INTRODUÇÃO AO ANTIGO TESTAMENTO (MÓDULO 1)

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2017-2019, Igreja Presbiteriana do Guará Introdução ao Antigo Testamento Organização: Diego Martins, Robson Fernandes Revisão: Patrícia Madéra É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios, sem a permissão prévia dos organizadores. O presente material está em processo de composição. As referências bíblicas são da versão Almeida Revista e Atualizada (ARA).

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AULA 1 | O TESTAMENTO ESQUECIDO INTRODUÇÃO | Um dos grandes nomes da atualidade na pregação a partir do Antigo Testamento, o professor Sidney Greidanus afirma: “Não é segredo que o Antigo Testamento é como um tesouro perdido na igreja atual”. Gleason Archer também afirma: “É curioso observar e difícil entender a relativa negligência do Antigo Testamento por parte dos Cristãos de nossos dias, enquanto domingo após domingo o frequentador mediano de igreja evangélica mediana, que crê na Bíblia, não escuta mensagem alguma das Escrituras Hebraicas”. Negligência, esquecimento, rejeição são termos que podem elucidar o real cenário da Igreja Cristã em relação ao Antigo Testamento. Algumas pesquisas reafirmam esta triste realidade. Primeiramente devemos entender que o AT é ¾ de toda a Bíblia, são 39 livros que compõe a base e os elementos centrais da fé. Contudo, apenas 20% das pregações que acontecem nos púlpitos das igrejas se baseiam no AT. Pesquisa americana mostra que 80% dos que afirmam crer nos 10 mandamentos, não conseguem citar quatro deles, identificam Gênesis como o primeiro livro da Bíblia e acham que Joana D’Arc foi a mulher de Noé. Perguntas como: "Que razões levaram o cristão contemporâneo a desconhecer a Bíblia que Jesus e os apóstolos utilizavam para sua meditação e pregação?", "Por que me esforçar para entender e compreender este livro? Que significância ele tem?", "Precisam ser respondidas por quem se propõe a fazer um estudo mais profundo do AT, para enfim, chegar à aplicações cristocêntricas e práticas para o homem contemporâneo”. RAZÕES HISTÓRICAS DE REJEIÇÃO DO AT | Vamos ver três correntes da história que de certa forma negaram o valor do AT. Possivelmente, muitos cristãos não ouviram falar destas linhas, ou do nome de seus representantes, contudo suas ideologias e suas doentes afirmações se fazem presente na cosmologia de muitos ditos cristãos. •

Marcion (85-160 d.C.) | Representante do Marcionismo. Ele defendia a distinção do Deus do AT e do NT. Em 144 (d.C.) ele fundou a própria igreja e rejeita o AT e todos os livros do NT que possui muitas referências ao Antigo Testamento. Em sua visão (gnóstica) dualista do universo, em que o mundo é mau e o espiritual bom, ele cria que o deus do AT é inferior e que o Deus do NT era o Deus de Amor, graça e paz. Adolf von Hanarck (1851-1930) | Representante do Protestantismo Liberal. Ele pede que os Cristãos “considerem o mal feito pelo Antigo Testamento para sua causa. Muito da oposição no mundo moderno é baseado no Antigo Testamento, que oferece muitas oportunidades para as pessoas atacarem e ridicularizarem a Bíblia...”. Como explicar à luz do pensamento contemporâneo as brigas legítimas por terra, as mortes por desobediência religiosa, as relações familiares, escravagistas e políticas que percebemos numa leitura superficial do AT? A oferta de Hanarck é para que evitemos completamente o AT, e assim, não teremos desgastes para entender e defender o AT. Rudolf Bultmann (1884-1976) | Representante do Protestantismo Liberal. “Só pode ser por razões pedagógicas que a Igreja Cristã usa o Antigo Testamento para tornar o homem consciente de estar sob a exigência de Deus”. “... Para a fé Cristã, o Antigo Testamento não é no verdadeiro sentido, Palavra de Deus”. Para Bultmann, o AT positivamente pode ser lido como um livro didático, o qual possui um caráter moral assim como as fábulas de Esopo.

Terrivelmente, essas ideologias invadiram nossas Igrejas. Há cristãos perguntando se o Deus do AT é o mesmo do NT, há cristãos que ignoram a relevância do AT para o homem

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contemporâneo, por ser ele um livro "antiquado" à cosmovisão atual. E também, há cristãos que enxergam o AT como um bom livro de histórias morais para ser contado para as crianças. Temos essas heréticas e cancerígenas heranças que insistem em calcificar a mente e colaboram para uma generalizada ignorância das Escrituras. DIFICULDADES PARA ENTENDER O AT | Além de herdar conceitos equivocados a respeito do AT, encontramos alguns obstáculos na compreensão do mesmo, a saber: Dificuldades Culturais | Ler o AT é transportar-se para um mundo agrícola do Oriente Médio. Existirá um abismo cultural e histórico que aparentemente será intransponível. Um contexto de sacrifícios de animais, de leis cerimoniais, de anos sabáticos e leis dietéticas. O que de relevante podemos extrair de uma cultura e da história de um povo que viveu há mais de 4 mil anos? “O fato de que nós, a partir de nosso tempo, discernimos uma lacuna cultural, revela o fato que o Antigo Testamento falava com relevância ao seu tempo: a Palavra de Deus não flutuava longe e acima de Israel como uma palavra eterna, mas entrava na cultura de Israel de modo relevante e não como obstáculo”. Dificuldades Teológicas | Não é difícil perceber a diferença entre as ênfases do AT e do NT. Deus ordena a morte dos Cananeus (Js 11.20) no AT. Cristo ordena orar pelos inimigos (Mt 5. 38-48) no NT. Deus manda fogo dos céus (2 Rs 1.9-12) no AT. Cristo proíbe seus discípulos a pedir fogo do Céu (Lc 9. 51-56) no NT. Deus se apresenta como severo e juiz (Êx 20.5) no AT. Cristo é a expressão do Deus de Amor (Jo 3.16) no NT. Ao estudar o Antigo Testamento precisamos solucionar estes pontos que podem dificultar o entendimento holístico das Escrituras. A igreja solucionou estes aparentes problemas por meio da doutrina da Revelação Progressiva. Dificuldades Éticas | As dificuldades éticas são outro fator de dificuldade na interpretação do AT. No AT temos uma licença para a vingança, o divórcio, pena de morte que são expressamente negados no NT. Cristo ensina a Lei ressaltando o amor, a graça e a restauração de uma forma a constranger seus ouvintes. “... embora o Antigo Testamento ocasionalmente ofenda nossos sentimentos cristãos, aparentemente não ofendia os sentimentos ‘cristãos’ de Cristo! Será que somos realmente mais ética e religiosamente sensíveis do que Ele? Ou talvez não vejamos o Antigo Testamento – e seu Deus – conforme Ele via?” RAZÕES PARA ESTUDAR E LER O AT: JESUS USOU O AT | Jesus ensinou que Ele não veio revogar a Lei, mas cumpri-la (Mt 5.18). O Antigo Testamento era a Bíblia que Jesus lia, portanto suas meditações e pregações nasceram desta porção da Palavra de Deus. Evidência 1: Jesus mostra que as Escrituras falam a respeito d’Ele: Mt 11.3-6 Ele cita Isaías 29.18; 35.4-6. Evidência 2: Lc 4.18 é uma clara referência de Isaías 49.8-9; 61.1-3. Evidência 3: Algumas narrativas históricas do Antigo Testamento são narradas por Cristo: O dilúvio com Noé (Mt 24.37-39); Sodoma e Gomorra (Mt 10.15; 11.23,24); a história de Jonas (Mt 12.39-41). OS APÓSTOLOS USARAM O AT | Mais de 2 mil citações e alusões ao AT são feitas no NT. “Com essas citações e alusões, os apóstolos, além de ampliar suas mensagens, estão implicitamente dizendo aos mestres da Lei: “Conhecemos as Escrituras tão bem quanto vocês””. A INTERTEXTUALIDADE | Em ambos os Testamentos encontramos os seguintes temas: semente, terra, aliança, circuncisão, templo, pedra, videira e luz. Todas essas palavras trazem conceitos bíblicos que remetem a ordem de salvação e promessas de Deus. Contudo, ao ler o NT

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(principalmente livros como Mateus, Hebreus, Judas e Apocalipse) o intérprete deve ter um conhecimento básico da implicação bíblica destas palavras à luz do AT. CONCLUSÃO | Estamos iniciando uma nova jornada de estudo e precisamos nos conscientizar de que uma revitalização, sabedoria e alegria só serão possíveis quando deixarmos de ignorar a Palavra de Deus (principalmente o AT). Nesta caminhada vamos aprender de Deus pelo pentateuco (6 aulas), pelos livros históricos (6 aulas), pelos livros poéticos (6 aulas), pelos livros dos profetas maiores (8 aulas) e profetas menores (8 aulas). Para aproveitar todo conteúdo precisamos ter em mente uma das muitas sugestões do pensador Soren Kierkegaard quando ele fala sobre a leitura de textos da Bíblia. “A primeira é: leia o trecho como uma carta de amor. Ao lutar com a linguagem e a cultura, dentre outras barreiras, considere-as como trabalho necessário para chegar à mensagem principal de alguém a você.” O Antigo Testamento é uma Carta de Amor de Deus para os seus filhos, precisamos ler esta porção com esta perspectiva. LEITURAS | GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir do Antigo Testamento. WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. YANCEY, Fhilip. A Bíblia que Jesus Lia. GRONINGEN, Gerard Van. O progresso da revelação no Antigo Testamento. VOGT, Peter. Interpretação do Pentateuco. ROBERTSON, O. Palmer. Terra de Deus. KAISER, Walter. Documentos do Antigo Testamento. GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica no Antigo Testamento. ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? JOSEFO, Flávio. História dos Hebreus. INTRODUÇÃO AO PENTATEUCO O Pentateuco (do grego pentateuchos sig. livro de cinco volumes) é o termo que designa os 5 primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio). A tradição Judaica conhece-o como Torá (ensino catequético) e expressa a convicção de que Moisés é o seu autor (2 Cr 25.4; Ne 13.1). A unidade, a harmonia linguística e a estética (poética) corroboram para a autoria mosaica. Moisés escreveu o pentateuco para Israel quando eles estavam no deserto (Êx 24.12; 34.27,28; Mt 8.4; Lc 16.31; 24.27,44; Jo 1.17; 7.22; At 3.22) como o primeiro líder ele precisava fazer seu povo conhecer “sua história passada, a qual definia o significado, a identidade e o destino de Israel como povo eleito...”. Tudo quanto foi escrito tinha influência sobre a vida de Israel nas esferas políticas, religiosa, social e econômica. Contudo, o objetivo do pentateuco é trazer um panorama da história da criação, queda e redenção. Gênesis conta a origem do mundo, do homem, do pecado e da aliança de Deus com seu povo pela representatividade dos patriarcas Abraão, Isaque e Jacó. Êxodo apresenta a história do povo de Deus, agora grande e sob o domínio do Egito. Temos neste livro a história da libertação e peregrinação do povo da aliança no deserto, bem como informações sobre o Tabernáculo e os 10 mandamentos. Levítico é um manual de culto. Nele encontramos especificações sobre o papel do sacerdócio e a posição de Israel como povo santo diante do mundo corrompido. Números apresenta os dilemas do povo diante da realidade frustrante do deserto. O povo passa por um censo, onde exércitos tribais são formados visando a entrada em Canaã. Deuteronômio é o livro dos discursos de Moisés. Israel se encontra nas colinas de Moabe e é orientada a guardar a Lei antes de entrar na Terra Prometida. Estes livros foram escritos na antiga língua hebraica e o costume era usar a primeira frase do livro para nomeá-lo. Gênesis, na realidade, chama-se B’reshit (‫אשׁית‬ ֖ ִ ‫ )בּ ְֵר‬que quer dizer “no princípio”. Êxodo chama-se WeE’le Shamot (‫ ) ְו ֵ֗א ֶלּ שְׁמוֹ ֙ת‬que quer dizer “estes nomes”. Levíticos

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chama-se Vakrá (‫ ) ַויִּק ָ ְ֖רא‬que quer dizer “foram chamados”. Números chama-se Ba’midsbar (‫) ַוי ְדַ ֵ֨בּר‬ que quer dizer “no deserto” e, por fim, Deuteronômio chama-se E’le hadevarim (‫)אלֶּה הַדְּ ב ִָ֗רים‬ ֣ ֵ que quer dizer “por estas palavras”. Juntos, os nomes dos livros formam a seguinte frase: “No princípio, estes nomes foram chamados no deserto por estas Palavras”. Usaremos este processo mnemônico para entender a progressão narrativa que revela em cada página do Pentateuco o propósito de Deus em escolher, chamar e orientar por meio da Palavra, desde o princípio, homens que estavam perdidos. No estudo do Pentateuco nos aprofundaremos em temas que consideramos os mais importantes, a saber: Criação / Queda / Aliança / Mandamentos / Eu Sou. AULA 02 | CRIAÇÃO Imprescindível a leitura de Gênesis 1 e 2 INTRODUÇÃO | Depois de Charles Darwin, geralmente lê-se o primeiro capítulo da Bíblia com desconfiança, há muito debate que enegrece a verdadeira mensagem de Gênesis 1. Existem duas linhas majoritárias que explicam a origem do universo, a criacionista e a evolucionista. Nesta matéria, algumas questões são levantadas: Gênesis 1 e 2 é literal? É mítico? É possível interpretar Gênesis 1 pela perspectiva evolucionista? Qual a melhor forma de interpretar Gênesis 1 e 2? O Teólogo W. Bruce afirmou: “O relato da Criação apresenta Deus transformando caos em cosmo por intermédio de sua palavra. O relato pressupõe que Deus é uma asseidade (do lat. a se, “por si”). Ao contrário de sua criação, a qual, embora não vinculada a ele, depende dele para sua existência original e contínua...” A Cosmogonia Bíblica apresenta Deus criando o universo por meio de um fiat ex nihilo, uma criação que encontra seu propósito e sentido quando ela se volta para o seu Criador. ELUCIDAÇÃO | Todo estudioso da Sagrada Escritura precisa responder algumas perguntas que ajudam a entender o contexto de uma passagem estudada. Neste estudo precisamos responder: quem escreveu, para quem foi escrito e o que o livro de Gênesis objetiva revelar? Moisés é o autor do pentateuco (2 Cr. 25.4; Ne 13.1) e ele escreveu seus livros enquanto liderava o povo de Israel no deserto. Este povo passou 400 anos como escravo no Egito, período necessário para absorver a cultura e cosmogonia pagã. Moisés deparou-se com o desafio de reeducar aquele o povo a respeito de seus próprios valores, história e cosmovisão que foram perdidos na terra do Egito. Nos mitos pagãos da época existiam panteões de deuses que emanaram da matéria (panteísmo) e não possuíam retidão moral, cometendo sexo, violência e toda variedade de pecados. Estes deuses, segundo os mitos, criaram o universo conforme sua corrupção. No Egito Antigo, os rituais pagãos de culto e reencenações anuais da criação envolviam vodu e atividades promíscuas como formas de garantir a estabilidade e continuação da vida. •

Mito Enuma Elish (Gênesis Babilônico) | Este poema épico da antiga babilônia é um exemplo de cosmogonia pagã. As 7 tábuas escritas no sistema cuneiforme na língua acadiana mostram que no início havia desordem e caos todo em universo. A narrativa descreve que Tiamat era a Deusa do mar, do caos e da ameaça. Mas, foi Marduk que depois de ouvir alguns conselhos resolveu sair ao encontro de Tiamat para prendê-la e matá-la. Marduque penetra uma seta em seu coração, divide o corpo da deusa vencida, usando metade para criar a terra e a outra metade para criar o céu. Logo, Marduque é coroado rei do universo, o deus protetor da cidade da Babilônia.

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Mito Egípcio | Em textos funerários do Antigo Egito temos a informação que o deus Atum realizou a Criação analisando seu próprio coração e executou o que havia pensado. Contudo, numa versão tardia (1250 d.C.), narra-se que a Criação foi possível depois que o deus egípcio vence o caos e por sua palavra cria o universo.

Diante da pluralidade pagã, Israel precisava de uma redenção política, cultural, teológica e histórica. A narrativa da Criação em Gênesis ridiculariza estes mitos e ensina ao povo hebreu sobre a verdadeira origem do universo (cosmologia). O Teólogo Franklin Ferreira afirmou: “Segundo o contexto do livro, Gênesis 1 e 2 têm o propósito de destacar as diferenças entre o único Deus verdadeiro e os deuses falsos dos pagãos ao redor de Israel. Qualquer pagão daquela época, ao ler este livro, ficaria chocado, porque Gênesis constitui um ataque frontal contra os seus deuses. Enquanto os Egípcios e os Babilônios tinham deuses dos céus, da terra, do sol, etc., o livro de Gênesis afirma que o Deus de Israel reina sobre todas essas coisas. Em vez de exaltar a lua, o sol e as estrelas por meio de uma deturpação da revelação geral, o povo de Israel foi instruído a louvar Aquele que criou os corpos celestiais.” DESENVOLVIMENTO Gênesis 1-2.3 | A primeira narrativa da Criação nos apresenta o processo e o progresso da origem do cosmo. Os seis dias da criação apresentam a seguinte estrutura: declaração, ordem, relato, avaliação e quadro temporal. A declaração “E disse Deus” (v.3,6,9,11,14,20,24,26) nos leva a perceber que um ser pessoal, racional arquitetou o cosmo. A ordem “Haja” indica que um Deus onipotente diz à Criação que ela passe a existir. A ordem é dada por alguém que tem poder para realizar uma obra grandiosa e bela. Na narrativa, encontramos 3 verbos, que expressam o ato de criar, a saber: ‘bara’, ‘asah’ e ‘yatsar’ (Gn 1.26,27; 2.7). A primeira palavra (bara) é a mais importante, pois ela transmite a ideia de uma obra a partir do nada, tendo como agente um alguém de caráter distinto, um ser divino. Berkhof afirmou que em Gênesis “...Deus é descrito produzindo todas as coisas pela palavra do seu poder, por um simples fiat divino.” Em Hebreus 11.3, lemos: “Pela fé, entendemos que foi o universo formado pela palavra de Deus, de maneira que o invisível veio a existir das coisas que não aparecem.” O aspecto Ex Nihilo (criar do nada) é uma compreensão exclusiva da cosmogonia judaica. O Senhor não utilizou matéria preexistente para fazer o mundo. O relato “E fez Deus” nos mostra a imanência do Deus soberano. Há uma interação divina no ato da criação, negado as ideias gnósticas e evolucionistas ateístas da criação que excluem a atuação e manutenção de Deus sobre a ordem criada. Observação: No antigo Oriente Médio, dar ou mudar os nomes era sinal de soberania. Os elementos criados são nominados por Deus, vemos a luz sendo chamada de dia, a treva de noite e a porção seca de terra, revelando o caráter superior daquele que está criando. A avaliação “É (muito) bom” mostra que o padrão divino é o fundamento de estruturação e avaliação de toda a criação. E o quadro temporal: “E houve tarde e manhã, o...” indica ordem, progressão e leis na qual a criação está inserida. Este aspecto aponta para a sabedoria do Ser Soberano que fez o cosmo.

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Até aqui todos os dias da Criação apontam claramente para a realidade Soberana e Sábia do Criador. A cosmogonia judaica é um ataque à cosmogonia pagã que materializa e corrompe o criador (ou os criadores), mostrando uma ausência de propósito e sentido para a vida. Gênesis 2.2-25 | A segunda narrativa da Criação mostra que o cosmo está debaixo de uma Lei Moral. Tudo que acontece na terra deve refletir a glória daquele que a criou. A Identidade do Criador - “Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o SENHOR Deus os criou” (v.4). "...SENHOR Deus..." Estes nomes ressaltam diferentes aspectos do ser de Deus. O termo Deus aponta para sua soberania na criação e o termo Senhor aponta para o seu relacionamento com Israel (Êx 3.14-15). O que vemos aqui é a ênfase sobre a grandeza do EU SOU sobre o cosmo e a humanidade. As leis do Criador - Todo processo natural segue princípios lógicos estabelecidos por Deus para crescimento, desenvolvimento e multiplicação. No verso 5 temos referência ao processo de crescimento e desenvolvimento das plantas (Ontogênese), há referência também a outro processo natural, a formação de nuvens, a chuva. Entretanto, todos estes processos ainda não tinham acontecido, mas o texto deixa claro que é Deus quem coordena cada um deles. Deus é o Senhor da ordem natural e o criador das leis que regem o sistema físico. As Leis Morais do Criador - Deus criou o universo, o mundo, o jardim e o homem e todos os elementos criados devem viver conforme as regras e ordens dadas por Ele. Ao homem o Senhor ordenou obediência, ele não poderia alimentar-se da árvore do conhecimento do bem e do mal, isto é, Deus estabelece e revela ao homem sua Lei Moral. Por um período probatório o homem estava sob o teste do Senhor e sua desobediência implicaria em transgressão da Lei Moral de Deus, ferindo seu caráter Santo e Imutável. Viver de acordo com a Moral de Deus, o Criador, implicaria em três formas ideais de relacionamento: • Relacionamento espiritual “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (v.15-17). A relação que Deus estabelece com o homem é de amor e vida enquanto o homem se mantém em obediência. A quebra desta relação Criador e Criatura fará com que o homem experimente a terrível morte espiritual, isto é, alienação de Deus. (Conf.: Catecismo Maior de Westminster, questão 28) • Relacionamento social/conjugal “Disse mais o SENHOR Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea” (v.18). Temos a primeira menção de algo que não está coerente com o escrutínio de Deus. A solidão do homem e a solução para o problema era criar uma auxiliadora, alguém que ajudaria o homem no cultivo e cuidado da criação. Ela lhe seria idônea, porque seria alguém que trabalharia na mesma missão, sob a liderança do homem.

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Deus criou o homem como um ser relacional. Contudo, o equilíbrio da relação social depende da fidelidade às Leis de Deus. O casamento e a família são as primeiras instituições sociais que o homem vive, cresce e desenvolve. • Relacionamento cultural “Havendo, pois, o SENHOR Deus formado da terra todos os animais do campo e todas as aves dos céus, trouxe-os ao homem, para ver como este lhes chamaria; e o nome que o homem desse a todos os seres viventes, esse seria o nome deles. Deu nome o homem a todos os animais domésticos, às aves dos céus e a todos os animais selváticos; para o homem, todavia, não se achava uma auxiliadora que lhe fosse idônea” (v.19-20). Deus fez do homem um vice-regente da criação, um mordomo, um administrador da criação. Ao cuidar da natureza, o homem deve ter para com ela a mesma atitude do Seu Criador. Toda forma de omissão ou repressão do homem para com a natureza refletiria sua rebeldia contra o caráter do Soberano de Deus. CONCLUSÃO | Sabemos que a narração da criação possui elementos da botânica, geologia, física, geografia e outras ciências, contudo, a finalidade do texto é revelar a Soberania de Deus. Gênesis é o ensino apologético pelo prisma cosmológico da Soberania de Deus sobre os falsos deuses das outras nações. Tudo, todos os elementos criados, as leis, sistemas, formas, cores, tamanho, altura, limites, composição, complexidade, simplicidade, enfim, realmente tudo, carrega a assinatura do seu autor, a saber: Deus, o eterno Senhor. LEITURAS | WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? WALTKE, Bruce K. Gênesis. KIDNER, Derek. Gênesis. LOURENÇO, Adauto. Gênesis 1 e 2. AULA 03 | QUEDA Gênesis 2 e 3 INTRODUÇÃO | A Teologia Reformada possui seus principais pilares de fé alicerçados nos campos temáticos sobre Criação, Queda e Redenção. Uma compreensão equivocada destes temas implicará no desenvolvimento de uma cosmovisão defeituosa sobre Deus, o Homem e a História da Salvação. Queda é o termo que faz referência ao estado em que o homem se encontra depois da desobediência. Decaído da retidão original e da comunhão com Deus, o homem encontra-se morto em seus pecados, inteiramente corrompido, totalmente indisposto e adverso ao bem. Devemos considerar que há no íntimo de cada pessoa um anseio por um lugar onde reine a paz e o amor. Há uma consciência coletiva que nos faz perceber que o mundo e a humanidade estão desajustados e um dia, certamente, viveremos e desfrutaremos de um lugar melhor. “A decisão terrível do primeiro casal, tão “humana” em sua impulsividade e ao mesmo tempo tão trágica em suas consequências, nos entristece, nos deixa enfurecidos e nos leva a desejar profundamente o “paraíso perdido”. ” ELUCIDAÇÃO Conceito de Imagem e Semelhança | No sexto dia Deus faz o homem segundo a sua imagem e semelhança (Gn 1.26-28) (Muitos estudiosos têm lutado para chegar a um significado fundamental dessa imagem divina). Precisamos considerar que “Deus, no ato de criar, demonstrou seu intento e produziu seu reino cósmico. A humanidade é uma parte essencial desse domínio

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criado. Mas somente a humanidade é criada numa relação de amor vital e estabelece laços com Deus. ” Imagem (selem) e semelhança (demut) especificam uma dimensão da nossa identidade, ou seja, em todo o universo criado não existe nada que se compare ao homem. O homem como vice-regente da criação, por meio da divina imagem pode refletir de modo finito certas características éticas do Rei-Supremo da criação, tais como: retidão e verdadeira santidade (Ef 4.24), conhecimento (Cl 3.10) e domínio (Gn 1.26). “Criando o homem à sua imagem, Ele o fez nobre. Os homens foram feitos para serem príncipes de coroas e as mulheres princesas de coroa, e como tais governar como vice-regentes sobre todos os outros aspectos do universo criado. Nenhuma autoridade absoluta era-lhes determinada, mas uma concessão divina de poder e habilidade finitos era determinada e revelada. ” Conceito de Federalismo | Há um conceito judaico de “personalidade coletiva”, o povo judeu carregava uma consciência coletiva, onde o indivíduo compreende-se quando integrado e pertencendo a um grupo. Alguns fatos históricos e culturais são provas deste pensamento: a rebelião de Corá e a punição extensiva a sua família (Números 16); a punição extensiva à família de Acã (Josué 7.2426); a representatividade legal (Rm 5.12-21; 8.29,30; 1 Co 15.21,22). “No mundo bíblico, o patriarca representa o clã, o pai, a família; o rei, a nação. (...) Admitindo-se a solidariedade coletiva da espécie com seus progenitores, Adão e Eva representaram todas as pessoas. ” Isso nos leva a entender a representação federal de Adão sob a humanidade. Isso não significa que “somos inocentes e que sem nada merecer, levamos a culpa do seu pecado” antes, a representação indica que nós estávamos em Adão e comunitariamente “todos pecaram”. A HUMANIDADE NO JARDIM DO ÉDEN (2.7-25) Deus forma o homem | A natureza de Adão é expressa em seu nome ‘adamâ é um termo que deriva de outro vocabulário no hebraico que indica o elemento terra. “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente. ” Gn 2.7 Deus planta um Jardim | O jardim no Éden é o espaço superior ao restante da criação, um verdadeiro paraíso. Bruce declara que “por extensão, o jardim é um templo – Deus está presente ali de maneira que não se vê em outro lugar. ” “E plantou o Senhor Deus um jardim no Éden, na direção do Oriente, e pôs nele o homem que havia formado. ” Gn 2.8 A árvore do conhecimento do bem e do mal | “Do solo fez o Senhor Deus brotar toda sorte de árvores agradáveis à vista e boas para alimento; e também a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. ” Gn 2.9 Pela expressão “toda sorte de árvores agradáveis” afirmamos que jardim é um lugar que possui uma variedade de árvores que produzem frutos que geram saciedade e aguçam o prazer estético. Pela expressão “árvore do conhecimento do bem e do mal”, deduzimos que o conhecimento do homem é finito e relativo e sempre derivou da direção exclusiva de Deus. A tentação por adquirir conhecimento é na verdade o desejo de alcançar autonomia. O homem em um período probatório | “Tomou, pois, o SENHOR Deus ao homem e o colocou no jardim do Éden para o cultivar e o guardar. E o SENHOR Deus lhe deu esta ordem: De toda árvore do jardim comerás livremente, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás; porque, no dia em que dela comeres, certamente morrerás. ” Gn 2.15-17

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O cenário está completo, temos o homem, o jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Entende-se este período como um teste probatório, onde a fidelidade do homem seria provada. A QUEDA (3.1-8) O tentador (3.1) | “No antigo Oriente Médio, a serpente era rica em simbolismo: proteção (Ureu, deusa-serpente egípcia) e cura; fecundidade (deusa cananeia da fertilidade); juventude recorrente (troca de pele); sabedoria e magia (Nm 21.9; 2 Rs 18.4; mal e caos (veneno mortal [Apópis, demônio – serpente egípcio]. A serpente era fonte de vida e morte, mas em Gênesis é apenas fonte de morte. No mundo semítico ocidental, a serpente era objeto de adoração, mas em Gênesis é demoníaca. ” Sobre o tentador: ele possui uma pré-história desconhecida (uma revelação tardia mostra ser este o Satanás “o adversário”/ Diabo); possui ódio contra Deus; possui motivação maligna e tática enganosa; é a encarnação de um ser espiritual. •

A tentação (3.1-6) | O tentador possui estratégias, estabelece metodologia para induzir o homem ao pecado, surpreendentemente as suas táticas são as mesmas desde os tempos antigos, veja: A falsa necessidade - “É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim?” Gn 3.1b. O inimigo leva Eva ao campo do questionamento com a finalidade de destruir a relação de Eva com Deus. Ele nos atrai para o campo do diálogo e sua intenção é abrir a mente de Eva com as inúmeras possibilidades que a “liberdade” pode oferecer.

A dúvida | “Então, a serpente disse à mulher: É certo que não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal. ” Gn 3.4-5 O inimigo lança dúvidas sobre a sinceridade de Deus e difama as motivações divinas, dizendo: Isso é de fato um mandamento divino? Faz sentido? É expressão de amor? Pode haver algum erro de interpretação. Ele lança dúvidas sobre o caráter protetivo de Deus.

O desejo | “Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer, agradável aos olhos e árvore desejável para dar entendimento, tomou-lhe do fruto e comeu e deu também ao marido, e ele comeu. ” Gn 3.6. Ele tira o olhar de Eva para a liberdade que Deus oferece: “De toda árvore do jardim comerás livremente” Gn 2.16 e a faz concentrar na única coisa proibida. O inimigo, de forma clara, está sugerindo para Eva que a fonte de felicidade e satisfação se encontra na apropriação do objeto desejado. Eva foi envenenada.

As consequências do pecado | “Em essência, o pecado não é questão de fazer mal a alguém ou de fazer o que é errado de acordo com a avaliação humana. Pecado é desobediência à palavra de Deus, e não pode ser separado do espírito que lhe dá origem: deixar de confiar na bondade do caráter de Deus e na veracidade de sua Palavra. Pecado é rejeitar a Palavra de Deus para estabelecer valores próprios.” Não se tratou apenas de um fruto, foi desejo por experimentar o sabor da autonomia. Mas, o Pecado trouxe/traz consequências que todos amargamente experimentam: •

Vergonha | “Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus, coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si. ” Gn 3.7. O sentimento 11


de vergonha aponta para a realidade de uma consciência culpada. A nudez traz o sentimento de vulnerabilidade, depois do pecado o ato de se cobrir é uma atitude simbólica para proteger-se de ataques, condenações e uma forma de privar-se da exposição. •

Medo | “Quando ouviram a voz do SENHOR Deus, que andava no jardim pela viração do dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus, o homem e sua mulher, por entre as árvores do jardim. ” Gn 3.8. O medo de ouvir a condenação de Deus e na tentativa de fugir da Palavra de Deus, o homem e a mulher tem a ridícula atitude de se esconderem. Medo é uma atitude que nos permite viver em paz com aquilo que nos destrói diariamente.

Vitimização | “Então, disse o homem: A mulher que me deste por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi. Disse o SENHOR Deus à mulher: Que é isso que fizeste? Respondeu a mulher: A serpente me enganou, e eu comi. ” Gn 3.12-13

A justiça de Deus | O Senhor, depois do ocorrido, promulga sua sentença contra cada um dos envolvidos na primeira transgressão, o pecado original. •

Contra a serpente | “Então, o SENHOR Deus disse à serpente: Visto que isso fizeste, maldita és entre todos os animais domésticos e o és entre todos os animais selváticos; rastejarás sobre o teu ventre e comerás pó todos os dias da tua vida. ” Gn 3.14. Lhe é imputada a humilhação de arrastar-se sobre o ventre e comer o pó da terra (Sl 44.25; 72.9); sua derrota está prevista de forma plena e definitiva (Ap. 12.9, 20.2,7).

Contra a mulher | “E à mulher disse: Multiplicarei sobremodo os sofrimentos da tua gravidez; em meio de dores darás à luz filhos; o teu desejo será para o teu marido, e ele te governará. ” Gn 3.16. Lhe foi imputada a dor para dar à luz; a perda da intimidade conjugal dará lugar ao desejo desarmonioso de dominar o esposo e lutar contra o seu domínio opressor e tirano.

Contra o homem | “E a Adão disse: Visto que atendeste a voz de tua mulher e comeste da árvore que eu te ordenara não comesses, maldita é a terra por tua causa; em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida. Ela produzirá também cardos e abrolhos, e tu comerás a erva do campo. No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado; porque tu és pó e ao pó tornarás. ” Gn 3.17-19. A terra é amaldiçoada; lhe foi atribuída a dor e sofrimento para a manutenção da vida; lhe é atribuído a morte física.

A graça de Deus | O cenário revela o ato judicial de Deus, contudo facilmente percebese a ação misericordiosa do Senhor. O primeiro sinal de esperança está no que chamamos de protoevangelho: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. ” (Gn 3.15) Neste verso temos a promessa de restauração de Deus, a semente da mulher, inimigo das obras das trevas destruirá o diabo e sofrerá para realizar sua obra salvífica.

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O segundo verso que aponta para esta realidade escatológica de purificação é: “Fez o SENHOR Deus vestimenta de peles para Adão e sua mulher e os vestiu. ” (Gn 3.22) Neste verso percebemos Deus apontar para uma purificação por meio do sangue. Infere-se por meio deste ato divino que a prerrogativa da nossa condição de justificados só pode ser real quando Deus nos reveste de Cristo. A punição temporária | “Então, disse o SENHOR Deus: Eis que o homem se tornou como um de nós, conhecedor do bem e do mal; assim, que não estenda a mão, e tome também da árvore da vida, e coma, e viva eternamente. O SENHOR Deus, por isso, o lançou fora do jardim do Éden, a fim de lavrar a terra de que fora tomado. E, expulso o homem, colocou querubins ao oriente do jardim do Éden e o refulgir de uma espada que se revolvia, para guardar o caminho da árvore da vida. ” Gn 3.22-24 Aqui o homem é expulso do Jardim, lhe é privado o comer da árvore da vida e passa a viver como andarilho na expectativa de uma redenção futura. Em toda a Escritura vemos Deus usando diversas formas e objetos que apontam para a realidade de restauração messiânica. CONCLUSÃO | A infidelidade de Adão e Eva ensinava aos ouvintes e leitores originais de Moisés que se nossos pais caíram no paraíso, quanto mais eles que estavam suscetíveis a quedas, erros e pecados dentro de uma terra politeísta e depravada (Dt 31.20; Js 25.19). Depois da queda, a humanidade passou por um processo de degradação. A alienação de Deus deu margem a todo tipo de pecado moral, instaurando assim, a crise espiritual, social e cultural do homem. LEITURAS: WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. ARCHER, Gleason L. Merece confiança o Antigo Testamento? WALTKE, Bruce K. Gênesis. KIDNER, Derek. Gênesis. CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. SHEDD, Russel P. A solidariedade da Raça: O homem em Adão e Cristo. CALVINO. As Institutas da Religião Cristã. Vol. 1. #CRONOLOGIA Não há condições para datar com precisão os eventos relatados nos primeiros onze capítulos de Gênesis. O Período dos Patriarcas e de Israel no Egito aparecem nesta cronologia com duas datas possíveis, que constituem as posições majoritárias dos estudiosos do Antigo Testamento. O Princípio – Pré-História A criação Adão e Eva no Jardim do Éden Caim e Abel Noé e o dilúvio A torre de Babel Os patriarcas – 2200 a. C Nascimento de Abraão – 2160? 1950? Nascimento de Isaque – 2060? 1850? Nascimento de Jacó e Esaú – 2000? 1790? Nascimento de José – 1909? 1699? Israel no Egito e o Êxodo Migração dos filhos de Jacó para o Egito – 1870? 1650? Os hebreus escravizados no Egito – 1730? 1580? Nascimento de Moisés – 1520? 1330? Libertação do Egito e peregrinação no deserto – 1440? 1280?

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AULA 4 | SEMENTE Imprescindível a leitura de Gênesis 4-50 INTRODUÇÃO | A história da Redenção, cronologicamente, nasce no momento em que Deus estabelece a inimizade entre a mulher, a serpente e suas respectivas linhagens. A sentença divina é: “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e o seu descendente”. (Gn 3.15) Havia uma depravada e destruidora afeição da mulher por satanás. “Porei inimizade” é uma promessa, não um pedido. Deus graciosamente transforma a lealdade e a amizade da mulher para com satanás em uma hostil guerra que perduraria gerações. O texto continua: “Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar. ” (Gn 4.15b) Deus não abandonou Eva depois do pecado, mas bondosamente a restaurou para uma nova missão, por meio de sua descendência satanás seria esmagado, vencido. O propósito divino não sofrerá derrota. A guerra entre a linhagem da mulher e de satanás permeia toda a Escritura. Na tentativa de frustrar o propósito salvífico de Deus, a serpente e sua descendência investirá na destruição e corrupção da linhagem da mulher. ELUCIDAÇÃO Conceito de Resgate Histórico | Como já estudamos, o Pentateuco foi escrito enquanto Moisés liderava o povo no deserto, antes de conquistarem a Terra Prometida. O povo precisava de um resgate histórico para entender quem eles eram e qual era a finalidade de suas vidas. Em Gênesis, encontramos um recurso muito útil na construção e resgate desta identidade que são as genealogias. O livro é construído sobre dez genealogias que remontam a origem da criação, como a origem das nações e por fim, a origem do povo da aliança, Israel. Genealogias (tôledôt sig. linhagem, origem ou geração): Genealogia dos céus e da terra (Gn 1 – 4.26), Genealogia de Adão (Gn 5 – 6.8), Genealogia de Noé (6:9 - 9:29), Genealogia das Nações (10:1-11:9), Genealogia de Sem (11:10-26), Genealogia de Terah (11:27-25:11), Genealogia de Ismael (25: 12-18), Genealogia de Isaque (25:19-35:29), Genealogia de Esaú (36 37:1), Genealogia de Jacó (37:2-50:26). Por meio destas Genealogias o leitor consegue perceber o fio condutor que liga o Antigo ao Novo Testamento. A história da redenção é contada por meio da linhagem da semente da mulher. Conceito de Graça no AT | Antes, precisamos considerar o conceito veterotestamentário de graça. A graça é “... um amor pela humanidade desobediente, ofensora, rebelde e culpada. “Graça” é o termo bíblico usado para referir-se a essa dimensão do amor de Deus. Essa graça, que deveria ser soberanamente revelada, será compreendida na operação da hostilidade divinamente expressa e na plena realização de maldições pronunciadas. ”

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A graça só poderia ser conhecida pós-queda. Ao ler o Antigo Testamento, muitos cristãos têm dificuldade de perceber a ação graciosa de Deus, erroneamente enfatizam apenas o aspecto legal do AT. Contudo, é possível ver claramente no AT a graça como uma das expressões de Deus que possibilita o andamento e o progresso da história da salvação. Graça sobre Adão e Eva: Expulsão do Jardim (Gn 3.22) | Depois da queda, a expulsão de Adão e Eva do Jardim é uma medida preventiva para que o homem não comesse da árvore da vida e permanecesse no estado de pecado para sempre. A morte física (Gn 3.19) | A morte é pagamento da dívida do pecado, contudo é importante ressaltar que ela é também para o eleito um livramento de uma maldição, apontando para uma salvação eterna que perdura além da sepultura. Inimizade (3.15) | Como vimos na introdução, a inimizade colocada sobre a linhagem da mulher e da serpente é um ato gracioso, aponta para a realidade histórica da redenção na pessoa de Cristo. DESENVOLVIMENTO: Período de Adão | A semente da mulher, na pessoa de Abel, assume uma postura de piedade e agrada ao Senhor, enquanto Caim mantém uma postura ímpia, dominado pelo desejo pecaminoso, ele intenta contra os planos de Deus “esmagando a cabeça” de seu irmão, efetuando friamente o primeiro fratricídio do mundo (Gn 4.3-16). Está, pois, destruída a esperança? A semente da mulher será uma realidade redentora na história da humanidade? A narrativa de Gênesis (4.25) continua nos dizendo: “Tornou Adão a coabitar com sua mulher; e ela deu à luz um filho, a quem pôs o nome de Sete; porque, disse ela, Deus me concedeu outro descendente em lugar de Abel, que Caim matou. ” O nascimento de Sete marca a continuação da semente da mulher. O nome Sete significa “Deus deu” e por meio desta linhagem o nome de Deus volta a ser invocado (Gn 4.26). Temos Caim como um representante da linhagem da serpente e Abel (Sete) da linhagem da mulher. Em 1 Jo 3.12 está escrito: “...não segundo Caim, que era do Maligno e assassinou a seu irmão; e por que o assassinou? Porque as suas obras eram más, e as de seu irmão, justas. ” (grifo meu) “Pela fé, Abel ofereceu a Deus mais excelente sacrifício do que Caim; pelo qual obteve testemunho de ser justo, tendo a aprovação de Deus quanto às suas ofertas. Por meio dela, também mesmo depois de morto, ainda fala. ” Hebreus 11.4 (grifo meu)

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Período de Noé | A linhagem do ímpio Caim segue um estilo de vida indiferente e independente de Deus. • Fatos Positivos: capacidade de organização: Caim constrói uma cidade (Gn 4.17); desenvolvimento da pecuária e construção de tendas (Gn 4.20); desenvolvimento da Música (Gn 4.21); desenvolvimento do bronze e do ferro (Gn 4.22). • Fatos Negativos: poligamia (Gn 4.19); violência (Gn 4.23-24). A desintegração social foi acelerando-se com o tempo, a corrupção da linhagem de Caim (serpente) alcançou a linhagem da mulher (filhos de Deus) por meio de alianças (casamentos) mistas: “Como se foram multiplicando os homens na terra, e lhes nasceram filhas, vendo os filhos de Deus que as filhas dos homens eram formosas, tomaram para si mulheres, as que, entre todas, mais lhes agradaram” (Gn 6.1,2). Esta situação fez Deus decretar: “O meu Espírito não agirá para sempre no homem” (6.3). O termo 'agirá' pode significar ‘proteger’, corroborando a ideia de que o Espírito atuava de forma restritiva, protegendo e impedindo a humanidade de uma vida absolutamente devassa. É fato que, depois da queda, a humanidade estava em um estado de corrupção total, mas era o Espírito que os restringia de uma corrupção absoluta (pelo Espírito, o homem não era tão perverso quanto ele poderia ser). Os dias da humanidade estavam contados, eles teriam apenas 120 anos até o dia do juízo de Deus, o Dilúvio. A humanidade desde então, entrou num processo de autodestruição. Será a vitória das hostes malignas sobre a semente da mulher? Certamente que não! Deus, apesar de toda a corrupção do gênero humano, escolhe graciosamente Noé para preservar-lhe a vida, sendo ele e sua família uma peça fundamental no plano da redenção. Temos Noé como representante da linhagem da mulher. “Pela fé, Noé, divinamente instruído acerca de acontecimentos que ainda não se viam e sendo temente a Deus, aparelhou uma arca para a salvação de sua casa; pela qual condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem da fé. ” Hebreus 11.7 Período de Abraão | “Ora, disse o SENHOR a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei; de ti farei uma grande nação, e te abençoarei, e te engrandecerei o nome. Sê tu uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão benditas todas as famílias da terra. ” Gn 12. 1-3 Deus chamou e separou Abrão (12.1), fez-lhe promessas (12.2), colocou estipulações (12.2b), falou de bênçãos e maldições por vir (12.3). Abrão estava dentro do plano divino, o seu papel era contribuir com o desenvolvimento da linhagem da semente, ele herdaria uma terra para estabelecer a sua família e por meio de sua casa todos os povos da terra seriam abençoados. “Depois destes acontecimentos, veio a palavra do SENHOR a Abrão, numa visão, e disse: Não temas, Abrão, eu sou o teu escudo, e teu galardão será sobremodo grande. ” Gn 15.1 Há em Gênesis 15 a repetição e o desenvolvimento do chamado de Deus para Abrão. Primeiro, ele poderia confiar na presença divina (15.1). Segundo, Deus era a garantia de todas as promessas (15.1). Terceiro, Abrão foi assegurando que teria uma semente gerada dele próprio. E por último ele recebeu a garantia de que herdaria a terra (15.7-21). “Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós e a tua descendência: todo macho entre vós será circuncidado. ” Gn 17.10 Temos em Gênesis 17 o estabelecimento formal e visível da aliança. O rito da circuncisão seria adotado como um selo das promessas de Deus e da consagração da nação que estava por nascer em Abraão. “Jurei, por mim mesmo, diz o SENHOR, porquanto fizeste isso e não me negaste o teu único filho, que deveras te abençoarei e certamente multiplicarei a tua descendência como as

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estrelas dos céus e como a areia na praia do mar; a tua descendência possuirá a cidade dos seus inimigos, nela serão benditas todas as nações da terra, porquanto obedeceste à minha voz. ” Gn 22. 16-18 E, por fim, em Gênesis 22 temos o relato do teste que Deus submeteu Abraão. Isaque, não Ismael, era o filho da promessa. Iria Deus acabar com o plano da salvação, aceitando aquele que poderia dar continuidade a linhagem da semente divina? Deus misericordiosamente testa Abraão e provê um substituto (22.13). Período de Jacó | Isaque e Rebeca tiveram os gêmeos Esaú e Jacó (Gn 25.19-26). Jacó, a despeito de sua falta de caráter, foi chamado e transformado por Deus (25.23), por meio de sua família a história da salvação continuou a ser escrita. Jacó casou-se com Lia e mais tarde com Raquel, a mulher que ele amava (29.18.30). Gerou no total doze filhos, contudo, apenas seu filho Judá continuaria a linhagem física de Jacó dentro do plano redentor de Deus (Gn 29. 23-25, 49.8-10). Ressaltamos que a narrativa de Gênesis dá muita proeminência a outro filho de Jacó, José, mostrando seu caráter, temor e fidelidade diante de Deus. Porém, não é José o sucessor efetivo da linhagem messiânica. José e a Soberania de Deus | A figura de José é importante, pois ela aponta para o Soberania de Deus, um Ser que rege todos os acontecimentos históricos para contribuir com o progresso e preservação da linhagem da semente. José, percebendo essa realidade, afirmou: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se conserve muita gente em vida. ” Gn 50.20 José teve uma posição elevada no Egito (41.57), na época da fome os seus irmãos se prostraram diante do Senhor do Egito que poderia lhes dar suprimento necessário para subsistência (42.6). José providenciou um lugar para seu pai Jacó, deu amparo aos seus irmãos no Egito (46.28, 29; 48.27), e assim, eles desfrutaram de toda segurança e prosperidade do país. Toda família da aliança foi preservada. Israel no Egito | A pequena família tornou-se uma grande tribo estrangeira. No começo do Êxodo (1.7) temos a seguinte afirmação: “Mas os filhos de Israel foram fecundos, e aumentaram muito, e se multiplicaram, e grandemente se fortaleceram, de maneira que a terra se encheu deles”. Mais tarde, o novo rei imporia ao povo de Israel fortes e pesados trabalhos, mas isso só fortalecia o povo (Êx 1.12) que começa a ser visto como ameaça ao Egito. Astutamente, o rei decide matar todos os meninos judeus jogando-os no Rio Nilo, certamente a linhagem da semente entra mais uma vez em perigo (Êx 1.15-22). Como sabemos, porém, Deus intervém na história, não é possível lutar contra a vitória sobre o propósito redentivo de Deus. CONCLUSÃO | Os patriarcas, suas esposas, seus filhos e seus inimigos revelam uma história que combina amor e tragédia. Este drama da fé tem a finalidade última de apontar para o Messias prometido. Devemos entender que a queda não foi um acontecimento que pegou Deus de surpresa, o plano de salvação não foi uma alternativa que surgiu mediante uma inesperada e urgente necessidade da humanidade caída. Tudo, exatamente tudo, criação, queda e redenção, estavam sobre o domínio e decretos de Deus, por esta razão vemos a promessa de um Cristo surgir ainda no começo da história da humanidade. A eleição de Israel foi uma ação graciosa, providencial e pretérita. Nada frustra os desígnios do Senhor. Bavick sobre o assunto afirma que “Israel foi tomado dentre as nações. Ele não era diferente nem melhor que outros povos. Ele até mesmo os superava em teimosia e obstinação e foi escolhido pela graça” para que por meio dele (Israel) as nações da terra conhecessem o profundo amor de Deus.

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LEITURAS: WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. WALTKE, Bruce K. Gênesis. KIDNER, Derek. Gênesis. CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. BAVINCK, Herman. Dogmática Reformada. (V.3). GRONINGEN, Gerard van. O progresso da revelação no Antigo Testamento. MANDAMENTOS (AULA 5) INTRODUÇÃO. Conceito de Aliança | Qual é o conceito de aliança na estrutura bíblica? É um pacto estabelecido por Deus que visa um relacionamento de vida e amor com o homem. Essas alianças se encontram nas Escrituras com Noé (Gn 6.8), Abraão (Gn 15.18), Israel (Êx 24.8) e Davi (Sl 89.3). Entendemos que todas essas referências ao pacto se tratam de unidade no que tange a Aliança da Graça. Podemos definir esta Aliança como um pacto de sangue soberanamente administrado, pois a expressão que aparece nas escrituras “fazer uma aliança”, significa literalmente “cortar uma aliança”. Isso é devido ao fato que no antigo Israel e até mesmo entre os povos vizinhos uma aliança obrigatoriamente era selada com a morte de um animal (conf. Gn15). Esse ritual era muito forte, pois a parte que propunha a aliança estava invocando sobre ele a mesma maldição que recaía nos animais rasgados sobre si, caso ele quebrasse o pacto. Aliança é um acordo que envolve: (a) O autor, aquele que estabelece a aliança; (b) às partes contratantes que, em todos os casos, são Deus e o homem; (é importante observar que os pactos divinos possuem uma característica unilateral); (c) à forma externa, a saber, condição e compromisso, promessas de bênçãos ou maldições; (d) sinais e símbolos, servem como memorial da aliança; (e) o objetivo geral, que é o princípio Emanuel. Alianças (quadro comparativo) Símbolos: Promessas: Condições: Participante (s): O autor: Benção e maldição Árvore da vida Vida e Morte Obediência radical Adão Deus (Gn 3.22-24)(Gn 2.17) (Gn 2.17) (Gn 1-3) (Os 6.7) Arco-íris Deus não destruirá a terra Obediência, com água multiplicação Noé e Deus (Gn 9.13) (Gn 9.11) governo (Gn (Gn 9. 1-7) 9) (Gn 6.8) Circuncisão Terra e um filho / semente. Obediência (Gn 15.5-6) Abraão Deus (Gn 17.10) (Gn 12. 1-3) (Gn 15.17-21) (Gn 12.1-3) Sábado / Vida e Morte Obediência Moisés / Povo de Israel Deus (Êx 20.1) Tabernáculo (Dt 30.19) (Êx 20, Dt 5) (Êx 20.1) (Êx 25-31) A presente aula tratará apenas de uma parte integrante da aliança, o pacto Mosaico ou Sinaítico, os 10 Mandamentos. À exceção de Israel, não se sabe de nenhuma outra religião do antigo Oriente Próximo que tenha firmado uma berit (aliança) entre um povo e o seu Deus. Tudo que vemos nas outras religiões é um incentivo a religiosidade ou a prestação de culto em troca de benefícios e nunca como uma forma de relacionamento íntimo. O Prefácio dos Mandamentos | “Então, falou Deus todas estas palavras: Eu sou o SENHOR, teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão.” Êxodo 20.1

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Considerando o prefácio dos Dez Mandamentos, onde Deus se apresenta como o Soberano de Israel, Aquele que os libertou da escravidão, entendemos o princípio da graça agindo sobre indivíduos no AT. A pergunta 101 do Catecismo Maior de Westminster questiona: Qual é o prefácio dos Dez Mandamentos? O prefácio é: "Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão." Nestas palavras Deus manifesta a sua soberania como JEOVÁ (Senhor), o Eterno, Imutável e Todo-Poderoso Deus, existindo em si e por si, cumprindo todas as suas palavras e obras, manifestando que é um Deus em pacto, com todo o seu povo e com o Israel antigo; que assim como tirou a estes da servidão do Egito, assim nos libertou do cativeiro espiritual, e que, portanto, é nosso dever aceitar a Ele só por nosso Deus e guardar todos os seus Mandamentos. Os 10 Mandamentos não eram a imposição de uma lei para depois Deus escolher os seus, antes era a revelação da lei para aqueles que haviam sido escolhidos. Os 10 Mandamentos não devem ser entendidos como uma ameaça para submissão servil, antes são consequência do amor divino e da vontade imperativa de um Deus que quer se relacionar com seu povo e deseja salvá-lo. A Lei, os Mandamentos são dados exclusivamente para aqueles que Deus chamou. (Conf. Êx 19.3; Dt 7.7-9; 9.1-6) Panorama dos 10 Mandamentos | Os 10 Mandamentos são divididos em duas seções. A primeira é formada pelos quatro primeiros Mandamentos os quais falam sobre a relação vertical, isto é, do homem e Deus. Sobre ela, o Catecismo Maior de Westminster alega (102): Qual é o resumo dos quatro Mandamentos que contêm o nosso dever para com Deus? Amar ao Senhor nosso Deus de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todas as nossas forças e de todo o nosso entendimento. A segunda seção é formada pelos últimos seis Mandamentos e ensinam sobre a relação horizontal, o homem e o seu próximo. Sobre ela, o Catecismo Maior de Westminster alega (122): Qual é o resumo dos seis Mandamentos que encerram o nosso dever para com o homem? Amar o nosso próximo como a nós mesmos, e fazer aos outros aquilo que desejamos que eles nos façam. Quando questionado, Nosso Senhor disse ao seu inquiridor que a súmula da Lei é amar ao Senhor nosso Deus com todo o nosso coração, alma e entendimento, e ao nosso próximo como a nós mesmos. Ou seja, o próprio Cristo considerava que a divisão dual da Lei. 1º Mandamento | Não terás outros deuses diante de mim. Êxodo 20.3 Quais são os deveres exigidos no primeiro Mandamento? São - o conhecer e reconhecer Deus como único verdadeiro Deus e nosso Deus, e adorá-lo e glorificá-lo como tal; pensar e meditar n’Ele, lembrar-nos d’Ele, altamente apreciá-lo, honrá-lo, adorá-lo, escolhê-lo, amá-lo, desejá-lo e temê-lo; crer n’Ele, confiando, esperando, deleitando-nos e regozijando-nos n’Ele; ter zelo por Ele; invocá-lo, dando-Lhe todo louvor e agradecimentos, prestando-Lhe toda a obediência e submissão do homem todo; ter cuidado de O agradar em tudo, e tristeza quando Ele é ofendido em qualquer coisa; e andar humildemente com Ele (CMW, 104). Quais são os pecados proibidos no primeiro Mandamento? São - o ateísmo, negar ou não ter um Deus; a idolatria, ter ou adorar mais do que um Deus, ou qualquer outro juntamente com o verdadeiro Deus ou em lugar d’Ele; o não tê-lo e não confessá-lo como Deus, e nosso Deus; a omissão ou negligência de qualquer coisa devida à Ele, exigida neste Mandamento; a ignorância, o esquecimento, as más concepções, as falsas opiniões, os pensamentos indignos e ímpios quanto a Ele; o pesquisar audaz e curioso dos seus segredos; toda a impiedade, todo o ódio de Deus, egoísmo, espírito interesseiro e toda a aplicação desordenada e imoderada do nosso entendimento, vontade ou afetos e outras coisas e o desvio destes de Deus, em tudo ou em parte; a vã credulidade,

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a incredulidade, a heresia, as crenças errôneas, a desconfiança, o desespero; a resistência obstinada e a insensibilidade sob os juízos de Deus; a dureza de coração; a soberba; a presunção; a segurança carnal; o tentar a Deus; o uso de meios ilícitos, a confiança nos lícitos; os deleites e gozos carnais; um zelo corrupto, cego e indiscreto; a tibieza e o amortecimento nas coisas de Deus; o alienar-nos e apostatar-nos de Deus; o orar ou prestar qualquer culto religioso a santos, anjos ou qualquer outra criatura; todos os pactos com o diabo; o consultar com ele e dar ouvidos às suas sugestões; o fazer dos homens senhores da nossa fé e consciência; o fazer pouco caso e desprezar a Deus e aos Mandamentos; o resistir e entristecer o seu Espírito; o descontentamento e impaciência com as suas dispensações; acusá-lo estultamente dos males com que Ele nos aflige, e o atribuir o louvor de qualquer bem que somos, temos ou podemos fazer à fortuna, aos ídolos, a nós mesmos, ou a qualquer outra criatura (CMW, 105). O que nos ensina especialmente pelas palavras "além de mim" no primeiro Mandamento? Ensinam-nos que Deus, que tudo vê, nota especialmente e se ofende muito, com o pecado de ter-se qualquer outro Deus, de maneira que elas sirvam de argumento para nos dissuadir desse pecado e de agravá-lo com uma provocação mui ousada; assim como para nos persuadir e fazer como diante dos olhos de Deus tudo o que fizemos no seu serviço (CMW, 106). Os Mandamentos estão repousados neste alicerce: não existe outro como o Senhor Nosso Deus. E o grande desafio do homem é vencer sua inclinação de fazer ídolos e colocá-los no trono do seu coração. Lutero declarou: “O que quer que o homem ame, isso é o seu deus. Pois ele carrega no coração; vai a todos os lugares na companhia disso; dorme e acorda com isso, o quer que seja – riqueza, bem-estar pessoal, prazer ou fama.” Calvino diz: “Todos nós inventamos um número infinito de ídolos.” Consideramos este como a base de todos os Mandamentos, pois quem quebra este naturalmente descumprirá os demais. “Hoje deveis saber e considerar no coração que só o Senhor é Deus, em cima no céu e embaixo na terra; não há nenhum outro.” Dt 4.39 2º Mandamento | “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás, nem lhes darás culto; porque eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus Mandamentos.” Êx 20.3-6 Quais são os deveres exigidos no segundo Mandamento? São - o receber, observar e guardar, puros e inalterados, todo o culto e todas as ordenanças religiosas que Deus instituiu na sua Palavra, especialmente a oração e ações de graças em nome de Cristo; a leitura, a prédica, e o ouvir da Palavra; a administração e a recepção dos Sacramentos; o governo e a disciplina da igreja; o ministério e a sua manutenção; o jejum religioso, o jurar em nome de Deus e o fazer os votos a Ele; bem como o desaprovar, detestar e opor-nos a todo o culto falso, e, segundo a posição e vocação de um, o remover tal culto e todos os símbolos de idolatria. Quais são os pecados proibidos no segundo Mandamento? São - o estabelecer, aconselhar, mandar, usar e aprovar de qualquer maneira qualquer culto religioso não instituído por Deus; o fazer qualquer imagem de Deus, de toda e qualquer das três pessoas, quer interiormente no espírito, quer exteriormente em qualquer forma de imagem ou semelhança de criatura alguma; toda a adoração dela, ou de Deus nela ou por meio dela; o fazer qualquer imagem de deuses imaginários e todo o culto ou serviço a eles pertencentes; todas as invenções supersticiosas, corrompendo o culto de Deus, acrescentando ou tirando dele, quer sejam inventadas e adotadas por nós, quer recebidas por tradição de outros, embora sob o título de antiguidade, de costume, de devoção, de

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boa intenção, ou por qualquer outro pretexto; a simonia, o sacrilégio; toda a negligência, desprezo, impedimento e oposição ao culto e ordenanças que Deus instituiu. Quais são as razões anexas ao segundo Mandamento para lhe dar maior força? As razões estão contidas nestas palavras: "Porque eu sou o Senhor teu Deus, o Deus forte e zeloso, que vinga a iniquidade dos pais nos filhos até a terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e que usa de misericórdia até mil gerações com aqueles que me amam e que guardam os meus preceitos", são, além da soberania de Deus sobre nós e o seu direito de propriedade em nós, o seu zelo fervoroso pelo seu culto e indignação vingadora contra todo o culto falso, considerando-o uma apostasia religiosa, tendo por inimigos os violadores desse Mandamento e ameaçando puni-los até diversas gerações e tendo por amigos os que guardam os seus Mandamentos, prometendo-lhes a misericórdia até muitas gerações. A única imagem autorizada de Deus na terra é o homem. A sugestão é para que não façamos imagens da divindade à semelhança de algo na terra, isto é corromper a mente trazendo com um conhecimento falso do Deus verdadeiro. Esse Mandamento está intimamente ligado ao culto e devemos considerar que a adoração ao ser divino em conformidade a sua natureza e glória, sendo assim eliminamos as imagens, pois Deus é Espírito. 3º Mandamento | “Não tomarás o nome do SENHOR, teu Deus, em vão, porque o SENHOR não terá por inocente o que tomar o seu nome em vão.” Êxodo 20.3-6 O que se exige no terceiro Mandamento? Que o Nome de Deus, os seus títulos, atributos, ordenanças, a Palavra, os sacramentos, a oração, os juramentos, os votos, as sortes, suas obras e tudo quanto por meio do que Deus se faz conhecido, sejam santa e reverentemente usados em nossos pensamentos, meditações, palavras e escritos, por uma afirmação santa de fé e um comportamento conveniente, para a glória de Deus e para o nosso próprio bem e o de nosso próximo. Quais são os pecados proibidos no terceiro Mandamento? São: o não usar o nome de Deus como nos é requerido e o abuso no uso dele por uma menção ignorante, vã, irreverente, profana, supersticiosa ou ímpia, ou outro modo de usar os títulos, atributos, ordenanças, ou obras de Deus; a blasfêmia, o perjúrio, toda abominação, juramentos, votos e sortes ímpios; a violação dos nossos juramentos e votos, quando lícitos, e o cumprimento deles, se por coisas ilícitas; a murmuração e as rixas, as consultas curiosas, e a má aplicação dos decretos e providência de Deus; a má interpretação, a má aplicação ou qualquer perversão da Palavra, ou de qualquer parte dela; as zombarias profanas, questões curiosas e sem proveito, vãs contendas ou a defesa de doutrinas falsas; o abuso das criaturas ou de qualquer coisa compreendida sob o nome de Deus, para encantamentos ou concupiscências e práticas pecaminosas; a difamação, o escárnio, vituperação, ou qualquer oposição à verdade, à graça e aos caminhos de Deus; a defesa da religião por hipocrisia ou para fins sinistros; o envergonhar-se da religião ou o ser uma vergonha para ela, por meio de uma conduta inconveniente, imprudente, infrutífera e ofensiva, ou por apostasia. Quais são as razões anexas ao terceiro Mandamento? ”O Senhor teu Deus”, e, “porque o Senhor não terá por inocente aquele que tomar em vão o Seu nome”, são porque Ele é o Senhor e nosso Deus, portanto o seu Nome não deve ser profanado nem por forma alguma abusado por nós; especialmente porque Ele estará tão longe de absolver e poupar os transgressores deste Mandamento, que não os deixará escapar de seu justo juízo, embora muitos escapem das censuras e punições dos homens. Em outras palavras: Não farás o uso indevido do nome do Senhor. Quando anunciamos uma teologia falsa, associamos o nome Deus ao erro, e isso é quebra de Mandamento. A quebra automatizada: Ocorre no uso de expressões como “Ai meu Deus”, “Jesus Cristo”, “Misericórdia Deus”. A forma frívola e casual sugere que o nome de Deus é sem valor, vazio e trivial. Neste

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princípio, encontramos um anexo judicial que alerta todos os homens que o próprio Deus zelará pela honra de Seu Nome, imputando um castigo ao homem que o transgredir. 4º Mandamento | “Lembra-te do dia de sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do SENHOR, teu Deus; não farás nenhum trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o forasteiro das tuas portas para dentro; porque, em seis dias, fez o SENHOR os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e, ao sétimo dia, descansou; por isso, o SENHOR abençoou o dia de sábado e o santificou.” Êxodo 20.8-11 Que se exige no quarto Mandamento? Que todos os homens santifiquem ou guardem santos para Deus todos os tempos estabelecidos, que Deus designou em sua Palavra, expressamente um dia inteiro em cada sete; que era o sétimo desde o princípio do mundo até à ressurreição de Cristo, e o primeiro dia da semana desde então, e há de assim continuar até ao fim do mundo; o qual é o sábado cristão, que no Novo Testamento se chama Dia do Senhor. Como deve ser santificado o Sábado ou Dia do Senhor (=Domingo)? Por meio de um santo descanso por todo aquele dia, não somente de tudo quanto é sempre pecaminoso, mas até de todas as ocupações e recreios seculares que são lícitos em outros dias; e em fazê-lo o nosso deleite, passando todo o tempo (exceto aquela parte que se deve empregar em obras de necessidade e misericórdia) nos exercícios públicos e particulares do culto de Deus. Para este fim havemos de preparar os nossos corações, e, com toda previsão, diligência e moderação, dispor e convenientemente arranjar os nossos negócios seculares, para que sejamos mais livres e mais prontos para os deveres desse dia. Por que é o Mandamento de guardar o sábado (=Dia do Senhor ou Domingo) mais especialmente dirigido aos chefes de família e a outros superiores? Porque estes são obrigados não somente a guardá-lo por si mesmos, mas também fazer que seja ele observado por todos os que estão sob o seu cuidado; e porque são, às vezes, propensos a embaraçá-los por meio de seus próprios trabalhos. Quais são os pecados proibidos no quarto Mandamento? São toda omissão dos deveres exigidos, toda realização descuidosa, negligente e sem proveito, e o ficar cansado deles; toda profanação desse dia por ociosidade e por fazer aquilo que é em si pecaminoso, e por todas as obras, palavras e pensamentos desnecessários acerca de nossas ocupações e recreios seculares. Quais são as razões anexas ao quarto Mandamento, para lhe dar maior força? As razões são tiradas da equidade d’Ele, concedendo-nos Deus seis dias de cada sete para os nossos afazeres, e reservando apenas um para si, nestas palavras: “Seis dias trabalharás e farás tudo o que tens para fazer”; de Deus exigir uma propriedade especial nesse dia: “O sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus”; do exemplo de Deus, que “em seis dias fez o céu e a terra, o mar e tudo o que neles há, e descansou no dia sétimo”; e da bênção que Deus conferiu a esse dia, não somente santificando-o para ser um dia santo para o seu serviço, mas também determinando-o para ser um meio de bênção para nós em santificá-lo; “portanto o Senhor abençoou o dia de sábado e o santificou.” Por que a expressão “lembra-te” se acha colocada no princípio do quarto Mandamento? Em parte devido ao grande benefício que há em nos lembrarmos d’Ele, sendo nós assim ajudados em nossa preparação para guardá-lo; e porque, em o guardar, somos ajudados a guardar melhor todos os mais Mandamentos, e a manter uma grata recordação dos dois grandes benefícios da criação e da redenção, que contém em si a breve súmula da religião; e em parte porque somos propensos a esquecer-nos deste Mandamento, visto haver menos luz da natureza para Ele, e restringir nossa liberdade natural quanto a coisas permitidas em outros dias; porque este dia aparece somente uma vez em cada sete, e muitos negócios seculares intervêm e muitas vezes nos impedem de pensar n’Ele, seja para nos prepararmos para Ele, seja para o santificarmos; e porque Satanás,

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com os seus instrumentos, se esforça para apagar a glória e até a memória deste dia, para introduzir a irreligião e a impiedade. O guardar o sábado era um princípio encontrado claramente desde a ordem da criação, aqui encontramos apenas uma codificação de uma lei que estava muito clara desde o princípio (Êx 16.23). Neste Mandamento encontramos respaldo para duas ordens distintas, a espiritual e a social. Ordem Espiritual: Guardar um dia para santificação e para cultuar de forma específica. Um dia de santificação total à Deus. Ordem Social: O Mandamento para descansar alcançava tanto as pessoas da aliança quanto suas famílias, servos e animais, isso manteria o equilíbrio social, econômico do povo de Israel. Eles precisam descansar em Deus. 5º Mandamento | “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o SENHOR, teu Deus, te dá.” Êx 20.12 Que significam as palavras “pai” e “mãe”, no quinto Mandamento? Abrangem não somente os próprios pais, mas também todos os superiores em idade e dons, especialmente todos aqueles que, pela ordenação de Deus, estão colocados sobre nós em autoridade, quer na Família, quer na Igreja, quer no Estado. Por que são os superiores chamados “pai” e “mãe”? Para lhes ensinar que, em todos os deveres para com os seus inferiores, devem eles, como verdadeiros pais, mostrar amor e ternura para com aqueles, conforme as suas diversas relações; e para levar os inferiores a cumprirem os seus deveres para com os seus superiores, pronta e alegremente, como se estes fossem seus pais. Qual é o alcance geral do quinto Mandamento? O cumprimento dos deveres que mutuamente temos uns para com os outros em nossas diversas relações como inferiores, superiores ou iguais. Qual é a honra que os inferiores devem aos superiores? É toda a devida reverência sincera, em palavras e em procedimento; a oração e ações de graças por eles; a imitação de suas virtudes e graças; a pronta obediência aos seus Mandamentos e conselhos legítimos; a devida submissão às suas correções; a fidelidade, a defesa, a manutenção de suas pessoas e autoridade, conforme os seus diversos graus e a natureza de suas posições; suportando as suas fraquezas e encobrindo-as com amor, para que sejam uma honra para eles e para o seu governo. Quais são os pecados dos inferiores contra os seus superiores? São toda negligência dos deveres exigidos para com eles; a inveja, o desprezo e a rebelião contra suas pessoas e posições, em seus conselhos, mandamentos e correções legítimos; a maldição, a zombaria e todo comportamento rebelde e escandaloso, que vem a ser uma vergonha e desonra para eles e para o seu governo. Que se exige dos superiores para com os seus inferiores? Exige-se, conforme o poder que recebem de Deus e a relação em que se acham colocados, que amem os seus inferiores, que orem por eles e os abençoem; que os instruam, aconselhem e admoestem, aprovando, animando e recompensando os que fazem o bem, e reprovando, repreendendo e castigando os que fazem o mal; protegendo-os e provendo-lhes tudo o que é necessário para a alma e o corpo; e que, por um procedimento sério, prudente, santo e exemplar glorifiquem a Deus, honrem-se a si mesmos, e assim preservem a autoridade com que Deus os revestiu. Quais são os pecados dos superiores? Além da negligência dos deveres que lhe são exigidos, são a ambição incontrolável, a busca desordenada da própria glória, repouso, proveito ou prazer; a exigência de coisas ilícitas ou fora do alcance dos inferiores poderem realizar; aconselhando, encorajando ou favorecendo-os naquilo que é mau; dissuadindo, desanimando ou reprovando-os naquilo que é bom; corrigindo-os indevidamente; expondo-os descuidadamente ao dano, à tentação e ao perigo; provocando-os à ira; ou de alguma forma desonrando-se a si mesmos, ou diminuindo a sua autoridade por um comportamento injusto, indiscreto, rigoroso ou negligente.

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Quais são os deveres dos iguais? São o considerar a dignidade e o merecimento uns dos outros, tendo cada um aos outros por superiores; e o alegrar-se com os dons e a promoção uns dos outros como sendo de si mesmos. Quais são os pecados dos iguais? Além da negligência dos deveres exigidos, são a depreciação do merecimento, a inveja dos dons, a tristeza causada pela promoção ou prosperidade dos outros, e a usurpação da preeminência que uns têm sobre outros. Qual é a razão anexa ao quinto Mandamento para lhe dar maior força? A razão está contida nestas palavras: “para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor teu Deus te dá”, é uma promessa de longa vida e prosperidade, tanto quanto sirva para a glória de Deus e para o bem de todos quantos guardem este Mandamento. Sigmund Freud revela em seus estudos que uma pessoa psicologicamente saudável possui uma relação correta com sua família, especialmente seus pais. A Bíblia já ensinava que o filho deve honrar aos pais. É o único Mandamento com promessa objetiva (Lv 20.9) e o desrespeito era passível de pena de morte (Êx 21.15). A palavra Kabed (honra) vem de uma raiz que expressa a ideia de “ser pesado”, isto é, atribuir peso a alguém. Essa palavra é também usada em referência a Deus e explica por que os pais são dignos de honra, pois eles são vozes de Deus na vida do filho. 6º Mandamento | “Não matarás.” Êx 20.13 Quais são os deveres exigidos no sexto Mandamento? São todo empenho cuidadoso e todos os esforços legítimos para a preservação de nossa vida e a de outros, resistindo a todos os pensamentos e propósitos, subjugando todas as paixões, e evitando todas as ocasiões, tentações e práticas que tendem a tirar injustamente a vida de alguém; por meio de justa defesa dela contra a violência; por paciência em suportar a mão de Deus; sossego mental, alegria de espírito e uso sóbrio da comida, bebida, remédios, sono, trabalho e recreios; por pensamentos caridosos, amor, compaixão, mansidão, benignidade, bondade, comportamento e palavras pacíficos, brandos e corteses; a longanimidade e prontidão para se reconciliar, suportando pacientemente e perdoando as injúrias, dando bem por mal, confortando e socorrendo os aflitos, e protegendo e defendendo o inocente. Quais são os pecados proibidos no sexto Mandamento? São o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras; a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. A ideia da expressão hebraica lo tirtsah, traz a percepção de não tirar a vida do inocente. E aqui temos a base para as leis de proteção à vida: Homicídio Doloso, isto é, com a intenção de matar (Números 35.20,21). Homicídio Culposo, isto é, sem a intenção de matar (Números 35.25). As cidades refúgios eram os locais onde o homicida deveria ficar até a morte do sumo sacerdote. A negligência era considerada uma quebra dos Mandamentos. “Se um boi ferir mortalmente um homem ou uma mulher com as pontas dos chifres, será apedrejado e não se comerá a sua carne; mas o dono do boi não será punido. Porém, se o boi era já acostumado a dar chifradas, e o dono, tendo sido avisado, não o vigiou, o boi será apedrejado, se matar um homem ou uma mulher, e seu dono também morrerá (Êxodo 21:28,29). O mesmo se aplica em nossos dias: fazer a revisão do freio do carro, não dirigir embriagado é o equivalente ao corrigir e até matar um boi bravo que colocava em risco a vida de outros, o dono pagaria com sua vida. 7º Mandamento | “Não adulterarás.” Êx 20.14

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Quais são os deveres exigidos no sétimo Mandamento? São: castidade no corpo, mente, afeições, palavras e comportamento; e a preservação dela em nós mesmos e nos outros; a vigilância sobre os olhos e todos os sentidos; a temperança, a conservação da sociedade de pessoas castas, a modéstia no vestuário, o casamento daqueles que não têm o dom da continência, o amor conjugal e a coabitação; o trabalho diligente em nossas vocações; o evitar todas as ocasiões de impurezas e resistir às suas tentações. Quais são os pecados proibidos no sétimo Mandamento? Além da negligência dos deveres exigidos, são: adultério, fornicação, rapto, incesto, sodomia e todas as concupiscências desnaturais; todas as imaginações, pensamentos, propósitos e afetos impuros; todas as comunicações corruptas ou torpes, ou o ouvir as mesmas; os olhares lascivos, o comportamento imprudente ou leviano; o vestuário imoderado; a proibição de casamentos lícitos e a permissão de casamentos ilícitos; o permitir, tolerar ou ter bordéis e a frequentação deles; os votos embaraçadores de celibato; a demora indevida de casamento; o ter mais que uma mulher ou mais que um marido ao mesmo tempo; o divórcio ou o abandono injusto; a ociosidade, a glutonaria, a bebedice, a sociedade impura; cânticos, livros, gravuras, danças, espetáculos lascivos e todas as demais provocações à impureza, ou atos de impureza, quer em nós mesmos, quer nos outros. O casamento é a instituição máxima que Deus estabeleceu e não deveria ser quebrado. Não adulterar era uma forma de delimitar e revelar a necessidade de pureza no casamento. Qual o parecer de alguns sobre o tema? Abimeleque: Um grande pecado (Gn 20.9); José: Um grande mal (Gn39.9); Jó: equipara adúlteros a assassinos e ladrões (Jó 24.13-17); Jeremias: Um grande ultraje (Jr 29.23); Salomão: considera o adúltero alguém sem entendimento (Pv 6.32). O casamento sendo uma instituição de Deus deve refletir a glória de Deus e Nosso Senhor não é adúltero e imoral. 8º Mandamento | “Não furtarás.” Êx 20.15 Quais são os deveres exigidos no oitavo Mandamento? São: a verdade, a fidelidade e a justiça nos contratos e no comércio entre os homens, dando a cada um o que lhe é devido, a restituição de bens ilicitamente tirados de seus legítimos donos; a doação e a concessão de empréstimo, livremente, conforme as nossas forças e as necessidades de outrem; a moderação de nossos juízos, vontades e afetos, em relação às riquezas deste mundo; o cuidado e empenho providentes em adquirir, guardar, usar e distribuir aquelas coisas que são necessárias e convenientes para o sustento de nossa natureza, e que condizem com a nossa condição; o meio lícito de vida e a diligência no mesmo; a frugalidade; o impedimento de demandas forenses desnecessárias e fianças, ou outros compromissos semelhantes; e o esforço por todos os modos justos e lícitos para adquirir, preservar e adiantar a riqueza e o estado exterior, tanto de outros como o nosso próprio. Quais são os pecados proibidos no oitavo Mandamento? Além da negligência dos deveres exigidos, são: o furto, o roubo, o tráfico de seres humanos e a recepção de qualquer coisa furtada; as transações fraudulentas e os pesos e medidas falsos; a remoção de marcos de propriedade, a injustiça e a infidelidade em contratos entre os homens ou em questões de confiabilidade; a opressão, a extorsão, a usura, o suborno, as vexatórias demandas forenses, o cerco injusto de propriedades e a desapropriação; a acumulação de gêneros para encarecer o preço; os meios ilícitos de vida, e todos os outros modos injustos e pecaminosos de tirar ou de reter de nosso próximo aquilo que lhe pertence, ou de nos enriquecer a nós mesmos; a cobiça, a estima e o amor desordenado aos bens mundanos, a desconfiança, a preocupação excessiva e o empenho em obtêlos, guardá-los e usar deles; a inveja diante da prosperidade de outrem; assim como a ociosidade, a prodigalidade, o jogo dissipador e todos os outros modos pelos quais indevidamente prejudicamos o nosso próprio estado exterior; e o ato de defraudar a nós mesmos do devido uso e conforto da posição em que Deus nos colocou. É uma expressão absoluta estendendo-se ao sequestro (Êx 21.16), o roubo de bens (Êx 22.3) e práticas fraudulentas (Dt 25.13).

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9º Mandamento | “Não dirás falso testemunho contra o teu próximo.” Êx 20.16 Quais são os deveres exigidos no nono Mandamento? São: conservar e promover a verdade entre os homens e a boa reputação de nosso próximo, assim como a nossa; evidenciar e manter a verdade, e de coração, sincera, livre, clara e plenamente falar a verdade, somente a verdade, em questões de julgamento e justiça e em todas as mais coisas, quaisquer que sejam; considerar caridosamente os nossos semelhantes; amar, desejar e ter regozijo pela sua boa reputação; entristecer-nos pelas suas fraquezas e encobri-las, e mostrar franco reconhecimento dos seus dons e graças; defender sua inocência; receber prontamente boas informações a seu respeito e rejeitar as que são maldizentes, lisonjeadoras e caluniadoras; prezar e cuidar de nossa boa reputação e defendê-la quando for necessário; cumprir as promessas lícitas; empenhar e praticar tudo o que é verdadeiro, honesto, amável e de boa fama. Quais são os pecados proibidos no nono Mandamento? É tudo que prejudica a verdade e a boa reputação de nosso próximo, bem assim a nossa, especialmente em julgamento público, o testemunho falso, subornar testemunhas falsas, aparecer e pleitear cientemente a favor de uma causa má; resistir e calcar à força a verdade, dar sentença injusta, chamar o mau, bom e o bom, mau; recompensar os maus segundo a obra dos justos e os justos segundo a obra dos maus; falsificar firmas, suprimir a verdade e silenciar indevidamente em uma causa justa; manter-nos tranquilos quando a iniquidade reclama a repreensão de nossa parte, ou denunciar outrem, falar a verdade inoportunamente, ou com malícia, para um fim errôneo; pervertê-la em sentido falso, ou proferi-la duvidosa e equivocadamente, para prejuízo da verdade ou da justiça; falar inverdades, mentir, caluniar, maldizer, depreciar, tagarelar, cochichar, escarnecer, vilipendiar, censurar temerária e asperamente ou com parcialidade, interpretar de maneira má as intenções, palavras e atos de outrem; adular e vangloriar; elogiar ou depreciar demasiadamente a nós mesmos ou a outros, em pensamento ou palavra; negar os dons e as graças de Deus; agravar as faltas menores; encobrir, desculpar e atenuar os pecados quando chamados a uma confissão franca; descobrir desnecessariamente as fraquezas de outrem e levantar boatos falsos; receber e acreditar em rumores maus e tapar os ouvidos a uma defesa justa; suspeitar mau; invejar ou sentir tristeza pelo crédito merecido de alguém; esforçar-se ou desejar o prejuízo de alguém; regozijar-se na desgraça ou na infâmia de alguém; a inveja ou tristeza pelo crédito merecido de outros; prejudicar; o desprezo escarnecedor; a admiração excessiva de outrem; a quebra de promessas legítimas; a negligência daquelas coisas que são de boa fama; praticar ou não evitar aquelas coisas que trazem má fama, ou não impedir, em outras pessoas, tais coisas, até onde pudermos. No antigo Israel, um grande número de acusações levava à pena de morte, mas o acusado só podia ser condenado com base na palavra de duas ou três testemunhas (Nm 35.30; Dt 19.15). A testemunha falsa deveria receber o castigo que ela pretendia que seu próximo sofresse (Dt 19.19). Os 10 Mandamentos são a base para 4 direitos fundamentais: 1) Direito à vida (Não matarás), 2) Direito ao lar (não adulterarás), 3) Direito à propriedade (Não furtarás), 4) Direito à reputação (Não dirás falso testemunho). 10º Mandamento | “Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma que pertença ao teu próximo.” Êx 20.17 Quais são os deveres exigidos no décimo Mandamento? São: um pleno contentamento com a nossa condição e uma disposição caridosa da alma para com o nosso próximo, de modo que todos os nossos desejos e afetos relativos a ele se inclinem para todo o seu bem e promovam o mesmo.

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Quais são os pecados proibidos no décimo Mandamento? São: o descontentamento com o nosso estado; a inveja e a tristeza pelo bem de nosso próximo, juntamente com todos os desejos e afetos desordenados para com qualquer coisa que lhe pertença. Será alguém capaz de guardar perfeitamente os Mandamentos de Deus? Nenhum homem, por si mesmo, ou por qualquer graça que receba nesta vida, é capaz de guardar perfeitamente os Mandamentos de Deus; mas diariamente os viola por pensamentos, palavras e obras. O Mandamento envolve dois aspectos. Primeiro: Envolve um desejo encoberto, um pecado não evidente. Segundo: A imaginação não controla o desejo, mas o nutre – é pecado a relutância em controlar de imediato o desejo (Tg 1.13-15). É necessário confessar e renunciar o desejo (Pv 28.13). LEITURAS INDISPENSÁVEIS: HORTON, Michael. A Lei da Perfeita Liberdade. WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER. BREVE E CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER A DÁDIVA DA REVELAÇÃO (Aula 6) Uma perspectiva Deuteronômica INTRODUÇÃO | James Houston, num estudo magistral dos sábios da igreja no final do século 17 mostra-nos que eles acreditavam no “conhecimento duplo”, isto é, à medida que conhecemos a Deus nos tornamos conhecedores melhores de nós mesmos. Devemos considerar a auto revelação de Deus como uma porta de entrada para um entendimento verdadeiro e correto da nossa humanidade e de toda a origem e finalidade do cosmo. Deuteronômio é o último livro do pentateuco. O título do livro vem da Septuaguinta (tradução grega do AT) sob a junção de duas palavras deutero, segundo e nomion, lei, significa “segunda lei” como também “a repetição da lei”. Deuteronômio possui uma importância fundamental na interpretação bíblica: forneceu matéria prima teológica para os profetas posteriores, foi o livro que Jesus mais citou (indicando sua influência a teologia de Cristo, conf. Lucas 4.1-13), possui mais de 50 referências no NT, número só ultrapassado por Salmos e Isaías. CIRCUNSTÂNCIA HISTÓRICA | É provável que o livro tenha sido escrito no final da peregrinação de Israel no deserto, quando eles estavam nas campinas de Moabe (1.5) preparando-se para entrar na terra prometida. Ali, Moisés encarregou-se de relembrar a nova geração de judeus sobre as manifestações prodigiosas de Deus sobre a história de Israel e também relembrou as leis e ordenanças pactuais que eram indispensáveis para Israel antes da entrada na Terra Prometida. Para Groninger, Deuteronômio se resume em um “tempo oportuno determinado por Deus (Yahweh), para lembrar a Israel que eles eram o povo escolhido e amado d’Ele. Isto lhes foi assegurado porque Yahweh pactuara com eles, assim como havia feito com os ancestrais patriarcais. E quando Ele fez isto, fê-lo de forma monergística, unilateral e incondicional.” Os ouvintes de Moisés nas campinas de Moabe eram os filhos de uma geração que provocou a ira de Deus, como nos relata Números 32.10-13: “Então, a ira do SENHOR se acendeu naquele mesmo dia, e jurou, dizendo: Certamente, os varões que subiram do Egito, de vinte anos para cima, não verão a terra que prometi com juramento a Abraão, a Isaque e a Jacó, porquanto não perseveraram em seguir-me, exceto Calebe, filho de Jefoné, o quenezeu, e Josué, filho de Num, porque perseveraram em seguir ao SENHOR. Pelo que se acendeu a ira do SENHOR contra Israel, e fê-los andar errantes pelo deserto quarenta anos, até que se consumiu toda a geração que procedera mal perante o SENHOR”.

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Por esta razão, os discursos de Moisés são um incentivo a obediência às estipulações da aliança, bem como as palavras de um velho líder político, legislador e mediador que está se despedindo do seu povo e lhes deixa de maneira profética uma memória viva da pessoa e caráter de Deus recapitulando o passado. A RENOVAÇÃO DA ALIANÇA | Uma consideração de Deuteronômio nos leva a perceber que se trata de um lembrete de amor de Deus para com seu povo. A repetição das condições da Aliança pode ser observada sobre seis importantes temas dos quais enfatizaremos os dois últimos: •

A aliança não é circunscrita a uma geração (Dt 4.13,14,31) | Nota-se nestes versos que Moisés enfatiza o aspecto atual do pacto, afirmado para aquela nova geração que Deus havia pactuado também com ela e não somente com seus pais, os quais morreram no deserto. Como a nova geração estava caminhando para a terra prometida, anunciada em pactos anteriores, eles deviam entender que eram herdeiros das promessas, bem como das condições pactuais. “Moisés enfatizou que o vínculo de amor e vida que ligava Yahweh a seu povo e seu povo a Ele foi mantido (Dt 7.12; 8.18)”.

Aliança exige uma resposta jurídica e afetiva | "Uma lei nacional jamais consegue alcançar seu objetivo enquanto continuar sendo um sistema onde as pessoas suportam com relutância e obedecem apenas mediante coerção; ela tem de estar alicerçada na aceitação no íntimo das pessoas." “Amarás, pois, o SENHOR, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força”. (v.5) A exigência mínima da Aliança, trata-se de um dever jurídico e ao mesmo tempo de um compromisso espiritual. Jurídico pois, Israel foi liberto do Egito e tornouse propriedade exclusiva de Deus e é seu dever prestar eterna subserviência ao seu único e soberano Senhor. Contudo, trata-se de um compromisso espiritual, pois envolve uma resposta íntima e cheia de afeição. Agostinho, ciente de que diariamente somos flagrados amando as bênçãos de Deus e facilmente O substituímos por suas dádivas nos leva a seguinte reflexão: “O que amo quando digo que amo ao meu Senhor”? A resposta a essa pergunta nos levará a dura compreensão que cumprir este mandamento mínimo é um desafio que coloca em cheque nossa obediência à aliança. O qualificativo “de todo o coração” ( ֥‫ ְל ָבבְָך‬, isto é, propósito), “com toda a tua alma” ( ֖‫נַ ְפשְָׁך‬, isto é, empenho), “com todo teu ser” (‫מְא ֶֹדָֽך׃‬, isto é, grande medida) ressaltam o compromisso total, pessoal e espiritual de Israel.

Aliança estipula motivações | “Estes, pois, são os mandamentos, os estatutos e os juízos que mandou o SENHOR, teu Deus, se te ensinassem, para que os cumprisse na terra a que passas para a possuir; para que temas ao SENHOR, teu Deus, e guardes todos os seus estatutos e mandamentos que Eu te ordeno, tu, e teu filho, e o filho de teu filho, todos os dias da tua vida; e que teus dias sejam prolongados. Ouve, pois, ó Israel, e atenta em os cumprires, para que bem te suceda, e muito te multipliques na terra que mana leite e mel, como te disse o SENHOR, Deus de teus pais”. (v.1-3) 28


No contexto anterior, Moisés relembra os 10 Mandamentos (cap. 5) e na continuação do seu discurso, ele lança os elementos indispensáveis para àqueles que estão no pacto da Aliança. Para viver a integridade da Aliança do Supremo Rei é indispensável a motivação, sim. As condições e leis da Aliança não podem ser recebidas como uma expressão arbitrária do poder Divino, mas como manifestação de sua santidade e amor. E, percebemos esse amor nos incentivos e motivações oferecidos para os fiéis e obedientes à Lei, a saber: Terra (6.1), vida (6.2), semente e prosperidade (6.3). •

Aliança estipula maldição sobre os desobedientes | Ignorar, rejeitar e desobedecer a Aliança é se colocar em posição de luta contra Deus. Deus punirá os pecados (Dt 5.9); dispersará Israel entre as nações (Dt 4.27); Deus destruirá (Dt 7.10); Deus dizimará (Dt 8. 14,20); Deus amaldiçoará (Dt 11.26).

A aliança revela o caráter de Yahweh | "Tão grande é a distância entre Deus e a criatura, que, embora as criaturas racionais lhe devam obediência como ao seu Criador, nunca poderiam fruir nada d’Ele como bem-aventurança e recompensa, senão por alguma voluntária condescendência da parte de Deus, a qual foi ele servido significar por meio de um pacto." A Aliança foi um ato condescendente de Deus por uma humanidade caída e obscurecida em seu entendimento. Por meio da Aliança, Deus rompe com o abismo entre Ele e sua criatura e faz-se conhecido como o Deus da Aliança. Em Deuteronômio é possível escrever uma teologia abrangente sobre a revelação, nomes e atributos de Deus. Os quais veremos detalhadamente:

A REVELAÇÃO DE DEUS | Revelação verbal: Israel ouve a voz de Deus nos 10 Mandamentos (5.6-7) e em falas curtas dirigidas a Moisés (1.6-8,35,36; 5.18-31; 31.14a,16b21,23b; 32.4-52; 34.4b). Israel percebia a presença de Deus com os ouvidos. Revelação escrita: O que se sabia sobre Deus era em razão de uma herança oral, contudo neste momento Israel possuí a palavra de Deus escrita. Deus se revelaria às futuras gerações por meio da leitura da Aliança. Cf. Dt 17.18; 27.3; 31.9-13,26. OS NOMES DE DEUS | No Antigo Oriente Próximo, o nome oferece uma percepção sobre a natureza, o caráter, as expectativas, as esperanças e o destino de uma pessoa. Não era um mero rótulo de identificação, como acontece em nossa cultura. Naquela época aprender o nome de uma pessoa, bem como chamá-la pelo nome indicava uma relação íntima com a pessoa. El – Um designativo genérico para o ser divino, significa Deus. Geralmente no AT o termo genérico El vem acompanhado de um qualificativo: 'Elohê yisra´El (Deus de Israel, Gn 33.20); 'El Elyôn (Deus Altíssimo, Gn 14.18-22); 'El ro'î (Deus que me vê, Gn 16.13); 'El ôlam (Deus eterno, Gn 21.33); 'El shaddai (Deus governante de tudo, Gn 17.1). Elohim – Um designativo para Deus, significa no português Deuses. A forma plural do hebraico, neste caso não implica na existência de mais de um deus, mas trata-se de um "plural intensivo" onde a qualidade e designação de um ser se resume no termo que intensivamente o identifica.

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Eu sou (YHWH) - O nome de Deus YHWH já era invocado pelos patriarcas (Gn 4.26; 12.8; 13.4; 21.33; 26.25). Em Êxodo 3.14, Moisés não queria saber o nome de Deus, mas a construção gramatical nos leva a entender que ele estava perguntando qual era o significado do seu nome. Deus lhe responde com uma explicação: Eu sou quem sou [NTLH]. O significado deste nome é que "Deus é". Para entender o impacto do nome de Deus sobre o seu povo, precisamos entender uma característica da língua hebraica. Semelhante ao russo, árabe e dialetos indígenas o verbo ser/estar não aparece na fala e na escrita. Quando Deus explica o sentido do seu nome dizendo que Ele "é", em outras palavras estava dizendo que Ele é o único que possui existência (asseidade) e promove vida. OS ATRIBUTOS DE DEUS | As qualidades de Deus apresentadas em Deuteronômio era um meio do povo se relacionar em espírito e em verdade com Deus da Aliança. Perspectiva deuteronômica: Soberano e Assombroso (Dt 5.23; 10.17); Incomparável (Dt 6.14); Zeloso (Dt 7.6); Amoroso (Dt 7.7); Providente, Deus que elege (Dt 9.1-6); Fidedigno (Dt 7.9); Justo (Dt 7.10); Exaltado (Dt 10.21); Regente (Dt 10.13); Providente, Deus que mantém a ordem da criação (Dt 11.10-15). Aliança revela o caráter do homem: Nos primeiros capítulos de Deuteronômio, Moisés faz uma abordagem histórica relembrando os seguintes episódios: O relato dos espias e a posição cética do povo (Dt 1.19-46), as atitudes hostis dos Edomitas (Dt 2.1-8), as atitudes hostis dos Moabitas (Dt 2.9-25), a derrota de Seom e Ogue (2.26-37; 3.1-30), recebimento de terras pelas tribos de Rúben, Gade e metade de Manassés (Dt 3.4-22), sobre o pedido de Moisés para entrar na terra prometida (3.23-29). Em todos estes atos selecionados, o estudioso perceberá a falha do homem e o caráter fiel de Yahweh Deus. Moisés em seu discurso, acusa Israel de cegueira, surdez, circuncisão de coração e obstinação, baseando seu julgamento no histórico do povo. Ele acusa os israelitas de: tendência ao orgulho, esquecimento e ingratidão (8.7-20), tendência de temer as nações (Dt 7.17-20), um povo inclinado a idolatria (Dt 7.1,2), um povo de dura cerviz, nada submisso, emproado (Dt 9.6), um povo rebelde (Dt 9.24). Moisés não permite que o povo se iluda com a verdadeira natureza espiritual. Para entrar na terra prometida o israelita precisava entender a inclinação demoníaca de seu coração. CONCLUSÃO | O livro de Deuteronômio concluiu, referindo-se a Josué, que é designado como sucessor de Moisés, e Moisés que escreveu a Lei como verbalmente apresentada, a entregou escrita para ser colocada na Arca da Aliança (31.9-13). Então é registrado que Yahweh Deus falou com Moisés a respeito de sua morte (31.4-23), depois da qual ele escreveu seu cântico (31.30-32.43). Deus anima a Josué (31.23,24). Então Yahweh Deus disse a Moisés que subisse ao monte Nebo para morrer (32.48). Moisés, antes de ir, abençoou Israel (33.1-29). Moisés morreu e ninguém soube onde ele foi enterrado (se realmente o foi, cf. Mt 17.3). Deus cumpriu sua promessa feita a Abraão: Ao pôr-do-sol, caiu profundo sono sobre Abrão, e grande pavor e cerradas trevas o acometeram; então, lhe foi dito: Sabe, com certeza, que a tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. Mas também, Eu julgarei a gente a que tem de sujeitar-se; e depois sairão com grandes riquezas. E tu irás para os teus pais em paz; serás sepultado em ditosa velhice. Na quarta geração, tornarão para aqui; porque não se encheu ainda a medida da iniquidade dos amorreus. Gn 15.13-16 LEITURAS: WALTKE, Bruce K. Teologia do Antigo Testamento. GRONINGEN, Gerard van. O progresso da revelação no Antigo Testamento.

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