Quando o medo torna-se intenso e irracional, você pode sofrer de nictofobia. E isso também atinge os crescidos.
POR QUE TEMEMOS O ESCURO?
AnO 11 | EdiçãO 29 dEzEMbRO dE 2013
E vi STA CORPO dA M AT é R i A | C URSO d E J OR n A li SMO PUCPR REPORTAGEM dEcAPAPORROdRiGO d E L 6(iznERO ROdEcnEv)Pº EuGnASOiMêRPOd On v O 2013 *
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A campanha Se Liga no Livro é uma iniciativa da Lumen FM com a Rede Marista de Solidariedade para incentivar a leitura em Curitiba. Todos os dias na 99,5 você fica por dentro de projetos, iniciativas e diversas ações que incentivam a leitura na cidade, no Brasil e no mundo. E aos domin gos, a união das linguagens da música e literatura no Se Liga na Letra, com o professor e poeta Marcelo Sandmann. Se você quiser participar da campanha, basta levar um livro até a sede da Lumen FM. Os livros doados serão distribuídos nas tubotecas de Curitiba.
Se Liga no Livro
Diariamente às 8h, 12h30, 18h30 e 21h.
Se Liga na Letra
Domingo às 18h30. Reprise às quartas-feiras, às 23h.
Apo io:
www.lumenfm.com.br/seliganolivro
Com crianças e jovens na promoção de um mundo com direitos.
A Rede Marista de Solidariedade atua na promoção e defesa dos direitos das infâncias e juventudes nas quatro áreas de trabalho do Grupo Marista. Com esse objetivo, realiza o atendimento contínuo a crianças, jovens e famílias por meio de projetos socioeducativos, desenvolve estratégias de incidência política e fomenta ações de educação para a solidariedade em todo o Grupo Marista.
Conheça mais sobre a solidariedade no Grupo Marista. Você também faz parte desta história. Acesse solmarista.org.br
CORPO dA MATéRiA
Ano 11 - Edição 29 - Dezembro 2013
Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR
REiTOR: Ir. Clemente Ivo Juliatto
dECAnA dA ESCOlA dE COMUniCAç ãO E ARTES: Eliane C. Francisco Maffezzolli
COORdEnAdOR dO CURSO dE JORnAliSMO: Julius Nunes
COORdEnAdOR EdiTORiAl: Julius Nunes
COORdEnAdOR dE REdAç ãO/JORnAliSTA RESPOnSÁvEl: Paulo Camargo (DRT-R 2569)
COORdEnAdORA dE PROJETO GRÁFiCO: Juliana P. Sousa
EdiTOR GRÁFiCO: Felipe Giannini Raicoski
AlUnOS | 6o Período Jornalismo PUCPR
Ailton Nunes Sirqueira, Bianca Luiza Thomé, Caio Henrique Rocha, Carolina Cachel, Cecília de Moura Santos, Felipe Martins Gonçalves, Flavio Darin Trindade, Francisco Inácio da Silva Mallmann, Harianna Andressa da Silva, Helena Bianchi Goes, Helena da Silva André Salgado, Hellen Rocha de Albuquerque, Heron Torquato Fermiano, Isabela Bandeira Saciotti, João Pedro Alves da Silva, Juliana Satie Oshima, Kamilla Martins Ferreira, Karen Mendonça Okuyama, Lais Capriotti, Laura Aguiar de Souza Nicolli Soares, Letícia da Rosa Costa, Leticia Ignácio Duarte, Marcio Morrison Kaviski Marcellino, Marcos Vinicius Garcia, Mayara Breda Duarte, Nivia Maria Kureke, Paula Alvares Bueno, Paulo Henrique Semicek, Pedro Henrique Domingues, Rafaela Bagolin Bez, Rodolfo Luis Kowalski, Rosana de Oliveira Moraes, Ruthielle Borsuk da Silva, Samara Tamazia Macedo, Vitor Hugo Santos, Ana Carolina Weber Vasconcelos, Camila Módena Vichoski, Daniela Hendler, Diana Soares Faria de Araújo, Diego Fernando Laska, Fe lipe Giannini Raicoski, Giancarlo da Silva Andreso, Guilherme Antonio Franco Zuchetti, Kauanna Batista Ferreira, Letícia Strivieri Souza Rodrigues Moreira, Liris Vidal Weinhardt, Luize Ribeiro de Souza, Mariana D Alberto El Fazary, Rafaela Gabardo, Raffaela Silvestre Porcote, Renan Martins Machado, Rodrigo de Lorenzi Oliveira, Shaiene Ramão dos Santos.
Imagem de capa: Melvin Quaresma - 4oP Jornalismo.
CAPA 06 POR QUE TEMEMOS O ESCURO Quando o medo se torna intenso e irracional sxc.hu 04 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
R E vi STA CORPO dA M AT é R i A | C URSO d E J OR n A li SMO PUCPR
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 05 EU ACEITO QUANDO O DESEJO DE COMPRAR VIRA DOENÇA TECNOLOGIA SUBSTITUI BONECAS E CARRINHOS O NOVO HOJE SE TORNA VELHO E OBSOLETO AMANHÃ COMPORTAME n TO TEC n O l OG i A A INDÚSTRIA POR TRÁS DOS SONHOS QUERO SER BARBIE E KEN O BEIJO DA PRIMEIRA VEZ NOVAS FERRAMENTAS, TAMANHOS ANTIGOS ENTRE AZUL E ROSA NÃO HÁ DIFERENÇA UM POR TODOS, TODOS POR UM APRENDA A SE PREVENIR AMOR: A DROGA QUE CURA TENDÊNCIA DO BEM SEM VOZ UM OUTRO CONCEITO DE CRIAÇÃO “CENSURA É INTERRUPÇÃO 08 54 11 14 24 28 70 36 74 78 46 96 60 64 UM NOVO HORIZONTE NA ERA DIGITAL MEDO EM DOSE DUPLA NOS BASTIDORES DA NOTÍCIA SURFISTAS DE FIM DE SEMANA CIDADE MODELO TEM DEFICIÊNCIAS ROTA ALTERNATIVA TEMPO PARA AS LETRAS OS TIMBRES NATIVOS DE CURITIBA DE QUEM É A RUA? O CRIADOR DE MUNDOS O APERITIVO NÚMERO 1 DE CURITIBA TAXISTA: PROFISSÃO PERIGO GALERIA TEIX: INCUBADORA DE IDEIAS VIOLÊNCIA PRECOCE ALÉM DE GRANDES ONDAS, AS SURF TRIPS GARANTEM BELAS FOTOS A CURITIBA QUE CEGOS ANGOLANOS CONSEGUEM ENXERGAR CURITIBA CORRE CONTRA O TEMPO PARA ORGANIZAR A COPA DO MUNDO PREFEITURA SE PREPARA PARA CURITIBA MAIS “VELHA” O SEQUESTRO DE ACORDO COM A LEI VIDEOGAMES DIVERTEM, MAS TAMBÉM CURAM C id A d E PO l ÍT i CA SAÚ d E ESPOR TE l A z ER CU l TURA MO d A ECO n OM i A
POR QUE TEMEMOS O ESCURO?
Quando o medo torna-se intenso e irracional, você pode sofrer de nictofobia. E isso também atinge os crescidos
Rodrigo de Lorenzi
“ Mesmo durante o dia, se eu estiver no escuro, preciso sair correndo e encontrar uma luz, mínima que seja.” - Amanda Scandelari,
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MEiROLuGA
COMPORTAMENTO
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oão Pedro tem 10 anos. Quando ficou sabendo que daria uma entrevista, arregalou os olhos, sorriu e disse: “Ai, meu Deus! Vou ser entrevistado!”. Mas seu rosto mudou rapidamente quando falamos sobre o escuro. João Pedro tem medo de entrar em qualquer lugar que não tenha luz. Às vezes diz enxergar algu mas sombras assustadoras em cômodos obscuros.
Nessa hora, as paredes assumem formas esquisitas, barulhos são ouvidos do nada e alguma coisa embaixo da cama ou de den tro do armário pode sair.
O medo do escuro é mais comum em crianças entre 4 e 6 anos, indo até os 9. Após essa idade, geralmente, o temor começa a desaparecer. Porém, algumas vezes não some e engana-se quem pensa que esse comportamento está restrito às crianças. Muitos adultos entram em pânico quando precisam lidar com a escuridão. Esse problema tem nome e não é muito bonito: nictofobia.
Em 2001, uma pesquisa feita pela Gallup News Service rev elou que 5% da população norte-americana tem medo do escuro. Desses, 5% são mulheres e 2% são homens, mas essa porcenta gem pode ser muito maior se pensarmos que diversos adultos so frem de insônia por causa do medo da escuridão e, por vergonha, não contam a ninguém.
Para os especialistas, a origem desse terror do escuro pode es tar ligada geneticamente aos nossos ancestrais, já que moravam em cavernas e, quando a noite caía, eles não conseguiam enxer gar seus predadores, causando pavor em todos que temiam virar refeição para os animais. Enquanto o sentido de outras criaturas evoluiu ao longo do tempo para se adaptar à escuridão, o ser hu mano permanece relativamente indefeso quando não há lumino sidade.
Para a psicóloga Izabela Vicente de Oliveira, no escuro nós nos sentimos vulneráveis a perigos e ameaças e, dessa forma, o medo nos deixa em estado de alerta. “Enquanto o escuro é incerto, a luz tranquiliza. Além disso, culturalmente o escuro vem asso ciado ao sobrenatural, ao imaginário que ameaça e, dependendo das crenças individuais ou de traumas passados, o medo pode se instalar”, exemplifica.
Para o pai da psicanálise, Sigmund Freud, o medo está ligado à separação e ausência de nossas mães. Ele escreveu que “a sau dade sentida na escuridão é convertida em medo do escuro”.
F O bi A
Ter medo, como já foi dito, é natural. Porém, para alguns, isso pode gerar uma fobia quando a pessoa paralisa ou tem reações
incontroláveis, fazendo dela dependente das outras. O ilustrador Gabriel Ortolan tem 24 anos e se sente completamente vulnerável à escuridão. “À noite, basta algum barulho pra me deixar ansioso. Certa vez, me incomodei muito quando eu estava na aula de na tação, faltou energia e o fundo da piscina escureceu, o que me deixou muito agoniado. Outra vez foi quando eu estava na sala da minha casa, a luz acabou e eu fiquei paralisado, suando frio e respirando fundo enquanto esperava a energia voltar ou alguém da minha família aparecer”, relata.
Para a psicóloga, as crianças fantasiam em torno de fantas mas, monstros, bichos e esses pensamentos despertam o temor. Muitas vezes, um adulto com medo intenso de escuro traz desde sua infância esse sentimento. A estudante Amanda Scandelari é outro caso de fobia. “Isso me acompanha desde que eu me lem bro e acontece em qualquer ocasião em que eu esteja no escuro, mesmo durante o dia. Eu preciso sair correndo e encontrar uma luz, mínima que seja.”, assume.
Embora dormir com a luz acesa pareça ser a solução, estudos mostram que a escuridão é benéfica à saúde e evitá-la pode não ser uma boa ideia. A exposição prolongada à luz antes de dormir suprime a liberação de melatonina (hormônio responsável por regular o sono) e pode aumentar o risco de transtornos de humor, obesidade e distúrbios do sono. Amanda, por exemplo, quando sente medo, acaba sofrendo de sonambulismo. “Sempre que aca ba a luz lá em casa no meio da noite e eu estou dormindo, entro no quarto da minha mãe correndo e só acordo quando estou na cama e ela me olhando com uma cara estranha. Esses dias eu levantei e pedi que matassem uma aranha. Enquanto procuravam, eu voltei a deitar. E, quando acordei, não lembrava de nada”, relata.
Mas para quem sofre com esse problema, a psicóloga afirma que há tratamento. Quando o medo toma proporções incontro láveis, é necessário realizar uma intervenção psicológica a fim de que se possa descobrir o motivo do distúrbio. “Onde e por que ele ocupa esse lugar na subjetividade do paciente? O que man tém esse sentimento presente e com tamanha força? É a partir do conhecimento desses fatores que podemos traçar um plano de tratamento para o medo em questão”, orienta.
Portanto, fique tranquilo! O medo é natural tanto em crianças quanto em adultos, mas vale se ajudar: antes de dormir, não as sista a filmes de terror, não pense em coisas tenebrosas e, princi palmente, tente enfrentar seu próprio medo. Afinal, quando você acordar, seu quarto estará com o mesmo aspecto de quando você foi dormir.
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 07
EU ACEiTO
A instituição do casamento, embora tenha se transformado através do tempo, ainda está em alta, mesmo com o grande número de divórcios
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Aline Valkiu, João Paulo N. Vieira e Raissa Melo
Adentista
Susimara Fernando Oliveira Kaufflus e o engenheiro da computação Fabiano Engler acabaram de se casar. No dia 10 de novembro de 2007, Fa biano e Susimara oficializaram o namoro e, seis anos mais tarde, selaram a união na mesma data. A cerimônia foi mar cada com um ano de antecedência, e os noivos estão felizes com a concretização de um sonho. “Quando eu conheci a Susi, eu já sabia que era com ela que eu iria casar”, afirma Fabiano. Mesmo já morando juntos desde dezembro do ano passado, o casal não abriu mão de realizar a festa de matrimônio. Susimara, ou Susi, como ela prefere ser chamada, conta que o casamento é um grande sonho da família. “Minha mãe sempre sonhou em ver uma filha entrando na igreja com véu e grinalda”, diz a noiva. Fabiano também vê o casamento como um rito cultural, esperado pela sociedade, e também como uma cerimônia pública, na qual o casal assume diante de todos que quer construir família e tem valores cristãos. “Depois do casamento, a minha família principal vai ser a Susi e meus filhos. Ela de pende de mim e eu dependo dela, nós temos que fazer dar certo.” Segunda a doutora em História Maria Cecília Barreto Amorim Pilla, professora da PUCPR, essas tradições do matrimônio, adotadas pelos noivos Susimara e Fabiano e por mui tos outros, é resultado de um processo histórico. “A cor do vestido de noiva, por exemplo, vem do século XIX, quando a rainha Vitória usou pela primeira vez um vestido branco: é uma tradição ocidental e recente. Geralmente, o vestido de noiva era a melhor roupa que a mulher possuía. Antigamente, a cor branca significava a virgindade, hoje já não tem essa represen tação. Outras tradições vão sendo recriadas ao longo do tempo, e que até saem de moda. Hoje o casamento é uma grande in dústria, até mesmo a prática de se fazer enxovais tem sido es quecida, no intuito de economizar para fazer a festa, que muitas vezes chegam a custar um o valor de um apartamento”, explica.
ATé QUE A MORTE OS SEPARE
A última pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que o número de divórcios aumentou 45,6% em um ano, entre 2011 e 2010. Na contramão da tendência atual, Elias Alves Ferreira, de 70 anos, e Maria da Graça Ferreira, 64, completaram, no último dia 3 de setembro, 50 anos de casados. Três dias mais tarde, os dois reuniram a família e os amigos para celebrar essa união, que se fortalece a cada dia. Ma ria conta que juntos enfrentaram vários problemas, mas que isso não foi motivo para desistir de uma vida a dois. “Tivemos vári os momentos, difíceis principalmente nos primeiros cinco anos, mas superamos tudo, nunca pensamos em nos separar”, disse. Maria também comentou que renovar os votos de casamento foi mais emocionante, principalmente pela pre sença na cerimônia dos seis filhos e netos. “Nós nos casa mos, eu tinha apenas 14 anos. Agora, vivi uma emoção dife rente, até senti tremores de tanta felicidade”, completou. Ferreira conta que não se arrepende de nada e que faria tudo novamente. “Aquele momento foi muito emocionante. Se eu voltasse a ser jovem, faria tudo novamente”, diz. O aposentado comenta ainda que falta paciência entre as pessoas e, por isso, os casais se separam com tanta frequência. “Hoje vemos muitos casais que não se respeitam, trocam pou cas palavras e já estão se divorciando. Antes, as pessoas não se separavam por pouca coisa, até mesmo para que um juiz assinasse o divórcio, o casal tinha que ter um motivo muito grande.”
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 09
Maria da Graça e Elias Alves Ferreira brindando os 50 anos de união.
O teólogo César Leandro Ribeiro explica que o casamen to é um ritual de passagem justificado pela união em busca do complemento e a construção de uma família. Ele afirma que, nas últimas décadas, as pessoas começaram a buscar um com panheiro, procurando a felicidade, porém com um curto período de conhecimento mútuo. Isso faz com que os casamentos durem menos por falta de compatibilidade ou até mesmo de afinidades.
Ribeiro ainda explica que a Igreja Católica não reconhece os divórcios, porém anula casamentos conforme as condições da cerimônia e do casal. Uma comissão avalia os fatos e anula ou não uma união. “Um exemplo é um casamento em que um dos noivos se descobre homossexual. Nesses casos, a Igreja pode anular a união.”
O teólogo também conta que hoje o conceito de famí lia ficou mais flexível a partir do momento que dois indivídu os do mesmo sexo podem se relacionar e criar uma família. O catolicismo, contudo, não vê essas uniões como legítimas. “Algumas religiões deixam claro que o casamento é a união entre o homem e a mulher para que ambos possam procri ar e fundar uma família, mas isso não impede que duas pes soas do mesmo sexo criem uma família”, comenta o teólogo.
Para o presidente da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (AGBLT), Toni Reis,
a legalização da união homoafetiva tem grande importância não só para ele, mas para muitas outras pessoas. “Sinto-me mais cidadão. O ser humano, independentemente de sua orientação sexual, quer ser feliz e amado. Para mim, estar com meu marido e meu filho é a melhor coisa do mundo. São momentos felizes e alegres; e agora ainda mais, com nossa cidadania garantida. Não queremos privilé gios, queremos direitos iguais, nem menos, nem mais.”
Curitiba é a terceira capital do Brasil que mais realizou casamentos homoafetivos.
“
O SACRAMEnTO dO MATRiMÔniO
Me sinto mais cidadão. O ser humano, independente de sua orientação sexual, quer ser feliz e amado.” Toni Reis
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A indÚSTRiA POR TRÁS dOS SOnHOS
A instituição do casamento, embora tenha se transformado através do tempo, ainda está em alta, mesmo com o grande número de divórcios
Onúmero de matrimônios cresce consis tentemente a cada ano no Brasil: a ex pectativa de faturamento do setor para 2014 é de R$ 16 bilhões, um aumento de 8% em re lação a este ano, segundo pesquisas realizadas pela revista Inesquecível Casamento
Somente em 2012, o Brasil superou a marca de um milhão de casamentos, enquanto as ex pectativas para 2013, que sinalizavam para um total de 1,028 mi-lhão de cerimônias, até agosto já tinham sido superados. O número havia atin gido um total de 1,031 milhão, apontou uma pesquisa realizada em setembro deste ano pela Associação dos Profissionais, Serviços para Casamento e Eventos Sociais (Abrafesta), em parceria com o Data Popular.
De acordo com Noel Júnior, organizador da feira Salão de Casamentos e Eventos, o que move a indústria de casamentos é a vontade dos noivos de que a festa seja única, diferente das festas de familiares e amigos. “O setor que mais cresce nesse mercado é o da personalização. Vai desde lembranças até animações que contam a história do casal e são entregues junto ao convite para cada convidado, ou nas festas”, explica.
As feiras e as exposições do setor são outros eventos que contribuem para alavancar o mer cado de casamentos no Brasil. Segundo Noel Júnior, elas encurtam o caminho entre noivos e os fornecedores de produtos e serviços, ofe recendo uma grande variedade de opções em um só lugar. “Para os casais, é muito impor tante a confiança. A maioria dos noivos contrata um serviço por indicação de pessoas que já se casaram. Nas feiras, é possível conhecer mais opções e comprovar a qualidade dos produtos”, afirma o Júnior.
Aline Valkiu, João Paulo N. Vieira e Raissa Melo
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 11
QUERO SER bARbiE E KEn
Padrões estéticos impostos pelos meios de comunicação de massa fogem da realidade e geram angústia e frustração em quem não consegue segui-los
Mariana D’Alberto El-Fazary
Seja o que você quiser. No caso, linda, rica, magra, alta e loira. Pelo menos é o que garante a boneca mais famosa de todos os tempos, Barbie, com seu slogan “Beanything”. Ser boni ta, ou melhor, linda, parece ser o passaporte ideal para poder viver em um mundo de sonhos, rodeada por amigos bonitos, namorado rico, casas luxuosas, fazendo inúmeras viagens e vestindo um guarda-roupa infinito. Mas o que a boneca Barbie tem a ver com a vida real?
A jovem ucraniana Valeria Lukyanova ficou conhecida como a primeira Barbie humana. Valeria mantém um corpo magérrimo, que lembra a silhueta em miniatura da boneca. Ela tem longos ca belos loiros e usa uma maquiagem pesada, para que seu rosto de tra ços delicados se pareça ainda mais com o de Barbie. Além dela,
outras meninas têm seguido seu exemplo e vêm se transformando em verdadeiras bonecas humanas.
Já o jovem norte-americano Justin Jedlica é o primeiro Ken humano. Ken, no mundo dos brinquedos, é o namorado da Barbie. Jedlica disse, em entrevista ao programa DomingoEspetacular, da Rede Record, que já realizou 117 cirurgias plásticas, e acredita ser mais barato fazê-las do que pagar por uma academia. Ele também mantém um site que presta consultoria de imagem, inclusive para pessoas que desejam realizar procedimentos estéticos cirúrgicos.
Esses são apenas dois exemplos, entre tantos outros, das modi ficações que as pessoas vêm realizando no próprio corpo para pa recerem perfeitas, ao menos para elas mesmas, e se enquadrarem no padrão de beleza atual. Segundo dados de uma pesquisa feita
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pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética (Isaps), em parceria com a Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP), o Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial em proporção de cirurgias plásticas por pessoa, com 4,6 procedimen tos por mil habitantes. Em 2011, foram realizadas mais de 900 mil cirurgias no país. A cirurgia mais procurada foi a de lipoaspiração, seguida pelos implantes mamários.
O padrão de beleza idealizado, tanto por homens quantos por mulheres, não foi sempre o mesmo, e vem mudando e se reciclan do ao longo da história. Homens musculosos e definidos eram o ideal na Grécia Antiga. No Renascimento, eram as mulheres mais cheinhas as consideradas ideais. Já no Egito Antigo, era bonito ser fino e longilíneo, por exemplo. No século XX, marcado por diver sas mudanças em todas as áreas, o padrão se modificou rapidamente ao longo dos anos, acompanhando a evolução do período que avançava com o cinema, a televisão, as revistas com fotos colori das e a internet.
Para o psicólogo e filósofo Guilherme Falcão, a quantidade exis tente de academias de ginástica e clínicas de estética atualmente e, a importância que se dá para os defiles de moda e concursos de beleza, refletem uma sociedade que cria, por meio da mídia, um corportamento obssessivo compulsivo pela estética do cor po humano. “Laboratórios que vendem cremes e os mais diversos produtos que são utilizados para tratamento de beleza arrecadam milhões de dólares. É o poder econômico determinando um pa drão de beleza e não uma medicina saudável, para viver de bem com a vida”, diz.
Falcão explica também que mulheres são ainda a maioria a se sentirem pressionadas para estarem dentro do padrão, mas que o número de homens vem crescendo assustadoramente. “Eu mesmo fui fazer uma consulta com um endocrinologista e ele insinuou que poderia fazer uma mudança grande na minha estética. Quando per guntou se eu não tinha pensado sobre isto, eu disse que estava mui to bem e não precisava. Ele ficou frustrado! Eu fiquei pensando. Se ele disse isso a mim, um homem adulto, profissional da área de psicologia, imagina o que ele diz para todos e todas”, confidencia o psicólogo.
A mídia certamente exerce uma grande influência em toda essa questão atual do padrão de beleza. São dezenas de revistas, sites e programas de moda, beleza e estilo e, como não poderia deixar de ser, propagandas que também veiculam muitas mensagens no sen tido de se conquistar a beleza ideal. Embora, nos últimos tempos, as campanhas e veículos tenham começado a se voltar para um
discurso que pregue mais o respeito à individualidade e às carac terísticas únicas de cada pessoa.
Karla Dudas, jornalista e assessora de imprensa, acredita que apesar de ainda termos grandes exemplos de que o jornalismo dita uma cultura, tem-se aberto um espaço para questionamentos maiores. “Hoje, com as redes sociais e os movimentos feministas, por exemplo, qualquer marca que associa seus produtos apenas a mulheres perfeitas, é veementemente criticada. Acho que, hoje, os próprios assessores de imprensa, publicitários e relações públicas estão mais antenados nessa democratização do ideal de beleza –se é que ele existe – para garantir a sustentabilidade dos próprios clientes”, acredita.
Já para a jornalista Tawany Marry, esse novo conceito de in dividualidade que vem sendo trabalhado pela mídia, não faz com que as pessoas o aceitem ou o achem interessante da noite para o dia. “Desde que eu leio revistas, na adolescência, lembro de o padrão de beleza ser da mulher magra, alta, branca e de olhos verdes”, relata.
Além disso, não se pode esquecer que as redes sociais tam bém contribuem para uma alienação. “No Instagram, mostrar-se ma-lhada na academia é o novo ‘look do dia’ ”, declara Tawany. Ainda assim, a profissional acredita que para reverter a situação da busca pela estética perfeita, a mídia deveria colocar mulheres mais parecidas com as da vida real. “A gente não se vê bonita da forma que somos, queremos ser igual ao que a gente se identifica, no caso, o que é mostrado pela mídia”, esclarece. Ela relata que como no Brasil as pessoas têm a cultura de mostrar mais o corpo, quando veem um look mais sério, comportado, geralmente não se identificam. “A moda agora no país é ser malhada como uma panicat”, afirma.
Segundo o psicólogo Guilherme Falcão, a busca excessiva pela beleza pode acarretar em uma vida vazia, com medos e vergonhas. Essa busca seria na verdade uma fuga, que faz com que a pessoa se proteja por meio da estética, levando uma vida doentia. Para o professional, uma forma de se evitar isso seria crescer em um ambiente onde se é aceito, amado e compreendido. “Uma família que tem sentidos e valores na vida, evita que seus membros sejam vazios e consumistas”, ressalta.
Estar infeliz consigo mesmo resulta em infelicidade com o próprio corpo, por mais bonito e dentro do padrão que ele seja. A Barbie parece estar sempre radiante porque seu sorriso é pintado em seu rosto plástico e, justamente por isso, permanece intacto. Mas se a boneca ganhasse vida, será que seria realmente feliz?
“No Instagram, mostrar-se malhada na academia é o novo ‘look do dia’. ”
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 13 sxc.hu
Tawany Marry, jornalista.
ObEiJOdAPRiMEiRAvEz
De borboletas no estômago a mãos suadas, o primeiro beijo é mais importante do que você imagina
Mariana D’Alberto El-Fazary Raffaela Silvestre Porcote Rodrigo de Lorenzi Oliveira
Ocoração bate mais forte, as pernas tremem, as mãos suam e não se sabe o que fazer com elas. Afobação, nervosismo, borboletas na barriga, falta de ar e o medo de fazer alguma coisa errada. Esses são alguns sintomas do primeiro beijo. Ou sintomas das primeiras vezes.
Juliana Aranha se apaixonou pela primeira vez aos 13 anos. Ela tinha uma amiga na escola com quem brigava o tempo todo. Nesse tempo, a amiga de Juliana precisou mudar de escola, mas, mesmo assim, as duas não perderam a amizade. Trocaram cartas por quase um ano. Em uma dessas cartas, Juliana assumiu: estava apaixonada pela amiga. A alegria veio com a resposta: a menina também estava apaixonada por ela. Até que, num desses dias que ficam marcados na memória, Juliana passou a tarde inteira com a amiga para assistirem a filmes. Juliana sabia que era o momento.
O beijo aconteceria. Juliana, nervosa e apavorada, não sabia se sentia alegria ou se tremia. Na hora de ir embora, deu um abraço na amiga e perguntou quando poderiam se ver novamente. “Ela segurou minha mão, que estava suada e tremendo, e me beijou. Foi estranho, mas bom. Lembro de ter achado macio. Eu sentia meu coração explodindo. Depois que ela foi embora, eu fiquei encostada na porta sem conseguir me mexer, esperando o coração entrar no ritmo e tentando processar o que tinha acabado de acontecer. Passei as três horas seguintes escrevendo no meu diário. Depois, queimei as páginas com medo de que alguém lesse”, conta Juliana.
Se para muitos o primeiro beijo é inesquecível, as estatísticas comprovam. Um estudo liderado por Sheril Kirshenbaum, investigadora da Universidade do Texas, concluiu que 90% das pessoas recordam-se do momento. A pesquisadora diz que o primeiro beijo pode ser muito poderoso, porque implica todos os sentidos: cheiro, sabor,
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incluindo o toque. Uma enorme quantidade de informações são enviadas para os nossos corpos enquanto compartilhamos nossa compatilbilidade com a outra pessoa.
O primeiro beijo de Ítalo Magalhães teve gosto de liberdade e medo. Ele tinha um amigo, mais velho e com estilo diferente. Certo dia, quando os dois saíram juntos, sentiu que alguma coisa estava diferente. Não demorou muito para que o amigo pedisse um beijo a Ítalo, mas ele resistiu de início. Não queria admitir a possibilidade de que beijaria um menino. Apenas caminharam juntos, mas o clima já era aquele que precedia um primeiro beijo: ansiedade. “A cada passo parecia que as pernas tremiam, que a barriga gelava e o ar começava a faltar. Quando, de repente, nós paramos, eu não sabia o que estava fazendo, mas com extrema naturalidade, o garoto se aproximou de mim. Fiquei estático, sem reação, não o empurrei, mas também não resisti. Quando o beijo aconteceu, tinha sabor de Halls preto”, conta Ítalo.
A nORMATizAÇÃO dO AMOR
A vontade de experimentar o primeiro beijo, no entanto, muitas vezes é abafada pelo medo de expor os próprios desejos. Alguns chegam a adiar o momento por dificuldades em se aceitar, pressionados pela possibilidade de serem ridicularizados e também pela falta de uma educação que lhes orientasse a compreender sua própria sexualidade sem tabus. “Fui apaixonado por uma amiga, mas acredito que tenha sido um sentimento criado na minha cabeça por obrigação de gostar de uma menina. Sempre senti atração por garotos e só depois de me aceitar e ir a baladas gays, com novos amigos, é que eu me permiti ir atrás do que eu tinha vontade”, conta o psicólogo Thyago Ferrunes.
Para a psicóloga Izabela Vicente, a sociedade encontra dificuldades em lidar com a homossexualidade devido a uma construção social, que normatiza a heterossexualidade e não aceita exceções. “Essa intolerância em relação à liberdade de escolha sexual está relacionada a uma cultura que valoriza o masculino em detrimento do feminino e à ênfase que se dá à importância e a necessidade biológica da heterossexualidade, que faz parte de uma estratégia social para a manutenção de uma ‘normalidade sexual’”, explica.
O primeiro beijo é um ritual simbólico de amadurecimento sexual, ao marcar o momento em que a sexualidade começa a aflorar. Limites começam a ser testados, além do contato com os próprios desejos, que, antes, eram desconhecidos ou apenas imaginários. Segundo Izabela, a experiência do primeiro beijo homossexual pode ser considerada também como um momento de mudança no objeto de desejo ou de reafirmação do objeto já escolhido.
Entretanto, a normatização do amor e suas expressões, que cria conceitos distorcidos sobre o que é certo e errado, gera uma
confusão na cabeça dos adolescentes para algo que deveria ser simples. Wagner Pereira Silva, ao tentar dar o primeiro beijo, escolheu um rapaz que se parecesse com uma menina, por, segundo ele, deixá-lo mais seguro, justamente pela dificuldade em aceitar a homossexualidade. “Foi estranho, mas menos do que meu beijo hétero. Não senti nada, mas tinha certeza que deveria tentar de novo”, completa.
SOciEdAdE
O ator Thiago Fragoso, que atualmente vive um personagem homossexual na novela das 21 horas da TV Globo, Amor à Vida, deu uma declaração falando sobre a questão do beijo gay na televisão. “A gente quer discutir essa nova família brasileira, conservadora em sua maioria, que evita ver um beijo gay agora. Não sei se é o caso de a gente mostrar”, afirmou o ator em entrevista ao site IG.
Exatamente 60 anos após a exibição do primeiro beijo na boca na televisão brasileira, na novela Sua Vida Me Pertence, ocorreu o primeiro beijo gay em uma telenovela no país: em 2011, na novela do SBT, Amor e Revolução. A cena durou 40 segundos. O beijo aconteceu uma semana depois de o Supremo Tribunal Federal reconhecer a união estável homoafetiva no país.
Claudia Guimarães, psicóloga especialista em sexualidade humana, explica que o beijo gay na televisão representa uma forma de a sociedade em geral aprender a conviver, tolerar e respeitar a diversidade sexual e de gênero. Ela fala que a história denuncia que a repulsa contra os gays se manifesta há muito tempo. “Na Idade Média, a homossexualidade era vista como pecado; na Idade Moderna, como crime; no final do século XVIII foi tratada como doença e, ainda hoje, há quem defenda que os gays devem ser tratados como portadores de uma patologia”, explica.
A psicóloga observa que já há uma grande evolução com relação ao reconhecimento das relações homoafetivas, mas que ainda há, entre os homossexuais, um grande temor relacionado à reação de seus familiares e amigos. Isso faz com que eles freiem, de certa forma, a demonstração de seus sentimentos. Apesar dos rótulos e temores, o beijo, seja gay ou não, só faz bem a quem o pratica. Pesquisas apresentadas neste ano, durante o encontro anual da American Association for the Advancement of Science , em Chicago, nos Estados Unidos, comprovaram que o ato de beijar é um importante instrumento para a melhora da qualidade de vida, além de definir se há uma compatibilidade futura em um relacionamento que se inicia. Então, para quem está prestes a dar seu primeiro beijo, saiba que as borboletas no estômago fazem parte das muitas experiência inesquecíveis das primeiras vezes. Beijo na boca, no nariz, no olho ou no queixo, a demonstração de afeto é permitida e necessária.
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U M POR TO d OS ,
T O d OS POR UM
Importar-se com o próprio bem-estar e o do próximo requer uma boa dose de coragem e ousadia
Criar animais como galinhas, cabras e coelhos, cultivar hortaliças, fazer compostagem do lixo além de produzir pão e cerveja. Tudo isso em 350 metros quadrados de um terreno no bairro do Mossunguê, em Curitiba. O que para muitos pode parecer um desafio, é um prazer para três famílias e 13 voluntários da ONG Casa da Vi deira, espaço onde o grupo co loca a mão na terra e divide bons momentos que só o trabalho em equipe pode trazer. Juntos, eles alcançam resultados anima dores: cerca de quatro toneladas por mês de lixo são recicladas e mais de uma tonelada de comida por ano é produzida.
Mas a união desses homens e mulheres nada tem a ver com produtividade ou lucro. A paixão que move esses agricultores urbanos está ligada a estilo de vida. Questionamen tos como “É possível produzir comida no contexto urbano?” e “Posso dar conta do meu lixo como meus avós faziam?” impulsionaram a decisão de fazer algo diferente. E há três anos essa ideia tem rendido bons frutos.
Para Rene Eugenio Seifert, professor universitário e inte grante da entidade há pouco mais de dois anos, tudo começou com o desejo de comer um pão de qualidade. Na época, Rene morava na Inglaterra e só encontrava o alimento envolto em saco plásti
co, o que comprometia o sabor e a qualidade do produto. O incômo do com essa simples questão foi decisivo: comprou farinha, fer mento e usou a receita da própria embala gem para produzir um pão. Daí em diante não parou. “Para Platão, na lógica de estratificação social, os acadêmicos se distanciavam muito dos artesãos. Mas meu caso é uma prova de que é possível ser um pesquisador e ainda assim fazer arte. Sigo técnicas de fermentação natural e utilizo farinha orgânica em minhas receitas. Por isso, produzir pão tornou-se para mim uma crítica ao filósofo. Decidi que meus dedos não poderiam ser meros apertado res de botão. E não são”, explica o professor. Mas o objetivo da atividade vai muito além do ato de por a mão na massa. “Hoje temos alimentos que não geram vida, nem sabedoria. Ficamos dependentes de uma indústria para nos alimentarmos. Perdemos o conhecimento e domínio sobre o processo de muitas coisas. Se precisamos de um remédio, temos que recorrer a uma farmácia. Não sabemos mais qual planta é eficaz no tratamento, mas nossos antepassados sabiam. Este é um mundo frágil e dependente”, afirma Rene.
Ana Carolina Weber, Diana Araújo, Juliana Oshima, Luize Souza e Líris Weinhardt
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COMPORTAMENTO
Rene Eugenio Seifert
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O professor Rene Seiferte seu filho, Oliver, colocam juntos a mão na massa.
Do alimento, ele passou para a bebida e aproveitou os conhecimentos e as habilidades na cozinha para produzir também cerveja. E essa nova atividade trouxe ainda mais alegria para a vida do mestre. E não é por causa do álcool, mas porque todos esses processos exigem paciência, talento e, sobretudo, coopera ção. “O discurso é que precisamos de mais indústrias, estradas e prédios para nos desenvolvermos. No entanto, nos últimos 50 anos, temos vivido altos índices de estresse, congestionamentos, doenças e poluição. E a cura para tudo isso tem nome: simplici dade. Devemos saber que é possível encontrar prazer nas peque nas coisas da vida. Queremos resgatar esse conceito e começamos pela nossa família”, conta.
O professor, que já chegou a criar duas galinhas no apar
tamento por oito meses, chama a atenção da vizinhança pelo seu estilo de vida nada convencional. Os animais de estimação, pouco comuns para o ambiente urbano, comiam todo o lixo orgânico produzido pela casa e ainda cediam ovos frescos para a família. Muitos vizinhos chegavam com restos de comida para alimentálas e outros traziam seus filhos para descobrir de onde vinha um ovo (algumas crianças realmente não conheciam esse processo da natureza). Mas as galinhas viraram motivo de controvérsia para alguns moradores do prédio. que juravam que as aves cantavam como galos durante a manhã. Por isso, o professor precisou se desfazer dos bichinhos, deixando-os na Casa da Videira. Mas, em breve, haverá outra tentativa: ele promete que as novas moradoras do seu lar serão adoráveis codornas. E o que parece ser loucura
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Galinhas faziam parte da família do professor universitário.
para muitos, tem lógica de sobra para Rene. O professor univer sitário encontra na existência as razões para pensar diferente e ter disposição de ir contra a maré. “Por que eu faço tudo isso? Porque a vida é um privilégio. E o que a gente faz é só um res gate da vida. E isso vale muito mais do que a produtividade”, completa.
A boa notícia é que não é preciso criar galinhas ou re ciclar o próprio lixo para dar o primeiro passo em direção à mudança de hábitos. De acordo com o psicólogo Alisson Siquei ra, a receita para uma vida mais leve começa de forma é simples. “Para se ter uma qualidade de vida melhor, não é preciso radi calizar ou querer estar longe de aparatos tecnológicos. É ne cessário pensar em ambientes que reduzam a quantidade de estímulos, como vem acontecendo com os projetos urbanísticos e, o mais importante de tudo, man ter a convivência e o contato com as pessoas”, explica.
dESCOnECTAR PARA COnECTAR
tudo está conectado, passei a enxergar a vida sob outra ótica e acredi tar que nós precisamos de muito pouco para viver bem”, explica.
Natural de Andradina, em São Paulo, Bárbara vive hoje em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Apesar de ser uma capital em desenvolvimento, a cidade segue o mesmo fluxo frenético de outras regiões. E, no mesmo ritmo acelerado, seguia a vida da jo vem: acordar muito cedo, voltar muito tarde do trabalho, passar o dia todo no computador, ter pouco tempo livre, se render ao vício da tecnologia e esquecer os momen tos de convívio com as pessoas.
“ Em minhas horas livres, fujo dessa prisão tecnológica e busco o refúgio na natureza.”
- Bárbara Ferragini
A jornalista Bárbara Ferragini não conhece o terapeuta, mas já segue suas orientações à risca. Ela, assim como Rene, encon trou nos livros um princípio para as respostas diante de suas inqui etações. “Comecei a questionar muito nosso estilo de vida ocidental e, por isso, busquei mais conhecimento, a fim de encontrar respos tas para minhas crises existenciais. Mas, quando vamos estudar, começamos a entender que é um pensamento complexo, porque o homem está intimamente ligado à natureza. E quando entendi que
Segundo Siqueira, vivemos em um tempo em que a informação é o mais importante. “Dentro da so ciedade moderna, na qual o tempo é restrito, você está interessado na informação e não nas pessoas. Nesses casos, temos uma falsa compreensão sobre o afeto. Um internauta digita em um bate-papo ‘te amo’, mas não consegue demonstrar esse sentimento. Assim, o que acontece é que nós visualizamos e verbalizamos aquilo que não vivenciamos. Por isso, as relações têm se transformado do contato para a transmissão de informação, apenas”, comenta o psicólogo. Para sair desse distanciamento e encontrar o equilíbrio en tre trabalho e vida pessoal, Bárbara passou a praticar ioga e a encontrar inspiração na área verde da região onde vive. “Como jornalista, preciso fazer uso das tecnologias. Tenho celular e computador. Mas tenho tentado, cada vez mais, utilizá-los ape nas quando necessário. Em minhas horas livres, fujo dessa prisão tecnológica e busco o refúgio na natureza. Sou sortuda, moro próximo de dois lindos paraísos: Bonito e Pantanal. Quando há tempo, recomponho as energias nesses locais”, conta.
Alimentação saudável faz parte da rotina da jornalista Bárbara Ferragini.
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Arquivo Pessoal
EnTRE
A zUl E ROSA nãO HÁ diFEREnç A
Fazer restrição de brinquedos por conta da cor ou do tipo pode prejudicar - muitouma criança
Raffaela Porcote Rodrigo de Lorenzi
Lembro que, desde pequeno, eu queria bonecas. Obviamente, eu ganhava vários carrinhos com os quais eu pouco brincava. Uma vez, depois de ver que meus pais não me davam, eu pedi ao meu avô me comprar uma boneca. Ele foi dizer pra minha mãe: ‘Eu vou sair e comprar uma boneca pro An dré’ e ela: ‘Não, compra um carrinho’. No fim, meu avô não comprou nada. Depois de um tempo eu soube que parte disso se devia ao fato de que meu pai morria de medo que eu fosse gay. Depois de algumas conversas, um belo dia meu pai me com prou uma boneca. E, desde então, acho que tudo o que era proibido ficou um pouco menos proibido André Machado, 23 anos.
A história de André tem um final feliz, mas nem todos os pais aceitam ver uma filha brincando de luta ou um filho brincando de casinha. Mas o que faz uma criança escolher entre um carrinho e uma boneca?
Analise: o que você faria se o seu filho lhe pedisse uma boneca como presente de aniversário. Segundo Flavia Maria de Paula Soares, psicanalis ta com ênfase em Desenvolvimento Social e da Personalidade, professora do curso de Psicologia da Faculdade Dom Bosco, mestre em Psicologia Clínica e doutoranda em Biotecnologia aplicada à saúde da criança e do adolescente, a construção da diferenciação entre o que é de menino e de me nina para a criança inicia-se aproximadamente aos 3 e 4 anos de idade. Essa especificação tem efei tos na escolha das roupas, cores e brinquedos.
Entretanto, as características desse com portamento são trazidas pelos pais mesmo antes do nascimento. “Desde que ficam sabendo do sexo da criança na gestação, a diferenciação já acontece. As preferências são simbólicas e imaginariamente
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COMPORTAMENTO
herdadas da família que, por sua vez, reproduz valores e tradições de deter minada cultura e sociedade”, declara.
Quem sai ganhando com isso é a indústria dos brinquedos, que entende e lucra com essa sepa ração. Visitamos duas grandes lojas especializadas em produtos infantis, em Curitiba, e observamos como os brinquedos estão distribuídos: De um lado, prateleiras cheias de ar mas de plástico, ferramentas, luvas de boxe, bonecos, monstros e mui tos carros. Do outro, rosa-choque brilhante com muitas panelas, fer ros de passar, fogão e vassouras.
A especialista esclarece que todas as sociedades têm referências sobre “coisas de homem e coisas de mulher”, mas alerta que, quando essa diferenciação vira discriminação, é hora de reavaliar o comportamento. “Não devem acontecer violência e im posição das formas de brincar ou uma desvalorização de um dos dois sexos no discurso e nos atos presenciados pela criança”, alerta.
O CASO KindER
Na Páscoa deste ano, o grupo Ferrero, fabricante do Kinder Ovo, lançou versões específicas do chocolate para me ninas e meninos, o que gerou uma série de críticas nas redes sociais, acusando a empresa de sexismo (termo que se refere ao conjunto de ações e ideias que privilegiam entes de deter minado gênero). “Kinder Ovo, além de caro, é sexista”, mo strava o post publicado na página do Facebook “Moça, você é machista” e compartilhado por mais de 500 internautas.
Em comunicado oficial em sua página, a fabricante informou que a nova campanha do Kinder Ovo não foi desen volvida pensando em fazer alguma diferença entre os gêne ros. “Ela trata-se de uma linha nova de surpresas e de qualquer forma, continuamos produzindo brinquedos universais que são tanto para meninos quanto para meninas”, disse a empresa.
inCEnTivO
Em uma sociedade patriarcal por formação, a dis tribuição de tarefas de forma igualitária, em que os homens se envolvem com atividades consideradas apenas femininas, como lavar roupa e louça, causa estranhamento. Por isso, me ninos que desejam brincar de boneca, são vistos como um peri go, um alarme que ressoa: “Ele pode ser gay. Detenham-no”.
O grande medo dos pais é que, ao incentivar essa igual dade, os filhos deixem de se enxergar não só com gênero, mas com a orientação sexual que gostariam que tivessem: a heterossexual. Para Priscila Pool, mãe de Matheus, de 3 anos, essa questão já tem resposta. “Posso ser preconceituosa, mas eu não gostaria de ter um filho ou uma filha homossexual.
Não sei se isso pode estar ligado a um simples brinquedo na infância, mas eu não gostaria que meu filho só se inter essasse por bonecas”, afirma. Entretanto, crianças não fa zem distinção entre brinquedos, enxergam como um es timulador de imaginação e o interesse é apenas brincar. A estudante de Pedagogia Flávia Silva acredita que os pais deveriam dar menos importância a essa distinção, pois, no futuro, criam-se adultos que não conseguem li dar bem com suas emoções. “Crianças pequenas não têm uma grande noção de ‘brinquedos de meninos e de me ninas’, isso é colocado pelos pais. É importante e saudável que as crianças estejam em contato com o rosa e com o azul, com panelinhas e com os carrinhos, independente do sexo”.
A pressão social é mais contundente sobre os meninos, que têm papel estático na sociedade, ao exigir que cumpram a função de mantenedor econômico do lar. “Mas as meninas não estão isentas desse mal. Afinal, é exigido que sejam delicadas, sensíveis e responsáveis com seus afazeres domésticos. Já os meninos recebem orientações para serem machões, agressi vos e são reprimidos quando choram”, conclui Flávia Silva.
Outra questão pouco percebida pelos pais é que, ao impedir que meninos brinquem com objetos atribuí dos a meninas, formam adultos sexistas, que se eximem de responsabilidades que deveriam ser distribuídas en tre todos, como cuidar dos filhos, manter a casa e cozinhar. Para Daniele Chaves, mãe de um menino, os pais precisam ter consciência de que são os maiores exem plos para os filhos e o sexismo deve ser combatido, an tes de tudo, na própria rotina da família. “Meu marido cozinha e limpa. E as crianças nos usam como modelo. O mais importante é ter liberdade para usar a cria tividade e se divertir, independente do brinquedo”, explica. Portanto, para os pais que ficam preocupados quando o filho pede uma Barbie ou a filha um carrinho, por exemplo, um aviso: brinquedos não têm gênero.
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Saúde Mental UNIICA.
Conteúdo interessante para quem é único: você.
Saiba mais sobre o Transtorno Bipolar www.uniica.com.br.
Hoje, no Saúde Mental Uniica, vamos falar sobre o Transtorno Bipolar: uma doença caracterizada pelas oscilações de humor, entre a euforia e a depressão, que faz com que seus portadores apresentem comportamento desproporcional aos fatos ou inadequado ao ambiente.
A diferença entre um comportamento considerado normal e o de um doente acontece na intensidade e na duração de cada humor já que, para o doente, estas mudanças são mais extremas e duradouras. A causa do problema pode variar de pessoa para pessoa, mas o estresse é considerado o principal desencadeador.
O Transtorno Bipolar
O QUE É?
O Transtorno Afetivo Bipolar leva esse nome por causa da alternância de dois estados emocionais básicos: a alegria e a tristeza. Assim como acontece nas doenças físicas, que muitas vezes representam excesso ou falta de algum elemento normalmente presente no corpo, muitas doenças da mente também representam alterações para mais ou para menos de aspectos emocionais comuns.
QUAIS AS CARACTERÍSTICAS DESTA DOENÇA?
O transtorno bipolar é caracterizado pela alternância de fases de tristeza e alegria doentias, conhecidas respectivamente como depressão e mania. Em alguns casos, essas alternâncias podem ocorrer no mesmo dia ou na mesma hora. Por esse motivo, o diagnóstico destes casos nem sempre é fácil.
QUAIS AS POSSÍVEIS CONSEQUÊNCIAS?
Mesmo quando o quadro clínico não é dos mais graves, a inconstância emocional torna difícil para a pessoa ter segurança de que, dentro de alguns meses, por exemplo, estará bem para cumprir um compromisso assumido. Perda da crítica ou capacidade de julgamento, dificuldades no relacionamento pessoal e profissional também são consequências comuns do portador da doença.
EXIGE E EXISTE TRATAMENTO? COMO É?
Hoje há uma série de tratamentos farmacológicos eficientes no tratamento da doença bipolar. O primeiro objetivo é impedir a alternância de fases, e conseguiu o retorno à vida familiar e profissional o mais breve possível. Além da eliminação dos altos e baixos, é importante cuidar dos possíveis danos que podem ter sido causados à autoimagem do paciente. Por esse motivo, em muitos casos o tratamento inclui o uso de medicações e também intervenções psicológicas.
É NECESSÁRIA A INTERNAÇÃO? QUANDO?
Em casos mais acentuados e graves, tanto no quadro da depressão como no da mania, não é raro a necessidade de afastar o paciente de seu meio. Nestas situações, quando é preciso proteger o paciente de si mesmo ou de outros, torna-se de extrema importância a internação.
QUE MEDICAMENTOS SÃO USADOS? ELES VICIAM?
Os medicamentos psicotrópicos utilizados em Psiquiatria no tratamento dos transtornos bipolares compreendem várias categorias, normalmente chamados de “estabilizadores do humor”. Nenhuma das medicações usadas se caracteriza por determinar dependência. É importante que todo tratamento medicamentoso seja feito da maneira certa, sempre sob supervisão médica.
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Casos de assaltos seguidos de sequestrosrelâmpago se tornam mais comuns e deixam traumas profundos nas vítimas
Harianna Stukio Leticia Duarte Rafaela Bez
Se a sensação de insegurança não é incomum entre os habitantes das grandes cidades, devido aos altos índi ces de violência nesses centro urbanos, tente imaginar o que se passa pela cabeça de quem já sofreu algum tipo de sequestro. Uma e meia da manhã, em meados de 2005. Ao sair de um barzinho em Curitiba, a professora da rede estadual de ensino Fernanda de Lima Montes*, nascida em São João do Ivaí, inte rior do Paraná, paga sua conta e pede ao garçom para chamar um táxi. Chega a sua casa e, em frente ao portão, se depara com três homens, que modificariam a sua vida. É sequestrada, molestada e agredida em troca de cartões de crédito e de débito. “Acho que quem sofre, não supera isso nunca. Você aprende a lidar com isso, com o medo, mas não supera o trauma. Não tive escolhas. Pre cisava seguir em frente”, conta.
Fernanda foi levada pelos sequestradores a Botiatuva, dis trito de Campo Largo, na região metropolitana de Curitiba. Com medo de ser estuprada e aflita por não saber o que iria acontecer, sua reação foi rezar. “Quando eles me abordaram, eu não reagi, não respondia o que eles queriam. Era a sensação de que aquilo não estava acontecendo. Ao me deixarem no meio do mato, pen sei: ‘Meu Deus, aconteceu comigo!”. A impressão era de que seria enterrada viva, pois estava vendada e sem conhecimento de onde estava ou de quanto tempo havia transcorrido desde que foi abor dada. Além do trauma emocional, Fernanda levou coronhadas na cabeça.
Segundo a Polícia Civil do Estado do Paraná, sequestros como os de Fernanda são incomuns, mesmo que o objetivo da maioria dos sequestradores seja levar dinheiro e bens materiais. Na maioria dos casos, a vítima é forçada a entregar seu dinheiro ou retira-lo de um caixa eletrônico, mas dificilmente o criminoso mantém a vítima em seu poder por muito tempo ou a agride. “Eles conseguiram sacar os limites de saque de três contas que eu tinha e fizeram um empréstimo consignado pelo cartão. Um dos bancos não quis estornar o valor roubado. Tive de pagar”, conta.
Em uma tarde ensolarada, em plena terça-feira, em um estacionamento de um shopping da capital paranaense, a arquiteta
Eliane Mussio preten dia ir a uma loja para tro car um presente. Foi surpreendida por dois jovens, após sair de seu carro. “Eles apontaram uma arma para mim e me fizeram entrar no meu carro com eles.” Sem sa ber como reagir, Eliane fez tudo o que os jovens mandavam. Após rodar horas sob pressão e ameaças, eles perguntaram se ela tinha dinheiro, onde morava e se tinha outros carros. Eliane, sem raciocinar, contou-lhes seu endereço. “Eles ficaram perguntando o que eu tinha em casa, se tinha joias... Eu só lembrei de mentir e dizer para eles que eu tinha empregados em casa naquele horário.” Assim, ela os impediu de entrar. O terror psicológico se misturou ao medo e às ameaças. Os rapazes continuaram rodando a cidade, em busca de novas vítimas. “Passamos por carros policiais e não podia fazer nada. Eu me senti muito impotente.” Le varam apenas R$ 100, sua aliança e um cordão de ouro que ganhou do pai quando adolescente, mas Eliane tenta se recuperar desse trauma a cada dia. “Eles sabem meu endereço. Tenho medo que eles pos sam voltar aqui em casa”, diz.
Há poucos sequestros que são regis trados pela Polícia Civil no Paraná, mas dados que parecem insignificantes aos olhos da maioria representam aflição e trauma para as vítimas.
A dona de casa e morado ra de Cascavel (PR) Clênia de Mendonça sofre até hoje: não gosta que suas filhas saiam de casa à noite, com medo de que o mesmo aconteça com elas, evita sair sozinha no período noturno e tem re ceio de
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CIDADES
andar pelas ruas de sua cidade a pé. No seu caso, os sequestra dores queriam o seu carro. “Era pouco mais das 22 horas, quando parei em frente à casa de uma amiga. Não percebemos que havia pessoas nos observando a todo instante e, quando nos demos con ta, três rapazes entraram no carro e apontaram uma arma pra nós duas.” Elas permaneceram uma noite em um casebre, no interior da cidade, até que conseguiram escapar e chamar a polícia.
TRATAMEnTO
Para psicólogos, o tratamento psicoterápico é o mais re comendado para casos de vítimas que sofrem com traumas póssequestro. “Esse tipo de abordagem visa a retirar da pessoa o trauma, de forma que possa acessar as memórias dos fatos sem perturbação, ou seja, para que possa enfrentar o medo ou aprender a conviver com ele sem sofrimento. Em alguns casos mais graves, é necessário o uso de medicamentos, desde que seja administrado paralelamente à psicoterapia”, explica a psicóloga Aline Zambon Tosetto. Ela explica, ainda, que o tratamento consiste no enfrenta mento das situações que causam ansiedade, buscando olhar para os fatos a partir de novos ângulos.
“Eu sofri muito. A dor que eu sinto é insuperável e, quando olho pessoas na rua, imagino o rosto de quem me sequestrou”, relata Jorge Miguel (ele prefere não revelar o sobrenome), de 22 anos, que foi sequestrado em 2012, na cidade de Paranaguá. Por causa do ocorrido, desenvolveu síndrome do pânico: imagina es tar em um ambiente perigoso e de alto risco, tendo diversos tipos de reações, como suor frio, pavor de se relacionar com pessoas desconhecidas e pesadelos constantes durante o sono. “Nunca mais dormi direito, é impossível.”
O trauma, a dor e a sensação de perseguição são sequelas marcantes em grande parte das pessoas que sofreram sequestro. Em uma pesquisa feita pelo Hospital de Clínicas de São Paulo, foi constatado que devido à pressão psicológica que a vítima sofre, 90% dos pacientes ficam com traumas, excesso de stress, sensa ção de perseguição ou crise do pânico ao longo da vida, vítima do que é chamado cientificamente de Transtorno de Stress PósTraumático. “A pessoa sente medo intenso de reviver a experiên cia perturbadora, seja através da lembrança ou na realidade, pas sando a evitar sentimentos, pensamentos e lugares que tragam recordações do trauma”, explica Aline. A psicóloga conclui que, em alguns casos, a ansiedade pode provocar uma espécie de co lapso e gerar psicopatologias, como se a pessoa estivesse sempre indefesa, mantendo-se em estado de alerta diante da sensação de desamparo e perigo constante que, na maioria das vezes, pode ser imaginário e não real.
*Nome alterado à pedido da vítima.
“ Você aprende a lidar com isso, com o medo.”
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- Fernanda Gomes
Rafaela Bez
Imagens:
Rafaela Bez
O SEQUESTRO dE ACORdO COM A lEi
Nos últimos cinco anos, cerca de 25 sequestros aconteceram no Paraná. Destes, 13 apenas em Curitiba. Não parece ser um número muito elevado: “Só é considerado sequestro quando a pessoa, por algum motivo, fica com a liberdade cerceada por um longo período de tempo, o que na linguagem penal chamamos de cárcere privado. Ou seja, quando a vítima é mantida em cativeiro por alguma razão”, explica o delegado-chefe do Grupo Tático Integrado de Grupos de Repressão Especial (Tigre), Sivanei de Almeida Gomes.
Além desse tipo de sequestro, também há outro em que a pena é maior. “A extorsão mediante sequestro acontece quando a vítima é cerceada de seu direito de liberdade e é presa em cativeiro. Nesse caso, o causador do seques tro pede algo em troca da vítima como dinheiro, bens e automóveis. Assim, se descoberto, o sequestrador pode cumprir pena de roubo e sequestro”, ressalta Gomes. O grupo Tigre, que atua em todo o Paraná, é acionado por meio de Boletins de Ocorrência, que podem ser feitos em qualquer delegacia do estado, e após isso, dão início às investigações.
Muito se confundem ao usar a expressão “sequestro-relâmpago”, para descrever a ação criminosa de quando a pessoa é abordada e os criminosos apenas restringem a vítima de sua liberdade por um curto período de tempo, querendo algo material em troca. “Na verdade, quando uma pessoa sofre esse tipo de agressão, que geralmente acontece quando está entrando em casa, saindo do banco ou de caixas eletrônicos e é obrigada a entregar seus bens, mas logo é solta, ela, segundo o Código Penal, não foi sequestrada, mas foi munida de sua liberdade por motivos de roubo. Isso chamamos de ‘roubo com retenção de vítima’”, explica Gomes. “O verda deiro sequestro é algo muito mais elabora do, mais complicado”, conclui.
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Karen Okuyama
Rafaela Bez
O delegado-chefe do Grupo Tigre, Sivanei de Almeida Gomes, explica a diferença entre sequestro e “sequestro-relâmpago”
APREndA COMO SE PRE vEniR
Kamilla Ferreira
Curitiba é considerada uma das capitais mais vio lentas do Brasil. O medo de ser a próxima vítima de assalto, sequestro e de outros tipos de violência, ronda as cabeças da maioria dos habitantes de uma grande metró pole. Muitas vezes, a insegurança e a falta de informações sobre como se comportar para que situações como essas não aconteçam faz com que a população evite realizar suas ativi dades. O policial militar do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e responsável pela negociação durante os sequestros, capitão Marco Antonio da Silva, autor do livro Prevenindo Crimes e Acidentes, deu algumas dicas de medidas simples e eficazes de segurança, que podem evitar um sequestro.
Negociador do Bope em casos de sequestro, capitão Marco Antonio da Silva, dá dicas de segurança
COMO EviTAR
* Use caminhos alternativos e não permita que terceiros possam monitorar a sua rotina. Cerca de 70% das pes soas que já foram sequestradas perceberam, dias antes, pessoas estranhas rondando e monitorando o seu dia a dia.
* Pesquise o histórico de pessoas que você possa vir a contratar para trabalhar em casa, como empregadas domésticas e motoristas. Em 90% dos casos de seques tros, são empregados que passam informações sobre a vítima.
* Quando parar no sinaleiro, mantenha os vidros fecha dos.
* Não pare o carro na rua para esperar alguém que vai ao banco, por exemplo. Esses lugares estão sujeitos a olheiros.
* Ao descer do veículo, certifique-se de que todas as portas e janelas estão fechadas.
EM CASO dE SEQUESTRO
* Coopere, não seja teimoso com os sequestradores.
* Se possível, procure memorizar as características do sequestrador, além de memorizar cheiros, sons e detalhes do cativeiro.
* Não entre em pânico.
* Elabore métodos para a contagem do tempo, pois assim a pessoa não perde a lucidez.
* Não reaja. A sua vida vale mais do que qualquer bem material.
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nOS bASTidORES dA nOTÍCiA
A sala de comunicação da Polícia Militar tem linha direta com o jornalismo policial produzido em Curitiba e região metropolitana
Ao lado da sala de comunicação do Quartel General da Polícia Militar, o sargento Orlei Lechiw trabalha atendendo telefonemas de toda Curitiba e região. Na chamada “sala da ronda”, sua principal função é oferecer em tempo real infor mações sobre as ocorrências aos repórteres do outro lado da linha, que procuram conferir dados e acrescentar detalhes às suas matérias.
Uma tela de computador à sua frente fornece todos os dados inseridos no sistema pelos policiais em campo. A maioria dos problemas na madrugada, diz ele, são relacionados à perturbação de sossego. Esses, mais fatídicos, são logo descartados, dando espaço aos casos mais “interessantes” para os veículos de comunicação.
“A ronda é um serviço essencial para nós da PM e para a mídia, pois nossa tarefa é adiantar as ocorrências do dia a dia para facilitar o serviço, eles ligam e ficam sabendo das ocor rências que temos em nosso sistema”, diz.
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Guilherme Zuchetti e Kauanna Batista Ferreira
CIDADES
Lechiw permaneceu por sete anos nas ruas e há cinco trocou de função; agora divide o cargo com três colegas e precisa responder os questionamentos da imprensa sobre o que acontece na cidade. Mais do que isso: seu trabalho en volve defender o ponto de vista da corporação, cedendo in formações concretas que não prejudiquem o andamento de investigações ou a própria polícia.
Com o passar do tempo, o sargento já conhece o que interessa para cada repórter. Entre seus “clientes”, há os que buscam apenas informações sobre homicídios e crimes violentos e outros que precisam de dados em relação a furtos e assaltos, como as famosas saidinhas de banco. Os jornais e emissoras não são os únicos a procurar esse tipo de informação: cada vez mais, blogueiros e trabalhores de sindicatos solicitam os dados. Entre eles, o Sindicato dos Motoristas e Cobradores de Ônibus (Sindimoc), que acompanha as ocorrências, como aci dentes de trânsito e dentro dos veículos, através do sistema da PM. “Eles [o sindicato] estão sempre preocupados e interessados em saber como está a situação”, comenta. Geralmente, a informação chega ao repórter por meio de seus próprios contatos e depois são averiguadas junto à Polí cia Militar. Na hora do aperto – quando a informação ainda não está disponível ou precisa de mais dados para ser repassa da –, é preciso apelar para a cordialidade e para o coleguismo criado com os profissionais da imprensa. Lechiw argumenta que “nem sempre uma ocorrência que os jornalistas ficaram sabendo o policial já tem, ou é preciso aguardar mais informações quando o caso é grave”.
Marcelo Borges, repórter da RIC TV Record, chega a per correr 300 quilômetros todas as noites em Curitiba e região metropolitana para gravar as matérias que serão exibidas no dia seguinte pela emissora. Apesar de usar pouco as informa ções da Polícia (ele liga no máximo uma vez a cada plantão), sua opinião é positiva quanto ao serviço prestado pela ronda. “A maior parte dos policiais é favorável ao nosso trabalho e gosta de divulgar as apreensões e outras ocorrências”, conta.
Seu ritmo diário demanda sempre um telefone na mão e atenção para o que acontece na cidade. “Basicamente trabalho com fontes que ligam no meu celular ou mandam mensagens. E também fazemos rádio escuta”, relata. Entre as 23 horas e 4 da madrugada, as mais diversas situações podem ocorrer e é na rua que as pautas são criadas. Para aguentar as cenas violentas e a pressão, diz ele, é preciso “gostar muito e ter preparo para situações de extrema adversidade”.
Borges acredita que a era do jornalismo policial, que bus cava quase somente histórias sanguinolentas, está com os dias contados. Hoje, ele considera que realiza um trabalho voltado aos problemas sociais, produzindo reportagens sobre saúde pública e o tráfico de drogas, por exemplo. As histórias de violência que predominavam na década de 90 tomam menos espaço nos jornais e o espaço da ronda diminui cada vez mais, deixando a cargo do repórter a busca pelos fatos mais interessantes ao público. O jornalista acrescenta: “A ronda expõe as carências da sociedade. Enquanto a cidade dorme, estamos de plantão mostrando tudo que acontece”.
PUCPR | REVISTA CDM | 29
JORNALISMO
Lucas Dziedicz
O sargento Lechiw e outros oito policiais trabalham prestando assessoria para diversos veículos de comunicação, divulgando a ação da polícia.
viOlÊnCiA PRECOCE
Quase 60 mil jovens brasileiros cumprem medida socioeducativa. Destes, 95% são homens e 5% são mulheres
30 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR Shaiene Ramão CIDADES
Eles têm entre 12 e 17 anos. Poderiam estar estudando, se preparando para a faculdade, se profissionalizando. Ou brincando e aproveitando a adolescência, como qualquer outro jovem dessa idade, mas, na verdade, estão cumprindo medida socioeducativa e pagando pelos erros que cometeram. Os números divergem entre as diversas fon tes, mas, de acordo com um levantamen to da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, esta é a realidade de quase 60 mil jovens brasileiros. Os adolescentes em conflito com a lei, como são chamados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são aqueles que cometem atos infracionais, desde pequenos furtos até homicídios. É o caso de Márcio Gabriel*, de 11 anos. Dependente de maconha e cocaína há dois anos, o menino conta que rouba frequentemente para sustentar o vício. Vive na rua, com outros adolescentes e diz que não sabe escrever porque foi expulso da escola, por ter roubado a profes sora. “Eu precisava sustentar meu vício, ué. Daí roubei R$ 20 e o celular dela. Ela descobriu e eu fui expulso. Daí, eu não fui mais à escola. E agora eu tô na rua”, conta. Gabriel não tem notícias dos pais desde que saiu de casa e dorme em uma casa de apoio, junto com outros meninos de rua. Já foi pego roubando, mas conseguiu fugir. De acordo com o Instituto Latino Americano das Nações Unidas, os vulneráveis são os adolescentes com baixo índice de escolari dade, que estão envolvidos com drogas e que vivem em famílias desestruturadas. Os dados sobre esses adolescentes são escassos e o acesso é dificultado pelos órgãos responsáveis. Tudo que se sabe sobre os adolescentes em conflito com a lei são resultados de pesquisas feitas com aqueles que já estão pagando por suas infrações. Entre eles, 8% não foram alfabetizados e a maioria parou de estu dar aos 14 anos, entre a quinta e a sexta série. Por conta da falta de alfabetização e de empregos, os adolescentes são obriga dos a procurar outras formas de sustento e, entre elas, está a vida infracional. A Região Sudeste é a que concentra a maior quantidade de adolescentes cum prindo medidas socioeducativas. São quase 30 mil. As regiões Sul, Nor deste, Centro-Oeste e Norte comple tam a lista. Na Região Sul, são cerca de 13 mil jovens. Entre as medidas socioeducativas, a liberdade as sistida é a mais aplicada. Nesta, o adolescente não precisa ficar re cluso, mas é acompanhado pela
PUCPR | REVISTA CDM | 31 Giancarlo Andreso
JORNALISMO
Antonio Luiz* diz que já matou, mas que se arrepende pelo crime.
Justiça. Cerca de 42% dos jovens em medida socioeducativas es tão nessa situação. A prestação de serviços à comunidade vem em segundo lugar, sendo aplicada a 24,5% dos adolescentes. Em terceiro lugar, a internação, aplicada a 15,5% dos adolescentes, seguida pela semiliberdade, com 10%.
A medida menos utilizada é a reparação de danos. Entretanto, os atos contra o patrimônio lideram a lista das infrações mais co metidas. Cerca de 62,5% dos adolescentes estão envolvidos com esses atos, sendo o roubo, (34,7%) e o furto (22%) as infrações mais recorrentes. Os crimes contra pessoas representam 13,6% dos atos infracionais.
Antonio Luiz* não é mais um adolescente, mas sabe bem como é viver sob a mira da Justiça. Com 25 anos, o rapaz já tem seis pas sagens pela polícia. Dessas, duas foram cometidas na adolescên cia: homicídio e destruição de patrimônio público. “Eu matei porque ele me humilhou demais.”, explica ele. Morador de rua há poucas semanas, Luiz se diz arrependido dos crimes que cometeu e que aprendeu na cela o valor da liberdade. “Eu matei, fui preso e vi como é bom estar solto, né? Todo dia peço perdão a Deus pelo que eu fiz. Hoje eu sei o quanto é bom estar limpo.”, afirma. O ex detento fala que depois que saiu da prisão não conseguiu emprego e, por falta de dinheiro, escolheu as ruas como lar. E, nas
Shaiene Ramão 32 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
vias públicas, vê a dificuldade enfrentada pelos adolescentes que escolheram a vida do crime. “Eu tinha uma casa, mas os piás hoje saem de casa pra fazer o que fazem. E a maioria deles é tudo pela mesma coisa, tudo por droga. É difícil, a gente vê um adolescente assim a toda hora e, o que eu posso falar? Também já fui assim.”, ressalta.
Aproximadamente 5% dos adolescentes que cumprem me didas em meio são mulheres. O que chama a atenção é que os atos infracionais mais cometidos pelas garotas são o Crime contra a Pessoa, como homicídio, aborto, lesão corporal e maus tratos, e os Crimes contra a Dignidade Sexual (antigo Crimes contra os Costumes), como atentado violento ao pudor, assédio sexual e corrupção de menores. As mulheres também “vencem” os ho mens nos delitos relacionados ao porte, uso e tráfico de drogas. Um estudo realizado em 2011 pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça revela também que faltam vagas no sistema de medidas socioeducativas. A maioria das unidades está superlotada. A pesquisa ainda mostra que quase 10% dessas casas registraram abuso sexual ou agressão física cometidas de adolescentes para adolescentes. Além disso, há registros da falta de atendimento jurídico, médico, dental e até psi cológico a esses jovens.
Apesar do caráter pedagógico das medidas, ainda é mui to alto o número de jovens que voltam à vida infracional depois de passarem por unidades de socioeducação. A falta de estrutura familiar, de alfabetização e de oportunidades fazem com que os números aumentem ano a ano. É importante ressaltar que a maio ria dos dados apresentados se refere apenas àqueles jovens que já estão cumprindo suas medidas. Ou seja, difícil é mensurar onde o caos é maior, se é dentro ou fora das unidades de cuidado. Os governos municipais, estaduais e o governo federal têm buscado alternativas para melhorar a situação destes jovens, como o aprimoramento do ECA e a ampliação da Defensoria Pública, mas não há como negar que ainda falta muito. Investi mentos na educação, na saúde e na segurança pública, por exem plo, poderiam evitar que milhares de crianças escolhessem a vida do crime como caminho a seguir. É dever da sociedade encarar esses dados como um problema de todos, para que as chances de se recuperar um adolescente da vida infracional e impedir que uma criança entre neste meio aumentem. É necessário que a so ciedade mude a forma como enxerga os jovens e, quebrar o pre conceito talvez seja um bom começo para a mudança.
* Os sobrenomes foram preservados.
Márcio Gabriel, de 11 anos ,e seu amigo Oscar, de 10, fugiram de casa para sustentar o vício e cometer crimes
Giancarlo Andreso
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A CUR i T ib A QUE CEGOS A n GO l A n OS
C O n SEGUEM E nx ERGAR
Ariane Priori, Bruna Habinoski, Cecília Moura e Nivia Kureke
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Nivia Kureke
Umavida de sensações, vivida de outro ponto de vista, porém muito feliz. É assim que Wilson Ganga Madei ra, 26 anos, define ser a existência de quem não “enxerga”. Sim, não enxerga entre aspas, pois o que os olhos não veem, o coração e outras partes do corpo sentem, e muito.
A história, a princípio, poderia parecer comum, uma das várias que existem na capital paranaense. Mas não: esta é dife rente desde sua origem. Um grupo composto por 11 angolanos aterrissou em Curitiba no ano de 2001. Com deficiência visual, eles vieram ao Brasil graças a um programa do governo da An gola, que tem como intuito uma melhor estrutura para o apren dizado destes.
O Instituto Paranaense de Cegos (IPC), referência nacio nal e internacional no tratamento de pessoas cegas ou com baixa visão, foi quem acolheu os angolanos, no primeiro momento. Dentro da instituição eles cumpriam com os objetivos da vinda para cá – aprender o braile e informática. O intercâmbio é a es perança para os que não veem de usufruir destes estudos para o crescimento pessoal e interação perante a sociedade.
Wilson Ganga Madeira afirma que em Curitiba há muito mais recursos, condição e estrutura, possibilitando que o cego faça o que quiser, porém nem tudo é perfeito. “Apesar do aparato todo, aqui o cego é mais dependente dos familiares, é um cego que se diminui por ser cego. São um pouco revoltados, mal humo rados e muito dependentes da família. Poderiam aproveitar mais a estrutura que têm aqui, estar na faculdade, por exemplo, mas eles não sabem fazer isso.” E finaliza, afirmando que os deficientes visuais da cidade estão muito acomodados na situação em que se encontram, sendo que poderiam fazer algo a mais para instruir as pessoas sobre esse mundo de quem não vê.
“Saber aproveitar as oportunidades”: este é o lema de Ganga Madeira. O estrangeiro faz faculdade de Psicologia, vai à academia, apresenta um programa de web rádio, faz cursos de
inglês e massoterapia, treina futebol e ainda reserva tempo para a diversão, indo a baladas, barzinhos, cinema, parques e teatro.
Mas antes de conseguir toda essa independência, alguns passos foram essenciais. Além dos aprendizados disponíveis no IPC, todos cumpridos com excelência, o grupo de angolanos pas sou pelo processo de alfabetização, em colégios estaduais e, aos poucos, foram se adaptando a capital. “O clima foi o que mais estranhei, aqui é muito frio. A alimentação, a língua, o jeito que falam o português, palavras que não conhecíamos, a cultura, os costumes. Mas com o passar do tempo acabamos gostando da ci dade, construindo amizades e nos acostumando cada vez mais.”
Rotina diária
Durante a semana, Wilson Madeira ocupa seus dias com ex ercícios e cursos.
8h - Wilson Madeira acorda.
9h - Vai para a academia
11h - Volta para casa e almoça
13h - Apresenta um programa na web rádio Universo Ceg uense
14h - Tem curso de Inglês terças e quintas e de Massoterapia quartas e sextas
18h30 - Vai à faculdade
No final de semana, como todo jovem, Madeira sempre sai para se divertir Aos sábados, às 10h, ele treina futebol e à noite costuma sair para baladas, cinemae peças de teatro. E “quando está calor, vou para o parque (...) levo uma vida normal, como qualquer outro”, conta Madeira.
Você sabia?
No futebol para cegos, é utilizada uma bola com guizos para que os deficientes visuais possam localizá-la. Além disso, durante a partida, nas laterais e linhas de fundo ficam algumas pessoas que enxergam para orientar os jogadores.
OCEANO ATLÂNTICO
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CidAdE MOdElO
TEM dEFiCiÊnCiAS
Priori
Bruna Habinoski
Cecília Moura
Nivia Kureke
Mesmo
com toda estrutura para os deficientes visuais, Cu ritiba ainda fica devendo em muitos pontos. O principal deles é a acessibilidade. “Poucas são as calçadas que estão em boas condições. Há árvores caídas, buracos, telefones públicos no meio do caminho”, afirma Ganga Madeira. E o colega, Prudêncio Jefferson Tumbika, de 23 anos, estudante de Jornalismo, complementa: “As calçadas têm buracos, as li-nhas táteis têm objetos interferindo, e em muitas ruas os bueiros estão abertos”.
E, em segundo lugar, os amigos classificam o preconceito como um grande fator negativo. “Ainda hoje, por falta de informação e co-nhecimento, acham que o cego é inútil, incapaz e fraco. Nós nos sentimos mal por isso, é uma discriminação. Um preconceito, não por maldade, mas porque falta informação sobre o cego. No ônibus as pessoas acham que nós precisamos sentar, mas não estamos com falta de saúde. Eles acham que o cego não tem capacidade de ficar em pé. Ele é cego, não é paralítico”, afirma Wilson Ganga Madeira, que cita mais um exemplo cotidiano: “Em bar-zinho, balada com os amigos, o garçom fala ‘Nossa você vai beber? Não, você não pode beber!’. Nós bebemos com a boca e não com o olho!”.
Ganga Madeira perdeu a visão com 4 anos, depois de uma explosão de granada. Não teve grandes dificuldades, pois não se lem bra. É como se tivesse nascido cego. O que sempre o chateou foi não conseguir estudar. “Lembro que sempre dizia para os meus pais que queria estudar, mas não podia porque era cego.” Já Prudêncio Jeffer son Tumbika perdeu a visão um pouco mais tarde, aos 7 anos. “Não foi difícil me adaptar por ser criança, graças a Deus eu fiquei cego nessa época. Se fosse adulto, eu teria mais dificuldade. Vejo pessoas que ficaram cegas depois de adultas, e grande parte delas entrou em depressão. Quando se é adulto, você já tem sua vida.”
Os amigos ainda deixam importantes lições, sobre a vida, dificuldades e vitórias. “Para mim, nunca foi difícil ser cego, não sei como seria se pudesse ver, não trocaria minha vida por outra para poder enxergar, o fato de ser cego me faz ser uma pessoa diferente, tem os lados ruins e os bons. Tenho os sentidos mais aguçados, imagino coisas por meio da voz. Essas habilidades que nós temos por ser cegos ajudam muito. Temos uma audição aguçada, olfato bom, eu sinto o cheiro de alguém ou de alguma coisa, e nunca mais esqueço”, diz Ganga Madeira.
Já Prudêncio Jefferson Tumbika reafirma que a vida de quem não vê é normal. “Temos dificuldades. Porém, tentamos ser igual a todos. Não nos entregamos às dificuldades. Todos os dias acordamos querendo vencer, é uma vida de sempre ir em busca de conquistas, provando para as pessoas que você é capaz, é uma provação sempre. Ir além do que as pessoas enxergam”, finaliza.
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“Não foi difícil me adaptar por ser criança. (...) Quando se é adulto, você já tem uma vida.”
Cegos comprovam dito popular: “Não há pior dificuldade que pouca vontade”.
Ariane
Melvin Quaresma
UR i T ib A CORRE CO n TRA O TEMPO
PARA ORGA niz AR C OPA d O M U nd O
de mobilidade urbana precisam ser concluídas até maio de 2014, a
Umjogo de Copa do Mundo envolve mais do que o estádio lotado e as seleções que disputam a par tida. Para que os torcedores cheguem ao campo e consigam fi car na cidade durante o evento, a cidade-sede precisa estar pre parada para receber um grande número de turistas, brasileiros e estrangeiros. Essa é a missão que Curitiba deve cumprir para realizar, pela segunda vez, o torneio em seus domínios.
A expectativa da Secretaria Especial para Assuntos da Copa do Mundo é de que cerca de 160 mil turistas estrangeiros e 500 mil brasileiros venham para a capital do Paraná durante os meses de junho e julho de 2014. Além da rede hoteleira, que precisa aumentar de 18 mil para 20 mil leitos até o ano que vem, Curitiba está investindo em obras de mobilidade urbana, com o objetivo de facilitar o trânsito de turistas e moradores. No entanto, apenas para fevereiro de 2014, a quatro meses do início da Copa, é que está prevista a conclusão de todas as obras. No rit mo atual, o poder público terá de se apressar muito para cumprir o prazo.
As principais obras de mobilidade urbana são financiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. São R$ 238 milhões para a reforma, ampliação e revitalização do trajeto en tre o Aeroporto Afonso Pena, em São José dos Pinhais, e a região central de Curitiba, onde se encontra a Arena da Baixada, o estádio que receberá os jogos. Na Avenida das Torres, principal ligação entre o aeroporto e o Centro, estão sendo feitos um viaduto, uma trincheira e um novo siste ma viário. Embora a trincheira esteja pronta desde outubro e o viaduto previsto para dezembro, o sistema ficará concluído apenas no mês de março de 2014. Até o momento, só 3% das obras estão concluídas.
Outra situação que chama atenção é a do terminal rodoferroviário. O cronograma prevê a conclusão da reforma para novembro deste ano, mas so mente 36% da obra está feita. Isso porque uma parte prevista inicialmente para ser reformada na verdade está sob tombamento histórico, e não pode ser al terada. O projeto alterado e reformado ainda está em processo de licitação.
Entre os trabalhos mais adiantados, estão os que estão sendo realizados na Avenida Marechal Floriano Peixoto, que funciona como um via secundária entre o aeroporto e Curitiba. A revitalização já atingiu 60%, e a reforma do viaduto que liga a capital e São José dos Pinhais, região metropolitana, começou em julho, com previsão para ser finalizado em maio de 2014, um mês antes do início da Copa. A obra mais adiantada é a do Sistema Integrado de Mobilidade (SIM),
que basicamente é a colocação de câmeras e painéis nas principais ruas da cidade, gerando um monitoramento mais preciso do trânsito. Segundo a engenheira Zelinda Rosario, os atrasos não terão in terferência na conclusão das obras, pois todas elas já estão encaminha das e com os prazos definidos. “É óbvio que, às vezes, ocorrem alguns atrasos. Houve a necessidade de fazer mudanças em certas licitações, mas agora todas já estão resolvidas e caminhando para o seu objetivo, que é a conclusão”. Rosario, que faz parte da da Secretaria Munici pal Extraordinária da Copa, cita ainda como exemplo uma empresa envolvida na obra da Linha Verde Sul, que também faz parte do PAC da Copa. “A empresa saiu fora, e teve de haver uma nova licitação”.
O S di AS d E JOGO
No dia 16 de junho de 2014, Curitiba voltará a receber um
C
Obras
um mês do início do torneio
Heron Torquato, João Pedro Alves, Marcio Kaviski, Marcos Garcia e Paulo Semicek
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CIDADES
jogo de Copa do Mundo, após 64 anos da partida entre Suécia x Paraguai, ocorrida no dia 28 de junho de 1950 e que terminou em empate: 2 a 2. Foi o último dos dois jogos realizados no Estádio Durival de Britto. Em 2014, será preciso subir a Rua Engenheiro Rebouças até o fim, para chegar à Arena da Baixada. Mas, dessa vez, os jogos da Copa exigirão uma operação maior e mais efici ente do poder público, para garantir total conforto e maior mobi lidade para os torcedores que irão aos jogos.
As obras do pacote principal do PAC, que envolvem as Avenidas Marechal e das Torres, rodoferroviária e a Linha Verde Sul, já estavam planejadas antes da escolha de Curitiba como cidade-sede, informa a Secretaria Municipal da Copa. Elas terão papel fundamental na tentativa de facilitar a mobilidade aos turis
tas que virão para os jogos.
O visitante que sair do aeroporto deverá ter a Avenida das Torres como ligação, mas também a Marechal Floriano. Quem vier de ônibus, tem a vantagem de descer já no Centro de Curitiba, na rodoferroviária. Por fim, quem chegar de carro pelas estradas, terá dificuldades, dependendo de onde estiver vindo. Embora a BR-277 esteja em boas condições no sentido do litoral paranaense e duplica da na altura do município de Campo Largo, região metropolitana de Curitiba, a BR-116 ainda tem trechos perigosos, próximos à capital, tanto para quem vem de Santa Catarina quanto para quem chega de São Paulo.
Quando o turista desembarcar em Curitiba, certamente irá até o seu hotel. O especialista em gestão urbana da PUCPR Fábio Duarte ressalta que o fato de boa parte da rede hoteleira estar no Centro facilitará o trânsito de carros e pessoas. “Como a maioria dos hotéis está próxima do estádio, não é um grande problema, desde que os torce dores consigam chegar do aeroporto ao hotel. Uma vez que quase todos os hotéis estão a menos de três km do estádio, não haverá tanta demanda de transporte público para os jogos”. No entanto, Duarte alerta sobre o deslocamento de quem não estiver tão próximo da Are na. “O corredor viário para o aeroporto, por exemplo. Como o que fizeram foi exclusivamente acrescentar uma pista, e não melhorar o transporte público, poderá haver congestionamentos constantes”. O Comitê Gestor da Copa em Curitiba prevê que 70% dos torcedores cheguem de ônibus ao estádio, e somente 30% a pé.
F ER i A d O PO d E ME l HORAR O TR ân S i TO
Uma das possíveis soluções para diminuir o trânsito durante os dias de jogo da Copa está em discussão na Câmara de Vereadores da ci dade. Um projeto de lei tramita na Comissão Especial da Copa, presidida pelo vereador Paulo Rink (PPS). A ideia é que seja decretado feriado na cidade nos dias de jogo. A proposta gerou polêmica: de um lado, os comerciantes reclamam que perderão dinheiro sem os dias úteis, trans formados em folga. Do outro lado, estãos as secretarias municipais da Copa e do Trânsito (Setran), que teriam o seu trabalho de gerenciar o
Heron Torqquato JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 39
Heron Torqquato
Entre o Aeroporto Internacional Afonso Pena e o Centro de Curitiba, praticamente todos os caminhos estão passando por reforma.
tráfego para o jogo, sem a movimentação cotidiana de um dia útil. A engenheira da Prefeitura de Curitiba Zelinda Rosario defende o feriado: “A diferença entre ser e não ser feriado é grande. Hoje, temos uma folga de capacidade do transporte público de 5 mil pessoas. Caso seja um dia útil, o sistema não vai absorver tanta gente. Com o feriado, é possível absorver todo o número de turistas e torcedores que virão à cidade. Além
da mobilidade urbana ficar mais fácil, com menos carros na rua”.
A decisão sobre a aprovação ou não do projeto de lei ficou para dezembro, após o sorteio dos grupos da Copa do Mundo. O evento vai definir quais seleções virão a Curitiba. A capital vai receber quatro jo gos durante o torneio.
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Heron Torquato
Se forem aprovados pelos vereadores, feriados nos dias de jogos podem facilitar o trânsito na capital durante a Copa. Decisão sairá em dezembro.
Caso Arena esteja lotada em todos os quatro jogos, o público total será aproximadamente 172 mil; cerca de 950% a mais do que na Vila Capanema, em 1950.
Heron Torquato
Comparativo entre as Copas do Mundo recebidas por Curitiba 1950 e 2014
com os 64 anos de distância, mundiais apresentaM uma série de mudanças
COPA DO MUNDO DE 1950 | ESTÁDIO DURIVAL BRITTO E SILVA
Em 1950, havia três categorias de ingressos para os jogos na Vila:
Cadeira coberta: Cr$ 120
Arquibancada: Cr$ 40
Geral: Cr$ 20
A arrecadação dos dois jogos em Curitiba foi de Cr$ 700 mil, inferior à meta de Cr$ 1 milhão acordada com a Fifa. Os Cr$ 300 mil restantes foram pagos pelo governo do estado
A população curitibana na Copa de 1950 era estimada em 180 mil pessoas, enquanto a do Brasil era de quase 52 milhões
Curitiba foi uma das seis sub-sedes daquela Copa, e recebeu duas das 22 partidas disputadas:
ESPANHA
EUA SUÉCIA PARAGUAI 3 x 1 2 x 2
COPA DO MUNDO DE 2014 | ESTÁDIO JOAQUIM AMÉRICO GUIMARÃES
Em 2014, haverá quatro categorias de ingressos para os jogos na Arena:
Categoria 1: R$ 350 Categoria 2: R$ 270 Categoria 3: R$ 180 Categoria 4: R$ 60
A população atual de Curitiba é estimada em 1 milhão e 800 mil pessoas. A do Brasil gira em torno de 191 milhões, também de acordo com o Censo 2010
Uma das 12 sub-sedes, Curitiba receberá quatro jogos da primeira fase da Copa. Os confrontos serão definidos em sorteio no dia 6 de dezembro na Costa do Sauípe, Bahia
A Espanha, atual campeã do mundo,ainda não sabe onde jogará. Mas ja escolheu o CT do Caju (Centro de Treinamentodo CAP) como sua “casa” durante o mundial de 2014
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 41
PREFEiTURA SE PREPARA PARA CURiTibA MAiS “ vElHA”
De acordo com os cálculos do IBGE, o número de brasileiros vai crescer até 2042, a partir de quando o número de óbitos superará o de nascimentos.
Caio Rocha e Ruth Borsuk
Oenvelhecimento é um processo natural do ser humano. Todos nós passaremos por essa fase durante a vida. Com o avanço da tecnologia e as descobertas da Medicina, a ex pectativa de vida do ser humano está maior e, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo de 2010, a população brasileira na faixa etária acima de 60 anos deve passar de 14,9 milhões (7,4% do total), em 2013, para 58,4 milhões (26,7% do total), em 2060. A expectativa de vida das mulheres ainda será superior: 84,4 anos contra 78,03 dos homens.
A queda no número médio de filhos por mulher terá um impacto negativo sobre o crescimento da população brasileira e, somada com a redução da taxa de fecundidade, isso indica que o Brasil será mais “velho” daqui a alguns anos. Se o país vai qua druplicar o número de idosos no futuro, como a capital paranaense vai lidar com essa população?
Alguns programas estão funcionando para atender esse público. As academias ao ar livre, por exemplo, são aparelhos instalados nos pontos estratégicos da cidade, que promovem a saúde, estimulando a prática de exercícios. Além disso, a Secretaria Municipal de Esporte, Lazer e Juventude (Smelj) desen volve o Programa Idoso em Movimento, que tem praticamente o mesmo objetivo: 138 turmas são destinadas à terceira idade com
aulas de ginástica, hidroginástica, alongamentos, caminhadas e dança - modalidades adaptadas às características e necessidades desta faixa etária.
Sônia Ferrarini, representante da Fundação de Ação Social (FAS), vinculada à prefeitura de Curitiba, afirmou que a governo municipal tem vários projetos em benefício do idoso, inclusive casas de recolhimento, que são chamadas de instituições de longa permanência, para aquele idoso que vive em situações de negligência ou abandono. A instituição, em parceria com a Fundação Cultural de Curitiba, elabora reuniões com grupos de convivência que permitem o exercício da imaginação, memória, fantasia e no vos olhares sobre o mundo a partir da leitura.
Embora existam programas específicos para os idosos, muitos não têm conhecimento nem acesso. José Carlos é mora dor de rua e disse que vive assim pelos desentendimentos com os familiares. Ele relata que já foi procurar ajuda, mas que prefere dormir no chão do que encarar seu parentes de novo. “Fui lá na fundação uma vez, mas prefiro ficar sozinho na minha, vou lá só pra ter onde dormir quando chove muito”. O senhor de 65 anos não tem objetivo aparente e vaga pelas ruas, catando lixos e rece bendo caridade das pessoas que se comovem com sua situação. “É difícil, já apanhei muito só por estar deitado no chão. Não desejo isso pra ninguém, mas eu sei o que estou fazendo”.
Divulgação/Prefeitura Municipal de Curitiba
42 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
Programa da prefeitura de Curitiba incentiva os idosos a praticarem exercícios físicos.
CIDADES
Alguns idosos desistem, outros continuam batalhando e, apesar das dificuldades financeiras enfrentadas na idade mais avançada, seguem trabalhando ou voltam à ativa. É o caso do empresário Wilson Mulinari, de 74 anos, que apesar da aposen tadoria, em 1992, continua trabalhando para garantir uma vida melhor. “Eu pagava 15 salários mínimos para o governo antes de me aposentar, agora recebo um salário e meio. Gosto de trabalhar. Se eu não trabalhar, como vou me manter ?”. Seu Wilson, como é apelidado carinhosamente pelos amigos, afirma ter um estilo de vida saudável e ativo. Ele representa um perfil do idoso que surge no Brasil. Esse idoso não é mais o provedor da família, se tornou independente e mora sozinho. Trabalha ou consegue se manter sem a ajuda de terceiros e está mais moderno, utilizando as inovações tecnológicas a seu favor. Em Curitiba, a constru tora Tomasi, pensando nesse novo perfil, fez um projeto de flats. Nesses espaços destinados especificamente para os idosos, eles podem usufruir de serviços de lavanderia, médicos e lazer. Além disso, os moradores têm contato direto com os zeladores em casos de emergência.
Nem sempre estar mais velho pode ser prazeroso. Muitos ainda sofrem com problemas emocionais. A depressão, por exemplo, é um estado comum entre os idosos. Segundo a psicóloga Aparecida Mariza Abud, isso pode gerar vários sintomas. “A depressão retira o ânimo, as possibilidades de desfrute dos prazeres da vida e é acompanhada de um estado de apatia e tristeza contínua. Além desses sintomas, é muito comum a invasão de pensamentos negativos, como ideias de culpa, de inutilidade e de desesperança e, nos casos mais graves, podem ocorrer dese
não pode ser sinônimo de depressão.” - Aparecida Abud, psicóloga
jos suicidas.” Entretanto, para a especialista, a velhice não pode ser sinônimo de depressão. “Acredito que os responsáveis ou a comunidade devem buscar ajuda especializada ao perceberem um idoso muito quieto. Há equipes multidisciplinares nos seg mentos tanto público como particular, que realizam trabalhos de diagnósticos e intervenções no sentido de propiciar aos idosos maior qualidade de vida e prazer nesta etapa da vida” Envelhecer será inevitável para todos, porém, para que esse processo seja mais digno e saudável, dois problemas pre cisam ser resolvidos. O primeiro é a negação desse fenômeno natural, que pode ser revertido pelo conhecimento e apoio familiar. O segundo são as iniciativas públicas . Os hospitais devem estar em melhores condições de funcionamento somado com a criação e divulgação de programas efetivos que busquem a inte ração e atividade física e emocional podem se tornar ferramen tas fundamentais para que o envelhecimento não seja tão temido e que os idosos não caiam no esquecimento.
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“Velhice
SERVIÇOS ESPECIALIZADOS PARA A PESSOA IDOSA, OFERECIDOS PELA FAS: Instituições de longa permanência - serviços conveniados para atendimento integral à pessoa idosa, que visam à promoção e proteção social, manutenção da saúde física e emocional, cui dados pessoais e o convívio sociofamiliar. > Casa de Repouso Recanto Feliz > Lar dos Idosos Recanto do Tarumã > Lar Iracy Dantas de Andrade > Asilo São Vicente de Paulo > Centro POP Resgate Social > Centro POP João Dorvalino Borba > Confederação Evangélica da Assistência Social > Casa dos Pobres São João Batista > Casa da Acolhida e do Regresso
Divulgação/Prefeitura Municipal de Curitiba
Práticas esportivas trazem benefícios a saúde.
TA xiSTA: PROFiSSãO PERiGO
Todas as noites, pelo menos dois motoristas de táxi são assaltados em Curitiba e Região Metropolitana
Aline Valkiu
Há 16 anos na profissão, o taxista Luís Giovane Ribeiro sofreu três assaltos. Em uma dessas ocasiões, um homem que aguardava o carro em frente a uma delegacia no bair ro Boqueirão, estava desesperado. Dizia que sua mãe estava pas sando mal e precisava ir para casa. No caminho o passageiro pe diu que Ribeiro entrasse em uma rua para buscá-la, mas tudo era parte de uma mentira. A história foi apenas um artifício para que Ribeiro não desconfiasse de um assalto. Logo o ladrão mostrou a arma e pediu todo o dinheiro. Como era madrugada e a jornada de
trabalho estava apenas começando, o trabalhador tinha apenas R$ 36, suficiente para ser levado pelo assaltante.
Histórias como essa se repetem todas as noites. Pelo menos dois taxistas são assaltados durante cada madrugada na capital paranaense. Esse número parece pequeno comparado aos mais de 1.550 trabalhadores que rodam noite adentro. Multiplicadas pelo número de dias do mês, essas ocorrências chegam a 60. Em um ano, esses dados podem somar mais de 730 assaltos.
De acordo com o Sindicato dos Taxistas do Paraná (Sindi
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Aline Valkiu
C id A d ES CIDADES
Mais de 2.500 taxistas trabalham em Curitiba e região metropolitana e muitos correm o risco de serem assaltados de dia e à noite.
taxi-PR), mais de 2.500 taxistas trabalham em Curitiba e região metropolitana, desse número, 70% exercem a função no período noturno, horário quando há maior número de ocorrências.
Não há uma estimativa de quantos taxistas já foram assal tados, pois na maioria dos casos, os motoristas não chegam a ir às delegacias para fazer o boletim de ocorrência. Segundo o repre sentante do Sinditaxi-PR, Heins Schade, os crimes normalmente acontecem à noite e são praticados na sua grande maioria por usuários de drogas. “Eles sabem que o taxista tem dinheiro, mui tas vezes pouco, mas que é o suficiente para comprar droga”, diz.
Schade explica ainda que a única segurança que esses tra balhadores possuem, são os próprios colegas. Ao sofrer um as salto, o motorista se comunica com os outros taxistas e também a central; os que estão próximos ao local começam a procurar o assaltante. “Eles não classificam os passageiros, mesmo com desconfiança aceitam a corrida, e quando chegam ao destino, são surpreendidos com voz de assalto”.
Odney Gonçalves, de 79 anos, trabalha como taxista há 35. Ele conta que foi assaltado seis vezes, na maioria das vezes, por homens entre 18 e 30 anos, de boa aparência. Uma das ocasiões em que Gonçalves passou por essa situação, o passageiro subiu no táxi no bairro Juvevê e pediu que o levasse até a região do Ca bral. Chegando ao local, o rapaz o assaltou e fugiu. Em seguida o motorista comunicou a central pelo rádio, dando código de as salto, assim foi possível passar a informação para outros taxistas e também à polícia, que chegaram juntos ao local e conseguiram prender o assaltante. Naquela noite, Gonçalves teve sorte e con seguiu recuperar o dinheiro.
Mas nem sempre tudo acaba bem. Em outro episódio vivido por Gonçalves, um homem entrou no táxi puxou conversa e, chegando ao local, ameaçou o trabalhador com uma faca e arran cou o rádio para o taxista não pedisse socorro. O motorista tentou reagir, prendendo uma das mãos do ladrão, mas não resolveu o problema. O criminoso pegou a carteira e outros objetos de valor e, não se dando por satisfeito, ameaçou o motorista de morte: o condutor do veículo pediu ao ladrão que não o matasse: “Não faça isso rapaz, você já pegou tudo que eu tinha, não precisa me matar”. O assaltante então fugiu, levando dinheiro e os documen tos pessoais.
Ele ainda fala com tristeza sobre a morte de um amigo, cujo nome preferiu omitir, que ocorreu há pouco tempo. O as sassino que estava no centro de Curitiba, pediu que o levasse até o Bairro Alto. Chegando ao destino, roubou do motorista R$ 40 e o matou com um tiro na cabeça. O trabalhador tinha cinco filhos. “Somos uma classe desfavorecida em relação à segurança, a única coisa que recebemos são cobranças por parte de políticas públicas como, por exemplo, a URBS e guardas de trânsito”, relata.
Arnaldo Lima Pinto tem 67 anos e 30 anos de profissão como taxista. Ele relata que, em uma das quatro vezes que foi assaltado, levou um tiro. Ao atender um chamado da central de taxistas, Lima Pinto não esperava passar pelos minutos mais ten sos de sua vida. Um casal que aguardava o táxi estava planejando um assalto. Ele sem imaginar, no fim do percurso foi surpreendi do com um revólver na cabeça. Sob ameaça, o trabalhador reagiu e levou um tiro no braço. Com o susto, o casal fugiu e não levou nada. “Reagi, pois teria sido pior, eles já estavam decididos a me matar”, explica a vítima.
Lima Pinto ainda explica que muitos levam uma mul her para que não haja desconfiança. Mas, depois de ter passado por momentos difíceis, ele procura ter muito cuidado com pas sageiros, principalmente no período da noite. Durante a madru gada ao estar no ponto de táxi, procura ficar pelo lado de fora do carro, evitando levar pessoas que sejam suspeitas. “Infelizmente, não temos segurança, ao sair de casa sempre peço a Deus que me proteja e também aos meus colegas”, revela.
Segundo o major Dorian Cavalheiro, da Polícia Militar, são feitas, periodicamente, operações onde se pede que os taxistas pa rem para que seja feita a revista. Porém, muitos reclamam que estão sendo prejudicados, pois os clientes acabam não gostando por atrasar o tempo da corrida. “Sempre paramos os táxis, porque muitas vezes quem está conduzindo o veículo é o ladrão”, explica o policial.
Cavalheiro comenta que a falta de boletins de ocorrências registrados pelos taxistas dificulta o trabalho da polícia, pois para que se tenha um mapa de crimes contra os trabalhadores, é pre ciso conhecer os principais locais de assalto e as situações mais frequentes, dados que podem ser armazenados no banco de dados da PM e que facilitariam a realização de operações nas regiões de maior incidência desse tipo de crime. “O boletim de ocorrência é uma ferramenta importante, pois a partir dela podemos chegar ao local certo, sem ter que trabalhar de maneira aleatória atrapalhando os taxistas e também os usuários de táxi.”
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Aline Valkiu
O taxista Arnaldo Lima Pinto levou um tiro durante um assalto.
POLÍTICA
ÍT 46 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
Imagine ter uma informação que pode influenciar a reali dade a sua volta. Algo capaz de revelar atos ilícitos do poder público e mudar a situação de milhões de pessoas. Após pesquisar, apurar, dissecar determinado assunto, chega-se à conclusão de que divulgá-lo é um dever. Entretanto, não é possível expor essa infor mação: ela não é do interesse de quem está no poder. Quem tentou ir contra a decisão, foi preso ou desapareceu. Sem ter o que divul gar, e até como forma de protesto, uma receita de bolo agora ocu pa o espaço de uma reportagem de denúncia na capa de um jornal.
Em 1985, a ditadura militar chegou ao fim no Brasil e, teorica mente, também a censura estaria dando seus últimos suspiros. Será? Apesar de não serem registrados mais casos de extrema violência como durante a ditadura militar, segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), de março a agosto de 2013, foram registrados sete casos de censura judicial – em que um juiz proíbe a veiculação ou ordena a retirada de determinadas matérias, re portagens ou fotos de meios de comunicação. Grandes jornais como Folha de S. Paulo, O Estado de São Paulo e Zero Hora (e toda a rede RBS), e até blogs, como o do jornalista Ricardo Noblat, já foram acionados pela Justiça por conta da veiculação de matérias envolvendo políticos ou seus familiares. No Paraná, o caso de maior repercussão foi o da Gazeta do Povo, proibida de publicar reportagens sobre o agora ex-presidente do Tribu nal de Justiça do estado, o desembargador Clayton Camargo.
“Talvez, hoje, a censura não seja tão explicita quan to foi no período da ditadura militar. Mas ela também pode se dar por outros meios”, diz Pedro Carrano, integrante da di retoria do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Paraná (Sindijor). Segundo ele, a “judicialização da comunicação” é algo que afeta não somente os grandes veículos, mas tam bém os de menor circulação e os virtuais, que são administra dos de forma alternativa com baixos recursos e muitas vezes recebem processos judiciais com valores muito acima de seu or çamento: entre R$ 30 mil ou R$50 mil. “Nós temos inúmeros blogueiros, comunicadores e jornalistas locais que hoje sofrem processo por terem veiculado determinada notícia”, diz Carrano.
PO l ÍT iCA
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De março a agosto de 2013, foram registrados sete casos de censura judicial contra a imprensa brasileira.
“Nós do sindicato vimos [o caso] como um ataque ao trabalho dos profissionais que pesquisaram e que fizeram sua reportagem.“ - Pedro Carrano, integrante da diretoria do Sindijor.
A jornalista Flávia Delgado acredita que os meios de comunicação independentes da internet, especialmente os da América Latina, se destacam por informarem assuntos que não são explorados pelos grande veículos.
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Ailton Nunes
Ailton Nunes
No caso da Gazeta do Povo, o sindicato abriu espaço para envio de informações sobre as denúncias contra Camargo e divulgou as matérias censuradas em seu site e redes sociais –mesmo sob o risco de serem multados – no fim de agosto, re comendando aos profissionais que compartilhassem essas infor mações para evitar que uma nova censura ocorresse. “Nós do sindicato vimos [o caso] como um ataque ao trabalho dos profis sionais que pesquisaram e que fizeram sua reportagem [...], que fizeram seu trabalho e não puderam divulgá-lo”, afirma Carrano.
Mas a censura aos meios de comunicação não se restringe ao campo judiciário. O jornalista ainda cita outros dois tipos. Um deles é a mercadológica, quando os interesses empresariais influenciam na escolha e divulgação de determi nados conteúdos, evitando a publicação de matérias que tra gam algum impacto negativo às suas relações comerciais. Outro é o político, quando ocupantes desses cargos possuem poder ou até controlam os veículos de comunicação de sua região.
Para a professora de Jornalismo da Faculdade do Povo (FAPSP) Flávia Delgado, que como profissional enfrentou censura nos veículos em que trabalhou no fim dos anos 90, esse problema ocorre de forma mais velada atualmente do que na época da ditadu ra militar. Ela acredita que os meios de comunicação independen tes da internet, especialmente os da América Latina, se destacam por informarem assuntos que não são explorados pelos grandes veículos, mas que têm credibilidade por terem em sua equipe jor nalistas que trabalharam na imprensa tradicional. Entre os meios digitais citados pela professora estão o Animal Político, do Méxi co, La Silla Vacia, da Colômbia, e o El Puercoespín, da Argentina.
Há ainda casos de censura mais graves, nos quais não há limites para se impedir que determinada informação seja pública. Duas organizações internacionais, Comitê para a Proteção de Jor nalistas (The Committee to Protect Journalists – CPJ) e a Press Emblem Campaign (PEC) apontam que o Brasil está no 4.º lugar em assassinatos de jornalistas neste ano, ficando atrás somente de países em situação de guerra civil ou com histórico de terrorismo. Para o PEC, de janeiro a junho, 56 jornalistas foram mortos, prin cipalmente no Paquistão (com dez óbitos), Síria (8) e Somália (5); enquanto para o CPJ, são 37 profissionais mortos com motivos confirmados, sendo em primeiro lugar a Síria (com 17), seguido pelo Egito (6), e em terceiro o Paquistão (4). A classificação da organização ainda indica onde esses profissionais atuavam: em coberturas de política, guerra, direitos humanos, crime, corrup ção, cultura e negócios. A maioria em áreas onde o poder de uma informação pode ser considerado algo mais importante do que a própria vida humana.
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“CEnSURA é inTERRUPçãO
Após maior jornal do Paraná viver censura, diretora de redação da Gazeta do Povo discute sobre o tema.
Helena Salgado e Samara Macedo
Em um mundo democrático, onde se prega a liberdade de expressão, torna-se contraditório proibir esse direito por meio de uma decisão judicial. No entanto, há pouco tempo provou-se que ainda existe censura, mesmo que disfarçada, volta da aos veículos de comunicação.
Em julho deste ano, o hoje ex-presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, o desembargador Clayton Camargo, entrou com um pedido de proibição de veiculação de quaisquer infor mações sobre as investigações das quais é alvo, entre elas, a de possível tráfico de influência em favor de seu filho, o ex-deputa do estadual Fábio Camargo (PTB), empossado desde julho como conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. O pedi do formalmente expedido obrigou, na época, o jornal Gazeta do Povo a se privar de publicar matérias jornalísticas que atingissem “a honra, a boa fama e a respeitabilidade” de Clayton.
Após a Gazeta apresentar reclamação sobre o caso ao Su premo Tribunal Federal (STF), além da repercussão do assunto nos grandes jornais do país, o político desistiu da ação que ge rou a censura ao diário paranaense. Esta, e outras denúncias, nas quais Camargo encontra-se envolvido, ainda tramitam na Justiça brasileira.
Com exclusividade, a jornalista Maria Sandra Gonçalves, que atua na profissão há mais de 20 anos e já passou por jornais como a Folha de S. Paulo e, atualmente, ocupa o cargo de direto ra de redação do jornal Gazeta do Povo, conversou com a CDM sobre o caso e a censura à imprensa que os meios de comunicação têm sofrido em pleno século XXI.
Como definir censura na comunicação em tempos de acesso virtual incontrolável?
A censura é sempre uma interrupção entre a produção de informa ção de interesse comum e o público que merece essa notícia de interesse. Apesar de a informação ser fartamente encontrada nos meios digitais, quando recebemos uma ordem judicial, como tem sido nos casos mais visados ultimamente nos jornais brasileiros, ela é ainda mais perversa, porque possui aval legal.
Qual a tendência para o futuro do jornalismo?
Como as informações são muito anônimas, ou fakes, é muito fácil você postar algo sem a devida checagem. O papel do jornalista e das empresas de comunicação, ganha cada vez mais importância porque ele provê informações checadas, cruzadas e confiáveis, o que ganha ainda mais valor em um mundo em que qualquer pes soa pode publicar informação.
você acredita em uma forma de controlar essas informações anônimas?
A comunicação social, que é feita com foco no interesse publico, precisa ainda mais de liberdade. Prefiro conviver com excessos de grupos anônimos, do que sofrer com mecanismo de censura pré via que pressupõe o bloqueio ao interesse da sociedade. Afinal de contas, a comunicação não é uma prerrogativa só dos jornalistas, e sim do ser humano.
”
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“ O governo não esconde de ninguém o seu desejo de criar formas de controle social da mídia.”
- Maria Sandra Gonçalves, diretora de redação da Gazeta do Povo
Helena Salgado
POLÍTICA
que o assunto chegue à instância máxima da Justiça brasileira (...), não para solucionar apenas
evitar casos futuros.”
A liberação irrestrita na comunicação pode favorecer a manipulação da verdade?
Eu acho que a manipulação da verdade sempre existiu. Ela é fru to da falta de escrúpulos, que não é uma invenção dos tempos modernos. O que acontece é que com mais acesso a informação, a manipulação foi ampliada. Acredito que o principal meio para combater é educar as pessoas e mostrar o valor que a informação bem checada e bem apurada possui. Os veículos que são realmen te sérios, e que trabalham verdadeiramente em parceria com o seu público, saberão orientá-los.
Como separar o politicamente correto de uma censura evidente?
Em termos de controle social da mídia é efetivamente censura quando se parte de um ente externo, judicial. Um exemplo é o que a Gazeta do Povo sofreu recentemente por parte do Tribunal de Justiça do Paraná. Quando sou eu quem decide se a informação não está em linha com o interesse da sociedade, ou com as nossas metas editoriais, usamos critérios para balizar o que publicamos ou não. Isso é saudável e parte do que é o jornalismo. Você não pode noticiar qualquer coisa. Existem situações em que temos que ter coragem de contrariar o politicamente correto, e a maior parte, para não vivermos uma ditadura da maioria.
Como classificar a conduta jornalística de omitir fatos para evitar danos à reputação de terceiros ou mesmo do próprio veículo de comuni cação?
Não existe uma fórmula pronta. Não é porque alguém é filho de algum deputado corrupto que pode ser condenado. Nosso papel é cuidar do bem público. Não estamos aqui para arrasar a moral de ninguém!
As atitudes são eternizadas, mas as pessoas são recuperáveis. Pode parecer difícil, mas não é tanto quando você tem os seus valores refinados com a linha editorial do jornal.
O fato de não noticiar algo que fere a ideologia do veículo pode ser encarado pelo leitor como censura?
O leitor pode até chamar de censura, mas não é. Se a decisão
for partilhada aqui na redação, não é censura, é escolha editorial. Quem assina o jornal geralmente conhece a linha que ele segue. Não que o jornal não irá cobrir a visão oposta à sua. Pluralidade é um principio que devemos seguir, mas editorialmente vamos apontar todos os motivos porque defendemos um determinado ponto de vista.
no recente caso envolvendo o presidente do TJ, foi publicado que a Gazeta do Povo ficou impedida de comunicar aos leitores a existên cia da censura. Como o leitor pode perceber quando a informação está sendo restringida?
Existe sim um risco grande de que o leitor não perceba, mas há a tendência de que ele seja muito solidário e, graças a Deus, não muito afeito à ideia de censura.
Naquele momento não podíamos falar, e decisão judicial não se discute, se cumpre. Neste caso, em particular, outros veículos deram visibilidade à questão. A partir do momento em que foi permitido voltar a falar sobre o assunto, sentimos total apoio do nosso público.
Pode-se dizer que no brasil, atualmente, existe uma censura?
O governo não esconde de ninguém o seu desejo de criar um me canismo de controle social da mídia. Felizmente, esses projetos não prosperaram. Estamos sempre alertas, porque eles podem tramitar. A via judicial tem sido um caminho que os defensores da censura recorrem para calar os veículos de comunicação. Vi vemos esta situação, um jornal de Pernambuco sofreu algo muito semelhante a nossa, mas partindo de um deputado, e o jornal O Estado de S. Paulo está, há anos, com uma censura envolvendo o filho do senador Jose Sarney, que nem faz mais sentido, pois a operação já acabou.
Qual o posicionamento da Gazeta do Povo frente à censura ocorrida?
Nos sentimos revoltados. Ficamos muito felizes que a censura tenha caído. Ele [Clayton Camargo] entrou com um pedido e ire mos levar até o fim. Queremos que o assunto chegue à instância máxima da Justiça brasileira, que é o Supremo Tribunal Federal, não para solucionar apenas o nosso caso, mas sim para evitar ca sos futuros. Na prática, o censor acabou colocando mais luz sobre o assunto do que havia de início e os leitores acabaram sendo atraídos pelo tema. Com base em provas e evidências publicamos algumas ma térias. Não por ser uma campanha persecutória contra a pessoa do ex-presidente do TJ, mas porque entendemos que o órgão má ximo da Justiça do Paraná precisa ter visão compatível com um
“Queremos
o nosso caso, mas sim para
ECONOMIA
QUAndO O dESEJO dE
COMPRAR viRA dOEnç A
O consumo exagerado pode ser uma forma de suprir carências, que resulta em endividamentos desnecessários
O consumidor da sociedade contemporânea é seduzido pela grande oferta de produtos, marcas e serviços presentes no mercado.
Oato de adquirir produtos e serviços que sejam necessários para a sobrevivência é uma das definições de consumismo. No entanto, na sociedade contemporânea, quando os gastos se voltam para produtos sem controle e necessidade, e comprar se torna um ato compulsivo, desvinculado de uma real necessidade, torna-se motivo para preocupação. “Hoje, vivemos em um tempo que você é o que você tem. O apelo pelo consumo é muito grande. Infelizmente, na sociedade contemporânea, o ter é mais impor tante do que o ser”, explica Leonardo F. de Araujo, psicólogo e psicoterapeuta.
Como uma forma de suprir a baixa autoestima ou manifesta ção de vaidade exagerada, o comportamento consumista mostra sinais importantes, que indicam o desenvolvimento de uma doen
ça cada vez mais presente nos indivíduos. “O endividamento, acúmulo de itens desnecessários e a necessidade incontrolável de ir às compras são os sinais mais relevantes que apontam o exagero”, afirma o psicólogo.
O acesso fácil ao cartão de crédito e os grandes estímulos para consumir de maneira exagerada fizeram com que a auxiliar odon tológica Sandra de Souza se endividasse. “Eu não tinha cartão de crédito e, de repente, eu estava usando três. Comecei a usá-los todos de uma vez, sem ter o dinheiro para pagar e, dessa forma, pagava apenas o valor mínimo das faturas. Só que essa situação vira uma bola de neve, e chegou um momento em que eu não conseguia pagar mais nenhum cartão”, desabafa.
Após ficar com o nome sujo no Serasa por três meses, Sandra
Ariane Priori, Bianca Santos, Bruna Habinoski, Cecília Moura e Nivia Kureke
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BIANCA SANTOS
conta que agora sabe se controlar. “Foi um aprendizado tão grande, que depois disso aprendi até a guardar dinheiro. De consumista obsessiva, hoje me considero uma pessoa muito controlada nos meus gastos”, ressalta.
Para a assistente social Emiliana Gomes, a solidão é um dos fatores que a levam a consumir. “Sempre acho que estou precisando de algo novo. Mas compro por vai dade também e para compensar a solidão. Além disso, por ser solteira e não ter outros gastos acabo gastando tudo o que ganho”, diz.
Diante de um mercado que oferece uma diversidade de produtos, com liquidações e promoções relâm pagos, como a sociedade pode evitar esse consumo desenfreado? Se gundo o psicólogo Leonardo F. de Araujo, uma medida mais imediata é tentar se livrar dos cartões de crédito e do cheque especial. Outra alternativa é evitar ir a lojas e a shoppings, pois nesses lugares o apelo do consumo é muito grande. E, sem dúvida, o essencial é buscar a ajuda de um psicoterapeuta para desabafar e iniciar um trata mento”, recomenda.
POdER dO MARKETinG
O indivíduo é fortemente induzido pelos meios de comunicação. “As propagandas influenciam di retamente os consumidores por meio de apelos emocionais e de informação. O conjunto de elementos comunicacionais (música, fotografia, pessoa) forma estímulos que vão de encontro aos desejos latentes do consumidor e, assim, acaba tendo impacto nas tomadas de decisões em relação ao consumo”, explica o professor de Marketing da PUCPR Elder Semprebom.
Para a servidora pública Rayana Domingos, a publicidade tem um efeito significativo nas suas compras. “As propagandas criam novas ne cessidades nas pessoas. Elas fazem a gente acredi tar que realmente está precisando daquilo que elas estão vendendo, e, por isso, acabamos consumindo”, diz.
Todos os indivíduos são estimulados pela publicidade envolvida em torno dos mais diversos produtos, porém, o pú blico jovem, segundo Semprebom, é o mais afetado. “Os jovens são os protagonistas das mudanças sociais e culturais e, desde sempre, também foram alvos da publicidade.”
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“vivemos em um tempo que você é o que você tem. O apelo pelo consumo é muito grande. infelizmente, na sociedade contemporânea, o ter é mais importante do que o ser”Leonardo de Araújo, psicólogo
ObSOlETO AMAnHã
Oconsumo exagerado dos tempos modernos acaba por se transformar em um ciclo: o que é comprado hoje se torna lixo amanhã para dar espaço a outro produto. Nesse processo, o meio ambiente é que sofre as maiores consequências, já que grandes quantidades de resíduos são destinados a locais inade quados.
Para o ambientalista Rodrigo Berté, o consumo tem a ver com a forma capitalista do mundo moderno. “As pessoas têm de se in formar e evitar o desperdício, consumir o necessário e não a mais. Por um lado, temos o consumo exagerado por todas as classes so ciais e, de outro, o consumidor, que antes não tinha recursos para
comprar e hoje pode comprar o que quiser. É difícil frear isso. Demanda grandes campanhas de sensibilização”, afirma Berté.
E a mesma população que causa esse excesso acaba sofrendo as consequências, sejam elas a curto, médio ou longo prazo. “Se não há cuidado com o meio ambiente em todos os aspectos, o ser humano e a biodiversidade perecerão, não haverá perpetuação de todas as espécies pela ausência de qualidade ambiental. A curto prazo vemos os desastres e catástrofes acontecendo. A longo pra zo, o efeito cumulativo desses fenômenos que cada vez mais estão presente na vida das pessoas no mundo inteiro, causará, como já vem provocando, fenômenos de migração social de populações 3
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O nOvO
HOJE SE TORnA vElHO E
toneladas de lixo são retiradas diáriamente dos rios de curitiba.
Se o ritmo acelerado de produção de lixo continuar, a montanha de entulho sobre a terra em 2050 deverá chegar a um trilhão e 500 bilhões de toneladas.
nas áreas afetadas e, consequentemente, degradação.”
Curitiba, “a cidade sustentável”, como já foi reconhe cida, precisa ir além de suas atuais preocupações com essas questões e amadurecer. “Criar alternativas de mobilidade urbana mais modernas, menos poluidoras e com menos custos. Parece que paramos um pouco no tempo. Ainda in vestimos em ônibus, dizendo que é o melhor transporte do mundo, tentando gerar uma imagem positiva. Em Madri, onde estou estudando, o transporte metroviário e as ciclo vias funcionam muito bem. É um exemplo a ser seguido”, conta Berté.
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Rio iguaçu é o segundo mais poluído do
perdendo apenas
aterro sanitário do Estre, em
Rio Grande região metropolitana de curitiba, recebe cerca de 2.800 toneladas de lixo por dia, o que representa mensalmente mais de 70 mil
de lixo
O
Brasil,
para o Tietê, em São Paulo. O
Fazenda
toneladas
misturado.
n O lOG i A SU b ST i TU i
b O n ECAS E CARR in H OS
A exposição excessiva à publicidade leva crianças ao consumo desenfreado, deixando-as expostas a impactos incalculáveis
Se
Maria Montessori visse a quantidade de crianças com características consumistas hoje em dia, entraria em de sespero. Ainda mais se tomasse conhecimento dos seguintes números: 57% dos meninos e meninas têm televisores no quarto (dados do canal Discovery Kids); e 41,9% das crianças entre 10 e 14 anos tinham celular em 2011, segundo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas, afinal, quem foi Maria Montessori? Italiana, nascida em 31 de agosto de 1871 e falecida em 6 de maio de 1952, ela foi educadora, além de médica, e de senvolveu um método de aprendizagem que é usado até hoje por escolas e famílias.
O sistema Montessori visa ao desenvolvimen-to da criança a partir de estímulos externos. Os princípios fundamentais são a atividade, a individualidade e a liberdade. Para isso, é preciso que seja dado a ela somente o necessário. Mas o que o método Montessori tem a ver com o consumismo na infância? A resposta é simples. Na medida em que, segundo o seu sistema, apenas o essencial é oferecido à criança, uma família não precisa comprar milhares de presentes para ter certeza de que seu filho terá uma
boa educação.
Por ser uma das formas de impedir o consumo desenfreado, o método Montessori se opõe ao rumo que a sociedade está toman do. Segundo dados do instituto de pesquisa TNS/InterScience, as crianças influenciam em 80% das compras da família, sendo que 83% dos consumidores mirins são conquistados pela publicidade. As crianças estão cada vez mais expostas à publicidade.
A psicóloga infantil Priscila Badotti salienta que o exagero pode influenciar na interação social e familiar, o que também acarreta alterações de comportamento. “As propagandas têm um impacto incalculável na vida de uma criança que está em período de formação psíquica”, explica.
Para o professor da rede pública estadual Fernando Merolli de Sousa Bello, a valorização da situação econômica das pessoas é uma caracte-rística da sociedade moderna, e um dos motivos do consumismo exacerbado. “É um ciclo vicioso para se adquirir isso ou aquilo a todo o momento e, assim, encontrar escolares com tendência ao consumo é muito comum”, explica.
Bello conta que nas escolas é comum ver meninas usando ma
TEC
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conhecerEspelhosajudamacriançaaoslimitesdoprópriocorpo, formaridentidadeeconhecerorosto humano.
Colchão no chão estimula o movimento e oferece liberdade e independência à criança
A barra auxilia no desenvolvimento do caminhar da criança
Uma coberta dobrada ao lado da cama protege contra quedas e ajuda a descer do colchão sem cair
Móveis da altura da criança, estimula organização independente
Cesta de tesouros com vários objetos que estimulem os sentidos de diferentes formas
Um tapete emborrachado, ajuda a criança a desenvolver firmeza além de proteger contra o frio
Quarto Montessoriano
ECONOMIA
quiagem, mas que o que toma maior espaço entre crianças e ado lescentes é a tecnologia, chegando ao ponto de ser fácil encontrar uma criança com mais de um celular, por exemplo. “As crianças e jovens, como alvos frágeis e fáceis de serem atingidos, simples mente copiam o que lhes apresentam, são induzidas a consumir a moda e os hábitos que são ditados hoje”, diz.
ObESidAdE inFAnTil
Segundo dados da Pesquisa de Orçamento Famíliar (POF), re alizada em 2009, a cada três crianças entre 5 a 9 anos, uma está a cima do peso. As consequências dessa obesidade na infância acar reta o aparecimento mais frequente de casos de colesterol alto, diabetes tipo 2 e hipertensão, doenças antes consideradas exclusi vas de adultos. Casos de Acidente Vascular Cerebral (AVC) pre coce também são provocados pela alimentação inadequada. Mas o que o consumo tem a ver com a obesidade infantil? Tudo! Os hábitos alimentares e as brincadeiras das crianças mudaram drasticamente. Antes, a variedade de alimentos indus trializados era bem menor e as crianças, muito mais ativas. Além disso, com a falta de tempo, colocar um lanche industria-lizado na lancheira do seu filho é bem mais prático e rápido do que fazer algo natural e saudável.
E a publicidade e o marketing não perdoam. Além de nota rem que as crianças são o foco central dos núcleos familiares, os publicitários também apelam para a veiculação de personagens populares. No documentário “Criança – a Alma do Negócio”, é constatado que as os pequenos querem os produtos porque o seu personagem favorito está na embalagem, ou porque vão ganhar um brinde e não necessariamente porque querem comer determi nado produto.
Para a psicopedagoga Fernanda Cabral Bonatto, além do con sumo ser relacionado a objetos ou brinquedos que despertam o in teresse nas crianças, a falta de exercício físico também contribui para que a criança chegue à obesidade. “Hoje, o que as crianças mais consomem para o lazer são jogos eletrônicos, computadores, tablets e jogos de vídeogames. Esses produtos, somados a uma ro tina de trabalho de ambos os pais, diminui a quantidade de tempo que as crianças dedicam à prática de atividades físicas”, explica. O estudante Kleber Henrique Cabrini Junior, de 11 anos, é um caso típico dessa “síndrome”. Ele esta acima do peso, passa a maior parte do tempo jogando videogame, ou no computador, e quase não pratica atividades físicas. Junior tem mais de 50 jo gos (somados os de videogame e os de computador) e conta que salgadinhos e biscoitos são os acompanhamentos favoritos. “Eu tenho meu cofrinho para comprar meus jogos, mas sempre que peço para o meu pai, eu ganho”, conta. Para a mãe de Junior, Cintia Mara Correia de Souza, seu filho é influenciado a consumir por dois fatores: “As propagandas na internet e, principalmente, os colegas do colégio”.
A variedade e a vontade das crianças de comprar é tão grande que muitos pais não conseguem dizer não. Por isso, a psicopeda goga Fernanda expõe a importância dos limites. “Se os pais derem tudo para seus filhos, há grandes chances dessa criança se tornar um adulto com baixo limiar de frustração e não saberá lidar com perdas, uma vez que, ao longo do seu desenvolvimento, ela não foi estimulada a se posicionar diante do fato de que o indivíduo se depara com dificuldades na vida”.
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UM nOvO HORizOnTE nA ERA diGiTAl
O aumento da produção de smartphones influencia o consumo dos amantes de novas tecnologias
Carolina Cachel Felipe Martins Flavio Darin
Ocelular se tornou um companheiro indispensável para o cotidiano de milhares de pessoas, o que antes era considerado um artigo de luxo, hoje já é um acessório acessível a qualquer tipo de público. Segundo uma pesquisa realizada em 2012 pela empresa de consultoria da tecnologia Accenture, a ten dência do consumidor moderno é comprar produtos que permi tam acesso móvel à informação, tendo como produto principal os smartphones, que desempenham funções além dos celulares comuns. A procura por esse tipo de aparelho é tão grande que, no ano de 2012, a produção atingiu uma marca recorde, soman do 700,1 milhões de smartphones produzidos, segundo a Strategy Analytics, que presta consultoria de mercado.
Com a supervalorização do celulares surgiram os fãs afi cionados por smartphones, que são aqueles consumidores que desejam ter sempre o mais avançado dos aparelhos, trocando constantemente de celular. Gustavo Magalhães, estudante de Jornalismo, ganhou seu primeiro telefone móvel aos 10 anos de idade, passando por 15 aparelhos diferentes até o atual. Agora com 20 anos, Gustavo gosta de sempre estar atualizado, “Troco de celular de ano em ano, principalmente pelos novos aparelhos lançados, que tem melhorias de sistema, velocidade e sempre um diferencial a mais.” Jaqueline Sanção, psicóloga, explica que esse consumo generalizado e exagerado é real, se configurando como um transtorno de comportamento denominado como a síndrome do comprador, “O consumismo sem controle é uma forma das pessoas preencherem um vazio dentro delas, buscando o prazer e a felicidade de maneira imediata [...] Através do celular da moda, a pessoa demonstra poder”, afirma Jaqueline. Alguns consumido res, assim como Gustavo, têm consciência de que a relação com o celular já virou de dependência, “Nos tornamos um refém sim dos celulares, mas eu não vejo mal algum nisso” diz o estudante. Por outro lado, há um grupo de pessoas conservadoras e desa pegadas a excessos materiais, que não veem a necessidade de trocar de celular constantemente. Conrado Age, publicitário, é uma dessas pessoas que remam na contramão da maré. Sendo muito jovem, com apenas 22 anos, Conrado se destaca em meio ao seu grupo de amigos por não ter um celular de última geração por escolha própria. Ele acredita que o telefone virou um acessório de status social e de efeito isolador, “Hoje em dia todos estão num mesmo ambiente, conecta dos aos seus celulares e ninguém está realmente junto. Quanto mais avançado o celular é, mais isolado do mundo off-line seu dono fica”, afirma. Conrado, mesmo tendo esta resistência à tecnologia, admite
que no mundo moderno é imprescindível possuir um celular, “Não preciso de um aparelho com milhões de aplicativos, mas sim, de um meio de comunicação portátil. Fazendo ligações, para mim está óti mo.” conta. Por outro lado, há um grupo de pessoas conservadoras e desapegadas a excessos materiais, que não veem a necessidade de trocar de celular constantemente. Conrado Age, publicitário, é uma dessas pessoas que remam na contramão da maré. Sendo muito jo vem, com apenas 22 anos, Conrado se destaca em meio ao seu grupo de amigos por não ter um celular de última geração por escolha pró pria. Ele acredita que o celular virou um acessório de status social e de efeito isolador, “Hoje em dia todos estão num mesmo ambiente, conectados aos seus celulares e ninguém está realmente junto. Quan to mais avançado o celular é, mais isolado do mundo off-line seu dono fica”, afirma. Conrado, mesmo tendo esta resistência à tecno logia, admite que no mundo moderno é imprescindível possuir um celular, “Não preciso de um celular com milhões de aplicativos, mas sim, de um meio de comunicação portátil. Fazendo ligações, para mim está ótimo”, conta.
O relacionamento entre celulares e humanos realmente é le vado a sério por grande parte da população. Uma pesquisa realizada pela empresa de tecnologia Norton, neste ano, aponta que 50% dos usuários de smartphones dormem com seus aparelhos ao alcance de suas mãos. Além disso, outra pesquisa realizada pelo jornal britânico Daily Mail conta que um em cada oito adultos passa mais tempo usando o aparelho celular do que conversando pessoalmente com seus parceiros. A era do celular engloba todos os usuários conectados num mundo de convivência virtual, mas está os afastando cada vez mais do mundo off-line.
Bianca Thomé
60 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR TEC n O l OG i A TECNOLOGIA
Várias marcas investem na fabricação de smartphones.
nOvAS FERRAMEnTAS, TAMAnHOS AnTiGOS
Bianca Thomé e Pedro Domingues
Quem nunca ouviu falar do ‘Celular Tijolão’? Pioneiro, o aparelho celular tinha apelido sugestivo e fez muito sucesso em meados dos anos 80, afinal, o status que quem tinha um celular era grande. Porém, o status que um Motorola Dyna TAC 8000x, primeiro celular comercial, tem hoje em dia é o de um celular nada portátil.
A maioria dos celulares lançados na década de 80 pesavam em média 1 kg e mediam 30 cm. Com o passar dos anos, foi se criando a necessidade de estar em constante comunicação e o Tijolão passou a ser um acessório inconveniente. Com a neces sidade criada, surgiram também as novas tecnologias. Se com o tempo o Tijolão ia se tornando obsoleto, a diminuição dos apare lhos e a tecnologia cada vez mais avançada utilizada neles, fazia com que o celular se tornasse mais presente na vida das pessoas.
Com a chegada dos anos 2000, o que se via eram celulares cada vez menores, porém, muito mais tecnológicos. Se na década de 90 a grande novidade era poder mandar mensagens de texto (SMS), com a chegada do novo milênio, a tela colorida, a possibi lidade de entrar na internet e até mesmo tirar fotos com um celu lar, faziam com que todos quisessem ter um. Se antes era status, o celular se tornava um acessório quase indispensável no dia a dia.
Parecia então, que os celulares de menor porte teriam vida longa. Porém, o que se viu foi um efeito reverso. Com as novas tecnologias, a necessidade de uma tela maior era evidente. Afinal, qual a graça de poder assistir à televisão em meu celular se a tela é pequena? Com a tecnologia Touchscreen (sensível ao toque) se tornando uma sensação, as telas aumentavam ainda mais, e com elas, os celulares.
E os novos celulares tiveram uma grande aceitação. Com tecnologias extremamente avançadas, os aparelhos telefônicos mais pareciam computadores portáteis de menor porte. Porém, smartphones como o da Samsung, Galaxy S4 e o da Apple, Ipho ne 5 trazem de volta o inconveniente que o velho Tijolão apresen tava há 30 anos atrás. Apesar de passarem longe dos 30 cm dos celulares da época, um Iphone 5, por exemplo, mede 12 cm, e dificilmente entra no bolso de uma calça feminina sem que fique com metade do aparelho para o lado de fora.
O aumento do tamanho dos celulares faz pensar: será que estamos voltando ao famoso Tijolão? Guardada as devidas pro porções, Apple e Samsung vão fazendo sucesso na linha do gran de, mas muito bom.
O primeiro celular comercial, o Dyna TAC 8000x, foi lan çado em 1983 pela Motorola. Os aparelhos de primeira geração eram telefones com tecnologia analógica (AMPS, NMT etc.) e pouco lembram os de hoje. Eram grandes, pesados e nada portá teis. A maioria só funcionava plugada em carros.
De acordo com a promotora de eventos Letícia Ribeiro, com um tamanho de tela maior, a digitação de mensagens e pos tagens em redes sociais fica mais rápida, por conta das teclas tam bém serem maiores. Além disso, quanto maior o display, melhor é a visualização de vídeos e filmes, já que a qualidade e a definição também são maiores. O lado negativo é o tamanho, a promoto ra, que possui um Galaxy S3, afirma que o celular não é nada discreto. “Em algumas situações, tenho que carregar o aparelho nas mãos, já que fica difícil achar uma bolsa em que o telefone caiba.”.
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Apple e Samsung aumentam seus smartphones e fazem lembrar o velho e famoso Tijolão
vidEOGAMES divERTEM, MAS TAMbéM CURAM
Projeto mostra sucesso na terapia que engloba, entre outros pontos, a utilização de Nintendo Wii
Lais Capriotti, Letícia da Rosa, Letícia Moreira e Mayara Duarte.
Que os videogames divertem, não é novidade para nin guém. A novidade é que, agora, a função deles pode ser vista como muito além da diversão. A tecnologia pode auxiliar em quesitos essenciais à vida humana – como na saúde e na educa ção, por exemplo – e para diversas faixas etárias, ajudando desde crianças até idosos.
De acordo com o Dr. Hipólito Carraro Júnior, coordenador médico da Unidade de Terapia Intensiva (UTI) Geral do Hos pital VITA Curitiba, referência na chamada “gameterapia”, vi deogames podem beneficiar os mais diversos tratamentos. “No VITA utilizamos o Nintendo Wii. Ele pode ajudar na terapia com crianças no treinamento de equilíbrio, coordenação, con trole de tronco, no trauma de membros superiores e inferiores, reabilitação pós-cirurgias ortopédicas, condicionamento car diorrespiratório em cardíacos, ou pneumopatas (com doenças nos pulmões), até em pacientes neuro lógicos”, conta.
“Além disso, tem a questão da autoestima, da alegria de realizar algo diferente e que traz vários benefícios para a reabilitação. Ele também permite a prática esporti va com a segurança da monitori zação contínua na UTI”, explica.
Juliana Librelato, fisioterapeu ta da Profisio Assistência Fisiote rápica, explica que o passo inicial do projeto é identificar qual o objetivo que quer ser obtido com a gameterapia. “Trabalhamos com vários jogos. Podemos aju dar no ganho de força muscular, na coordenação motora, no condicionamento cardiorrespiratório, no equilíbrio corporal. Tudo vai depender do nosso objetivo com o paciente. Assim que o objetivo é traçado, os jogos são escolhidos. Podemos fazer o paciente lutar boxe, jogar tênis, andar sobre uma corda bamba, fazer um circuito de corrida, relaxar com exercícios respiratórios”, diz.
i d E i A
A ideia, inicialmente estudada no Canadá, veio ao Brasil após os estudos que mostravam o sucesso do Nintendo Wii em pacientes com sequelas de traumatismo raquimedular, acidente vascular encefálico e de doenças neurodegenerativas. As pato logias eram atendidas ambulatorialmente no país norte-ame ricano no ano de 2008. Desde então, o fisioterapeuta comenta
que a mudança na forma com que as pessoas começaram a ver a tecnologia possibilitou esse incremento. “Antigamen te, o uso de videogames estava relacionado ao sedentarismo. Hoje, com essas tecnologias, já não é bem assim”, lembra. Mas, de acordo com a fisioterapeuta, os médicos não esperavam que a técnica fosse atingir todos os públicos. “Quando iniciamos essa terapia no hospital, tínhamos cer teza que não conquistaríamos o público geriátrico, afinal, eles não tiveram um grande contato com o videogame na infância deles. E, no fim, foram os pacientes que mais nos surpreenderam. Quando é colocado o videogame a primeira vez, eles até fazem cara feia, mas depois que aprendem a jogar, não querem mais largar. Sentem-se até donos do equipamento e não querem que a gente tire do quarto. E com as crianças nem se fala. Só conseguimos tirar o videogame do quarto depois que elas dormem ou quando vão ao banho. A técnica foi muito bem aceita”, relata.
A l ERTA
Mesmo que a utilização traga benefí cios, os médicos alertam que ela não deve ser generalizada a todos os tratamentos. “Como se trata de movimentos, não po demos esquecer que pode causar lesões se utilizado em excesso, ou sem um acompa nhamento, durante a realização dos movi mentos, da mesma forma como outras atividades físicas ou práticas desportivas”, adverte Carraro.
Os avanços tecnológicos vêm acontecendo de maneira extremamente acelerada, mas os médicos advertem que nenhuma técnica é válida sozinha. O tratamento do pa ciente é sempre um conjunto de técnicas associadas. A terapia sempre deve ser assistida por um profissional qua lificado. “No caso da utilização do videogame, partimos do princípio de que estamos fazendo uma atividade física com um paciente, ou seja, ele encontra-se em constante monitorização, seja através de aparelhos, como acontece nas UTIs ou pela avaliação contínua do fisioterapeuta du rante a terapia quando aplicada nas unidades de interna ção, onde não há monitorização contínua dos aparelhos. Portanto, nesses casos, não há malefício algum, só bene fícios, desde que o paciente seja bem orientado”, aponta a fisioterapeuta Juliana.
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“Só conseguimos tirar o videogame do quarto depois que elas (crianças) dormem ou quando vão ao banho.”
TECNOLOGIA
Mesmo assim, para ambos a recompensa vale a pena. “Ti vemos casos de reintegração de idosos na família. Quando a avózinha volta para casa jogando vídeogame com os netos!”, conta. Para a fisioterapeuta, “o melhor de tudo, é que a tecnologia traz todos esses benefícios e torna a terapia divertida, sem monotonias. Curar doenças talvez seja muita pretensão da nossa par te, mas que se pode melhorar e muito a qualidade de vida dos pacientes, isso já não há dúvidas”, aponta.
Primeiramente, os pacientes são avaliados. Após a avaliação, traçamos o nosso objetivo du rante o tratamento do paciente. Se ele tiver con dições físicas, psicológicas e hemodinâmicas, a terapia é utilizada. No VITA, há uma estrutura é móvel, com um armário que abriga a televisão e o videogame com rodinhas, tendo a possibi lidade de levá-lo a qualquer ponto do hospital. A terapia, quando levada à prática, é realizada tanto no ambiente hospitalar quanto no ambiente ambulatorial do hospital, uma parceria com a equi pe da Profisio Assistência Fisioterápica.
E d UCA ç ã O
Na área de educação, é frequente encon trar o uso de e-boards (quadros intera tivos), computação e até mesmo video games. Em Curitiba, a rede de escolas de inglês inFlux adotou o uso de Kinect – o sensor de movimentos compatível ao videogame Xbox 360 que, em diversos games, substitui o joystick.
Na escola, o Kinect é utilizado como um suporte em atividades extras e faz sucesso em todas as idades. É o que con ta Lívia Bueno Bacan, coordenadora pe dagógica da inFlux. “Apesar de o vide ogame ser bastante atrativo para crianças e adolescentes, a oportunidade de praticar o inglês em um ambiente descontraído tem trazido cada vez mais adultos às atividades extras com o Kinect”, diz.
Para a coordenadora pedagógica, a ideia é justamente essa – oferecer aos alunos um re curso tecnológico atrativo que oferecerá diver são e aprendizado ao mesmo tempo. “Jovens de hoje estão expostos ao inglês por meio dos videogames e aprendem muito com eles. En tão a ideia é aliar uma ferramenta tão atrativa ao aprendizado, potencializando a quantidade de itens lexicais que eles podem aprender através dos jogos”, comenta.
Entretanto, é importante ressaltar: tecnologia não faz milagres. Tanto na área de educação quanto de saúde, os recursos tecnológicos são apenas uma forma de apoio. Livia cita que a tecnologia é apenas um recurso, ela não faz o aluno aprender mais ou menos. “Utilizar este recur so para auxiliar o aprendizado é muito positivo, mas não é tudo”. E conclui: “A tecnologia não faz mágica”.
O joystick do Wii, diferente dos convencionais, permite movimentos livres.
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AMOR: A dROGA QUE CURA
Não é só com dor que se rima amor. Relacionamentos podem beneficiar a saúde
Arquivo pessoal
O amor é mais do que uma ferida que dói e não se sente, uma dor que desatina sem doer. O amor, na verdade, pode ser exatamente o contrário disso, se tornando a cura. Afinal, para se ter saúde no corpo, é preciso tê-la na alma, e nada melhor para a saúde do que uma paixão correspondida, como comprovam pesquisas recentes. Mas, antes de qualquer coisa, o que é o amor? Segundo a neurociência, a “coisinha estúpida” que sentimos é uma invasão de dopamina que ativa os centros de recompensa do cére bro e produz prazer. Não à toa um estudo realizado pela Universidade Católica de Brasília apontou que homens com mais de 60 anos e solteiros têm risco de 61% a mais de morrerem do que os casados. Para as mulheres, as viúvas têm probabilidade 82% maior de morrerem e as solteiras 35%, se comparadas com as casadas ou em re lacionamento estável.
Arquivo pessoal
A mesma pes quisa de-monstrou que, mesmo em pessoas mais
Beatriz Peccin, 19 anos: junto com o namoro, vieram as mudanças de hábito
Rodolfo Kowalski e Ruth Borsuk
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Josiane Cioli e Luiz Fernando Nakaroto: podóloga perdeu 37kg após conhecer o amor
SAÚDE
jo vens, ter um relaciona mento estável leva homens e mulheres a adotar hábitos mais saudáveis, com a proba bilidade de tabagismo en tre pessoas solteiras do sexo masculino, sendo 16% maior.
Quando estamos amando, o cérebro recebe mais sangue e melhora as suas atividades, que se tornam ainda mais intensas quan do pensamos na pessoa amada. A oxitocina, o famoso “hormônio do amor”, melhora o desempenho es portivo, principalmente as atividades competitivas. Para completar, o amor e relacionamento estável diminuem o risco para o sistema cardiovascular.
“Quando as pessoas estão em situação de bem-estar, estão em condições favoráveis, ou seja, em equilíbrio emocional, numa ‘fase boa’. Quando estão amando, a substância do prazer é liberada na corrente circu latória e até mesmo hipertensos e di abéticos conseguem manter os níveis de glicose controlados”, aponta o cardiologista Everton Dombeck, do Hospital Cardiológico Constantini.
Quando estamos amando, ex plica o médico, alguns níveis de serotonina, um neurotransmissor que atua no cérebro, são liberados pelo organismo. Tal neurotransmissor regula o humor, sono, apetite, ritmo cardíaco, temperatura corporal, sen sibilidade a dor, movimentos e as funções intelectuais. Por isso, quem ama sente menos stress e, até mesmo, menos
vontade de comer.
Quando somos bons para os outros, somos ainda melhores para nós. Oito anos atrás, Josiane Cioli, uma podóloga de 47 anos, bebia, fumava, não se alimentava corretamente e ainda era sedentária.
Foi quando conheceu Luiz Fernando Nakarato e conseguiu a “inspiração” necessária para mudar os hábitos e levar uma vida mais saudável. “Sou muito otimista e espirituosa. Precisa va apenas de um estímulo pra tomar a decisão e parar com tudo que não me fazia bem. Foi aí que conheci meu companheiro, o Luiz. Me apaixonei por ele, que fez surgir essa luz”, conta Josiane, que desde o início do relacio namento perdeu 37 kg. “As mudanças que fiz me trouxeram mais consciência física, mental e espiritual. É ótimo perceber e sentir o quanto você tem valor, o quanto você tem força, o quanto você é capaz”, completa.
Para a psicologia, o amor é um estado emocional diferente. Ao con trário do gostar, o amor inclui elemen tos de paixão, proximidade, fascina ção, exclusividade, desejo sexual e uma preocupação intensa com o outro. Nem mesmo Sigmund Freud (18561939) resistiu à droga do amor, como comprova uma carta escrita em 19 de junho de 1882 pelo pai da psicanálise, na qual ele explica o que sente por Martha Bernays e a importância dela em sua vida. “A rapariga que eu receava cortejar e que veio para mim com elevada con fiança, fazen do-me
crer em mim mesmo e me dando esperanças e energia para trabalhar, na altura que eu mais pre cisava.”, escreveu o austríaco.
Segundo o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (19021987), “eterno é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade que se pe-trifica e nenhuma força jamais o resgata”. A estudante Beatriz Peccin, de 19 anos, foi também uma vítima do amor, que um dia chegou ao fim. Mas, mesmo com o rompimento, fi caram alguns bons hábitos adquiri dos durante o relacionamento.
“Eu mudei meus hábitos porque que ria me sentir bem quando estava com meu ex-namorado”, conta. Hoje ela come frutas e corre todo fim de semana. “Nessa de ficar e depois acabar, eu aprendi a gostar mais de mim, porque, mesmo não dando certo, eu continuei fazendo quase tudo o que fazia quando estávamos juntos.”
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Quando somos bonsparaosoutros, somos ainda melhoresparanos.
Felipe
SAÚ d E SAÚDE
Raicoski
nd Ê n C i A
d O b EM
A adoção de cuidados preventivos contribui para o tratamento precoce do câncer de mama
Apalavra
“tendência”, apesar dos inúmeros significados, tornou-se um dos principais jargões do universo da moda. Desfiles para cá, lançamentos acolá, anunciam o que vem por aí. Um vestido, uma saia plissada, um cachecol fino. Em geral, vestimentas sazonais. Porém, se colocada em outro contexto, “tendência” invade um assunto muito sério, de interesse e importância global. Nas rodas de conversa, desaparecem as divergências entre looks e todo mundo veste a mesma camisa: a da prevenção do câncer de mama.
Em primeiro lugar, alguns dados alarmantes: segundo o Instituto Nacional do Câncer (INCA), órgão do Ministério da Saúde, o câncer de mama foi responsável por 12.852 óbitos em 2010, sendo 147 homens e 12.705 mulheres. Eis a prova de que não apenas o clube da Luluzinha deve ficar
atento aos sinais e os cuidados por parte dos marmanjos devem ser reforçados. Em 2008, esse tipo de câncer ocupava a quinta posição em número de óbitos no ranking geral de tumores, responsável por 23% de todos os casos de câncer no mundo.
O cenário não é favorável, já que a taxa de mortalidade por câncer de mama é ascendente. A ausência de sintomas recorrentes, característica de vários tipos de tumor, dificulta o controle desses níveis. Grande parte dos pacientes procura assistência médica apenas quando sente algum tipo de dor na região, estágio no qual, de forma geral, a doença se encontra em estágio avançado.
De acordo com o médico Alderson Luiz Pacheco, cirurgião plástico, existem algumas ações cotidianas que contribuem na prevenção do câncer de mama.
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“Regular a ingestão de carne vermelha e açúcares contribui para estar em dia com os cuidados básicos de prevenção.”
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- Alderson Pacheco
Daniela Hendler, Guilherme Zuchetti, Rafaela Gabardo e Renan Machado
“Tal comportamento defensivo consiste na administração, por parte do indivíduo, dos cuidados com a sexualidade; no caso das mulheres,
alimentação adequada, também ajudam na prevenção do câncer. “Regular a ingestão de carne vermelha e açúcares contribui para estar em dia com os cuidados básicos de prevenção”, diz.
Para Pacheco, o maior erro é esperar por sintomas para procurar por um especialista, principalmente os pacientes que já passaram da faixa dos 40 anos. “Mulheres com mais de 50 anos, mesmo que não sintam nada de diferente em suas mamas, precisam fazer mamografia a cada dois anos. Aquelas com casos da doença na família, devem ter atenção redobrada”, alerta.
TuBRO ROSA movimento popular internacionalmente conhecido como “Outubro Rosa” é o mês de mobilização no Brasil e em todo o mundo para a detecção precoce do câncer de mama. O movimento surgiu na Califórnia, nos Estados Unidos, em 1997, e espalhou-se pelo mundo todo, com o objetivo de conscientizar as mulheres sobre a importância do diagnóstico, logo no início, do câncer de mama, o que aumenta as chances de cura da doença.
Em Curitiba, o movimento teve início no dia 3 do último mês. De acordo com a deputada estadual Mara Lima, autora da Lei 16935/2011, que tornou o Paraná pioneiro entre os estados brasileiros a adotar legislação específica de prevenção e combate ao câncer de mama, a iniciativa vem de encontro à importância do desenvolvimento de novas políticas públicas, que atendam às necessidades das mulheres do Estado. “Toda ajuda é bemvinda, principalmente para elaborarmos um calendário produtivo para a campanha Outubro Rosa”, afirma.
Segundo Rosane Kopko, voluntária há seis anos na Rede Feminina de Combate ao Câncer, associação privada sem fins lucrativos, a promoção do Outubro Rosa no Brasil, é fundamental para a cultura da prevenção. “Anúncios, publicidade e caminhadas que promovemos são exemplos de ações que impactam diretamente na proliferação desses cuidados”, diz. Sob o slogan “Decida se cuidar em um minuto, faça os exames em um dia, salve sua vida”, a campanha busca ser um braço de incentivo a um cuidado tantas vezes esquecido. “Dados do INCA revelam que o câncer de mama é o mais comum entre as mulheres e corresponde a 23% dos novos casos de câncer a cada
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- Mara Lima
Deputada Estadual, Mara Lima, autora da lei de prevenção ao câncer de mama.
ano. Está aí a realidade. Infelizmente no Brasil, as taxas de mortalidade por câncer de mama continuam elevadas, e isso é diretamente associado ao fato de a doença ser diagnosticada em estágio avançado”, afirma.
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“Toda ajuda é bem-vinda, principalmente para elaborarmos um calendário produtivo para a campanha.”
ALEP
FiM dE SEMAnA
Viver em Curitiba, longe da praia e da liberdade que o surfe proporciona, pode ser difícil para alguns praticantes do esporte. Cem quilômetros de distância os separam do oceano. Porém a paixão pelo esporte é maior do que um simples sentimento: ela se reflete no humor, nas atitudes e no comportamento dos surfistas. Rubens Fernando Viezzer, surfa desde os 10 anos de idade e confirma essas sensações. “Fico triste e com a sensação de que preciso de um banho de água salgada. Após o surfe, experimento um sentimento de leveza, muito pela adrenalina que o corpo produz com o exercício.”, diz.
Essas sensações podem ser explicadas. Giovanni Breda, médico do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especialista em Medicina Interna e surfista há 14 anos, explica a resposta do corpo humano: “A prática de esportes radicais estimula a liberação de substâncias como a adrenalina, noradrenalina e cortisol, preparando o corpo para a ação e causando uma sensação de bem-estar nos praticantes”, relata.
Esse prazer não é gerado apenas pelos hormônios, mas também pelo incentivo e pelas metas que o próprio praticante estabelece para si. É o que explica Paulo Pinna Neto, nascido em Guaratuba, profissional de Educação Física e surfista desde os 16 anos. “Acredito que o esporte tem que vir a somar ao seu dia a dia. Ele tem que servir de motivação. Quando você não consegue um determinado objetivo,
tudo bem, o mais importante são os benefícios causados. Portanto, o esporte pode somar muito à saúde, quando encarado de maneira correta, pela pratica do exercício (que melhora o físico) e pela complementação do ser (mental)”, explica.
O fato de Curitiba se encontrar a mais de 900 metros acima do nível do mar, não desencoraja os surfistas. Muito pelo contrário – na capital mais fria do país, há muitos praticantes, inclusive profissionais em nível internacional, que começaram nas ondas paranaenses.
Entre os nomes mais populares do Brasil, Bruna Schimitz, representa o surfe profissional feminino paranaense. Ela nasceu no interior do Paraná, aprendeu a arte do surfe aos 9 anos e, no decorrer de sua carreira, ganhou diversos títulos internacionais.
O estímulo para a prática do esporte vem da família, “quem me incentivou foram meu pai e meu irmão mais velho [Carlos Alberto Filho, surfista desde os 8 anos de idade].
Ganhei minha primeira prancha de fibra, uma fullget 5’’2’’ de bico arredondado. Amor à primeira vista!”, conta entusiasmado.
Os amadores corajosos de fim de semana afirmam que a aventura vale a pena. Muito mais do que simplesmente se refletir em bem-estar, o esporte permite o contato com a natureza e amigos. Para Hugo Gallo, surfista desde de 1999, o melhor das viagens são o “contato e a interação com a natureza, além da adrenalina de descer umas morras (ondas
SURFiSTAS dE
sxc.hu 70 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
Camila Vichoski, Letícia Moreira e Lucas Ajuz
Praticantes do esporte que vivem em Curitiba não abrem mão do contato com o mar e as ondas
“A prática (...) estimula a liberação de substâncias como adrenalina, (...) causando uma sensação de bemestar.” - Giovanni Breda
ESPORTE ESPORTE
grandes)”, diz. Para Fagner Breda de Lara, surfar junto com os “brothers” também faz tudo valer a pena. “O que eu mais curto no surfe é o companheirismo dos amigos dentro da água, com uma sensação de que nada mais importa no mundo”, confirma.
Dessa maneira, o surfe se torna um estilo de vida. Não importa a profissão: de engenheiro a atleta, a “atitude surfe” conquista a todos. “Esse espírito é o mais legal. O surfe vai além de estar na água, mesmo sendo esse o principal motivador de tudo. É o valorizar as pequenas coisas, é dar risada da sua própria ‘vaca’ (queda da onda), se orgulhar por evoluir, se divertir com tudo...”, confirma Guilherme Breda, surfista desde os 19 anos de idade.
Sacrifícios
Toda a felicidade dos surfistas e a necessidade de estar cem contato com o mar pode deixar muitas mães e namoradas preocupadas em casa.
Segundo Breda, o descontentamento, ao menos no início, é inevitável, mas aos poucos quem vive ao seu redor se acostuma com a ideia. “Uma vez que você começa a surfar é praticamente impossível evitar que essa cultura o absorva e consuma cada vez mais o seu tempo. Então, como não podia deixar de ser, essa ausência é sentida. O surfe também te leva a fazer algumas coisas que para os outros parecem loucuras, mas que para você é algo
plenamente natural”, diz. “Não há namorada no mundo que goste de acordar as 5h30 da manhã, nem mãe que não se preocupe com o fato do filho saindo de madrugada para fazer uma viagem de cinco horas. Então, esse descontentamento é totalmente compreensível, mas é temporário, porque eles sabem que a sua felicidade depende disso”, diz.
Quanto à namorada, Guilherme afirma que a presença dela também faz parte do “ritual”.“A parceria fica ainda melhor quando ela é uma pessoa companheira que o acompanha quando pode. Afinal, não tem sensação melhor do que a de sair do mar de cabeça feita e encontrar a sua linda namorada o esperando na areia, feliz por saber que você está fazendo o que mais gosta”, diz.
Para Neto, que nasceu em Guaratuba no litoral do Paraná, há mais naturalidade na situação. “Quando comecei a surfar, para os meus pais aquilo era uma coisa natural de quem mora na praia. Depois, com o casamento, minha esposa sempre foi muito compreensiva com as minhas necessidades de praticar o esporte. Com o tempo, eu também equilibrei meu tempo entre o surfe e a família” relata.
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Arquivo
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Guilherme Breda
surfando na Costa Rica, em 2012
AléM dE GRAndES OndAS, AS SURF TRiPS GARAnTEM
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As surf trips, no entanto, não se resumem apenas ao litoral do Paraná. Viagens nacionais a praias paradisíacas e internacionais para grandes “picos” (locais) de surfe são inevitáveis para os amantes do esporte.
Entre os mais desejados, segundo Eduardo Fleck Rosa, sócio da Welcome Surf Trips, estão os internacionais - Costa Rica, Peru, El Salvador e Indonésia - e nacionais: Itacaré (BA) e Fernando de Noronha (PE).
Geralmente, as trips são feitas em grupo, mais por questão de segurança e por dividir a experiência com os amigos. Mas viajar sozinho não é descartado. “Depende muito do destino: para as ilhas Mentawai, na Indonésia, por exemplo, é mais comum vendermos pacotes a grupos. Os outros destinos são mais procurados para viagens individuais” conta Eduardo Rosa.
Fotos: Arquivo pessoal
Camila Vichoski, Letícia Moreira e Lucas Ajuz
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Guilherme Breda na Costa Rica, em 2012
Carlos Alberto Filho na Indonésia, em 2012
contato@welcomesurftrips.com.br Atendimento de segunda a sexta das 09h30 às 18h. JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 73 Serviço: Welcome Surf Trips 55 (41) 3249-4416 55 (11) 9-8493-0233
Fernando de Noronha, 2010
Da esquerda para a direita: Giovanni Breda, Heitor Fortes Neto, Fagner de Lara e Guilherme Breda na Costa Rica, em 2012
Carlos Alberto Filho na Indonésia, em 2012
Costa Rica, 2012
ROTA AlTERnATivA
Um passeio sobre duas rodas rodeado de belas paisagens e desafios
onhecer novas cidades, estar rodeado por natureza e pra ticar exercícios são motivações para quem opta por fazer trilhas de bicicleta. Mas essa atividade pode ser mais difícil do que parece: requer preparo físico, além de conhecimento da re gião. “Quando a pessoa resolve fazer uma trilha de bike, ela deve ter uma preparação adequada e estar acompa nhada por um profissio nal de educação física. O primeiro passo é
se consultar com um médico e fazer exames cardiológicos, sem pre de olho na pressão. O cuidado com lesões recentes também é importante, assim como ver se não há qualquer restrição física, principalmente nas articulações, o que é mais usado nesse tipo de exercício. Depois começam os treinamentos, aproximadamente três meses antes da data da trilha”, explica Diego Toti, professor de Educação Física.
Gostar de pedalar e praticar esportes não é o único pré-requisi to, mas ajuda na hora de começar a pensar em fazer trilhas. “Com a pessoa iniciando o treinamento, em um mês alguns já conse guem pedalar por 90 minutos, o que equivale a 30 km aproxima damente. O cuidado com o sono é de extrema importância, assim como com a alimentação. O que vale também para quem já faz trilhas e treina constantemente para manter seu preparo físico”, diz o especialista. Na parte da preparação física, Toti conta que há pontos de extrema importância como, por exemplo, os alonga mentos, que devem ser diários, e os treinos, um hora por dia, de três a seis vezes por semana.
CUidAdOS
“Prevenção é fundamental em uma jornada dessas. Levar ferramentas para o even tual conserto de bicicletas no meio do nada. Ter consci ência sobre suas condições de saúde que podem impedir você de conseguir ter um bom desempenho. Ter pessoas preparadas que possam ajudar em um trecho difícil. Saber que essa viagem é cansativa para o corpo. São também necessárias roupas ‘reservas’, que forneçam calor e proteção da chuva”, recomenda Silveira. Conheça bem o trajeto, pois as distâncias parecem diferentes quando se está de carro e de bicicleta. “Essa viagem é desgastante, e como o ob jetivo não é arriscar a vida de ninguém , precisamos tomar essas precauções.”, explica Rinaldin.
AnTES dE PEdAlAR
No dia da trilha, faça um breve aquecimento, um alon gamento e a atividade física propriamente dita. Após isso, faça o alongamento final. Tenha uma boa noite de sono: oito horas são suficientes. Um dia antes, coma alimen
C
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Lais Capriotti, Letícia da Rosa, Mayara Duarte e Natalia Concentino.
LAZER
Augusto César Marins Machado, analista de projetos da Fede ração das Indústrias do Estado do Paraná (FIEP), conta que faz trilhas há mais ou menos dois anos, e que começou a pedalar fora do Brasil. “Comecei a andar de bike depois de uma viagem que fiz na Europa, porque em todas a cidades que eu visitei existia um ambiente propício para o ciclismo”, revela. A paixão pelo esporte aumentou quando o ciclista começou a participar, na capital para naense, do Grupo Bike Curitiba. “Descobri a paixão pelas trilhas depois que comecei a andar com o Grupo Bike Curitiba, que eu ajudei a fundar” , comenta.
O condicionamento físico, entretanto, é realmente necessário. “Qualquer tipo de trilha só é recomendável com a companhia de alguém experiente, que conheça bem a região. É importante saber se a trilha é segura ou não, e também é sempre necessário conferir a previsão do tempo”, explica.
ERROS
Felipe Rinaldin Silveira, estudante universitário de Engenharia Civil, conta que, devido à falta de preparação, passou por maus momentos. “Nosso objetivo era
ir do centro de Curitiba até Morretes à noite. Saímos daqui umas 5 da tarde e fomos pela BR-277. Entraríamos na trilha da Inhã nha, que nos levaria até lá. Porém, antes de chegarmos à trilha, no meio da Serra do Mar, a câmara do pneu da bicicleta de um dos integrantes do grupo furou duas vezes. Trocamos a primeira vez, mas voltou a furar e tivemos que abortar a missão”, revela.
Planejamento é fundamental. Para o estudante, além de falta rem suprimentos em sua bagagem, como chocolates e isotônicos, percebeu a ausência de algo fundamental para completar a trilha. “Não tinha preparo físico. Fazia muito tempo que não andava de bike e cansei muito”, diz. Após o ocorrido e passado o medo, Rinaldin aprendeu. “Bom, errei muitas coisas quando decidi ir: primeiro meu preparo físico, segundo minha bicicleta era um mo delo muito ultrapassado, o que me forçava a fazer o dobro do es forço de quem tinha uma bicicleta moderna e equipada. Para pio rar, no dia da trilha, eu acordei muito gripado”, admite. “Vendo tudo que passei, percebo que foi uma grande irresponsabilidade ter saído daquele jeito de casa.”
tos mais calóricos, ricos em carboidratos e proteínas. “Durante a trilha, a pessoa deve se hi dratar de 30 em 30 minutos apro ximadamente, e ingerir proteínas. Chegando ao destino, o corpo vai perden do a tensão do exercício e a pessoa deve se alimentar bem e descansar. Recomenda-se que volte à origem de carro”, alerta Diego Toti.
Mas não se intimide: o esforço pode proporcionar mo mentos inesquecíveis. Augusto Machado relembra que as paisagens vistas no meio das trilhas são recompensadores e únicas. “Há cachoeiras muito bonitas na trilha de Mati nhos”, diz. As fotos (veja na próxima página), falam por si só.
De acordo com o segundo tenente Luiz Gustavo Pimen ta, do Grupo de Operações de Socorro Tático do Corpo de Bombeiros da Polícia Militar do Estado do Paraná (GOST),
há vários cui dados para se tomar antes e du rante a trilha. Entre os cuidados que antecedem a trilha estão nos acessórios de segurança, além de alimentos e água, que devem ser suficientes para a dura ção da trilha. Além disso, é recomendado o uso de roupas adequadas para a pratica. Um objetivo de extrema importância para esse tipo de atividade é uma lanterna, recomenda Pimenta. Antes de começar a trilha, deve-se informar os familiares sobre a data do inicio da trilha, local e, principalmente, a previsão de retorno.
É indicado que a trilha seja feita somente durante o dia, evitando horários após 18 horas. Qualquer tipo de trilha precisa ser feita em grupo, nunca ir sozinho. Em caso de acidente o corpo de bombeiro deve ser notificado.
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No meio da trilha, os ciclistas são surpreendidos por uma bela paisagem em Salto Paraty, no município de Matinhos
Arquivo pessoal
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Augusto César Marins Machado (quarto da dir. para esq.) e seu grupo em trilha feita na represa de Piraquara, na região metropolitana de Curitiba
QUE FA zER
Os aventureiros de bike também precisam descansar e repor as energias. Boa alimentação e descanso adequado são recomendados aos ciclistas após os passeios nas trilhas. Ao chegar a Morretes, pelo Cami nho do Itupava, você pode encontrar seus amigos que forem de trem e comer o típico barreado da região.
A cidade oferece diversos restaurantes a preços acessíveis. O mais conhecido, e que também oferece frutos do mar, é o Empório do Largo. Já durante a tarde, o turista pode fazer um passeio de bóia-cross pelas águas do Rio Nhundíaquara. E, para passar a noite, é possível encontrar diversas pousadas em Morretes: Dona Laura Pousada, Pousada Itupava e Chácara Por do Sol são algumas das mais baratas na região.
Quem fizer o caminho do Parque Nacional Saint Hilaire e chegar a Guaratuba, pode des cansar o resto do dia nos hotéis da cidade, como Guaraflat e Guaramar Hotel, para depois curtir a noite agitada da região. As casas noturnas de Guaratuba são as principais atrações.
O Café Curaçao e o Santo Canto são espaços de eventos que lotam de jovens e oferecem shows de diversos gêneros musicais. Já os atletas que forem pelo Parque Estadual do Pico Paraná chegarão a Campina Grande do Sul, onde poderão praticar esportes radicais. O maior atrativo da cidade é a escalada da maior montanha do sul do país, o Pico Paraná. A atividade pesqueira também é muito popular no local. Para dormir, o indicado é o Hotel Fazenda Mata Atlântica Aventura.
SERviçO
Morretes
Empório do Largo: R. Largo Dr. José Pereira, 152, (41) 3462-1190. www.emporiodolargo.com.br
Dona Laura Pousada: R. Rômulo Pereira, 53, (41) 3462-1100 www.morretes.com.br/donalaura
Pousada Itupava: R. Porto de Cima, s/n, (41) 3462-1925. www.itupava.com.br Chácara Por do Sol: Estrada da Ámerica, 1551, (41) 3462-1959. www.chacarapordosol.com.br
Guaratuba
Guaraflat: Av. Visconde do Rio Branco, 5.005, (41) 3442-6049. www.guaraflat.com.br
Guaramar Hotel: Av. Visconde do Rio Branco, 2.800, (41) 3442-7508. www.guaramarhotel.com.br
Café Curaçao: R. Sen. Xavier da Silva, 210. www.cafecuracao.com.br
Santo Canto: R. XV de Novembro, 81. www.portobeachfun.com.br
Campina Grande do Sul
Hotel Fazenda Mata Atlântica Avennura: BR-116, Rodovia Regis Bittencourt, (41) 3873-1060. km 55, www.mataatlanticaaventura.com.br
O
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TEMPO PARA AS lETRAS
As Casas de Leitura se apresentam como espaços abrangentes e próximos, mas será que elas conseguem formar novos leitores?
Francisco Mallmann, Laura Nicolli e Victor Hugo
Mariana e Danielle dizem “é bem perto”. Embora não simul taneamente e nem no mesmo lugar. Uma está no bairro São Lourenço e a outra no Centro. O trajeto de Mariana é de apenas cinco quadras, e o de Danielle, menos de duas. Entre os pontos que as une, estão os ofícios de universitárias e amantes dos livros. Distantes, concordam sobre a proximidade entre suas casas e as Casas de Leitura.
Cada uma frequenta a Casa de Leitura do seu bairro: Mari ana Auchewski, estudante de Psicologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), empresta alguns livros na Casa de Leitura Au gusto Stresser, no Parque São Lourenço, Danielle Campos, estu dante de Artes Cênicas da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), faz da Casa de Leitura Dario Veloso, no Largo da Ordem, um espaço de estudo e uma espécie de biblioteca particular.
Assim como as duas, vários outros podem utilizar os 16 es paços de leitura espalhados pelos bairros de Curitiba. As unidades foram implantadas pela Fundação Cultural de Curitiba (FCC) e possuem um acervo de literatura bastante grande: obras brasilei ras, estrangeiras, tanto para o público adulto quanto para o infan tojuvenil, são encontradas nas prateleiras. Além do acervo, que também contempla periódicos e alguns poucos materiais audiovi
suais, existem atividades de leitura, como contação de histórias e rodas de leitura.
Para Mariane Torres, coordenadora de Literatura da FCC, “esse tipo de atividade traz o publico mais para perto. Muitos acham que é difícil ler, mas numa leitura compartilhada, cole tiva, as pessoas se interessam mais pela literatura. Nós levamos atividades a instituições que estão no entorno dessas casas, como escolas, projetos sociais, ONGs, equipamentos da Fundação de Ação Social (FAS)”, diz.
Gilberto Carlos Pereira é agente de leitura na unidade Au gusto Stresser e explica que a seleção das obras é toda feita pela
tipo de atividadade traz o público mais para perto.”
Mariane Torres, coordenadora de Literatura da FCC
“Esse
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Fotos: Laura Nicolli
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Mariana Auchewski, estudante de Psicologia da Universidade Federal do Paraná e usuária da Casa de Leitura Augusto Stresser, no Parque São Lourenço.
CULTURA
FCC, em um processo semelhante ao de uma curadoria. No es paço em que trabalha, são aproximadamente 4 mil exemplares para leitura local e empréstimo, que pode ser feito mediante o preenchimento de um cadastro bastante simples, que exige ape nas um documento com foto e comprovante de residência. Cada usuário pode emprestar até dois livros por 14 dias. A procura pela casa, segundo Gilberto, é relativamente intensa. “Temos, diari amente, um público que varia entre dez e 15 pessoas. Mas, em eventos específicos, já recebemos até mais de 70 pessoas.”, diz ele.
A abrangência e a eficácia dos espaços é um ponto que Mariana levanta “Acredito que o incentivo à leitura um ponto lou vável do programa, mas me pergunto se as casas não são muito elitizadas. Não vejo um público grande aqui, a não ser em even tos pontuais.” Danielle acha que os espaços são feitos para um público restrito, “Quem eu vejo frequentar esse lugar são meus pares: universitários, pessoas envolvidas com arte e literatura. De maneira nenhuma, acho que são feitos para um grande público,
mais carente, que tenha esse lugar como um início no hábito da leitura”, conclui.
Thiago Cassol Pinto é mestre em Literatura pela UFPR e avalia a efetivação do projeto como complexa. “Para se trabalhar o incentivo à leitura, há de se levar vários aspectos em con sideração, desde a realidade dos participantes do projeto, tanto a dos mediadores quanto a dos que se beneficiam das atividades. A seleção dos textos e a proposta das dinâmicas. Conheço outras iniciativas que se propõem a esse tipo de trabalho, a familiariza ção de textos de literatura brasileira e letramento que acabam não obtendo resultados satisfatórios por conta de uma proposta e de uma dinamização fracas, ou talvez ingênuas, por darem pouca atenção à formação dos mediadores”, diz ele.
Mesmo questionando o espaço, as meninas estão ali, senta das confortavelmente nas poltronas da sala enquanto leem obras do escritor argentino Julio Cortázar e da brasileira Hilda Hilst, alheias ao tempo e aos compromissos. Se precisarem, estarão em casa em cinco minutos.
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O acervo das Casas de Leitura varia de acordo com a localização: algumas delas têm mais de 10 mil livros nas estantes.
Danielle Campos lê Hilda Hilst no espaço da Fundação Cultural de Curitiba, no Largo da Ordem.
Melvin Quaresma
OS TiMbRES nATivOS dE CURiTibA
Conhecida por sua pluralidade cultural, a capital paranaense ainda peca na divulgação da música autoral. Projetos não faltam; o que falta é o interesse do público Helena Bianchi e Isabela Bandeira
Segundo a reportagem “O Paraná que os brasileiros ignoram”, do jornalista Cristiano Castilho, publicada pela Gazeta do Povo em 8 de setembro de 2013, 96% da popula ção brasileira não consegue citar artistas da música paranaense. Os dados são do instituto Paraná Pesquisas, que ouviu 2.550 pessoas maiores de 16 anos em 177 cidades de todas as regiões do Brasil entre 24 e 30 de junho de 2013.
Igor Cordeiro, superintendente da Fundação Cultural de Curitiba (FCC), afirma que os dados apresentados na pesquisa da Gazeta do Povo foram apenas um reflexo da falta de conhe cimento do público em relação aos grupos musicais que nascem na cidade. “O que acontece é que nós não construímos os nossos mitos. Precisamos ver os nossos artistas nos outdoors. É preciso
ter camisetas, como tem de Paulo Leminski no Brasil inteiro, mas que o curitibano não tem”, afirma.
No entanto, muitos músicos paranaenses com potencial para se tornarem “mitos” ainda não ganham destaque nacional. E isso se deve ao desinteresse do próprio público e ao interesse da mídia por grupos de determinados gêneros musicais. O veterano Walmor Góes, guitarrista da banda Maxixe Maxine, já tocou com renomados artistas curitibanos, como Ivo Rodrigues – da banda Blindagem –, Paulo Leminski, Paulo Chaves e Thadeu Wojciechowski.
O músico já produziu álbuns graças à Lei do Incentivo e acredita que o público tem o direito de escolher a quais shows quer assistir. “Hoje tudo é muito burocrático, onde as autoridades
Banda Maxixe Machine: veteranos dos palcos curitibanos, que são pouco conhecidos fora do estado.
CU l TURA JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 81
Icaro Castilho
políticas e empresários esco-lhem o projeto artístico ao seu gosto e não de toda uma sociedade, que será custeado pela lei do incentivo”, diz
“Antigamente, ha via bandas boas e outras não tão prontas; hoje tam bém é assim. Só que o acesso a novas manifestações música é muito mais fácil.”
Partilha da mesma opinião o estudante de filosofia Danilo Borges da Silva. Ele é inte grante de três bandas punk (Traditional Disorder, S.O.S. Chaos e Till Joey) e, normalmente, se apresenta em bares da cidade. Para ele, falta esforço por parte do público e da mídia em descobrir artistas além das fronteiras das duas maiores cidades do país, São Paulo e Rio de Janeiro. “Esse fato se dá pela burocracia que o Estado, as secretarias de Cultura e outros órgãos fomentadores de cultura impõem para os artistas”.
Luiz Cláudio de Oliveira, colunista musical do jornal Gazeta do Povo , acredita que o desconhecimento é normal em
uma pesquisa nacional que pega um extrato grande da socie dade. Para ele, aconteceria o mesmo se a pergunta abordasse artistas de outros estados. “A maioria da população não sabe que o Michel Teló é do Paraná, por exemplo, para citar só um nome de grande sucesso comercial, quanto mais se existe uma pessoa chamada Dalton Tre-visan ou Paulo Leminski, ou onde eles nasceram”, diz o jornalista.
Oliveira afirma que publica informações sobre diversas bandas que surgem em Curitiba em sua coluna, “Acordes Lo cais”, mas que o próprio público não se interessa ou busca informações sobre esses grupos. “As pessoas são muito passi vas, não assinam nenhum jornal local e só acompanham algu ma notícia a res-peito dos artistas locais quando algum amigo posta no Facebook”, comenta.
Considerando a opinião de artistas em relação ao “clubis mo” de gêneros musicais e a burocracia que gira em torno de eventos culturais, Igor Cordeiro concorda que houve, sim, uma maior valorização de músicos de MPB e samba em relação a outros. No entanto, ele prevê mudanças no cenário musical cu ritibano, a partir da Corrente Cultural que aconteceu agora em novembro. Gêneros como heavy metal, hardcore, viola caip ira e música eletrônica foram algumas das atrações previstas para o evento gratuito, contando com uma maior divulgação e produção auxiliados pela Fundação Cultural. Resta ao público se divertir e apreciar um bom timbre curitibano.
“Precisamos ver os nossos artistas nos outdoors.”
- Igor Cordeiro
Thaís Olinek 82 | REVISTA CDM | JORNALISMO PUCPR
Banda curitibana Traditional Disorder tem como principal característica a combinação do skate com o hardcore.
G A l ER i A T E ix: in CU b A d ORA d E id E i AS
Espaço curitibano trabalha para valorizar a arte local
Hellen Rocha de Albuquerque
Pinturas, esculturas, gravuras, ilustrações, grafite, tatuagem, literatura, música, design, fotografia, intervenções e performances. A arte se manifesta de tantas formas, e colocar todas em uma única casa não é tarefa fácil. No entanto, se mostra recompensadora, inovadora e única. Em Curitiba, a Galeria Teix é pioneira nessa empreitada, se tornando, por tanto, uma incubadora de ideias, como é descrita por Jô Maciel.
Sendo a galeria uma incubadora, Jô é uma espé cie de “médica”, que cuida e administra o espaço, criado por ela.
O que começou como estúdio de tatuagem em 2002, não se prende mais a uma única forma de mani festação. Ações relacionadas às artes aconteciam quase involuntariamente, e cresce ram aos poucos, até 2011, quando o perfil da galeria se pluralizou oficialmente.
A interação acontece de uma maneira muito es pontânea, à medida em que são agregados novos par ceiros, artistas, além dos próprios visitantes.
A Galeria/Estúdio é um espaço onde há produção cultural, como também co mercialização de serviços e produtos.
Jô conta que o objetivo, desde o início, era for mar público, por meio de uma programação de quali dade que desmistificasse a arte, oferecendo um local onde ela e o artista se en contrassem. “A proximidade é imprescindível, para que haja troca e permanência, aguçando a vontade de voltar e conferir um novo lança mento, ou ainda voltar e rever algo que já foi mostrado, mas que nessa outra visita torna-se uma nova experiên cia”, explica a curadora.
A curadora diz perceber a grande manifestação dos artistas locais em prol da valorização do que é produzido em Curitiba. Jô acredita que estamos no caminho certo, plantando para que no futuro haja o que colher. Exemplo disso são os diversos eventos que vêm acontecendo na capital paranaense, como a Bienal Internacional, o Festival de Teatro, o Festival de Música, a Corrente Cultural, eventos de gastronomia de todos os portes e a Semana do Design.
“Tem muita coisa boa acontecendo, fora os espaços privados que se mantem com uma programação inin terrupta, e todas essas ações contam com a participação dos ar tistas locais , então jamais poderia dizer que não há valoriza ção da produção artis tica local”, declara a incentivadora da arte.
Por não rece ber apoio financeiro de instituições governamentais, se carac terizando como um espaço autônomo e independente, são os artistas e o público que o mantêm em funcionamento. Ape sar dos inevitáveis desafios de se manter uma proposta assim, Jô não se acanha com as adversidades: “A galeria é um objetivo de vida, pois pra mim ‘a arte não é um fim, é apenas um começo’. É uma das formas de contribuir para um mundo melhor. Aliar arte e trabalho é uma missão para a vida, assim como tornar nossa cidade mais habitável e humana, então arregaço as mangas e me divirto.”
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dE QUEM é A RUA?
A arte no espaço público desconstrói as hierarquias entre arte erudita e popular
Francisco Mallmann
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Mural na XV de Novembro tem como inspiração o filme O Iluminado, de Stanley Kubrick
CULTURA
Francisco Mallmann
Sexta-feira, quatro da tarde, Rua XV de Novembro. Um tran seunte contempla o grande mural. O mesmo afinco que em prega na análise do paredão é utilizado para dispensar minha pri meira tentativa de contato. “Mas por que eu? Pede pra elas ali ó. Elas têm cara de quem quer falar”, disse, enquanto apontava para duas meninas sentadas nas escadas do Guairinha. Ele, cujo nome é Rubens Pereira, não queria dizer nada. “Eu estou só olhando, moço.” De fato, ele seria o mais discreto dos pedestres, que nin guém ousaria importunar, se não fosse o único que parou no meio da calçada para ver o edifício em frente. Não havia como compe tir com o colorido dos cabelos das meninas, com as tatuagens de um sujeito do outro lado da rua ou com tantos outros passantes.
A autenticidade de Rubens ficou, como descobri mais tarde, por conta de um hábito seu: parar para ver. Depois da insistência, se pôs a conversar. Essa rua faz parte do trajeto da volta do trabalho. É o caminho que faz, dia riamente, desde o início do ano passado, quando foi morar ali por perto. Todo dia, analisa algum elemento da cidade que chame a sua atenção. No dia anterior, foram os fios elétricos: “Você já reparou como se embolam?”. Mas o grande paredão, que leva o rosto de Jack Nicholson, não havia ainda despertado o interesse dele. Impossível, ele é gigantesco! A explicação é a distração e o fato de gostar “dos detalhes, do que é pequeno e único”. Mas agora que reparou, pôde dizer com voz de perito que “é bem fei-
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As manifestações culturais no Largo da Ordem, região central de Curitiba, vão desde performances até intervenções urbanas
.
Mallmann
“Provocar tensão entre o público e o passante.” - Ricardo Nolasco, diretor teatral
Francisco
to, é diferente. Não é rabisco como a maioria”. Logo depois, me mandou anotar que era funcionário público e não entendia nada disso: “Falo como alguém que anda na rua”.
E é para “alguém que anda na rua”, assim como Rubens, que o muro em questão foi criado. O mural de Eduardo Melo, que fica no Edifício Inter Walter Sprengel, na Rua XV de Novembro, ao lado do teatro Guairinha, faz parte de um projeto chamado “Motion Layers”, que contempla a criação de murais públicos em edifícios da capital. São enormes paredões que ganham cor e pú blico. O que antes era um lugar de passagem, agora se torna um espaço de apreciação de uma obra. De arte?
Juliana Tonin, artista plástica e estudante de Artes Visuais na Faculdade de Artes do Paraná, diz que sim, e parte da ideia de que a arte de rua é um desdobramento de uma visão crítica sobre os espaços convencionais de arte. “Entra aí uma discussão sobre os espaços institucionalizados, como museus e galerias, onde só se enquadram artistas renomados pelo mercado, e também a dis cussão sobre quem diz o que é arte hoje em dia”, diz ela.
Juliana vê em ações como a dos artistas envolvidos no “Motion Layers” algo que subverte o mercado “exclusivista e excludente” da arte. A arte de rua, segundo ela, é uma reação a esse mercado, que dá a todos o poder do prazer estético, e isso num local que usualmente é considerado um “não lugar”. “Essas discussões são contemporâneas e indicam um entendimento da cidade como processo e não como algo imutável”, diz fazendo um gesto circular com as mãos indicando um processo contínuo.
O público, enquanto plateia, é abrangente e a definição de arte no espaço público também, segundo a artista plástica. Ela vê a apropriação da rua como um espaço democrático de fruição de arte, mas também entende que nem tudo o que acontece nesse am biente deve ser considerado arte. “A princípio, entendo que é arte algo que foi pensado para provocar e/ou ser belo”, diz, mudando o tom e o ritmo da voz, para esclarecer que seu entendimento de belo “passa pelo kitsch, grotesco e outras possibilidades abertas na contemporaneidade”.
Em relação ao público da arte de rua, Ricardo Nolasco, di retor teatral e performer, acredita que ele pode ser definido como “não programado”. “Por mais que se marque uma hora, sempre há a possibilidade do passante, do desavisado. Nesse sentido, a arte de rua dialoga com a cidade, com o transeunte, com o não programado. A arte de rua precisa entender esse espaço como di
alético, como um lugar que possui tensões e está apto a transfor mar-se”, diz ele.
Sobre a concepção da arte que se constitui com um espaço público, de passagem e de acesso abrangente, Nolasco acrescenta ao entendimento de espaço público a noção de espaço virtual, tão natural para os “habitantes do século XXI”, para enfatizar que essa é uma arte que não precisa de “autorização” assim como, teoricamente, a rede. No seu último trabalho, Wundebar, apre sentado no Festival de Curitiba, feito parte na rua e parte no TUC (Teatro Universitário de Curitiba), ele colocava plateia numa área dominada por usuários de drogas e reconstituía o ambiente como cenário de sua peça antes de adentrar ao teatro. “Eu revelava ao público a cidade como uma cenografia para a cena porque queria criar este diálogo, brincar com a grande encenação para, a partir dela, fazer surgir as primeiras personagens. Provocar tensão entre o público que ali estava para ver uma peça num horário específico e o passante”, conclui.
Trabalhar com o público desconhecido exige um preparo específico em todas as fases de concepção e elaboração do projeto artístico. Danielle Campos, atriz e performer, pesquisa perfor mance, ready made e happening há mais de cinco anos e estuda a interação entre o público e a obra de arte. “Quando a obra de arte sai de espaços institucionalizados e toma a rua, precisa-se estar ciente que existe o acaso, o risco, o imprevisto, o acidente e uma maior interação”, diz ela. Não são elementos singulares da arte de rua, mas são, segundo Danielle, características que se potencializam e exigem um maior cuidado na idealização da ação artística. “Não há como tomar o espaço público, buscando homo geneização, e unidade de interpretação sobre sua obra, por exem plo. A arte de rua lida com os mais variados públicos: ela atinge o especializado, o leigo, não iniciado, o indiferente e até aquele que nem mesmo se considera público”, explica.
O Rubens que não queria falar, definitivamente não se re conheceria no Rubens que gastou um bom tempo discorrendo so bre o mural. Ele não soube me dizer por que gostava tanto dele, assim como não identificou a origem da sua curiosidade sobre a arte urbana, que ele vê até mesmo nos postes. Independentemente do lugar em que habita nesse grande conjunto de públicos, o que ele tem para dizer sobre a arte espalhada a céu aberto pela cidade é que “Acho que se trata de uma necessidade. Não importa se gos ta ou não. Já pensou se não tivesse uma corzinha?”. Já pensou?
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“Entra aí uma discussão sobre quem diz o que é arte hoje.”
- Juliana Tonin, artista plástica
“Não há como tomar o espaço público buscando homogeneização.”
- Danielle Campos, atriz
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Mural de Rimon Guimarães na Casa Hoffmann, no centro histórico da capital paranaense.
Francisco Mallmann
O autorretrato de Lui, que tem na hachura um de seus métodos favoritos de criação.
Lui Zucherelli
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CRiAdOR
dE MUndOS
O ilustrador Lui Zuccherelli povoa seus trabalhos com seres e histórias que brotam de sua imaginação prodigiosa
Com seu inseparável companheiro, o sketch book, Lui Zucherelli viaja o mundo. Mas não exata mente o mundo real. “Eu gosto muito de ler, além de desenhar, claro.” Com um lápis na mão e uma ideia na cabeça, no melhor estilo Glauber Rocha, o ilustrador explora ao máximo seu gosto por leitura e pelo mundo imaginário, criando obras que têm personalidade. Essa, aliás, é a característica que ele sempre tenta impor a si próprio e a seu trabalho. “Há muito tem po decidi não copiar desenhos de ninguém. Acho que o que mais aprecio no trabalho de um artista é a personalidade.”
Por medo de tornar-se repetitivo, o artista costuma variar seu repertório. Quadrinhos, contos, fantasias, preto e branco, são parte do cabedal do ilustrador que considera a inspiração a parte mais importante de seu processo artístico. Com apenas 16 anos, o artista já alça voos maiores, trabalhando como freelancer. A dificul dade em interpretar o texto e transformá-lo em imagem é destacada pelo jovem, que gosta de fazer os trabalhos, apesar de confessar não se divertir com eles.
Como você ingressou no mundo das artes?
Vou acabar dando uma resposta clichê, mas verda deira. Como eu nunca gostei de futebol, passei meus recreios fazendo outras coisas. Eu acho meio difícil responder isso, mas, simplificando bastante, pode-se dizer que sempre gostei de criar histórias e, quando eu era mais novo, gostava principalmente de criar “mundos” e seus habitantes, geralmente seres fantásticos (costumava chamá-los de “monstros”, mas não gostava dessa nomenclatura). E como a minha mente sempre foi muito pouco visual, precisava desenhá-los, para pod er compreender o que estava vi sualizando. Outro fator foi que, após “criar” a história, precisava “narrá-la”, para isso utilizava dos quadrinhos.
Qual a sua principal influência artística?
Eu gosto muito de história em quadrinhos. Nesse gênero, meus artistas favoritos são o Laerte e o Moebius. Porém, falar sobre “influências artísticas” é mais com plicado, pois há muito tempo decidi não copiar desenhos
O
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Felipe Raicoski
“ Nunca fazia um ser individualmente, criava o bioma dele inteiro. Isso resultou em uma variedade de seres fantásticos.” - Lui Zucherelli
de ninguém. Acho que o que mais aprecio no trabalho de um artista é a personalidade. Isso não quer dizer que não tenho influências, o que seria certamente uma men tira, se não um absurdo, mas trabalho para minimizá-las ao máximo.
Como funciona seu processo de criação? É basicamente 90 % “ter a ideia” e dez por cento “realizá-la”. Quando essa ideia não vem, faço algo totalmente sem significado (o que eu não gosto muito) ou repetido (um pouco “menos ruim” [sic]). Porém, se ela chega, costumo desenhar no tempo que me sobra. Não mantenho nenhuma rotina.
Uma das características mais marcantes em seus trabalhos é o preto e branco. Por que o gosto por essa forma de desenho?
agrada. De vez em quando acho que o colorido distrai demais a visão. O escuro é consequência disso. Para se aumentar o contraste é necessário escurecer o desenho.
rentes em sua arte. Em um de seus úl timos trabalhos aparece o polvo. Por que este personagem é tão presente em sua obra?
muito boas para desenhar. Descobri isso há cerca de quatro anos. Eu fiz uma ilustração para um conto que havia escrito na escola (chamado “O Grande Lago”) e esse conto envolvia
um polvo gigante. Me diverti tanto desenhando que essa única ilustração virou três e, mesmo após o término do trabalho, continuei insistindo sobre o mesmo tema. No final viraram 13, só contando os de hachura. Desen hei tanto polvo que é, hoje, a coisa mais fácil de fazer.
Você costuma desenhar diversos personagens fictícios, como o polvo. Você acredita que essa influência vem do gosto pelos livros?
Talvez. Quando pequeno gostava muito de livros de fantasia mas não foi só isso. Eu gostava mesmo de criar. Nunca fazia um ser individualmente, criava o bioma dele inteiro. Isso resultou em uma variedade de seres fantásticos. Se eles se pareciam com dragões, é mais porque eu gostava de dinossauros. Se parecem com polvos, acho que já expliquei a razão [risos].
Como você planeja dar sequência a sua
O meu maior interesse são os quadrinhos e é o que eu pretendo
tudar artes (não me atrai muito o curso). Pretendo me formar em
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Lui Zucherelli
Na sua opinião, qual é a sua princi pal obra até agora?
Realmente não saberia dizer. Fico em dúvida entre a adaptação em quadrinhos de um capí tulo do Dom Quixote ou as muitas ilustrações que fiz para Lago. Mas, se já tivesse pronto, algo mais com pleto do que algumas páginas e muitos rascunhos, pro vavelmente seria o projeto no qual estou agora, também uma história que escrevi e que estou desenhando em quadrinhos.
Depois que passou a ilustrar como freelancer, qual a diferença que você sentiu na dinâmica de trabalho?
Creio que o mais difícil é o fato de que, se eu não ti ver uma ideia, não posso simplesmente fazer um polvo
ou algo do gênero. Nos primeiros trabalhos foi difícil imaginar uma ilustração de um texto que não é meu (e que, às vezes, o assunto nunca me passou pela cabeça), mas acho que estou me acostumando. No final eu gosto. Não é divertido, mas eu gosto.
Quais são as maiores dificuldades que você enxerga no universo da ilustração, como profissão?
Ter uma ideia de desenho sobre um assunto que não me chamava atenção até receber a matéria. Como não gosto de simplesmente desenhar o que está escrito no texto costumo pedir o material completo para pensar em alguma piada, brincadeira ou em uma análise sobre o assunto, às vezes até uma crítica, mas tento evitá-las para diminuir a chance de confronto com o texto.
Confira mais do trabalho de Lui Zuccherelli no blog http://luizuc.blogspot.com.br/ ou na sua página do Facebook https://www.facebook.com/luizuc.
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Lui Zucherelli
Lui Zucherelli
Prato é preparado com carne moida de primeira, cebola e salsinha
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Rogério Ferreira
Fabio Wosniak Lucas Dziedicz Rogério Ferreira
O APER i T iv O n ÚMERO 1 d E C UR i T ib A
De influência europeia, mas recriada na capital paranaense, a carne de onça espanta pelo nome e delicia com seu paladar
A“cidade
do “leite quente” talvez seja uma das úni cas capitais do país que não tem uma riqueza gas tronômica própria e tradicional da região. A miscigenação dos imigrantes, em sua maioria europeia, é o ponto-chave para essa suposta falta de identidade. Alemães, ucranianos, polone ses, italianos e por aí vai... É grande a lista dos povos que desembarcaram por aqui, trazendo na bagagem suas próprias culturas no paladar. Entre todos os pratos de cada país, um sobressaiu e é, de certa maneira, considerado o prato típico da cidade. E não é a polenta com o frango frito, servido no bairro de Santa Felicidade. E sim a carne de onça.
“Esse é um prato que veio das terras frias, da Europa. Aqui era feito pela Sociedade Juventus, pelos alemães e ucranianos. Como sou descendente de ucranianos, era obrigação aprender a fazer o pra to
que vem de uma bagagem familiar passada pela minha avó”, conta o proprietário da Gruta da Onça, Edgar Pochlopek. O bar, hoje localizado no bairro Parolin, teve no Alto da Rua XV a primeira sede e introduziu a carne com a intenção de oferecer à clientela um aperitivo rápido e saboroso. Posteri ormente adotado pela cidade, era inicialmente dirigido a mo toristas de uma companhia de ônibus estabelecida próxima ao restaurante.
Todo turista que viaja para alguma cidade busca saber sobre as peculiaridades e curiosidades da região. O Paraná tem alguns pratos, como o barreado, a quirera com suã e o pinhão. Mas Curitiba adotou como sua a carne de onça. A curiosi dade já começa pelo nome: é bom avisar que o felino predador, que está em ex tinção, não corre qualquer forma de perigo de ser caçado para se tornar um aperiti vo.
Rogério Ferreira
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A falta de informação sobre o prato levava os clientes a acreditar que o petisco era feito da carne do felino
Na verdade, a iguaria é feita com carne bovina moída de primeira e temperos, como cebola e cebolinha, mas o assunto já foi caso de polícia. omo conta seu Dino, nome pelo qual é conhe cido no Bar Stuart, considerado o mais antigo estabelecimento do gênero na cidade, com 109 anos de existência. O senhor, que já foi proprietário do restaurante no passado e hoje apenas trabalha no local, conta que quando introduziu o petisco, a falta de infor mação e o nome convidativo levavam as pessoas a acreditar que a carne era realmente de uma onça. “Uma mulher, certa vez, chegou
e disse: ‘Vou dar parte de vocês, como que pode matar onça pra fazer comida! Até explicar pra ela que não era isso...”, revela o agora garçom.
A procura pelo prato atinge todos os paladares, de crianças a idosos. A curiosidade convida os clientes a experimentarem e é o diferencial para atrair a clientela a desfrutar o local e os outros pratos dos estabelecimentos. Custando em média R$ 10, o preço é outro aspecto convidativo, até porque comer uma “carne de onça” em troca de uma arara não é um mau negócio.
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Rogério Ferreira
Rogério Ferreira
Peculiaridades marcam dois pratos típicos do estado
Peculiaridades marcam dois pratos típicos do estado
Não é só Curitiba que tem o direito de exibir pratos tipicamente surgidos no município, como a carne de onça, a quirera com suã, o testículo de boi e outros mais. O Paraná também tem essa honra e apresenta no Barreado e no Pinhão características curiosas que os tornam ainda mais especiais.
O primeiro, à base de carne cozida, servido com arroz e farinha, preparado em uma panela de barro, estimula certa rivalidade entre duas cidades do litoral, onde é consumido há aproximadamente 200 anos. De origem portuguesa, o prato tem rela ção com o carnaval do século XVIII, pois era con sumido pelos imigrantes como forma de se obter energia para a dança.
A disputa, no entanto, se dá pela autoria do prato. Morretes, Antonina e até mesmo um pedaço da cidade de Paranaguá “brigam” por tal fama. Isso acontece pela não especificação exata do local de origem do prato, pelos historiadores.
De certa maneira, o pinhão também sofre do mesmo mal e, dessa vez, a “rixa” se dá com outro estado. A “Terra do Pinhão” divide o termo “típico” com os vizinhos de Santa Catarina.
Por possuir a maior área de Araucárias (ár vore cujas sementes são os pinhões) do Brasil, o Paraná torna-se o mais apropriado quando a inten ção é conhecer o prato. Somente no Paraná podemos encontrar inúmeras receitas com o pinhão: aperiti vos, bolos, panquecas, paçocas, pudins, sopas etc.
Ingredientes
150 gramas de carne moída de primeira. 50 gramas de cebola 15 ml de azeite de oliva Sal e pimenta do reino a gosto Cebolinha verde picada Broa preta
Modo de preparo
“Moemos uma carne de primeira, bem limpa, duas ou três vezes, a temperamos com cheiro verde e cebola”, É assim que Edgar, proprietário do Gruta da Onça, prepara cuidadosamente o carro-chefe de seu bar.
Depois de moída aproximadamente três vezes, misture a carne com os demais ingredientes: cebola, azeite de oliva, pimenta, cebola, sal e pimenta. Adicione os temperos à carne e os coloque em uma fatia de broa preta. Cubra com cebolinha.
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Rogério Ferreira
dE CRiAç ãO
Isabela Bandeira Saciotti
Fica
o recado aos que pensam que o universo da moda se restringe apenas às tendências internacionais e aos caprichos de uma determinada elite: ela é muito mais do que um conceito visual. Trata-se de comportamento, de identificação. É o seu cartão de visitas.
Resumidamente, moda é tudo. É o que diz a curitibana Nichole Biaggi Perez, de 20 anos, que produz camisetas para pessoas que buscam uma forma de expressão através de roupas confortáveis, bonitas e que não necessitem de muito brilho ou cores chamativas para que sejam notadas. Suas confecções são baseadas em uma visão de mundo particular, mas que chamam a atenção de pessoas com diferentes pontos de vista e que optam pela simplicidade como forma de expressão. Estilista dos sonhos? Não, Nichole é estudante de Moda e fundadora da marca Rever enda, um dos principais destaques do LABmoda deste ano.
Quando pequena, Nichole mantinha seus croquis em um caderno de bolso, sonhando com o dia em que se tornaria uma estilista de renome. Mesmo acompanhando os pais na produção de confecções para uma loja, não sabia que existiam cursos para quem desejava entrar nesse mundo. Nem mesmo que pudesse se destacar em um mercado tão concorrido colocando a própria per sonalidade nas roupas que produzisse. Ela teve de convencer os
pais de que não havia outro espaço em seu futuro profissional. “Na primeira vez que eu falei aos meus pais que queria fazer moda, a primeira reação deles foi ‘não’. Negativo. Me disseram que eu não teria um bom futuro. Tive que sentar e conversar com o meu pai, convencê-lo de que não havia possibilidade de cursar outra coisa, porque era isso o que eu gostava de fazer.”.
Nichole começou a cursar Design de Moda na Universi dade Positivo (UP), no ano de 2011. Tendo de driblar a vontade dos pais, a estudante ainda teve que lidar com o pensamento de que moda só se faz no exterior e que Curitiba, apesar de ser uma cidade grande, não dá oportunidades para quem deseja trabalhar na área. “Há muito preconceito em relação ao meu curso dentro da própria faculdade.”.
Realmente, ser aprovada no curso de moda não é difícil. Não há tanta concorrência como em outros cursos e não há uma universidade pública que o ofereça gratuitamente. Só que, depois de você ser aprovada em Design de Moda, você deve dedicar 100% do seu tempo a isso”, conta. Um de seus maiores desafios foi o de ganhar destaque dentro da faculdade e do mercado, onde criatividade não é o suficiente. “São muitas as pessoas que trabal ham com vestuário no mercado e, na realidade, você não necessita de um curso para trabalhar com isso. Você deve fazer uma coisa
UM
OUTRO COnCEiTO
Isabela Bandeira Saciotti
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Nichole Perez, fundadora da Reverenda, um dos destaques do LABmoda.
Fugindo dos padrões das revistas, blogs e redes sociais, Nichole Biaggi Perez traz um novo olhar sobre as diferentes formas de expressão com as camisetas da Reverenda.
MODA
Símbolo da marca Reverenda.
muito bem feita e muito criativa para se destacar.” Criatividade, Nichole tem de sobra. A estudante conta que tenta fugir o máximo de conceitos veiculados em blogs de moda e páginas em redes sociais que, segundo ela, trazem uma moda muito diferente do que se aprende na faculdade e que se vê nas ruas. “Moda tem muito mais a ver com o comportamento das pessoas, do que elas gostam”.
Para ela, não se tratam de tendências internacionais ou de desfiles super elaborados e com conceitos que ninguém entende. Nichole acredita que moda é feita com simplicidade, conforto e personalidade. Foi assim que abriu a empresa Reverenda, em abril de 2013. A marca, que tem como principal característica o uso de estampas, foi fundada com a visão de que qualquer um pode usar a roupa que desejar, independentemente da situação, e que se sinta confortável com o que decidir vestir. “Isso tem tudo a ver comigo e eu nunca pensei que alguma coisa que me agra dasse tanto pudesse se tornar o meu trabalho, que eu pudesse fazer roupas para que outras pessoas também usassem. Coloco muito da minha personalidade e das pessoas ao meu redor no que eu produzo.”
Além de trabalhar com conforto, simplicidade e esté tica, a Reverenda tem o comportamento como principal car acterística. Nichole apostou em um ponto que a maioria dos consumidores tem em comum e que segue à risca o conceito de sua marca: a religião. Para ela, religião abrange diversos pontos de vistas e diversas formas de expressão, o que deixa de estabelecer um limite muito grande de público. “Pensei em fazer coisas voltadas apenas ao catolicismo, só que o objetivo da empresa era atender todos os tipos de público, onde as pessoas pudessem encontrar alguma coisa que gos tassem. Por isso abordei vários tipos de símbolos religiosos, de divindades, e criei a coleção pensando em estampas rela cionadas às representações religiosas de todos os tipos.” O resultado foi melhor que o esperado. “Meus amigos, desde o católico mais fervoroso ao hippie, me procuraram e estão usando as camisetas da Reverenda. Religião não é uma coisa
A Reverenda trabalha, principalmente, com tendências comportamentais.
que as pessoas demonstrem com tanta facilidade, ainda mais no Brasil. Foi um grande desafio ter que produzir camisetas simples, com símbolos religiosos e agradar esteticamente. Felizmente, o conceito foi entendido”, diz Nichole.
A estudante participou da última edição do LAB moda, que aconteceu no mês de junho. Foi por meio de uma dica do diretor do evento e também seu professor, Junior Gabardo, que teve a oportunidade expor a primeira coleção da Reverenda. Com o desafio de ter de criar um desfile conceitual para uma marca básica, Nichole apos tou em acessórios que pudessem representar a ideia sem ter que modificar suas confecções. De apaches coloridos à maxi colares, o desfile da Reverenda para o evento lhe rendeu uma boa procura e novos clientes, que se identifi cam cada vez mais com a proposta da marca.
Nichole quer, também, continuar a produzir coisas para a Reverenda em Curitiba. A estudante diz que a ci dade tem um grande potencial para se tornar um polo da Moda. Ela acredita que não é preciso ir para outros es tados e países para que o trabalho de um bom estilista brasileiro seja reconhecido. Busca inspiração na própria cidade e diz que seu objetivo é fazer com que todos se sintam integrados.
JORNALISMO PUCPR | REVISTA CDM | 97
REliGiãO E COMPORTAMEnTO COMO FOCO
“Curitiba tem muita coisa boa para oferecer. Muitos bons cursos, muita gente legal envolvida nesse meio... Você não precisa sair da cidade para ver isso.”
- Nichole Perez, estilista
Nichole Biaggi Perez
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