Perdas & Danos - Madô Martins

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PERDAS & DANOS

VERSÃO BILÍNGUE PORTUGUÊS / FRANCÊS


A presente edição é inspirada nos trabalhos desenvolvidos na América Latina através de Sereia Ca(n)tadora (São Vicente, Santos – Brasil), Dulcinéia Catadora (São Paulo – Brasil), Eloisa Cartonera (Argentina), Sarita Cartonera (Peru), YiYi-Jambo (Paraguai), Yerba Mala (Bolívia), Animita (Chile) e La Cartonera (México). Edições Caiçaras é uma realização do Instituto Ocanoa, Projeto Canoa, Percutindo Mundos e Imaginário Coletivo de Arte. Capa feita a mão com material reciclado. Contato: mb-4@ig.com.br 13-91746212 13-34674387


PERDAS & DANOS Madô Martins

VERSÃO BILÍNGUE PORTUGUÊS / FRANCÊS

Edições Caiçaras São Vicente /SP Novembro de 2012


© Madô Martins

Capa, projeto gráfico, diagramação e editoração: Márcio Barreto Conselho Editorial: Flávio Viegas Amoreira Marcelo Ariel

Martins, Madô Perdas & Danos / Madô Martins – São Vicente: Edições Caiçaras, 2012. 72p. 1.Poesia brasileira I. Título Impresso no Brasil Edição bilíngüe: português / francês

2012 Edições Caiçaras Rua Benedito Calixto, 139 / 71 – Centro São Vicente - SP - 11320-070 www.edicoescaicaras.blogspot.com mb-4@ig.com.br 13-34674387 / 13-91746212


Nota da Autora As cinco fases do luto – negação, raiva, barganha, depressão e aceitação – estão representadas nestes poemas de pranto contido. Luto que imita o fado, em seus diálogos na segunda pessoa, e o tango, em sua dor inconformada, mascarada de fatalismo. Os poemas mesclam as fases, espelhando a confusão própria de quem sofreu grande perda. Ao interrelacionar as páginas, a obra oferece ao leitor vários livros dentro do livro, que podem ser reconstruídos ao gosto pessoal.


Outras notas

É o melhor livro de Madô Martins, pois com esse conjunto de poemas ela atingiu um alto grau de desencanto, de autocrítica e de efeitos de linguagem, ao mesmo tempo simples e direta, que desconcertam o leitor com seu impacto. É a voz de uma experiência que fala, sem buscar consolo, pois ao amor que se perde definitivamente com a morte, somente a memória recupera. A voz poética que sobressai dos poemas é cortante em sua sugestão: os ganhos do amor são sempre falsos e enganosos porque sujeitos a serem engolidos pela voracidade das perdas e danos que advêm quando se esvazia a fantasia em que se sustentam. Assim, se o amor vivido acaba engolido pela sensação impactante da perda e de seus danos, ele só ganhará novo sentido e potência ao se recuperar na linguagem poética, quando ganha nova grandiosidade porque nova experiência se constituiu, agora com a escrita. Ademir Demarchi – escritor e editor Um mergulho em noites onde "vestimos a dor pelo avesso", onde o feminino se mostra em suas mais contundentes contradições. Belíssimo livro onde o lirismo da perda, do amor que acaba, mas não finda, faz com que o avesso emudeça o silêncio para não perder a razão, o chão que tão incertamente pisamos quando o mundo parece estar de luto. Marcio Barreto - editor, escritor, músico e compositor Madô Martins amarra os poemas de tal forma, que temos a sensação de ler um conto, um romance em versos. As fases de luto interpenetram-se, o que é fortalecido pelas marcações de palavras recorrentes: terra, mãos, amor... e a proposta lúdica nos torna ávidos: voltamos ou viramos páginas para reencontrá-las com novos significados. Entramos no processo do luto, pois o livro nos devora! Regina Alonso – escritora


Madô Martins conta a historia de uma mulher que tinha a esperança de que seu amado homem um dia a chamasse, ainda que fosse em seus últimos tempos de vida... Coração danificado mas com os sentidos plenos, esta mulher é capaz de imprimir com beleza poética a história de tantas mulheres que seguem a vida com ardor porque o amor jamais se apagará. Maria Teresa Teixeira Pinto - escritora Quando Madô, maltrapilha de dor, enverga uma “mortalha por baixo da pele”, expõe à flor da pele o silêncio do incompreendido – a morte não anunciada do grande amor – lenda de décadas. Desnudando-se em poesia, desfiando lembranças e mágoas numa delicada catarse da alma dorida, Madô nos conduz a uma dúvida quântica. Quanto da morte não presenciada representa de fato uma realidade? Realidade que se parece a sonhos. “Será que me pressentes?” Sonhos visitados por lembranças cotidianas inscritas “na memória do corpo”. Brincadeiras de “sol e lua”. Nunca mais o encontro, para sempre as lembranças. Perdas & Danos revela a dor das perdas suscitando com maestria a questão da imortalidade dos grandes amores. Alice Mesquita - Cantora, pesquisadora e tradutora A obra traz poemas que, embalados ao som do mar, relatam as hesitações do processo de perda do grande AMOR, único e intransferível. “O amor permanecerá intacto – não haverá outro!” A necessidade de expressar e elaborar essa grande paixão, vivenciada décadas em segredo. A esperança da transcendência. “Ganham dimensão os afetos, as memórias...” Por isso, veio a inspiração para dançá-los, uma forma de compartilhar esse agudo sentimento. Uma dança que celebra a oportunidade de vivenciar a existência do amor! “Será que também tu vives este misto de vontade e medo?” Célia Faustino - eutonista, bailarina, musicista e pesquisadora Este livro de Madô Martins é fruto de uma coragem que sabe conferir um sentido poético a essa capacidade típica dos sensíveis de transformar a memória daquilo que foi perdido em arte. Existe


ainda um belo paradoxo, que o término da leitura do livro torna explícito, ao converter a memória da perda em poesia, a poesia passa a conter em si a coisa perdida e este livro parece dizer que aquilo que perdemos, é no fundo a única coisa que realmente temos. Marcelo Ariel – poeta, dramaturgo e performer Dialogando com a tristeza do fado e a volúpia do tango, fala da perda, pela morte, de um amado já perdido pela vida. É o livro da amante, e o termo se deve compreender como particípio presente, aquela que ama, ainda que não seja, em absoluto, livro de esposa. É de amante para amado. Amor que se experimentou em doses homeopáticas, avaras, e que ficou na perspectiva do paladar insatisfeito. Dialoga com Neruda e Vinicius sem subordinação a um padrão poético, fala pelo lado oposto. Um livro especular, mas não o espelho narcísico de um lago plácido onde se veja a si mesmo. Amor contemplado pelo signo da alteridade, a ótica da mulher. Manoel Herzog - escritor


Em 10 de novembro de 2012, o livro Perdas & Danos ganhou poemas em francês, para apresentação de performance na Aliança Francesa de Santos, em noite de autógrafos. O espetáculo contou com a participação de Célia Faustino e Márcio Barreto, no vídeo de dança que interpreta os versos contidos na obra. Imagens foram projetadas em telão e apresentadas canções nos dois idiomas, por Alice Mesquita. Ela também assinou a tradução de algumas poesias. Teresa Teixeira traduziu outras e as interpretou. A professora Sonia Gabilly, da AF de Santos, auxiliou na revisão. A autora leu seus versos em português. O roteiro foi elaborado pelas três, com apoio da AF de Santos, por meio de sua diretora Maria de Lourdes Beco, que cedeu o espaço e estrutura, O cartaz anunciando o evento tem arte de Pablo Basile. (as páginas citadas no final de cada poema referem-se à localização


da vers達o original dentro do livro)


Perdas e danos Soube da tua morte por amigos. Eu, que há muito te sepultara, sete palmos abaixo da memória. Já não me encantavam teu sorriso de fauno, a teia de teus olhos, tuas mentiras bem montadas. Agora voltas para me assombrar. E sou quem morre a cada dia, sabendo que já não existes nem ao menos para eu me vingar.

pgs. 14 e 16


1

Quase Quase viúva, do mesmo jeito que fui quase amada, quase esposa, quase feliz. Deixas a obra completa e, mais uma vez, sais ileso, desertando do estrago. Não te bastou fazer-me frustrada em vida. Tinhas que definhar longe, em segredo, e morrer sem me dar qualquer chance. Tinhas que me deixar à margem, pela última vez e para sempre.


pgs. 8 e 39 2

Lembranças Vêm à tona antigas lembranças que eu julgava felizes. Só agora compreendo que eram apenas a minha versão dos fatos, sob a luz da paixão. Éramos dois, mas não estavam comigo teu coração e tua mente. Apenas um corpo que se dava a intimidades sem se tornar íntimo.


pgs. 12 e 42 3


Palavras Minha pequena era assim que me chamavas com jeito de namorado. E tua fala me abraçava igual teus braços, plena de promessa. Outras duas palavras me faziam tremer, por revelar tua entrega. Mas estas, dizias raramente, rapidamente, como se escapassem da boca à revelia da tua vontade.

pg. 19 4


Voz Em sonhos, ainda escuto tua voz de veludo, distante como se falasse ao telefone. Com ela vem teu riso, cristalino igual ao de um menino. Chegam-me tuas mรฃos que nunca perceberam que machucavam as minhas, com tua forรงa de homem. E a tua indiferenรงa, esta sim, prรณxima e real.

pg. 8


5

Revés Visto esta dor pelo avesso e, mesmo assim, me sufoca. Erro botões e casas, desemparceirados como fomos nós. Descosturo pregas e bainhas, fazendo-me rota como aquele amor. Ando maltrapilha, desde a tua morte. Talvez seja mortalha o que agora uso por baixo da pele, por dentro dos olhos, impregnada de silêncio. E tudo vai se esfiapando, até que um dia estarei nua, sem nada do que lembrar, sem nada para amar.


pg. 38 6


Datas Agosto, mês de cachorro louco. Agosto, mês dos desastres aéreos. Agosto, mês de desgosto. Morreste no último dia de agosto, numa quarta-feira, teu dia preferido da semana. Nascidos no mesmo ano, agora, só eu continuarei a aniversariar e envelhecer. Ficaremos tu com tua imagem congelada, eu acumulando senilidade. Não sei quanto tempo mais andaremos em paralelas. Mas até elas se encontram no infinito.

pgs. 36 e 43


7

Sobras Assisto à tua última entrevista, para ouvir outra vez tua voz. Ali estão tuas mãos, em gestos generosos como eu sempre quis. Repetes ainda o velho hábito de tocar a orelha enquanto falas. E teus olhos permanecem atentos a tudo em volta, como cabe a um bom contador de histórias. Pena que o relato mais bonito nunca vais escrever. Morreu contigo, entre teus muitos segredos, nossa lenda de décadas. E me soa estranho


quando nossos amigos 8 me falam de ti: “teu ex dizia isso, teu ex fazia aquilo�... Ao menos morto me pertences.


pgs. 2 e 5 9

Falta Outro repórter já ocupa teu espaço na redação e nas páginas do jornal. Mas foi só isso. Devia ser fácil assim substituir-te em nossas vidas. No afeto dos amigos, és único e deixaste saudades. Na memória dos colegas, um modelo a ser seguido. No coração de tuas mulheres, tantas, pulsam amor e ódio, mas o tempo coará todo rancor e só o que foi bom ficará. Para teus filhos, o lugar de pai sempre será só teu. Quanto a mim, devo a ti a razão do meu viver e agora tenho que achar


algum outro motivo que preencha teu vazio 10 e me faรงa suportar a falta que me fazes.


pgs. 34 e 38 11

Desconhecido íntimo O floral começa a fazer efeito. Sonhei que guardava tuas coisas, constatando que nada me servia. Não me servem teus óculos, tuas canetas ponta porosa, teus tênis macios, teu casaco de couro, teus livros em inglês, tuas chaves. Nunca soube a marca do teu sabonete, da pasta de dentes, a lâmina de barbear, com o que te penteavas. Foste o homem que eu imaginava e via uma vez por ano. A única certeza,


único bem compartilhado, era que te amava. pgs. 3 e 37

Vândalo Amor-bônus, foi isto o que representei para ti. Amor disponível, sem cobrança, nenhuma queixa, só sorrisos e beijos. Pisavas no jardim, me colhias, despetalavas e depois partias, sem olhar para trás.

12


pgs. 28 e 36 13

Outra Volta a girar a engrenagem do tempo. Sou outra, agora, menos iludida com as ilusões. Foste para mim a prova da existência do amor. Mas, quando te despediste da vida, sem contestar, levaste contigo a esperança de que a antiga chama voltasse um dia a arder. Pensei que partiria antes de ti, mas aqui permaneço. Não soube da tua doença nem que era incurável nem da internação nem da cirurgia. Não nos despedimos, eis o fato,


por isso penso que é sonho tua morte prematura. És o de sempre, dentro de mim. E como não vi teu corpo 14 sem alma, sou como aquelas viuvas de desaparecidos: sigo na dúvida se aconteceu de verdade e se fiquei mesmo só, definitivamente.


pgs. 1 e 16 15

Duas mortes Triste de quem fica. Nada mais importa horários, obrigações, aparências... Ganham dimensão os afetos, as memórias. Cada lembrança que vem à tona é bem-vinda porque reforça esta morte em vida, em que não há respostas.


pgs. 1 e 14 16

Hoje Hoje consegui dormir sem pensar em ti debaixo da terra, virando terra. Ouvi tango, não chorei nem uma vez e voltei a assobiar como homem, para surpresa de alguns homens. Hoje não sofro demais. Li no jornal um desastre em Buenos Aires, mas já não tenho por quem me preocupar. E há uma mulher na direção do NY Times, mas tu não estás lá


para entrevistá-la nem aqui, para comentar o fato comigo. Hoje posso sair vestida de qualquer jeito: não corro o risco 17 de te encontrar de repente. É uma dor amansada, esta que sinto agora. É tranquila a convivência com os mortos.


pg. 21 18

Ontem, hoje, amanhã Escolhi nadar contra a maré, amando-te e não a outro. Quando chegavam tuas cartas, no ontem dos correios, no hoje dos e-mail, tudo valia a pena: a espera, a frustração, o amanhã incerto. Minha alma de então não era pequena.


pg. 4 19

Inveja Bom dia, amor te digo, ao levantar, constatando que sobrevivi a mais um dia e estou a menos um dia do tempo que falta para te encontrar. Calço os sapatos, visto a máscara e vou para a vida que me cobra o que já não posso dar. Perco a hora, adio compromissos nada agora tem urgência. À noite, deito exausta.


Tiro a máscara que me fere e penso em ti, na tua liberdade atual como te invejo...

Pgs. 35 e 37 20

Travesseiro Uma vez, lembras?, usamos um só travesseiro, numa cama de solteiro. E esta manhã acordei com a impressão que havia grama e terra sobre aquele onde durmo. Grama e terra do interior onde nasceste e de onde partiste para não mais voltar. Em sonho me visitaste e voltaste a dividir comigo a intimidade. Como sempre,


não deixaste pistas da tua presença. Exististe mesmo, algum dia?

pgs. 17 e 29 21

Ainda Mesmo sem querer, sinto falta de ti, de teu nariz pequeno roçando o meu como esquimó, dos teus pelos onde eu gostava de me esconder, do joelho ansioso abrindo caminho entre minhas pernas, das mãos que conseguiam ser fortes e ternas ao mesmo tempo, dos teus olhos espertos, cheios de palavras e risos, do teu dom de me fazer feliz.


pg. 29 22

In炭til Tinjo de fogo os cabelos e distraio a paix達o. Zarpo no barco dos sonhos para esquecer da solid達o. Em v達o. Mais cedo ou mais tarde, o cabelo escurece e volto ao cais da realidade. Cheia de saudade.


pg. 33 23

Ecos Neruda tornou a entrar em minha vida reacendendo brasas, arranhando cicatrizes, e tua falta é quase insuportável. Por isso, à noite, te chamo entre lençóis e as páginas do livro. O pensamento te busca longe, com o velho amor de sempre


no envelope da esperança. Será que me pressentes? Será que também tu vives este misto de vontade e medo? Será que nossa história ainda tem capítulos? O eco do silêncio não me traz respostas... Pode ser o outono, pode ser Neruda, 24 mas estou te amando, e sei que não devia.


pg. 31 25

Ternamente Quero um tempo para a ternura, sem relógios, sem culpa, sem planos. Um tempo parado no meio do tempo, repicando sinos de comemoração. Quero gestos lânguidos,


olhos entreabertos, bocas úmidas de silêncio. Quero tudo isso e muito mais, de bom, de belo, de puro, para quando estivermos juntos. Calmamente afagaremos os minutos, mansamente colheremos as lembranças, docemente trocaremos 26 juras. Para sempre e ternamente.


pg. 34 27

Sem resposta O amor que me preenche me faz vidro transparente colorido pelo mel. Pode quebrar. Quanto vivem teus parentes? Quanto tempo ainda temos? Perguntas que n達o fizemos.


pg. 36 28


Tato Na memória do corpo, cada uma de tuas carícias. Mãos e palavras entrelaçadas, certeza do que não sei mas sempre soube. O par, o parceiro, duas cabeças e um só travesseiro.

pgs. 21 e 22


29

Casal Homem do campo Mulher do mar Ele traz ramos de trigo o canto da cigarra duas frutas Ela conchas rosadas o som das ondas areia de ampulheta Quando se beijam cessam os gafanhotos somem as manchas de 贸leo a brisa sopra folhas e espantalhos a mar茅 embala peixes e barcos Homem do campo Mulher do mar A gerar vales e rios lagos e pomares


30 pela vida para alĂŠm da vida


pgs. 24 e 43 31

Crença O que há de divino na cama descobri contigo, meu anjo pagão. Toda vez que trocamos o ar das bocas entreabertas, que nos sorrimos no instante do prazer, que gememos em uníssono, acreditei na velha teoria de que amantes são deuses cheios de graças e poderes.


pg. 33 32

Dist창ncia Brincando de sol e lua antigos amantes seguem pela vida com passos de saudade


pgs. 23 e 32 33

Sábio coração Pensar que ele se foi. Amor endividado de anos, gotejando dia após dia sua vontade e desejo. De todos os relógios retirei os ponteiros, em todos os calendários misturei os dias para a espera se confundir e doer menos. Mas o coração sabe que não é assim tão fácil. Mantém vigilante o olhar, o pensamento atento a qualquer sinal, o fogo da paixão sempre aceso, para a vida poder continuar.


pgs. 10 e 26 34

Salmo Ah, homem Que povoa meus sonhos E noites mal dormidas. Talvez te assuste, Como me assusta, Saber o quanto Espero por ti. Estás nas vitrines, Nas bancas de frutas. Estás nos perfumes, Nos sons, nas luzes. Estás nos poemas Que não escrevi. A cada noite me enfeito Para mais uma espera. E durmo com tua ausência, Lembrando, pensando em ti.


pg. 20 35

Rima ruim Ele não vem. De que me adianta este sol todo? Onde represar tanto amor até a próxima vez? Como dizer à esperança que o agora é amanhã ou mesmo, talvez? Ele não vem. Há um coração em cacos para recolher. Material reciclável. (agosto sempre rimou com desgosto)


pgs. 7, 13, 28 e 40 36

Ainda hoje fragmentos de um tempo feliz meus suspiros tuas reticĂŞncias feridos de vida os dois repletos de certezas ainda hoje passo pela igreja onde nos beijamos em vez de rezar pela loja onde me descobriste do outro lado da vitrine pelo cafĂŠ que era nosso refĂşgio


tudo continua lá menos os apaixonados

pgs. 12 e 20 37

Frio Abro teu perfume no quarto vazio. Evoco assim, concreta, a lembrança mais antiga de um tempo bom e nosso, agora tão distante. Aqui, esse vidro de cheiro, a cama solitária, um rosto, um gesto invisível e toda a dor, coberta que não agasalha, saudade-mortalha.


pgs. 6 e 11 38

Sem volta Lume de lamparina apagado pelo vento, frágil momento que não volta mais. Vaso quebrado, mesmo colado, ainda é trincado. Sonho perdido, quando revivido, é sempre doído.


pg. 2 39

Autodefesa Para não enlouquecer, dou-te a importância que sempre quiseste ter, pequena, fortuita. Para não enlouquecer, faço dormir, de novo, o desejo e dispo a ansiedade, essa roupa apertada. Para não enlouquecer, estouro, uma a uma, as bolhas de sabão que a esperança soprou


diante de meus olhos. Para não enlouquecer, procuro apagar as luzes das lembranças e me acostumar, outra vez, à penumbra da mesmice. Guardo no baú a desilusão 40 - quem quer saber? e me ocupo do não-ser. Para não enlouquecer.


pg. 36 41

Aprendizado Através do nada, no vácuo que deixaste, tento ouvir o que falas sem dizer. Ensaio uma cumplicidade ainda incipiente e busco a bula, a bússola, o mapa, o manual perdidos sob a mesma luz que te ilumina e me cega.


pg. 3 42

Areal Areia nos olhos areia nos poros o corpo vagando pela praia sem sono, sem sonhos Areia nos planos alguns jĂĄ tĂŁo velhos quanto esta baĂ­a de mar sempre manso Areia no tempo ampulheta partida horizonte branco


coração vazio Areia nos passos que seguem a esmo sem rumo ou abrigo tropeços na mágoa Areia sem fim árida, monótona como a vida que pesa cá dentro de mim pg. 7, 30 e 44 43

Ilógico “nem tudo que termina acaba” Estas são as últimas linhas que te escrevo, um basta, não um fim, ao que jamais se apagará. Preciso te calar dentro de mim para que a vida possa continuar. O amor permanecerá intacto não haverá outro.


E ilógico, como sempre: foste e serás, até o último dos dias, minha metade maior.

pg. 43 44


EM FRANÇAIS


Ô toi, homme qui habite mes rêves et mes nuits blanches. Peut-être te fait-il peur comme à moi, de savoir à quel point je t’attends. Je te trouve dans les vitrines, sur les étals de fruits. Tu es dans les parfums, les sons, les lumières. Tu es dans les poèmes que je n’ai pas écrits. Chaque nuit, je m’embellis pour encore une attente et je m’endors avec ton absence, avec ton souvenir, la pensée à toi.

pg. 35 I


De ta mort, j’ai su a travers des amis. Moi, qui t’avais longtemps enseveli au fond de la mémoire. Dèjá, ils ne m’enchantaient plus ton sourire de faune, ni la toile attirante de tes yeux ou tes mensonges bien ourdis. Et maintenant tu reviens pour me hanter. Et c’est moi qui meurs à chaque jour, sachant que tu n’existes plus ni que ce soit au moins pour me venger.

pg. 1 II


Il ne vient pas. À quoi bon ce soleil? Où retenir tant d’amour jusqu’à ce qu’il revienne? Comment dire à l’espoir que maintenant est demain ou même, peut-être? Il ne vient pas. Il y a un coeur déchiré . Des morceaux à ramasser . Pièces recyclables. (Août a toujours rimé avec dégoût)

pg. 36 III


Dans la mémoire du corps, chacune de tes caresses. Mains et mots entrelacés, la certitude de ce que je ne sais pas quoique j’ai toujours su. le partenaire, le compagnon, deux têtes, un seul oreiller.

pg. 29


IV Sable dans les yeux Sable dans la peau mon corps divague sur la plage sans sommeil, sans rêves Sable dans le projets parfois si vieux! Comme cette baie où la mer est toujours douce Sable sur le temps le sablier cassé l’horizon blanc le coeur vide Sable dans les pas qui suivent errants sans nord, sans toit trébuchant dans la douleur Sable sans fin aride, monotone comme la vie qui pèse ici, dans mon coeur

pg. 43


V Je m’habille de cette douleur à l’envers et, même ainsi, ça m’étouffe. Je me trompe les boutons et ses boutonnières, hors de ligne tel que nous étions. Je découds des plis et des ourlets devenant déchirée comme cet amour Je suis en lambeaux depuis ta mort. C’est le linceul, peut-être ce que je porte sous la peau, au fond des yeux, imprégnée de silence. Et tout m’éfaufile jusqu’au jour où je diviendrai nue, sans avoir de quoi me souvenir, sans avoir rien à aimer.

pg. 6


VI Ce sont les dernières lignes que je t’écris, pas pour la fin, mais a peine pour un arrêt à ce que jamais perdra la vie. Il faut te faire taire au fond de moi pour que la vie suit son cours. L’amour restera toujours le même – Il n’y aura aucun d’autre. Et, comme toujours, illogique: t’es et tu seras, jusqu’au bout de mes jours, la plus grande de nos moitiés.

pg. 44


VII

SUMÁRIO

Perdas e Danos

1

Quase

2

Lembranças

3

Palavras

4

Voz

5

Revés

6

Datas

7

Sobras

8

Falta

10

Desconhecido íntimo

12

Vândalo

13

Outra

14

Duas mortes

16

Hoje

17

Ontem, hoje, amanhã

19

Inveja

20

Travesseiro

21

Ainda

22

Inútil

23

Ecos

24

Ternamente

26


Sem resposta

28

Tato

29

Casal

30

Crença

32

Distância

33

Sábio coração

34

Salmo

35

Rima ruim

36

Ainda hoje

37

Frio

38

Sem volta

39

Autodefesa

40

Aprendizado

42

Areal

43

Ilógico

44

EN FRANÇAIS Ô toi, homme De ta mort, j’ai su

I II

Il ne vient pás

III

Dans la mémoire du corps

IV

Sable dans les yeux

V

Je m’habille de cette douleur

VI

Ce sont les dernières lignes

VII


Madô Martins Escreve poesia moderna, haicai, conto, crônica e, em 2011, lançou Avesso, seu primeiro romance. Tem dez livros publicados e mais de 70 premiações literárias em concursos nacionais e internacionais (Portugal e EUA). Desde 2000, é cronista do jornal A Tribuna, de Santos/SP, aos domingos, no caderno Galeria. Também assina a coluna Letras Cotidianas no site www.midiativasantos.com e participa do site Cinezen, Facebook e Twitter. Realiza palestras e oficinas literárias. Obras publicadas: 1999 - Doce Destino (Massao Ohno Editor), poesias 2000 - Paixão e Morte (produção independente), contos 2001 - Pensando em Verso (EditorAção), infantil 2004 - O Jacaré da Lagoa (produção independente), primeiro volume de uma série jornalística para crianças 2004 - Alfabeto do Vento (produção independente), haicais 2006 - Uma vez em 2284 e outras histórias planetárias (Editora Quártica), contos futuristas 2008 - Três meses no Japão (Editora Comunnicar), crônicas de viagem 2009 - Voo de Borboleta (Editora Leopoldianum, da Universidade Católica de Santos - Unisantos), crônicas 2011 – Avesso (Clube de Autores), romance 2011 – Diário Ínfimo (Sereia Ca(n)tadora), poesias


Contato com a autora pelo e-mail: mado.escritora@gmail.com EDIÇÕES CAIÇARAS São Vicente Brasil

A Edições Caiçaras é uma pequena editora independente artesanal inspirada nas cartoneras da América Latina, principalmente na Sereia Cantadora de Santos e na Dulcinéia Catadora de São Paulo. Nasceu pela dificuldade homérica e labiríntica em publicar meus livros em uma editora convencional. É uma forma de reavivar o ideal punk do “faça você mesmo”, incentivando a auto-gestão e o uso da habilidade manual, algo que está se perdendo em nossa sociedade tecnocrata. Assim, de fato, começa a tomar forma a filosofia da Edições Caiçaras, mais do que um caráter social, nos interessa, ousar na forma e no conteúdo. Na forma é um aprimoramento das técnicas das cartoneras os livros são feitos com capa dura, costurados com sisal e presos com detalhes em bambu, e no conteúdo, priorizamos um diálogo profundo com a Internet e com as literaturas locais do Brasil.


Márcio Barreto

CATÁLOGO POESIA O Novo em Folha - Márcio Barreto Nietszche ou do que é feito o arco dos violinos - Márcio Barreto Pequena Cartografia da Poesia Brasileira Contemporânea - Marcelo Ariel (Org.) Perdas & Danos - Madô Martins Mundocorpo– as aerografias e outros desvios do tempo – Márcio Barreto Peixe-palavra (poesias caiçaras) – Domingos Santos DRAMATURGIA Atro Coração - Márcio Barreto Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes – Márcio Barreto ENSAIO Obras Cadáveres - Arthur Bispo do Rosário, Estamira, Jardelina, Violeta e o Deus do Reino das Coisas Inúteis - Ademir Demarchi Desaforismos (aforismos) - Flávio Viegas Amoreira Meu Namoro com o Cinema – André Azenha ROMANCE Teatrofantasma: O Doutor Imponderável contra o onirismo groove – Marcelo Ariel


O IMAGINÁRIO COLETIVO

O Imaginário Coletivo de Arte agrega artistas do litoral paulista em suas diferentes linguagens e tem como proposta fortalecer e propagar a “Arte Contemporânea Caiçara”, valorizando nossas raízes e misturando-as à contemporaneidade. Formado em fevereiro de 2011, é resultado de anos de pesquisas desenvolvidas em diferentes áreas que culminaram na busca de uma nova sintaxe através da reflexão sobre os processos criativos na Arte Contemporânea Caiçara. Seus integrantes convergem da dança, eutonia, teatro, circo, música, literatura, história, jornalismo, filosofia e artes visuais. Estão diretamente ligados à experimentação através de núcleos de pesquisas desenvolvidos no grupo Percutindo Mundos – música contemporânea caiçara (2008), Núcleo de Pesquisa do Movimento - dança contemporânea (2011), no Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino eutonia (2003), no Projeto Canoa e Instituto Ocanoa – pesquisa da Cultura Caiçara (2007). Em seu repertório constam “Ácidos Trópicos – uma livre criação sobre a obra de Gilberto Mendes” (teatro), “Atro Coração – uma livre adaptação sobre o amor” (teatro), “Homo Ludens – fluxos, lugares e imprevisibilidades” (dança contemporânea), “Percutindo Mundos – universo em Gentileza” (música) e “Percutindo o samba – história e poesia” (música). Ao longo do tempo realizou encontros, oficinas e palestras, tais como o "Sarau Caiçara" - Pinacoteca Benedito Calixto - Santos /SP, "Mostra de Arte Contemporânea Caiçara" - Casa da Frontaria Azulejada - Santos/SP, "Itinerâncias - Encontros Caiçaras" - Casa da Cultura de Paraty - Paraty /RJ, "Sarau Filosófico" - SESC Santos - Santos /SP, "Virada Caiçara" - São Vicente /SP e “Vitrine Literária” – SESC Santos – Santos /SP. Seu trabalho está presente em universidades, escolas públicas e instituições de cultura através de cursos, apresentações e palestras, além de inserir sua proposta artística em espaços públicos.


www.edicoescaicaras.blogspot.com www.youtube.com/projetocanoa www.percutindomundos.blogspot.com


www.myspace.com/percutindomundos

Perdas & Danos foi impresso sobre papel reciclado 75g/m² (miolo). A capa foi composta a partir de papelão e sacolas de papel doados pelo Espaço de Consciência Corporal Célia Faustino.


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