontece neste teatro de São Paulo, mas existe uma grande história por trás de cada um dos anfitriões. E para descobrir a essência deles, é necessário voltar no tempo.

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Capitulo 1 EM DIREÇÃO AO ROCK N' ROLL

Crianças descobrem aptidão para a música, crescem, desenvolvem seus primeiros hits dentro da new wave e espalham seu nome pela cidade.


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rimeira metade da década de 1960, na cidade de São Paulo o garoto Roger Rocha Moreira, de oito anos, está em uma festa, quando sua mãe decide colocar um disco para tocar. A-wop-bop-a-loo-mop-alop-bam-boom! É a brincadeira dançante na voz de Elvis Presley, o começo de Tutti-frutti, o primeiro rock que Roger ouve. Na ocasião, o menino ganha um compacto de lados B dos Beatles com as canções: Anna, Chains, Misery e I Saw Her Standing There, o primeiro de sua coleção. Nessa época ele tem o costume de assistir aos filmes do rei do rock Elvis Presley, mas é em 1965 que ele vai ao cinema assistir ao segundo dos Beatles, Help!, e realmente me apaixonei pelo repertório do filme e pelo lance todo, é um filme bem bobinho, mas eu tinha oito pra nove anos. Dois anos antes, o garotinho já ouvia no rádio os sucessos da banda inglesa She Loves You e I Want to Hold Your Hand, que ficavam se alternando no posto de primeira colocada. A mãe do garoto chama-se Yaracy Maria Rocha Moreira, ela é professora de inglês e gosta muito de cantar. Tentou seguir carreira quando ganhou um concurso de música, porém na época o pai não deixou, porque não era aceitável para os bons costumes da época, uma moça participar desse tipo de arte. Em casa ela toca violão e um pouco de piano, assim como a avó materna de Roger. Ainda criança, Roger gosta de ver a mãe ao violão. Admira tanto que resolve aprender a tocar o instrumento olhando o caderno dela. E não é só isso. Yaracy também lhe ensina o inglês das letras das músicas. Então, acho que esse lado de gostar de música vem muito dela. Ao longo do tempo o filho passa a ter aulas de violão, comprar discos, ouvir e tocar música. Aos 12 anos, o futuro músico quer comprar uma guitarra com o dinheiro que ganha fazendo comerciais para a televisão, mas o pai, Celso, proíbe, por achar o instrumento muito barulhento. Roger continua com o violão. Quatro anos depois, começa a tocar flauta doce. Posteriormente, quer aprender a transversal. Daí meu pai me deu; a flauta transversa ele me deixou ter.


Somente aos 18 anos, Roger compra uma guitarra Snake por cinco mil cruzeiros. Sempre soube que queria fazer música. Ao realizar um teste vocacional não deu outra, mas preocupado com a carreira do filho, Celso diz que faculdade de música ele não paga. E lá vai Roger, aos 21 anos, cursar a segunda opção de um teste vocacional, Arquitetura, na Faculdade Mackenzie. De acordo com esse teste, ele também tem aptidão para agronomia, diplomacia e advocacia, além de um alto Quoeficiente de Inteligência (QI). Depois, Roger faz outros testes, que continuam afirmando seu alto QI, até que um dia lê uma matéria no jornal Folha de S. Paulo, que informa sobre a Mensa, uma associação de pessoas com QI acima da média da população. Ele resolve fazer pela Mensa um novo teste só pra saber se entraria, se os outros exames estavam corretos. E entra, com 172 pontos.

Troféu cérebro

o? destes números não é prim Pergunta número 1: Qual A) 15 B) 17 C) 19 Roger: 15 ésimo gol do maneira foi realizado o mil Pergunta número 2: De que grande rei Pelé? a paradinha e o o (Andrade) Vasco. Deu um Roger: De pênalti. Contra goleiro quase pegou. is jovem dos Beatles? o nome do integrante ma Pergunta número 3: Qual Roger: George Harrison que o brasileiro Santos era o nome do avião em Pergunta número 4: Qual vez? Dumont voou pela primeira Roger: 14 Bis udam o quê? ogos são pessoas que est Pergunta número 5: Ornitól Roger: Pássaros última pergunta, Roger tira ensando as alternativas da Sem pestanejar e até disp o interno do programa da es do páreo no campeonat o apresentador Milton Nev que lhe garantem o Custar) com 264 pontos, Que o ste (Cu C CQ es ant Bandeir troféu CQteste em 2008.

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Paralelamente ao curso de arquitetura, Roger dá aulas de inglês, sempre acompanhadas de uma gaita, que o ajuda a ensinar outra língua e o repertório dos Beatles para alunos. As aulas lhe proporcionam algum dinheiro e aos poucos consegue cursar música na Fundação das Artes em São Caetano. O curso de arquitetura não vai bem. Era mau aluno, vivia em dependências nas matérias, e meu pai, nas horas de bronca, dizia que eu era um inútil. Depois de passar três anos na faculdade, em 1977, aos 21 anos, Roger carrega tantas dependências que comunica ao pai que vai largar o curso, aí ele falou, então tranca. Só que a decisão de ser músico já estava tomada há muito tempo e não mais seria adiada. A mãe, corujona, ia ver quando eu participava de algum festivalzinho fuleiro, levava um gravadorzinho, tirava foto... O pai ainda demoraria um pouquinho para perceber que o filho estava levando a música mais a sério do que um hobby. Ainda na faculdade, Roger confidencia a um amigo violonista, o Palito, que seu pai não bota fé na sua vontade de ser músico. Palito responde: Mas você não pode ficar no eu quero ser, você tem que começar a ser mesmo, a sair arrumando emprego de músico. E é isso que ele tenta fazer. Quer tocar rock, percebendo as dificuldades logo. O cenário musical consolidava a MPB e a Jovem Guarda tão em voga nos anos 1970 e, embora também existissem muitos precursores do rock no Brasil, como os Novos Baianos, A Cor do Som, O Terço, Os Mutantes, Som Imaginário, Bolha, Herva Doce, Brylho, Hanói-Hanói, Veludo, O Som Nosso de Cada Dia, Made in Brazil, Casa das Máquinas, Vímana, Os Brazões, Bixo da Seda, Módulo Mil, O Peso, Os Incríveis, A Barca do Sol, Aero Blues e outros, além do baiano Raul Seixas, que constroem a ponte para o estilo que Roger quer tocar, ainda não há espaço reconhecido. Desanimado, ele tem a ideia de tentar a sorte nos Estados Unidos. Muda-se em 1979 para estudar música. Lá as coisas também não acontecem exatamente como o planejado. Era muito difícil, não o curso em si, mas era caro, longe e eu não tinha dinheiro. No exterior, Roger se corresponde com um amigo em São Paulo, Leonardo Galasso, e em pouco tempo combinam de se encontrar na terra do Tio Sam. Leonardo é conhecido como Leôspa, com um acento circunflexo desnecessário se não fosse pela coroa que o representa no autógrafo. Ele ganha o apelido aos 10 anos, no Clube Santa Paula. Foi jogando vôlei que pintou. Nem


sei como pegou. A família não tem nenhuma ligação com música, mas no início da adolescência, Leôspa se descobre na cozinha de casa. − Tinha uma balança com duas bandejas na frente da gaveta de talheres. Eu ficava batucando e batendo nos pratos. Realmente a balança foi quem me influenciou. O primeiro instrumento é comprado por seu pai, Luciano Galasso, numa churrascaria, uma bateria Pinguim. Assim, por volta dos 14 anos, desperta a vontade de ser baterista. Luciano havia se livrado das batucadas na balança, mas, logo em seguida, arrependido, o pai jogou o instrumento no hall do prédio onde moravam e mandou-o tocar em alguma garagem com outros amigos.1 Anos depois, Leôspa faz um cursinho com Régis Rocha Moreira, irmão mais novo de Roger. Aos 18 anos Roger conhece o futuro amigo e parceiro, Leôspa, e passam a sair juntos. Certo dia um baixista amigo de Leôspa convida os dois para participarem de um festival. Roger aceita: tocando flauta junto com ele, que tinha uma banda, mas só de farra. A vida trata de manter Leôspa e Roger próximos, quando cursam arquitetura na mesma faculdade, só que Leôspa chega à graduação e ganha um presente. − Quando me formei em arquitetura, meu pai me deu uma passagem ou para os EUA ou para a Europa, a escolher, e mais uns US$ 1.000. Como na Europa isso não daria para uma semana, optei pelos Estados Unidos, onde o Roger já estava morando. Chegando a São Francisco, Leôspa se hospeda na casa da irmã de Roger e lá fica por 15 dias até arrumar um emprego numa pizzaria, quando se muda. Fui morar com (outro amigo), o Cacá Kamalakian. Como entregadores de pizza e faxineiro, Leôspa fica seis meses nos Estados Unidos, e Roger contabiliza um ano e meio, até que percebe que com o tempo, lá sempre iria ser um estrangeiro. Ele só consegue subemprego e o sonho de ser músico vai por água abaixo. Roger decide voltar ao Brasil no final de 1980. Leôspa vem no começo de 1981. E no final das contas o baterista confessa que nem ele nem eu fizemos curso de música algum.

1 SERAPICOS, Mário. Sexo!! Agora em disco. Crics, ed. 07, abril de 1987, p. 10.

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Mauro Bundinha e Roger Perninha De volta ao Brasil, os dois amigos decidem montar uma banda. Fãs dos Beatles, eles passam a ensaiar suas músicas com um já conhecido amigo, o Cacá. Durante um mês, uma vez por ano, os pais de Leôspa viajam e a casa do baterista fica à disposição para os ensaios. Um dia Roger recebe uma fita de um músico que conheceu nos Estados Unidos. Eles tornaram-se amigos e Mauro Freitas Saldanha gravou uma marchinha de carnaval para tirar sarro de Roger, que conquistou o apelido de Roger Perninha. Segundo Mauro, é porque eu era tão preguiçoso que era como se eu arrastasse a perninha. Em resposta, surge a composição Mauro Bundinha, gravada por brincadeira e enviada para o amigo nos EUA. Assim surge a primeira música do que viria a ser o Ultraje a Rigor. Foi a amostra do espírito sarcástico desse trio. Gravada sem a menor pretensão na casa de Leôspa, com a ajuda de Cacá. Roger relembra: − Eu tocava violão elétrico e ele [Leôspa] uma bateria coberta com um cobertor. O microfone era enfiado no amplificador de guitarra, um negócio muito tosco mesmo. Daí em diante, a diversão contagia Roger e Leôspa e os dois decidem seguir carreira. Mais tarde Roger consegue uma guitarra, como tanto queria: uma modelo Les Paul branca, mas já era turbinada, com peças trocadas, algumas importadas. Presente de sua mãe, seria usada nos shows durante anos. Os ensaios continuam e, com o tempo, eles constroem um repertório de covers da época: Jovem Guarda, Rolling Stones, classic rock, punk, new wave e, principalmente, Beatles. Roger novamente ganha um novo incentivo de Yaracy, que tinha me dado um livro com todas as partituras dos Beatles, então era fácil.

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A versão a baixo inclu i uma seg unda

parte, atu alizada em 1989 Mauro Bun dinha quer ia fazer um Não deu je som ito ele foi s er garçom Em San Fr ancisco seu som não fe mas no na z sucesso moro se d eu bem, eu confesso Deu um tra mbique na quele care e agora ele ca é que com e a Rebec a Jacaré, nã o dá pé Dinheiro é bom Mas ser g arçom Não dá pé

Mauro Bun dinha volto u pro Bras Mandou a il Rebeca pra puta que o Seu casam p a riu ento tamb ém não deu Mas pelo m cer to enos ele fi cou esper Desencan to ou de vez de ser can E trabalha tor com o Ultr aje a Rigo r Jaca, Jaca , Jaca Jaca, Jaca , Jaca Já, Jacaré

o mundo usin para De Wisco

nho em 9 de ju lfus nasce o P m em ia ill e u ster W Paul, q ericano Le ônimo Les d u e s p ma lo , O norte-am cido pe criação u lo de sua fica conhe e e d o 5 1 m 9 e o 1 d e is d o nome e depo d ondado qu a também d rn e rr to a e s n m u ig 2 195 com des es Paul é a maciça Gibson. L ic tr te n lé a e c a ri b rr fa guita m grave nçada pelo os, sofre u tência é la Aos 33 an . a ic braço s certa resis ú e m al de nto de s u condicion o movime r ra ti icos, a amante in ri e ue pod m os méd e carro, q comendara re o m uar o n c acidente d ti der con putá-lo, vez de am ro para po b m m E e . rs, m o it o e is dir rews S te obilizem y, The And de que im b e s p l ro u C a r P g te s s in Le com B ) e Che 15 ua esposa a. E tocou rr (s a it rd u g Fo o d ry tocan m bar em aul & Ma u P n s a e ir L e s -f a la dup segund montou as leceu em ando toda , quando fa tinuou toc s n o o n c a e 4 r 9 te até os & Les . Jazz Club, pneumonia , o Iridium rk o Y ço de uma va n o va N a o d ia c decorrên


Faca voce mesmo

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Do it yourself é o lema que impulsiona uma das vertentes mais explosivas e irônicas da história do rock no mundo. A atitude e o visual pretendem chocar e bater (por vezes, literalmente) de frente contra o sistema, a sociedade e até a família. E enquanto algumas cabeças engajadas pensam em romper com o que lhes parece injusto ou “podre”, outras engrossam o movimento apenas agressivamente contra tudo e todos sem muito comprometimento, além do cabelo espetado, dos piercings, das roupas de couro ou jeans rasgados com aspecto sujo, velho, com alfinetes e do símbolo da anarquia estampado nas camisetas, nos broches e na pele. A ideia simples e rápida do punk, de tocar apenas três acordes, rasga a cena do progressivo em Nova York quando, em 1974, os Ramones teriam surgido com o nome retirado do pseudônimo adotado por Paul McCartney, o Phill Ramone, quando este se hospedava em hotéis. Somente dois anos depois, a banda de punk rock lança o primeiro disco prezando a diversão. Antes disso, na Inglaterra, em 1959 nasce The Confederates, que se tornariam The Detours e, por volta de 1964, finalmente se firmam como The Who, mas não sem antes adotar o nome High Numbers por pouco tempo. Banda Mod, de impecáveis ternos e fúria punk, tocando instrumentos que custam muito trabalho e que são destruídos em cada show como parte da performance. Investem pesado na compra de discos e roupas, dentre outros desejos. Em princípio, apenas o baixista, John Entwistle, tem conhecimento de teoria musical, consegue ler partituras e, desde criança, sabe tocar piano e trompete. Em 1965 sai o primeiro single, I Can’t Explain, seguido por sucessos como a ópera-rock Tommy. Também no velho mundo, nasce em 1976, outra forte referência para o movimento, o Sex Pistols. A banda é empresariada por Malcolm McLaren, sócio da também estilista Vivienne Westwood. Em Londres eles têm uma butique, a Sex, que vestiu o New York Dolls e, posteriormente, o próprio Sex Pistols. Punk de butique, daí uma das primeiras ironias. Em terras tupiniquins, o punk chega construindo redutos isolados no final dos anos 1970. Em São Paulo, principalmente da região do ABC e Vila


Carolina, surgem os adolescentes que compram discos numa das poucas lojas especializadas, a Wob-Bop, localizada no centro, na rua 24 de Maio, 62, embora, devido aos preços salgados, fosse mais comum entre eles o uso de cópias em fitas K-7. Alternativa adotada também na recém-construída Brasília, quando os filhos de políticos e diplomatas voltam de viagens ao exterior trazendo as novidades musicais que aqui demorariam a chegar. E já que é para fazer você mesmo, muitos jovens que nunca tinham sequer tocado em um instrumento descobrem que podem e começam a montar bandas. É o caso da brasiliense Aborto Elétrico − que viria a se dividir em Legião Urbana e Capital Inicial; dos cariocas Coquetel Molotov; dos paulistas Restos de Nada e AI-5; do mineiro Banda do Lixo e tantas outras que vieram quase sempre do subúrbio. Sobretudo, antes deles, em 1966, um prenúncio do punk rock brasileiro bem humorado surge num festival do Colégio Rio Branco na capital paulista, é o Joelho de Porco – nome inspirado no prato degustado pelo guitarrista Fábio Gasparini. Sete anos depois, o Joelho de Porco, que conta com Tico Terpins no violão de doze cordas, Conrado Assis Ruiz no piano e voz, Rodolfo Ayres Braga no contrabaixo, Gerson Tatini na guitarra e Próspero Albanese na bateria e vocal, grava o primeiro compacto, Se você vai de xaxado eu vou de rock and roll, lado A, e Fly América, lado B, produzido por Arnaldo Baptista, que também toca Mini-Moog. Em 1976 sai o primeiro LP, São Paulo 1554/Hoje, que traz a divertida crítica, Andando nas ruas do centro/Cruzando o Viaduto do Chá/Eis que me vejo cercado/Trombadinhas querendo me assaltar, me assaltar/Glória, glória, aleluia, trombadinhas do Brasil, intitulada São Paulo by day. Dois anos mais tarde, o argentino Billy Bond, que poduziu Água do céu-pássaro (1975), de Ney Matogrosso, integra a banda. O Joelho de Porco se dissolve pouco depois. Eles costumam se apresentar vestindo smokings, mas quebrando a seriedade com os rostos pintados com uma “máscara”. Musicalidade simplicíssima e sem suporte empresarial, o punk se torna breve. Paralelamente, a new wave amplia os horizontes. Ainda que conservasse a mesma essência crítica, o som fica mais leve, ganha apelo popular, refrões feitos sob medida atingem as rádios. Visualmente também, ela traz um frescor colorido, como roupas xadrez, quadriculadas, gel nos cabelos e topetes, embora cada banda incorporasse seu próprio look.

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Nova York, 8 de junho de 1975, o CBGB, célebre clube alternativo, traz ao palco Ramones. Antes deles, a banda de abertura seria um dos grandes nomes da new wave, Talking Heads. Três anos depois, com o segundo álbum, More Songs About Building And Food, lançado, a banda consegue reconhecimento da crítica americana e londrina, embora não estivesse no topo das execuções radiofônicas. Neste disco, com a produção de Brian Eno (que trabalhou com David Bowie), o Talking Heads chega mais perto de soar como queria e agrega diversos estilos como punk, country, soul, reggae e funk. Outro expoente do gênero se vale do reggae e do ska para incrementar o punk em 1976, quando o baterista Stewart Copeland conhece Gordon Sumner, um baixista que ficaria conhecido como Sting, numa apresentação num pub em Londres. Em pouco tempo, eles formam o The Police, primeiro com o guitarrista Henry Padovani e, posteriormente, com Andy Summers. Três anos e dois discos depois, a banda insere hits nas paradas americanas e britânicas, mas é o terceiro álbum, Don’t Stand So Close To Me, que os leva ao lugar de número um no Reino Unido, em 1981 com De Do Do Do, De Da Da Da. Numa noite de 1976, o até então baterista e compositor, Keith Strickland, sonha com uma gíria para um penteado gigantesco usado no sul dos Estados Unidos, e daí sai a inspiração para batizar sua banda, o B’52s. Inicialmente, as vocalistas Cindy Wilson e Kate Pierson se apresentam com bufantes arranjos de cabelo, que parecem uma colmeia no topo da cabeça. O B’52s tem influência do rhythm and blues ao punk e o resultado é um som dançante e divertido. Seus dois primeiros singles lançados pela Warner, Rock Lobster e 52 Girls, vendem mais de 500 mil cópias. Em 1979 sai o primeiro LP, com o nome da banda e, no ano seguinte, Wild Planet traz mais hits para a new wave. Na mesma época, uma banda de Ohio aposta no pioneiro recurso de videoclipe e desenvolve em suas letras a teoria de involução. Em inglês, De-Evolution, abreviando, Devo. Eles usam sintetizadores para expressar, na música, sua visão de humanidade retraída pelo consumismo exagerado, levado ao ponto de exaurir os valores sociais e os recursos da natureza. Em 1980, o terceiro álbum, Freedom of Choice, chega a 22ª posição da revista Billboard, e no ano seguinte, leva o clipe robótico Whip It à recém-nascida MTV americana. Enquanto isso, nas casas e bares brasileiros, a disco ainda é fortemente tocada e reforçada pela exibição da novela Dancin’Days, da Rede Globo,


entre 1978/79. No início dos anos 1980, emergem bandas de toda parte, que viriam a formar o primeiro time do rock brasileiro, comumente chamado de Brock. Muitos deles se encaixariam, sobretudo, num subgênero do punk, a new wave, também conhecida como pós-punk, que em dezembro de 1980 começa a ditar as regras com a inauguração da primeira casa em São Paulo, dedicada ao estilo, a Paulicéia Desvairada, do jornalista Nelson Motta e seu primo Ricardo Amaral. No início do ano seguinte, tendo à frente Júlio Barroso, a Gang 90 & Absurdettes apresentam seu primeiro sucesso no Paulicéia Desvairada, Perdidos na Selva. A música chega à final do festival da Rede Globo, MPB-Shell, e a Gang 90 se torna uma das bandas mais tocadas nas rádios, com canções alegres e dançantes executadas por Wander Taffo (guitarrista), Guilherme Arantes (tecladista), Gigante Brasil (baterista), Lee Marcucci (baixista) e Alice Pink Pank, Denise Barroso, Luíza Maria e May East (vocais). Outro importante pontapé inicial da new wave é dado em outubro de 1979. Na rua Teodoro Sampaio, 1091 (Pinheiros), o administrador Valdir Galiano e o idealizador Wilson Souto Júnior encontram um porão. O pequeno cenário é preenchido com um palco e três arquibancadas e funciona como estacionamento durante o dia e espaço alternativo para teatro e música à noite. Em pouco tempo, contando com o espírito cooperativo de fomentadores da arte e do jornalismo, o Teatro Lira Paulistana passa a exibir sessões de filmes, teatro infantil nas manhãs de sábado e domingo, monta apresentações musicais na Praça Benedito Calixto, que servem para bancar um jornal com enfoque cultural na cidade, e ainda abrem uma gravadora. Lá ganha vida a Vanguarda Paulistana, a começar com Itamar Assumpção. De 8 de julho a 23 de agosto de 1981, no palco do Lira Paulistana, acontece o projeto da União Brasileira de Músicos, Virada Paulista, sob a direção do músico Amilson Godoy. No total, 42 bandas se apresentam entre quartas-feiras e domingos. Uma delas é voltada para o lado mais escrachado da música independente, o Língua de Trapo, batizado pelo vocalista Carlos Melo, que usa a antiga expressão para “quem fala muito e não perdoa ninguém”. Mais tarde, a banda viria a descobrir e adotar como prefixo para os shows a gravação feita por Francisco Alves da música Dá nela (Fala, Língua de Trapo, pois da tua boca eu não escapo), uma marcha carnavalesca da década de 1930, composição do mineiro Ary Barroso.

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No Virada Paulista, o Língua de Trapo – que se formou em 1980 pelos estudantes da Faculdade Cásper Líbero Laert Sarrumor, Pituco e Carlos Melo (vocalistas), Guca Domenico (violonista e vocais), Lizoel Costa (violonista e guitarrista) e os músicos convidados Celso Mojola (pianista), Tigueis (baixista) e Fernando Marconi (baterista e percussionista) – toca composições próprias, como Xingu Disco, Burrice Precoce, Tragédia Afrodisíaca e Romance em Angra. Dois anos depois, eles lançam, através do Lira Paulistana, o seu primeiro LP, Língua de Trapo, e ainda apresentam o show Obscenas Brasileiras durante duas semanas no teatro. No final de 1979, surge na capital paulista o radialista Kid Vinil. Toda segunda-feira à noite, ele toca as novidades do punk e da new wave internacional e divulga as bandas nacionais na rádio Excelsior, no programa que leva seu pseudônimo. Já no início dos anos 1980, o punk brasileiro se multiplica e conta com uma penca de bandas: Olho Seco, Lixomania, Cólera, Fogo Cruzado, Punk SP, Ulters, Condutores de Cadáver, Eutanásia, Ratos de Porão, Inocentes e Psykoze. Mas o movimento começa a apresentar fraturas ideológicas com as rixas entre as gangues, comuns na capital paulista, que de um lado tinha os punks “metalúrgicos” da região do ABC e de outro, os punks “não tão proletários assim”, que moram no município de São Paulo. A imprensa aproveita os deslizes violentos, com direito a quebra-quebra com a polícia, como ocorre durante os dois dias do festival realizado no SESC Pompeia, O começo do fim do mundo, para detonar todo o movimento punk, fazendo o que os acusados chamam de sensacionalismo. Ironicamente, a maioria dos punks também não aceita falar com a imprensa, até que Kid Vinil concede uma entrevista à revista Veja explicando o que é o punk. Os mais radicais entendem aquilo como uma traição ao movimento e, em represália, invadem e distribuem pancadas num show do Verminose, banda formada no bairro Bixiga pelo Kid Vinil (ex-guitarrista do AI-5), Trinkão (baterista) e Ted Gaz (guitarrista), que começou tocando covers de Rolling Stones, Raul Seixas e, principalmente, punk. Depois disso, 20

Ted Gaz propõe mudar o estilo da banda para new wave e, consequentemente, o nome, ou ele estaria fora. O Verminose vira Magazine.


Roger e Leôspa apreciam The Clash, The Police, Ramones e The Who. O baterista abre o leque: eu particularmente gosto das bandas inglesas como Deep Purple, Yes, Gentle Giant, Black Sabbath, Pink Floyd, Genesis, King Crimson, Jetro Tull, entre outras. Assistindo a antigos concertos dos Beatles, eles descobrem que os músicos nem eram tão bons assim no começo de carreira. O resultado de estúdio não se equiparava à qualidade do ao vivo, até porque o assédio em cima de John, Paul, Ringo e George abafava o som que eles faziam, com a gritaria dos fãs. Então, eles pensam que, se deu certo com o fenômeno mundial, por que não com eles? Motivados pela inicial falta de perfeccionismo dos grandes ídolos e pelo agora efervescente rock feito na cidade natal, encaram uma oportunidade naquele clima do “faça você mesmo”. Logo surge a primeira apresentação. Outubro de 1981, próximo da comemoração do Halloween, numa terça-feira, e um amigo avisa: − Ó, tão precisando de uma banda que toque Beatles... Leôspa e Roger precisam correr atrás de outros integrantes. Isso porque eles já tocam cover da banda inglesa, mas são apenas os dois. Então, na quarta-feira, chamam um amigo baixista, Edu, e ensaiam. Na quinta-feira, ainda não havia um guitarrista. Na noite seguinte, se divertem em um boteco quando passa um rapaz carregando uma guitarra. Leôspa vai atrás e pergunta: − Ô, você gosta de Beatles? Pronto! O cargo de guitarrista é preenchido por Fábio, que adora uma fita cassete com treze músicas da dupla. Com a primeira formação provisória, Roger recorda: Ensaiamos no sábado de manhã e tocamos à noite. O pessoal gostou, daí nos animamos a continuar... A seguir, eles tentam tocar no bar Deixa Falar, na avenida Santo Amaro. Chegando lá, a dona pergunta o nome da banda. Como ainda não tinham escolhido, Leôspa olha em volta e avista um pimenteiro. Lasca sem pensar: Pimenta-do-Reino. Até o dia do show, o próprio Leôspa nomeia novamente a banda de The Littles. Essa mesma formação ainda faz mais dois ou três shows, com algumas mudanças de nome, que Roger hesitaria para confessar, como O Fim da Picada e The Shitles.

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Os primeiros shows continuam com ar de diversão. Eles tentam tocar as canções mais simples e fáceis, pois ainda são inexperientes com os instrumentos, mas acreditam que se ensaiassem exaustivamente, esse probleminha passaria despercebido do público. É a presença de palco que mais conta e ganham nisso. Depois ficam novamente o vocalista e guitarrista base e o baterista. Eles decidem construir um repertório maior, ensaiam cerca de 80 músicas dos Beatles em uma garagem alugada e colocam um anúncio no jornal Primeiramão, procurando um baixista. Aparece Silvio Jansen, o novo integrante. Em seguida, um amigo da dupla, Victor Leite, apresenta e indica o guitarrista Edgard José Scandurra Pereira, com quem toca bateria nos primeiros shows da banda Ira. O quarteto amante dos Beatles está formado. Como na banda inglesa, a intenção é que os quatro músicos sejam igualmente importantes perante o público.

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Desde criança, Edgard Scandurra demonstra vocação para a música. Em casa, seu irmão, Marco, toca guitarra e ensaia com sua banda. Em 1967, aos cinco anos, Edgard Scandurra fila almoço e jantar todos os dias no restaurante de seus pais. É no estabelecimento que funciona embaixo de sua residência que Edgard Scandurra ganha seu primeiro instrumento. Uma cliente ouve falar que o menino sabe tocar violão. Um dia, desafia: – Se você tocar alguma coisa nesse violão, ele é seu... Edgard Scandurra toca uma música da Jovem Guarda e ganha o presente. Logo ele começa a ouvir Beatles, Rolling Stones e The Troggs. Depois Hendrix, Led e eu nunca mais parei. Em 1982, ao integrar o Ultraje, ele costuma usar roupas pretas, o visual punk. Depois, fascinado pelos ingleses do The Who, adotaria o movimento mod (modernists). O novo guitarrista se divide entre diversas bandas punks: o Ira, que nasceu um ano antes, com Charles Gavin (baterista), Dino (baixista) e Nasi (vocalista) − que conheceu desde a sua primeira banda, o Subúrbio, formada em 1977, na qual Nasi tocou durante uma única apresentação no bar A Ponto, na Avenida Ibirapuera −; o Cabine C, que também conta com Charles Gavin, Gaspa (baixista) e Wania Forghieri (tecladista); as Mercenárias (nesta, toca bateria), com Rosália Munhoz (vocalista), Ana Machado (guitarrista) e Sandra Coutinho (baixista); e estava começando


a tocar com outra banda underground chamada Smack, também com Sandra Coutinho, Pamps (guitarrista e vocalista) e Thomas Pappon (baterista). Durante seis meses, de segunda-feira a sábado, das 19h às 22h, Leôspa garante que ensaiam na garagem de sua amiga, Valéria. Logo eles conseguem colocação em alguns barzinhos. Em primeiro de maio de 1982, alguém os avisa que haverá uma festa de aniversário em pleno feriado, numa travessa da Marginal, um pouquinho depois da Cidade Jardim, que ficaria na memória de Roger. Na época, eles ainda não eram pagos pelos shows. Às vezes passávamos o chapéu, mas mesmo assim, não ganhávamos nada. A essa altura ainda não entraram em consenso sobre o nome definitivo da banda. Roger cogita “Ultraje”, mas acha o nome muito curto e punk demais para o som que fazem, no entanto, comenta com Leôspa e consulta Edgard. − Ô, o que você acha de Ultraje? Todos os integrantes da banda ainda estão na festa e discutem a possibilidade. Edgard conta que a verdadeira história não se trata de uma confusão, mas sim de um trocadilho. Alguém sugeriu o nome “Traje a rigor” e eu, muito espirituoso brinquei: − O quê, Ultraje a Rigor? Imediatamente, todos sacaram que aquele era o nome, recorda o guitarrista solo. Coincidência ou não, até a forma como surge o Ultraje a Rigor tem a ver com as intenções da banda e o jeito como envolve o público. O nome acontece assim, meio sem querer, e ao mesmo tempo, como a definição perfeita. É exatamente o que precisam: um nome que expressa a forma escrachada que tocam as músicas de seus ídolos. Suas versões covers não têm a intenção de ser cópias fiéis, mas algo para ultrajar e ser divertido. Eles costumam dizer que vão destruir tal música, ao anunciarem os covers. O que eles não imaginam, é o número de vezes que teriam de responder por que Ultraje a Rigor? 23


Foto Rosely Tranjan/www.roselytranjan.blogspot.com

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Leôspa, Roger, Edgard Scandurra e Maurício. O Leôspa estudou com meu irmão no Ensino Fundamental e era uma turma de amigos, conta a fotógrafa Rosely Tranjan, que, em algum dia de 1982, saiu com os ultrajes para fazer fotos para divulgação da banda. Nós íamos aos shows, dançávamos e fazíamos um auê, aplaudíamos e entusiasmávamos as pessoas.

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Foto Rosely Tranjan/www.roselytranjan.blogspot.com


Nos muros pinta-se: Vem ai,í Ultraje a Rigor Com o nome definido, é hora de criar a marca. Régis e Roger pegam um papel cartão grande. A ideia parte dos dois irmãos, mas é o artista gráfico Régis quem acaba desenhando. O “Ultraje” é pincelado com uma brocha em vermelho e o “a Rigor” vem escrito com mais capricho num estilo de caligrafia. Está feita a máscara ou molde que serve para se reproduzir em outros cartazes. A banda começa a pichar os muros com esse molde para se promover. Dá certo porque eles fazem isso nas paredes ao lado das casas de show onde pretendem tocar e em alguns pontos estratégicos, como paredões de ruas sem saída. Quando chegam para vender uma apresentação, o contratante diz que já ouviu falar da banda em algum lugar. − Ah, acho que eu vi esse nome na Veja − diz o possível contratante. E Roger, é claro, concorda. E ainda brinca com o esquema de marketing da banda. − O logotipo Ultraje a Rigor ficou famoso antes da gente.2 A brincadeira tem um fundo de verdade. Antes mesmo de qualquer registro em áudio, o produtor e caça-talentos da Warner (WEA), Pena Schmidt, o Peninha, já ouve falar da banda. − Havia um grafite deles espalhado pela cidade, aqui pela Paulista e Pinheiros, eu já achava bacana como forma de se promover – o grafitti não havia sido popularizado, era uma coisa rara e bem fácil de notar. O nome era instigante, uma contradição, em termos, original. O Ultraje a Rigor começa a desenhar sua história nos muros de São Paulo e em algumas ruas como a Conselheiro Ramalho, a 13 de Maio, a Oscar Freire e a Solon, onde estão o Madame Satã, o Centro Cultural Carbono 14, o Rose Bom Bom e o Radar Tantã, respectivamente. São algumas das casas de show que abrem espaço para o rock do Ultraje e de outras bandas paulistas,

2 Programa Discoteca MTV, exibido em 4 de maio de 2007.

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entre elas: o Ira, com forte influência de The Who; os Titãs do Iê-Iê, formado pelos estudantes do Colégio Equipe Sérgio Britto (tecladista, baixista e vocalista), Paulo Miklos e Nando Reis (baixistas e vocalistas), Marcelo Fromer (guitarrista), Ciro Pessoa, Arnaldo Antunes e Branco Mello (vocalistas), mais Tony Bellotto (guitarrista) e André Jung (baterista). Uma banda com nove músicos e sem nenhum líder, que se preocupa mais em criar uma estética que chame a atenção, não se importando em serem tachados de bregas. Há também o Agentss, que é Kodiak Bachine no vocal, sintetizadores e teclados; Eduardo Amarante e Miguel Barella nas guitarras, Lyses Pupo no baixo e Elias Glik na bateria. Eles trazem elementos eletrônicos para a new wave brasileira, inclusive uma referência a Ralf Hütter, fundador da banda alemã precursora da música eletrônica, Kraftwerk. Na faixa Agentes, do primeiro compacto, há uma conversa em alemão por telefone entre uma garota e Ralf. O Azul 29, formado pelos amigos Thomas Bielefeld (vocalista e tecladista) e o ex-Agentss, Eduardo Amarante (guitarrista), tem as bandas gringas progressivas dos anos 70 como maior influência, mas logo também adere aos teclados e sintetizadores, misturando a música eletrônica. Fazem parte da banda Malcolm Oakley (baterista) e Thomas “Miko” Susemihl (baixista, ex-Agentss). E o Voluntários da Pátria, também com Miguel Barella, Giuseppe Frippi (guitarrista), Ricardo Gaspa (baixista), Nasi (vocalista) e Thomas Pappon (baterista) tem início em 1982 e em dois anos lança seu único LP (Voluntários da Pátria) pelo primeiro selo independente do país, Baratos Afins Records, produzido por Luiz Calanca, que também produziria Fellini, As Mercenárias e Smack. Calanca é dono da loja de discos Baratos&Afins, que se estabelece no centro da cidade, na Galeria do Rock, ponto de encontro de quem gosta do estilo musical. São Paulo não está sozinho na construção do rock brasileiro. No Rio de Janeiro emergem as primeiras bandas, como o Herva Doce, que emplaca, em 1982, Erva Venenosa, uma versão de Poison Ivy, dos Rolling Stones. Em março do mesmo ano, o time carioca ganha uma força com a estreia da Maldita, como fica conhecida a rádio Fluminense FM. É a sua programação pioneira de lados B de rocks internacionais, além do Espaço Aberto, dedicado às bandas iniciantes que deixam inúmeras fitas demo na rádio que revela a Blitz. Comandada por Evandro Mesquita (vindo do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone), que empresta sua encenação à música, tornando-a pop e dialogada em junho,


quando lança Você Não Soube Me Amar. O compacto chegaria a marca de 870 mil cópias vendidas. Também completam a Blitz o baterista Lobão (ex-Vímana), o tecladista William “Billy” Forghieri (ex-Gang 90 &Absurdettes), o baixista Antônio Pedro (ex-Mutantes) e as cantoras Márcia Bulcão e Fernanda Abreu. O sucesso acontece rápido, em três meses sai o primeiro LP, As Aventuras da Blitz (EMI-Odeon). Incomodado com a direção estética que a gravadora impõe à banda, o baterista Lobão abandona o barco e aproveita sua foto com a Blitz, que estampara a capa da revista Isto É para assinar contrato com a gravadora RCA e seguir em carreira solo com o LP Cena de Cinema. Para assistir ao que toca na Maldita, é preciso esperar os sábados chegarem e daí desfrutar da criação de Maria Juçá: o projeto Rock Voador, que acontece embaixo de uma lona erguida na Praia do Arpoador desde 15 de janeiro de 1982, com o nome de Circo Voador. Em pouco tempo, o Circo Voador se muda para a Lapa e em novembro do mesmo ano, o Kid Abelha e os Abóboras Selvagens estreiam no Rock Voador com Paula Toller (vocalista), Beni (baterista), Beto Martins (guitarrista), George Israel (flautista e saxofonista) e Leoni (baixista), que também canta no João Penca e seus Miquinhos Amestrados, banda edificada no rockabilly, nos topetes dos anos 1950 e na surf music, com os vocalistas Bob Galo, Avellar Love e Selvagem Big; o tecladista Cláudio Killer; o baixista Maurício Del Rosa; os guitarristas Guilherme Hully Gully e Leandro Verdeal e o baterista Mimi Erótico. Eles surgem como banda de acompanhamento de Eduardo Dusek e gravam Cantando no Banheiro. Bandas de rock dosadamente mais agressivas também tocam no Rock Voador. É o caso do Sangue da Cidade, formado em 1975 pelo guitarrista e vocalista Dicastro, o baixista Ronaldo Jones e o baterista Negão Vico. Eles começam se apresentando no Colégio Americano, em Botafogo. No final de 1982 aparecem na programação da Maldita com Hora do Rush e ganham passaporte nacional no ano seguinte, com o lançamento da música Dá Mais Um com levada mais pop. Com as caixas de som emprestadas pelo Sangue da Cidade, o Barão Vermelho faz shows com Guto Goffi na bateria, Dé Palmeira no baixo, Maurício Barros nos teclados, Roberto Frejat na guitarra e Cazuza nos vocais. Rapidamente lança o primeiro LP, auto-intitulado, pela Som Livre, fundada pelo pai de Cazuza, João Araújo. Mas o primeiro apostador da banda vem do departamento artístico da gravadora, o amigo e jornalista Ezequiel Neves.

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Com forte influência de reggae e ska, o rock dos Paralamas do Sucesso também é despontado ao tocar a demo Vital e Sua Moto na rádio Fluminense FM. O trio, Herbert Vianna (vocalista e guitarrista), Bi Ribeiro (baixista) e João Barone (baterista) dá uma força para outras bandas entrarem no circuito de shows do eixo Rio-São Paulo, como as brasilienses: Plebe Rude (com o baixista André X, o guitarrista Philippe Seabra, o baterista Gutje Woorthmann e o vocalista Jander “Ameba” Bilapha, formada em 1981, quando ainda contava com as backing vocals, Ana e Marta), Capital Inicial (que nasce um ano depois, com o guitarrista Loro Jones, o baterista Fê Lemos, o baixista Flávio Lemos e a vocalista Heloísa, que em maio de 1983 deixa o cargo para Dinho Ouro Preto) e a Legião Urbana (do baterista Marcelo Bonfá, do vocalista Renato Russo, do baixista Renato Negrete e de um amigo de infância de Bi Ribeiro – quando brincavam nas ruas de Montevidéu, Uruguai –, o guitarrista Dado Villa-Lobos). As primeiras bandas punks de Brasília constroem turmas que vão se transmutando. Gutje e Loro tocaram na Blitz 64, André e Bonfá no Metralhaz, Dado, Bonfá, Loro e Dinho no dado e o reino animal (tudo em letra minúscula mesmo). Essa troca de músicos é comum nesse início de carreira, também nas bandas de São Paulo e do Rio de Janeiro, mais do que isso, é importante para unir a classe e torná-la reconhecida como a primeira geração do rock brasileiro. Subindo um pouco, o rock também chega à Bahia com representantes como o Camisa de Vênus, que surge em 1982 apenas com uma versão de Total Control, do The Clash, em uma demo. No mesmo ano, sob influência do rock inglês dos anos 70, blues e rockabilly, lança o primeiro compacto Controle Total/Meu Primo Zé, com o vocalista Marcelo Nova, os guitarristas Karl Hummel e Gustavo Mullem, o contrabaixista Robério Santana e o baterista Aldo “Boi Tatá” Machado.

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Roger, Leôspa e Edgard, em 1982.

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Arquivo pessoal de Leôspa


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