1 minute read

METAMORFOSE DA COR: LUZ

Do pai Calixto, que pintava grandes fachadas, Hermelindo Fiaminghi aprendeu a arte como um ofício de técnicas úteis como a litografia. Com Waldemar da Costa, iniciou-se na pintura de objetos estéticos, em uma dialética que marcou sua existência. Do exato ao incerto, do dinheiro e da beleza, conservou a liberdade de errar e a indeterminação até na geometria. Em 1957, intuída a corluz, começou a buscar a pintura por uma via original, implodindo a geometria e reinventando as cores a partir da centenária têmpera de Volpi. Fiaminghi insistia em materializar a corluz no prazer da pincelada, na tinta feita em casa (contra as tintas industriais dos anos 1950) e na gestualidade essencial, indo muito além do abstracionismo hedônico, do expressionismo e do decorativismo.

Fiaminghi sabia que a corluz seria sua singularidade na história da pintura. Aquela pós-utópica – galáxia de fogos de artifício de estrelas coloridas e transparentes. A materialidade surge não mais como concreta, mas como concreção. Um percurso de quase cinquenta anos em que a pintura concreta geométrica não foi mais que um acidente, sua plataforma de lançamento para entrar no universo infinito da arte solitária. Sabia que seria difícil, mas necessário; descobrira, como Proust, que a obra de arte era o único meio de reencontrar o tempo perdido. O acerto de sua escolha se confirmou pelas opções similares de seus pares concretos, pintores e poetas: Geraldo de Barros, Mauricio Nogueira Lima, Waldemar Cordeiro, Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari.

Aqui, nesta obra, concentrei-me na ekphrasis, isto é, na reflexão após a contemplação de cada obra, o único meio correto para a interpretação do trabalho artístico, após sua contemplação. Este livro é uma tentativa de decifrar os enigmas de Hermelindo Fiaminghi, com apoio na estética negativa de Theodor W. Adorno. A corluz é a síntese que poderia ser impossível se Fiaminghi não a tivesse realizado, como também fizeram o impossível Van Gogh, Mondrian, Pollock e Rothko, que integraram estruturas formais seriais na gestualidade do fazer pictórico, em uma informalidade apenas aparente, pois construtiva, como revelam seus traços iniciais a lápis. Fiaminghi metamorfoseou a têmpera do mestre Volpi, de origens medievais, com base em receitas secretas, resina dâmar e pigmentos que os amigos traziam da famosa loja Sennelier, de Paris. Assim, chegou a um pintar próprio, aquele de quem descobriu, profundamente, a essência da pintura.

This article is from: