






Recentemente, meus pais compraram um terreno na Chapada, mas minha história com esse lugar é antiga. Na verdade, desde que me entendo por gente. O que mais curtimos são as trilhas com cachoeiras, saltar sobre pedras irregulares costuma ser muito divertido e cansativo, algo que se torna recompensador pela vista hipnotizante e pelo banho refrescante. Acredito que não estamos sozinhos nessa, milhares de pessoas visitam a Chapada todos os anos salivando por natureza crua
Morando na Capital, sinto que estou cada vez mais apressado e lutando para não me tornar uma pessoa imediatista e rasa. Não me entenda mal, na verdade eu adoro o movimento da cidade grande, gosto de acompanhar o avanço tecnológico e não tenho vontade de morar afastado disso. O que acontece é que as vezes cansa ficar assumindo metas o tempo todo. A Chapada, o contato com a natureza, me ensina que se sentir vivo, saudável e em boa companhia é o suficiente para ser feliz

O propósito desse portifólio
Minha ideia aqui foi de materializar as minhas memórias afetivas tendo como instrumento a arquitetura. Para mim, é sobre incorporar significado e função, o resto é conversa pra boi dormir.
Já parou pra pensar que, se você pedir pra alguém definir as pessoas em dois tipos, terá as mais variadas respostas a depender de quem pergunte?
E se tivesse que definir os arquitetos em dois tipos? Lina, com muita lucidez afirmava: Existe a arquitetura boa e a ruim, se for ruim pode derrubar... não importa em que ano tenha sido feita. Uma audácia que se transforma em inovação. Eu penso que definir entre bom e ruim é muito conveniente para quem definiu, é a habilidade do discernimento que concede o poder de decidir, desta forma, que estamos desenvolvendo nossa civilização a muitos e muitos anos.

O terreno está localizado no Sítio Novo, que fica a 30 min de carro do vilarejo de Palmeiras. Num belo dia de sol, acordamos cedo e viajamos de Salvador para lá com a intenção de delimitar a área de 1 tarefa Eu, Tiago e meu pai caminhamos durante umas 3 horas por toda a região, que variava entre zonas áridas e arborizadas, Mandacarus e Candeias de tronco esbranquiçado, até chegar num platô de arregalar os olhos. No mesmo momento eu soube que a casa deveria ser ali, era justamente onde dava para ver a curva da montanha buscando o infinito. O vento ali era mais fresco...
Aquele platô foi formado logo acima de uma área com pedras e cactos, justamente onde nenhuma árvore se aventurou a crescer. O vazio natural fez abrir a vista e canalizar os ventos que vêm do leste, logo, um local muito agradável para morar Realizamos a delimitação do lote, medimos as curvas de nível com uma mangueira e uma garrafa pet e daí parti para o projeto. Eu sabia que construir sobre um platô com pedras seria um desafio maior que construir num solo plano, mas, ao mesmo tempo, foi arquitetonicamente muito sugestivo na minha cabeça. É muito interessante como as ideias surgem.




As ideias
1 - O conceito surge no volume, um elemento que se mimetiza à paisagem, se adapta ao terreno e avança sob as pedras para ficar mais próximo das montanhas.
2 - Na escolha das matérias primas principais: Pedra, madeira e terra. Estruturais, o tripé que sustenta e veste a casa. Desta forma, é possível construir com o material do próprio terreno utilizando da técnica e da mão de obra local.
3 - A criação de um equipamento autossuficiente, que utiliza da inteligência energética e de tecnologias para funcionar, sem precisar de uma concessionaria, se tornando um exemplo de sustentabilidade aplicada.
4 - Espaços internos que vão além do uso comum, espaços que são pensados também para a contemplação da Chapada Diamantina com muito conforto e sofisticação, enfatizando o design nacional.

Oi, cheguei!
Ao se pensar o acesso, a escolha por deixar a cancela distante da casa foi importante para afastar os veículos. A chegada a casa é feita somente a pé, obrigando quem chega a passar por um caminho tortuoso feito com seixos rolados (Ecoseixos) As diferentes faces da fachada sul, evidenciada, revelam os materiais que compõem toda a casa, além disso, a fachada conta com uma parede de pedra mais grossa, com 40 cm de espessura, para funcionar como um equipamento de inteligência energética.
Essa parede tem incidência solar durante o dia inteiro no verão, e, durante o inverno, intercepta ventos fortes vindos do sul Além disso, existe uma especificidade na região: No verão, a temperatura da Chapada se eleva muito durante o dia e cai abruptamente durante a noite, ou seja, intencionalmente as pedras vão absorver o calor durante o dia e dissipa-lo aos poucos durante a noite, ajudando a amenizar o frio.
Os painéis solares, nessa localização, aproveitam melhor o sol se estiverem voltados para o norte e com 12°de inclinação. Desta forma, eles decidiram aparecer também na fachada e eu achei muito pertinente. A varanda de madeira que avança sobre o platô também dá um “oi” para quem chega, gerando uma deliciosa curiosidade: “Como deve ser comtemplar a serra dali?”.



A implantação
Ao fazer o cadastro das curvas de nível e observar o desenho natural do terreno, vi um grande “S”. Logo, me surgiu a ideia de aproveitar o vazio do “S” que sobe e o vazio do “S” que desce. A rima é bem bonitinha.
No vazio que sobe fica o primeiro coração, as salas e a varanda, no platô onde tem a vista mais agradável de todo o terreno. Já no vazio que desce fica o pátio externo, o segundo coração, aproveitando a depressão para criar uma piscina ornamental com várias pedras e peixinhos. Dois corações, um brasileiro e outro indiano.
O shape “S” do terreno gera o shape “U” da casa.
Na visita ao sítio tivemos que adentrar na mata fechada, o terreno é todo composto por árvores e essa foi uma grande preocupação ao pensar o projeto. Nenhuma delas tinha porte suficiente para ser inserida à arquitetura, por tanto, algumas precisarão ser podadas para a construção da fundação. A grande maioria das árvores são da espécie Candeia, muito comum na região, elas têm tronco resistente e a alta durabilidade, portanto, serão bem aproveitadas na confecção do forro e da estrutura do telhado. Posteriormente, árvores maiores serão plantadas ao redor da casa.


A importância do Pátio
Morar num país tropical significa apreciar momentos ao ar livre. Culturalmente, o brasileiro cresceu acostumado a brincar nos quintais e jardins, tomar sol em espreguiçadeiras ou fazer churrascos com a família e amigos nas varandas gourmet. Na Casa Sincorá tem um espaço para tudo isso, num grande pátio aberto, abraçado pela floresta.


Eficiência
Quando me hospedei no sítio, parei para observar alguns fenômenos que foram confirmados posteriormente em outros estudos. Construir na Chapada Diamantina é adaptar-se às chuvas carrancudas, precipitações que variam entre 1.000 e 1.300 mm anuais, e mudanças rápidas de temperatura que acontecem do dia para a noite. O verão é chuvoso e o inverno é seco.
Estive lá em janeiro de 2022 e percebi que o primeiro raio de sol aparece por volta das 8 horas, isso acontece por causa das montanhas que estão logo a frente. Esse contexto que definiu o dimensionamento dos beirais e a localização dos brises. Além disso, optei por claraboias como estratégia para obter a luz natural difusa no interior da casa, com aberturas para o ar quente sair de mansinho A altura “exagerada” das paredes de Taipa também controlam a incidência solar direta e, principalmente, desviam os ventos frios predominantes, fazendo com que o ar quente consiga levitar para o exterior da casa.

Você já escutou a história dos três porquinhos? Aposto que já, é uma joia da infância de todo mundo. A moral da história é: Os dois porquinhos que construíram as casinhas de palha e de madeira são os preguiçosos, enquanto o porquinho que construiu a casa de tijolo e argamassa é o trabalhador, o superprodutivo, por isso ele consegue fugir do lobo malvado.
Todo mundo já ouviu mas ninguém notou uma sutileza no que estava sendo dito. Na verdade, quem criou essa jogada de marketing deveria ganhar um prêmio! A questão é, quem mergulha no universo da bioconstrução entende que o conforto do usuário está diretamente ligado com as escolhas dos materiais. O uso da terra crua, madeira, palha, pedra... en-

tre outros materiais sustentáveis, agrega valor à usabilidade da arquitetura e pode sim ser muito resistente, pode até aguentar firmemente à um sopro malévolo. Brincadeiras à parte, as fachadas da Casa Sincorá foram pensadas para tirar proveito dos materiais, sem reboco ou maquiagem, construindo com o que há disponível dentro do próprio terreno. As paredes de Taipa de Pilão Branca respiram e por isso estão protegidas da
chuva, enquanto a Taipa de Pilão Laranja é impermeabilizada, ambas autoportantes, pensadas para sustentar o peso da cobertura; As pedras, compõem algumas paredes e todo o radier; A madeira, ela estrutura o telhado, assim como os decks e a maioria das esquadrias; Com a palha se faz os brises e o isolamento termoacústico do forro. O vidro, teve sua atuação comedida por causa das dificuldades no transporte.
























