Caçadora de tempestades

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ele parecia úmido de tão ensebado. As cicatrizes em seu rosto se destacavam como linhas brilhantes cor de salmão naquela pele que não via o sol há semanas. Eu precisava me esforçar para não me encolher sempre que olhava para ela. Pelo menos meu rosto fora poupado das cicatrizes de raios que cobriam o restante do meu corpo. O rosto da minha mãe, por outro lado... Ela precisaria de uma cirurgia plástica para remover as cicatrizes se não quisesse ser lembrada do terremoto sempre que olhasse no espelho. — Já começamos a testemunhar a ira divina — continuou o Profeta. — Ele sussurrou para mim, contando que atingiria Los Angeles poucos minutos antes de Seu punho descer. O fim de todas as coisas está próximo, irmãos e irmãs, e vai começar bem aqui, em Los Angeles. Porque esta não é a cidade dos anjos, é uma cidade em que demônios governam, lá das mansões nas colinas e dos enormes estúdios, espalhando a corrupção como uma praga pelas telas de televisão, pelos cinemas e pela internet. Será mesmo uma surpresa, em uma cidade tão imoral, que nossos jovens, aqueles que se intitulam “nômades”, dancem e bebam, saltitando por cima dos túmulos dos mortos no deserto? Abaixei o volume, desviando o olhar das órbitas leitosas dos olhos do Profeta. Seus cabelos, brancos como a neve, caíam como uma avalanche sobre os ombros, espessos e brancos como os pelos de um urso polar, embora ele não devesse ter mais que 35 anos, a julgar pelo rosto bronzeado e liso como manteiga de amendoim. O sorriso era branco como alvejante, em formato de lua crescente. Mas, quando eu olhava para ele, a característica que mais me chamava a atenção eram os olhos, vazios e opacos, cobertos por um filme de catarata. — Mãe, Parker e eu precisamos ir — falei. — O quê? — respondeu ela, por fim. — Aonde... Aonde vocês vão? A voz dela era arrastada, carregando o peso dos antipsicóticos e remédios contra a ansiedade que eu obtivera por meios nada legais. Mesmo que conseguisse uma consulta para que um dos médicos superocupados da cidade examinasse minha mãe, eles apenas dariam receitas que eu não poderia comprar. As farmácias tinham sido saqueadas nos primeiros dias após o terremoto. Suprimentos como comida, água e remédios chegavam à cidade em carregamentos aéreos, mas, com a maioria das estradas fechada e os caminhões que conseguiam passar sendo saqueados, não havia o suficiente. Quando o terremoto aconteceu, 19 milhões de pessoas moravam na grande área metropolitana. A população diminuíra desde então. Aqueles que puderam abandonaram a cidade como se abandona um navio a pique. Mas ainda havia gente demais para alimentar e medicar. Mesmo contando com os jatinhos particulares que as celebridades emprestavam 19


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