Revista CDM #62

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ano 20 - edição 62 | setembro de 2023 CURITIBA

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revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Com licença, vamos à luta! Com menos oportunidades e menor renda, mulheres negras empreendem em Curitiba




Corpo da matéria Ano 20 - Edição 62 - Setembro de 2023 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Ir. Rogério Renato Mateucci DECANA DA ESCOLA DE BELAS ARTES

Ângela Leitão

COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADORA EDITORIAL

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 5º Período Jornalismo PUCPR Adriano Sirius Dalto Pinto, Amanda Gabrielle dos Santos, Ana Carolina Rossini Augusto, Annelise Mariano, Bruna Naomi Noda Pelegrini, Caio Yuke Remza, Eduardo Albano da Silva, Enrique Ceni Guinart, Felipe Artigas Tomaz, Felipe Marques Lunardi, Felipe Worliczeck Martins, Gabriela Alves de Jesus, Giovanna Catapan, Ingrid Caroline Von Knoblauch Lopes, Isabela Faria da Costa Lobianco, Isabella Naime Elias, Ivan Martins Cintra, João Américo Harrich Goulart, João Caetano Ozores Guimarães, João Vitor Luchesi Lourenço Vieira, José Henrique de Souza Garlet, Julia Almeida Moreira, Julia da Silva Barossi, Julia Vitoria Sobkowiak, Juliana Boff, Lívia Berbel de Sousa Santana, Lorena Motter Kikuti, Luis Gustavo Schuh Bocatios, Maria Fernanda Vieira Dalitz, Mariana Gomes Santos, Mariana Trevisol Bridi, Marina Jorge Geiger, Nicolas Kirilov de Oliveira, Pietra Gabiatti, Thaynara Goes da Graça, Valentina Silva Nunes, Victor Augusto Gambetta Dobjenski, Vinicius Oliveira Setta, Vitor Junqueira Meirelles Marcolini

Imagem de capa: Ivan Martins Cintra

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SUMÁRIO Resistência preta

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Mulher, duas sílabas. Imigrante, quatro sílabas

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Ainda somos os mesmos?

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Uma cura e um sonho

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A linha que nunca teve fim

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Pioneirismo sobre rodas

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Lombada no meio do caminho

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Problemas no mercadão

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Qual é a próxima parada?

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Futuro em telas

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Cidade de vinil

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Do monótono ao criativo

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A arte de construir cordas

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“Tá focando, meninas?”

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O conto da Smart City

76

Um lugar pra bicho morar

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O futuro é verde

84

O florescer da sabedoria na capital paranaense

72

O conto da Smart City

76

Um lugar pra bicho morar

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Felipe Worliczeck

Feira Afro da Praça Zumbi dos Palmares é espaço de fortalecimento para as empreendedoras.

Resistência preta Ivan Martins Cintra Felipe Worliczeck Luís Gustavo Bocatios

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Dados do afroempreendedorismo no Brasil revelam desigualdade. Em Curitiba, grupos se mobilizam por um futuro de equidade

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ulheres negras têm a menor renda dentre os empreendedores, também é o grupo que menos emprega. Dados do empreendedorismo negro no Brasil revelam desigualdade étnica e de gênero na busca pela liberdade financeira. O afroempreendedorismo é a realidade de muitas. Em Curitiba não é diferente. Por diversos motivos, a mulher negra decide empreender, sempre em busca de melhor qualidade de vida. Amanda Nascimento, 27 anos, trabalhava com CLT até 2018, quando decidiu largar o emprego para empreender. Formada em Design de Moda na PUCPR, ela se sentia insatisfeita com o trabalho. “Eu passei por situações complicadas, por casos de racismo em uma empresa predo-

minantemente masculina e branca.” Estudo levantado pela InfoJobs (2023) aponta que seis em cada dez mulheres negras sofreram algum tipo de preconceito no mercado de trabalho (58,8%). “Eu não aguentava mais, então decidi abrir o meu próprio espaço.” A jovem empreendedora fundou um brechó no centro de Curitiba, o Xerimbabo, que funciona à Rua São Francisco ­– zona histórica da cidade. Amanda afirma que suas maiores dificuldades foram financeiras, e critica a falta de incentivo do governo. “Eu tive que recorrer a um empréstimo”, conta. Dentre as dificuldades, a empreendedora também comenta sobre o machismo que sofreu ao abrir o seu próprio negócio: “Sinto que não fui levada a sério no começo, levou um tempo para perceberem que a proprietária da loja sou eu e não o meu funcionário homem”. Ela critica, principalmente, a falta de importância que a prefeitura de Curitiba dá aos comerciantes do Centro. “Essa é uma das ruas mais antigas e históricas da cidade, mas a prefeitura não faz nada para atrair o público”, diz. O Centro figura entre os bairros mais violentos da capital paranaense, e é a região em que mais ocorrem roubos e furtos.

Resistência feminina no Afroempreendedorismo Maioria entre as mulheres Em média, empreendedoras negras trabalham mais horas do que as brancas, mas ganham menos Pretos e pardos são maioria da população brasileira. Com 54% de autodeclarados (IBGE), o número tende a ser ainda maior. De forma geral, o DataSebrae aponta que metade dos donos de negócios no país são negros (49,5%), e a mulher negra representa 52% dos empreendedores

do grupo racial. A pesquisa também aponta que as negras são as que trabalham mais horas dentre as mulheres. Foram, também, o grupo de empreendedores que mais sofreu durante a pandemia de Covid-19 e que mais demoraram para se recuperar.

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Felipe Worliczeck

Também no centro de Curitiba, a cabeleireira Nelly Magne Soh, 43 anos, abriu um estúdio de tranças e apliques na Praça Tiradentes. Próximo ao marco zero da capital, a região é zona tradicionalmente escolhida por imigrantes para abrir um comércio – primeiramente por alemães e italianos e, posteriormente, por sírios e libaneses. Em 2010, Nelly migrou de Camarões, sul do continente africano, para o Brasil, em busca de melhor qualidade de vida. Sua loja da Tiradentes funciona desde agosto de 2022, como uma extensão de seu primeiro salão. A loja antiga, que operava desde 2016 próximo ao terminal Guadalupe, precisou fechar as portas em junho deste ano. A falta de mão de obra e pouco espaço foram os principais motivos da decisão. Nelly trabalhava com hotelaria, mas seus horários dificultavam sua vida pessoal, ela morava sozinha com sua filha pequena. Decidiu empreender, começou trabalhando em casa, com pouco dinheiro. “A demanda foi aumentando, então eu precisei buscar um espaço para isso.” O trabalho como trançadeira já fazia parte de seu dia a dia. “Uma camaronesa que não sabe trançar é igual brasileiro que não sabe sambar, não existe.” A falta de mão de obra é a maior dificuldade citada por Nelly. “Muita gente quer emprego, mas pouca gente tem disciplina para trabalhar.” Afirma ainda ter oferecido treinamento a outras mulheres, mas que poucas continuaram como funcionárias. Para Nelly, a mudança na situação das mulheres negras tem que partir delas mesmas. “Precisamos assumir uma postura de orgulho de ser quem somos, ter orgulho do nosso cabelo, da nossa cultura.”

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Felipe Worliczeck

Empreendedores negros recebem 32% a menos do que os brancos no Brasil. A divergência é ainda maior quando o gênero é levado em conta. As negras são 43% mais pobres, homens brancos têm rendimento médio de R$ 3.231 enquanto as donas de negócio negras recebem R$ 1.852 ao mês. As mulheres negras são o grupo que menos emprega, apenas 8%, a maioria atua por conta própria. Os

Amanda Nascimento expandiu o negócio com uma cafeteria.


Ivan Martins Cintra

Nelly fala da importância do cabelo para a mulher negra, “é a nossa coroa”.

“O que hoje vende-se como empreendedorismo, numa lógica meritocrática, em verdade esconde a face do desmprego.” Carla Marcelino, socióloga dados são do DataSebrae e correspondem ao ano de 2022. De acordo com o estudo do Sebrae, o perfil da empreendedora negra no Brasil é o mais jovem e menos escolarizado; possui negócios menores e o menor rendimento da categoria. Dados de desigualdade revelam que o grupo é o mais vulnerável financeiramente, apontando o racismo estrutu-

ral da sociedade brasileira, os efeitos dos 300 anos de escravidão e apagamento no mundo dos negócios. O perfil dos empreendedores no Brasil, ainda, deixa evidente que a maior parte empreende para sobreviver, ou seja, para sair do desemprego e garantir renda. Por isso, é importante uma discussão acerca da precarização das soluções de trabalho. É o que pensa Carla Marcelino, doutora em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e assistente social. “O que hoje vende-se como empreendedorismo, numa lógica meritocrática, em verdade esconde uma face do desemprego, do subemprego e da informalidade”, afirma a socióloga. Segundo estudo do IBGE, a taxa de desemprego no Brasil foi de 8,8% no primeiro trimestre de 2023. O nível de desocupação para pretos e pardos foi de 11,3% e 10,1%, respectivamente. Valor acima da média nacional. Para pessoas brancas, o nível de desemprego não ultrapassou 6,8%. Carla Marcelino chama de “uberização” do mercado de trabalho. Para a socióloga, “muitas pessoas, por não

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“As empreendedoras negras precisam ser fortalecidas.”

conseguirem se inserir no mundo do trabalho, passam a desenvolver atividades autônomas, muitas vezes precarizadas, sem direitos trabalhistas, às vezes em condições insalubres.” A desigualdade é verificada, também, na informalidade dos negócios dos autodeclarados negros, oito em cada dez empreendedores negros não têm CNPJ (79%), de acordo com a mais recente pesquisa realizada pela aceleradora de empreendedorismo PretaHub.

Felipe Worliczeck

Juliana Cidali, professora e artesã

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Felipe Worliczeck

Conforme pesquisa realizada pelo Instituto Rede Mulheres Empreendedoras (IRME), em 2022, seis em cada dez empreendedoras no Brasil são negras (60%). Para a socióloga, a quantidade de empreendedoras negras também pode ser relacionada a fatores sociais e econômicos. “Muitas mulheres não conseguem ingressar ou se manter em trabalhos formais e têm que trabalhar de forma autônoma, em condições precárias, para manter suas famílias”, aponta.

Irmãs, Jurema e Indiamara vendem roupas e acessórios em feiras de Curitiba.

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Felipe Worliczeck

Feira é espaço, também, para performances artísticas. EMERGINDO A mulher empreendedora necessita de apoio, a desigualdade é exercida de diferentes formas para este grupo da sociedade. Entre os desafios enfrentados estão a dificuldade de conciliar o trabalho com a vida pessoal, visto que muitas são mães e solteiras. De acordo com o Instituto Datafolha, sete em cada dez mulheres brasileiras são mães (69%), metade são mães solo (55%). Pesquisa da Fundação Getúlio Vargas aponta que 90% das mulheres brasileiras que se tornaram mães solo nos últimos dez anos são negras. Outra dificuldade enfrentada é a falta de acesso ao ensino superior. Apenas 18% donas de negócio negras concluíram uma graduação, ante a 32% dos empreendedores brancos (DataSebrae). Mesmo diante da desigualdade, empreendedoras pretas resistem, movimentos sociais de Curitiba lutam pela igualdade e equidade. A Feira de Afroempreendedorismo da Praça Zumbi dos Palmares é um dos exemplos. Ocorre mensalmente na regional do Pinheirinho, desde 2016. Evento exibe o trabalho de artistas, artesãs, trabalhadores autônomos e comerciantes negros e negras. Marcia Reis é uma das organizadoras e uma das dirigentes do instituto

Afro-brasileiro do Paraná, fala sobre o intuito da feira: “Fortalecer a renda e criar identidade com a cultura afro”. Reis conta que a maioria das feirantes que buscam o instituto são mulheres negras. Feirantes na Feira Afro da Zumbi, as irmãs Jurema e Indiamara Ferreira, 62 anos, atuam há quatro anos. Comercializam roupas e acessórios da cultura afro por diversos pontos da capital paranaense. No entanto, a prática do afroempreendedorismo não é a principal fonte de renda das irmãs. Jurema trabalha em uma fábrica de parafusos e Indiamara é aposentada. Para elas, é uma atividade prazerosa e fortalece a renda familiar. Outra participante é Juliana Cidali, 45 anos, que começou a fazer bijuterias após perder familiares em um acidente. “Eu comecei na bijuteria para aliviar essa dor, funcionou, e hoje funciona como trabalho”, conta. Juliana deixou de lecionar aulas de português para cuidar da filha pequena, o trabalho com bijuterias a permite conciliar a vida pessoal e profissional. A feirante também vende suas peças nas feiras do Largo da Ordem, Passeio Público e do Portão. “As empreendedoras negras precisam ser fortalecidas. Nós somos mães, às vezes precisamos trabalhar com nossos filhos, isso tem que ser visto.”

Racismo Estrutural Em seu discurso de posse, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu impulsionar o pequeno empreendedor e firmou o compromisso de combater todas as formas de desigualdade no Brasil. O caminho para isso, no entanto, é mais árduo do que o presidente demonstra. O problema está enraizado no histórico de sociedade escravista e nos últimos 135 anos de apagamento afro desde a abolição. No Paraná, o governador Ratinho Júnior chegou a indicar um homem branco para a Secretaria Estadual da Mulher e Igualdade Racial. Em Curitiba, o prefeito Rafael Greca, em 2020, discorda que exista racismo estrutural na capital paranaense.

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Glorie Nkululeko, congolesa e cozinheira, no encontro Mais laços, menos embaraços.

Mulher, duas sílabas.

Imigrante, quatro sílabas Curitiba representa para cerca de 5.600 mulheres imigrantes um recomeço. Necessitando de trabalho, acomodação e alimento, projetos sociais são fundamentais para ajudar no acolhimento delas Ana Rossini Julia Moreira Nanda Dalitz Fotos de: Julia Moreira

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“Plantei meu mastro no coração deste território Vejam-me longe dos meus Aprendo a dançar com um só pé A terra rubra de meu país Não deixou minhas solas desde a última transumância (...) Em cada um de meus sonhos Vem esse nome Duas sílabas Congo” Poema de Alain Mobanckou

À

minha Mãe”, do escritor congolês Alain Mabanckou, é um dos poemas recitados no encontro Mais laços, menos embaraços, que foi promovido pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), para que a cultura de emigrantes da República Democrática do Congo e da República do Congo seja manifestada e representada em Curitiba. Emigrante, quatro sílabas, é quem sai do país de origem por opção com o objetivo de conseguir melhores condições de vida. Imigrante, quatro sílabas, é quem entra num país estrangeiro a fim de trabalhar, estudar e ter uma vida melhor. Em Curitiba, encontram-se cadastrados no Centro de Imigrantes, Refugiados e Apátridas (CEIM) cerca de 11.820 indivíduos. Os três países que concentram mais imigrantes na capital paranaense são Venezuela, com 58,6%, Haiti, 20,8%, e Cuba, com 6,6%.

que é fundamental não só o acolhimento, mas a integração dos imigrantes para que eles possam seguir suas vidas de forma independente.” Uma das formas que ajudou a Gloire a seguir com autonomia é a sua segunda paixão - a gastronomia. A mulher se dedica ao restaurante de comida congolesa, o Merci Afrik, que traz a Curitiba temperos africanos e mantêm a conexão com suas raízes culturais. Além disso, cria dois filhos, já nascidos na capital paranaense, enquanto se empenha para retomar a carreira de advocacia. Com a validação do diploma, da Faculdade de Direito de Marrocos, o próximo passo é passar na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) para atuar como advogada no novo país. A comida, além de trazer o aspecto afetivo com suas origens, muitas vezes é utilizado como fonte de renda. Foi isso que Roberta Cibin, produtora cultural e fundadora do projeto Cozinha Sem Fronteiras, percebeu em visitas a comunidades na periferia da capital. “Em 2021, eu estava fazendo muito trabalho com comunidades afastadas, principalmente na Nova

No entanto, a pluralidade de imigrantes que vêm a cidade em busca de abrigo é bem maior, por mais que nem sempre seja vista. Gloire Nkululeko, congolesa - quatro sílabas - que vive na cidade desde 2017 e uma das participantes do encontro, recorda de quando tentou procurar apoio para imigrantes de seu país: “Os africanos estão sempre esqueGlorie Nkululeko, congolesa cidos. Quando se fala dos imigrantes aqui, as pessoas se lembram dos haitianos, Esperança, e percebi que cada vez venezuelanos, ucranianos, mas nós mais aumentava o número de musomos deixados de lados.” lheres migrantes na região. Elas, na maior parte desempregadas, vendiam Foi essa inquietude que fez com que refeições para a própria comunidade Gloire criasse a BOMOKO, Associação como fonte de subsistência.” dos Africanos em Curitiba. A imigrante, que sempre teve um apego à miliInspirada nessa experiência, Roberta tância, sentiu falta de uma represenconvida uma amiga chefe de cozinha e tatividade política de sua nação. Com jornalista, Renata Vidal, para criar um ajuda de professores do mestrado projeto, que além de ajudar mulheres em Direitos Humanos na UFPR, Gloire imigrantes, permita compartilhar suas fundou a associação com o objetivo de histórias de origem, entender as mucriar uma base de apoio a imigrantes lheres e entender os pratos. Concebe, africanos, principalmente famílias, a assim, uma cozinha sem fronteiras. se estabelecerem em Curitiba. “A cidade não está pronta para acolher es- O projeto Cozinha sem Fronteiras sas pessoas. E é importante ressaltar funciona da seguinte maneira: uma

“A cidade não está pronta para acolher essas pessoas.”

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vez a cada dois ou três meses, uma mulher imigrante é escolhida para se tornar chefe de cozinha por um dia. O projeto encontra o restaurante, com uma equipe de cozinheiros que topa participar, ajuda as mulheres a definirem o cardápio, fazem as compras necessárias para o preparo dos pratos e fazem a divulgação do evento. No dia determinado, a imigrante se torna chefe de cozinha e o projeto trabalha para ela. São preparados vários pratos típicos de seus países para serem degustados no local ou retirados no balcão. O lucro é dividido em 40% para a chefe e os outros 60% cobrem as despesas das compras e paga a equipe que trabalhou para o evento. Para Renata, o mais importante é que essa mulher escolha um prato que traga história, seja ela de revolução, como o prato do Haiti, ou de aconchego e afeto, como muitas das outras participantes trouxeram. “Sempre que termina o almoço, nós levamos a chefe de mesa em mesa, para que a pessoa que está degustando o prato conheça a mulher que está por trás de tais sabores”, afirma a co-fundadora. Gloire foi uma das participantes do projeto, durante a estada como “chefe de cozinha”. A congolesa preparou o Mbika, uma entradinha que consiste num bolinho de semente de abóbora acompanhado de molho de pimenta típico. A estrela da noite, ou o prato principal, foi um refogado de couve com berinjela, pasta de amendoim e bolinho de mandioca, chamado de Nkovi com Kwanga. Gloire se recorda do dia com carinho: “Todos adoraram a minha comida”.

MULHER IMIGRANTE Ser imigrante não é fácil em situação alguma, mas quando se é mulher imigrante, as dificuldades se somam. Dados coletados pelo CEIM, em 2022, apontam que existem cerca de 5.673 mulheres nessa situação em Curitiba. O mesmo relatório descreve o perfil dessas mulheres. A maioria delas é mãe, faixa etária de 20 a 39 anos, possui segundo grau completo e muitas são graduadas. Quando chegam aqui não tem nada, estão em situação de extrema vulnerabilidade,

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sem acesso à alimentação, higiene ou moradia. Mãe, uma sílaba. Mulher, duas sílabas. Migrante, três sílabas. Grande parte das mulheres que chegam ao Paraná são venezuelanas. Atualmente, foi registrada a entrada de 60 mil mulheres do país sul-americano. Em 2018, de acordo com dados do Subcomitê Federal para Acolhimento e Interiorização de Imigrantes em Situação de Vulnerabilidade, Curitiba ultrapassou São Paulo e Manaus e se tornou a capital com o maior índice de imigrantes venezuelanos. Cinco sílabas - Venezuela. Génesis Solorzano, 26 anos, é uma dessas mulheres que vieram da Venezuela à capital atrás de uma vida mais segura para si e seus filhos. Mãe de três meninos, com idades entre 4 a 11 anos, Génesis não consegue trabalhar por questões de saúde - tem deficiências na vista e na coluna que a deixaram impossibilitada. A mulher sustenta a família com os R$ 600 do Auxilio Brasil, além da venda de doces e tortas para a comunidade. “Ser mulher e migrante é um pouco difícil, porque tem muita descriminação. Aqui as pessoas te olham por cima do braço, os brasileiros não tem humanidade pelos imigrantes. Ainda mais quando vendo doce no semáforo.” Brasileiros, quatro sílabas. Discriminação, cinco sílabas. O sonho de Génesis é ter seu próprio negócio. Experiente em comidas rápidas, a venezuelana gostaria de ter uma venda de hambúrguer ou cachorro quente. No entanto, com as dificuldades financeiras que passa e a falta de auxílio para abrir um negócio, Génesis se vê sem muita opção. “O governo não ajuda a montar o próprio negócio, então conto com o próprio desejo e vou pedir um empréstimo para o banco.”

Annie Ishimwe, congolesa e uma das que recitou poemas na língua materna, o francês, no encontro promovido pela UFPR.


No Café Babette, ao lado da Aliança Francesa de Curitiba, o sotaque dos holofotes foi um: o congolês. Lucrèche Esther Ngouala, congolesa

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Doce congolês Galette, que Glorie fez para o encontro. Os ingredientes são: ovo, leite, farinha de trigo, manteiga, sal e açúcar mascavo

ADAPTAÇÃO Biangy de Los Angeles de Sganga, 28 anos, também saiu da Venezuela para tentar uma nova vida no Brasil. Com a alta da inflação, se tornou impossível a família se sustentar, então ela, junto com o marido e filho, foram morar em Manaus. Apesar de amarem a cidade, não conseguiram se adaptar ao clima quente da capital. “Foi uma experiência muito boa em Manaus, mas eu e meu marido tínhamos lido sobre o clima de Curitiba, e de que era uma cidade muito sustentável, sabe? Com bastante meio ambiente e verde, foi ótima a mudança para o clima fresco.” Curitiba, quatro sílabas. A adaptação na cidade foi bem tranquila. Durante todo o processo de regularização dos documentos foi bem atendida e recepcionada, entretanto a maior dificuldade para ela foi a barreira linguística. “No começo foi bem difícil, você está cheio de dúvidas e coisas para resolver, mas não consegue se expressar. A gente estudou bastante e com o tempo conseguimos nos virar”. Adaptação, quatro sílabas. Atualmente, Biangy trabalha como gerente de um café no shopping Pátio Batel. Formada em Administração e chefe de cozinha, ela acredita que

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o atual emprego une duas áreas de atuação que lhe interessa: a gestão de pessoas e a culinária. Apesar de gostar do atual ofício, o sonho de Biangy é abrir um café ou bistrô na cidade. Vegetariana desde os nove anos de

“No começo foi bem difícil, você está cheio de dúvidas e coisas para resolver, mas não consegue se expressar.” Biangy de Sganga, venezuelana idade, gostaria de um lugar todo seu para compartilhar pratos sem crueldade animal. Mas diferentemente da realidade de Biangy, nem todos conseguem se adaptar tão facilmente. Em Curitiba, organizações e ONGs se unem em prol da causa para tentar tornar esse processo menos traumático. A Caritas é uma confederação de 165 organizações humanitárias da Igreja Católica que atua em mais de duzentos países.


O projeto tem como objetivo melhorar a vida das pessoas, seja cuidar do meio ambiente, lutar pela equidade de gênero ou trabalhar com populações em situação de vulnerabilidade.

é a articulação política. Ela é fundamental para que possa ser discutida políticas públicas para essa população, sempre abrindo espaço para a voz do imigrante”.

Desde 2015, a sede aqui em Curitiba tem ações especialmente voltadas a acolher os imigrantes que chegam na cidade. Marcia Pontes, secretária regional da Caritas Paraná, conta que o programa funciona à base de quatro eixos. O primeiro é a proteção desse indivíduo - a organização ajuda na regularização, agendamento com Polícia Federal, proteção legal e requisição de acomodação migratória. “Hoje se o imigrante vai direto na Polícia Federal atrás de atendimento, ele vai receber um panfleto da Caritas para buscar nossa ajuda antes.”

Karla González, venezuelana de 32 anos, ao chegar em Curitiba teve apoio da organização para estabelecer sua vida no novo país. “A Caritas ajudou muito a gente com cestas básicas e até presentinho de Natal para as minhas filhas em dezembro.” Apesar do apoio do grupo, sair do país de origem e recomeçar do zero não foi nada fácil para Karla. Sem falar português, desempregada e com três filhas de 10, 12 e 15 anos de idade, a mulher acredita que por mais que o período de adaptação seja difícil, elas têm mais perspectivas de futuro aqui do que no país de origem. “Quero um melhor futuro para minhas filhas, uma boa educação e uma melhor qualidade de vida. Lastimosamente, no meu país, eu não podia dar nada disso.”

O grupo também atua com assistência social, esse processo se dá com encaminhamento ao CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) e atendimento à saúde. Outro eixo importante do grupo é a integração laboral, para que assim o migrante possa se tornar independente do Caritas. A confederação, então, faz parcerias com empresas para disponibilização de vagas e palestras para conscientizar empresas sobre a importância de empregar essas pessoas. Independência, cinco sílabas. Para Márcia, a função essencial do coletivo é a conscientização sobre o tema. “A parte mais forte do projeto

Em Curitiba, ela conseguiu um emprego como assistente de cozinha, porém, consumia demais do seu tempo, o que dificultava o contato com as filhas. Assim, hoje a mulher espera a resposta de uma vaga em serviços de limpeza, enquanto se sustenta com o Auxilio Brasil. Karla, como toda imigrante, tem sonhos e, no seu caso, é se formar como enfermeira, mas maior do que sua própria ambição é ensinar resiliência às filhas para que consigam crescer profissionalmente. Resiliência, cinco sílabas. “Ser uma mulher migrante em Curitiba é ser uma mulher esforçada, lutadora, trabalhadora, com vontade de sair à frente e dar o melhor de si mesmo por um futuro melhor, sobretudo por nossos filhos. Sem deixar de lado minhas boas tradições venezuelanas.” Mulher, duas sílabas. Migrante, três sílabas. Veja também Conheça a receita da Galette, feita por Gloire, para o evento Mais Laços, Menos Embaraços. portalcomunicare.com.br

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Julia Sobkowiaki

Ainda somos os mesmos? Jovens candidatos discutem sobre o futuro político de Curitiba. Mesmo com ideias diferentes, a resistência contra a juventude independe do lado. Mas há esperança

Julia Sobkowiaki Lívia Berbel Thaynara Goes Victor Gambetta Dobjenski

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E

m frente à Câmara Municipal de Curitiba, no último degrau das escadas que levam à sala das plenárias dos vereadores, um senhor de idade se aproxima de um grupo de três moças. Depois de ouvir um pouco da conversa delas, ele as interrompe, dizendo:

conceito, dúvidas e falta de apoio. Mas o sonho de levar as pautas femininas e da juventude para serem debatidas não foi barrado pelo ambiente hostil. Assim como Camilla, outros jovens têm participado da política curitibana e discutem sobre o que será do futuro da cidade.

- Com licença, desculpe por interromper… queria saber por onde posso entrar. Esta porta está fechada, mas preciso resolver algumas questões aí dentro.

Segundo o Tribunal de Superior Eleitoral (TSE), foram validadas apenas 29 candidaturas de jovens entre 18 e 24 anos nas eleições municipais de 2020 em Curitiba. O município contou com 1.166 candidatos aptos neste pleito, e somente 2,49% estão na faixa etária considerada como jovem pela Organização das Nações Unidas (ONU). Nas eleições de 2016, o cenário era praticamente igual: disputaram 29 candidatos jovens entre 1.103 concorrentes de outras faixas etárias.

Uma das moças, sorrindo, responde: - Ah, senhor, essa porta é só para as plenárias dos vereadores. Para ser atendido, o senhor precisa descer as escadas e virar à direita. A entrada para solicitações da população fica ao lado do prédio. O senhor agradece a ajuda e se encaminha para a outra porta. A moça que respondeu a ele, no entanto, volta o olhar para as outras moças e pergunta: - Bom, onde eu parei mesmo? Como eu estava dizendo, tudo é político… A moça em questão é Camilla Gonda, candidata a vereadora nas eleições de 2020, em Curitiba. Aos 19 anos, na sua primeira eleição como eleitora também, Camilla lançou candidatura pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Hoje, já formada em Direito e estudando Ciências Políticas, a ex-candidata conta que sempre quis se envolver com política e sabia que, uma hora ou outra, iria se candidatar. Ela só não esperava que seria tão cedo. No colégio, eu brincava que seria candidata, mas todos achavam que eu estava brincando. Acho que pensavam: ela não é louca a esse ponto, né? Naquele ano, Camilla trabalhava como estagiária ganhando R$ 500 e investiu todo o seu salário na candidatura. O seu partido também a apoiou, mas o montante investido foi irrisório frente a todos os outros candidatos. No total, a sua candidatura foi bancada com R$ 5 mil. Para Camilla, a ideia de ser uma candidata jovem e mulher não é bem aceita pela sociedade. Há pre-

Entre os 29 candidatos de até 24 anos do pleito de 2020, 11 eram mulheres, uma candidata a mais em relação a 2016. Nas duas eleições municipais mais recentes, nenhum candidato de até 24 anos se elegeu. Uma palestra sobre candidaturas femininas na política foi o gatilho que Ana Delfes precisava. Estudante de Direito e assessora do governo do estado, ela conta que desde muito nova teve interesse em política e sempre participou de reuniões e conselhos sobre o tema. Ana decidiu se candidatar no momento em que participou de uma palestra sobre representatividade feminina no meio político oferecida pelo Tribunal Regional Eleitoral do Paraná (TRE-PR):

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Eu pensei: eu posso. Eu sou mulher, sou jovem, tenho uma vida inteira pela frente. É uma experiência nova - diz, sentada em um dos salões pomposos do Palácio do Iguaçu. Uma das coisas que mais a motivou foi acreditar que há espaço para a juventude no âmbito político. Aos 21 anos, Ana se candidatou a vereadora de Curitiba pelo PROS. Ela se declara como uma jovem de direita e conservadora, e um de seus maiores objetivos é engajar e trazer para a política outros jovens com o mesmo posicionamento. Camilla, por outro lado, se declara progressista e acredita na necessidade de representatividade nos espaços de poder. Para a estudante de Ciências Políticas, não adianta ter várias mulheres lançando candidatura, se os chefes de partidos são homens e não apoiam mulheres no poder. A premissa se repete, na sua opinião, para a comunidade LGBTQIA+, pessoas pretas e pardas, quilombolas e indígenas. Os espaços de poder têm que ser ocupados por pessoas que representem essas minorias. Eu sou mulher, mas sei que não falo por todas. Não posso falar por mulheres pretas, por exemplo, porque as vivências são diferentes. Quanto à juventude, Camilla relata a cobrança que vive mesmo sendo apenas uma jovem de 21 anos. A ex-candidata conta que, logo no início da sua caminhada política, ela tinha medo que as pessoas vissem a sua juventude como um problema, por isso deixou de viver algumas coisas como uma “jovem normal”.

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Na sua visão, as pessoas esquecem que políticos e representantes são, antes de mais nada, humanos e cidadãos que vivem suas vidas normais. Ela, sobretudo, era uma jovem mulher e estudante que fazia o possível para a sua cidade, mas que também queria aproveitar e viver a sua própria vida. Hoje, Camilla não tem vergonha de parecer uma jovem. Na verdade, ela tenta mostrar exatamente isto: jovens se divertem, erram e acertam, mas se preocupam com Curitiba tanto quanto os mais velhos. Tenho 21 anos, nem fui eleita, mas às vezes sou cobrada como se eu fosse a própria prefeita da cidade comenta, rindo. Atualmente, Camilla, junto a uma amiga, comandam o Elas Na Política. Movimento que encoraja mais mulheres a entrarem nos espaços de poder. Embora não saiba dizer o que exatamente a move a continuar, Camilla acredita fielmente que foi chamada para a política. Ela sabe que esse é o lugar dela. E pretende seguir em frente.

O PONTAPÉ NA POLÍTICA Outro jovem que também decidiu entrar na política em 2020 foi Cassio Ricci II - seu pai é o primeiro. O estudante de Direito e atual diretor do Diretório Centro Acadêmico da PUCPR, campus Curitiba, lançou a candidatura de vereador pelo Cidadania. Cássio se considera como um centro progressista. Na história de Cássio, a política entrou desde cedo. Aos 15 anos, foi estagiário do Tribunal de Contas do Paraná. Lá, sua função era conversar com os políticos na sala de espera enquanto as reuniões não começavam. Então tudo fez sentido. O jovem amava conversar, sempre participou de debates simulativos da ONU e tinha uma real preocupação com a sua cidade. O que não fazia sentido era ser apenas um eleitor. Com pouco investimento e muita conversa, Cássio se candidatou como vereador, mas também não se elegeu. No entanto, a eleição não o impediu de continuar participando da política. Hoje como diretor do DCE, Cássio vive


quase uma simulação da real política. Ouve estudantes de todos os cursos, trabalha por melhores condições na faculdade, conversa com outros diretores e reitores. Isso aqui é parte do que é cuidar de uma cidade - diz, mostrando a sala do DCE, onde estávamos. Assim como Cássio, Ana também teve contato desde cedo com o meio político. Desde o ensino fundamental, ela participava como representante de classe e dos grêmios estudantis. Quando entrou na universidade, começou a frequentar simpósios e palestras sobre o assunto, até que um dia seus amigos a convidaram para conhecer a juventude política de alguns partidos. O que começou como atividades para ganhar horas complementares se transformou em interesse em adentrar o mundo político. No início, ela se filiou a um partido sem pretensão de se candidatar, queria apenas conhecer o cotidiano e explorar terreno desconhecido. Após um ano e meio filiada, a acadêmica de direito se sentiu preparada e decidiu se candidatar como vereadora de Curitiba. Com 209 votos, Ana não se elegeu no primeiro pleito. Em sua primeira candidatura, Ana propôs pautas como a valorização dos

servidores municipais e a profissionalização da juventude através do empreendedorismo. Além dessas ideias, sua principal defesa é a participação jovem na política, principalmente jovens de direita, que fazem parte do seu posicionamento ideológico. O jovem quer ser representado de alguma forma. Tanto o jovem de direita como o jovem de esquerda. Nós queremos ver pessoas como nós.

REPRESENTATIVIDADE Segundo o TSE, nas eleições municipais de 2020, apenas cinco capitais brasileiras tiveram 30 ou mais candidatos de até 24 anos. São Paulo foi a cidade que mais teve candidatos de até 24 anos, com 45 candidaturas no total. Manaus foi a segunda

“O jovem quer ser representado de alguma forma. Tanto o jovem de direita como o jovem de esquerda. Nós queremos ver pessoas como nós. ” Anna Delfes, candidata a vereadora

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Julia Sobkowiaki

“Há um desestímulo, pela parte da família e da sociedade em geral. Porque no Brasil, a política sempre foi mal vista.” Felipe Milanezi, Ciêntista Político capital com mais candidatos jovens, com 35 candidatos. Em terceiro e quarto lugares, temos Belo Horizonte e Belém, com 33 e 32 candidatos, respectivamente. A cidade de São Luís ocupa a quinta posição no ranking, com 30 candidaturas. Já Curitiba aparece empatada com Goiânia, com 29 candidatos de até 24 anos. Dessas 29 candidaturas curitibanas, apenas quatro são de pessoas que se autodeclararam como pretas ou pardas. Nas eleições de 2016, esse número era um pouco maior, com seis candidatos pretos ou pardos. Apesar de ser a sexta capital com mais candidatos jovens, Curitiba ainda tem um longo caminho a percorrer quando se trata de representatividade. Para Felipe Milanezi, doutorando em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), as redes sociais não têm impactado

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diretamente o interesse dos jovens na política. Pesquisador no núcleo Nupesal, Milanezi afirma que dados levantados entre os anos de 2000 a 2019 pelo Núcleo, mostram que a socialização e interesse políticos dos jovens do sul do país (onde os dados foram coletados) não têm sido afetados pelo uso das redes sociais: Claro que a internet tem um componente de auxiliar aquele jovem que tem interesse por política. Mas isso depende muito da iniciativa do próprio jovem - completa. O especialista ainda explica que os jovens que costumam se informar sobre política pela internet costumam apresentar valores antidemocráticos, rejeitando organizações coletivas. Por fim, Milanezi reitera que o que falta para a sociedade brasileira de-


senvolver interesse por política é a própria educação. Ele comenta que os brasileiros sempre apresentaram rejeição à política, e que desde a juventude é desmotivada a participar de lideranças:

As pessoas me perguntam: seu sonho é se tornar vereadora? E eu sempre respondo que não. Ser vereadora não é um fim, é o meio. Meu sonho é sempre estar ativa para ajudar mais e mais pessoas. Sempre trabalhar para uma sociedade melhor. - finaliza.

“Há um desestímulo, pela parte da família e da sociedade em geral. Porque no Brasil, a política sempre foi mal vista.”

E O FUTURO?

“Ser vereadora não é um fim, é o meio. Meu sonho é sempre estar ativa para ajudar mais e mais pessoas. Sempre trabalhar para uma sociedade melhor.”

Tanto Camilla, quanto Ana, quanto Cassio, acreditam que há espaço para uma Curitiba melhor. Os três, como visões diferentes, acreditam que basta incentivo e oportunidade para que a juventude conquiste espaço. Há esperança. Ana, por exemplo, afirma que os números já mostram o início de uma renovação na cidade. Na última eleição municipal, 18 novos candidatos foram eleitos em Curitiba. Uma renovação de 47% da câmara. Não é um número estratosférico, mas é um número excelente. Acho que esse espaço só tende a crescer - comenta sobre o futuro da cidade.

Camilla Gonda, candidata a vereadora

Veja também Confira os estudos relacionados a jovens na politica usados na materia no QR Code abaixo

Camilla, por outro lado, acredita que ainda há muito a ocupar. Ela cita a deputada Carol Dartora, que em 2020 se elegeu como vereadora e foi a primeira mulher negra a ocupar esse espaço. No entanto, Camilla finaliza dizendo que, mesmo não sendo eleita, o momento que viu os seus foi marcante na sua vida. A ex-candidata teve quase 2000 votos. Ela se lembra que votos não são apenas números, são pessoas que acreditam nas suas ideias. Uma menina de 19 anos conquistou quase 2000 pessoas. Para Camilla, trabalhar na câmara não é o fim. O que ela acredita é que deve trabalhar de todas as formas por uma Curitiba melhor, mais inclusiva e consciente. Trabalhar sendo cidadã, vereadora, ou prefeita. Mas nunca parar.

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Arquivo Pessoal

Tomografia da Sidineiva, em dezembro de 2022.

Uma cura e um sonho A Ana Rossini, Nanda Dalitz e Julia Moreira

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Com hospitais referências em transplantes no país localizados em Curitiba, os transplantados vivem uma nova vida, mesmo com os efeitos do procedimento a longo prazo

os 32 anos, Katia aprendeu novamente o que era milagre. “Eu esperava esse tipo de milagre, sem ação do homem, mas Deus usou o homem e a medicina para eu entender que Deus trabalha com a humanidade”, lembra. Em uma sexta-feira, 13, do mês de janeiro, a jovem conheceu o céu e o inferno. Após ser humilhada pela amante do seu então namorado pelo telefone, Katia olhou para o céu em busca de respostas e pediu à Deus que deixasse aquela situação. Horas mais tarde, o número do seu médico tocou no mostrador do seu celular. O primeiro milagre foi esse. O cadastro de Katia Kmiecik, hoje com 43 anos, no Hospital Cajuru estava


com o número de celular desatualizado devido à troca de endereço não notificada ao hospital. Por sorte, o celular da mulher estava no perfil do Facebook, onde o médico encontrou o contato. A ligação era promissora. O cirurgião informou Katia que ela era uma das quatro pré-selecionadas para receber um rim. O primeiro paciente não estava com os exames em dia. O segundo estava apto e recebeu um dos rins. O terceiro também estava apto. Porém, o segundo órgão estava com uma pequena perfuração vascular e não poderia deixar as instalações do hospital em Curitiba para ir até o terceiro paciente, em Pato Branco, no interior do Paraná. Então, no dia 14 de janeiro de 2012, a jovem recebeu uma oportunidade de nova vida.

referência no estado. A Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO), em 2022, registrou o hospital como um dos principais, realizando 28% dos transplantes de fígado e 18% dos transplantes de rim na cidade, neste ano. Por outro lado, o Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (CHC-UFPR) também se destaca pelas inovações nos transplantes de córnea e de medula óssea.

DE SI PRÓPRIO Tudo o que Neiva pedia em suas orações era um diagnóstico. Sidineiva Daleski, profissional autônoma, aos 25 anos retirou um tumor maligno do intestino que seria fatal se não fosse retirado com urgência. Em fevereiro de 2022, a massa foi removida às pressas

“No final dos anos noventa e início do ano 2000, o Cajuru foi pioneiro em nefrectomia.” Alexandre Bignelli, nefrologista Assim como Katia no passado, em 2023, 206 pessoas receberam doações de órgãos efetivas, segundo os dados do Sistema Estadual de Transplantes do Paraná. Já o número de doadores, chegou a maior média após a pandemia, com 43,2 número de doadores por milhão de população (pmp), abaixo somente de 2018, com 47,7 pmp, e de 2019, com 43,8, nos últimos dez anos. A nova vida de pessoas como Katia se dá aos avanços relacionados ao tema. Na época de Kátia, o Hospital Cajuru já era referência nos transplantes de rim. “No final dos anos noventa e início do ano 2000, o Cajuru foi pioneiro em nefrectomia (quando doador vivo) por videolaparoscopia. O hospital também se tornara a principal referência em captação de órgãos do estado”, explica o médico nefrologista Alexandre Bignelli, coordenador do serviço de transplante renal do hospital. Também em Curitiba, o Hospital Evangélico Mackenzie tem se tornado

no Hospital de Clínicas, mas o diagnóstico de linfoma só veio meses depois. Os anos sem diagnóstico permitiram com que a doença da jovem se agravasse de modo que sua primeira sessão de quimioterapia fosse de coloração avermelhada. Este tratamento consiste no tratamento com as drogas ifosfamida, carboplatina, etoposide, que a nomeia de ICE. Os efeitos colaterais, como queda de cabelo, náuseas, inflamações e fadiga, são mais intensos que a quimioterapia branca. Após quatro sessões, Neiva foi liberada. No entanto, após dois meses, a doença rescindiu. Nesse momento, o tratamento efetivo para a jovem era o transplante de medula. Contudo, antes de receber o transplante, Neiva precisou passar por mais sessões de quimioterapia. A médica Antonella Zanette, responsável pelos transplantes de medula óssea na ala infantil do Hospital Erasto Gaertner, explica que o procedimento não pode

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No hospital, os médicos chamavam Neida de bebê. ser realizado com a doença ativa, seja ela leucemia, linfoma, neuroblastoma. Com a preparação completa, a jovem viu os avanços da ciência transformarem sua vida de forma inesperada. O transplante da autônoma foi feito utilizando uma técnica usada desde 2019, no Hospital de Clínicas. Os médicos usaram células da própria paciente para tratar a doença. “Nesse tipo de transplante, as células-tronco do próprio paciente são coletadas e utilizadas para a recuperação após a quimioterapia e/ou radiação”, explica Antonella. Chamado de transplante autólogo, a técnica já está sendo usada por outros hospitais, como o próprio Erasto Gaertner.

Arquivo Pessoal

época. As duas chegaram a viajar para Santa Catarina, onde a fila dos transplantes era menor, mas a ligação do cirurgião veio antes do procedimento. Na expectativa de uma cura, o apoio dos familiares é um importante aliado ao combate do desgaste devido aos tratamentos agressivos, como a quimioterapia e a hemodiálise, no caso de Neiva e Katia, e aos anos de espera. “Estamos evoluindo nos exames de compatibilidade e também nas medicações imunossupressoras. Melhoramos muito também nas profilaxias (virais e antifúngicas) e, hoje, temos a tendência de envolver mais as famílias e reduzir o tempo de internação desses doentes”, explica

Arquivo Pessoal Arquivo Pessoal

FAMÍLIA “Não é só eu que sofro, é todo o meu redor”. A fala de Neiva reflete outro aspecto afetado pelos anos de tratamento da doença. Durante a pandemia, a jovem perdeu o pai e a mãe. Para não viver o momento sozinha, seu irmão e irmã, acompanhada dos filhos, passaram a acompanhar de perto a rotina de Neiva, auxiliá-la na alimentação e na higienização de onde mora. Após alguns anos na fila e na hemodiálise, Katia viu a esperança nascer dentro de sua família. Uma prima, com o mesmo tipo sanguíneo, O negativo, fez os exames e comprovou a compatibilidade com a jovem de 32 anos na Internada por 32 dias após o transplante, Neiva fazia fisioterapia e terapia.

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a médica. No entanto, esse benefício não é de todos.

Arquivo Pessoal

Julia Moreira

“Recebemos pacientes de fora tanto de cidades do estado e também de outros estados, habitual virem com familiares e tornam Curitiba como residência fixa”, diz o nefrologista Alexandre Bignelli, do Hospital Cajuru. Os dados da ABTO, de março deste ano, apontam cerca de 55.386 pessoas aguardando um transplante de órgãos no país, sendo que delas, 2.839 estão no Paraná. A distância de casa somada a outros fatores trouxe mais um elemento ao tratamento oferecido pelos hospitais: o apoio psicológico. “Os pacientes já chegam com alterações de sua condição psicológica… O Cajuru apresenta dentro das equipes multidisciplinares a presença desse profissional, sendo acionados pelo paciente através do serviço médico ou enfermagem”, complementa o médico. A médica do Erasto ressalta também a importância de profissionais da nutrição e da fisioterapia, junto aos psicólogos, como parte dessa equipe.

FUTURO ALÉM DA CIÊNCIA Katia sonha em viajar. Em uma noite de segunda-feira tipicamente curitibana, ou seja, fria e chuvosa, Katia colocou um gorro, um casado e uma bota e foi visitar uma de suas amigas às vésperas da viagem dela para Portugal. No dia seguinte, Katia faria uma cirurgia para remover uma trombose no braço, no local onde fazia hemodiálise, mas não deixava de fazer planos para visitar sua amiga nas terras europeias. Futuramente, após mais essa recuperação, Katia pensa em pedir orientação aos seus médicos para se juntar a um time de transplantados ou participar de competições para praticar algo que goste. Seu desejo é participar de algo. Por ora, foca em melhorar seu emocional e físico e se aproximar de Deus para pedir esse direcionamento.

Neiva e Katia em junho de 2023. Já Neiva quer ser psicóloga. Hoje com 27 anos, a jovem recebeu um transplante de medula óssea em fevereiro de 2023. Próximo de chegar a marca dos 180 dias desde o transplante, Neiva ainda sente que vive na fase mais crítica da pandemia de COVID-19, mas ainda luta para se recuperar dos episódios de fragilidade causados pelo linfoma. Antonella explica que, após o transplante, “tanto adultos quanto as crianças precisam cuidar com a exposição solar, evitar alguns alimentos específicos (amendoim, frutas como morango, uva), da hidratação da pele e fazer o uso dos medicamentos imunossupressores”. “Eu estou cuidando para não me cobrar tanto, porque a minha mente quer fazer, né. Eu me sinto, assim, ansiosa para viver”, reflete. “Melhor eu me cuidar agora e depois viver o que eu tiver que viver, ir pra onde eu quiser ir e fazer o que eu quiser fazer, é só uma questão de tempo”. Apesar da ansiedade, Neiva ainda terá que passar pelo mesmo processo de vacinação de um recém-nascido para reconstruir as barreiras de imunidade contra doenças dentro de um ano, inclusive com a vacina da COVID. Contudo, Neiva tem o tempo a seu favor. Tempo esse que ainda a permite sonhar com um propósito de vida: ser mãe.

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A linha que nunca teve fim Há mais de 10 anos em obras, a Linha Verde começa a perder seu propósito e é dúvida para os moradores de Curitiba Bruna Pelegrini, Felipe Lunardi, Ingrid Lopes e Mariana Bridi

Trecho em obras da linha verde de Curitiba.

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Bruna Pelegrini


N

a década de 1990, muito antes de as obras na Linha Verde efetivamente começarem, em 2006, já se sonhava com um trajeto que ligasse a cidade de Curitiba de Norte a Sul. Com o objetivo de facilitar o trânsito, a proposta original do projeto Linha Verde era criar um corredor para o transporte público, a fim de melhorar a mobilidade urbana na capital paranaense.

mente pego um ônibus muito lotado. Como sempre tenho algo pra ler, esse trajeto acaba ficando rápido muitas das vezes.” A segunda etapa da Linha Verde, a parte norte, começou a ser construída em 2010. O projeto conta com quatro lotes que têm ao todo 10,9 Km. Em meio a muitos problemas com construtoras e licitações, os lotes: 1, 3.1 e 3.2 já estão prontos. Enquanto o restante aguarda pela finalização, que segundo a Prefeitura de Curitiba, está estimada para o final de 2024.

Principalmente para aliviar as áreas por onde passa o biarticulado Santa Cândida - Pinheirinho, em 2002, houve melhorias em trajetos que saiam do Quatro anos mais tarde, a Linha Verde Terminal do Pinheirinho, que mais Sul foi construída. Com mais de 1,5 tarde se tornaria o primeiro trecho Km, a obra foi pensada para contribuir da Linha Verde. Cinco anos depois com o fluxo na cidade para a Copa do o Projeto Linha Verde saiu do papel Mundo Fifa 2014. Os mais de 10 anos de fato e o Lote 1 Sul começou a ser de reforma, causam dúvidas nos moconstruído. A intervenção que sai do radores da região e quem passa pelas Pinheirinho até o Jardim Botânico, tem regiões não finalizadas diariamente. O a extensão de 9,4 Km e acaba antes principal questionamento é se o projedo viaduto que dá acesso à BR 277. to, que já dura a tanto tempo, valerá Essa primeira parte do trecho sul, foi o tempo de espera. terminada em 2008, e já em seguida, iniciaram a segunda parte do mesmo trecho.

“Desde que começou a obra tem sérios problemas.” Débora Macuco, estudante de Odontologia

Em 2010, os dois lotes do trecho sul da Linha Verde foram entregues. Tendo 15,6 Km de extensão, passando por mais de seis bairros, esse pedaço da via, vai do Pinheirinho até a UFPR. Com oito estações de ônibus, essa parte facilitou muito a vida de quem passa diariamente por esse trajeto. “Eu vou Entre os locais atingidos por essa e volto de ônibus todos os dias pra obra, há o Muffato Tarumã, o Shofaculdade e eu pego o trecho da linha pping Jockey Plaza, a UniBrasil e até verde. Tem vários estudantes que mesmo o Detran. Débora Macuco, pegam a mesma linha, que tão sempre estudante de Odontologia na Unibrasil, ali, então acaba sendo algo bom pra mora ao lado do Muffato e faz esse quem precisa ir de ônibus”, afirma a trajeto todos os dias, comenta: “Coestudante de Arquitetura e Urbanismeçou quando eu já morava aqui, eu mo, Carol Ogawa. vi o projeto. Achei bem interessante assim, mas desde que começou a obra Carol também fala que para quem tem sérios problemas” não mora tão longe, esse trajeto não é cansativo, na maioria das vezes. Débora conta sobre as consequências “Acho que é bem prático, não preda obra na sua rotina: “O que impacciso pagar dois ônibus, e eu não me tou direto, para mim pelo menos, foi importo tanto de pegar transporte o custo de Uber que triplicou o valor, público, até porque pra minha casa também o movimento dentro do bairnão fica tão longe. Demoro uns 25/30 ro, em questão de contornos ali, o minutos para chegar dependendo do bairro não estava preparado para ter horário que eu saio de casa e dificil-

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um fluxo maior de pessoas e de carros dentro então ficou bem caótico, horário de pico principalmente”. O maior objetivo do projeto é facilitar o transporte na capital paranaense, seja ele público ou privado. Porém, em aproximadamente 20 anos de construção, tem como resultado o contrário disso. Em 2023, o viaduto do Tarumã, responsável pelo acesso a diversos pontos conhecidos de Curitiba, começou sua reforma. CONFLITO Na região do Atuba, as obras foram retomadas em dezembro de 2022 ,após uma greve por parte dos funcionários devido à mudança de concessionária do trecho. Os motivos para a revolta dos trabalhadores foi a mudança na forma de pagamento e a retirada de alguns benefícios. Inicialmente prevista para ser concluída até o final de 2020, a reforma do Lote 4.1 da Linha Verde, trecho que liga as estações Solar e Atuba, começou no final de 2018. No entanto, após concluir pouco mais de 4% das obras nessa área, a Prefeitura de Curitiba decidiu rescindir o contrato com a construtora Terpasul Construtora de Obras Ltda. Através de comunicados oficiais, afirmou que a construtora tinha recebido mais de 140 notificações de atraso em 2019.

genharia Ltda. e Construtora Triunfo SA. O novo prazo de entrega estava previsto para 720 dias após a retomada, mas com menos de 20% das obras concluídas e mais de 90 intimações neste prazo, o contrato com a nova construtora também foi anulado. Foi então, em abril de 2022, que a Prefeitura lançou um novo edital, esse contrato está válido desde setembro. Caso não ocorra mais nenhuma greve ou paralisação das obras, a conclusão do projeto está prevista para o final de 2024. Nessa região, conhecida como trevo do Atuba, a obra tem extensão de aproximadamente 3 Km. Tatiana Canever, passa diariamente por esse trajeto pelo menos quatro vezes ao dia, para levar seus filhos à aula e no Clube de campo Santa Mônica Clube de campo, em entrevista comentou que faz esse caminho a oito anos e que a obra afetou consideravelmente seu dia a dia “Não só meu tempo, mas a paciência que eu preciso ter no deslocamento. Primeiro, porque eles simplesmente interrompem a via e não pensam nos acessos secundários, então muitos dos desvios eram estradas esburacadas.”

“Eu tive que aprender a passar ali por dentro de Colombo, numa região bem barra pesada que assusta até os adultos, imagina uma criança.” Tatiana Canever, moradora da região do Abranches

Além disso, a construtora teve diversas inconformidades na execução da obra do Lote 4.1, o que resultou na rescisão do contrato por parte do órgão público. Em dezembro do mesmo ano, foram retomadas as obras do Trevo do Atuba, sob a responsabilidade do consórcio Estação Solar, formado pela TCE En-

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Tatiana mora no bairro do Abranches, para ir até o clube diariamente é preciso passar por desvios causados pelas obras, que muitas vezes ela não conhece. “Passo ali com meus três filhos, hoje dois deles são adolescentes,


Bruna Pelegrini

mas o Rafael ainda é uma criança de 7 anos, eu tive que aprender a passar ali por dentro de Colombo, numa região bem barra pesada que assusta até os adultos, imagina uma criança.” Além das preocupações com o trânsito, os motoristas que precisam passar pelas obras possuem diariamente o hábito de recalcular o tempo de deslocamento para os compromissos. Tatiana ainda cita que por conta deles fecharem as pistas, o movimento de carros que antes era dividido em duas ou três vias, se fundiram em apenas uma, em horário de pico, que muitos não têm para onde ir, o resultado é esperar e tentar não ficar nervoso. Mesmo com todos os problemas que as obras causam hoje, ainda existe uma esperança, como se fosse uma luz no fim do túnel. Tatiana finaliza dizendo que “a expectativa é que acabe logo porque são anos de obra cada hora interrompe no lugar e nunca acaba. Então eu acho que quando finalmente eles concluírem vai facilitar a minha vida e a vida de muitas pessoas que dependem de passar naquele trecho.”

Uma tentativa da prefeitura de reunir recursos para a conclusão mais rápida da linha verde é a leiloação de Cepac (Certificado de Potencial Adicional de construção). O Cecap é leiloado via bolsa de valores, e consiste em uma permissão para que as construtoras ergam imóveis acima do permitido pela lei municipal de zoneamento. Isso consiste em construir prédios maiores do que o permitido. Todo o dinheiro que foi arrecadado com Cecap foi investido nas obras da Linha Verde.

Homens trabalhando na reforma da linha verde de Curitiba.

Entre 2012 e março de 2021, a prefeitura vendeu o total de 217.165 quotas de Cecap, resultando em R$ 53,4 milhões no caixa para a Linha Verde. O valor que parece significativo para acelerar as obras, corresponde apenas a 63,6% do custo do Lote 4.1, do bairro Atuba. Veja também Realizado por estudantes de jornalismo da PUCPR, um Web Documentário 360° mostra trechos da reforma da Linha Verde de Curitiba

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Curitiba, cidade de inovação e pioneirismo, escreveu mais um capítulo histórico em sua jornada pela mobilidade urbana Adriano Sirius, Amanda Gabrielle dos Santos e Marina Geiger

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Adriano Sirius

Pioneirismo sobre rodas


E

m abril de 2023, a cidade de Curitiba testemunhou um marco no setor de transporte público com a chegada de um ônibus elétrico, desenvolvido pela empresa chinesa BYD. Essa conquista não representa apenas um avanço tecnológico, mas também promete transformar a perspectiva dos curitibanos em relação ao transporte coletivo. O horizonte agora se ilumina com a possibilidade de uma jornada mais sustentável, silenciosa e confortável. A cidade ganha destaque como primeira do país a produzir ônibus elétrico, fazendo jus ao fato de ser reconhecida nacional e internacionalmente por seu pioneirismo em diversos campos, como mobilidade, transporte público, planejamento urbano e sustentabilidade ambiental. Há décadas, a capital paranaense trilha caminhos revolucionários. Nos anos 1970, foram implantados corredores exclusivos, conhecidos como canaletas, para a circulação de ônibus. Essa inovação deu origem ao conceito de Bus Rapid Transit (BRT). O sucesso e eficiência desse sistema de transporte curitibano inspiraram mais de 200 países ao redor do mundo a adotarem as canaletas exclusivas como uma solução para o transporte público.

Curitiba opere com ônibus elétricos e, em 2050, 100%. Os modelos adotados, como o Padron e o articulado, foram projetados para atender às necessidades dos usuários. O modelo Padron possui capacidade para transportar até 80 passageiros, oferecendo assentos confortáveis e espaço adequado para acomodar cadeiras de rodas e cães-guia. Já o modelo articulado comporta até cem passageiros, com assentos e espaço para acomodação, podendo proporcionar uma experiência de viagem agradável. Carlos Eduardo Silveira, professor da Universidade Federal do Paraná, do departamento de Turismo, afirma que os ônibus elétricos poderiam fazer com que as pessoas se sintam moti-

“Neste momento, a gente vai precisar de muito mais investimento público do que privado.”

Carlos Eduardo Silveira, professor

Após testes de consumo de energia, cumprimento da autonomia recomendada, níveis de ruídos e desempenho do automóvel com relação à topografia, o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, anunciou a compra de 70 ônibus elétricos para a Rede Integrada de Transporte de Curitiba (RIT). Greca comenta que, com a novidade, o transporte público curitibano será levado a outro patamar, fortalecendo a imagem de Curitiba como uma cidade sustentável. A informação é do site da Prefeitura Municipal de Curitiba. Ainda, segundo o site, até o ano de 2030, a meta da prefeitura é que 33% da frota de transporte público de

vadas a usar um meio de transporte ambientalmente correto, e isso pode retornar a imagem positiva do transporte público de Curitiba. Ainda, de acordo com o professor, apesar dos ônibus serem muito importantes no processo urbano, são grandes causadores de ruídos, tanto em termos de poluição sonora quanto atmosférica. “Só por esses dois elementos, já seria uma grande evolução em termos de qualidade de vida, especialmente nas regiões mais centrais e nas concentrações de terminais urbanos de Curitiba”, diz Silveira. Hellem de Freitas Miranda, mestre em Engenharia de Transportes pela Universidade de São Paulo (USP), reforçou que a substituição dos ônibus convencionais por ônibus 100% elétricos trariam uma série de benefícios técnicos e ambientais. “Os ônibus elétricos, por serem equipados com

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motores elétricos de alta eficiência, apresentam um consumo energético menor em comparação aos ônibus movidos a combustíveis fósseis. Além disso, a regeneração de energia durante as frenagens, que pode ser armazenada em baterias, aumenta a eficiência do sistema e reduz as perdas energéticas”, afirmou.

embora seja importante analisar os benefícios de longo prazo em termos de economia de combustível e redução dos impactos ambientais”, declarou Hellem Miranda. Para Carlos Eduardo Silveira, é necessário que o poder público conduza políticas adequadas para o desenvolAdriano Sirius

Os tubos em Curitiba representam uma inovação ao transporte público do país, oferecendo uma solução eficiente, rápida e segura para o deslocamento urbano. Porém, o desafio pode ser maior do que a simples troca da frota. “É necessário considerar alguns desafios técnicos e infraestruturais. A implementação bem-sucedida dos ônibus elétricos requer o estabelecimento de uma infraestrutura adequada de recarga, que inclui a instalação de estações de carregamento rápido e o

vimento e implementação da nova frota. “Os valores atuais dessa tecnologia são muito mais altos do que eles tendem a ser a partir de um processo de massificação, de aumento de demanda por esse tipo de tecnologia. Nesse momento, a gente vai precisar de muito mais investimento público do que privado, não parece ser viável

“O custo inicial [...] deve ser considerado, embora seja importante analisar os benefícios de longo prazo em termos de economia de energia.” Hellem de Freitas Miranda, mestre em Engenharia planejamento cuidadoso da capacidade energética para suprir a demanda crescente desses veículos. Além disso, o custo inicial mais elevado dos ônibus elétricos e das baterias de alta capacidade deve ser considerado,

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economicamente para as empresas privadas, mas de qualquer maneira essa é a função do setor público, conduzir políticas adequadas de desenvolvimento. Nesse sentido, é muito importante que as decisões sejam


Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento

Infográfico mostra a evolução da eletromobilidade urbana no Brasil, Colômbia, Chile, Reino Unido e China. ligadas a melhores opções ambientais e econômicas. É natural que o setor público invista inicialmente no que parece não dar lucro, mas que tem benefícios indiretos a comunidade, acredito que venha a ser economicamente viável, neste momento não é, mas não ser economicamente viável deve ser assimilado pelo setor público, para que possa se tornar economicamente viável no futuro”, diz o professor da UFPR. O ônibus em Curitiba costumava ser um cartão postal, um cartão de visita da cidade, era uma soft power de Curitiba, uma situação que projetava a imagem da cidade para além do próprio município. Atualmente as pessoas não têm necessariamente um orgulho de usar o transporte coletivo, voltou a ser uma necessidade, mais do que uma opção, mas nos anos 90 em especial, as pessoas escolhiam os lugares para morar de acordo com a disponibilidade do transporte coletivo, mais ou menos como acontece a outras cidades com estações de metrô, lugares sendo valorizados em termos de mercado imobiliário em função das estações de metrô, em Curitiba acontecia isso em relação a regiões mais bem servidas pelo transporte coletivo.

SEGURANÇA EM RUAS SILENCIOSAS

A audição desempenha um papel fundamental na percepção do ambiente ao nosso redor. Os sons emitidos pelos veículos em movimento alertam os pedestres sobre sua presença e permitem que eles tomem medidas de precaução. No entanto, quando um ônibus elétrico se aproxima silenciosamente, as pessoas podem não perceber sua chegada iminente, o que aumenta o risco de acidentes, especialmente em áreas urbanas movimentadas ou em locais onde os pedestres estão distraídos. Embora os ônibus elétricos tragam benefícios significativos para a sustentabilidade e a qualidade do ar nas cidades, é crucial considerar e abordar os desafios de segurança que sua silenciosidade pode representar.

Veja também Vídeo da Siemens apresenta exemplos e soluções acerca da eletromobilidade que já estão sendo utilizadas ao redor do mundo.

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Gabriela Alves

Lombada no meio do caminho Com a mudança de horário no uso do passe escolar, estudantes curitibanos enfrentam dificuldades na hora de utilizarem o cartão da URBS. Annelise Mariano Gabriela Alves Pietra Gabriatti 5° Período

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e segunda a sexta-feira, Emanuele Teixeira, de 16 anos, acorda às 6 horas, coloca o uniforme do colégio, toma café da manhã e verifica se seu cartão de passagem está na bolsa antes de andar até um ponto de ônibus perto de sua casa. Na parada, já estão algumas pessoas que pegam o mesmo coletivo que ela, que já chega cheio de passageiros. Durante 20 minutos, cada vez mais pessoas entram no ônibus, até chegar ao Terminal Portão, onde Emanuele desce. São mais dez minutos de caminhada até o colégio. Emanuele é estudante do 2° ano do ensino médio da rede pública e utiliza o Passe Escolar para ir até o colégio todos os dias. Ela costumava ficar no contraturno fazendo atividades esportivas, mas isso não é mais possível pois o seu gasto com a passagem de ônibus aumentaria. Em 2023, a prefeitura de Curitiba, sob a gestão do atual prefeito Rafael

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Greca, alterou o modo de utilização do Cartão do Estudante junto com a forma de fazer pela primeira vez ou renovar

da passagem que o aluno utilizará para voltar para casa, caso fique na instituição de ensino depois do horário limite, será a soma do valor do Passe, mais o valor da passagem normal.

“Eu fico frustrada porque, se é um direito do estudante, Foi o caso de Emanuele. não sabia da mudanporque todo ano fica mais “Eu ça. Fui descobrir quando um dia mais tarde difícil?” fiquei na escola para uma atie quando fui para Emanuele Teixeira, estudante vidade a estação tubo, apareceu o benefício. Para ativar o passe, todo o processo deve ser feito de forma on-line e somente com a aprovação da documentação, na qual não consta prazo para a avaliação, é agendado um horário em um dos postos de atendimento da URBS, para que o estudante possa vir a usufruir do cartão. Os estudantes de escolas de ensino regular fundamental, médio, técnico ou superior, residentes em Curitiba, têm direito ao Passe Escolar, um desconto de 50% do valor integral da passagem de R$ 6, em que são fornecidas duas passagens diárias para utilização no transporte coletivo. Emanuele utiliza o passe há mais de um ano. “A minha mãe que foi atrás, porque a passagem vem subindo cada vez mais e é difícil pagar R$ 12 todo dia. Eu ainda não trabalho, então quem paga é ela e para ela é menos uma despesa dentro de casa”, conta a adolescente sobre a decisão de utilizar o cartão do estudante. No entanto, foi imposto um horário limite por período de estudo. Quem estuda de manhã pode utilizar o cartão das 5 às 14 horas, no período da tarde das 11 às 20 horas e à noite, das 16 horas às 23h59. E quem faz atividades na escola ou faculdade no contraturno, como esportes ou curso técnico? A prefeitura de Curitiba informou que o cartão é para ser utilizado exclusivamente nos dias e períodos de aula comprovados durante o processo de solicitacão. Isso significa que o valor

‘horário não permitido’ na catraca. Eu fiquei um pouco desesperada, mas por sorte tinha levado um dinheiro naquele dia e consegui pagar a passagem. Mas quando estava fazendo o passe ninguém me falou que tinha horário para usar.’’ A mudança não foi noticiada, e não é informada no processo de aplicação do Passe Escolar. Pode ser encontrada somente quando o estudante se informa por meio do site da URBS ou utiliza o cartão fora do horário e recebe a mensagem “Horário não permitido” na catraca. Dalton Borba, vereador que adotou o lema “Educação é tudo”, diz que a imposição do horário é inconcebível. “Se você tem o vale transporte que te dá a prerrogativa de ir e voltar, que horas você vem e que horas você vai é o que menos interessa. O que isso muda no cálculo da tarifa? No custo do ônibus? Não muda nada, você vai e volta. Essa exigência de um horário acaba forçando você a se adequar às regras públicas em detrimento de outros benefícios que tem tanta necessidade quanto o transporte”, questiona o professor de Direito Constitucional. O vereador também mencionou e questionou o valor que é imposto no Passe Escolar. “Pagar doze reais para ir trabalhar todo dia, não dá. Isso é um dinheiro muito caro. Então o que a gente tenta, o que que é? Aumentar as flexibilizações para o estudante, para deficientes físicos, para gestantes, enfim…para pessoas que são desempregadas.”

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Gabriela Alves

A MUDANÇA NO HORÁRIO

deles?”, questiona ele.

O estudante de dança da Faculdade de Artes do Paraná (FAP - Unespar), Kennedy Pierri, de 25 anos, teve seu processo aprovado no dia 9 de maio, depois de mais de 40 dias de ter realizado o pedido. “Quando eu pensei no passe, estava tendo uma dificuldade muito grande na logística, porque como eu faço FAP no Cabral, da minha casa até a faculdade dá em torno de 30 minutos de ônibus e gastar R$ 6 de ida e volta, R$ 12, e quando eu tenho que ficar integralmente, gastar R$ 24, para mim, era muito ruim. Então, quando eu fui fazer o passe no dia 22 de março de 2023, demorou em torno de 48 dias para eu obter uma resposta definitiva”, relata Kennedy.

De acordo com a prefeitura, as mudanças feitas são para beneficiar os estudantes. “O processo que era físico, com a necessidade tornou-se digital, onde toda a análise sócio econômica é realizada virtualmente, com o objetivo de agilizar o atendimento à população evitando o deslocamento até um posto de atendimento du-

Depois das mudanças no passe escolar, o pedido deve ser feito online pela plataforma Processo Eletrônico de Curitiba (PROCEC). Kennedy precisou entrar em contato com o 156, serviço de ligação para questionamentos direcionados à prefeitura, sobre a demora para receber uma resposta sobre seu processo. “Com 23 dias, eu não tive resultado, e a gente fica nessa questão vulnerável e queremos saber sobre as informações. A gente quer saber sobre o porquê da demora e sobre o porquê da lonjura. Eu moro no Rebouças, na Vila Torres, e mais perto de mim é a minha matriz na Rui Barbosa. Ali perto para mim, posso ir a pé, mas não tinha horário para fazer o cartão ali e tinha que ir no Cajuru. São informações como essas, sabe, que a gente vai se desgastando.”

rante a avaliação da documentação. Pois o estudante comparece para atendimento presencial somente com o processo já aprovado, apenas para coleta de foto e recebimento/atualização do cartão.”

“É muito precário. As pessoas ficam ressentidas com a questão de ter direitos e não poder usufruir deles”

Kennedy Pierri, estudante de artes e bailarino

Sobre enviar os documentos necessários e aguardar, o bailarino disse que a única resposta que recebia era que estavam faltando documentos. “Estava num estado de esgotamento já, mandei todos novamente em PDF, porque quem garante que não mandariam que outro documento estava faltando? Isso parece justamente para demorar o processo. Uma colega, Victoria, disse que demorou três meses o dela. Se a gente está indo atrás dos nossos direitos, porque é tão absurdo a gente poder aproveitar

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Processos como o de Kennedy mostram que a realidade é muito diferente, e o número de pessoas que possuem o benefício ativo comparado com o número de estudantes na cidade também. Dados cedidos pela prefeitura confirmam que, em Curitiba, existem 2.628 cadastros do Passe escolar. Dados do último Censo Escolar do IBGE de 2021 apontam que estudantes do ensino médio são quase 60 mil e do ensino fundamental são mais de 191 mil. Desses números, a metrópole tem menos de 3 mil alunos utilizando o benefício. Alexandre Brandt

Kennedy Pierri em frente ao Ministério da Educação, ápos concluir o processo de realização do Passe Escolar.


O professor de Ciências Sociais da PUC Paraná Cezar Bueno de Lima vem realizando pesquisas nas escolas com alunos de 14 a 17 anos, e comentou o seguinte: “E eu diria para você, eu acho que a questão do transporte a gente tem que pensar a partir de hoje como um direito universal. Talvez um debate, a gente precisava caminhar por aí. Ou seja, não é mais possível você cobrar um valor exorbitante na população, sendo que na arrecadação do município de Curitiba é muito significativo. A questão é falta de recursos né, para o transporte de Curitiba.”

RMC FORA O Passe Escolar tem mais uma falha. Estudantes de Curitiba que residem na região metropolitana não têm direito a redução na tarifa. Para Gabriele Tineu, pagar um valor menor na passagem seria um custo reduzido significativamente todos os meses. A estudante de História da PUCPR, de 20 anos, mora em Almirante Tamandaré e disse que o passe ajudaria com o valor mensal da passagem de ônibus. “É um fator que prejudica muito e até desmotiva os estudantes.” Ela paga o valor integral de R$ 12 todos os dias e acredita que o preço não condiz com o serviço. “Acho o preço da passagem completamente abusivo para um transporte nenhum pouco de qualidade. Ônibus lotado, poucas frotas, horários horríveis, insetos nos ônibus, por exemplo, barata”, diz Gabriele. O vice-relator da Comissão de Transporte, Dalton Borba, tem projeto de lei para reduzir os impactos do aumento da tarifa do transporte coletivo de Curitiba que vem afetando os estudantes. O professor de Direito Constitucional acredita que o que precisa mudar é o paradigma com despesas. “Tem chance da tarifa zero e eu sou entusiasta. Nós precisamos mudar paradigmas, que em certas situações, o transporte não pode ser visto como uma despesa do estado. Isso tem que ser visto como um investimento. Cada estudante que hoje a gente consegue formar não é só o estudante que ganha, a sociedade inteira ganha. Esse é um investimento e o governo precisa

entender isso, precisa parar de pensar sempre no retorno econômico.” O professor de Ciências Sociais também comentou sobre a situação: “Se você olhar para a configuração espacial, digamos de Curitiba e região metropolitana, você tem a pobreza no município, você tem uma pobreza estendida no espaço do território, então quanto mais distante você mora em relação ao centro, mais dificuldades você acumula em relação à sua vida.” Curitiba tem um dos meios mais complicados de conceder o direito de meia passagem ao estudante. Em alguns estados, é necessário apresentar um comprovante de estudo. Já a capital tem mais de cinco exigências que, como no caso de Kennedy e muitos outros estudantes, são declaradas como insuficientes, deixando o processo difícil, onde muitos desistem. A prefeitura diz que não vê o direito ao benefício como mais difícil em Curitiba. “Basta apresentar a documentação pertinente através do processo eletrônico, a fim de comprovar o direito ao benefício, conforme Decreto em vigor.” A capital paranaense é uma das três capitais do Brasil com a tarifa mais cara, junto com Florianópolis (SC) e Porto Velho (RO), de acordo com um levantamento feito pelo jornal Plural, em fevereiro de 2023. No entanto, há propostas sendo apresentadas para a Comissão Especial do Transporte para a implantação da tarifa zero. Os estudantes que possuem o Passe Escolar pagam R$ 6 ao dia para se deslocar às instituições de ensino. Com a tarifa zero, pessoas como Gabriele teriam acesso mais fácil à sua educação. Para Kennedy, a luta é constante. “Temos que chamar as pessoas para enxergar a todos, pegar na mão delas e, é aquele cliché, ninguém solta a mão de ninguém.” Leia mais Com a mudanca no horário, veio também um novo modo de obter o Passe Escolar. Confira um passo a passo. portalcomunicare.com.br

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Enrique Ceni

Impasses no mercadão Obras no Mercado Municipal causam dores de cabeça para comerciantes locais e frequentadores Enrique Ceni João Vitor Luchesi Vitor Marcolini

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esde a sua inauguração em 1958, o Mercado Municipal de Curitiba já passou por uma série de reformas e ampliações. A mais recente começou no dia 9 de maio, com o principal intuito de modernizar dez quadras em torno do Mercado Municipal, com previsão de conclusão de obras em oito meses. Serão realizadas reformas do calçadão, pavimentação de ruas e a criação de um boulevard. A obra vem gerando uma série de discussões entre frequentadores e comerciantes dos estabelecimentos de um dos principais pontos comerciais de Curitiba. Francisco, dono de um estacionamento à Rua General Carneiro, comenta sobre o pouco número de clientes desde o início das obras: “Já teve momentos que eu estava sem carro (no estacionamento), muita gente passa lá na frente (Avenida Sete de Setembro)

do pelo engenheiro Saul Ruiz. O plano Agache foi um plano diretor de Urbanização de Curitiba, elaborado entre as décadas de 1940 e 1960, e que estabeleceu diretrizes e normas para um crescimento ordenado da cidade. Na inauguração desta nova sede, no dia 2 de agosto de 1958, estiveram presentes mais de cinco mil pessoas, quantia considerável já que representava mais de 2% da população da época da capital paranaense. Outro importante marco aconteceu em 2010, quando o mercado foi reformado e ampliado, com seu espaço físico passando de 12 mil para 30 mil metros quadrados, com mais de 360 comércios, 196 comerciantes e mais de 72 mil itens à venda. O Mercado Municipal conta com 17 acessos distribuídos em seus quatro lados e dois andares. O fluxo médio se amplia de 50 mil para 80 mil pessoas nos finais de semana. Ronaldo Moraes, trabalha há 17 anos dentro do Mercado Municipal. Ele fala sobre o impacto que a obra está causando para os comércios presentes no mercado, “A obra no momento não está sendo favorável devido ao acesso ao Mercado Municipal. Hoje enfrentamos dificuldades por causa da concorrência com as grandes redes de mercado, antigamente só existia as coisas dentro desse mercado aqui. É uma obra que vai favorecer, mas que vai demorar para dar o retorno. Para o Mercado Municipal, não é favorável.” Moraes aposta numa queda do número de clientes durante o período de obras.

“Está sendo quase uma pandemia para nós.” Franscisco, dono de estacionamento

e pensa que está fechado. Nesse período de obras, eu estou prevendo que terei que fechar as portas por algum tempo. Está sendo para nós quase uma pandemia.” O conceito de mercado municipal, surgiu na Europa no final do século XX. Comerciantes de diferentes países usavam praças como ambiente não só de troca de mercadorias, mas também como trocas culturais, muitas vezes trazendo produtos tradicionais de sua terra natal. O primeiro mercado público da cidade de Curitiba surgiu em 1864, na atual Praça Zacarias, e passou por diferentes regiões de Curitiba até chegar à Rua General Carneiro. A ideia do Mercado Municipal em sua região atual foi pensada pelo urbanista francês Alfred Agache, no contexto do Plano Agache. Já o interior do mercado foi projeta-

A nova revitalização do Mercado Municipal trará uma série de mudanças incluindo correção geométrica, drenagem, recuperação do asfalto, iluminação e uma ciclovia. A revitalização tem como objetivo atrair atividades econômicas, comerciais, novas famílias e modernizar as atividades já presentes no local. Antônio Rodrigues, frequentador há 30 anos do Mercado Municipal comentou sobre as obras que estão ocorrendo na Rua General Carneiro, “Essa obra vai favorecer o setor de alimentação.

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ciar o Mercado Municipal, mais algo a longo prazo. O problema é que não é só na Rua General Carneiro, as obras

As obras do Mercado Municipal tem previsão de término em 8 meses.

Enrique Ceni

Agora, para a área de dentro do mercado, acredito que não vai ser muito boa. Vai ter pouco movimento, pouco

carro. O estacionamento é muito caro: pagar R$ 12 (no estacionamento) para comprar um quilo de tomate não tem graça. Para o turismo, acredito que vai ser muito bom. Vai ser muito bonito para os turistas, a praça vai ficar muito bonita.” No último dia 8 de maio, a prefeitura começou este processo de revitalização e a ideia é finalizar todas as obras em oito meses, contudo parece quase uma unanimidade entre comerciantes locais e frequentadores que isto não vai ser o

também são na Rua da Paz e na Sete de Setembro. A tendência é melhorar quando tudo terminar, porém é um projeto muito longo.” O trabalho em torno do Mercado Municipal será marcado por algumas etapas. O eixo principal seria na Avenida Sete de Setembro, principalmente na calçada, e na pavimentação na General Carneiro, que vai ser transformada em boulevard. A prefeitura vai investir cerca de R$ 9.7 milhões para intervir

“A revitalização atrapalha em tudo. Provavelmente terá dias que teremos que fechar.”

Fábio Ribeiro, dono da padaria Le Ducci

caso. Ronaldo Moraes também se manifestou sobre o prazo de término das obras no Mercado Municipal. “O prazo é de oito meses, mas lembrando que é serviço público, vai demorar mais. Acredito eu que pelo menos dois anos para terminar tudo aqui. Vai benefi-

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em dez ruas no entorno do Mercado. As obras na Sete de Setembro vão começar pela escavação das Ruas Ubaldino de Amaral e General Carneiro. Simultaneamente, o processo de pavimentação da General Carneiro já foi iniciado e esse trecho estará blo-


Rodrigo Araujo Rodrigues, secretário municipal de Obras Públicas, explicou sobre esse processo que está acontecendo no Mercado Municipal.“Contamos com a compreensão e colaboração de todos nessa obra da revitalização. Os serviços foram programados para acontecer com o menor impacto possível, ainda assim, há situações que dependerão de adequações temporárias e cujos benefícios serão duradouros.” As melhorias no entorno do Mercado Municipal engloba uma área que possui o formato de um polígono. A Avenida Sete de Setembro, no trecho desde a praça até a trincheira sob a Rua Ubaldino do Amaral, é o centro desta transformação. Calçadas com faixa acessível em concreto, nova arborização, áreas de convivência e nova iluminação para os pedestres, além da organização de placar e postes na área de serviço das calçadas, estes são os projetos da revitalização. Também será integrada uma ciclofaixa no eixo da Sete de Setembro às estruturas cicloviárias de via lenta da canaleta do expresso e da Rua Mariano Torres seguindo até o sentido do Parque Ambiental. Um dos grandes afetados pela revitalização da rua é o comércio que se situa ao lado. Para Fábio Ribeiro, gerente da padaria Le Ducci, a obra trará consequência para o estabelecimento e ainda relata outro problema da região. “A revitalização atrapalha em tudo, a gente faz entrega de manhã, temos que andar uma quadra para chegar no carro, além de que o movimento caiu 80% e provavelmente terá dias que teremos que fechar. Ficar bonita a revitalização vai ficar, mas o problema mesmo eles não resolvem: os mendigos que ficam na rua aí, esse é o grande problema “. A urbanista formada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), Sylvia Ramos Leitão, comenta sobre a importância da revitalização do Mercado Municipal e os benefícios que a obra vai trazer ao longo prazo. “Revitali-

zar um espaço desses é obrigação da cidade, e Curitiba sempre foi um modelo nesta parte, diferentemente de outras cidades. Ele é um patrimônio da cidade e merece ser cuidado como tal. Eles (Prefeitura na obra da fachada) estão adequando as calçadas para acessibilidade e isto é fundamental, pois todos os lugares devem ser acessíveis, especialmente lugares públicos como é o caso do Mercado”.

Enrique Ceni

queado, prejudicando grande parte do comércio que não faz parte do mercado e especialmente os dois estacionamentos de seu entorno.

A urbanista formada na Universidade Federal do Paraná também ressalta a importância desta obra no Mercado Municipal e explica o motivo de tamanha revitalização. “Quando temos que fazer uma intervenção na cidade, caso do Mercado Municipal e muitos outros, é óbvio que vai ter impacto, mas você sempre tem que entender o motivo disso. O objetivo principal é que a gente nunca pode esquecer, as obras sempre vão trazer impactos, porém elas são extremamente necessárias e tem um tempo necessário para serem realizadas”. Todo este processo de revitalização do Mercado Municipal de Curitiba faz parte de dois projetos da prefeitura de Curitiba, Caminhar Melhor e Programa Rosto da Cidade, que focam em revitalizar a região central de Curitiba. O projeto em si foi desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e as obras estão sendo coordenadas pela Secretaria Municipal de Obras Públicas (Smop). Este não é o primeiro trabalho que este projeto administrou. A gestão do prefeito Rafael Greca inaugurou o Complexo de Segurança Alimentar da Região do Viaduto Capanema, o Armazém da família e a Mesa Solidaria Patricia Casillo, além das contínuas melhorias na infraestrutura interna do próprio Mercado Municipal.

Descubra Conheça a história de um dos marcos turísticos e econômicos mais importante de Curitiba: O Mercado Municipal portalcomunicare.com.br

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Sabores do Himalaia em Curitiba

Experimentamos os pratos típicos da Índia e do Nepal do restaurante Annapurna Inn Ana Rossini Julia Moreira Nanda Dalitz

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berto em 2018, o restaurante de comida indiana-nepalesa tem como inspiração para o seu nome a montanha Annapurna Inn, que fica localizada na cordilheira do Himalaia, região de origem dos fundadores do local. O restaurante nasceu da inspiração de outros restaurantes de comida indiana na cidade. Com a ajuda de familiares, um grupo de colegas abriu o restaurante no Ahú, próximo ao Terminal do Cabral. O Annapurna chamou nossa atenção por dois detalhes. Primeiro, só pelas fotos na internet foi possível perceber que era um restaurante não só tradicional, mas familiar. As imagens mostravam um ambiente aconchegante, com decoração típica da região e mensagens escritas em nepales. E segundo, o preço dos pratos. Cada dia há uma seleção de pratos típicos, contendo opções vegetarianas, por no máximo R$ 30, além de sobremesas e iogurtes produzidos artesanalmente. Chegando ao local você é recepcionado por uma música típica da região e um forte cheiro de curry, que vai te acompanhar pelo resto de seu dia, mas isso não será um problema, já que as memórias do almoço não vão te decepcionar. Visitamos em umaquinta-feira, o qual o cardápio do dia era uma seleção de cinco pratos e uma opção de sobremesa. Todos os pratos têm a mesma base, que consiste em: arroz, namm - um tradicional pão indiano -, bolinho frito recheado com legumes e uma salada.

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Essa base serve para acompanhar os diferentes tipos de caldo que diferenciam os pratos. Para a nossa degustação pedimos Chicken Masala, Kadai Chicken e Nepali Khana Set. Os dois primeiros pratos eram bem parecidos, consistiam em frango ao molho cremoso à base de Massala, mistura de temperos indianos como coentro, pimenta do reino, cardamomo, cominho, gengibre seco, cravo, louro e canela. No entanto, o Kadai Chicken era suavizado com creme de leite por ser mais apimentado. Então, se você é fã de uma comida um pouco mais apimentada, essa opção é a mais indicada para você. Já o Nepali Khana Set foi nossa opção vegetariana. O prato vem em duas cumbucas, uma com um caldo verde de legumes, com as mesmas especiarias do massala, e a outra com legumes cozidos - batata, couve-flor e ervilhas. Os três pratos principais não decepcionaram, tanto as opções com carnes, quanto a vegetariana, tinham sabores fortes e surpreendentes para nosso paladar brasileiro. Para finalizar nossa experiência no restaurante pedimos a Gulab Jamun, uma sobremesa feita de bolinhas de leite em pó fritas em calda de cardamomo e água de rosas. Apesar do doce ser delicioso, recomendamos que peça para comer em grupo. O prato vem com cinco bolinhas, mas são extremamente açucaradas e pode acabar se tornando um pouco exaustivo depois de alguns bocados.


ÍNDIA E NEPAL Próximos geograficamente, a índia e o Nepal compartilham muito mais do que a Cordilheira do Himalaia e o clima de monções. A culinária dos países se divide entre vários grupos etnicos, mas possuem em comum o gosto por molhos, cozidos e temperos fortes.

CHICKEN MASSALA Frango marinado em molho cremoso, preparado com especiarias e servido. A base do molho massala leva pimenta do reino, noz moscada, açafrão, canela, cardamomo e cominho.

NEPAI KHANA

GULAB JAMUN

Cubos de Frango ao molho cremoso, especiarias indianas e creme de leite.

Caldo de legumes com especiarias indianas e legumes cozidos no vapor.

Bolinhas de leite em pó em calda de cardamomo e água de rosas.

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KADAI CHICKEN

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Qual é a próxima parada? Preços altos e baixa qualidade, o transporte público de Curitiba é um ponto recorrente de críticas da população paranaense Enrique Ceni João Vitor Luchesi Vitor Marcolini

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uritiba sempre foi considerada uma referência nacional no quesito de urbanismo, especialmente no planejamento urbanístico, contudo ultimamente uma crítica em comum dos moradores curitibanos é a qualidade e o custo benefício dos ônibus da capital paranaense. No último mês de março, a prefeitura anunciou um aumento de 9% nas tarifas do transporte público, levando a passagem de R$ 5,50 para R$6. Curitiba está empatada com Belo Horizonte, Porto Velho e Florianópolis como as capitais com o preço mais caro de passagem. Para efeito de comparação, uma passagem nestas cidades paga duas em Recife e Brasília. O antigo preço já era um absurdo, segundo os próprios frequentadores, devido às inúmeras críticas à qualidade dos ônibus em si, R$6 chega ser “um verdadeiro absurdo”. Conforme comenta Bernardo Vilanova, estudante universitário: “Ando de ônibus há mais de oito anos e um ponto muito recorrente durante todo este tempo sempre foram os atrasos corriqueiros das frotas de ônibus. De 0 a 10, o meu nível de satisfação com o transporte público aqui de Curitiba é 7, mas acredito fielmente que um aumento no número da frota os atrasos não seriam tão corriqueiros. No geral, o maior problema que consigo identificar nos transportes públicos de Curitiba é o desconforto pela extrema lotação e isto está ligado diretamente com a baixa circulação de ônibus na cidade. Pelas muitas críticas ao transporte público e muito delas são justificáveis, pelo fato do alto valor das passagens, da superlotação, dos atrasos e da própria má qualidade interna dos ônibus, o curitibano já começou a usar outros meios de locomoção. O estudo feito pela Confederação Nacional dos Transportes (CNI) aponta que 49 % da população curitibana opta por se locomover pelo transporte individual mobilizado, seja ele carro ou aplicativos de transportes. Já 26% escolhem caminhar ou ir de bicicleta. Resultando nos 25% finais que preferem o transporte público local. Este um quarto da

população que escolhe o ônibus como meio de locomoção apenas exemplifica a baixa qualidade do transporte público curitibano. Além dos baixos números mostrados no estudo da CNI, a população curitibana demonstra a sua insatisfação com o transporte público diariamente pelos posts da prefeitura em redes sociais. Na última segunda-feira (12), a prefeitura tuitou uma brincadeira com o Dia dos Namorados falando: “ E se eu criasse o dia dos solteiros”. Algo que inicialmente era para ser uma coisa descontraída, acabou gerando uma grande revolta na população. Foram mais de 600 comentários respondendo a conta oficial da prefeitura e grande parte revoltada com os preços das passagens de ônibus. A maioria dos comentários consistia em: “E se você diminuísse o valor da passagem de ônibus, seria bem mais util”. “Que tal os ônibus não passarem de 40 a 40 min?”. Além de fotos demonstrando a baixa qualidade interna dos ônibus. Os protestos não ficaram apenas pelo âmbito virtual, assim que o aumento de 50 centavos foi anunciado. Movimentos sociais organizaram uma manifestação na região central da capital curitibana no dia 2 de março, reinvicando o absurdo do atual preço das passagens. A manifestação tomou posse inicialmente na Praça Santos Andrade, passou pelo terminal do Guadalupe e finalizou na Praça Eufrasio Correa. Durante todo este percurso, os manifestantes gritavam no fundo de seus pulmões: “Que patifaria, transporte público não é mercadoria”. Conforme pesquisa realizada por alunos da PUCPR, sobre a satisfação com o transporte público na cidade de Curitiba, mais de 90% da população entrevistada prefere o uso de aplicativos de transporte (como o UBER) do que usar propriamente o transporte público fornecido pela cidade. Entre os motivos da escolha está a baixa frota de ônibus, o que acaba ocasionando atrasos para os usuários, além de que, com a passagem dos ônibus a R$ 6, os aplicativos acabam proporcionando muitas vezes mais segurança e rapidez com o dobro do preço.

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O presidente da Urbanização de Curitiba (URBS), Ogeny Pedro Maia Neto, comentou sobre mais este ajuste nas passagens: “É o mínimo possível para manter a sustentabilidade do sistema frente ao aumento dos custos relacionados ao transporte”.

“Rede Integrada de Transporte” (RIT) e é composto por uma rede extensa e integrada de linhas. Existem diferentes tipos de ônibus, incluindo os convencionais, articulados e biarticulados. Os biarticulados são uma marca registrada do sistema de transporte de Curitiba, sendo os maio

“É o mínimo possível para manter

a sustentabilidade do sistema res ônibus do muncom capacidade frente ao aumento dos custos do, para transportar de 200 a 250 relacionados ao transporte.” cerca pessoas por unidade

Ogeny Neto, Presidente da URBS de ônibus. O preço das passagens acaba influenciando diretamente na movimentação dos passageiros em Curitiba. Em 2022, o bilhete já havia sofrido um aumento de 4,50 para 5,50 e estritamente ligado a isso está o fato que antes da pandemia, 744 mil pessoas usavam o transporte público e atualmente este número caiu 26% para 546 mil pessoas, consequência direta dos recentes reajustes das passagens.

O sistema de ônibus de Curitiba também é conhecido por suas estações-tubo. Essas estações funcionam como pontos de embarque e desembarque, e permitem uma entrada rápida nos ônibus, são bem projetadas, cobertas e contam com sistema de pagamento antecipado, agilizando o embarque e reduzindo o tempo de espera nos pontos. A Rede Integrada de Transporte é integrada, o que significa que os passageiros podem usar múltiplas

Em 1977 iniciava a operação Eixo Boqueirão com os Terminais Hauer e Carmo. Apesar de existirem diversas críticas e muitas delas serem altamente justificadas, o principal meio de transporte público em Curitiba ainda é o sistema de ônibus. Ele é conhecido como

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linhas de ônibus com o pagamento de uma única passagem. Isso permite que os passageiros se deslocam facilmente entre diferentes partes da cidade, trocando de ônibus em pontos estratégicos sem custo adicional.


Curitiba também possui um sistema de ônibus turísticos chamado Linha Turismo. Essa linha percorre os principais pontos da cidade, permitindo que os turistas conheçam as principais atrações da capital paranaense de forma conveniente. Desde 2010, Curitiba introduziu os ônibus elétricos em sua frota de transporte público. Os primeiros veículos elétricos a serem utilizados foram os chamados “veículos elétricos biarticulados”, capazes de transportar mais passageiros do que os ônibus convencionais. Esses ônibus funcionam com baterias e não emitem poluentes atmosféricos durante a operação, ajudando a reduzir a poluição e melhorar a qualidade do ar urbano. Os ônibus elétricos de Curitiba carregam em estações de recarga ao longo do trajeto. Essas estações são equipadas com sistemas de carregamento rápido que recarregam as baterias em um curto período de tempo, geralmente em paradas regulares de ônibus nos pontos de embarque e desembarque.

Para simular passageiros de peso igual, o veículo será carregado com caçambas. O modelo D11B é um ônibus articulado de piso baixo com carroceria Marcopolo, capacidade para170 passageiros, autonomia de até 250 quilômetros e tempo de carga de bateria de 4 horas. A bateria do veículo será recarregada à noite na garagem da Glória. Um total de 12 motoristas, incluindo duas mulheres, foram treinados para dirigir ônibus BYD durante o período de teste. A urbanista e professora Silvia Leitão comenta sobre o impacto que o transporte público pode trazer para a população de uma cidade: “O transporte público é uma das infraestrutura e serviço que mais impactam uma população, sem eles não temos a dinâmica de ir e vir, não acessamos o trabalho, o lazer, a cidade. A importância do transporte público é o que dá direito a cidade.

No último mês de Maio, Curitiba iniciou os testes com um modelo de ônibus elétrico. Os ônibus da BYD operarão sem passageiros porque seus portões de embarque estão à esquerda, não à direita, conforme exigido pelas operações de transporte público. “No entanto, se passar nos testes, o ônibus deve ser produzido dentro das especificações do município”, acrescenta Celso Lúcio, gerente da área de especificação e fiscalização de frotas da Urbs.

Características do transporte público em Curitiba

Jaime Lerner é responsável pelo transporte público de Curitiba

Em 1974, durante o primeiro mandato do arquiteto e urbanista Jaime Lerner à frente da prefeitura, a primeira concepção da Rede Integrada de Transportes (RIT) de Curitiba tornou-se o sistema que é hoje. Embora as características mais óbvias do sistema de transporte público de Curitiba sejam seus enormes ônibus biarticulados e estações tubulares, boas ideias vão muito além disso. O primeiro passo foi transformar a via em um polo de transporte por meio do programa Bus Rapid Transit (BRT): no meio do bou-

Conheça As categorias de linhas dos ônibus de Curitiba.. portalcomunicare.com.br

levard tinha uma faixa exclusiva para ônibus expresso, conhecida na cidade como canaleta; de cada lado dela, uma rua de sentido único, para tráfego lento, apenas passe. Além disso, as edificações construídas nessas vias eram de uso misto, com preferência para comércio e serviços no térreo, e edifícios residenciais nos pavimentos superiores, o que enriquece o fluxo de pessoas. `` A criatividade começa quando você tira um zero do orçamento. O excesso de recursos leva ao disperdiçio `` Jaime Lerner.

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Curitiba em trânsito Devaneios e outros lapsos sobre a Curitiba que se move por aí. Ivan Cintra Felipe Worliczeck Luís Gustavo

O RATO MORTO Quando decidimos a pauta desta coluna, pensei em escrever sobre como o curitibano transita, sobre as ruas, mas foi um rato morto que me fez mudar de ideia. O lixo também precisa transitar. “Serginho”: nomeei o rato que fez parte da paisagem do centro cívico durante duas semanas. Todo dia, a caminho do trabalho, me deparava com o cadáver do Serginho, estribuchado e amassado, pertinentemente largado numa calçada próxima ao Tribunal de Justiça. Cada dia o pobre roedor se decompunha mais; os que não sabiam de sua presença se assustavam.

Eu, no entanto, não vomitei. Senti pena do Serginho, morto e esquecido, quase desaparecendo na grama mal cortada da calçada abandonada. Indaguei-me, Curitiba não tem um bom serviço de limpeza de suas vias? Como que deixam um rato morto, extremamente próximo às sedes do governo, putrefazendo por duas semanas? Um dia meu marido me buscou no trabalho, insisti em mostrar Serginho a ele. Paramos para velar o rato, mas o coitado não estava mais lá. Rest In Peace e que o deus dos ratos o tenha.

A URBS ME ENLOQUECEU Teve um dia que eu “coringuei”: fiquei mais de uma hora na porta da faculdade esperando o Interbairros I, que devia ter passado duas vezes nesse tempo. Quando ele chegou, fui até as Mercês e passei meu cartão-transporte para entrar no tubo. A linha Interbairros dá o “privilégio” da integração para os usuários, que podem pegar outro ônibus sem pagar. Nesse dia, a integração não funcionou — o que não é incomum, acontece de tempos em tempos. Paguei uma passagem a mais do que deveria. No tubo, esperei mais vinte minutos pelo Ligeirinho para Santa Felicidade, que devia ter passado quatro vezes nesse tempo. Eu só queria chegar em casa logo. Me aproximando do Terminal de Santa Felicidade, vi o Ipê, uma das opções que me leva pra casa, indo embora. Quando desci no terminal, também vi partir o Pinheiros, a outra opção para chegar em casa. Quanto demoraria para o próximo Ipê? Meia-hora. Para o Pinheiros? Trinta e cinco minutos. Tente explicar para esse colunista: se os dois ônibus fazem quase o mesmo trajeto e levam quase o mesmo tempo pra deixar as pessoas em casa, porque diabos colocar o horário de saída dos dois colado, e não de 15 em 15 minutos intercalados? Mas acredite: nada é tão ruim que não possa piorar. Após meia-hora esperando, cansado e irritado, peguei o Jardim Ipê. Mais ou menos na metade do caminho, a URBS pregou sua derradeira peça em mim naquela tarde: o ônibus quebrou. Tive que andar mais uns vinte minutos pra chegar em casa. Foi uma sucessão incomum de desgraças, resultado de várias falhas comuns da empresa responsável pelo transporte público de Curitiba. Modelo? Em levar o usuário à loucura, com certeza.

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UBERSIZAÇÃO E MOBILIZAÇÃO A mobilização no título tem sentido ambíguo, pois me refiro às questões trabalhistas de motoristas de aplicativo e a própria mobilidade urbana brasileira, ambos sintomas de nosso sistema neoliberal, tendo em vista a baixa adesão da greve geral do Uber e 99 em Curitiba. Há, porém, uma diferença muito grande entre os grevistas de ontem e hoje: a falta de mobilização política. Ela acontece justamente pelo mercado digital da indústria 4.0, que conecta os motoristas e passageiros, mas não os motoristas entre si. Tentativas de se sindicalizar e discussão das pautas trabalhistas entre eles, portanto, são escassas, explicando a baixa adesão da greve geral. Outro caso mais significativo de greve contra a uberização, foi o “breque dos apps” onde motoristas de delivery, como Ifood e Rappi, desativaram suas corridas. As organizações nas ruas, porém, não foram suficientes para suprir qualquer mobilização partidária atualmente inexistente, e muitas de suas demandas permanecem inatendidas. Além de uma mobilização dificultada, a uberização também simboliza o caráter de imposição de um estilo de vida pelas empresas, passando por cima de leis. A “Uber Files” foi uma investigação jornalística que mostrou como a Uber interviu na legislação local de países a fim de conquistar mercado pelo mundo. Prática essa que comprova que a iniciativa privada sem regulamentação estatal, ao contrário do que liberais defendem, gera monopólios, lobbies e cartéis.

Ilustração: Felipe Worliczeck

ÔNIBUS DO DIA A DIA Nos anos 90, o transporte público de Curitiba, de fato, era muito bom. Conversando com qualquer curitibano que pegava ônibus naquela época, eles dizem que toda a propaganda é verdadeira: não era barato, mas funcionava, e foi modelo para o país inteiro. Hoje em dia, o prefeito e os donos da URBS garantem que o serviço continua excepcional. O problema é que só eles acham isso. Não preciso de muito pra me lembrar de inúmeros dias em que a URBS me levou à beira da loucura. Os preços altos — a passagem de ônibus de Curitiba é a mais cara do Brasil —, os constantes atrasos, que prejudicam o dia a dia de todos os usuários, a frota que não atende à demanda e causa superlotação em muitos ônibus — não foram poucas as vezes em que vi pessoas não conseguirem entrar no veículo, pois simplesmente não havia espaço… tudo isso irrita quase diariamente.

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Futuro em telas A indústria cinematográfica de Curitiba cresce. Cada vez mais cineastas visitam a cidade para produzir novas obras, e artistas locais relatam novas oportunidades Luís Gustavo Ivan Cintra Felipe Worliczeck

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cinema é uma janela para o passado, é a arte que dialoga com o futuro. Cinema é manifesto, é pertencer. A maior fábrica da indústria cinematográfica é a vivência de quem faz cinema. O cinema brasileiro é fomentado, em grande parte, por leis de incentivo. O Estado auxilia financeiramente na produção e distribuição dos filmes aqui produzidos. Neste ano de 2023, foi implantada a Curitiba Film Commission, sob coordenação da Fundação Cultural de Curitiba (FCC). O intuito da comissão, de acordo com o comitê, é construir uma rede de apoio e diversificadas ações de estímulo para o desenvolvimento de atividades filmográficas, ou seja, ser um facilitador da produção nacional e internacional da capital paranaense. O lançamento ocorreu em março, fazendo alusão ao aniversário de 330 anos da cidade, no Cine Passeio. O convidado principal, no entanto, é carioca. Para o evento que inaugurou a Curitiba Film Commission, o prefeito

Rafael Greca convidou o cineasta Bruno Barreto. Na ocasião, o diretor se fez presente na exibição de seu filme Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), marco importante para o cinema brasileiro. Barreto, que já foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1998, pelo filme O Que é Isso, Companheiro?, está adaptando o livro Traição entre Amigas, com produção na capital paranaense e em Nova York. O convite, no entanto, não agradou alguns produtores locais. O cineasta Lucas Estevan Soares, de Coração de Neon (2023), filme que levou o bairro Boqueirão para as telas do cinema, demonstrou repúdio à decisão da FCC. “Rafael Greca deveria escolher qualquer profissional local para o lançamento da Film Commission. Isto, sim, seria incentivar e fomentar o audiovisual curitibano, pois quem melhor que os curitibanos para entender da sua arte e sua cultura e articular isto nacional e internacionalmente?”, divulgou Soares, junto à sua produtora, International House of Cinema. Apesar da polêmica, Curitiba é casa de aguardadas produções. Previsto para 2024, Estômago 2- O Poderoso Chef, continuação de Estômago (2007), de Marcos Jorge, teve cenas gravadas no presídio de Piraquara. Outra produção que está sendo realizada na capital paranaense é Torniquete, primeiro longa-metragem da curitibana Ana Catarina Lugarini. O filme conta a história de três mulheres após uma traumática invasão domiciliar, e tem Marieta Severo em seu elenco. FILMANDO SONHOS “Gosto muito de sonhar”, diz a diretora curitibana Louise Fiedler, 33 anos. Formada em Publicidade e Propaganda, ela quis seguir carreira no audioIvan Cintra

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visual desde adolescente. “O cinema é um exercício de empatia, é a possibilidade de tocar pessoas com a arte.” Fiedler demonstra positividade quanto ao futuro da produção cinematográfica de Curitiba, mas aponta dificuldades. “O mercado aqui não é como no

não me resumo a só isso.” É assim que se introduz o diretor paranaense Gil Baroni, 43 anos, aos alunos da primeira turma de Cinema e Audiovisual da PUCPR. A convite do professor da disciplina de Representações de Gênero no Cinema, Paulo Camargo, Baroni palestra sobre o cinema queer,

“ “O cinema é um exercício de empatia, é a possibilidade de tocar pessoas com a arte. ” -Louise Fiedler, cineasta Rio ou São Paulo, é mais difícil encontrar oportunidades”. A cineasta conta que, para se manter fazendo cinema em Curitiba, é preciso se sujeitar a baixos salários no início da carreira.Ter que depender do apoio financeiro da família é inevitável, um privilégio para poucos. “Por isso que muitos acabam fazendo publicidade entre os trabalhos de cinema, para ter uma renda”. Para o futuro da produção cinematográfica, Louise espera mais direitos trabalhistas para quem faz cinema. “As demandas do profissional do audiovisual são muito pesadas.” A cineasta vê como tendência a produção industrial de cinema, aos moldes de Hollywood, e declínio dos filmes autorais e independentes. POR UM CINEMA DIVERSO “Sou um diretor viado, bixa, gay, mas

Foto de Casa Izabel (2022), de Gil Baroni, filme que abre o festival Olhar de Cinema deste ano. Foto: reprodução

produções audiovisuais que representam a comunidade LGBTQI+. O filme mais aclamado de Baroni, Alice Junior(2019), foi uma das produções paranaenses que conquistou visibilidade internacional nos últimos anos. O longa retrata a história de uma adolescente trans que precisa enfrentar o preconceito após mudar-se de Recife para uma cidade do interior do Paraná. A adição ao catálogo da Netflix contribuiu para o sucesso da obra. Natural de Guarapuava, interior do Paraná, Baroni fez carreira em Curitiba. Diz-se cineasta pela vontade de contar histórias, e para envolver-se com grupos de pessoas singulares, também movidas pela mesma arte. Gil Baroni debutou como diretor em produções que considera, hoje, “heteronormativas”. Tudo mudou com o filme Horizonte de Eventos (2016), curta que retrata Gabriel Comicholi, que descobre ser portador de HIV e decide contar para todo

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mundo. Gravar Horizonte de Eventos foi o estopim para uma nova filmografia de Gil Baroni – um cinema para derrubar as barreiras de gênero e sexualidade, para expor intimidades e retratar a história de pessoas que vivem tangenciando violências. “Curitiba tem se mostrado uma cidade bastante promissora para quem quer ser cineasta”, Baroni cita as oportunidades de apoio financeiro por meio dos editais, e também celebra os cursos de cinema em universidades, como Unespar e PUCPR. “Os cursos de cinema da capital atraem pessoas do Brasil inteiro, a produção aqui fica mais diversa.”, afirma o diretor. Sobre o futuro, Baroni vê múltiplas possibilidades dentro e fora da tela do cinema. Fala da produção de videogames e do compartilhamento de produtos audiovisuais na internet. Diz que as formas de contar histórias em narrativa cinematográfica podem convergir. “O futuro do cinema é o Tik-Tok”, brinca o diretor. O FUTURO EM CENA Vivian Cardoso, 20 anos, é estudante do quinto período do curso de Cinema e Audiovisual na PUCPR e estagia em uma produção da universidade. Ela quer ser diretora, roteirista e showrunner de séries, e acha que novas possibilidades de se fazer cinema no Brasil estão à vista, mesmo em Curitiba, longe do eixo Rio-SP. “Cada vez mais, diretores e produções diferentes estão vindo em destaque, no contexto nacional e internacional. Isso dá uma esperança”, conta Vivian. No entanto, ela diz que o caminho a percorrer ainda é longo: “Ainda é uma indústria pequena, e, por conta disso, trabalhamos com produções menores que tem um orçamento menor, uma equipe menor, então, para nós, estudantes, é difícil achar assistência ou oportunidade de estágio, porque as produções são mais enxutas”. Mesmo assim, a estudante aponta o caminho para estar mais próximo de oportunidades, mas ressalta que é um percurso difícil e elitizado: “Você tem que conhecer pessoas, fazer muitos

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cursos, o que leva dinheiro. Eu tenho muitos privilégios e consigo fazer muita coisa, mas uma pessoa que não tem, não consegue”, conta. Apesar dos pesares, a estudante conta que sentiu uma melhora no mercado audiovisual brasileiro desde que entrou no curso. “O streaming tem coisas muito negativas, mas uma coisa que ajuda é que filmes que não teriam espaço no cinema, por conta de várias questões estruturais do nosso mercado, podem ter visibilidade no streaming, como Alice Junior”, declarou. FORMANDO NOVOS CINEASTAS Um fato novo no cenário da produção cinematográfica curitibana é o curso de Cinema e Audiovisual da PUCPR, que teve sua primeira turma em 2021. O professor Carlos Debiasi, que teve papel importante na formatação do curso, conta que a criação foi um processo natural. “Já havia experiências anteriores de Cinema, que aconteciam nos cursos de Comunicação, como Publicidade e Jornalismo. Existia um movimento e a vontade para isso, e percebemos que já havia uma estrutura inicial para criar o curso, como estúdio e equipamentos”. O professor também contou como foi o processo de formatação do curso, que levou alguns anos. “O cinema é visto como uma manifestação cultural, mas também uma manifestação de um produto cultural. Ele está no eixo de Comunicação, e não no de Artes, no qual também trafega. A formatação dos cursos de Cinema no Brasil parte de estar nesses dois lugares, na comunicação e nas artes”, explicou. Ele diz que, pela proximidade com o Sudeste, que permanece como o grande centro produtor audiovisual brasileiro, existe a possibilidade de fazer trabalhos em Curitiba para as grandes marcas do sudeste, algo que já ocorre. “Isso acontece muito no mercado da publicidade. Nós temos uma posição estratégica dentro do Brasil, comparado a outras cidades que estão longe da região”, conta Carlos. Além de ter tido um papel fundamental na criação do curso de Cinema e


Audiovisual da PUCPR, Debiasi também foi aluno da segunda turma do curso na UNESPAR, em 2006. O professor compara o impacto que o curso da UNESPAR teve com o potencial impacto do curso da PUCPR: “Dali saiu gente que fez produtora, que foi para São Paulo, para os Estados Unidos, professores de Cinema importantes que sairão dali. Então, nós vemos uma variabilidade muito grande de egressos do curso da UNESPAR. Esse curso da PUC vem a somar nesse fomento cinematográfico que Curitiba já tem, e vai ter cada vez mais”.

Veja mais Confira os filmes paranaenses selecionados por cada repórter nesta matéria portalcomunicare.com.br

Ivan Cintra

Curitiba no Oscar

Conheça o longa paranaense que ficou perto do tapete vermelho.

A Categoria de Melhor Filme Estrangeiro delimita dezenas de países, e centenas de filmes, a disputarem apenas uma categoria em uma das mais importantes premiações do cinema mundial. O Brasil, portanto, teve poucas chances ao Oscar em toda a sua história, apesar da riqueza cinematográfica de filmes e movimentos ao longo das décadas. Até o momento, nenhum filme curitibano conseguiu disputar o prêmio.

O que chegou mais perto é o filme Deserto Particular (2021), de Aly Muritiba, que conta a história de um policial afastado de seu serviço por um acesso de raiva, e decide viajar em busca da mulher que conversava por mensagens, mas deixou de respondê-lo. A obra, representante brasileira na edição de 2022 do Oscar, é uma produção da Grafo Audiovisual e é um estudo da identidade masculina brasileira.

Deserto Particular (2021), de Aly Muritiba. Foto: divulgação.

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Nome fotógrafo

Cidade de vinil

Os discos de vinil se tornaram vintage e movimentam o mercado da música no país. Em Curitiba, não seria diferente. Os vinis estão nas feiras, nas lojas e nas vitrolas Júlia Sobkowiak, Lívia Berbel, Thaynara Goes e Victor Dobjenski

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omingo de manhã na capital paranaense, o clima é o costumeiro da cidade, está frio, mas o sol encoraja os curitibanos a frequentarem a tradicional feira do Largo da Ordem. Ali em meio aos transeuntes, ao cheiro de fritura e ao burburinho das conversas, um jovem para em frente a uma das bancas e gasta ali uns bons minutos olhando os vinis dispostos na barraquinha. Ele olha um a um, às vezes tira um do meio dos outros, examina com atenção e depois coloca no mesmo lugar. O ritual se repete e, passado um tempo, ele se despede da banca, mas não leva com ele nenhum vinil. A barraquinha em questão pertence ao

casal Sheila Garcia e Gustavo Garcia que expõe na feirinha desde 2017, mas trabalha com a compra e venda de vinis há 15 anos. O vinil faz parte da vida do casal a um bom tempo, Gustavo coleciona vinis desde que se entende por gente e Sheila passou a colecionar os seus quando conheceu seu marido, isso a vinte anos atrás. Para Sheila, era natural que a coleção logo se transformasse em negócio e a maior surpresa de se trabalhar neste ramo está no público que consome os discos hoje em dia. “Quando chegam clientes bem jovens e com bastante conhecimento, é uma surpresa bem agradável, isso é um sinal da continuidade dessa cultura”, comenta a expositora.

banca do casal, co“Quando chegam clientes Anhecida como Feira do Largo Discos, é a única da feira que vende bem jovens e com bastante banca exclusivamente vinis, e próxima à fonte do conhecimento, é uma surpresa fica Largo da Ordem, mas alguns metros para bem agradável. Isso é um sinal acima é possível encontrar outros caixotes cheios Nelson Fernanda continuidade dessa cultura.” dedesvinis. trabalha na feira há

Sheila Garcia, dona da barraquinha de vinis dez anos e vende anti-

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guidades, sendo uma delas o próprio vinil. O feirante relata que, ao longo desses anos, trabalhando na venda de antiguidades ele já viu inúmeros modismos irem e virem, mas que acredita que o renascimento da compra e venda de vinis se deve ao resgate do passado. “O vinil hoje está em alta, quer dizer voltou, né? Hoje fazem uns aparelhos retrô, né?”. Nelson não vê um perfil de idade nos colecionadores de vinil, mas acredita que um bom comprador é aquele que sabe o que procura. “A pessoa que gosta e encontra aquele que ainda não tem na sua coleção sempre compram, mas perfil de idade não tem não. Tem jovem e meio jovem.”Entre risadas, o feirante finaliza dizendo que seus maiores compradores são roqueiros. Além da venda de vinis na Feirinha do Largo da Ordem, Curitiba ainda tem algumas lojas de discos espalhadas pela cidade. Numa rápida pesquisa no Google, é possível encontrar ao menos cinco lojas de discos na capital paranaense. Entre elas está a loja Sonic Discos, localizada à Rua Comendador Araújo 143, na Galeria Evereste. A loja é comandada por Horácio Tomizawa, que assim como o casal da feirinha transformou o hobby em trabalho. Para ele a ‘moda’ do vinil nunca passou totalmente, o que na verdade aconteceu foi uma diminuição na compra e venda desse produto e, em certo período, a substituição dele por outras tecnologias. Mas os apaixonados pelas vitrolas nunca as abandonam. Enquanto o colecionador e vendedor fala sobre a indústria do vinil, as vitrolas localizadas no térreo da loja compõem a trilha de suas falas com as mais diversas melodias. Horário lamenta que a produção de vinis tenha diminuído no Brasil. Atualmente, existem apenas cinco produtoras de discos no país e elas produzem majoritariamente discos de artistas da mpb. Dessa forma, o único jeito de ter os discos mais novos de artistas internacionais é importando. Horácio acredita que as pessoas compram o vinil não somente pela experiência sonora, mas também pelo apelo visual que os discos possuem.

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“O vinil tem uma parte visual e tátil, você pode pegar e olhar a capa de um vinil, ver o encarte, sabe? Não é igual a olhar na internet.”

UM NOVA GERAÇÃO Os discos de vinil ou LP’s são feitos de um material plástico, conhecido como PVC, o disco redondo com um adesivo no centro, representa muito mais do um simples pedaço de plástico, pelo menos é o que acredita a estudante de Design Julia Morales. “Vinil é mais do que uma experiência sonora, dá até pra dizer que é uma experiência estética, e ter o vinil é tornar a música algo físico, que você pode tocar, você tem a música literalmente nas suas mãos”, comenta a aluna.

“O vinil tem uma parte visual e tátil, você pode pegar e olhar a capa de um vinil, ver o encarte, sabe? Não é igual a olhar na internet” Horácio Tomizawa, dono da Sonic Discos


O ato de colecionar discos é uma tradição familiar passada de pai para filho, o pai de Julia colecionava e seu avô, também. Logo, era natural que ela continuasse essa tradição familiar, mas foi só em 2021 durante seu intercâmbio para o Reino Unido, que ela comprou seu primeiro vinil, o Fine Line, segundo disco do cantor Harry Styles.

parte gráfica ao analisar a capa e os encartes, ler as letras e entendê-las e até mesmo mudar o lado do vinil: “Nunca perdi esse gosto pelo vinil justamente por conta desse romantismo. Hoje a música se tornou algo mais casual, você vai lá ouve o single e pronto”.

Apesar de ter se encantado pelos LPs, logo a estudante de design percebeu as dificuldades de colecionar um artigo como esse, além do alto preço, ela relata a dificuldade de encontrar discos de artistas atuais, ou que o público de sua faixa etária conheça: “Você é obrigado a ir às lojas, e indo nelas você tem que pagar R$ 400,00 R$500,00 até mesmo R$700,00 por um Future Nostalgia da Dua Lipa, por exemplo”.

A geração Z e a ‘música como souvenir’

Ela acrescenta que o valor de um vinil muda de pessoa para pessoa: “Um disco em perfeito estado de uma banda brasileira pode valer muito pra alguns, mas pra mim não. O que vale a pena é poder ouvir “This is Me Trying” do álbum Folklore (da cantora Taylor Swift) na minha vitrola”. A jovem finaliza fazendo uma comparação entre ouvir o vinil físico e utilizar os serviços de streaming, que atualmente representam cerca de 85% do consumo de música no Brasil: “Usar o Spotify ou o Apple Music é muito mais prático, é o que eu faço 90%do tempo, mas aquele chiadinho do vinil é algo que é insubstituível, da um toque especial e único”. Pode-se dizer que Curitiba é uma cidade com um padrão de consumo claro, que vai desde cafés até restaurantes, e esse é justamente um dos motivos pelo qual o mercado de vinil parece estar se desenvolvendo aqui. Segundo o professor universitário e analista cultural Daniel Pala Abache “Curitiba é uma das primeiras a abraçar tendências e essa diversidade de pessoas colabora para manter acesa essa chama do interesse pelo vinil.” Abache afirma que o vinil pode ser percebido como uma experiência ritualística, que começa justamente pela

Chega a ser impressionante como um simples pedaço redondo, com a espessura de até 1 milímetro e que pode variar de 12 a 7 polegadas, possa custar mais da metade de um salário mínimo no Brasil. Porém é impossível não aceitar que esse é um mercado que vem crescendo no país e no mundo. De acordo com o mesmo relatório, o vinil movimentou uma venda de 2,3 milhões de reais em 2021, já no ano seguinte ele atingiu um valor duas vezes maior, totalizando 4,7 milhões de reais. No mundo as coisas não parecem estar sendo muito diferentes. Pegando o mercado Americano como base, lugar conhecido por iniciar e ditar as ‘trends’ de consumo ao redor do globo, os discos de Vinil superou a venda de CDs pela primeira vez em 35 anos desde 1987 de acordo com o relatório da Associação da Indústria Fonográfica dos Estados Unidos (RIAA). Alguns artistas podem estar sendo os grandes responsáveis por alavancar essa moda. De acordo com algumas listas,

como a da Billboard, Harry Styles, Olivia Rodrigo e Kendrick Lamar venderam mais de 100 mil cópias de vinis apenas em 2022, mas o grande destaque da maioria dos portais relacionados a música foi a cantora Taylor Swift. A chamada de “Miss Americana” vendeu mais cópias de LPs do que de CD com o “Midnights”, seu décimo álbum de estúdio. Com apenas dois meses de lançamento a cantora comercializou mais de 800 mil cópias, feito que não era atingido desde 1987. Esses cantores têm firmado cada vez mais um fenômeno que vem sendo chamado de “música como souvenir”. Mesmo sem ter onde tocar os vinis, os fãs têm cada vez mais optado por possuir algo que os aproxime de seus artistas e álbuns favoritos e que lhes deem esse sentimento de exclusividade. Isso também pode explicar as diversas versões que um artista faz do mesmo álbum com as mesmas músicas, apenas mudando a aparência do disco.

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A nova geração, no entanto, parece estar abraçando cada vez mais essa experiência. Mesmo que alguns jovens ainda utilizem a música apenas como uma trilha sonora de segundo plano em suas vidas, existem pessoas que estão descobrindo essa proximidade que o vinil traz. Pessoas que estão dispostas a criar essa proximidade com alguns artistas: “É legal ter essa materialidade de um álbum ou artista que você gosta, vejo jovens que quase não tem vinil, mas eles querem ter aquele vinil específico”. Ele justifica que os altos preços do vinil se dão a alguns fatores, mas o principal deles é que boa parte da produção desse material é importada, inclusive os discos nacionais. De acordo com ele, mesmo em sites com preços mais em conta de LPs nacionais, se der uma olhada vai acabar percebendo que a prensagem foi feita fora do país. Outros fatores também que colaboram para que os preços muitas vezes cheguem nas alturas são a qualidade superior de 180 gramas do um disco super resistente e o mercado nichado, que ainda não se vê em uma produção de massa: “Só quem realmente gosta e quer vivenciar essa experiência vai comprar”. Talvez essa seja uma das razões pela qual a venda do disco de vinil representa apenas 0,5% da receita total da indústria fonográfica

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brasileira, de acordo com o relatório de 2022 do PRÓ-MÚSICA. Quem procura vinis mais baratos é interessante ir em sebos e feiras, porque são esses os lugares em que, quem está começando a colecionar agora, vai achar vinis mais simples, de segunda mão e mais antigos. Tudo isso acaba sendo um resgate ao prazer de ouvir música como uma experiência completa, o que quebra essa moda de individualidade que foi se formando com as plataformas de Streaming: “ As pessoas vão voltar a ouvir música de forma colaborativa. Eu chego com um vinil novo e geral se senta para ouvir e analisar aquela obra que no cd é muito pequena e no spotify nem se comenta, não dá pra ver quase nada naquele quadradinho” ele finaliza rindo da situação.

Leia mais Saiba mais sobre o funcionamento dos vinis e conheça sobre o mundo das vendas deste produto portalcomunicare.com.br


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Felipe Worliczeck

ui sortudo de crescer em uma casa com uma araucária no quintal. Ela ficava no fundo de nosso terreno e, pelo meu quarto, conseguia ver um de seus longos braços pela janela. No inverno, eu e meu irmão tínhamos o costume de catar pinhões entre a grama e a geada que havia caído à noite; no verão, fingíamos que as pinhas eram granadas em uma guerra faz de conta. Mas fui azarado também, pois nasci em um mundo onde as árvores envelhecem. Seu trágico fim ocorreu nas férias da escola. Eu devia ter 8 anos e meu irmão 11. Estávamos assistindo ao filme de animação Resident Evil: Degeneração, após uma longa discussão na locadora do bairro sobre o que iríamos obrigar nossa mãe a assistir conosco. No meio da sessão, porém, escutei uma comoção pela janela de casa: muitos vizinhos estavam na rua à nossa frente, acompanhados por pequenas faíscas de fogo em nosso jardim frontal. Não sei se culpo minha imaturidade ou a exposição precoce que tive à Panico na TV, mas minha primeira reação foi mostrar o dedo “do meio” aos condôminos pela indesejada interrupção.

Talvez esse momento me fez perceber, pela primeira vez, que as coisas nunca vão ser as mesmas. Ou que elas permanecem como são apenas pela mudança. Meu irmão não mora mais conosco. As tintas dos bonecos já estão desbotadas. Quanto à araucária, foram feitos bancos com seu tronco, hoje em dia apodrecidos por cupins e tempestades.

Diferentes versões de mim. Foto: Aurélio José Martins

Araucárias envelhecem Agora em seus 330 anos, me pergunto como Curitiba, que possui a árvore em sua bandeira, irá envelhecer. Pelo jeito que as coisas andam, nem vai sobrar as poucas que restaram no futuro. Vai que um bilionário descobre que o pinhão é uma ótima matéria-prima para o combustível de seu fálico foguete. Sinto que, caso caísse um balão com substâncias inflamáveis na minha casa enquanto apresento Evil Dead 2 aos meus amigos hoje em dia (sim, eu não abandonei o terror trash, e nem pretendo), nenhum de meus vizinhos iria ao resgate da nossa iminente catástrofe. Talvez seja por conta das brigas políticas no grupo de WhatsApp, ou talvez ainda não tenham perdoado o meu gesto obsceno com o dedo médio de 12 anos atrás.

Após minha pequena delinquência infantil, descobrimos que, na verdade, um balão dirigível, porém sem nenhuma direção, havia caído na copa do nosso pinheiro, salvando-nos. A conífera já era velha, e precisava ser retirada imediatamente antes de sua descomunal queda. Troncos e espinhos, portanto, não seriam mais parte do cenário das épicas batalhas travadas entre os meus bonecos Max Steel.

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Olhar de feira Enrique Ceni João Vitor Luchesi Vitor Marcolini

Curitiba é conhecida por ser uma cidade com uma ampla variedade de eventos em espaços públicos, entre esses eventos estão as famosas feirinhas de ruas.

HISTÓRIA No início do século XX, surgiram em Curitiba as feiras livres para a comercialização de produtos agrícolas e artesanais. Naquela época, a cidade ainda era predominantemente rural e as feiras eram uma importante oportunidade para os agricultores locais venderem seus produtos diretamente à população. As primeiras feiras livres eram realizadas informalmente, geralmente em locais públicos como praças e ruas. Com o tempo, essas feiras foram se consolidando e ganhando popularidade entre produtores e consumidores.

Feira gastronômica no Batel aos sábados.

Vitor Marcolini

No final da década de 1970, a Prefeitura de Curitiba implementou uma série de iniciativas para organizar e regulamentar as feiras livres na cidade. Foram criadas regras para instalação de estandes, cobrança de taxas, higiene e outras questões relacionadas à infraestrutura da feira. Atualmente, as feiras livres de Curitiba são realizadas em diferentes pontos da cidade, em diferentes dias da semana. O município ainda desempenha um papel importante na organização e fiscalização das feiras, para que os produtos sejam de alta qualidade e os produtores atendam aos padrões estabelecidos. As feiras livres de Curitiba tornaram-se parte integrante da cultura local, fornecendo alimentos frescos aos moradores, contribuindo para a economia local e criando um ambiente vibrante e socialmente inclusivo.

Feira orgânica de terça- feira ao redor da praça Ouvidor Pardinho.

Feira gastronômica noturna no Batel às terças-feiras.

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João Luchesi

Vitor Marcolini


Título Box

Evenihil et offi rem quiae magnihi libeatu.

COMIDAS CLÁSSICAS As feiras de livres de Curitiba oferecem uma ampla variedade de comidas e produtos alimentícios, desde alimentos frescos até pratos prontos para o consumo. Algumas das principais comidas de feira em Curitiba incluem: Além dos pastéis tradicionais, as feiras de Curitiba também oferecem o “pastel de feira”, um tipo específico de pastel feito com massa mais fina e crocante, geralmente recheado com carne moída temperada.

Os espetinhos são uma opção muito popular nas feiras, com uma variedade de carnes, como frango, carne bovina, linguiça, coração de frango, entre outros, espetados em palitos e assados ou grelhados na hora.

A coxinha é uma iguaria brasileira bastante apreciada, e você pode encontrar diferentes versões nas feiras de Curitiba. Trata-se de uma massa de farinha de trigo recheada com frango desfiado e temperos, moldada em formato de coxa de galinha e frita.

Nas feiras livres de Curitiba, você também encontrará uma variedade de queijos artesanais, como queijo colonial, queijo de cabra e queijo minas, além de embutidos como linguiças e salames.

TIPOS DE FEIRA EM CURITIBA Em Curitiba, existem diversos tipos de feiras que oferecem uma variedade de produtos e experiências. Alguns dos tipos de feiras encontradas na cidade são:

LIVRES: São as feiras tradicionais, realizadas em diferentes bairros da cidade, geralmente em praças e ruas. Nessas feiras, você encontrará uma ampla variedade de produtos, como frutas, legumes, verduras, carnes, peixes, queijos, artesanais, entre outros.

GASTRONÔMICAS: São feiras especializadas em alimentos e gastronomia. Nessas feiras, você encontrará uma variedade de opções de comida pronta para consumo, como pratos típicos, petiscos, sanduíches, doces, além de food trucks e food bikes que oferecem uma variedade de culinárias e sabores diferentes.

ORGÂNICAS: Curitiba é conhecida por suas feiras de produtos orgânicos e agroecológicos. Nessas feiras, os agricultores e produtores locais oferecem alimentos cultivados de forma sustentável, sem agrotóxicos ou aditivos químicos.

ARTESANATO: Curitiba também abriga feiras dedicadas ao artesanato local. Nesse tipo de feira, encontramos uma variedade de produtos artesanais, como jóias, roupas, acessórios, objetos de decoração, arte em cerâmica e muito mais.

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Do monótono ao criativo Com o avanço da tecnologia, os museus se reinventam para contar o passado na forma do presente Bruna Pelegrini, Felipe Lunardi, Ingrid Lopes e Mariana Bridi 5° Período

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uritiba é conhecida por sua rica cena cultural e numerosos museus. Entre eles, destacam-se os museus interativos, que oferecem experiências educacionais inovadoras e imersivas. Eles combinam tecnologia, arte e ciência, proporcionando aos visitantes uma forma mais divertida e interativa de aprender sobre diversos temas. Entre os mais populares museus de Curitiba estão o Museu Planeta Água, o Museu de História Natural e, em especial, o Museu de Arte Indígena e Museu do Holocausto, que oferecem um diferencial de interatividade tecnológica, para buscar entreter os visitantes, principalmente os jovens. Cada um deles oferece uma experiência única e envolvente, com exposições interativas, jogos educativos, instalações multimídia e muito mais. O Museu do Holocausto de Curitiba é um importante centro cultural que busca preservar a memória do Holocausto e educar as pessoas sobre os horrores do genocídio feito pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

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Laura Nicolli, funcionária do Museu do Holocausto, explica que o Museu tem uma proposta de usar o Holocausto como uma ferramenta educativa para tratar de discriminação de forma geral. “Acima de tudo a nossa missão é usar essa história para discutir o preconceito, então ao longo das visitas no museu a gente está constantemente traçando paralelos entre o Holocausto com outras formas de discriminação”, diz. O museu oferece uma experiência imersiva aos visitantes, por meio de exposições que retratam os eventos históricos, os relatos de sobreviventes, documentos e objetos relacionados ao Holocausto. Um artifício usado para isso é um cartão, entregue para cada visitante, que conta a história de um sobrevivente da guerra que veio ao Brasil e, ao decorrer do passeio, é possível descobrir o que aconteceu com esse refugiado. Abordando temas historicamente relevantes tanto para o presente quanto

Interior de exposição do Museu do Holocausto de Curitiba.

Ingrid Lopes


para o futuro, o objetivo do Museu é promover a reflexão e a conscientização sobre a importância de combater o ódio e a discriminação, dando nomes aos milhares de números de vítimas. O Museu Planeta Água, localizado no bairro do Tarumã, é uma das principais atrações turísticas de Curitiba. Inaugurado em 2022, o museu é dedicado à preservação da água e ao seu papel fundamental no planeta. Instalado na primeira estação de tratamento da Sanepar, que funcionou por quase seis décadas. O espaço possui um papel de destaque por estar em constante busca por inovação. Com quase um ano de existência, tem investido em tecnologia e recursos interativos para proporcionar aos visitantes uma experiência única e envolvente sobre a importância da água e da preservação ambiental.

O objetivo do museu é proporcionar um espaço para que as expressões artísticas e culturais dos povos indígenas sejam reconhecidas e apreciadas, contribuindo para a valorização e preservação da diversidade cultural do Brasil. Como uma ferramenta tecnológica e de melhor compreensão, o Museu de Arte Indígena conta com a ajuda de vídeos, sonorização e outras técnicas para a melhor imersão dos visitantes. “Todo o museu tem cheiros diferentes. Cada andar tem um cheiro específico. A gente tenta trazer esse cheiro da mata, esse cheiro da floresta, para que eles façam com que as pessoas experienciem um pouco da cultura indígena”, relata Jaqueline Marcondes, mediadora do Museu. Entre as características marcantes do Museu, destaca-se o seu interior preto, que proporciona uma atmosfera única e imersiva aos visitantes. Para Jaqueline, a presença do preto significa um convite para que as pessoas se conectem com a essência da arte indígena e com as histórias que ela conta. “A gente traz essa questão da escuridão, da fumaça, do breu, porque a cultura indígena, quanto mais fumaça tem no seu ambiente, mais ligado está o seu pensamento com o mundo espiritual. Então tentamos trazer isso para o museu “, discorre.

“Os museus têm essa magia de aliar o visual com o extraordinário.”

Wil Caravanti, coordenador do projeto Museu Planeta Água Wil Caravanti, coordenador do projeto Museu Planeta Água e CEO da Straub e gestão dos projetos, comenta a importância dos museus e suas inovações para a cidade. “O museu é um espaço que pode transformar uma cidade, ele pode ser um espaço perene, e ter a capacidade de transformar, provocar as pessoas. Os museus têm essa magia de aliar o visual com o extraordinário. Então dentro do contexto educativo e cultural, o museu é um elemento central no desenvolvimento educativo de uma cidade.” O Museu de Arte Indígena de Curitiba é um espaço cultural dedicado à valorização, preservação e promoção da arte e cultura indígena. O espaço abriga uma rica coleção de artefatos, obras de arte e artesanato produzidos por diferentes povos indígenas do país.

Os museus interativos de Curitiba são uma atração turística muito importante, atraindo visitantes de todo o país e do mundo, e assim contribuindo para o desenvolvimento econômico e cultural da cidade. Além disso, os museus têm um impacto significativo na educação, oferecendo uma experiência divertida e imersiva. Eles são uma ferramenta importante para a aprendizagem experiencial, que é uma abordagem educacional que se baseia na aprendizagem através da experiência prática e da reflexão sobre essa experiência. Essa abordagem permite que os visitantes aprendam de forma mais eficaz e memorizem o conteúdo com mais facilidade.

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Segundo Laura, o Museu do Holocausto recebe em média cerca de 800 pessoas por semana, mas ela friza que o principal foco são as próximas gerações, especificamente os estudantes. “O Museu agora conta com tecnologias que foram implementadas depois da pandemia. O nosso foco principal junto com essas tecnologias é facilitar a conscientização e educação dos jovens que visitam o museu sobre todas as histórias por trás do Holocausto”, conclui.

pública não tem acesso além do celular, mas aqui é de graça”, diz. Ele ainda complementa que não há nada mais prazeroso do que ver as crianças interagindo com aquilo que ele criou. “Quando você vê elas interagindo com cada elemento, isso traz pra gente um sentimento de dever cumprido. As pessoas saem daqui encantadas, aprendendo nem que seja um detalhezinho”, relata Wil.

“Os museus têm um impacto significativo na educação, oferecendo uma experiência divertida e imersiva.”

O Museu Planeta Água tem se consolidado como um espaço inovador e comprometido com a conscientização sobre a importância da água no planeta. Investindo cada vez mais em tecnologias como a realidade virtual e aumentada, os visitantes vivem a experiência de uma imersão no mundo subaquático e aprendem sobre a importância da preservação dos oceanos e dos rios.

A mediadora do museu Planeta Água, Sandy Oliveira, conta da ajuda da tecnologia para ensinar as crianças a aprenderem sobre os assuntos abordados. “A gente observa que elas adoram, até porque, no meio que a gente vive hoje, não tem como viver sem a tecnologia atrelada. Então com certeza ela ajuda muito, principalmente quando a gente vai fazer a mediação dos mais novos, percebemos que eles conseguem prestar mais atenção, conseguem interagir melhor”, diz. Pensando sempre na inclusão, o desejo de Wil Caravanti é de que todos possam ver, escutar e sentir o que o Museu da Água tem para oferecer com essas inovações. “Aqui, por ser o museu mais novo de Curitiba, tentamos trazer aquilo que nem todos tem acesso, a tecnologia que a escola

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Juliana, mediadora do Museu de Arte Indígena, comenta sobre a educação das crianças ser uma prioridade para eles. Com abordagens e formas de imersões para cada idade específica, o museu visa proporcionar experiências enriquecedoras que estimulem o conhecimento, a sensibilidade e o respeito pela cultura indígena. “A gente usa o toque com crianças de abaixo de cinco anos de idade. Porque nessa fase eles não compreendem se eles não tocam. Temos todo um material separado pra isso. A partir dessa idade é só visualização mesmo”, fala. O museu oferece diversas atividades e cria oportunidades para que eles se aproximem da arte ali exposta e da história do povo indígena enquanto estão no Museu e também quando vão embora. “Com essas tecnologias a gente busca encantar eles, para que saiam daqui e busquem saber mais sobre. Adotamos o TikTok, que está em alta entre os jovens. Lá indicamos perfis de pessoas que são indígenas e


que divulgam a cultura para que eles possam se aproximar mais do que queremos passar dentro do museu”, conclui Jaqueline. Volni Moraes, pai de Rafael Moraes, de 8 anos, já levou o filho a vários Museus interativos do Brasil, e comenta sobre a importância desses museus para a educação e a diversão das crianças. “Para mim um Museu interativo é muito interessante, principalmente para as crianças. É muito legal ter alguma coisa com que eles possam realmente estar imersos ali na na visita, então essas tecnologias são sim um complemento. É algo que vai ajudar eles a entenderem melhor o assunto ou estarem mais imersos dentro daquilo”, discorre Volni. Uma das visitas que Volni fez com o filho foi ao Museu da Água de Curitiba. Com muito entusiasmo, Rafael conta que na visita descobriu muitas coisas as quais não sabia sobre o funcionamento da água. “Eu aprendi que a água passa por um processo antes de chegar nas nossas casas e sobre quanto de água a gente tem no nosso corpo”, fala. O menino diz que contou aos amigos da escola sobre o Museu e que também recomendaria a visita para todo mundo. “Falaria sim para todo mundo visitar o Museu da Água, eu achei muito interessante e me diverti bastante, foi muito legal a experiência.” Volni finaliza frisando que acha primordial as escolas planejarem esses passeios aos Museus de Curitiba. “Nós temos várias opções de museus com temas diversos pela cidade. Se a escola não aproveitar essa oportunidade de fazer a ponte do que as crianças aprendem lá dentro com com o que temos nos museus, seria um desperdício”, comenta. Ao visitar um museu interativo em Curitiba, os visitantes têm a oportunidade de mergulhar em uma experi-ência imersiva e participativa que vai

Bruna Pelegrini

além da observação. Esses museus oferecem interações envolventes que permitem que as pessoas experi-

Escada com exposições do Museu de Arte Indígena.

mentem história, arte e cultura de maneiras únicas. Por meio de tecnologias inovadoras, exposições interativas e atividades educacionais, esses museus inspiram aprendizado, curiosidade e promovem maiores conexões com os tópicos discutidos. Os museus interativos de Curitiba são verdadeiros convites para explorar, descobrir e participar ativamente de experiências culturais que ampliam horizontes e enriquecem a experiência de cada visitante. Saiba mais Escaneie o QR Code e conheça as localizações dos museus in-

terativos da capital paranaense

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A arte de construir

cordas Paraná e Curitiba são referências em instrumentos musicais no Brasil, sendo o curso de luteria da UFPR o primeiro do país João Américo, João Caetano, José de Souza, Vinicius Setta

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música não é feita apenas por dó, ré, mi e fá: É feita também por parafusos, madeira, cola e muito trabalho manual. A luteria - indústria de manufatura de instrumentos musicais - está muitíssimo presente tanto no Paraná como na capital. Curitiba possui 21 das 83 indústrias de luteria do Paraná.

Plander, diz que seus serviços têm se tornado mais requisitados desde quando começou a trabalhar. Antes sua agenda tinha apenas um mês de serviço, enquanto atualmente está para três. Em alguns casos, chegou a ter cinco meses de serviço: “O mercado tem crescido bastante, antigamente você só via umas poucas orquestras e hoje tem orquestras de escolas até

“É difícil o músico brasileiro ter dinheiro para encomendar um instrumento.” Fernando Schubert, professor de luteria

Em abril de 2021, durante o governo Bolsonaro, houve uma redução de tarifa para a importação de instrumentos musicais de corda, de 18% para 2%. Isso acarretou em uma alta de compras de instrumentos. De acordo com uma pesquisa feita pelo Compre&Confie, em dezembro de 2021, a venda e-commerce de instrumentos musicais cresceu em 252,4%. Mesmo com redução de tarifa e aumento em vendas, os instrumentos costumam ter preços inacessíveis a boa parte da população. De acordo com Giovani Miranda, vendedor de uma loja de instrumentos musicais, um violino para iniciante custa em média R$1 mil, já intermediário R$5 mil e profissional R$10 mil ou até mais, dependendo. O luthier Fernando Schubert, formado e licenciado pela UFPR (a primeira universidade a ter o curso no Brasil), diz que um dos maiores desafios enfrentados pelos luthiers é o custo das peças para as construções de instrumentos, como por exemplo: Captadores, tarraxas, pontes, etc: “Isso faz com que o valor do instrumento seja muito elevado.” “Assim, é difícil o músico brasileiro ter dinheiro para encomendar um instrumento”. Ele ainda ressalta que há outras opções de peças, como nacionais, entretanto, nem todos os músicos aceitam. Douglas Cavalcante, luthier na loja

policiais e igrejas. Aumentou significamente mesmo.” A desinformação é outro desafio para os luthiers. De acordo com Schubert, há muita coisa sem fundamentação na internet. Ou seja, o trabalho de luteria também é combater a desinformação. “Só que essas desinformações são propagadas com tanta rapidez e em vários lugares, e muita gente acredita sem verdade”, complementa.

ÁREAS DO SABER Schubert explica que o trabalho do luthier é formado por três áreas: Construção, restauro e a regulagem. A construção consiste em criar o instrumento com base nas necessidades, tanto física (tamanho) como sonora (maior projeção de som e timbres variados). O restauro é realizado quando há a necessidade de resolver algum problema estrutural de um instrumento. Alguma rachadura, ou quebras de braço e mão. Também ocorre quando é preciso trocar alguma parte danificada de algum instrumento bom. Isso envolve muita técnica e conhecimento, pois existem certos processos que precisam ser seguidos corretamente. A regulagem ocorre para que o instrumento tenha a melhor tocabilidade possível dentro das necessidades do(a) instrumentista. É importante destacar que um instrumento novo

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precisa passar por um luthier para que vários ajustes sejam feitos. Além disso, vale destacar que levar o instrumento para um luthier faz com que a vida útil de várias peças seja maior.

existem estudos para utilização de materiais que substituam as madeiras em alguns instrumentos. Em guitarras e baixos isso é completamente viável.”

“Às vezes tem gente que está até numa depressão e por conta da música saiu disso, seja por um instrumento, às vezes até completa o nosso ser.”

Douglas Cavalcante, luthier

FUTURO Schubert aponta que as madeiras de cada instrumento variam de região para região. Particularmente, ele tem a preferência de utilizar madeiras brasileiras na construção de baixos e guitarras - como, por exemplo, cedro rosa, marupá, freijó, etc. Ele ainda ressalta que a cada ano, surgem novos estudos sobre a substituição de matéria prima na construção de instrumentos musicais, pois algumas estão entrando em extinção, como a Jacarandá da Bahia: “Vale lembrar que a madeira é uma matéria prima que está se acabando. Então, Vinicius Setta

Douglas Cavalcante é um luthier apaixonado por seu ofício.

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SENTIMENTAL Além de ser extremamente prazeroso, tocar algum instrumento musical traz benefícios a quem estuda, como por exemplo: Há melhora na coordenação motora, na capacidade de memorização, combate o estresse e ansiedade e estimula hormônios de bem-estar. Para Cavalcante, é extremamente gratificante trabalhar em uma oficina de conserto. Mesmo que o processo do conserto de um instrumento seja demorado, podendo ser de de três horas até cinco dias: “É um trabalho bem significativo, ajuda muitas pessoas mesmo. Às vezes tem gente que está até numa depressão e por conta


Vinicius Setta

Munido das mais diversas ferramentas, o luthier transforma simples madeiras em elegantes instrumentos. da música e saiu disso, seja por um instrumento, às vezes até completa o nosso ser.” Para os consumidores, esse tipo de serviço é muito apreciado, por conta da proximidade deles com seus instrumentos e com a música, às vezes até mesmo por motivos familiares, como é o caso de Gabriela Richter, flautista da orquestra universitária da PUCPR. “Tenho muita afinidade com meus instrumentos. Como sou flautista, acabo usando outra flauta, que não a minha, para treinar. Pois minha flauta, além de precisar de reajustes, é um objeto especial que guardo com muito carinho.” Ela ainda lembra com carinho de sua madrinha e mentora. Graças à música, Richter pôde se aproximar da flautista: “Minha relação com a música se tornou mais próxima por causa da minha madrinha. Na questão de música clássica, eu comecei com ela muito tempo atrás. Não apenas ouvir música, mas na parte dos instrumentos, aprender notas e analisar a sonorização das coisas.”. Hoje, na orquestra, Gabriela traz essa bagagem emocional para os palcos, assim como sua madrinha, porém agora com sua própria flauta ao invés

da flauta de bico de madeira de sua mentora. A flautista ainda lembra do instrumento tanto quanto a performance de sua mestra:“A flauta dela era única, eu nunca tinha visto algo daquele tipo, tinha um bico de madeira em um corpo metálico, não sei a influência disso no som, mas era muito dela.” Há também musicistas que não tem tanta afinidade mas que buscam a qualidade em seus instrumentos enquanto ferramenta, como é o caso de Beatriz Falleiros, professora amadora de música, que diz se importar com a sonoridade acima de tudo. Ela ainda faz uma indicação para quem está começando: “Para quem está iniciando no violão, indico o violão de cordas de náilon, que machuca menos que de cordas metálicas.

Leia mais Confira em aqui a história de um dos violinos mais raros do mundo scaneando o QR code ao lado portalcomunicare.com.br

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E se as bancas sumissem? Nesta semana na coluna O tempo passa, os repórteres vão atrás das bancas de jornais em Curitiba Julia Sobkowiak, Lívia Berbel, Thaynara Goes e Victor Dobjenski

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ara nós da geração Z, é difícil relembrar dos dias em que as bancas estavam repletas de jornais e revistas. Talvez, lembremos da euforia de comprar figurinhas na época da Copa do Mundo, ou os gibis que marcaram a vida de tantos. Mas fato é que não passamos pelo alvoroço de nos informar somente pelos jornais impressos diariamente.

As revistas, hoje, viraram blogs, posts nas redes sociais e até vídeos que mais se parecem colunas. Em Curitiba, andando pelo centro da cidade, sentimos falta das grandes pilhas de informação em forma de papel. Até que um dia decidimos procurar. Numa manhã ensolarada e gelada, típica da capital mais fria do país, fomos atrás das bancas curitiba-

Crédito matéria

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nas que mantiveram a tradição do papel: jornais, revistas, gibis e mangás. Uma verdadeira busca, no nosso ponto de vista. Na nossa aventura, fomos surpreendidos, no entanto, pela quantidade de cafés e docerias que ocupavam os lugares das antigas bancas. Ao invés de jornais, haviam cigarros. No lugar das revistas, banners com os preços dos doces, pães e cafés ficam estampados. Nos casos mais singulares, as estruturas que antes abrigavam diversos tipos de conteúdo impresso, hoje fazem teto para outros tipos de folhas: as de girassol, rosas, suculentas e outros tipos de plantas que são vendidas nas antigas banquinhas. Ao invés de leitores, encontramos bancas vazias e, por vezes, clientes fiéis às guloseimas vendidas. Segundo o Sindicato dos Jornaleiros do Estado do Paraná (Sindijor-PR), nos últimos 10 anos, 220 bancas encerraram as atividades na capital. O dado é de 2019. Observando a cidade, parece que cada vez mais esses estabelecimentos desistem de resistir à modernidade. A grande notícia, na verdade, é que durante a nossa busca incessante encontramos, sim, o papel que continua resistindo na cidade tecnológica.

Banca Staub

Em frente ao cruzamento da Rua Marechal Deodoro está situada a Banca Staub. Não é necessário tipificar mais características além dessa, porque ela é facilmente reconhecida pelo constante fluxo de pessoas que param para ler as reportagens em forma de colagem no mural ao lado da banca e também nas paredes dela. A banca é conhecida na cidade pela quantidade de pessoas que passam por lá para se informar e também para conversar sobre os assuntos do momento. Em meio a pilhas de jornais como a Folha de S. Paulo e Bem Paraná e a recorrente venda cigarros e doces, são construídas interações humanas e, até mesmo, amizades de vários anos entre os frequentadores.

ção do impresso. Além dos jornais, a banquinha mantém uma grande variedade de revistas, gibis, jogos e passatempos dispostas nas prateleiras. A banca sobrevive, principalmente, por dois motivos. A primeira é o apego com o material impresso. Muita gente procura comprar as revistas porque gosta de pegar no papel, tatear, folhear, dobrar as páginas. No mundo digital em que vivemos, isso tem sido cada vez mais raro. A segunda razão é o contato humano: até caminhar às bancas, escolher o jornal e comprar, os clientes já interagiram com os outros fregueses e também os os atendentes. Até os que não compram nada se reúnem no entorno do local para ler as capas e manchetes, comentando os assuntos mais atraentes. As tradicionais bancas de jornais, como ainda hoje conhecemos, estão desaparecendo. A maioria se transformou em espécies de docerias que também fazem recarga de cartão transporte e, de quebra, vendem um cigarrinho. Mas o que perdemos com essa substituição? Claro, temos a extinção do jornalismo impresso como primeiro pensamento. Mas para além do contato com as páginas ásperas e amareladas, temos também o esfriamento do contato humano. Se as bancas deixassem de existir, ao invés de fazer uma parada na mais próxima do trabalho para ler uma manchete e comentar com outro desconhecido, leríamos as promoções dos engradados de doce de amendoim com côco? Ou passaríamos reto? Será que teríamos o gostinho de conhecer estranhos que leem as mesmas coisas que nós? As bancas não precisam deixar de existir se nós, leitores, criarmos o hábito de consumir os velhos jornais, as belas revistas e os divertidos gibis. Nossos pais e avós viveram com esse gostinho, talvez o nosso papel seja apenas manter a tradição.

Banca da Boca

Indo em direção a Praça Osório, encontramos a Banca da Boca, outro estabelecimento que mantém a tradi-

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8:30

“Tá focando, meninas?” A verdade por trás das câmeras: como os influencers e suas publis mudaram o mercado publicitário curitibano. Arrasta para o lado para ver a matéria completa!

Isabela Lobianco Lorena Motter Mariana Gomes Valentina Nunes

Type something...

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na Paula Demetrio, digital influencer, a Guriah Curitibana, como é conhecida, tem 109 mil seguidores e mostra diariamente as dicas dos melhores passeios em Curitiba e região em seu Instagram. Seu público mais expressivo é do gênero feminino e está entre 25 a 64 anos, sendo majoritariamente curitibano. Ela tem 1 milhão e 400 mil curtidas em seu perfil e 117 mil conteúdos salvos pelos seguidores.

Além disso, a pandemia da COVID-19 contribuiu significativamente para o aumento das vendas online no mundo. Com a necessidade de distanciamento social, as pessoas foram forçadas a mudar seus hábitos de consumo e se voltaram para as compras pela internet. Segundo o estudo da Ebit/ Nielsen, o comércio eletrônico no Brasil teve aumento de 47% em 2020 em comparação com o ano anterior, com faturamento de R$ 126,3 bilhões.

“Tem publis que têm um engajamento enorme!”

Ana Paula Demetrio, influencer digital Ao observar que as pessoas se identificavam e interagiam com as publicações de Ana, várias marcas locais buscaram realizar parcerias para aumentar o número de consumidores. A influencer conta que sua primeira oferta de publicidade começou com um conteúdo que fez sem ser uma parceria paga. “A partir dessa postagem começaram a aparecer ofertas para fazer publis”, conta. Desde então, Ana percebeu que esse mercado pode mudar a vida de um influenciador. “É muito relativo essa questão do engajamento quando se tem publicidade”, conta. “Mas tem publis que têm um engajamento enorme!”

Na capital paranaense, a presença de influenciadores digitais tem sido cada vez mais forte. Com população de aproximadamente 1,9 milhão de habitantes, a cidade possui um mercado promissor para o comércio digital e para o marketing de influência. Conforme dados do Sebrae-PR, em 2020, as vendas on-line em Curitiba tiveram aumento de 60%, impulsionadas pelo isolamento social causado pela pandemia.

@guriah_curitib

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Com o mercado dos influenciadores digitais em expansão, a previsão é que esse setor pode valer cerca de R$79 bilhões, de acordo com uma pesquisa realizada pela Business Insider. A grande visibilidade gerada pelas ferramentas virtuais mais acessíveis potencializou as ações de marketing, ao invés de usar rostos famosos em propagandas de televisão, jornais e revistas como há dez anos, atualmente é comum usar novas identidades nas propagandas em mídias sociais.

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“Pessoas vão às lojas e associam a marca aos influencers que fizeram a publicidade.” João Victor Tavares, influencer digital Diante desse cenário, os influencers curitibanos têm se destacado. Ana Paula Demetrio é uma das principais influenciadoras da cidade. Com mais de 100 mil seguidores no Instagram, ela trabalha com diversas marcas locais e nacionais, promovendo produtos e serviços para seu público. Para as marcas, a parceria com influenciadores tem se mostrado eficiente em alcançar o público certo e impulsionar as vendas. Segundo João Victor Tavares, analista de influência da marca BOLD, que produz aperitivos proteicos e nutritivos e tem colabora-

ção com influencers. Os influenciadores são bem ouvidos pela comunidade e levam muitas pessoas para as lojas, o que contribui para associar a marca ao perfil que fizeram a publicidade, e incentivar o consumo.

Foto: Reprodução/@guriah_curitibana

Com isso, o mercado de influência digital tem crescido em Curitiba e em todo o Brasil, mostrando que os influencers são cada vez mais importantes para as marcas alcançarem seus objetivos de marketing e vendas. No Brasil, as vendas no comércio pela internet atingiram a marca de R$ 118,6 bilhões no primeiro semestre de 2022, representando um aumento de 6% em relação ao mesmo período de 2021, de acordo com o Correio Braziliense. Hoje, com as redes sociais tendo um espaço cada vez maior na vida das pessoas, as vendas on-line são, em grande parte, a se agradecer aos influencers. Esses profissionais utilizam de sua imagem, que é conhecida pelo público digital, para impulsionar marcas. Além do dinheiro, existe uma troca realizada; tanto a marca apresenta público para esse influenciador como vice-versa, fazendo com que ambos alcances cresçam.

Influenciadora Ana Paula Demetrio mostra coxinha em formato de capivara, comida tradicional da cidade de Curitiba.

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Uma pesquisa realizada pela HootSuite indicou que 43% dos brasileiros já realizaram uma compra por influência de uma celebridade ou influenciador digital, enquanto nos Estados Unidos essa taxa é muito menor, sendo apenas de 17%. Para as marcas, é interessante fazer contratos de publicidade com influenciadores, pois eles são bem ouvidos pela comunidade. “A gente busca influencers que já tenham público que os ouve e que engajam”, diz João Victor Tavares, analista de influência mencionado anteriormente. “O influenciador leva muito público para as lojas, pessoas vão às lojas e associam a marca aos influencers que fizeram a publicidade, então pensam em comprar.”

Segundo o coordenador do curso de graduação em Economia da Influência Digital na PUCPR, Aguilar Selhorst Junior, é possível notar uma associação entre a comunicação de marcas com as redes sociais nos últimos anos. “Ali nas redes encontram-se milhões de influenciadores que, de alguma forma, entregam conteúdo para seus usuários”, afirma. “Essa pulverização da informação mudou completamente a maneira com que os recursos financeiros circulam na economia da comunicação. Para melhor ou pior, essa é a nova realidade das comunicações.”

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O conto da Smart City Sediadora de um dos maiores eventos de Smart City, Curitiba ainda enfrenta problemas que a afasta do conceito de cidade inteligente Julia Barossi Isabella Elias

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uritiba foi escolhida, novamente, para sediar o Smart CIty Expo 2024. O evento se descreve como “o maior evento de cidades inteligentes da América Latina”, e afirma que reúne especialistas de todas as áreas para compartilhar ideias e soluções sobre como criar um futuro melhor e mais sustentável para as cidades e seus cidadãos. A cidade escolhida para sediar, por dois anos consecutivos, é conhecida como cidade inteligente, cidade verde, melhor cidade do Brasil para se viver… Em sua grande parte, Curitiba tem uma fama boa para turistas e moradores. Parques bem cuidados, ruas asfaltadas e boa qualidade de vida. Mas, é claro, nas regiões centrais. Quando vamos aos bairros mais afastados, a realidade é um pouco diferente. MAS AFINAL, O QUE É UMA SMART CITY? O termo americanizado com tradução literal de “cidade inteligente” se refere a cidades que atendem as necessidades econômicas, sociais e ambientais das gerações atuais e futuras. Valentina Kay, analista de marketing da Exati Tecnologia, startup com soluções para smart cities, explica que para uma cidade ser considerada inteligente, são necessários quatro pilares: social, gestão, tecnologia e sustentabilidade. “No pilar social, por exemplo, as

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tecnologias e políticas públicas devem atender as necessidades de todos os cidadãos, promovendo mais inclusão social, diversidade, igualdade e oportunidade”, afirma. CURITIBA PODE SER CONSIDERADA UMA CIDADE INTELIGENTE? Denis Alcides Rezende, professor de Pós-Graduação em Gestão Urbana da PUCPR, afirma que dentre os destaques que impactam na vida dos curitibanos, estão: a integração do transporte urbano; aplicativos de estacionamentos; serviços de agendamentos médicos; aplicativos de saúde; escolas de robótica; controles digitais de movimentações de pessoas e veículos por meio de câmeras públicas com reconhecimento facial; botões eletrônicos de pânicos e ações policiais; plataformas de atendimentos por meio de portais com aplicações de inteligência artificial; ônibus elétricos e painéis. “Em Curitiba, inovação é um processo social. A cidade só é inteligente quando melhora e facilita a vida das pessoas”, de acordo com o prefeito Rafael Greca, para entrevista concedida ao Connected Smart Cities, em 2022. Em 2023, a capital paranaense apareceu pelo quinto ano consecutivo na lista das 21 comunidades mais inteligentes do mundo, sendo a única cidade da América do Sul, segundo o ranking feito pela Intelligent Community Forum (ICF). “Trabalhos de planejamento


“As tecnologias devem atender as necessidades de todos os cidadãos, promovendo mais inclusão social e diversidade.”

Sanitária e Ambiental (ABES), Curitiba lança no meio ambiente um volume gigante de esgoto — quase o mesmo tanto que é produzido por toda Ponta Grossa, de 358 mil habitantes. Além disso, uma a cada quatro residências de Curitiba está com a ligação de esgoto irregular. Cerca de 109 mil matrículas de esgoto ativas são irregulares, ou 24% do total.

urbano. Essa é a lição de Curitiba, que há quase 40 anos se dedica ao planejamento proativo de seu futuro. Enquanto outras cidades brasileiras acolheram a indústria pesada, Curitiba aceitou apenas os não poluidores e desenvolveu um distrito industrial com tanto verde que foi ridicularizado como um “campo de golfe” até encher com mais de 3.500 empresas”, diz o site oficial do fórum. Além disso, contam também sobre alguns dos projetos feitos pelo Governo, como a implementação do 5G, o EmpregoTech, programa para treinar jovens de 16 a 22 anos para que no futuro possam trabalhar com a alta tecnologia, o apoio ao empreendedorismo junto ao SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o lançamento do programa “Fala, Curitiba” que incentiva a participação na prefeitura de todos os bairros da cidade, entre outros. Mas o que acontece com quem mora em lugares mais afastados e marginalizados? SANEAMENTO AMBIENTAL Mesmo sendo a capital mais saneada do Brasil, segundo o ranking da Associação Brasileira de Engenharia

Considera-se como irregulares as residências que não possuem ou negligenciam a manutenção adequada das caixas de gordura, aquelas que despejam esgoto nas tubulações pluviais da rede da Sanepar ou que causam contaminação direta ou indireta nos corpos hídricos e nos lençóis freáticos. Alessandro Bertolino, professor de Engenharia Ambiental na PUCPR, afirma que há leis que estabelecem a obrigatoriedade de tratamento de todo esgoto. No entanto, nos casos mencionados, o esgoto acaba sendo despejado diretamente nos rios, sem qualquer tipo de tratamento, o que resulta em uma considerável deterioração. POBREZA Em Curitiba, entre 2014 a 2021, a renda dos habitantes mais pobres caiu de R$ 714 para R$ 581, conforme uma pesquisa realizada por uma parceria entre a PUC do Rio Grande do Sul, o Observatório das Metrópoles e a RedODSAL. Essa situação, agravada pela pandemia, resultou em um acréscimo de 15.225 indivíduos na condição de extrema pobreza. Ou seja, esses habitantes vivem com uma renda per capita mensal de até R$ 89.

Daniel Castellano

Tubo de ônibus em Curitiba, modelo idealizado como ideal em Smart. City. tecnologia | revistacdm 79


Julia Barossi

Pessoa em situação de rua dormindo no tubo de ônibus em Curitiba.

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Atualmente, Curitiba abriga 84.057 residentes que são considerados extremamente pobres, de acordo com os critérios de renda estabelecidos pelo governo municipal.

FOME Um trabalhador em Curitiba gasta aproximadamente 63% do salário mínimo (R$ 1.320) para adquirir uma cesta básica — isso equivale a aproximadamente 129 horas de trabalho. A vereadora Professora Josete Dubiaski da Silva (PT), liderou, recentemente, um grupo de parlamentares para discutir o tema e encontrar soluções para os crescentes problemas relacionados à fome. “Efetivamente, há milhares de pessoas que não têm o hábito de tomar café da manhã diariamente, almoçar ou sequer fazer refeições adequadas. Muitas crianças só têm a oportunidade de se alimentar nas escolas. E quem são essas pessoas? Na maioria dos casos, são indivíduos pobres e negros, especialmente mulheres negras, que estão experimentando essa angústia da fome em seus próprios corpos”. No Paraná, houve um aumento de aproximadamente 50% entre crianças que precisam repetir a merenda pelo menos uma vez ao dia, após a pandemia, e, em algumas escolas, esse índice chega a 100%.

2021 mostram que há 222 assistentes sociais e 144 psicólogos trabalhando na Prefeitura. No entanto, apenas 10 assistentes sociais e 6 psicólogos estão designados para atender às necessidades da educação básica através dos Núcleos Regionais. Isso implica que há uma proporção de 1 assistente social para cada 19 escolas e 1 psicólogo para atender 31 escolas. No caso do Ensino Fundamental, que abrange aproximadamente 98.363 estudantes na faixa etária de 6 a 14 anos, essa situação significa que um único profissional de suporte social é responsável por cuidar de mais de 6 mil alunos.

TARIFA DE ÔNIBUS Em fevereiro deste ano, a tarifa do transporte público aumentou de R$ 5,50 para R$ 6. Lethicia Leal, residente no bairro Xaxim, utiliza o transporte público para seu deslocamento de ida e volta da faculdade e trabalho. “Esse preço não tem nada de errado na cidade elitista, né? Valores absurdos e serviço não tão bom assim.” A estudante conta que perde muito tempo utilizando e esperando o transporte. “Às vezes, em horário de pico, eu nem consigo entrar no ônibus. Perco tempo que era para eu já estar em casa para esperar outro ônibus! Inclusive, parece que até reduziram a frota nos horários mais movimentados. Mas vou fazer o que, né? Ou é pagar esse valor e ficar esperando para se deslocar ou é ficar em casa.”

“Esse preço não tá errado na cidade elitista, né?” EDUCAÇÃO Segundo estudo realizado por Patrícia Sesiuk em 2019 (Oferta e Acesso à Creche Pública em Curitiba), cerca de 99% dos bebês menores de 1 ano, 88% dos bebês de 1 ano, 79% das crianças de 2 anos e 71% das crianças de 3 anos não têm acesso à educação pública em Curitiba. Além disso, nas escolas do município, muitos alunos aguardam por mais de um ano para receber atendimento psicológico e social. Os dados referentes aos servidores ativos de novembro de

Conheça Veja mais sobre Caximba, bairro em Curitiba que está muito longe de ser conceituado como “Smart City”.

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Um lugar pra bicho morar

O Zoológico Municipal de Curitiba está com um projeto em andamento para a construção de novos e maiores recintos para a harpia e felinos 82 revistacdm | meio ambiente

Por Isabela Lobianco, Lorena Motter, Mariana Gomes e Valentina Nunes


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e asas amplas e pernas encorpadas, a harpia exibe suas longas e mortíferas garras. Nativa da América Latina, ela é a maior ave de rapina do país. Com as asas abertas, seu comprimento pode chegar a mais de 2,5 metros. Não é à toa que é chamada de gavião-real. Carnívora, a ave é uma predadora perigosa. Na natureza, vive em florestas tropicais e precisa de vastos espaços para sobreviver. Atualmente, a ave que estampa o brasão da bandeira do Paraná está ameaçada de extinção. Por isso, existe uma necessidade de conservação dessa espécie.

Conforme Manoel Lucas Javorouske, veterinário do Zoológico Municipal de Curitiba e um dos escritores da obra A História do Zoológico Municipal de Curitiba, o conceito de bem-estar animal e o incômodo gerado pela presença de um animal grande em um espaço pequeno que incentivaram a inauguração do zoo.

Isabela Lobianco

Na capital do estado, o Zoológico Municipal de Curitiba abriga três harpias; um casal e uma solitária. O zoo da cidade rege sob uma política conservacionista e está com um projeto em andamento para a construção de

mais um recinto para a espécie, muito maior. Ao todo, serão 1.250 metros quadrados de área construída, com 9 metros de altura na parte da frente e 13 metros de altura no fundo. Além desse, novos habitats, também mais amplos, estão sendo levantados para alojar os felinos do zoo, sendo eles as onças-pintadas e os pumas. A iniciativa para essas obras está em adaptações para a melhoria no bem-estar animal e, no caso das harpias, visa a mais conforto no processo de reprodução.

Construção do novo recinto para a ave harpia é apenas um dos planos de renovação do Zoológico Municipal de Curitiba.

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Ele conta que, em 1977, a ideia de criar uma outra área para transferir os grandes animais do Passeio Público se instalou. “O parque foi, por muitos anos, o zoológico da cidade. Lá havia camelo, leão, urso, tigre, chimpanzé, entre outros e, por isso, houve a necessidade de arranjar um espaço que abrigasse esses volumosos animais,” conta. Assim, depois de toda a construção e preparação, o Zoológico Municipal de Curitiba foi inaugurado em 28 de março de 1982. Este ano, o local completa 41 anos.

gente. O zoo da cidade recebeu, recentemente, a certificação de bem-estar da Associação Brasileira de Zoológicos de Aquarius, recomendada pela Associação Mundial de Bem Estar Animal. Isso se deve às políticas adotadas pelo local, que seguem o princípio conservacionista e envolvem a utilização de um sistema que acompanha diariamente o desenvolvimento dos animais, como uma dieta personalizada para

“Bem-estar animal é muito mais do que só espaço, é nutrição adequada, ambientação do recinto.” Manoel Lucas Javorouske, veterinário Carlos Frederico Grubhofer, zootecnista do Zoológico Municipal de Curitiba, explica que, até alguns anos atrás, o bem-estar animal estava apenas relacionado à dor, doenças e a possibilidade de expressar seus comportamentos naturais, mas que esse conceito mudou e hoje é algo bem mais abran-

cada bicho, o uso de técnicas que estimulam o instinto do animal, como imitar a forma de alimentação da espécie conforme seu comportamento na natureza, e a ambientação do recinto, como o espaço amplo, natural e com, pelo menos, uma possibilidade de fuga dos olhares do público.

O urso-de-óculos pode pesar até 140kg e apenas sai de sua casa nos dias de baixo movimento para evitar os visitantes do zoológico.

Isabela Lobianco Isabela Lobianco

O chimpanzé Bob usa um cobertor para se proteger do frio nos dias congelantes de Curitiba. Estima-se que esta espécie tenha uma inteligência próxima a uma criança de 3 anos.

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“Nós somos um zoológico de Grubhofer esclarece que, conservação [...], a gente tem que por muitas vezes, o estresse do animal se deve à presença do público e olhar pelo ponto de vista de bemsua agitação, por isso, é de suma importância que o bicho tenha um escon- estar. E para isso, temos que derijo da vista do público. “Ele não pode fugir de imaginar que somos o animal.” você, mas ele pode se esconder e não querer ser visto“, complementa o zootecnista.

Carlos Grubhofer, zootecnista

“Sempre que a gente vai fazer um recinto novo, a gente vai trabalhar no recinto ou reconfigurar o recinto, pensamos quais são os pontos de fuga para o animal. Se não tem, nós fazemos ponto de fuga para eles, seja com árvore ou mato, colocamos alguma coisa que o animal possa fugir da visão do público, quando ele quiser”, Grubhofer especifica. Ainda, o especialista conta que o básico a se fazer pelo animal é manter sua forma física. O manejo alimentar também deve acompanhar as necessidades específicas do animal. “Eles têm uma evolução, tem uma memória evolutiva, mesmo animais que nasceram em cativeiro, eles têm hábitos que são inerentes à espécie e a gente procura sempre manter esses hábitos ao mínimo”. Ele dá o exemplo do leão, o qual caça, quebra ossos, rasga a presa, etc. Para manter seu instinto, a equipe do zoológico procura fornecer pedaços diferentes de carne com ossos ou inteiros, além de posicioná-los em caixas ou locais que estimulem seu ímpeto de caçador.

POR QUE O ZOOLÓGICO SE TORNOU UM LAR PARA ELES? O movimento conservacionista também abrange o resgate e a preservação dos animais. Por isso, aqueles que residem o Zoológico Municipal de Curitiba são bichos que não tem condição de viverem soltos na natureza. O zoo recebe esses animais pelos seguintes motivos: quando são nascidos em cativeiro de outros zoológicos e estão em excedente no local, bichos apreendidos por tráfico, maus tratos,

quando o ambiente em que vivem está devastado ou ameaçado, quando são filhotes e perderam seus pais, quando são vítimas de acidente, entre outros. O zoológico não tem costume de realizar a compra de animais.

Uma história animal

Conheça a origem dos zoológicos. Os primeiros registros de animais mantidos em cativeiro remontam à civilizações antigas como os egípcios, babilônios, gregos e romanos possuíam coleções de animais exóticos em jardins e palácios, coleções que eram símbolos de poder e riqueza dos governantes. Por mais que tenha diminuído com o passar dos anos, o interesse por ter animais ressurgiu em grande força durante o Renascimento, período no qual os primeiros jardins zoológicos modernos surgiram. A próxima explosão de interesse em zoológicos foi no século XIX. Muitos países os tinham como atrações para o público geral em suas capitais, e os animais eram mantidos em condições precárias e espaços inadequados. A conscientização com relação ao método de cuidar dos bichos começou a surgir no início do próximo século, e os zoológicos precisaram se reinventar, passando a tratar mais de preservação de espécies em extinção do que no entretenimento em si.

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O futuro é verde Consciência ambiental cresce em Curitiba e escritórios e projetos de arquitetura sustentável se tornam tendência na capital João Américo, João Caetano, José de Souza, Vinicius Setta - 5° período

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uritiba ganhou, em 2022, o título de “Cidade mais sustentável da América Latina” e ficou em 14° lugar do mundo pela revista Canadense Corporate Knights. Desde 1989, com a implantação de serviço de coleta de lixo para reciclagem, a capital sempre foi pioneira na questão da sustentabilidade. Atualmente, a cidade

Em 2020, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP), programa da ONU voltado à proteção ambiental, realizou uma pesquisa que colocava a construção civil como um dos maiores emissores de carbono, com 38% das emissões relacionadas à energia vindas desse setor, que em 2018 foi, segundo o Chatham House, responsável por 8% de todas as emis-

“Quando a gente sai na sacada, dá a impressão que a gente está num jardim.” Luzia da Silva, moradora

ainda conta com hortas comunitárias, Reservas Particulares do Patrimônio Natural Municipal, e construções que prezam pela sustentabilidade, como por exemplo o Edifício Icarus e o prédio Galeria Laguna. Para Luzia da Silva, moradora do Edifício Icarus, é extremamente gratificante morar em um lugar assim. “Quando a gente sai na sacada dá a impressão que a gente está num jardim. Eu particularmente amo plantas e a natureza, e me sinto mais feliz, não sei explicar.” Ela ainda relata que quem a visita elogia esse aspecto. O Escritório Verde (como o nome já diz) é outro exemplo de arquitetura sustentável, construído em 2012 e localizado na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Eloy Casagrande, professor de Engenharia Civil e Meio Ambiente da UTFPR, conta que foi a primeira edificação acadêmica sustentável construída no Brasil e que integrou várias tecnologias e materiais. A ideia era provar que a energia solar fotovoltaica era viável em Curitiba. De acordo com Casagrande, nesses 11 anos de existência, ocorreram avaliações para verificar a viabilidade técnica, ambiental e econômica dos materiais que foram utilizados. “Agora o escritório é referência em arquitetura verde, ganhamos diversos prêmios nacionais e internacionais e recebemos visitas técnicas.”, completa.

sões globais de CO2 e, em 2021, foi considerado o terceiro maior emissor de CO2, atrás apenas da China e EUA. Para Casagrande, isso ocorre pela forma como é o mercado da construção civil, baseado no modelo de alvenaria. “Vai tijolo, cimento, base, cal, areia, aço e todos esses materiais são de bastante impacto ambiental desde a sua extração até sua produção”. Não somente os habitantes e usuários do edifício são afetados por essa forma de construção, mas os cidadãos da cidade também ficam comprometidos com alagamentos e as chamadas ilhas de calor. Casagrande afirma que há dois problemas: muita impermeabilização, pois a água não tem por onde escorrer e as ilhas de calor, que são formadas por materiais de construção que absorvem e concentram o calor, tornando mais quente alguma região. Com as mudanças climáticas se tornando cada vez mais um objeto de debate no campo político e socioeconômico, novas correntes de pensamento mais ecológicas vêm surgindo, como a chamada Arquitetura Verde, que busca reduzir as emissões de carbono e os danos causados pela urbanização; aumentar a eficiência no uso de recursos e melhorar o conforto e a qualidade de vida de seus usuários. O arquiteto Eduardo Petry, sócio do escritório Razão Social Metra Arquitetura Planejamento Ltda, fala sobre a elaboração de uma arquitetura mais

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sustentável, porém afirma não existir uma arquitetura completamente verde. “Minha empresa faz uma arquitetura bioclimática. São três pilares: o conforto térmico acústico, a tecnologia e a climatização, a parte de você

maior taxa de ocupação de um lote, de 25 metros quadrados, que tem de ser jardim, tem que ser permeável ”. Entretanto, o custo para se construir e obter uma casa sustentável ainda é

“É uma tendência, não tem volta, e eu sigo isso, como a legislação prevê.” Eduardo Petry, arquiteto

ter plantas ativas, diminuir o impacto da construção no terreno, para não causar um transtorno no solo.” O mercado também está se guiando por essa tendência, com profissionais sendo formados com essa nova mentalidade. Segundo Casagrande, os alunos que são formados em seu curso de pós-graduação em Tecnologia e Sociedade com trabalhos em Desenvolvimento Sustentável e Territorialidade, são introduzidos a essa nova forma de fazer arquitetura, e alunos de outras universidades também se inspiram nessa forma de arquitetura.

A arquitetura do Bosque João Paulo II remete diretamente a arquitetura alemã

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Para Petry, que trabalha há anos no mercado, nota a mesma tendência, com criação de prêmios relevantes sobre sustentabilidade e seu impacto no setor: “É uma tendência, não tem volta, e eu sigo isso, como a legislação prevê. Tem que ter esse reuso de água, cuidado com o meio ambiente,

alto, tornando inacessível para grupos menos favorecidos e se limitando apenas para classe média e alta. De acordo com a SEBRAE Construção Civil, o custo para construir de forma sustentável sobe entre 1% a 7%, enquanto o valor do imóvel aumenta em 10%. Apesar de mais caro, o custo benefício é alto. De acordo com Petry, se torna barato em função do custo de manutenção que tem: Uso de energia fotovoltaica, economia de energia elétrica, painéis solares para aquecimentos de água, LED e vidros. A tendência é que fique mais barato com o tempo, como Petry completa: ”A tendência é baratear e se adequar ao mercado. Assim como tudo que lança de novo, assim como eu falei pra você, o custo benefício vale muito a pena, custo de manutenção, a longo prazo é uma economia fantástica”. Vinicius Setta


Vinicius Setta

Gustavo Munhoz, arquiteto e dono do bar Zepelin, projetado para ter uma arquitetura verde.

AUSÊNCIA

CONFORTO

Casagrande complementa dizendo que, apesar de Curitiba receber títulos de cidade sustentável, não há um grande incentivo do poder público. Ele ainda cita Paris, que para a implantação de telhados verdes, que absorvem o calor e retém a água da chuva, teve que mudar sua legislação. “Já existe o IPTU verde, que já é um incentivo para as pessoas, isso é necessário, mas a atual gestão de Curitiba é contra a medida. Precisa ainda muita coisa acontecer na cidade ecológica“, diz.

Biofilia, traduzido do grego - bios (vida) e philia (afeição ou amor) - é uma teoria da década de 80 que tem sua base principal no conforto que a natureza traz ao ser humano. O fundamento da tese é que, como os Homo sapiens em seus primórdios vieram do meio natural, não há uma afinidade com o ambiente urbano e sim com a natureza.

Esse sentimento também é compartilhado por Gustavo Munhoz, arquiteto pioneiro na construção sustentável. Ele acredita que, com o sistema atual, o poder público precisa se mobilizar para mudar o status quo, desfavorável à arquitetura verde. Para ele, a prefeitura limita a criatividade. “Não dá pra pensar tão fora da caixa, pois quem faz o projeto em Curitiba, é a prefeitura.”

Munhoz diz que esse tipo de construção, além de benefícios financeiros, traz benefícios emocionais. ”É a alegria que temos ao ir em um parque e que não sabemos explicar, mas é o resgate da humanidade do ser humano em contato com a natureza.” A sensação é compartilhada também por Luzia, moradora do Prédio Icarus: “É muito gratificante morar num lugar assim, com bastante verde em volta você se sente muito mais feliz, acorda e já vê esses verdes então já alegra a vida”.

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O florescer da sabedoria na capital paranaense

Curitiba, a encantadora capital paranaense, destaca-se não apenas pelo frio e planejamento urbano, mas também pelo rápido crescimento de sua população idosa Adriano, Amanda e Marina

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uritiba se destaca por apresentar um crescimento acelerado da população com mais de 60 anos em relação à média nacional. No ano de 2021, cerca de 16,93% dos curitibanos pertenciam a essa faixa etária, enquanto a média nacional era de 14,69%. As projeções para 2030 indicam que 21,90% da população curitibana terá 60 anos ou mais, em comparação com 18,73% em nível nacional. De acordo com o levantamento desenvolvido pelo Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba).

atuação tem como objetivo eliminar o preconceito e promover a atenção integral e o cuidado aos idosos. A importância dessas políticas intersetoriais para o bem-estar e a participação ativa dos idosos é reforçada pela Política Nacional do Idoso e pelo Estatuto do Idoso. Esses marcos legais, representados pela Lei 8.842/1994 e pela Lei 10.741/2003, destacam a necessidade de construir estratégias que ofereçam cuidado e atenção abrangentes aos idosos, não apenas garan-

“É fundamental que os idosos percebam que nunca é tarde para iniciar uma Esses dados evidenciam a imporrotina de exercícios físicos.” tância de Mônica Carvalho, bacharel em Educação Física

direcionar esforços para atender às demandas específicas dessa população em constante crescimento. Torna-se imprescindível a implementação de políticas públicas que visem garantir o envelhecimento saudável, a inclusão social, o acesso a serviços de saúde adequados e a promoção de uma cidade cada vez mais adaptada às necessidades dos idosos. É fundamental desenvolver políticas públicas que atendam às necessidades específicas dessa faixa etária, incluindo cuidados de saúde, acessibilidade, transporte adequado e espaços de convivência adaptados. A população idosa de Curitiba também demonstra um grande potencial econômico e participação ativa na vida da cidade.

A Política Estadual dos Direitos do Idoso e o Conselho Estadual dos Direitos do Idoso (CEDI) é um órgão colegiado e permanente composto por representantes da sociedade civil e do Estado, trabalha de forma deliberativa, fiscalizadora e consultiva para promover ações que defendam os direitos dos cidadãos idosos. O Conselho Estadual dos Direitos do Idoso congrega esforços dos órgãos públicos, entidades privadas e grupos organizados para assegurar a plena integração da pessoa idosa na vida socioeconômica, política e cultural do estado do Paraná. Sua

tindo seu acesso às políticas públicas, mas também promovendo sua plena integração na sociedade e contribuindo para a consolidação do Estado Democrático de Direito. No universo da prática de exercício, há histórias que desafiam a ideia convencional de limitações etárias. Entre esses exemplos, destaca-se a jornada do Darci Alves, um idoso de 78 anos que, com sua determinação e dedicação, tem surpreendido a todos ao provar que a idade é apenas um número. No início, as atividades físicas eram um verdadeiro desafio para Darci. Ele começou com caminhadas curtas, dedicando alguns minutos por dia para se movimentar. Cada passo era uma vitória, e ele não desistiu, mesmo quando as dores musculares e o cansaço se tornaram aparentes. Com o passar do tempo, Darci encontrou motivação e suporte conversando com amigos e parentes. “Percebi uma melhora na minha flexibilidade e força muscular, o que me ajudou nas demais atividades diárias. Sinto que agora tenho mais disposição para realizar as minhas tarefas”, afirmou Darci.

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Marina Geiger

Mônica Carvalho, bacharel em Educação Física e especialista em atividades voltadas para a terceira idade, destaca que os benefícios da atividade física para os idosos são inúmeros. “Além de prevenir doenças crônicas, como diabetes e hipertensão, o exercício físico fortalece a musculatura, melhora a mobilidade, a flexibilidade e o equilíbrio, o que reduz o risco de quedas e lesões. Além disso, ajuda a diminuir a porcentagem de gordura corporal e estimula a produção de endorfinas, que contribuem para o bem-estar mental e emocional, combatendo a depressão”, explica Mônica. Ela afirma que as políticas públicas têm um papel fundamental em direcionar recursos e investimentos para melhorar a qualidade de vida dos idosos e recomenda: “É fundamental que os idosos percebam que nunca é tarde para iniciar uma rotina de exercícios físicos. Com orientação adequada e atividades adaptadas, é possível desfrutar dos benefícios de uma vida ativa, alcançando um envelhecimento saudável e com qualidade de vida”, finalizou. Curitiba está se adaptando ao rápido envelhecimento de sua população e reconhecendo a importância de garantir o bem-estar e os direitos dos idosos. Através de políticas intersetoriais, do trabalho do Conselho Estadual dos Direitos do Idoso e da conscientização da sociedade, a cidade está construindo um ambiente inclusivo e acolhedor para os cidadãos idosos, promovendo sua participação ativa e fortalecendo o Estado Democrático de Direito. É fundamental que a cidade se mantenha comprometida com a promoção do envelhecimento saudável, da dignidade e do respeito a essa parcela valiosa da sociedade. Os idosos de Curitiba continuam ativos e participativos na economia local, contribuindo com sua experiência, conhecimento e habilidades. É essencial valorizar e incentivar essa participação. Veja Prefeitura de Curitiba lança vídeo para lançar campanha sobre o Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa.

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Infográfico mostra o ritmo acelerado de crescimento da população com mais de 60 anos acima da média nacional


F Envelope Fechado Ivan Martins Cintra

azem já 15 dias que eu pego – Mãe, eu fui lá hoje. No escritório esse caminho para ir embora do do doutor Roberto. Eu contei tudo pra trabalho. Mudei para longe do ele... Sim, mãe, eu paguei a consulta, Centro e me vejo obrigado a pegar mas não precisa se preocupar com ônibus todos os dias. No tubo da isso... Não, tá tudo bem, sério... Eu avenida, adentro o biarticulado cheio fui porque precisava ouvir de quem e me entalo como sardinha na lataria realmente entende dessas coisas. E é móvel. Algumas estações se passam verdade, eu não tô louca. e eu continuo encarando as senhoras sentadas, almejando que liberem os Ela desponta em lágrimas, em pranto assentos que tanto desejo para mim. aliviado, a muito tempo guardado. Uma das passageiras se levanta para descer no tubo do Passeio. Sento-me – Eu apresentei as provas, mãe. O por míseros segundos, suficiente para que ele fez comigo é assédio moral, o sentir o banco aquecido. dr. Roberto me garantiu! Tenho grandes chances de receber indenização Na mesma estação, no entanto, em se eu entrar com um processo. O que passos curtos, pesados, arrastados, ele fez comigo, ele faz com todas as uma moça entra no ônibus. Seu olhar funcionárias, todos os dias. Eu devemarejado mira os bancos ocupados. ria entrar com esse processo... Mas Suspira, ofegante, no biarticulado sem eu não posso, mãe! Se eu entro com lugar para suas angústias. Cansaço isso na Justiça, eu vou ser demitida. não define o que sente, é muito mais Eu preciso desse dinheiro. Isso é uma profundo, dói de dentro do busto merda, é uma prisão – ela chora, apertado, na alma. O céu azul mariguarda o envelope em sua mochila – nho das 19 horas, quase negra noite, não tem o que fazer... Eu sei, eu sei. é lembrete do dia que já passou, do Desculpa, amanhã a gente se vê, tá? tempo roubado, trabalhado em horas Beijos... Também te amo. duras para chefes ingratos. Ela desliga a chamada, engole a dor – Você quer sentar? – digo sem pe- e o choro. Eu permaneço ali, de pé sar, enquanto me levanto. ao seu lado, sentindo pena, atônito, mas permaneço em silêncio. Silêncio Sei que ela não aceitaria em dias mais este que é marca da nossa relação vigorosos, mas se continuasse assim com o trabalho. Silêncio cansado, com desabaria em si mesma como uma pilha raiva, odioso, mas que abafa a dor de ossos. A moça agradece com força- e a humilhação para que, ao fim do do sorriso, que seus olhos desmentem. dia, tenhamos comida na mesa e uma Aparentava velha demais? De certo seu cama quentinha para nos aquecer. semblante lhe confere idade maior do Silêncio que nos faz aturar os mais que de fato tem. Se ao tardar dos vinte endinheirados. Silêncio assedioso e vee tantos anos lhe oferecem assento, lado, enrustido como ruído branco em imagine quando estiver de fato velha? tudo que vivemos. Todos escutam as Será que ainda estará por aqui? violências diárias, mas são tão comuns que às silenciamos. Assim como eu, Senta-se, abraçando a mochila gorda quieto. Assim como todos os passaem busca de conforto. Bafora as mãos geiros a escutar. Silenciados – a dor geladas, suspira mais uma vez. Seu é um envelope guardado no fundo da celular toca: mochila e para sempre esquecido. – Eu tô bem, mãe – mente a jovem moça – e você? Enquanto sua mãe fala possíveis fofocas ou reclamações do dia, a moça tira um envelope da mochila. O papel pardo vem marcado com o selo de um escritório de advocacia. É assustador, ansiedade bate na espinha, calafrio. O que fazer?

E assim o ônibus navega pelas ruas, as pessoas entram e saem, os carros passam lá fora. Apesar do barulho caótico do trânsito, é a hora mais quieta do dia. Muitas estações passam, a moça se levanta. Antes de ir, sorri mais uma vez para mim, então vai embora. Eu enfim me sento no banco que ela vagou, esperando a minha vez.

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