Versos da Terra e do Coração: Poemas Portugueses


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Duarte Leal, Po2344,11ºGPSI-A
David Santos, PO2341, 11ºGPSI-A
Hugo Bastos,PO2354,11ªGPSI-A
Trabalho no âmbito do módulo 6 de Português
Professora Marta Silva
Ano letivo 2023/2024
Ciclo de formação 2022/2025
A poesia portuguesa é rica em expressões que capturam a essência dos sentimentos humanos e a beleza do mundo natural.
Nesta antologia, "Versos da Terra e do Coração: Poemas Portugueses", reunimos vinte poemas de dez dos maiores poetas de Portugal, oferecendo um passeio lírico pelos temas do amor e da natureza.
Cada poema, com a sua própria voz e perspetiva única, oferece uma janela para a riqueza da poesia portuguesa e para a beleza da natureza que nos rodeia. Esperamos que esta antologia proporcione aos leitores momentos de encantamento, reflexão e apreciação pela poesia e pela vida.
A ordem pela qual os poemas estão ordenados procura agrupar os poemas de acordo com temas semelhantes, como paisagens naturais, reflexões sobre a vida e a arte, e sentimentos humanos como amor e tristeza.
Boa leitura!
Luís de Camões (1524-1580) foi um poeta português. É o maior representante do Classicismo Português.
Luís de Camões viveu a sua infância na época das grandes descobertas marítimas e também no início do Classicismo em Portugal.
Foi aluno do colégio do convento de Santa Maria e tornou-se um profundo conhecedor de história, geografia e literatura.

Amor é um fogo que arde sem se ver, É ferida que dói, e não se sente;
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
É um andar solitário entre a gente;
É nunca contentar-se de contente;
É um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
É servir a quem vence, o vencedor,
É ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade; Se tão contrário a si é o mesmo Amor? in"Rimas", 1595
Verdes são os campos,
De cor de limão: Assim são os olhos
Do meu coração.
Campo, que te estendes
Com verdura bela; Ovelhas, que nela Vosso pasto tendes, De ervas vos mantendes
Que traz o Verão, E eu das lembranças
Do meu coração.
Gados que pasceis
Com contentamento, Vosso mantimento
Não no entendereis; Isso que comeis
Não são ervas, não: São graças dos olhos
Do meu coração. in "Rimas", 1595
Fernando Pessoa (1888-1935) foi um dos mais importantes poetas da língua portuguesa e figura central do Modernismo português.
Poeta lírico e nacionalista cultivou uma poesia voltada aos temas tradicionais de Portugal e ao seu lirismo saudosista, que expressa reflexões sobre seu “eu profundo”, suas inquietações, sua solidão e seu tédio.

Ela canta, pobre ceifeira, Julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia
De alegre e anónima viuvez,
Ondula como um canto de ave
No ar limpo como um limiar,
E há curvas no enredo suave
Do som que ela tem a cantar.
Ouvi-la alegra e entristece,
Na sua voz há o campo e a lida,
E canta como se tivesse Mais razões para cantar que a vida.
Ah, canta, canta sem razão!
O que em mim sente está pensando.
Derrama no meu coração
A tua incerta voz ondeando!
Ah, poder ser tu, sendo eu!
Ter a tua alegre inconsciência,
E a consciência disso! Ó céu!
Ó campo! Ó canção! A ciência
Pesa tanto e a vida é tão breve!
Entrai por mim dentro! Tornai Minha alma a vossa sombra leve!
Depois, levando-me, passai! in “Poesias”,1995
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia,
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia,
O Tejo tem grandes navios
E navega nele ainda,
Para aqueles que vêem em tudo o que lá não está,
A memória das naus.
O Tejo desce de Espanha
E o Tejo entra no mar em Portugal.
Toda a gente sabe isso.
Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente, É mais livre e maior o rio da minha aldeia.
Pelo Tejo vai-se para o Mundo.
Para além do Tejo há a América
E a fortuna daqueles que a encontram.
Ninguém nunca pensou no que há para além
Do rio da minha aldeia.
O rio da minha aldeia não faz pensar em nada
Quem está ao pé dele está só ao pé dele. in “Mensagem", 1934
Florbela Espanca (1894-1930) foi uma poetisa portuguesa, autora de sonetos e contos importantes da literatura portuguesa. Foi uma das primeiras feministas de Portugal.
A sua poesia é conhecida por um estilo peculiar, com forte teor emocional, na qual o sofrimento, a solidão e o desencanto estão aliados ao desejo de ser feliz.
Florbela Espanca, nome literário de Florbela da Alma da Conceição, nasceu em Vila Viçosa, no Alentejo, Portugal, no dia 8 de dezembro de 1894.

Ser poeta é ser mais alto, é ser maior
Do que os homens! Morder como quem beija!
É ser mendigo e dar como quem seja
Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!
É ter de mil desejos o esplendor
E não saber sequer que se deseja!
É ter cá dentro um astro que flameja,
É ter garras e asas de condor!
É ter fome, é ter sede de Infinito!
Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...
É condensar o mundo num só grito!
E é amar-te, assim, perdidamente...
É seres alma, e sangue, e vida em mim
E dizê-lo cantando a toda a gente in “Livro de Mágoas", 1919
Eu quero amar, amar perdidamente! Amar só por amar: Aqui... além... Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente... Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!...
Prender ou desprender? É mal? É bem? Quem disser que se pode amar alguém Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma Primavera em cada vida: É preciso cantá-la assim florida, Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei de ser pó, cinza e nada Que seja a minha noite uma alvorada, Que me saiba perder... pra me encontrar...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
In "Charneca em Flor", 1931
José Joaquim Cesário Verde nasceu em plena Baixa Lisboeta, a 25 de fevereiro de 1855, dia litúrgico de São Cesário, sendo óbvia a responsabilidade do Santo no nome do menino. Os seus pais, José Anastácio Verde e Maria da Piedade dos Santos, eram um casal abastado, ligado ao comércio retalhista de ferragens. O casal tinha loja aberta na Rua dos Fanqueiros. O ulterior «poeta negociante» era o primeiro filho varão do casal e descendia, pela via paterna de João Maria Verde, um imigrante genovês

“Cesário Verde”
Dez horas da manhã; os transparentes Matizam uma casa apalaçada; Pelos jardins estancam-se as nascentes, E fere a vista, com brancuras quentes, A larga rua macadamizada.
Rez-de-chaussée repousam sossegados, Abriram-se, nalguns, as persianas, E dum ou doutro, em quartos estucados, Ou entre a rama do papéis pintados, Reluzem, num almoço, as porcelanas.
Como é saudável ter o seu conchego, E a sua vida fácil! Eu descia, Sem muita pressa, para o meu emprego, Aonde agora quase sempre chego Com as tonturas duma apoplexia.
E rota, pequenina, azafamada, Notei de costas uma rapariga, Que no xadrez marmóreo duma escada, Como um retalho da horta aglomerada Pousara, ajoelhando, a sua giga.
E eu, apesar do sol, examinei-a. Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos; E abre-se-lhe o algodão azul da meia, Se ela se curva, esguelhada, feia, E pendurando os seus bracinhos brancos.
Do patamar responde-lhe um criado: "Se te convém, despacha; não converses. Eu não dou mais." È muito descansado, Atira um cobre lívido, oxidado, Que vem bater nas faces duns alperces.
Subitamente - que visão de artista!Se eu transformasse os simples vegetais, À luz do Sol, o intenso colorista, Num ser humano que se mova e exista Cheio de belas proporções carnais?
Bóiam aromas, fumos de cozinha; Com o cabaz às costas, e vergando, Sobem padeiros, claros de farinha; E às portas, uma ou outra campainha Toca, frenética, de vez em quando.
E eu recompunha, por anatomia, Um novo corpo orgânico, ao bocados. Achava os tons e as formas. Descobria Uma cabeça numa melancia, E nuns repolhos seios injetados.
As azeitonas, que nos dão o azeite, Negras e unidas, entre verdes folhos, São tranças dum cabelo que se ajeite; E os nabos - ossos nus, da cor do leite, E os cachos de uvas - os rosários de olhos.
Há colos, ombros, bocas, um semblante Nas posições de certos frutos. E entre As hortaliças, túmido, fragrante, Como alguém que tudo aquilo jante, Surge um melão, que lembrou um ventre.
E, como um feto, enfim, que se dilate, Vi nos legumes carnes tentadoras, Sangue na ginja vívida, escarlate, Bons corações pulsando no tomate E dedos hirtos, rubros, nas cenouras.
O Sol dourava o céu. E a regateira, Como vendera a sua fresca alface
E dera o ramo de hortelã que cheira, Voltando-se, gritou-me, prazenteira: "Não passa mais ninguém!... Se me ajudasse?!..."
Eu acerquei-me dela, sem desprezo; E, pelas duas asas a quebrar, Nós levantamos todo aquele peso Que ao chão de pedra resistia preso, Com um enorme esforço muscular.
"Muito obrigada! Deus lhe dê saúde!"
E recebi, naquela despedida, As forças, a alegria, a plenitude, Que brotam dum excesso de virtude Ou duma digestão desconhecida.
E enquanto sigo para o lado oposto, E ao longe rodam umas carruagens, A pobre, afasta-se, ao calor de agosto, Descolorida nas maçãs do rosto, E sem quadris na saia de ramagens.
Um pequerrucho rega a trepadeira Duma janela azul; e, com o ralo Do regador, parece que joeira Ou que borrifa estrelas; e a poeira Que eleva nuvens alvas a incensá-lo.
Chegam do gigo emanações sadias, Ouço um canário - que infantil chilrada! Lidam ménages entre as gelosias, E o sol estende, pelas frontarias, Seus raios de laranja destilada.
E pitoresca e audaz, na sua chita, O peito erguido, os pulsos nas ilhargas, Duma desgraça alegre que me incita, Ela apregoa, magra, enfezadita, As suas couves repolhudas, largas.
E, como as grossas pernas dum gigante, Sem tronco, mas atléticas, inteiras, Carregam sobre a pobre caminhante, Sobre a verdura rústica, abundante, Duas frugais abóboras carneiras.
in "O Livro de Cesário Verde", 1887
Naquele «pic-nic» de burguesas, Houve uma coisa simplesmente bela, E que, sem ter história nem grandezas, Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico, Foste colher, sem imposturas tolas, A um granzoal azul de grão-de-bico Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos, Nós acampámos, inda o sol se via; E houve talhadas de melão, damascos, E pão de ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro, a sair da renda Dos teus dois seios como duas rolas, Era o supremo encanto da merenda O ramalhete rubro das papoulas. in "O Livro de Cesário Verde", 1887
Almeida Garrett (1799-1855) foi jornalista, legislador, poeta e escritor. Foi percursor do Romantismo em Portugal. Envolve-se nas guerras liberais ao lado de D. Pedro, razão porque se viu obrigado a procurar o exílio por duas vezes. Nasceu no Porto em 4 de fevereiro de 1799 com o nome João Baptista da Silva Leitão. Estudou Direito em Coimbra, onde adotou o nome Almeida Garrett, destacando-se como orador notável, batendo-se por causas.
Como autor tem uma vasta bibliografia onde se destacam “Frei Luís de Sousa” e “Viagens na minha Terra”, mas Garrett foi também ministro e par do reino, desenvolvendo uma carreira política após as guerras liberais, chegando a receber o título nobiliárquico de Visconde.

A rosa
É formosa; Bem sei.
Porque lhe chamam – flor
De amor, Não sei.
A flor, Bem de amor
É o lírio;
Tem mel no aroma – dor
Na cor
O lírio.
Se o cheiro
É fagueiro
Na rosa;
Se é de beleza – mor Primor
A rosa:
No lírio
O martírio
Que é meu
Pintado vejo: – cor
E ardor
É o meu.
A rosa
É formosa, Bem sei.
E será de outros flor
De amor...
Não sei in "Folhas Caídas", 1853
Pescador da barca bela, Onde vais pescar com ela. Que é tão bela, Oh pescador?
Não vês que a última estrela No céu nublado se vela? Colhe a vela, Oh pescador!
Deita o lanço com cautela, Que a sereia canta bela... Mas cautela, Oh pescador!
Não se enrede a rede nela, Que perdido é remo e vela, Só de vê-la, Oh pescador.
Pescador da barca bela, Inda é tempo, foge dela Foge dela Oh pescador! in "Folhas Caídas", 1853
Eugénio de Andrade (1923 - 2005) desenvolve a parte mais importante da sua obra no Porto, para onde foi viver relativamente jovem por razões profissionais. Recebeu diversas distinções e prémios nacionais e internacionais.
O seu primeiro livro, “Adolescente“ foi editado em 1942, mas é “As mãos e os Frutos”, em 1948, que lhe dá grande visibilidade. Escreveu sempre ao longo da sua vida e publicou dezenas de livros, participando ainda em diversas antologias.

“
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão. O seu corpo perfeito, linha a linha, derramava-se no meu, e eu sentia nele o pulsar do próprio coração.
Moreno, era a forma das pedras e das luas. Dentro de mim alguma coisa ardia: a brancura das palavras maduras ou o medo de perder quem me perdia.
Hoje deitei-me ao lado da minha solidão e longamente bebi os horizontes. E longamente fiquei até sentir o meu sangue jorrar nas próprias fontes.
in “As Mãos e os Frutos”, 1948
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor, e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes. Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas, gastámos as mãos à força de as apertarmos, gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro; era como se todas as coisas fossem minhas: quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava. Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos, no tempo em que o teu corpo era um aquário, no tempo em que os meus olhos eram realmente peixes verdes. Hoje são apenas os meus olhos. É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras. Quando agora digo: meu amor, já não se passa absolutamente nada. E, no entanto, antes das palavras gastas, tenho a certeza de que todas as coisas estremeciam só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água. O passado é inútil como um trapo. E já te disse: as palavras estão gastas. Adeus.
in “Os Amantes Sem Dinheiro”, 1950
Jorge de Sena (1919-1978), poeta, ficcionista, crítico, ensaísta, historiador e tradutor é visto como um dos mais influentes intelectuais portugueses do século XX.
Edita a sua primeira obra em 1942. Formado em engenharia civil, acabaria por se exilar no Brasil, em 1959, depois de participar num golpe revolucionário abortado. Seis anos depois, devido à instabilidade que se registava no Brasil, muda-se para os Estados Unidos da América onde assume funções nas universidades de Wisconsin e, mais tarde, em Santa Barbara.

Da vida... não fales nela, quando o ritmo pressentes. Não fales nela que a mentes.
Se os teus olhos se demoram em coisas que nada são, se os pensamentos se enfloram em torno delas e não em torno de não saber da vida... Não fales nela.
Quanto saibas de viver nesse olhar se te congela.
E só a dança é que dança, quando o ritmo pressentes.
Se, firme, o ritmo avança, é dócil a vida, e mansa... Não fales nela, que a mentes. in “Pedra Filosofal”, 1950
Não sou daqueles cujos ossos se guardam, nem sequer sou dos que os vindouros lamentam não hajam sido guardados a tempo de ser ossos.
Igualmente não sou dos que serão estandartes em lutas de sangue ou de palavras, por uns odiados quanto me amem outros.
Não sou sequer dos que são voz de encanto, ciciando na penumbra ao jovem solitário, a beleza vaga que em seus sonhos houver.
Nem serei ao menos consolação dos tristes, dos humilhados, dos que fervem raivas de uma vida inteira pouco a pouco traída.
Não, não serei nada do que fica ou serve, e morrerei, quando morrer, comigo.
Só muito a medo, a horas mortas, me lerá, de todos e de si se disfarçando, curioso, aquele’ que aceita suspeitar quanto mesmo a poesia ainda é disfarce da vida.
in “As Evidências”, 1955
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu a 6 de novembro de 1919 no Porto, onde passou a infância. Entre 1939-1940 estudou Filologia Clássica na Universidade de Lisboa. Publicou os primeiros versos em 1940, nos Cadernos de Poesia. Em 1944 sai, em edição de autor, o seu primeiro livro de poemas, Poesia, título inaugural de uma obra incontornável que a torna uma das maiores vozes da poesia do século xx
Os seus livros estão traduzidos em várias línguas e foi muitas vezes premiada, tendo recebido, entre outros, o Prémio Camões 1999, o Prémio Poesia Max Jacob 2001 e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana – a primeira vez que um português venceu este prestigiado galardão.

Mar, metade da minha alma é feita de maresia
Pois é pela mesma inquietação e nostalgia, Que há no vasto clamor da maré cheia, Que nunca nenhum bem me satisfez.
E é porque as tuas ondas desfeitas pela areia
Mais fortes se levantam outra vez, Que após cada queda caminho para a vida, Por uma nova ilusão entontecida.
E se vou dizendo aos astros o meu mal
É porque também tu revoltado e teatral
Fazes soar a tua dor pelas alturas.
E se antes de tudo odeio e fujo
O que é impuro, profano e sujo, É só porque as tuas ondas são puras. in "Livro Sexto", 1962
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a pobre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
E não:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»
Ó vendilhões do templo Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem in “Livro Sexto”, 1962
Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) foi um poeta português da primeira Geração Modernista, também conhecida como "Geração do Orpheu". As suas obras ocupam um lugar de destaque na literatura portuguesa.
A sensibilidade e o espírito doentio dominavam-lhe a criação poética a tal ponto, que em quase todos os versos estampa-se um perene descontentamento com a vida e com o mundo, como no poema “Dispersão”

“Mário de Sá Carneiro”
Um pouco mais de sol - eu era brasa, Um pouco mais de azul - eu era além. Para atingir, faltou-me um golpe de asa... Se ao menos eu permanecesse aquém...
Assombro ou paz? Em vão... Tudo esvaído Num grande mar enganador de espuma; E o grande sonho despertado em bruma, O grande sonho - ó dor! - quase vivido...
Quase o amor, quase o triunfo e a chama, Quase o princípio e o fim - quase a expansão...
Mas na minha alma tudo se derrama... Entanto nada foi só ilusão!
De tudo houve um começo ... e tudo errou... - Ai a dor de ser - quase, dor sem fim...
Eu falhei-me entre os mais, falhei em mim, Asa que se elançou mas não voou...
Momentos de alma que desbaratei... Templos aonde nunca pus um altar... Rios que perdi sem os levar ao mar... Ânsias que foram mas que não fixei...
Se me vagueio, encontro só indícios...
Ogivas para o sol - vejo-as cerradas; E mãos de herói, sem fé, acobardadas, Puseram grades sobre os precipícios...
Num ímpeto difuso de quebranto, Tudo encetei e nada possuí... Hoje, de mim, só resta o desencanto Das coisas que beijei mas não vivi...
Um pouco mais de sol - e fora brasa, Um pouco mais de azul - e fora além. Para atingir faltou-me um golpe de asa... Se ao menos eu permanecesse aquém...
Listas de som avançam para mim a fustigar-me
Em luz.
Todo a vibrar, quero fugir... Onde acoitar-me?...
Os braços duma cruz Anseiam-se-me, e eu fujo também ao luar... in “Dispersão”, 1892
E eu que sou o rei de toda esta incoerência, Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la E giro até partir... Mas tudo me resvala Em bruma e sonolência.
Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de ouro, Volve-se logo falso... ao longe o arremesso... Eu morro de desdém em frente dum tesouro, Morro á mingua, de excesso.
Alteio-me na cor à força de quebranto, Estendo os braços de alma - e nem um espasmo venço!... Peneiro-me na sombra - em nada me condenso... Agonias de luz eu vibro ainda entanto.
Não me pude vencer, mas posso-me esmagar, - Vencer ás vezes é o mesmo que tombarE como inda sou luz, num grande retrocesso, Em raivas ideais, ascendo até ao fim: Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...
Tombei... E fico só esmagado sobre mim!... in “Dispersão”, 1892
António Nobre foi um poeta português, criou uma arte singular, aliando a subjetividade do Romântico ao poder de sugestão do Simbolismo.
António Pereira Nobre, conhecido como António Nobre, nasceu no Porto, Portugal no dia 16 de agosto de 1867. Filho de família abastada, ingressou na Faculdade de Direito, na Universidade de Coimbra. Após ser reprovado por duas vezes, abandonou o curso. Em 1890 se mudou para Paris, onde se formou em Direito pela Universidade de Sorbonne em 1895.

“António Nobre”
Meu Coração, não batas, para!
Meu Coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei é amara,
A nossa dor, bem sei é amara:
Meu Coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que ele era, estou maçado,
Vi o que ele era, estou maçado, Não batas mais! Vamos morrer...
Bati à porta da Ventura
Ninguém ma abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura, Vamos a ver se a sepultura, Nos faz o mesmo, Coração!
Adeus Planeta! adeus ó Lama! Que a ambos nós vais digerir.
Meu Coração, a velha chama,
Meu Coração, a velha chama: Basta, por Deus! vamos dormir... in "Só", 1892
Os meus pecados, Anjo! os meus pecados! Contar-t'os? Para que, se não têm fim... Sou santo ao pé dos outros desgraçados, Mas tu és mais que santa ao pé de mim!
A ti acendo círios perfumados, Faço novenas, queimo-te alecrim, Quando sofro, me vejo com cuidados... Nas tuas rezas, lembra-te de mim!
Que eu seja puro d'alma e pensamento! E que, em dia do grande julgamento, Minhas culpas não sejam de maior:
Pois tenho, que o céu tudo aponta e marca, Um processo a correr n'essa comarca, Cujo delegado é Nosso Senhor... in "Só", 1892
"Versos da Terra e do Coração: Poemas Portugueses" reúne vinte poemas inesquecíveis de alguns dos mais celebrados poetas portugueses. Esta antologia explora temas eternos como o amor e a natureza, destacando a beleza e a profundidade da poesia lusa.
Desde os campos verdejantes de Luís de Camões até às reflexões profundas de Fernando Pessoa, cada poema oferece uma janela para a alma dos poetas e para o mundo natural que os inspirou. As emoções humanas, retratadas com sensibilidade e maestria, entrelaçam-se com as paisagens e elementos naturais, criando uma tapeçaria rica e vibrante de sentimentos e cenários.
