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SINAL VERDE

Ainda com pontas soltas e necessidade de ampliação de uso, o e-commerce automotivo passeia pelo mercado nacional. O que ainda falta para o modelo "pegar" e conectar clientes? A via está livre para evolução

Por Lucas Kina, da Redação do E-Commerce Brasil

Pensar na compra de um automóvel ou autopartes por meio da internet já foi, há não tão pouco tempo, um desafio para o consumidor tradicional. Aquele que está acostumado com o cheiro dos pneus novinhos ou o da graxa presente em peças à venda na loja física. Ainda visualizamos esse tipo, aliás, dentro do mercado brasileiro nos dias atuais, principalmente no universo de mecânicos e reparadores. O lado mais romântico da compra, por assim dizer, sobrevive nessa categoria de cliente.

Mesmo assim, a chegada iminente do e-commerce ao segmento automotivo transformou parte do comportamento de compra, trazendo consigo a comodidade do consumo online. Porém, a ida à loja ainda é requisitada e habita dentro desse universo, até mesmo se a conclusão do negócio for feita online. Fato é que a mistura entre e-commerce e varejo tradicional automotivo funciona bem, mas ainda há espaço para melhorar.

Muitos caminhos, um destino

Segundo a Fraga Inteligência Automotiva, o comércio de itens relacionados ao setor automotivo em canais digitais já representa entre 5% e 8% do pós-venda. Com aproximadamente R$ 8 bilhões gerados em vendas em 2022 no e-commerce, o setor tem o Mercado Livre como maior canal, detendo 80% da distribuição das compras realizadas.

Para quem atua na área e representa a categoria da venda de peças, a expansão tem sido grande e constante. De acordo com Heber Carvalho, presidente da Sincopeças-SP, a amplitude do leque de produtos do segmento disponível em ambientes online é um ponto positivo para o e-commerce.

"O e-commerce no setor de autopeças se expandiu muito, haja vista que vários tipos de peças automotivas já estão disponíveis nas plataformas do e-commerce - tanto de mercadorias consideradas normais tecnicamente, bem como produtos de alta complexidade. Entendemos que o mercado só vai crescer rapidamente, pois o consumidor está mais seguro na hora de comprar pela internet", explicou.

Apesar disso, o executivo reconhece que a disparidade ainda é grande na comparação entre compras online e no ambiente físico. Atualmente, segundo ele, a distribuição fica entre 75% no varejo tradicional e 25% no e-commerce. Para o futuro, a perspectiva e a esperança são de um maior equilíbrio, até mesmo pela mudança nos hábitos de consumo das próximas gerações. "Com certeza veremos algo em torno de 60% físico e 40% online, considerando que esse é um mercado em que muitas vezes é preciso ter a peça usada em mãos para identificá-la", complementa.

A respeito dessa evolução, Carvalho enxerga uma grande necessidade de o e-commerce automotivo se profissionalizar, buscando evitar a compra errada de peças, por exemplo. "Percebemos que existe dificuldade na compra de alguns itens específicos, principalmente para saber se é a correta. Por isso, as empresas precisam estar bem adaptadas no ambiente online para evitar comentários negativos ao setor", explica.

- Procure saber informações do site da empresa vendedora;

- Compre sempre de empresas e pessoas jurídicas;

- Avalie o perfil da empresa antes de comprar;

- Tenha cuidado com peças baratas e com precificação abaixo dos mercados;

- Avalie se as peças oferecidas são novas ou recondicionadas.

Ponto de atenção

A visão de quem está dentro do mercado automotivo de varejo, tradicional ou eletrônico, é importante para traçar falhas, pontos positivos, perspectivas e o que fazer para melhorar o ambiente conforme o crescimento dos clientes.

O e-commerce automotivo atinge uma série de subsegmentos, desde o mecânico que opera na Zona Sul de São Paulo até o dono de uma loja de autopartes em Belém. É pensando dessa forma mais fragmentada que alguns desses nichos estão dentro do molde online de compra e venda de produtos. Apesar disso, a não-entrada no universo digital de alguns players procurados pelo E-Commerce Brasil acende, ao menos, um sinal amarelo - de atenção - para a capilaridade dos negócios.

A melhora dentro do e-commerce não é uma receita de bolo, é claro. Por outro lado, o presidente conseguiu elencar algumas ações que, em sua visão, podem profissionalizar e evoluir o e-commerce automotivo. Veja:

- Exija nota fiscal;

O futuro é hoje

É possível imaginar a compra de um carro por meio de trocas de mensagens e uma visita agendada por uma rede social? O trabalho da InstaCarro pode ser resumido dessa forma. Inserida e criada em um universo no qual consumidores entre 25 e 49 anos já estão habituados à contratação de serviços ou compra de produtos por meio de aplicativos, a empresa sai do varejo tradicional e age visando "desengessar" a venda de carros no Brasil.

"Hoje, existem diferentes formas de realizar a venda por canais eletrônicos e plataformas com níveis singulares de penetração. A InstaCarro, por exemplo, consegue viabilizar a compra 100% online, sem o comprador ver o carro pessoalmente e sem o vendedor ter que sair de casa. Esse tipo de inovação traz grandes benefícios para ambos os lados, com praticidade e segurança", explicou Luca Cafici, fundador e CEO da empresa.

Ao falar de pontos benéficos, ele relembra o início do negócios e a crença de potenciais clientes de que o comércio completamente online dos carros seria um risco. “Algumas pessoas que tinham desconfiança do nosso modelo estão entre os principais clientes e realizam grande porcentagem das compras de suas lojas através de nossa plataforma. Atualmente, a base de dados e as informações sobre os veículos em plataformas, como a própria InstaCarro, proporcionam muito mais do que uma visita presencial pode proporcionar", afirmou.

Para o futuro, o executivo é otimista, apesar de acreditar na necessidade de mais investimento governamental na digitalização dos departamentos de trânsito em cada estado, na aceleração do Open Banking e na promoção de mais concorrência no mercado automotivo online. "Um ponto de melhoria é a atuação geográfica. Apesar da versatilidade que o e-commerce promove, muitos negócios estão restritos às metrópoles. Essa é uma preocupação da própria InstaCarro. Por outro lado, eu acredito que no decorrer do tempo devemos ter uma maior proporção de clientes realizando transações online", pontuou.

Equilíbrio

A estratégia da Bosch Automotive se relaciona diretamente com o e-commerce em todos os níveis, desde ampliar a capilaridade da empresa até, de fato, ocupar uma fatia importante nas vendas em geral. Na visão de Lucas Fragis, gerente de Digital da Bosch Automotive, a atuação no online é uma via com duas atuações simultâneas: o catálogo de itens à venda fica mais conhecido e, caso seja a opção do cliente, garante rapidez nos processos de compra e venda.

"Nossa estratégia é utilizar as Lojas Oficiais Bosch como vitrine e disponibilizar para o mercado todo nosso portfólio através de vendedores parceiros. Estar no meio virtual pode gerar expansão dos negócios e alcançar clientes que antes não estavam no radar. Com o estabelecimento de um ou mais canais de venda online, aliado às estratégias certas de marketing, é possível gerar crescimento para a marca, aumentando assim as vendas de autopeças e a rentabilidade do empreendimento", explicou.

Em alinhamento ao que foi dito anteriormente, o executivo fala em uma complementação em vez de uma substituição nas relações entre físico e online. "De uma forma ou de outra, a venda de autopeças online é uma realidade que visa complementar o ambiente físico, não substitrui-lo", disse. O exemplo dado por ele é o do varejista tradicional que mantém seu espaço físico, mas possui produtos em marketplaces.

"As vendas online no setor automotivo crescem acima da média da maioria dos segmentos, sinalizando uma grande tendência. Com isso, o e-commerce de autopeças também se desenvolveu e se torna cada vez mais relevante", citou. Criando também o ambiente para a compreensão da complexidade do e-commerce automotivo, Fragis detalha minimamente o que envolve esse tipo de modalidade.

"Logo no primeiro passo dessa jornada online, está o principal fator de sucesso para uma venda bem-sucedida: a identificação correta da peça que o cliente precisa. No mundo físico, os balconistas e os vendedores das autopeças são imprescindíveis na seleção e na indicação do item correto. No mundo digital, essa responsabilidade é transferida para quem compra o produto. Sem um catálogo eletrônico assertivo e de fácil utilização, a venda online não ocorre, ou ocorre de maneira errada, gerando devolução e insatisfação em todos os elos da cadeia", elucidou o executivo.

Para as próximas estratégias, a Bosch possui a Linha de Digitalização do Varejo, lançada em setembro de 2022 e com foco no ensino de e-commerce e digitalização no mercado de autopeças. Sendo assim, o estudo e o conhecimento entram como valores importantes para a evolução da marca nesse segmento.

"Os esforços no mundo digital geram muito mais valor quando combinados com o ambiente físico e a partir de ações que visam otimizar um modelo existente. Cada elo da cadeia desempenha um papel importantíssimo para a manutenção e a sustentabilidade do mercado de autopeças. Se trouxermos a tecnologia como grande aliada do processo de transformação digital desse setor, com certeza teremos um novo patamar do mercado, muito mais transparente, com menos desperdícios e gerando mais valor para o dono do carro que no final do dia precisa manter o seu automóvel rodando", finalizou.

Processo facilitado

Tema pouco esperado como integrante do e-commerce automotivo, as locadoras de automóveis são responsáveis pela movimentação mais digital desse setor. Isso porque, atualmente, a maioria dos serviços fornecidos por esse tipo de empresa são feitos online.

Talvez por não ser uma compra, a adoção por parte do público foi simples e positiva. A locação, aparentemente, é o capítulo automotivo que melhor acompanha a digitalização do mercado e, principalmente, do consumidor. Para André Petenussi, CTO da Localiza, isso é uma realidade conhecida.

"Nossos clientes estão cada vez mais digitais, optando por mais comodidade na palma da mão. Prova disso é o fato de que as nossas reservas online - sejam pelo site ou pelo aplicativo - representam, hoje, aproximadamente 70% das reservas gerais. Nesse sentido, fica claro que esse modelo é fundamental para facilitar o acesso da população ao aluguel de carros. O que percebemos é que essa é a principal forma de comunicação e de acesso que temos com os nossos clientes, então entendemos que estar no digital é, sem dúvida, extremamente relevante, inclusive para o crescimento do setor", afirmou.

O executivo percebe que há bastante espaço para a evolução do mercado, pautando-se pelo consumo cada vez mais digital dos clientes.

"A tecnologia continua sendo uma prioridade para a companhia em todas as frentes do negócio e em novos negócios. Os principais anseios de quem utiliza os nossos canais digitais são relacionados à experiência: querem ter autonomia, uma jornada mais fluida e atendimento humanizado, além de acesso a um produto de confiança, fácil, ágil, rápido e transparente, que seja simples, com o mínimo de burocracia possível", explicou.

Tradição e atualização

Com o e-commerce integrado ao modelo de negócios desde 2020, a Pirelli é uma das marcas mais antigas do universo automotivo. O seu fundador, o engenheiro Giovanni Battista, provavelmente nunca cogitou que sua companhia, criada em 1872, em Milão, pudesse se adaptar tanto para a venda online. Apesar de não especificar o quão grande é a parcela composta pelo e-commerce nas vendas, Diego Arias, diretor de Marketing da Pirelli para América do Sul, reforça que o segmento é fundamental no presente e no futuro.

"A pandemia nos provou o quão essencial é termos uma presença online estabelecida e bem estruturada, afinal passamos por um período em que o contato presencial entre empresa e cliente foi interrompido abruptamente", disse. Entretanto, o executivo res- salta que o modelo tradicional é visto como complementar ao online. Assim, não espera destaque de uma ou outra modalidade de compra.

Como forma de manter e, futuramente, ampliar o escopo de trabalho dentro do e-commerce, Arias fala no aplicativo da Pirelli de RA (Realidade Aumentada). Este, por sua vez, permite a visualização dos produtos à venda e com detalhes dos pneus. "Trazemos ao consumidor uma maneira prática e interativa para tornar a experiência de compra mais assertiva", concluiu.

A situação do e-commerce automotivo entre players com produtos mais específicos pode, aliás, justificar a necessidade de evolução e desenvolvimento do comércio eletrônico nesse meio. A Tenneco, que comercializa amortecedores da Monroe, é um desses casos.

"O e-commerce ainda representa muito pouco do total dos nossos resultados, menos de 2%. Essa modalidade começou a se tornar realidade durante o período da pandemia, em que a maioria das empresas precisou, quase que obrigatoriamente, a se inserir mais nesse mundo", afirmou Ivan Furuya, diretor de Vendas e Marketing da empresa.

Como motivo ou embasamento para o índice em questão, o executivo apresenta uma realidade vista na maior parte do mercado automotivo, principalmente no meio dos reparadores e mecânicos. "Vale ressaltar que o e-commerce é algo relativamente novo no mercado de reposição automotiva de autopeças. Nosso segmento é muito pautado pelas relações interpessoais, além de algumas dores que o segmento terá que corrigir antes de acelerar o processo de vendas digitais. Uma delas é a falta de uma base de dados confiável para que o consumidor pos- sa comprar a peça correta de seu veículo", explicou Furuya.

Para atuações futuras, o executivo enxerga que ainda é necessário entender melhor o assunto e buscar mais conhecimento sobre o e-commerce automotivo. "Para o futuro, precisamos entender melhor o que se vende pela internet, ou seja, criar estratégias de big data que irão nos guiar para qual caminho seguir. Além disso, precisamos evoluir nas questões logísticas e reavaliar os processos de garantias. As empresas do nosso segmento estão evoluindo, mas não na velocidade que deveriam", finalizou.

O cenário geral é positivo. O espaço e, mais do que tudo, a liberdade para crescer são fatores que devem definir a evolução de players que se aproveitam do comércio eletrônico e daqueles que ainda vislumbram essa entrada. Nesse caso, as regras de trânsito não se aplicam e são duas mãos, não somente uma, que rumam em direção à evolução do e-commerce automotivo.

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