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2 VIOLAÇÃO

SEXUAL

MEDIANTE

FRAUDE

___________________________ 2.1

CONCEITO, OBJETIVIDADE JURÍDICA E SUJEITOS DO CRIME O tipo penal, com a redação dada pela Lei 12.015, de 7.8.2009, está contido está

no art. 215: “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima.” A pena é reclusão, de dois a seis anos. A nova lei reuniu no artigo 215, os tipos de posse sexual mediante fraude e atentado ao pudor mediante fraude, antes descritos nos arts. 215 e 216, revogando, expressamente, este último. Não houve abolitio criminis, porque o tipo do art. 216 foi simplesmente transplantando, integralmente, sem qualquer modificação, para o art. 215, ganhando nova denominação de violação sexual mediante fraude. A liberdade de exercer a sexualidade, pela pessoa, é protegida não apenas contra ações violentas, mas também contra as realizadas fraudulentamente. A norma protege aqui, portanto, a liberdade sexual da pessoa. Sujeito ativo é qualquer pessoa que emprega fraude ou outro meio não violento para obter conjunção carnal, caso em que deve ser homem o executor da conduta, podendo ter o concurso de qualquer outra pessoa, inclusive do sexo feminino. Pode ser homem ou mulher quando se tratar da prática de outro ato libidinoso. Sujeito passivo é qualquer pessoa, homem ou mulher. Qualquer mulher, inclusive a prostituta, que tem, tanto quanto qualquer mulher, a liberdade de decidir sobre sua sexualidade.


2 - Direito Penal III – Ney Moura Teles

2.2

TIPICIDADE

2.2.1 Conduta A conduta típica é: ter conjunção carnal, isto é, realizar com a mulher a cópula, introduzindo o pênis na vagina, ainda que incompletamente, ou praticar outro ato libidinoso com alguém. Possível apenas na forma comissiva.

2.2.2 Elementos objetivos e normativos Nesse crime a conjunção carnal ou o ato libidinoso realizado entre agente e vítima é obtido com o emprego de algum meio fraudulento, ou qualquer outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Segundo o Direito Civil, são causas que impedem ou dificultam a livre manifestação de vontade da vítima, a coação e a simulação. Havendo coação, o crime será o de estupro. Simulação é uma espécie de fraude, daí porque não havia qualquer necessidade da expressão “ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima”. Qualquer que seja o meio não violento, será sempre fraudulento. Ato libidinoso é todo ato de satisfação da libido, de satisfação do desejo ou apetite sexual da pessoa. São atos libidinosos mais comuns a conjunção carnal, o coito anal, a prática de sexo oral, a masturbação e o beijo na boca. Deles já se falou no item 1.2.1.2, cuja leitura recomendo. Fraude é a indução ou a manutenção da pessoa numa situação de erro. O erro pode incidir sobre a própria conjunção carnal ou o ato libidinoso ou sobre a pessoa com quem será praticada. Num e noutro casos a vítima pode já se encontrar em erro e o agente nele a mantém ou então é levada a nele incorrer. Em qualquer dessas situações a pessoa mantém conjunção carnal ou pratica o ato libidinoso com o agente, com desrespeito a sua liberdade individual, com afronta a seu direito de querer realizá-la. Erro derivado de fraude sobre a própria conjunção carnal ou sobre o ato libidinoso acontece quando, por exemplo, a pessoa é enganada em relação à


Violação sexual mediante fraude - 3 legitimidade do ato libidinoso ou da conjunção carnal. O agente, por meio de artifícios, de astúcia, ludibria a pessoa convencendo-a de que o ato sexual é instrumento para a cura de determinada enfermidade psíquica ou de um fenômeno espiritual que a incomoda. Ou de que referido ato é parte de um ritual religioso, indispensável para que ela possa ingressar no seleto quadro dos bem-aventurados, que merecerão o reino dos céus. Claro que, nos dias de hoje, é cada vez mais rara, senão impossível, a possibilidade de uma pessoa não menor de 14 anos – porque se for menor haverá o crime do art. 217-A, estupro de vulnerável – vir a ser ludibriada por meios, tão às escâncaras, enganosos. Haverá erro sobre a pessoa do agente quando a pessoa é induzida ou levada a crer que ele é seu próprio cônjuge, amante, companheiro ou companheira, namorada ou namorado, o que é possível acontecer quando, por exemplo, aquela pessoa é irmã gêmea univitelino da pessoa com a qual a vítima desejava ter conjunção carnal ou praticar o ato libidinoso. Durante a noite, na penumbra, após uma festa onde todos ingeriram bebidas alcoólicas, é perfeitamente admissível um equívoco dessa natureza. Não faz muito tempo noticiou a grande imprensa o comportamento de determinado médico ortopedista que, a despeito de realizar exame em mulheres, mantinha com elas contato corporal, esfregando partes do próprio corpo nas nádegas e coxas das pacientes. Inequivocamente foram atos libidinosos obtidos mediante engodo. O mesmo acontece quando a vítima é convencida a aceitar a apalpação de partes de seu corpo pelo agente que simula estar realizando um comportamento não libidinoso. O resultado pretendido pelo sujeito ativo é a execução do ato libidinoso por parte da vítima ou sua aquiescência ao ato que ele, com ela, realizará. Esse crime só difere do estupro em relação à violência, aqui inexistente e substituída pelo emprego de fraude, por isso deve o leitor, para sua melhor compreensão, observar os comentários feitos no item 1.2.1.2 Em qualquer situação é necessário que se verifique, com certeza absoluta, que a conjunção carnal ou o ato libidinoso somente aconteceu porque a vítima foi induzida ou mantida numa situação fática de erro, sem a qual não teria ocorrido o ato sexual. Se o agente, no mesmo contexto fático, após obter a conjunção carnal mediante fraude, consegue, da vítima a prática de outro ato libidinoso, haverá crime único, conforme expliquei, acerca do crime de estupro, no item 1.2.4, cuja leitura recomendo.

2.2.3 Elemento subjetivo


4 - Direito Penal III – Ney Moura Teles É crime doloso. O agente deve atuar com plena consciência da fraude que emprega, ludibriando a vítima e com a finalidade de manter a conjunção carnal. Consciência da fraude que está empregando para induzir a vítima e vontade livre de realizar a conduta para que ela tenha a conjunção carnal, pratique ou permita a prática do ato libidinoso. O ato deve ser, necessariamente, libidinoso, ainda que o agente esteja movido por outro fim, como o de humilhar a vítima, ofendendo sua dignidade ou o decoro, caso em que incorrerá também no crime de injúria, em concurso formal imperfeito. Reporto-me, aqui, aos comentários feitos no item 1.2.1.3.

2.2.4 Consumação e tentativa É crime de resultado. Consuma-se com a conjunção carnal, com a introdução, ainda que parcial, do pênis na vagina, ou com a realização, ainda que incompleta, do ato libidinoso. A tentativa é possível se, empregado o meio fraudulento, enganada a pessoa, não se conclui o procedimento típico por circunstâncias alheias à vontade do agente, como, por exemplo, quando a vítima é alertada por terceira pessoa ou ela mesma descobre a fraude, recusando a conjunção carnal ou a prática do ato libidinoso.

2.2.5 Forma qualificada O parágrafo único do art. 215 determina que “Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também a multa”.

2.2.6 Aumento de pena Determina o art. 226 do Código Penal, com as modificações introduzidas pela Lei n° 11.106, de 28.03.2005, que a pena será aumentada em duas situações. Haverá aumento de quarta parte, quando o crime é cometido com o concurso de duas ou mais pessoas. O aumento incide não apenas quando mais de duas pessoas tiverem executado o procedimento típico, mas também no caso em que haja apenas coautoria intelectual ou participação, bastando a exigência do mínimo de duas pessoas.

Será aumentada de metade quando “o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima


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ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela”. A norma refere-se a agentes que tenham, para com a vítima, uma relação de proximidade familiar ou de ascendência moral, como é o caso do professor, do mestre ou do instrutor, enfim, de todo que exerça alguma autoridade, de fato ou de direito. Se sobre o mesmo fato incidir mais de uma dessas causas de aumento de pena o juiz somente aplicará uma delas, devendo as demais ser levadas em conta no momento da fixação da pena-base como circunstância judicial. Já o art. 234-A determina que a pena seja aumentada de metade, se do crime resultar gravidez, e de um sexto até metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível, de que sabe ou deveria saber ser portador.

2.3

AÇÃO PENAL E SEGREDO DE JUSTIÇA

Dispõe o art. 225 do Código Penal, com a redação dada pela Lei n° 12.015, de 7.08.2009, que a ação penal relativa aos crimes definidos nos Capítulos I e II do Título VI, dentre os quais a violação sexual mediante fraude, é, em regra, de iniciativa pública condicionada à representação, alterando, assim, a regra anterior, que consagrava a ação de iniciativa privada como regra. O parágrafo único, todavia, determina que será de iniciativa pública incondicionada, quando a vitima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável. Assim, tratando-se de violação sexual mediante fraude, a ação penal é de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido, ou incondicionada, se a vítima é menor de 18 anos. Estabelece o art. 234-B que os processos nos quais se apuram os crimes definidos no Título VI tramitarão em segredo de justiça. O fim da norma é, sobretudo, proteger a vítima e o acusado contra qualquer espécie de sensacionalismo. O segredo de justiça não alcança os sujeitos processuais e seus advogados.


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