A lenda de Miosotis - baseado em fatos reais

A Lenda da Mios贸tis Baseado em fatos reais

A Lenda da Mios贸tis Baseado em fatos reais

S茫o Paulo 2011

Francisco Dicampos

Copyright © 2011 by Editora Baraúna SE Ltda Capa e Projeto Gráfico Aline Benitez Revisão Pedro Chimachi

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ ________________________________________________________________

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Dicampos, Francisco A lenda de miosótis : romance / Francisco Dicampos. - São Paulo : Baraúna, 2011.

ISBN 978-85-7923-300-5 1. Ficção brasileira. I. Título.

11-0852.

CDD: 869.93 CDU: 821.134.3(81)-3

14.02.11 14.02.11

024529

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A Saga...

A Nação Krenak está situada em sua reserva às margens do Rio Doce, entre os municípios de Conselheiro Pena e Resplendor, no Estado de Minas Gerais, divisa com o Espírito Santo.

Desde os remotos anos cinquenta, época da Ditadura Militar instituída pelo então Presidente da República Getúlio Vargas, que nossos irmãos, os Índio Krenak, verdadeiros donos das terras onde está localizada a aldeia, são massacrados pela ganância e crueldade dos poderosos.

Antes dos anos cinquenta, existiam aproximadamente mais de dois mil índios. Daquela época para cá, e com a revolução de 1964, quando também foram execrados pelo poder da Nova Ditadura implantada pelo Regime Militar, muitos foram sumariamente assassinados.

Outros, com medo de terem o mesmo destino, fugiram para diversas regiões do país. Hoje, são pouco mais de 270 índios e apesar de todos os sofrimentos, ao longo de décadas, continuam na luta pela sobrevivência, buscando manter seus costumes e suas tradições.

Nesta obra, o Autor, depois de pesquisar praticamente tudo sobre a nação Krenak, descendentes da mistura dos índios Tupi-Guarani e Botocudos, com a história, tenta minimizar um pouco a verdadeira tragédia

desse povo tão sofrido. Pode-se dizer que oitenta por cento da história, no tocante à ganância dos poderosos, os assassinatos a sangue frio e a invasão das terras da aldeia, são a mais pura verdade. Por se tratar de um romance, o que é estória, evidentemente é a criatividade de seu autor.

Qualquer semelhança com algum homem público ou cidadão comum daquela época é fato e não coincidência.

O Autor...

Agradecimentos...

Agradeço, de todo o coração e fé, ao nosso Deus todo poderoso por ter me concedido vida e saúde e ter me dotado de sabedoria e talento para criar, escrever e concluir esta que é minha primeira obra literária de muitas que virão. Tudo começou em 1996 na porta da casa da minha saudosa mãezinha Alexina Ferreira Campos. Em seu momento de nostalgia, ainda chocada depois de tantos anos, começou a relatar a Saga da Nação Krenak. Enfática, contava com tristeza as perseguições sofridas pela tribo através do regime ditatorial político e a ganância e crueldade de alguns fazendeiros inescrupulosos. A ela que está junto de Deus, meus mais sinceros agradecimentos.

Muita saudade! A meu pai Geraldino Campos que partiu quando eu ainda era um adolescente, in memoriam.

Em especial, agradeço também a minha amada esposa Lourdes Campos e aos meus queridos filhos: Priscila e Linvyngston Campos. Não poderia jamais esquecer de agradecer também a todas as pessoas que de alguma forma me apoiaram e incentivaram. Espero ter correspondido a expectativa de todos. Muitíssimo obrigado.

A Lenda da Miosótis

Maio de mil novecentos e setenta e dois. Em pleno outono, o céu encoberto de nuvens negras, prenuncia um dia turbulento e chuvoso. Mesmo assim, a aldeia Krenak revive um dia de ansiedade e expectativas e o espírito coletivo é de pura alegria. Despreocupados com o iminente dilúvio que se anuncia o cacique Takruko e sua filha Vanuire, em uma planície, caminham lentamente de mãos dadas sobre a relva repleta de flores do campo. Feliz, o velho guerreiro comenta: — Desde que você foi estudar na escola do homem branco, eu nunca mais coloquei meus pés aqui, minha filha!... Como a natureza é sábia e generosa. Apesar de ser sempre alvo de pessoas dispostas a destruí-la, nos brinda com o que há de mais lindo e singelo.

— Eu sonhava com esta planície, meu pai... Que flores lindas! — Afirma ela.

Takruko abaixa-se, colhe algumas daquelas flores levando-as ao nariz, exibindo-as em seguida para sua filha, extasiada.

— São Miosótis, filha! — Informa o pai.

— A meiguice é de aguçar os sentidos. — Responde ela.

— São conhecidas pelas pessoas mais sensíveis como flores da virgem, uma homenagem à mãe do Filho do Criador. — Acrescenta o cacique.

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— É mesmo pai? Vamos levar bastante para enfeitarmos nossa kieme. Vai dar um toque muito especial na nossa festa.

Durante o trajeto de volta para a aldeia, Takruko e Vanuire, caminham como duas crianças sobre o campo verdejante, saltitando de felicidade. Enquanto caminham, vão colhendo as flores que a natureza lhes oferecia.

Com os cestos repletos, chegam à trilha de volta à aldeia.

— Dentre todas as flores que colhemos a Miosótis é realmente a mais bela! Enfatiza Takruko.

Vanuire leva a mão dentro do cesto e apanha um ramo com um buquê de flores. Sem dizer nada, contempla-as completamente embevecida. Em seguida leva ao nariz e aspira ao aroma daquela fina flor...

— Por que será que a conhecem como Flor da Virgem? — Indaga Vanuire.

— Porque sintetiza uma história comovente e incrível, principalmente para mim. — Finaliza o cacique.

Em silêncio caminham lado a lado a passos largos.

Ouve-se apenas o assobiar da brisa que corta a campina, o menear dos galhos das árvores e a sinfonia do gorjear dos pássaros. Minutos depois chegam às margens do riacho que banha a aldeia. Takruko e Vanuire ficam contemplando aquele lago profundo. Compassadamente ouvem-se os sussurros vindos das quedas da cachoeira, que dá origem ao seu nome. O cacique pega a filha pela mão direita e se preparam para atravessar juntos à pinguela que irá levá-los para o outro lado. No meio da travessia, param e ele inicia a lenda daquela flor que tanto o intrigava...

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— Essa lenda, minha filha, é repassada de geração em geração: Há quase dois mil anos, Maria, a Mãe do Filho do Criador, saiu à Sua procura. Ansiosa e preocupada olhou em todos os lugares possíveis de encontrá-lo, sem conseguir nenhum sucesso. Então, como que guiada pelo instinto materno, enveredou-se pelos campos verdejantes, onde havia milhares de flores, inacreditavelmente alvas, tão brancas como a neve. Cansada, Maria avistou uma pedra e ali se sentou para descansar. Desesperada, começou a chorar. As lágrimas caiam abundantemente de sua face, sobre a relva. Sob seus pés descalços, centenas de miosótis brancas, iam se tornando azuis, da cor dos olhos dela. Admirada, ela observava aquele fenômeno que ia se repetindo. Um belo sorriso iluminou os olhos da Virgem. Ela levantou-se e avistou ao longe seu filho Jesus, o pequenino, que corria de braços abertos em sua direção.

— Então pai, foi assim que nasceu a Miosótis? Só não entendi ainda por que uma história tão antiga, ainda consegue emocioná-lo tanto?! — Indaga Vanuire.

— Além de emocionante e inacreditável, tornou-se também intrigante! — Admite Takruko.

— Intrigante? Por que pai? — Pergunta a filha.

— É outra história... No momento oportuno contarei tudo a você, com o maior prazer. Agora, vamos andando porque temos muito que fazer lá na aldeia. — Pondera o cacique.

O tempo fecha e tudo fica como se fosse um anoitecer. Relâmpagos e trovões se repetem sucessivamente. Takruko e sua filha Vanuire apertam as passadas, chegando ofegantes a kieme, a casa de dança. Alguém 11

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corre para ajudá-lo a descarregar os cestos repletos de flores silvestres. Só então percebem que a kieme está literalmente tomada pela tribo, que os aguardavam impacientes. Os guerreiros, trajando short vermelho, os rostos pintados também de vermelho, com tinta de urucum, alguns colares no pescoço, confeccionados com dentes de animais e sementes silvestres e um cocar na cabeça; as mulheres guerreiras vestem a Kiakain, uma tanga confeccionada com palha seca de taboa ou de piteira. Os rostos pintados com tintas extraídas do jenipapo e do urucum, plantas sempre presentes nos rituais dos índios Krenak. No rosto, uma pintura muito parecida com a cara de onça pintada. Crianças e velhos seguem o mesmo padrão de indumentária, obedecendo-se apenas o sexo de cada um. A kieme é uma construção redonda, edificada em madeira roliça descascada, sem paredes e coberta de sapê, local onde cantam e dançam, em dias festivos.

O tempo passa e a casa de dança fica pronta para os festejos. Formam-se então um grande círculo. Sob a liderança do Cacique Takruko, ao som de chocalhos, gaitas e do Kidró, em um ritual meio místico, eles dançam e entoam cânticos agradecendo ao Criador pela terra que os acolhe e os alimentos que a natureza lhes proporciona.

Enfim, agradecem pela farta colheita! Takruko, chamado por seus guerreiros de Tepó, está radiante. Levanta o braço pedindo atenção e em seguida anuncia: — Esta é a minha filha Vanuire... Ainda criança foi estudar na escola do homem branco em um colégio interno comandado pelo nosso amigo, o Padre Efraim.

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Tornou-se normalista e agora, poderá ensinar não só o nosso idioma, como também a língua dos brancos. Hoje ela faz 21 anos de idade e como eu não tenho nenhum herdeiro do sexo masculino, será treinada e preparada para assumir o meu lugar, quando o Criador me chamar pra fazer a grande viagem.

O líder do conselho de anciãos pede a palavra e Takruko balança a cabeça concedendo-lhe...

— Em nome do conselho de anciãos, gostaria de salientar que, em nossa tradição milenar, jamais tivemos uma mulher comandando os destinos de nossa tribo. — Afirma o Líder.

— O nosso querido líder do conselho tem toda razão. No entanto, já havia justificado anteriormente: eu não tenho nenhum herdeiro homem para me suceder.

Por esta razão estou colocando o nome da índia Vanuire em pauta para que o conselho dê o seu parecer. — Pondera o cacique.

Com uma voz quase sussurrando, o pajé, membro mais antigo do conselho de anciãos se manifesta: — Eu quero lembrar a todos que o saudoso Pajé que me antecedeu, em seu leito de morte, deixou no ar uma profecia: “Emergirá do elemento que nos dá a vida, um guerreiro iluminado que guiará os destinos da Nação Krenak, virando uma página negra de sua história”. — Enfatiza o pajé.

— Além de nossas tradições, os nossos costumes também clamam pela necessidade de acreditarmos em mais esta profecia, afinal, nosso saudoso irmão jamais falhou em suas previsões. — Afirma o líder.

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— A história nos ensina que é sábio tomar uma decisão desse porte, democraticamente... Então, ficamos assim decididos. Vamos continuar nossas festividades e que o Grande Espírito nos ajude a decidir os nossos caminhos. — Enfatiza Takruko.

Naquele momento uma chuva torrencial cai de repente. De joelhos, sentado sobre os calcanhares, com as mãos espalmadas sobre as coxas e de frente para o altar da lamentação, Takruko fecha os olhos, coloca um cocar multicolorido e concentra-se passivamente. Relâmpagos e trovões se sucedem repetidas vezes. De repente, uma bola de luz candente, aproximadamente um metro de diâmetro, surge do meio da floresta, clareando toda a aldeia e emitindo um zumbido estridente. Com exceção de Takruko e Vanuire, todos correm para fora da casa de dança. A bola faz algumas evoluções no ar, voando no sentido contrário de onde surgiu, desaparecendo na floresta espessa. Vanuire se aproxima do pai e percebe que, as feições de Takruko que antes eram alegres tornam-se tristes.

— Noto que o senhor está com o semblante diferente... Essa sua mudança, tem a ver com o facho de luz meu pai? — Indaga a filha.

— Não precisa ser nenhum Xamã para entender que quando a mãe do ouro aparece em nossa aldeia emitindo aquele som de lamento, é sinal que algo vai acontecer. — Informa Takruko.

— Não se preocupe Cacique. Vai acabar tudo bem!

— Ameniza Vanuire.

— Que o Criador te ouça, filha! — Conforma-se Takruko.

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Enquanto as festividades na kieme prosseguem, uma chuva torrencial toma conta de toda região. Na estrada de acesso, uma equipe de doze cavaleiros cavalga em direção à aldeia. Eles sacam suas armas e a galope, adentram atirando para o alto. Relâmpagos, trovões e o ruído da tempestade abafam os estampidos das armas e ninguém da casa de dança percebe a entrada ameaçadora daqueles forasteiros. Em cada fileira, seis homens. No comando: Cel. Juvêncio em uma fila e o seu capanga Garibalde, em outra. Na kieme, as comemorações estão iniciando, enquanto os bandoleiros aproximam-se fazendo o maior alarido. Chegam em frente, desmontam e amarram suas montarias em um travessão de madeira roliça, entrando abruptamente. Gritos, choros e correria por todos os lados. Os bandoleiros agarram as mulheres guerreiras, falando palavras de baixo calão, acompanhadas por gestos obscenos. Alguns guerreiros tentam ajudá-las e são sumariamente rechaçados com truculência, ameaçados com revólveres e rifles. Takruko continua ali, olhando para os lados procurando pela filha. Suspira de alívio quando percebe que ela já havia se retirado, logo que percebeu a invasão. Cel. Juvêncio se aproxima de Takruko e o imobiliza pelos longos cabelos.

— Desta vez não tem perdão, Velho. Se você não disser onde está escondido o tesouro dos Krenak, vou meter bala em um por um, até alguém abrir o bico. — Ameaça o lacaio.

De repente a bola de luz candente surge novamente do meio das árvores, iluminando toda a aldeia. Naquele exato momento Vanuire está se aproximando da entra15