Ligação

Page 1

Edilberto Campos

Charlie estava com o livro de botânica em mãos, esperando a entrada do próximo professor. Essa já era a última aula antes do intervalo e ela procurou se distrair, lendo algumas páginas da antiga enciclopédia de plantas que encontrara no sótão. Ao lado dela, Chloe desenhava alguns cisnes na contracapa de seu caderno. Com o polegar direito, ela sombreva a figura, esfregando o dedo na superfície do papel, dando profundidade às asas dos animais. Um grupo de meninas se aproximou entre a fileira de Charlie e Chloe. Uma garota ruiva que estava na frente, vestia um uniforme de líder de torcida, igualmente ás outras. Além dela, mais três seguiam-na. – O que é isso na sua camisa, gambá? Acabou o papel higiênico? – Disse a ruiva em um tom sarcástico. Chloe fechou o caderno o qual estava desenhando. – Carly, você poderia, por favor, latir mais alto? Não consigo te escutar daqui. – Você anda fumando demais. Está ficando agressiva – disse uma das meninas do grupo. – Saiam daqui, agora! Ou vocês verão o que é ser agressiva – protestou Chloe. – Não quero ser retirada por alguém suja e vestindo esse trapo ridículo e velho – Disse Carly rindo junto com as outras. – Ah, então você gostou disso? Porque não fica para você, sua retardada – falou Chloe enquanto retirava o casaco. Ela amassou a vestimenta e jogou na rosto de Carly, que se contorceu com nojo. A jaqueta caiu no chão. – Chloe, o que você está... – Charlie foi interrompida. – Ei, vocês, retirem-se da minha aula, agora! – Disse um homem que acabara de entrar na sala.


Edilberto Campos – Mas... – Carly tentou explicar. – Mas nada, saiam as cinco, agora! – Ele caminhou até o quadro e colocou sua pasta sobre a mesa. Charlie observava Carly e Chloe saírem pela porta, acompanhadas às outras meninas. O homem virou de costas e fez algumas anotações no quadro. – Meu nome é Heric, sou o professor de biologia. Depois de alguns minutos, ele ficou de frente e explicou algumas coisas que não gostaria que acontecesse na sala de aula, citou diversos itens, mas Charlie não prestava atenção, pois estava pensativa, observando cada gesto do professor. Ela reparou que ele possuía uma marca de mordida no braço, em estado de recuperação. E uma cicatriz no olho esquerdo. – Então é isso... – Continuou – Espero que tenhamos um ano letivo bastante produtivo. Qualquer dúvida sobre a matéria, não hesitem em me perguntar. Estou aqui para responder toda e qualquer pergunta relacionada ao assunto em questão – ele puxou um livro de dentro da pasta – Abram todos na página 109, por gentileza. Charlie o reconhecia de algum lugar, mas não estava se lembrando de onde. Ele retirou uma jaqueta preta que estava cobrindo mais da metade de seu corpo e o colocou sobre a costa da cadeira. – Isso! – Exclamou Charlie. Alguns alunos que estavam próximos olharam para ela, confusos. A garota abaixou a cabeça para tentar disfarçar. Ela voltou-se na direção do homem. O vizinho da noite anterior era seu professor.

– Você vai comer essas batatas fritas? – perguntou Peter. – Ahn, não. Pode ficar – Charlie estava pensativa. No intervalo, ela não havia comido nada. Estava sentada na mesa do refeitório ao lado de Peter, pensando na coincidência que era morar ao lado de seu professor de Biologia.


Edilberto Campos – Aconteceu alguma coisa? – Peter retirava as batatas da sacola e colocava algumas em sua boca. – Não, só estava pensativa. – Explicou Charlie – Como foi a aula? – Normal... Que pena que não ficamos na mesma sala. – Ele lamentou. A mochila de Charlie estava sobre o banco a sua esquerda, guardando o lugar de Chloe. Ela não havia a visto a garota desde o momento em que saiu da sala e estava espero-a para entregar de volta a jaqueta que deixou cair no chão. – O que será que aconteceu? Chloe está demorando... Peter deu de ombros. – Pelo que você me contou, é bem capaz de o diretor ter chamado o pai dela, ou algo do tipo. – E quem era a menina ruiva? – Perguntou Charlie. – Carly Mason... É a organizadora do clube de teatro e chefe das lideres torcida. Como se não bastasse, também é filha do vice-diretor. Charlie tomou um gole do suco de maracujá. – Descobri que o professor de Biologia é meu vizinho... Você precisa ver a mordida que ele tem no braço, parece de tubarão, ou algo do tipo. Ele nem coloca nada em cima, o ferimento fica exposto, é nojento. – Ainda não tive aula com ele – disse Peter sorrindo. – Ele é um pouco estranho. Chloe ajeitava seus cabelos enquanto adentrava o refeitório. Peter e Charlie acenaram. Ela deu a volta, comprou um energético na cantina e caminhou na direção dos dois. – Peter, peça para sua namoradinha parar de implicar comigo senão vou jogar ela no esgoto – disse Chloe irritada. – Namoradinha? – Perguntou Charlie. – Você ainda não contou para ela? – Melhor deixar quieto... – Peter abaixou a cabeça. – Ano passado, quando ele era o líder do time de futebol, eles namoravam. Mas ai ela meio que... – Chloe elevou os dedos indicativos das duas mãos e colocou sobre suas orelhas – Você sabe... Daí ele largou o time e virou nerd.


Edilberto Campos Charlie deu uma gargalhada. – Me desculpe, Peter, mas foi engraçado. O garoto ficou em silêncio e voltou a comer. – Porque você demorou tanto? – Perguntou Charlie. – Fui encaminhada até a diretoria. O diretor havia saído, para o meu azar... Charlie ajeitou a franja que estava sobre seu olho direito. – Azar? Isso não é uma coisa boa? – Se você é encaminhado para a diretoria, e o diretor não está, quem fica responsável é o vice-diretor – interrompeu Peter. – O pai da macaca ruiva, não é? – Completou Charlie. Chloe riu alto. Ela bateu com a mão na lata do energético, que saiu rolando pelo chão. – Curti o apelido. A campainha tocou, anunciando que os alunos deveriam voltar para suas salas para assistirem as ultimas aulas. Charlie puxou a mochila e se levantou, junto de Chloe e Peter. – Espera aí – chamou Chloe. – O que foi? – Charlie se virou. Peter foi caminhando na frente. Ele comentou algo, então se virou e percebeu que as meninas não estavam ao seu lado. O rapaz moveu-se de volta à mesa do refeitório para ver o que havia acontecido. – É aula de educação física. O que acha de faltarmos? – Perguntou Chloe a Charlie. – Eu não sei... Minha família vai estranhar se eu chegar cedo no primeiro dia de aula. – Eu vou ter aula normal, então preciso voltar para minha sala – comentou Peter. O garoto se despediu e correu até sua sala. – Tchau – disse Charlie enquanto acenava. Chloe olhou para o relógio.


Edilberto Campos – Ainda temos 2 horas. A aula de educação física não é importante, podemos faltar. – Tudo bem, então. O que faremos até lá? – Engordar! – O que? – Perguntou Charlie, confusa. – Vamos até o Gullon comer alguma coisa gordurosa, depois voltamos para pegar o ônibus escolar. Charlie hesitou. – Tudo bem, vamos, mas lembre-se de que eu não posso demorar...


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.