Caçadora de tempestades

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Eu estava fora do quarto da minha mãe quando ouvi a voz abafada do Profeta. Não conseguia entender bem o que ele dizia, mas, depois de um mês com minha mãe assistindo àqueles sermões dele na TV de um jeito quase obsessivo, dava para adivinhar qual era o assunto. O fim do mundo está próximo. Aqueles que entregarem as almas ao Profeta serão salvos. Os que não o fizerem sofrerão e morrerão — e então sofrerão mais um pouquinho. Tá, tá, tá. Ouvimos da primeira vez. — Mãe. Bati à porta antes de virar a maçaneta. Eram sete horas, e, lá fora, o sol cumpria sua função, mas o quarto da minha mãe parecia uma caverna. Ela estava sentada à janela vestindo o roupão surrado que não tirava há dias e olhando pelas frestas da persiana. Seus olhos se moviam de um lado para outro, divididos entre a janela e a TV, que exibia A Hora da Luz, a transmissão matinal de Rance Ridley Profeta. Ele apresentava três programas por dia: de manhã, ao meio-dia e à noite. Desde que trouxemos minha mãe de volta do hospital, ela estava obcecada com o Profeta. O único modo de perder a transmissão seria se a eletricidade ou a TV a cabo nos deixassem na mão. Eu quase torcia para esses apagões acontecerem. — Irmãos e irmãs — entoava o Profeta —, em breve Deus fará Seu julgamento final. Agora é a hora de decidir de que lado ficarão: do lado do paraíso? Ou do lado da terra e dos prazeres perversos e mundanos? Serão erguidos, arrebatados para o paraíso? Ou serão abatidos pela terrível vingança divina? A voz do Profeta abafou minha entrada no quarto. Às vezes eu ficava me perguntando se a audição da minha mãe piorara por causa do terre-


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