A Gravitação: pela construção de dois partidos de massas no Brasil

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A Gravitação: pela construção de dois partidos de massas no Brasil Carlos Cruz (*) A construção de dois partidos de massas seria um dos fatores mais saudáveis para a sociedade brasileira, a partir desta minirreforma eleitoral, baseada na Proposta de Emenda Constitucional 36/2016, do Senado Federal, que reforça a fidelidade partidária; estabelece o fim das coligações proporcionais, depois de 2020; institui uma cláusula de desempenho, para que os partidos tenham direito ao fundo partidário, à estrutura funcional própria no congresso e ao tempo de propaganda na televisão e no rádio; e cria o instituto da federação de partidos, que permite às legendas que não cumpram essa cláusula de desempenho se associarem, para que atuem em bloco. Essas medidas restringiriam o sistema partidário brasileiro a aproximadamente nove partidos efetivos, isto é, aqueles que cumpram a mencionada cláusula de desempenho, o que ainda assim constituiria um multipartidarismo exagerado. i Esses dois partidos de massas seriam um à esquerda, com programa mais estatista, em torno do qual gravitariam socialistas, sociais-democratas, nacionalistas e até aqueles de matizes utópicas mais radicais; e outro, à direita, com plataforma liberal, para a redução do tamanho do estado brasileiro, em torno do qual gravitariam capitalistas, inclusive de matizes conservadoras. Esses partidos precisariam ter mecanismos de democracia intrapartidária, tais como, foros deliberativos amplos; direito à declaração de tendência, fração e facção, para que se tornassem partidos de massas, verdadeiramente. Em primeiro lugar, isso proporcionaria oportunidade para novos líderes políticos, sobretudo oriundos da classe média urbana, melhor qualificados, ética e intelectualmente; e, em segundo lugar, promoveria o expurgo progressivo dos políticos mais nefastos, mormente aqueles de maior debilidade intelectual e com mais propensão marginal à corrupção. Independentemente de suas origens - os igarapés amazônicos, os latifúndios secos nordestinos, as plantations tropicais, os pampas, as periferias e favelas, a máfia sindical, os lóculos maçônicos - em regra, os políticos brasileiros têm objetivos extremamente oligárquicos (caudilhescos), entre os quais serem arrendadores das legendinhas partidárias, para facilitar a sua relação parasitária ou comensal com os governos municipais, estaduais e federal. Indubitavelmente, os políticos brasileiros não estão preparados para a construção de partidos de massas, com exceções ao longo da república brasileira, sendo o PT a experiência mais recente, constituído a partir do abrigo de dezenas de grupelhos marxistasleninistas, na década de 1980. Em grande medida, a hegemonia política recente do PT deve-se ao fato de ter sido a única legenda organizada como partido político, provido de foros democráticos, formação de quadros e programa, até a sua degeneração e derrocada, pelas mãos de um agente do setor judiciário. Essa crítica ao sistema partidário brasileiro altamente oligárquico não desconsidera as contribuições da teoria das elites, tais quais formuladas por Pareto, Mosca e Michels, pois a lei tendencial à oligarquização é imanente à vida partidária, todavia, no caso brasileiro, trata-se de sair de uma democracia intrapartidária de grau zero. A ideia de que a existência de dois partidos dominantes e antagônicos dividiria a sociedade brasileira é ridícula, tal qual a tese estadista de Bonaparte, na sua França consular, de pouca política e pouco parlamento frente a muito estado e muito governo, reservando o debate político ao mundo anglo-saxônico e fingindo não acreditar em teorias e em partidos. A pergunta é: como as atuais legendas organizar-se-iam em torno desses dois campos gravitacionais, uma vez que o sistema partidário brasileiro é integralmente de esquerda social-democrata e socialista, formado a partir da abridela de esquerda promovida pelo PSDB e pela hegemonia obtida pelo PT, deixando nichos parasitários para dezenas de outras legendas se esbaldarem no mais nocivo patrimonialismo? Essa nova configuração partidária deve ocorrer, a partir da erupção de um partido de massas com programa claramente capitalista e liberal, de viés dominantemente economicista, em vez de moralista. Uma vez que essa minirreforma eleitoral seja também aprovada pela câmara baixa - com chance de janela de migração partidária -, caso esse projeto partidário liberal não seja construído, manter-se-á o velho patrimonialismo colonial brasileiro, como se o estado fosse patrimônio dos seus membros, envolvendo a trias política e conservando a corrupção endêmica. Então, nas eleições presidenciais de 2018, os líderes regionais do patrimonialismo brasileiro desembarcariam numa candidatura dominante, de esquerda, isto é, estatista, mesmo que seja capitaneada por um conservador moral, trazendo consigo uma frente partidária oligárquica, com seus nematoides, que possuem sistema digestivo completo. (*) Carlos Cruz (historiador – www.cruzconsulting.com.br) i

Hoje (abr./2017), são 35 partidos registrados e 31 em processo de regularização, numa espécie de feira da madrugada. A cláusula de desempenho prevista na PEC 36 determina o mínimo de 2% de votação válida nacional, combinada com 2% no mínimo de votação válida em 14 estados, a partir de 2018, expansível a 3% de votação válida nacional, a partir de 2022. O ideal seria um índice de no mínimo 5% de votação válida nacional, combinada com 5%, em 14 estados, pois isso geraria um sistema multipartidário moderado, com aproximadamente cinco partidos efetivos.


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