Miraculoso 11

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Junho/Julho de 2014 - 11º Edição

Brasília - Junho/Julho de 2014 - 11º Edição - Distribuição Gratuita - www.miraculoso.com.br

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BRASIL: UMA OBRA INACABADA O que restará da Copa no Brasil? Remoções forçadas, criminalização dos pequenos comerciantes e repressão policial? A equipe do Miraculoso foi descobrir junto com a sociedade civil organizada o legado do mundial para o Brasil e traz como tema da 11° edição, um especial da Copa do Mundo. Na reportagem principal do jornal nossa equipe foi entrevistar o Comitê Popular da Copa- DF, grupo da sociedade organizada que prevê um legado perverso. Veja ainda nesta edição o quanto a violência vem crescendo no Brasil, deixando um número assustador de 56 mil vítimas de homicídio por ano, sendo a população negra a mais afetada. O leitor poderá também acompanhar a peleja do acarajé baiano contra o big-mac americano, em um cordel especial do nosso grande Sabiá Duqueza. Além disso, terá em mãos um jornal que se põe firmemente contra a perversa disposição do Governo do Distrito Federal em expulsar a Embrapa Cerrados. Tendo uma participação especial nesta edição, o Comitê Popular da Copa DF, traz uma matéria revelando o quanto a Copa intensificou o aumento dos despejos e remoções violentas nas cidades brasileiras, deixando mais de duzentos e cinquenta mil pessoas com suas famílias desestruturadas. Além disso, nossos irmãos de luta poderão perceber o quanto a promoção de grandes competições esportivas, como a Copa do Mundo, está intrinsicamente relacionada à espetacularização do esporte e terão ainda a chance de beber da fonte do grande maestro Jorge Antunes, que traz flechas poéticas instigando a luta! Ao final, ao ler a matéria do nosso parceiro 10porHora, perceberá que a LUTA por um país melhor, que a LUTA por uma sociedade global sustentável, cada vez mais sustentada por valores humanitários, é não só possível mas imprescindível! Forte abraço e uma inspiradora leitura! Equipe do MIRACULOSO


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O que restará da Copa para o Brasil Enquanto a bola rola, os direitos humanos ficam a escanteio Assim é a Copa por aqui

Luana Luizy

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ai ser maravilhoso! Um verdadeiro espetáculo com direito a samba e belas mulatas. Soube que vão chamar até índio. O mundo todo olhará para nós, lá no estádio de Itaquera, em São Paulo, no dia 12 de junho de 2014. Como o Brasil é bonito, país de diversidades culturais e que respeita as diferenças. Só que não! A Copa no Brasil impulsiona o aumento das desigualdades sociais. Aproximadamente 170 mil pessoas foram retiradas de suas casas ou ameaçadas de remoção em função dos jogos. Isto significa que cerca de um em cada mil brasileiros perdeu sua moradia nas 12 cidades-sedes. A maior parte das remoções é feita com direito a pouca ou nenhuma indenização. A legalidade na ilegalidade O custo para a organização da Copa de 2014 já atinge R$ 26,5 bilhões. O dinheiro vem dos governos federal, estaduais e municipais. De todo o dinheiro que será desembolsado para realizar a Copa

Tão ou mais grave que a farra privada com os recursos públicos, é a instauração do estado de exceção do Mundo, apenas R$ 3,8 bilhões serão bancados pela iniciativa privada.Outros R$ 14,9 bilhões serão financiados pelo governo federal por meio de empréstimos ou investimento direto nas obras. Os R$ 7,7 bilhões restantes sairão dos Estados e das cidades-sedes.

Anunciada como iniciativa privada pelo governo ela é realizada com 97% dos investimentos nos estádios com dinheiro público. O dinheiro de muitos beneficiará o lucro de poucos. A África do Sul ficou com dívida de US$ 4 bilhões, os mesmos US$ 4 bilhões que a Fundação Internacional do Futebol (Fifa) anunciou de lucro. Tão ou mais grave que a farra privada com os recursos públicos, é a instauração do estado de exceção. Decretos, leis, e medidas provisórias definem a constitucionalidade desse estado. Prova disso é a Lei Geral da Copa - Lei 12.663, sancionada no dia 6 de junho de 2012. A Lei define as regras para a realização do Mundial e estipula que a União colaborará com os estados, o Distrito Federal e os municípios que sediarão os eventos, a fim de assegurar à Fifa autorização para divulgar marcas e vender ou realizar propagandas de produtos e serviços nas imediações das arenas que abrigarão os jogos, tudo isso com total exclusividade. O monopólio de serviços concedido à Fifa restringe a geração de emprego e renda no país. Camelôs, ambulantes, catadores e artesãos que estiverem nas proximidades do evento serão severamente penalizados, o que inclui até repressão policial. Em suma, a Fifa terá todas as condições de fazer o que quiser no Brasil, tudo com aval do Estado. A legislação brasileira prevê a educação como direito de todos e como responsabilidade do Estado, no entanto, os parlamentares violaram tal direito com a proibição de aulas na rede pública e privada durante o Mundial. É preocupante ainda o aumento de casos de prostituição

infantil. Segundo dados da rede britânica de televisão BBC, na Copa do Mundo de 2012, realizada na África do Sul, o número de prostitutas na capital sul-africana era de aproximadamente 100 mil pessoas. Durante os jogos este número cresceu em 40 %. É justo a Fifa ditar o que o país deve fazer? Deve o Brasil submeter aos caprichos de tal entidade? Vale gastar tantos recursos públicos para um megaevento que durará um mês? No final das contas, quem ganha? As grandes empreiteiras, o setor imobiliário e a entidade máxima do futebol mundial. E quem perde? Nós cidadãos, com repressão a classe trabalhadora e as comunidades populares que desapropriadas perdem todo vínculo identitário e cultural do local de onde nasceram e vivem, pois estão sendo despejadas. Está claro que a Copa não beneficiará nossos bolsos, está óbvio que não favorecerá os anseios da população, na prática não deixará nenhum legado social positivo, pelo contrário, exemplos nos mostram que apontam para outra direção. Não é para o Brasil, não é para as pessoas que amam futebol. Como dizia o escritor português José Saramago: penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem.


Tony Gigliotti

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na contramão do direito ao esporte

Copa do mundo

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servidor do Ministério da Cultura e militante do Psol

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com o objetivo de mostrar ser o melhor, o superior, o dominador, o conpromoção de grandes competições esportivas, como a Copa do quistador, o campeão, tudo em busca da glória, da vitória. Eles muitas Mundo, está relacionada à espetacularização do esporte. Isso vezes não percebem que a glória da vitória é tão ilusória quanto passignifica que o governo, ao invés de tratar o esporte como um sageira. A vitória passa, da mesma maneira que a derrota, e que a vida direito de todos, trata-o como um espetáculo, dando a ele um caráter continua, mesmo quando o campeonato termina. Quando os holofotes de competição, disputa, rivalidade, lucro midiático, expondo e explose apagam, quando o troféu é abaixado, a vida volta ao normal, tanto rando comercialmente a imagem de pessoas e instituições, buscando para os que ganham quanto para os que, naquela ocasião, perderam. o lucro privado. A vitória em uma competição esportiva é algo conjuntural, efêmero, Ao invés disso, o esporte pode ser tratado de outra maneira, como contingencial, limitado. A vitória esportiva esgota-se em si mesma. O um fator de promoção do desenvolvimento humano, acessível a tocampeão nem sempre é o melhor e ser o melhor na competição espordos, constituindo-se como mecanismo de fortalecimento da cidadania, tiva não o credencia a ser uma pessoa feliz, virtuosa, plena. Há pessointegração e inclusão social, sentimento de grupo, cooperação entre as que nutrem a ilusão de que, se vencerem, terão mais auto-estima, as pessoas, além de ser importante para o exercício físico e preservamais coragem. Puro engano. Se a sua autoestima depender da vitória, ção da saúde, prevenindo e curando diversas doenças do corpo e da então ela acaba no próximo jogo, na próxima derrota, que sempre vem. mente. A autoestima, como o próprio nome diz, é um estado de paz interior, de Se o governo compreendesse o esporte a partir desta perspectiva, autoaceitação, de auto-confiança, é uma questão de reconhecer o seu a promoção de competições ficaria para o segundo plano. A prioridade valor intrínseco enquanto ser humano, independentemente do que os para o investimento público deve ser a de criar oportunidades para que outros digam ou façam, independentemente do elogio ou da crítica, da a prática esportiva seja acessível a todos. Isso significa que as pessoas agressão ou do carinho, da vitória ou da derrota. têm direito não somente a assistir os jogos, mas também de praticar o Ficou evidente que o esporte pode ser utilizado tanto para o bem esporte. Com a construção de megaestádios para a copa, o cidadão do ser humano quanto para o mal. Na atuação do Estado, a prioridade comum tem direito a, no máximo, sonhar em assistir os jogos, se tiver deve ser a de promover o esporte enquanto instrumento de cooperadinheiro e disposição para comprar os caros ingressos. Neste caso, ção, integração, aprendizagem, convívio fraternal e respeitoso entre apenas grupos de 11 pessoas, escolhidas a partir de sistemas altaas pessoas. mente competitivos e conflituosos, terão o direito de entrar em campo. A copa do mundo é uma competição esportiva privada, promovida Imagine se todo o dinheiro gasto nos megaestádios fosse usado pela Federação Internacional de Futebol (FIFA), que é uma instituição para construir quadras poliesportivas, piscinas públicas, campos de fuprivada, visando à promoção da imagem dos seus patrocinadores pritebol nas comunidades? Imagine se todos os brasileiros tivessem pervados, com o objetivo de ganhar ainda mais dinheiro com a exploração to de sua casa um equipamento esportivo público, bem administrado, da imagem dos jogadores e das bandeiras nacionais. Todo o dinheiro com professores de educação física contratados e remunerados para público gasto com a promoção desta competição esportiva privada tem prestar o serviço público de formação esportiva? Este não é um socomo resultado a constituinho impossível. Vai depender ção de lucros das empresas de nós sabermos escolher e privadas. votar em políticos e em um Os interesses da FIFA e dos governantes Mas, se a copa é tão governo que estejam comprometidos com o bem-estar brasileiros são os mesmos: manter-se no poder ruim, porque os governos a apoiam? e o desenvolvimento humano a todo custo, explorando a imagem das O governo do Brasil é de seu povo. A construção de aliado da FIFA e da copa megaestádios reforça uma pessoas e gerando lucros privados a partir de em função de uma conveniidéia de que esporte é soinvestimentos com recursos públicos ência política. Os interesses mente para alguns poucos, da FIFA e dos governantes a idéia de que a missão do brasileiros são os mesmos: Estado é financiar apenas manter-se no poder a todo custo, explorando a imagem das pessoas atletas de alto rendimento visando vitórias em competições esportivas, e gerando lucros privados a partir de investimentos com recursos púa idéia de que só os melhores podem jogar, a idéia de que o esporte blicos. Não é à toa que muitas das empresas que patrocinam a copa é um privilégio de poucos. Devemos lembrar que o esporte, enquanto são as mesmas que patrocinam as campanhas eleitorais destes gopolítica pública, é um direito de todos os cidadãos, a ser garantido pelo vernantes e políticos. Dilma Roussef foi a candidata que mais atraiu Estado, a partir dos tributos e impostos cobrados de cada cidadão. investimentos privados para sua campanha eleitoral em 2010. Sabe-se O esporte competitivo é aquele calcado no desejo egoísta de proque é grande o esforço do governo do PT em retribuir a estas emprevar ser o melhor. Trata-se de mais uma faceta de uma sociedade capisas com benefícios de isenção fiscal, crédito subsidiado, privatização talista, que estimula o consumo, a ambição, a mesquinhez, a vaidade, e concessão de estradas, portos e aeroportos, isso sem contar os bea exposição ao risco, a busca do permanente conflito com o outro, com nefícios ilegais que eventualmente ocorreram, como superfaturamento o estrangeiro, com o time adversário. Para ganhar, as pessoas são esde obras, pagamento de propina, fraudes em licitações públicas, etc. timuladas a se degenerar moralmente, entrar em um verdadeiro “valeNão são todos os governos que apóiam a realização de megaeventudo”, no qual os atletas são obrigados a se submeterem a jornadas extos esportivos em seu território. Exemplo disso é que o governo sueco tenuantes de treinamento, privar-se da sua vida particular, do convívio anunciou, recentemente, sua desistência à candidatura de Estocolmo social e humano, sendo levadas até mesmo a ingerir drogas e substânpara sediar as olimpíadas de inverno de 2022. A decisão foi tomada cias tóxicas para aumentar o rendimento e ganhar a competição. Tudo em função dos altos gastos para realização do evento. O comentarista do jornal sueco Svenska Dagbladet afirmou que “os cálculos iniciais da organização do evento são sempre mais otimistas do que a conta apresentada no final dos Jogos. Após os Jogos, os contribuintes são forçados a pagar pelos prejuízos. (...) E nenhum cientista se atreve a afirmar que a realização dos Jogos beneficia de fato o mercado de trabalho e a economia local das cidades-sede.” Cabe ao povo organizado, nas ruas, enfrentar os desmandos da FIFA e do governo. É preciso impedir que o esporte seja usado como pretexto para aumentar os lucros e fraudes de corporações e empresas privadas. É nossa missão lutar, dia após dia, para que o esporte seja uma ferramenta a favor do empoderamento da comunidade, do fortalecimento e integração da classe trabalhadora.


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Brasil

“A violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota” Jean-Paul Sartre

e suas bombas de

Hiroshima Brunna Guimarães Rodrigues jornalista e graduanda em filosofia pela UnB

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odo ano cai uma bomba atômica silenciosa no Brasil, mas parece que somente o choro sofrido dos familiares das 56 mil vítimas de homicídio ecoa pelas esquinas e calçadas molhadas de sangue jovem. ─ O pranto do povo brasileiro implora para ser ouvido pelo indiferente Estado! É fato que uma epidemia de violência assola nosso país. Por dia, no Brasil, morrem cerca de 160 pessoas vítimas de homicídio - um Carandiru diário! A média anual de homicídio, em nosso país, é maior que a de vítimas de enfrentamentos armados no mundo. Entre 2004 e 2007, 169 mil pessoas morreram nos 12 maiores conflitos mundiais. Já no Brasil, o número de mortes por homicídio no mesmo período foi 192 mil, subindo para 212 mil vítimas nos últimos quatro anos analisados pelo Mapa da Violência. (2009 a 2012)

traz dados angustiantes nos quais revelam que os homicídios são hoje a principal causa de morte de brasileiros de 15 a 24 anos, atingindo especialmente jovens negros (71% pretos e pardos) do sexo masculino (92%), moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos. A morte acompanha as mazelas sociais

A juventude brasileira corre risco Algo está errado, enquanto comemora-se a redução das taxas de mortalidade das nossas crianças, estas mesmas crianças, crescem sujeitas a se tornarem mais uma vítima da violência que se agrava e ceifa a vida da juventude brasileira. Nos últimos trinta anos, os índices de mortalidade da juventude agravaram-se. De 1980 para cá, as taxas de homicídio cresceram vertiginosamente (132,1%), sem falar (Assim como a do suicídio) do aumento dos suicídios (56,4%) e óbitos em acidentes de trânsito (28,5%). Esses dados são desalentadores, mas infelizmente só representam a ponta visível do iceberg de muitas outras formas de violência e indiferença que permeiam cotidianamente nossa sociedade. En-

quanto os brasileiros vestem suas camisas verde-amarelas para assistirem a um jogo da Copa, uma centena vítimas veste a túnica da morte. Enquanto do sofá criticamos conflitos do outro lado do mundo, os municípios do arco do desmatamento amazônico são palco de interesses políticos e econômicos em torno de mega empreendimentos agrícolas que movimentam madeireiras ilegais, processos de grilagem de terras, de extermínio depopulações indígenas e de trabalho escravo. Enquanto acreditamos nas verborragias

ditas no Congresso, currais políticos tradicionais do coronelismo são adeptos a à pistolagem. Enquanto são gastos rios de dinheiro todo ano para purpurinar bundas no Carnaval, milhares de meninas são vítimas do turismo sexual predatório. Nosso país ocupa a 7ª posição no conjunto dos 95 países do mundo analisados com maior taxa de homicídio. Segundo o Mapa da Violência de 2012, mais de 72 municípios brasileiros possuem taxas acima de 100 homicídios por 100 mil jovens, nível considerado já epidêmico. O estudo

O mais alarma é a tendência crescente dessa mortalidade seletiva, que escolhe a vítima pela cor de pele. Destaque para os estados que possuem mais homicídios de negros: Alagoas fica com o sombrio 1° lugar de estado mais letal para os negros (200 homicídios por 100 mil jovens) e encabeçam a lista ainda o Espirito Santo, Distrito Federal, Pernambuco e Bahia. Sim o Distrito Federal! Apesar das mulheres representarem apenas 8% do total homicídios, cabe pontuar que essas vêm sendo cada vez mais vitimadas. Anualmente, o número de mulheres assassinadas cresce 4,6% e, mais uma vez, a lista macabra de homicídios é composta em sua maioria por jovens. O Distrito Federal, neste quesito, aparece novamente praticamente no topo. Tais dados demonstram que o Brasil convive com uma espécie epidemia da violência, cujo caráter mais letal é tragicamente a indiferença quase cumplicidade de grande parcela da sociedade. Um cenário sinistro como esse o nosso deveria ser tratado como um verdadeiro caos social, mas diferentemente disso, o que vemos é um grau assustador de complacência do Estado em relação a essa tragédia. E como o sistema consegue isso? Simplesmente naturalizando a violência.


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O NEGRO E A VIOLÊNCIA Márcia Maria da Silva

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Brasil apresentou alguns avanços nas políticas destinadas à população negra; criou a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR/PR, em 2003; instituiu o Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, com a finalidade de garantir à população negra igualdade de oportunidades, defesa dos seus direitos e o combate à discriminação, além de disponibilizar programas de ações afirmativas. No entanto a população negra continua convivendo com desigualdades sociais profundas e índices inaceitáveis de violência. Nesse sentido, a manifestação do racismo em desfavor da população negra é extremamente violenta. O racismo ocorre ostensivamente e às vezes sutilmente. Às mulheres negras, por exemplo, sempre foram destinados os trabalhos árduos, não-remunerados ou desvalorizados. Assim, a fragilidade feminina sobre as quais se constrói a proteção paternalista dos homens nunca foi direcionada a essas mulheres e assinalam como gênero e raça geram uma dinâmica de opressão contra o corpo feminino negro. Essas mulheres são constantemente retratadas como as antimusas da sociedade brasileira, portanto não são vistas como rainha, porque o modelo amplamente valorizado e divulgado é a estética das mulheres brancas. As mulheres negras não são contempladas nas revistas, nos livros didáticos e na mídia em geral, além de estarem ausentes dos espaços de visibilidade e poder. Nesse aspecto, todas as teorias psicológicas apesar de uma perspectiva de estudo do homem branco europeu expõe a necessidade de um ambiente acolhedor para o desenvolvimento saudável do ser humano. Assim, o corpo negro considerado indesejado e feio é passível de alterações psíquicas que devem ser mais investigadas pelos estudiosos em geral. É imperioso lembrar que os anos de liberdade têm causado mais danos psíquicos aos negros do que o período da escravidão (Nascimento, 2009).

psicóloga e servidora pública A par dessas violências a alta taxa de morte entre jovens negros continua sendo um dos fatores mais preocupantes para a população negra. Em 2010, morreram no Brasil 49.932 pessoas vítimas de homicídio, 70,6% eram negras. No mesmo ano morreram 26.854 jovens entre 15 e 29 anos, 74,6% eram jovens negros. Esses dados foram recolhidos do DataSUS/ Ministério da Saúde e do Mapa da Violência 2011. Vítimas do racismo institucional que é a ação do estado produzindo e reproduzindo a hierarquia racial, muito desses jovens tem perdido a vida em confrontos policiais. Nesse

A população negra que deixou as senzalas para viver nas favelas e periferias das grandes cidades permanece ausente dos espaços de visibilidade e poder aspecto, o Estado tem sido um agente importante de violação de direitos e exclusão social, principalmente referente à população negra que apresenta os piores indicadores de saúde, doença, cuidados e morte. No entanto, as idéias amplamente divulgadas pela sociedade brasileira são de que os brasileiros são pacíficos, alegres, solidários e não preconceituosos, assim o racismo à brasileira é um fenômeno difícil de ser elucidado. No entanto, a máscara forjada em torno de uma democracia racial jamais vivenciada no país, vem perdendo fôlego por meio de inúmeros casos de racismo

noticiados pelas redes sociais e mídia em geral. Recentemente a auxiliar de serviços Claudia Silva Ferreira, foi baleada e morta, em meio a uma operação da polícia militar na zona norte do Rio de Janeiro. O ator e psicólogo, Vinicius Romão de Souza, foi preso injustamente por 16 dias após ser confundido com um ladrão. Casos amplamente veiculados pela mídia nacional e internacional. Os exemplos citados confirmam que a violência física e simbólica contra mulheres e homens negros continua fazendo vítimas, apesar de todo empenho de séculos de luta de escravos revoltosos, abolicionistas e atualmente movimentos negros. A população negra que deixou as senzalas para viver nas favelas e periferias das grandes cidades permanece ausente dos espaços de visibilidade e

poder. O governo brasileiro fez um esforço sobre-humano para a realização deste grande evento “copa do mundo”, assim a população negra espera o mesmo esforço governamental para a transformação de estruturas sociais opressivas, a melhoria da vida dos negros que sofrem violência, assim como a oferta de serviços que contrariem lógicas hegemônicas discriminatórias.


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Brunna Guimarães Rodrigues jornalista e graduanda em filosofia pela UnB

Quando o assustador se torna banal

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o artigo anterior, é pontuado que o Brasil - consumido por uma violência gritante! – apresenta taxas inaceitáveis de homicídio, que em vez de diminuírem no decorrer dos anos, fazem é aumentar. Mas por que será que agimos com tanta indiferença – quase complacência –frente a este sombrio cenário?Tenho a impressão, que a banalização da violência tem algo haver com isso. Hoje, as cenas de violência, física ou moral, invadem ininterruptamente nossas casas quase todas as horas do dia e da noite. Convivemos com uma assustadora naturalização da violência. De onde ela vem? Creio que um dos principais meios que o Estado utiliza para aumentar o nosso limiar de tolerância e truculência é a TELEVISÃO. É importante que paremos para pensar qual o grau de impacto que a televisão vem causando em uma sociedade extremamente desigual como a nossa. É claro que ninguém acredita que a violência na televisão ou em outros meios de comunicação de massa seja, de forma isolada, a única responsável pelos níveis de violência na sociedade. Sabemos que as explicações incluem tanto causas sócio-psicológicas quanto biológicas. Mas apesar das múltiplas razões da violência, a exibição de selvajaria na TV tem efeitos evidentes. A televisão faz com que as pessoas pensem que a agressividade é normal, ou pior, ela transforma a violência em espetáculo, cria fórmulas estéticas que deixam essa ferocidade social com mero gosto de ficção e cheiro de novela. Até mesmo no jornalismo observamos o quanto a espetacularização da violência faz um grande sucesso. O público se rende a cenas hiper-realistas, na qual a polícia e a TV trabalham juntas nas caçadas pelos bandidos das periferias brasileiras. Com o sensacionalismo da violência, com suas imagens chocantes e sanguinárias, a televisão injeta no indivíduo doses cada vez maiores de tolerância à violência. Como bem expressa a psicanalista e jornalista Maria Rita, o processo para habituar o usuário à violência se dá de forma lenta, quase homeopática. “Com a exposição repetida às represen-

A televisão transforma a violência em espetáculo, cria fórmulas estéticas que deixam essa ferocidade social com mero gosto de ficção e cheiro de novela tações da violência, tendemos nos habituar a condescender com cenas que nos horrorizariam há dez anos, há vinte anos. Hoje, assistimos tranquilamente a cenas que nos fariam sair da sala alguns anos atrás. Essa elevação do padrão de admissão em relação ao horror me preocupa muito. Vamos nos acostumando à violência, como se fosse a única linguagem eficiente para lidar com a diferença. Vamos achando normal que, na ficção, todos os conflitos terminem com a eliminação ou violação do corpo do outro” (KEHL) Já socióloga Maria Luiza Belloni, percebe que essa exposição sensacionalista da

violência não estimula a reflexão, tampouco ajuda na construção da cidadania. Belloni afirma, que do ponto de vista ético, o exemplo da violência real e fictícia, representada e repetida sem cessar na TV nossa de cada dia, acaba construindo uma realidade cheia de guerras, explosões. De acordo com Belloni, imagens de mortes, brigas e mau-caratismo obscurecem a compreensão da realidade imediata, cujos problemas e situações concretas demandam nossa atenção e atuação. “A visão de um mundo perigoso lá fora, longe, nos remete a falsa segurança e felicidade de nosso mundo, consolando-nos de nossas misérias cotidianas e dificultando o exercício da autonomia de cada um de nós corno sujeitos de nossa história”, destaca ela. É preciso, portanto, olharmos com mais atenção para este meio, e percebermos o quanto a TV ainda afeta o imaginário popular construindo maniqueísmos. Pois com avançadas técnicas, a televisão no Brasil vem usando a violência como forma de controle social. Ela busca atemorizar a sociedade para que o poder apareça como recurso salvador.


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Moradia Comitê Popular da Copa DF

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Copa intensificou aumento dos despejos e remoções violentas nas cidades brasileiras. Duzentos e cinquenta mil pessoas com suas famílias estão sendo desestruturadas, levadas para longe de seus lugares de origem, causando impactos na saúde, na educação, no transporte público, além da violência física e psicológica. Tem gente com depressão, se endividando, esperando por soluções que nunca chegam. São vítimas da especulação imobiliária que expulsa os pobres das áreas do seu interesse. O sonho da classe trabalhadora de ter sua casa própria fica cada vez mais distante. Pois, o grande capital tem invadido as metrópoles e grandes cidades do Brasil e do mundo para especular a terra urbana e fazer do direito a moradia um negócio lucrativo. As reformas e construções de estádios de futebol para a Copa do Mundo, onde bilhões de reais foram e estão sendo gastos, enriquecendo empreiteiras e os especuladores imobiliários de plantão e deixando centenas de famílias desabrigadas. Na nossa visão isso é imoral e injusto, gastar tanto para uma festa turística enquanto a população clama por educação, moradia, saúde, reforma agrária, etc. Boa parte dos recursos para a construção do estádio de Brasília saiu da Terracap, empresa responsável pela gestão das terras públicas no DF. Para garantir estes recursos, ela realizou leilões mensais vendendo para a construção de luxo terrenos que poderiam ser destinados a habitação popular. Cresce o deficit habitacional no DF, assim como o preço dos alugueis. A resposta do Governo é sempre a enrolação e um programa morar bem extremamente burocrático e adaptado ao capital imobiliário. Exigimos auditoria das contas da Terracap e o fim dos leilões de terrenos públicos até a superação do déficit habitacional no DF. A onda especulação imobiliária está

presente nas periferias do Distrito Federal, em Ceilândia, por exemplo, estão sendo construídos prédios para venda de apartamentos. Coisas que só tinha em bairros e cidades nobres. E as principais propagandas desses apartamentos são a “segurança” e o valor (um pouco mais barato do que uma casa nas redondezas). Outro modelo de especulação imobiliária é a grande quantidade de residências que tem um “barraco” alugado no valor de 400 a 600 reais. Milhares de famílias morram há anos de aluguel. O condomínio Sol Nascente, em Ceilândia, a 35 km da Capital Federal, tem 56 mil habitantes, ou seja, a segunda maior favela do País. La quase todos os imóveis são ilegais, não há escolas, transporte precário, ruas sem asfaltos, falta saneamento básico, não há centros de saúde e muito menos hospital (Ceilândia conta com apenas um Hospital para atender seus 500 mil habitantes e os pacientes que chegam de outras cidades), o índices de violência é alarmante. A Luta por moradia é grande e se espalha pelos quatro cantos do Distrito Federal e caminha Brasil a fora. Planaltina, localizada a 40 km de Brasília, abriga o Acampamento Esperança de um Novo Milênio, ali 220 famílias vivem há cinco anos em barracos de madeira, com coberturas improvisadas e o esgoto corre a céu aberto. Observando o ritmo apressado da cidade e sua aglomeração de pessoas, em situações de desigualdades sociais e com desiguais oportunidades, entre outros fatores, produzem violências, medo, individualismo, solidão, desesperança, etc. Impedindo muitas pessoas a procurar, enxergar e realizar coisas que possam lhes ajudar a melhor viver. Exige que juntos lutemos por Reforma Agraria e Urbana, por Moradia digna e o fim das Remoções. Eles querem copa. Nós queremos casas.


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Juliano Berko.

Combustão Espontânea de Favela [E as Remoções Forçadas Para a Copa]

9 Aqui onde o sol não chega antes do camburão E habitação, então, é caso de polícia Aqui onde a morte é certa e só vira notícia Pra desumanizar os jovens, o que já é esporte Aqui onde a paisagem é lixo que suja a vista Já que a riqueza que o viaduto ostenta é só passagem E a vida doutro lado do muro é capa de revista E a propaganda eleitoral é pura maquiagem Quando o que a sociedade reclama É a redução da maioridade penal Então o agente da ordem não se engana E viola garantia constitucional Quando a cidade não se ama E gera um não-lugar no que já era Então o mercado imobiliário inflama A combustão espontânea de favela A madrugada é escura A manhã violenta A tarde sangrenta A noite sem cura A vida sem escolha A noite sem cura A vida sem escolha Aqui onde a justiça manda reintegrar a posse De um lote que não cumpria a sua função social Pro banqueiro condenado até em paraíso fiscal Não se finda, cresce muito o fundo do nosso poço Aqui onde a fazenda manda metralhar indígena Levando ao ultimato de um povo Guarani: “Decretem nossa morte e nos enterrem aqui” Ninguém sabe, ninguém viu, ninguém ouve o Jejuvy Quando quem financia o partido comunista [PCdoB] É o Mcdonalds e a Coca-Cola Então o Estado todo ignora As remoções forçadas para a Copa. Quando o povo não se engana Ocupa e se prepara para a guerra Não há tropa de choque com a gana Da luta, que é longa, dura e bela. A madrugada é escura A manhã violenta A tarde sangrenta A noite sem cura Na vida um só escolha: "Se resignar ou se indignar E eu não vou me resignar nunca" (Darcy Ribeiro)


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A COPA MAIS POLUENTE DOS ÚLTIMOS ANOS Por Michelle Portela

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promoção de megaeventos esportivos tem sido uma estratégia de diversos países para a atração de investimentos e de atenção internacional, sob o argumento de que os benefícios econômicos justificam o esforço e o gasto público para sediar tais eventos. Nesse contexto, realizar uma Copa do Mundo "verde" é uma promessa do Brasil, que garantiu construir estádios ambientalmente sustentáveis, mais adaptados a “padrões” internacionais, e preparar ações para supostamente alavancar a qualidade de vida e promover a sustentabilidade das cidadessede, entre diversos outros benefícios que ficariam como “legado” do Mundial. Para garantir estes avanços e transformar em prática os princípios e estratégias de sustentabilidade desde o seu planejamento até a execução, a Copa 2014 deveria seguir as diretrizes da iniciativa Gol Verde (no inglês, Green Goal), projeto da FIFA que obje-

tiva a inclusão definitiva da sustentabilidade nos eventos desportivos através de ações relacionadas à água, energia, resíduos, transporte e clima. Apesar das promessas quando foi trazida a Copa para cá, o país já desistiu de um compromisso a cada cinco assumidos na Matriz de Responsabilidade. O levantamento leva em conta 114 intervenções divididas em: mobilidade urbana, aeroportos, portos e estádios. Se o Brasil queria se aproximar da Alemanha em metas ecológicas, também fracassou. A mais desafiadora das metas estabelecidas para a Copa da Alemanha foi a de realizar um evento neutro em emissões de gases de efeito estufa (GEE). As emissões do evento naquele país totalizaram 92.000 toneladas de CO2. É uma triste constatação, mas o país do futebol vai realizar a Copa mais poluente dos últimos anos, em termos de Gases do Efeito

Estufa, jogando 2,7 milhões de toneladas de dióxido de carbono na atmosfera, segundo o Resumo do Inventário de Emissões de Gases do Efeito Estufa da Copa do Mundo da FIFA Brasil 2014. A quantidade de poluentes é similar aos gases gerados por 560 mil carros ao longo de um ano. O que percebemos é que esta Copa do Mundo, além de colecionar violações às populações e acelerar um modelo privatista e excludente de cidade, também desrespeita suas próprias promessas com relação à sustentabilidade. Além das injustiças sociais, o país está a um passo de fracassar no Green Goal, tornando qualquer legado social, cultural ambiental e até econômico meramente aparentes, senão falsos em avaliação final. Para a Articulação Nacional dos Comitês

A MOBILIDADE URBANA NÃO É UM LEGADO DA COPA

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disputa pelo uso das ruas se tornou a tônica da agenda recente, tanto pela disputa social do uso político e cidadão das ruas como espaço público maior de articulação, debate e expressão, tanto pela pauta do transporte, já histórica mas atiçada nos últimos anos pelo pesado e vigoroso colapso das metrópoles somado à promessa do "legado da mobilidade" que os megaeventos trariam. Se a disputa pelo uso da rua sempre ocorreu de forma violenta, seja repressão policial característica de um país com vivência democrática breve e frágil, seja pelas fartas mortes no trânsito estimuladas pelo desenho viário e urbano que privilegia a fluidez motorizada individual ao mesmo tempo que condena ao sofrimento o usuário do transporte coletivo, o que se vê no projeto do “legado” prometido, que teria o potencial de reorganizar a agenda de transporte, é justamente o avanço nas condições sociais que causam esse cenário de violência contra a população. O momento atual se tornou propício a uma reorganização de forças nas políticas de mobilidade não por uma janela de oportunidade aberta pela sediar de um megaevento esportivo, como o governo vendeu de 2007 a 2010 ao país. Na verdade, a chance de se organizar as condições sociais para

uma transformação estrutural do modelo de política de mobilidade surgiu justamente com a mobilização popular originada da percepção da ausência de legado possível e desejável. Já não é novidade que da lista inicial de matriz de responsabilidades, as obras de mobilidade foram reduzidas de 50 para 42 e seu orçamento caiu 11,6 bilhões de reais de para 8,6bi. O prometido legado foi uma moeda de negociação pública para convencimento de que os megaeventos seriam um bom “negócio” para a população. Também

não é novidade que as obras que foram executadas o foram de maneira autoritária, a serviço de um projeto elitista de cidade, criando novas periferias, removendo famílias e consolidando a aliança entre capital imobiliário, empreiteiros e lobby automotivo, no processo de financeirização do solo urbano. O que interessa agora é perceber como os movimentos sociais urbanos voltados para a questão da moradia se apropriaram do tema do transporte como eixo importante de atuação. Assim como a construção de

Populares da Copa (ANCOP), o desrespeito à sustentabilidade perpetrado pelo megaevento também reforça a situação de exclusão das comunidades atingidas pelas obras da Copa. Muitas das obras, especialmente as de mobilidade, foram usadas para possibilitar que milhares de pessoas fossem removidas arbitrariamente de suas casas, por estarem localizadas em área de interesse de obras da competição. Que copa verde é essa que não atende nem ao meio ambiente e nem à população? A copa mais poluente dos últimos anos, infelizmente, deixará marcas para as próximas gerações.

Por Renata Florentino, doutoranda pela Unicamp e militante do Comitê Popular da Copa morarias populares que não enfrenta a especulação imobiliária não dá conta de diminuir o déficit habitacional do país (caso do Minha Casa Minha Vida), a oferta de corredores rodoviários para ônibus por si só (que seria o tão propagado legado da Copa) também não resolve a questão da mobilidade. No estágio por vir das obras prometidas para a Copa do Mundo e nas próximas obras que virão, esse avanço do debate da sociedade na pauta da mobilidade exigirá esforços de enfrentamento constantes, justamente para se sair da seara de “obras”, e se entrar na esfera dos direitos, onde o direito à cidade emerge como princípio articulatório de diversas demandas contemporâneas. A Tarifa Zero é a proposta que pauta a desmercantilização do transporte, mas ainda assim, as pessoas precisam mais do que o “custo zero” para usufruir do espaço urbano, como os “rolezinhos” nos lembraram depois das manifestações de junho. Precisamos ainda pontuar outros desafios que se colocam na autonomia da circulação dos corpos no espaços públicos, como as restrições não oficiais de horários e lugares, as restrições a roupas, demonstrações de afeto, o que só será superado quando sairmos da discussão sobre obras e tratarmos da expansão de direitos em nossas cidades. Essa é agenda pós-legado que se deve construir.


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HABITAÇÃO OU CIÊNCIA QUE AJUDA A HABITAR? Frederico Flósculo Pinheiro Barreto

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB Doutor em Processos de Desenvolvimento Humano

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Governo do Distrito Federal está a lutar pela expulsão da Embrapa Cerrados de uma gleba que lhe pertence, mas que foi cedida há cerca de três décadas para que nela a mais importante instituição pública de pesquisa em ciência e tecnologia agropecuária criasse um grande laboratório. Essa retomada da gleba está a ser feita em nome da política habitacional improvisada pelo atual governo: faz parte da tentativa de apresentar ao eleitorado um número tão impressionante quanto “redondo”: a oferta de 100.000 novas unidades imobiliárias em sua política de habitação popular. Teremos, assim,

abrigo para aproximadamente 400.000 brasilienses, mas de um modo absolutamente “mágico”: sem a menor demonstração de sustentabilidade dessa política habitacional. O GDF da atualidade age sem estudar o impacto ambiental de sua política habitacional; paradoxalmente, faz isso pela desconstrução das instâncias de ciência e tecnologia que podem assegurar a sustentabilidade da ocupação humano do cerrado brasileiro. Há algo nessas decisões de governo que realmente merecem a melhor atenção da inteligência brasileira: a extrema pressa dos políticos quanto

~ existe Copa sem... Nao

2004

venha vibrar com os jogos que teremos este ano * Passaremos todos os jogos da copa a partir das 12h * * Televisores em pontos diferenciados * * Bolão em todos os jogos *

* Promoção de salgados *

* Atrações musicais, após os jogos do Brasil * (61) 3037.5572

bar.raizes@gmail.com

Raizes Reggae Roots

raizesbrasilia.blogspot.com.br

desde

a assegurar sua leviana popularidade, sua próxima eleição, que sabota diretamente o futuro de nossa comunidade brasiliense. Há algo nesse episódio que lembra o assassinato de Arquimedes, o grande cientista grego, há 2226 anos: em plena sessão de estudos, em meio à cidade de Siracusa, onde morava, invadida por romanos, ele não obedeceu à ordem do oficial enviado para capturá-lo (pediu que esperasse pelo fim de seu raciocínio), e foi morto, de imediato. A prerrogativa dos burocratas pode ser cega à grandeza da história e da própria ciência. Crimes muito maiores que a perda do futuro de um outro político são cometidos contra gerações inteiras, em nome de seus interesses eleitorais. Ao arrasar o laboratório de pesquisas agropecuárias da Embrapa Cerrados, o GDF - que requer o domínio sobre uma área de 9 quilômetros quadrados - atinge o futuro de uma área de mais de 2.000.000 de quilômetros quadrados, que já fornece alimento para dezenas de milhões de brasileiros - e que pode fornecer alimentos para centenas de milhões, sem que haja a destruição do mais importante bioma do País. Esse é o preço da ignorância: a destruição de nossas instituições do saber, de forma imediatista, imprudente, verdadeiramente vergonhosa. Contudo, fica aí uma grande lição: governar a Capital Federal exige, por várias e fortes razões, discernimento, inteligência - e ciência. Mais do que nunca devemos exigir do GDF o cumprimento da Lei Orgânica do Distrito Federal que, desde 1993, exige dos governantes a elaboração do Zoneamento Econômico e Ecológico, com fundamental premissa para a consistente sustentabilidade de sua ocupação. Na verdade, nenhuma nova expansão urbana deveria ser autorizada ou regularizada (no caso das centenas de grilagens perpetradas nas últimas três décadas) sem que tivéssemos a perfeita compreensão do grau de dano ao fornecimento de água, ao saneamento, à alimentação, à saúde dos brasilienses e de todos os brasilei-

ros que recebem as águas e os serviços oriundos deste Distrito Federal. Desde 1993 o GDF age às cegas, ampliando a ocupação urbana de forma irresponsável, não-planejada, não-fundamenta em ciência da geografia, em ciência do ambiente, em ciência das águas, em ciência urbana. Apenas a vontade política guia as agressões feitas ao território do Distrito Federal. Tudo em nome de carreiras políticas precárias que,de forma alguma, valem o comprometimento do futuro de Brasília. A área ocupada pela Embrapa Cerrados, próxima a Planaltina, além disso, foi poupada pelos grileiros que têm devastado o Distrito Federal exatamente porque tem sido ocupada de forma séria e consistente, produzindo ciência e tecnologia, abrindo caminho para a sustentabilidade futura. Como o sábio Arquimedes, o nosso patrimônio está sob o risco de perecer sob as decisões grosseiras de oficiais da política, cujo nome a história vai esquecer, mas cujos males serão lembrados, com pesar. Claro, ainda é tempo de repensar essa decisão, e trabalhar para que a ciência tenha o seu devido lugar na história de nossa cidade. Não a expulsemos, não a atrasemos ainda mais.


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Copa pra quem?

por Suzi Ramalho e Diogo Ramalho A partir do momento em que a população percebeu que a Copa traria mais impactos que benefícios, movimentos sociais, entidades, organizações e militantes independentes começaram a se organizar nos Comitês Populares da Copa, para investigar as violações, denunciar e lutar para diminuir o impacto deste megaevento sobre a população. Motivados pela certeza de que a Copa do Mundo e outros megaeventos não podem ser a maior prioridade em um país que ainda não consegue garantir direitos básicos à sua população, os Comitês Populares da Copa em todas as cidades-sede questionam, pesquisam e denunciam as violações relacionadas com a Copa do Mundo da FIFA e todo o modelo de desenvolvimento que ela representa. Os Comitês têm ido às ruas denunciar violações de direitos a moradia, ao trabalho, à proteção de crianças e adolescentes, à livre expressão, à livre manifestação, à transparência, entre outras questões de fundamental importância para o povo brasileiro.


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Nesta edição especial da Copa do Mundo, convidamos o Comitê Popular da Copa DF para falar ao Miraculoso #COPAsemPOVO?TÔnaRUAdeNOVO! Há quanto tempo os comitês se mobilizam para lutar contra as violações da Copa do Mundo? Um questionamento muito presente atualmente é que deveríamos ter feito as manifestações na época da candidatura para sediar a copa, mas o que a Copa se tornou hoje é muito diferente da promessa inicial. Aquela copa que traria inclusão social, melhoraria serviços públicos, deixaria um legado positivo nas cidades-sede e traria muito retorno financeiro ao país não passou de uma falácia do governo. E assim que percebemos isto, ainda em 2010, começamos a agir, criando Comitês Populares da Copa nas cidades sede do evento. O comitê no DF surgiu efetivamente em 2011 e, desde então, tem feito muitas denúncias, mobilizações, pesquisas e materiais de formação para que a população compreenda o sentido real da Copa do Mundo e seus impactos. Lutamos há muito tempo e o que vemos agora nas ruas é também fruto deste árduo trabalho que fazemos há anos. Outro fator importante a considerar é que, ao contrário do que algumas pessoas pensam, a véspera de um megaevento é um momento comum para se reivindicar direitos. Foi assim na Copa da África do Sul, nas Olimpíadas de Atenas, Londres (onde os controladores de vôo só saíram da greve no segundo dia dos jogos) e até mesmo na última copa no Brasil. Além de vermos que a Copa que nos foi prometida não aconteceu, sabemos que esta é uma época propícia para divulgarmos nossas pautas e demandas, pois o Brasil está no centro do cenário internacional. Qual é o sentido da Copa na visão dos comitês? O que percebemos ao longo destes anos de estudo, denúncia e mobilização é que a Copa do Mundo serve apenas aos interesses de uma minoria que envolve a FIFA, as construtoras, patrocinadoras oficiais e os governos, que sempre julgaram que se beneficiariam politicamente do mundial, além de garantir lucros exorbitantes aos seus principais financiadores de campanha nas eleições. A Copa do Mundo, junto com as Olimpíadas, são os mais importantes e lucrativos megaeventos do capitalismo global e têm como principal objetivo reforçar o avanço do domínio do capital sobre as cidades, consolidando um modelo privatista que segrega, exclui, retira direitos e torna a vida nos grandes centros ur-

banos insustentável para a população de baixa renda. No Brasil, vemos este processo acontecendo em nada menos que as 12 principais metrópoles do país, criando novas formas de exploração e intensificando as já existentes.

propagandas do governo manipulam dados e distorcem informações importantes sobre os mais diversos temas mas, felizmente, já está cada dia mais claro para a população a verdade de que a Copa do Mundo chegou e os benefícios prometidos não vieram. Onde está o tal legado do transporte, da saúde, da educação e etc? Passaram-se os sete anos desde a candidatura e muitos destes problemas inclusive pioraram.

Ao contrário do que dizem as propagandas, a Copa não tem nada a ver com futebol. Ao contrário, o esporte preferido dos brasileiros é utilizado apenas como uma desculpa Analisando o estápara retirar direitos da dio Mané Garrincha população. Portanto, Nossa crítica nunca foi ao vemos mais claranossa crítica nunca futebol em si, mas o que mente o péssimo nefoi ao futebol em si, gócio que é para o mas o que estão fa- estão fazendo às populações, Brasil. Ele já custou, zendo às populações, utilizando o esporte como segundo o Tribunal utilizando o esporte de Contas do DF, como maquiagem. maquiagem R$ 1.936.584.624,45 Felizmente, para a (quase 2 bilhões de população está cada reais) e já é o segunvez mais claro que do estádio mais caro do mundo. Se consia Copa não é para o povo e que criticá-la derarmos o lucro obtido no último ano, o não significa não gostar de futebol, ou ser prazo para os cofres públicos recuperarem contra a nossa seleção. Não temos a meeste dinheiro seria de 1412 anos e seis menor dúvida de que grande parte das milhares ses. Ainda assim, com vida útil entre 30 a de pessoas que estão nas ruas protestando 50 anos, seria muita ingenuidade acreditar são amantes do futebol, mas sabem que de que este valor seria recuperado de qualquer nada adianta o futebol sem acesso à saúde, forma. Soma-se a isto as perdas no coméreducação, transporte, segurança, moradia, cio (que estão estimadas em 30 bilhões por respeito, entre outras coisas muito mais imconta dos 64 dias de jogos em cidades-seportantes que o futebol em si. de) e os gastos com as outras obras (que já se aproximam de 30 bilhões). Este valor O governo investiu volumosos recursos é muito superior ao estimado de lucro pelo em propaganda recentemente dizendo governo com o turismo, que seria de apenas que esta será a “Copa das Copas” e que 25 bilhões (nas estimativas mais otimistas e a Copa deixará um legado muito positivo que já se mostraram erradas na Copa das ao país. O que os comitês acham disso? Confederações). Os enormes gastos com propaganda por Nas manifestações é comum ouvir os griparte do governo apenas confirmam que a política de pão e circo falhou. Apenas em tos de “Não vai ter copa”. Vocês realmen2013 foram gastos 2,4 bilhões em propate acreditam nisso? ganda para convencer a população dos Para os Amarildos, Cláudias e Antônios, asbenefícios da Copa e, ainda assim, as crísassinados pelo falido modelo de segurança ticas seguem e vão se tornando cada dia pública, ou para os trabalhadores mortos mais presentes na maioria da população. As

nas obras para o mundial, ou para as milhares de pessoas removidas de suas casas forçadamente, realmente não vai ter Copa. E grande parte da população está muito insatisfeita com a forma como as coisas aconteceram e isto se demonstra no clima de baixa adesão ao mundial. Há quatro anos atrás, nesta mesma época, o Brasil estava todo enfeitado de verde e amarelo, com bandeirinhas nos carros, ruas pintadas e etc. Desta vez, vemos os estoques encalhados nas lojas e uma grande desilusão com a Copa. Para garantir a realização dos jogos, o governo gastou 1,3 bilhão de reais apenas em equipamentos de repressão e deslocou 157 mil membros dos órgãos repressivos para as cidades-sede (sendo 57 mil das Forças Armadas), portanto, sabemos que os jogos vão acabar acontecendo, mas “aquela Copa” que os governos, a FIFA, os patrocinadores, as construtoras e a grande mídia diziam que ia acontecer: a copa da festa, aquela do grande orgulho, do “consenso nacional”, esta, com certeza, não vai acontecer! Porque paralelamente a esta copa repleta de violações nós teremos uma outra copa de muita luta, de muita reivindicação. Estaremos lá fora fazendo muito barulho, aí sim, com muito orgulho e com muita alegria por sabermos que é possível, necessário e urgente mudar o país. Como será a COPA DAS MANIFESTAÇÕES no Distrito Federal? Ano passado ouvimos críticas de que as pautas não eram claras, portanto, no DF, os movimentos sociais, entidades, coletivos, organizações, sindicatos e militantes independentes optaram por realizar manifestações temáticas que consigam dialogar com a população sobre um tema específico em cada dia de jogo no DF. Além disso, diversas outras mobilizações fora do Plano Piloto também estão sendo pensadas. Está cada vez mais claro a todas as pessoas que a RUA é o local onde se define política e que as grandes transformações não saem de salas fechadas com senhores e senhoras generosas, mas sim na poeira das ruas, nos gritos e palavras de ordem que pedem uma sociedade mais justa socialmente, com menos desigualdade e que dê conta dos enormes desafios da nossa população e da vida no planeta Terra. Participe você também! Curta a página do Comitê Popular da Copa DF no Facebook e #VEMpraRUA!


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A peleja do acarajé baiano contra o big-mac americano

Sabiá Duqueza O meu cordel estradeiro No mundo vai viajando Levando suas mensagens Por onde segue passando, E aqui pede passagem Pra levar outra mensagem Que o vem preocupando.

Agora a FIFA lançou Mais uma licitação, Restringindo o comércio De quem faz o ganha pão No comércio ambulante, E nem a preta mercante Escapou da restrição.

O Big-Mac responde: “Escultai o meu recado Quem dá ordem é a Fifa, Ela falou tá falado, Não adianta fincar pé, Esse tal de acarajé Na Copa não tem mercado...”

Vem aí Copa do Mundo No Brasil ser sedeada, No ano dois mil, quatorze, Por muitos é esperada Com profunda euforia E com certa rebeldia Por outros é criticada.

Arretadas com a FIFA Foram se manifestar Pelas ruas e na mídia Para conscientizar Sobre a situação Sobre toda essa questão Da cultura popular.

O Acarajé Baiano Cabra muito arretado, Era bom de capoeira Que num martelo rodado Era capaz de deixar Com duas pernas pro ar Um Big-Mac lascado.

Futebol também é arte E como toda arte tem O poder de encantar Na alma fazendo um bem, E mesmo o que passa fome Quando a bola consome Se esquece do que não tem.

Mas como é que se pode Fazer Copa no Brasil Sem se respeitar seu povo Que foi quem lhe construiu, Desprezando seu passado Como pode o próprio Estado Se meter nesse barril?

Mas como um bom capoeira E honrado batuqueiro, O Acarajé Baiano Improvisou no pandeiro Um coco de embolada, Pra deixar FIFA calada Pra ouvir verso ligeiro:

Mas tem muito brasileiro Que tá vivo pra danar Que se encanta com a bola Mas não se deixa driblar Pela espúria vileza Pela maldosa esperteza De quem só quer lhe roubar.

No Congresso, minha gente Deu-se um fato intrigante, Desceu de um helicóptero Um Big-Mac gigante, Pesava quinhentos quilos, Mais pesado que aquilo Só mesmo um elefante!

Você diz que aqui na Copa Tu é dono do pedaço, E que pela lei da FIFA Baiana não tem espaço, Olha aqui seu Big-Mac For your home, go back*, Senão te sento o bagaço!

Ontem éramos escravos Dum Reino Colonial Que arrancou de nossa terra Tudo quanto é mineral, Ouro, prata, bronze e cobre, Deixando a gente mais pobre E mais rico a Portugal.

Mas do lado das baianas, No meio da capoeira Rebimbou o beriumbau Levantando a poeira Renovando nossa fé Eis que surge o Acarajé Com sua ginga brasileira.

Apois o tal Big-Mac Ficou tão amedrontado, Que mandou chamar polícia Em dois camburão blindado, Os polícia veio vindo Mas Acarajé tinindo Se escapou pra outros lados!

Não basta a intransigência Que abala a nossa fé Eis que peitaram a tenda Das Pretas do Acarajé, A FIFA agora proíbe Aos ambulantes inibem, Mas as Pretas fincam pé.

Sem rodeio, foi dizendo: “O que me deixa arretado Tinhoso como o diabo É ouvir pra todo lado, Que a FIFA é quem manda, E que ela quem desmanda Na joça de nosso Estado”.

Com seus sprays de pimenta Lançaram em desespero Nos olhos do Acarajé Sem um pingo de esmero, Se esqueceram da sentença Que diz: “spray de pimenta Pra baiano é tempero!”


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O jogo fora de campo...

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por "Z"

O

s times entram em campo e se aquecem, o juiz e bandeirinhas se preparam, os capitães se reúnem para sortear "campo ou bola", tudo pronto, juiz apitou, bola rolou e... está valendo. O jogo a que esse texto se refere não ocorre dentro dos gramados. A partida que nos referimos aqui começou há anos, com a candidatura e escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo 2014, e durará ainda muitos outros. Nesse momento, todos os holofotes do mundo estão direcionados para esse grande jogo que é jogado entre grandes estádios e denúncias de desperdícios, lucros garantidos e direitos violados, propaganda oficial e manifestações....numa disputa em torno dos legados e significados que a Copa deixará para a história. Em clima nada amistoso, nesse duelo temos de um lado a famigerada representação do "Poder e Grana Companhia Ilimitada", composta principalmente por jogadores da FIFA, multinacionais, o Estado brasileiro e todo tipo de parasita interessado nos filés e nas carniças que a Copa do Mundo possa lhes oferecer. Do outro lado da disputa, encontra-se a equipe do "Mobilização Popular Futebol Clube", composta por inúmeros movimentos sociais e setores da população impactados e indignados com as megalomanias em torno do evento. Há quem diga que é uma disputa desigual em favor do "Poder e Grana"; fato este que não parece abalar a moral do "Mobilização Popular" pois, assim como o futebol... as disputas sociais são sempre uma caixinha de surpresas. Vamos à escalação da representação do “Poder e Grana” ! No gol, o arqueiro

Gilberto Carvalho assume a missão de segurar com elegância todo e qualquer chute a gol que transponha a truculenta zaga que o acompanha. Muito bem preparada para atuar ao velho estilo Junior Baiano de entrar de sola e fazer cara de “direitos humanos” depois, os defensores Zé Eduardo Cardoso, Beltrame e dois violentos beques centrais da Policias Militares e Polícias Civis protegem a grande área do Poder. Nessa missão, essa indigna defesa costuma recorrer com frequência às balas de borracha, spray de pimenta, gás lacrimogênio e ao velho cacetete. No meio campo, a equipe do Poder é escalada por Pelé, Ronaldo, Rede Globo entre outros ex-jogadores e veículos de imprensa que, de olho em todo tipo bocada publicitária, estão sempre à disposição para amenizar as bolas quadradas vindas da zaga e passá-las bem redodinha para o ataque. À frente, completam a equipe a atração internacional Jerome Valcke - chantagista oficial da FIFA, o agro-comunista e Ministro do Esporte Aldo Rebelo e a goleadora eleitoral Presidenta Dilma Rousseff, famosa pela majestuosidade com que pratica o drible da "canetada". Como principal traço desse time, cabe destacar o cinismo. Fator presente não só na composição atual do time, mas que já é marca tradicional do clube. Nesse time do Poder, os habilidosos e os truculentos jogam como se não fizessem parte da mesma equipe, mas no fundo sabem eles que os espetaculosos lances de Dilma no ataque dependem fundamentalmente das violentas jogadas de sua zaga policialesca. Há também uma divisão entre aqueles que estão mais de olho na grana e outros

mais focados nas eleições, mas é justamente casando esses interesses que joga a equipe, fazendo desse jogo uma inestimável oportunidade para seus propósitos privados. Alguns dos que hoje fazem parte do time do Poder começaram sua carreira e se destacaram ainda nas divisões de base do "Mobilização Popular Futebol Clube ". Quando lá jogavam, foram peças fundamentais para as vitórias do Mobilização, investindo belos dribles contra forças conservadoras e até mesmo contra a ditadura. Viraram cassaca sem nem mesmo admitir, pois... discursos à parte... todos sabemos que jogador faz a diferença em campo é no time em que veste a camisa....e nesse jogo estão do lado do Poder, com direito a patrocínio de empreiteras, da Coca-Cola e todo tipo de grande patrocinador. Para esses jogadores será difícil reconquistar a torcida do "Mobilização Popular" um dia, já que a torcida não é boba e não os perdoa... de inocente nessa estória, nem mesmo o mascote do Poder: o Fuleco – vulgo “tatu d’errado”. Essa grande partida entre "Poder e Grana" e “Mobilização Popular” está acontecendo com momentos mais emocionantes e outros mais tranquilos desde pelo menos outubro de 2007, quando o Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de 2014. A expectativa em relação ao evento era muito grande. A verdade é que de lá para cá, dois dos movimentos mais marcantes assistidos pela torcida foram: 1) os astrônomicos gastos públicos em estádios e outras obras questionáveis; e 2) o processo de aumento da militarização das relações entre Estado e socieda-

de, que nas periferias já eram bem militarizado. Apesar desses lances em favor do "Poder e Grana", a moral do “Mobilização Popular” está cada vez maior. O time está animado, pois sabe que joga em casa e que, apesar dos demandos da zaga do Poder, sua torcida não assistirá calada a essa disputa. O Mobilização não é um time de jogadores ricos e célebres... sendo mais propriamente um bom e autêntico time de várzea. O recurso de jogo em que mais aposta é o fato de que basta que seus torcedores levantem da cadeira e saiam às ruas para se somarem ao time enquanto jogadores contra o Poder.

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Jorge Antunes. MINHA VOZ É UMA FLECHA Ela foi, tal como um bólido, recortando o ar bem cálido, e o coturno já bem úmido viu a flecha e fez-se tímido. Coração tão frio, gélido, fica surdo ao grito enérgico. Mas a voz, bastante intrépida, soa longe bem enfática. O momento é quase épico: nossa voz tem muita estética, nosso grito é bem ético, nossa flecha é poética. É um grito emblemático de uma luta muito válida. Vem pra rua, pragmático. Sai da frente, cara pálida!

CACÓFATOS DA COPA Tens um diploma de formado? Deformado. O que ficou de missão? Demissão. O que você vai sentir vendo a FIFA com o direito de testar? Detestar. Você reza para que bem resulte o direito de voto? Devoto. Como vai ficar a oportunidade de morar? Demorar. Como fica o povo com a força de pressão? Depressão. Que acontece quando ocorre pressão? Repressão. O que fica de legado? Delegado.


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A BOLSA FAMÍLIA É O PÃO, A COPA É O CIRCO G

raecia capta ferum uictorem cepit et artes intulit agresti Latio. Peço ao leitor que perdoe a minha pretensa e falsa erudição, ao reproduzir aqui a frase em latim. Mas, essa frase precisa ser relembrada de quando em quando. Sua tradução: A Grécia vencida venceu o feroz vencedor e levou as artes ao agreste Lácio. Quem a escreveu foi Horácio, há cerca de 2050 anos. O filósofo comentava os resultados da invasão e dominação promovidas pelo cruel poderio militar romano, subjugando a Grécia. Os vencidos venceram os vencedores, porque o que prevaleceu foi a cultura grega. Foi essa a cultura que ficou. Lembremos que o filósofo e poeta Horácio era romano. Cultura é fenômeno estratégico, que amedronta todos aqueles que desejam se eternizar no poder. Não é à toa que vemos, hoje no Brasil, serem destinados apenas 0,05% para a Cultura no Orçamento Geral da União. Cultura é coisa perigosa. Ela derruba estruturas e domínios. Nas artes, em particular, verificamos, muitas vezes, a presença de qualidades que atemorizam os donos do poder. A sagacidade, a astúcia, a sutileza

e a finura, usadas em contexto estético, acabam por persuadir e mudar mentalidades. Joseph Goebbels, diretor de Propaganda Política do Terceiro Reich, braço direito de Hitler, emitiu uma frase que se tornou célebre: “Toda vez que ouço falar em cultura, eu saco o revólver”. No Brasil, ao se falar em cultura, os donos do poder não sacam revólveres: as autoridades dispõem de arma mais poderosa: a caneta. Com essa poderosíssima arma –a caneta–, são estabelecidas percentagens degradantes no Orçamento, tais como os 40,30% para os juros e as amortizações da dívida pública, os 0,40% para a Segurança, os 3,70% para a Educação e os míseros 0,05% para a Cultura. Marx foi bastante lúcido quando afirmou que o único modo de se conhecer o mundo é aquele em que nos dispomos a transforma-lo. Ou seja, a práxis é a salvação do conhecimento. E cultura nada mais é do que isto: a transformação do mundo, a transformação da natureza. Não acho difícil definir cultura. Eu afirmo que cultura é tudo aquilo que não é natureza. Montanha, oceano, trovão, nuvem, relâmpago, tornado, vento e chuva não têm nada a ver com cultura: são fenômenos da natureza. Chuva é natureza, mas chuva ácida é cultura, pois ela resulta da ação do homem na natureza. O Monte Rushmore, em Dakota do Sul, Estados Unidos, era uma montanha como outra qualquer: obra majestosa da natureza. Mas passou a ser cultura quando o escultor Gutzon Borglum resolveu ali esculpir as cabeças de quatro presi-

dentes norte-americanos. Cultura é também o cinema, a comida, a música, o teatro, o artesanato, a vestimenta, a literatura, o circo etc. Muitos críticos afirmam que o governo Dilma e o governo Agnelo não têm uma política cultural. Discordo totalmente. No Brasil, atualmente, está implantada um política cultural muito peculiar. Por meio dela o pão é garantido com a bolsa família e o circo é garantido com a construção de arenas. Ou seja, um espetacular projeto de pão e circo é implementado. E, perdoe-me o leitor, vejo-me de novo na necessidade de voltar ao latim e aos antigos romanos: panis et circenses ludi, que significa pão e jogos circenses, foi a política criada pelos antigos romanos. Ela determinava o provimento de comida e diversão ao povo, com o objetivo de diminuir a insatisfação popular contra os governantes. Essa política está cristalinamente implementada entre nós, com o objetivo de entreter o povo, de enganar o povo, de alienar o povo. Urge lutarmos por uma nova política cultural, que poderia ser resumida com um simples lema: cultura de todos para todos. Com a nova política cultural seria possível a verdadeira democratização cultural. Democratizar a cultura não é distribuir ingressos para que pobres mortais possam assistir e aplaudir artistas famosos deificados. Democratizar a cultura não é formar consumidores. Democratizar a cultura é disponibilizar meios com os quais todos possam ter condições de praticar, produzir e fruir a cultura de todos. Estamos habituados a encontrar pedreiros que fazem poesia, marceneiros que esculpem, padeiros que compõem música, e tantos outros humildes trabalhadores que não têm como difundir a arte que produzem às escondidas. A expressão pela arte, pela prática cultural, tem que estar disponível para todas as pessoas. A Educação tem que estar atrelada a todo projeto que pretenda democratizar a Cultura. Todo o leque de linguagens, vertentes artísticas e técnicas de criação têm que integrar o currículo escolar, para que a Educação de qualidade dê lugar à verdadeira libertação do ser humano.

Jorge Antunes

Maestro, compositor, poeta, pesquisador sênior da UnB, pesquisador do CNPq, membro da Academia Brasileira de Música


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O PAÍS VERDE E AMARELO Essa Copa nunca existiu, nem vai existir. Não para mim... E para você!? Não enquanto houver tanta gente sofrendo. Não enquanto houver tanta pobreza e miséria. Não enquanto houver tanto desemprego. Não enquanto houver um mendigo nas ruas. Não enquanto houver tanta violência. Não enquanto a educação for tão desvalorizada. Não enquanto houver um índio com seus direitos violados. Não enquanto houver uma pessoa sequer a ser discriminada, seja por sua raça, sua cor, seus cabelos, sua origem, sua cultura, sua religião. Não enquanto o trânsito for tão ou mais perigoso do que estar ao lado de um criminoso. Não enquanto estiverem lotadas as prisões. Não enquanto houver adolescentes em conflito com a lei. Não enquanto uma criança chora porque foi violentada. Não enquanto houver falta de transporte para as comunidades rurais. Não enquanto os transportes coletivos forem sucateados. Não enquanto houver crateras nas estradas. Não enquanto tantos passam sede e fome. Não enquanto houver seca no sertão. Não enquanto houver grandes fazendeiros controlando a água da população. Não enquanto houver um político corrupto no poder. Não enquanto houver lixo espalhado pelas ruas das cidades. Não enquanto todos se calam e se conformam com os erros e com a crueldade. Não enquanto houver indígenas e ribeirinhos sofrendo com a invasão das hidrelétricas. Não enquanto os rios, lagoas, cachoeiras e mares estiverem poluídos. Não enquanto derrubarem nossas florestas, nossas árvores. Não enquanto a natureza for pouco a pouco destruída.

Camila Valadares.

Quero ver as pessoas sorrindo, gargalhando. Quero ver a igualdade das classes sociais. Quero ver o acesso à oportunidades dignas de trabalho. Quero ver todos com suas moradias. Quero ver a não-violência, a cultura de paz. Quero ver todos com acesso ao ensino de qualidade. Quero ver as terras indígenas demarcadas. Quero ver os direitos humanos respeitados. Quero ver todos trafegarem livremente e em segurança, sabendo que vão retornar aos seus lares. Quero ver transportes públicos funcionais. Quero ver estradas acessíveis. Quero ver todos saciados. Quero ver a chuva, alegria do sertão. Quero ver todos com água nas torneiras de suas casas. Quero ver toda essa maquiagem disfarçada dos políticos corruptos cair por terra. Quero ver a limpeza surgir de dentro pra fora. Quero ver o povo clamando por seus direitos. Quero ver indígenas e ribeirinhos brincando às margens dos rios que os criaram. Quero levar meus filhos para se banharem em águas límpidas, cristalinas. Quero ver o homem em harmonia com a natureza. Quero ver o nosso país verde e amarelo brilhar de verdade! Aí sim, poderá haver Copa no Brasil!


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O Padrão FIFA

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Edmilson Gama Advogado formado na USP e engenheiro pela UNESP. Foi Presidente do BRB e Diretor da CAIXA. Professor de cursos de graduação em Brasília. Tem mestrado em Políticas Públicas.

Federação Internacional de Futebol Associado – FIFA firmou mais de 900 contratos de direitos de exploração comercial da Copa do Mundo no Brasil em 2014. Os contratos referem-se a marketing, comunicações, venda de pacotes, etc. Quase 200 países já têm contratos assinados com a FIFA em relação à exploração das imagens do mega espetáculo. Estimativas não oficiais indicam que a FIFA pode faturar valores próximos a 5 bilhões de reais. Trata-se da edição mais lucrativa entre as 20 copas anteriores que já foram realizadas. O artigo 23 da Lei Geral da Copa, que fala da Responsabilidade Civil, determina que a União assuma os efeitos da responsabilidade civil perante a FIFA, por todo e qualquer dano resultante ou que tenha surgido em função de qualquer incidente ou acidente de segurança relacionado aos eventos, exceto se for a FIFA que concorrer para o dano em questão. Todo negócio envolve riscos que devem ser assumidos ou mitigados entre as partes contratantes e não é rara, a existência de modelos de contratos que o lucro resultado do negócio seja compartilhado por aqueles que são os agentes interessados. Mas para a FIFA isso não vale: o lucro é só dela. Havendo prejuízos, outros assumem. Nas Copas a FIFA apresenta um extenso e complexo caderno de encargos e obrigações ao país sede, recebe uma bolada por contra de contratos bilionários e finalmente não assume nenhum tipo de responsabilidade em relação aos eventos. Trata-se do melhor negócio do mundo. O Padrão FIFA não existe, o que existe mesmo é a exploração do esporte mais popular do planeta por uma organização privada - quase um Estado Nacional - que subjuga reclamos legítimos de populações por meio de um pseudo legado que apresenta interesses difusos e benefícios concentrados.


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Porque amo o futebol e acredito Nele Leandro Duarte editor do site Agência Gestão CT&I e apaixonado por futebol

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odos nós sabemos que o futebol exerce um fascínio imenso sobre boa parte da população mundial, especialmente, a brasileira. Tão difícil como tentar fazer um malabarismo com as pernas aos moldes dos efetuados por Neymar, é explicar o que é futebol e o porquê o esporte provoca uma imensidão de sentimentos no coração e mente de seus aficionados. Talvez uma conclusão a estas questões que chegue próxima da realidade seja a do escritor uruguaio Eduardo que diz que “A grande virtude do futebol é sua capacidade de surpreender, de provocar assombro, de permitir o milagre, de saber que o impossível pode acontecer. É uma das atividades humanas mais imprevisíveis que existem”. Em tempos de Copa do Mundo, muita gente reverbera a expressão “futebol é o ópio do povo”, que é uma analogia a frase de Karl Marx “religião é o ópio do povo”. A expressão, no meio futebolístico, já é bem antiga. Em 1970,durante a copa disputada no México, grupos contrários à ditadura viviam clandestinamente a protestar contra o mundial e o esquete canarinho, tido como arma do governo militar. E era mesmo. Dentro da comissão técnica daquela seleção havia um censor da ditadura (como pode ser observado no documentário: “Memórias do Chumbo: Futebol nos tempos do Condor”. O mundo cinematográfico, ainda auxiliaria a ilustrar este cenário de intensa disputa no filme “O ano em que meus pais saíram de férias”. A película traz a tona um pouco do que é o futebol. Um aglomerado de jovens socialistas, que no calor da vontade de protestar contra aquele regime autoritário, chegavam a torcer, inicialmente, pela vitória dos oponentes do Brasil, em especial da Tchecoslováquia, mas ao final, se rendiam aos encantos do brilhante jogo de Gérson, Rivellino, Tostão, Pelé e Jairzinho. Identificar o motivo pela quebra de protocolo? É quase impossível. Já tentaram colocar no papel o porquê amam alguma coisa? O futebol é tão espetacular e apaixonante que às vezes nem é preciso assistir a uma partida para poder falar sobre ela. Até pouco tempo atrás, muitas pessoas acompanhavam o esporte através das ondas de rádio. Bom, mas aí podem perguntar: as partidas não são

televisionadas há muito tempo? Como as pessoas podem ser apaixonadas por um jogo que pode ser tão entediante? A explicação pode não parecer simples. Vamos começar pelo aspecto simples do futebol. Por que o futebol é um dos esportes mais praticados no mundo? Existem várias verdades para esta resposta. Sim, ele é uma das modalidades onde se tem mais mídia em cima, portanto aparece mais. Mas o seu aspecto simples é o que mais pesa nesta equação. O que é necessário para jogar futebol? Apenas um objeto que se assemelhe a uma bola e outros objetos para simularem duas balizes. Na minha juventude, quando não havia uma bola por perto, improvisávamos. Se não tinha uma latinha no chão, servia uma pedra, um sapato, um chinelo, meias entrelaçadas, tudo era bola. Para as traves, era também simples. Colocávamos, em paralelo,duas pedras, tijolos, sapatos, tênis....Tudo poderia servir como gols. Para diferenciar os times, não precisávamos comprar uniformes, era o time com ou sem camisa. O futebol, era ali concebido, por crianças (as vezes adultos) como uma atividade lúdica onde fazer um gol e sair para comemorar com os colegas de equipe, por vezes, ajudava a encarar o dia mais difícil, fazia a tristeza momentânea criada por alguma dificuldade da vida, sumir por um tempo

em virtude de um drible por debaixo das pernas do adversário. Naquele campo, naquele momento, a vida era o futebol. Antes de terminar esta ode ao esporte, não poderia deixar de citar a experiência de se ir a um estádio. Muitas pessoas que dizem não gostar do esporte vão ao estádio e são picados pelo bichinho do “amor ao futebol”. Eu já testemunhei diversas vezes isto acontecer. Dentro do estádio todas as pessoas são iguais, apesar das bizarrices acontecidas em certos lugares, a máxima é correta. Os torcedores, mesmo aqueles de ocasião, independentemente de raça, cor ou credo, entram na mesma sintonia na hora de torcer. Dependendo do que ocorre no momento do jogo, o estádio pode explodir em alegria ou em tristeza. Se é de alegria, não tem jeito. É gritar gol, pular, se esvair de alegria e, de repente, abraçar aquele que está do seu lado, que muitas vezes você nunca o viu na vida. Essa é a magia do futebol, aproximar desconhecidos, vibrar com dribles, cantar pelo seu time ou contra o adversário. Apaixonados ou não, quem já foi a um estádio de futebol já presenciou e vivenciou estes fatos. Ao longo dos anos, especialmente com a pesada chegada da publicidade esportiva, querem comercializar a paixão pelo esporte. Atitude que é muito comum

no meio e que por vezes é o estopim para brigas e para um certo desdém da maioria dos saudosistas e também por aqueles que criticam o próprio esporte. Protestar contra a corrupção que permeia o esporte – sim, ela existe, é grande, está incrustada em diversos formatos, inclusive é causadora de mortes de torcedores e atletas – é digna e necessária. Desde o início dos planos para receber o mundial de 2014, tinha-se no imaginário popular, que a competição escancararia a falta de organização do País, o descaso para com outras áreas mais importantes, a burocracia que assola todas nossas estruturas. Isto foi comprovado com as obras da Copa. Esta indignação, que agora está nas ruas, é legítima e mostra – mesmo que de uma maneira tardia – que a população “ergue armas” contra a política do “roubo, mas faço”. A única situação para reflexão é a seguinte: não interpretem o amor pelo jogo como “fazer pouco caso com o País”. Saber separar as situações é questão de inteligência. Também não vistam esse patriotismo, que beira a características totalitárias (as mesmas usadas em 70 – no pra frente Brasil), como sua bandeira. O futebol, em sua essência, tem haver com dribles mirabolantes, com raça, com amor, paixão. Ganhar ou perder é mero detalhe. Então, existirão pessoas, assim como eu, que torcerão por espetáculos graciosos, portanto, nem sempre seguirão a seleção canarinho. É óbvio, que torcerei pelo sexta estrela brasileira (hexacampeonato), mas não ficaria triste em poder ver a magia da Laranja Mecânica (Holanda), a dramaticidade da grande defesa da Squadra azurra (Itália),o bom jogo dos kaisers alemães, o tikitaka da fúria (Espanha), ou toda aquela raça portenha protagonizada pela argentina capitaneada por Messi ou pelos uruguaios que planejam um segundo Maracanazzo. Afinal de contas, o futebol, meus amigos, é isso, um espetáculo. Outros interesses como disputas pelo poder ou pelo dinheiro, infelizmente, sempre irão circundar o esporte, mas a sua magia nunca morrerá enquanto houver jogadores como Messi, Neymar, Cristiano Ronaldo, Pelé, Maradona, Garrincha, Leônidas da Silva.


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O JOGO Carlos Augusto Cacá Texto extraído do livro Máscaras (2012)

stávamos em desvantagem. Sempre estivemos. Era hora de novo embate. Havia três times. Éramos o segundo mais forte e, às vezes, vencíamos o primeiro numa partida, mas nunca no torneio. Eles eram os donos da bola, do campo, dos juízes e talvez até das condições climáticas. Mas investíamos na disputa para aprender alguma coisa. Não sabíamos como superar nossa desvantagem, então jogávamos na expectativa de que haveria um descuido, um deslize, um momento certo para darmos o bote. As poucas vitórias que conseguimos só foram possíveis porque estávamos de prontidão. O primeiro e o terceiro times discutiram as regras do jogo na nossa ausência. Não quisemos discuti-las, não adiantava ter argumentos nem insistir. As regras sairiam como saíram. Não era a discussão que definia os resultados. Era o poder estabelecido. A discussão não passava de um ritual homologatório. Ir àquele debate de cartas marcadas seria emprestar-lhe legitimidade. Ficar de fora era um gesto simbólico para denunciar a falsidade da negociação. O terceiro time trouxe-nos a notícia das regras acertadas. Era um time sem consistência, sem propósitos e vira-casaca. Mas eram respeitosos conosco. Nós e eles sofríamos as mesmas humilhações. Eles se expunham mais, por falta de percepção do jogo, mas a humilhação era a mesma. Quando não aceitávamos as provocações do primeiro time, quando percebíamos suas arapucas, eles se irritavam e nos agrediam ainda mais. Assumiam a arbitrariedade de seus atos. Foi o que aconteceu naquele dia. Ameaçaramnos de expulsão do campeonato porque não comparecemos à reunião de discussão das regras e proibiram-nos até de treinar. Impuseram-nos regras absurdas e desnecessárias. Tinham maior estatura que nós e levavam vantagem nas jogadas pelo alto, entretanto proibiram o toque de cabeça e peito.

O jogo seria exclusivamente com as pernas, para evitar que erguêssemos a cabeça. O terceiro time tinha dois atacantes com muita habilidade em dribles curtos. Por isso, chegaram a sugerir que eles fossem vetados. Um estrategista mais inteligente sugeriu que se criasse uma regra limitando o número de toques sucessivos que cada jogador poderia dar na bola. Por fim, resolveram não mudar nada a respeito. O ideal era mantê-los com o moral tão baixo que não ousassem tentar os dribles. Se isso não funcionasse, providenciariam para que saíssem de maca. Isso era dito com todas as letras nas negociações e, é claro, sem esquecer o sorriso sarcástico dos poderosos. Proibiram outras coisas como as entrevistas, a comunicação dos jogadores com a torcida para solicitar apoio, o toque por baixo das pernas e o de calcanhar. Para que pudéssemos jogar, teríamos que declarar a aceitação a todas as regras e apresentar formalmente um pedido de desculpas. Desculpas por termos feito algo que os desagradou embora não pudesse ser considerado incorreto. Como nenhuma regra fora ofendida, foi exigido um pedido genérico, do tipo: “Desculpe ter agido assim.” Sem mais explicar. Deixaram claro que não era importante mencionarmos as causas e sim que acatássemos a exigência. Mas aceitá-la sem mencioná-la, sem a discussão do seu mérito seria uma rendição vergonhosa. Era o que queriam. Então, enviamos-lhes a seguinte manifestação: “Diante da impossibilidade de discutir democraticamente as regras do torneio, submetemo-nos ao que ficou estabelecido a fim de evitar a exclusão da equipe. Repudiamos, entretanto, a adoção de medidas que restringem a beleza do futebol, que visam à manipulação de resultados e destroem a paixão da torcida por suas equipes. Pedimos desculpas por erros que eventualmente tenhamos cometido em prejuízo desses valores, que, para nós, são

imprescindíveis.” Para nossa surpresa, a declaração foi aceita. Certamente não a leram. Satisfizeram-se com o título: Pedido de desculpas. Ficamos em segundo lugar novamente. Nesse torneio, só o primeiro sobe ao pódio e comemora a vitória. O segundo não pode ter a menor regalia. Sabemos bem a razão: gostariam de negar nossa existência, mas, nesse caso, não seriam campeões de nada. Muitos deles divertem-se dizendo que tudo o que fazemos é emprestar brilho às suas vitórias. De fato, éramos o contraponto de que precisavam para vencer, mas brilho não havia em nada que viesse deles. Estarmos à altura de valorizar a vitória deles é apenas o primeiro passo de nossa caminhada. E sabemos onde ela vai dar. Eles também sabem e tentam minimizar a importância de nossas conquistas. Impedem a livre comemoração do vice-campeão com medo que ofusque a deles. Entopem-se de whiskies e cervejas para aplacar o medo. Seus gritos de vitória têm mais nervosismo que alegria. Seus tambores não acertam o ritmo. Os metais desafinam. Nem seus foguetes estouram com vontade. O primeiro passo está dado e vencê-los será uma questão de persistência. Não nos suportam porque sabem que somos mais que meros vice-campeões: o nosso segundo passo será derrotá-los num campeonato. E não vamos parar aí. O que os amedronta é saber que, no curso de nossa caminhada, arrancaremos suas máscaras e os poremos a nu. É saber que irão enxergar seus próprios rostos e não se reconhecerão. Saber que se deixam mutilar terrivelmente enquanto se escondem atrás de máscaras. É descobriremse dependentes delas para esconder o rosto em decomposição. Enquanto perdem sua identidade, avançamos lentamente na construção da nossa.


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Em busca de uma nova ideologia global T

odo ser humano é ideológico. Muitos, no entanto, são inconscientes com relação aos ideais que possuem. Ideologia é como um íman que atrai os esforços de uma pessoa, de uma organização ou de uma sociedade para a situação dos sonhos. Alguns argumentam que se trata de uma ingenuidade, pois a realidade nunca se apresenta como a sonhamos. Durante muito tempo, capitalistas acusaram socialistas de serem idealistas demais, defendendo que o capitalismo seria fundamentado na realidade, baseado na ciência e na natureza das pessoas. O socialismo, por sua vez, estaria errado porque a igualdade social não seria possível uma vez que as pessoas são e desejam realidades diferentes. O capitalismo, no entanto, é também uma ideologia, com todas as suas qualidades e falhas. É baseado no sonho americano e na felicidade conquistada a partir do progresso material. Por muito tempo, esta afirmação foi praticamente inquestionável na medida em que a física clássica e a ciência se intitulavam a voz da verdade e defendiam de forma hegemônica que o universo teria como elemento básico a matéria. Avançando em outra direção, a física quântica vem

mostrando uma nova realidade. Para ela, a base da matéria é a energia. A famosa fórmula do Einstein, E=MC², diz que matéria é energia que vibra muito rápido. A nova ciência, portanto, desmorona a sustentação da idéia de que o capitalismo se fundamenta na verdade absoluta. A ideologia do progresso prometeu desenvolvimento para todos, além da felicidade a partir da máteria, da individualidade, da competição e da submissão da Terra e de seres humanos baseado em gênero, raça e condição econômica. Esta tão prometida felicidade não foi entregue. Hoje, o Planeta está exausto e a desigualdade entre ricos e pobres aumenta gradativamente. As pessoas também estão tristes, doentes e um vazio, aos poucos, se instalou em seus corações. Uma boa notícia é que o ser humano é uma animal sensacionalmente criativo. O vazio gera, ao mesmo tempo, fuga e busca. Há muitos indicadores desta nova generalizada realidade. Drogas e Turismo estão entre as quatro maiores economias do mundo, ao lado de armas e petróleo. Ambos servem como fuga da realidade, mas também como busca de novos horizontes. Os hospitais estão lotados, o que sugere a necessidade de fugir deste estilo de vida que adoece. As farmácias, por sua vez, são cada vez maiores e apresentam-se como busca. Há uma forte esperança de que uma busca mais profunda gerará resultados. Afinal, quem procura acha. Durante muito tempo, as pessoas estavam satisfeitas em passar a vida buscando o sonho dos americanos. Contudo, este sonho emprestado parece não ser mais adequado ao século 21.

A sustentabilidade não está surgindo de um grupo de países, pessoas, cientistas ou empresas. Ela está surgindo desta falência da lógica capitalista. Não há mais convincentes argumentos que faça um pai de família trabalhar 40 anos, 60 horas semanais, sem condições ideiais de saúde física e mental, deixando de lado seus filhos e esposa, dirigindo an-

Projeto 10porhora

gustiadamente de um canto a outro da cidade, sem tempo para lazer, para o sorriso, para apreciar a música, os amigos, para vivenciar o mundo e toda sua beleza. A sustentabilidade está surgindo de dentro dos corações, que sentem a necessidade de construir uma nova sociedade global, a partir deste novo horizonte utópico.


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Expediente

SEU ESTRELO EO FUÁ DO TERREIRO Em 2014, o grupo Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro comemora 10 anos de existência. Com a benção de Mestre Salustiano, o grupo celebra a data com a criação de um novo espetáculo: ‘A 4° Roda ou O Amor é Rio Sem Margem’. Tendo como um diferencial a sua estética, o grupo precisa nesse momento de apoio para custear os figurinos e o cenário deste novo espetáculo. A campanha de arrecadação está na ativa, pelo Catarse. A data prevista para o lançamento da 4ª Roda é 02 de agosto. Até lá, tem muito trabalho pela frente. E, para trabalhar, as contribuições são mais que bemvindas!!! O grupo cultural de Brasília, Seu Estrelo e o Fuá do Terreiro, criou sua própria brincadeira popular e o seu próprio mito, intitulado: O Mito do Calango Voador. Com um ritmo singular, inventado pelo grupo e batizado de Samba Pisado, suas fabulosas figuras, sua inovadora dança e seu surpreendente teatro de terreiro, o grupo traz em sua alma uma das principais

BRASÍLIA-DF, OUTUBRO/NOVEMBRO DE 2010 / www.miraculoso.com.br / DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

BRASÍLIA-DF, MAIO DE 2010 - 3ª EDIÇÃO |

Editor Diogo Ramalho Capa Fernando Aquino características da cultura popular brasileira, a invenção. A fúria criativa de Seu Estrelo faz do grupo uma das maiores referências culturais de Brasília, tornando a sua manifestação de grande importância para renovação da cultura popular brasileira. http://www.seuestrelo.com

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BRASÍLIA-DF, ABRIL DE 2010 - 2ª EDIÇÃO

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BRASÍLIA: 50 ANOS DE QUÊ?

Professor

Cristovam Buarque p. 08 UnB e Cotas Raciais

quando um tema não é mais prioridade p. 07 por Artur Antonio e Dalila Fernandes

p.

por Andrés Sugasti

Ceilândia

05

por Jardel Santana

em Cidades Satélites

p.

02

ar

C los Drummond de Andrade Tema do mês Trabalhadores

Literatura e Poesia P. 10 a 13

p. 10

Arte: Fernando Aquino

Os índios do Setor Noroeste e a Marcha da civilização

enhas e

Poemas, Res Contos

A volta das lixeiras de ouro - UnB Por: André Shalders / P. 3

Entrevista do Mês: Toninho do PSOL

Meio Ambiente: Projeto Cerrado em Pauta Por: Dra. Fátima Rodrigues

Setor Noroeste de Brasília Corrupção no Urbanismo de Brasília Por: Dr. Frederico Flósculo

O MIRACULOSO

p. 11 a 13

por Aílton Fagundes

p.

02

UnB 50 anos:

os caminhões da nova capital por Eudásio Gaio de Sousa

p.

03

ENTREVISTA DO MÊS

Vladimir Carvalho p.

Brasília e o Misticismo Egípcio por Andrés Sugasti

p.

10 17

Poesias e contos brasilienses p.

12 e 13

Movimento Fora Arruda e toda máfia por Solano Teodoro

p.

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BRASÍLIA-DF, ABRIL DE 2010 - 2ª EDIÇÃO | BRASÍLIA-DF, JUNHO DE 2010 - 4ª EDIÇÃO |

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Entrevista: Candidatos ao governo do DF

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Cidades Satélites: por Jardel Santana

Entrevista do mês:

Brazlândia Vladimir Carvalho

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Copa do Mundo Povo sem autonomia

festas 50Asanos de juninas cultura e o Estado Autor Autor

Curiosidade Miraculosa: por Andrés Sugasti

Poesia brasiliense O QUE ACONTECE QUANDO VOCÊ BEBE UM tema: 50REFRIGERANTE? anos

Poemas e Contos

pág. 9

50 anos de instituições

O MIRACULOSO o O MIRACULOS so O MIRACULO oso O MIRACUL loso O MIRACU por Jorge Antunes

pág. 12

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políticas

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Curiosidades Miraculosas

O que será que será... Brasília 2010-2014. Por: Solano Teodoro / P. 5

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Editora de Política Luana Luizy

ENTREVISTA DO MÊS

O quê

Diretor de Arte e Diagramação Fábio Lucas Vieira

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Pajé Santxiê Tapuya (1956 - 2014) Uma homenagem do Miraculoso ao grande guerreiro na defesa dos povos indígenas, do cerrado e do Santuário dos Pajés

"As fogueiras sagradas estão acessas para sempre e o pajé acompanha essa jornada com mais força e luz"


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