Caderno de olfação n°02

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Passeios para olhar para a natureza com os olhos do poeta; para mudar a nossa maneira de viver.

“Poetas são florescências civilizatórias. Dão alma as palavras. Azas aos sonhos.”

“Saibamos ver as coisas pela primeira vez não só na primeira, como na segunda e na terceira vez, saibamos ver as coisas pela primeira vez sempre. Para o conseguir, somente necessitamos de olhos cordiais, generosos, ingênuos. Com isso renovaremos o prazer de encontrá-las e delas tornaremos a gostar como dantes.

Dir-me-ás que as coisas não mudam; tu é que haverás mudado. Não tem importância! As tuas mudanças serão as mudanças das coisas. De mim posso afirmar que a rua percorrida por mim há tantos anos sempre me oferece surpresas; de quando em quando, um pouco do sol lhe dá nova decoração, às vezes uma árvore revela uma alegria especial que eu não percebera. Aquele que não consegue lembrar-se – como eu também não o consigo –do terceiro galho do segundo jacarandá da esquina, note com isso que ainda não o viu por inteiro, porque de vez em vez os olhos gostam de vagabundear, de olhar sem ver, de extraviar-se e de ex-

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traviar o que recebe, razão por que nisso imita o Apolo de Delfos, ao qual chamamos os gregos Loxitas, por sua respostas pouco claras.

Que dizer do livro, tão variável como o espírito de quem o compôs e como o espírito de quem o interpreta? Da paisagem que tem sempre as mesmas cores de nossa alma em suas mudanças imprevisíveis?

Tudo muda num mesmo dia, numa mesma hora e mesmo num minuto. Mudamos nós e mudam as coisas. Envelhecem elas e envelhecemos nós; e se nos dispusermos a olhar as coisas segundo as suas mudanças, é evidente que sempre estaremos olhando uma novidade. É o de que precisamos para viver sempre agradavelmente surpreendidos num mundo cheio de surpresas; para viver alegres num mundo que não se repete; para viver plenos de admiração num mundo prenhe de coisas admiráveis.

Vejo às vezes jovens tristes, fatigados, envelhecidos, sem ânimo para nada, e sobre cujos olhos parece ter passado a sombra de uma nuvem. Interrogo-os. Têm casa, foram alimentados, nada lhes falta... Sim, falta-lhes ingenuidade; daí a tristeza de não serem ingênuos para descobrirem as múltiplas belezas da vida, da terra e do céu, que os olhos renovados surpreendem a cada instante. (1961:54 a 55.)

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Procure Identificar Os Cheiros Ao Seu Redor. “Exercitar a mente é bem vindo, como apurar suas reações sensoriais. Tente imaginar-se como um surdo e cego que, de repente, passe a ouvir e ver de novo. Assim: Olhe repetidas vezes para as coisas que o cercam e que já se tornam corriqueiras. Olhe a luz do sol nas asas de uma abelha, um beija-flor sugando uma carola como se estivesse parado no ar. Feche os olhos e procure identificar os sons a seu redor. Que legal isso o que ele está a dizer, não é, leitor? Mais ainda: Nossos sentidos são as vias do conhecimento e os excitantes da imaginação; se eles não forem receptivos e vivos, a nossa mente será preguiçosa; teremos, durante a vida inteira, de receber informação de segunda mão.” (1966:33.)

“Não basta ler que as areias das praias são doces; quero que meus pés nus as sintam... É-me inútil todo conhecimento que uma sensação não precedeu.” (1966)

AndréGide.Osfrutosdaterra.)

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C A D E R N O DE O L F A Ç Ã O – n° 02 Imaginando algo de concretamente certo USE ABAFADOR DE RUÍDOS PARA OLFATEAR OS RUÍDOS DE CHEIROS POR TODA CIDADE. Diário catarinense/2012 / 5

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