DIGESTO ECONÔMICO, número 421, julho e agosto 2003

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Guilherme Afif Domingos "Ma economia que se globaíiza, a fonte principal de impulso dinâmico decorre da capacidade de inserção internacional e só subsidiariamente de iniciativas gera das pelo mercado interno"

Celso Furtado

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Retomando tema Editorial

Variações sobre a sabedoria

Miguel Reale

7 o Brasil e Adam Smith

Delfim Netto

Os desafíos da globalização

Celso Furtado

Em prol do ensino universitário

Ives Gandra da Silva Martins

Origens da nomenkiatura nacional

Benedicto Ferri de Barros

A pobreza das nações

Milton Vargas

A Alca possível

Celso Amorim

As potentes chefias do sertão nordestino

17 HimstotLconomico

ANO LIX - N2 421

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Diário (democrático) de um embaixador

Leodegário A. de Azevedo Filho

O FMI, agora

David D. Hale

função social e ética do contrato e o novo Código Civil

Amoldo

A reforma do "modelo brasileiro das Agências Reguladoras

Carlos Alberto Hagstrõn

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Publicação bimestral da/\ssociaçâo Comercial de São Paulo dedicada à análise e discussão de assuntos po líticos. econômicos, jurídicos e soci ais que interessam ao empresário, bem como à sociedade em gerai.

RETOMANDO TEMA

DIGESTO ECONÔMICO,

a única revista de seu gênero no Brasil, com regularidade tao precisa quanto a das estações meteorológicas, trata, desta vez, de velho fenômeno que inundou os sertões, até meados da década de 30.

Algumas figuras lendárias entre os can gaceiros, pois é deles que se trata, como, por exemplo, Lampião, que foi chefe in contestável do

um nossos cangaço, como era enten dido esse tipo de banditismo, para o qual não havia nenhum obstáculo nas fazen das e no seio das famílias nos sertões lon gínquos do Nordeste, até onde não che gava a civilização.

Num romance célebre, José Lins do' Rego, um dos maiores romancistas b sileiros, da renovação do romance tir da década de 30, traça a vida ceada desses bandidos,

tão, onde somente um ou outro coro nel, com apoio do poder central, longín quo, por falta de comunicações, lha dava apoio. No mais, era o cangaço que fazia do sertão o que ele pretendia, embora a polícia fosse no seu encalço, com deter minação, para pôr cobro ao banditismo.

Até mesmo o famoso p adre Ciro Roman, o Padim Pade Ciço dos cabo clos, dos cangaceiros e dos fazendeiros, era chamado para intervir, a fim de de-

Não houve

ter a sanha JOVem GO S0XO

Feminino que sexual dos estupradores sanha ho- HGO fOSSe e a ra- micida dos bandidos de cartucheira.

bruta izada e estuprada pelos cnngaceiros a parromanque nao mere cem o destaque a eles dado pelo famo SO romancista.

Hoje, quando se fala de cangaço , as no vas gerações não fazem a mínima idéia sobre o que foi e o que praticou esse banditismo, romanceado e romantizado pela imprensa da época. Mas foi terrível. Não houve jovem do sexo feminino que não fosse brutalizada e estuprada pelos cangaceiios, sem que o chefe interviesse para proibir essa ultraje às famílias. Dei xava que se saciassem os bandidos de tucheira e famosos andarilhos vielas, estradas, fazendas e aldeias do carentre as gos. ser-

Ademais desse artigo, publicamos outros, espe cial m e n c e dos juristas Ives Gandra da Silva Martins e Amoldo Wald, sobre o novo Código Civil, dois trabalhos que merecem o in teresse dos estudantes e dos estudiosos da recente lei que atualizou a estrutura civil do País. E para completar, teremos também notáveis artigos, que farão o pra zer de leitura dos nossos assinantes e ami-

o mundo está cheio de eruditos qua não são sábios...

Variações sobre a sabedoria

scria necessária muita sabedoria para conseguir dcfini-la, tal o número de noções com as quais se confunde. Melhor é, pois, dizer o que ela não é, apontando as causas que mais a comprometem. Em primeiro lugar, sabedoria não significa acúmulo de conhecimentos, pois o mundo está cheio de eruditos que não são sábios, assim como há homens e mulheres simples que são exemplos de equilibra da e sensata visão de existência, condu zindo-se com ciência e consciência modelares.

1 ampoLico os anos vividos bastam para que haja sabedoria, muito embora a experiência lhe seja condição essen cial, assinalando a sístole e a diástole das opções e decisões tomadas entre a verdade e o erro ou, de maneira mais acorde com as precariedades humanas, entre o provável ou o plausível e aquilo que SC mostra incabível ou inconveni ente.

o seu pensamento quando já perdida a oportunidade de se decidir em sintonia com as exigências do bem público.

O sentido de participação criadora é, por conseguin te, inerente à figura do sábio, que sabe ser modesto e recatado até e enquanto o seu silêncio causar

Asabedoria significa sobretudo uma razão de equilíbrio e de medida, infensa a apegos extremados a esta ou aquela posição no plano da teoria e da prática

Por aí já se percebe que a sabedoria significa sobretudo uma razão de equi líbrio e de medida, infensa a apegos extremados a esta ou àquela posição no plano da teoria c da prática, salvo, é claro, os casos em que a evidência se impõe de modo irretorquível, exigindo que nos comportemos em consonância com ela.

O bom senso, porém, é apenas um sinal de sabedo ria, vi.sto como pode ser ocasional e fortuito, enquanto a conduta do verdadeiro sábio é marcada por uma linha de constância e retidão, a qual não raro importa em atitudes corajosas que à primeira vista assombram, por contrariar dominantes formas de pensar e dc agir. não raro superadas ou fruto de desatenta adesão.

Como se vê, a imagem do verdadeiro sábio não se trancado no casulo de suas

ou a sua omissão nao possam dano a outrem e, de maneira especial, à coletividade.

Não há, contudo, nesse sentido de participação nenhuma jactância, cons tituindo antes uma decorrência natural e espontânea de uma convicção longamente amadurecida, não se de vendo olvidar que, exceto os casos em que se deva salvaguardar um valor mai or, há sempre obrigação de dizer a verdade e, mais do que isso, de comunicá-la, de torná-la conhecida. Nada mais avesso à sabedoria do que a ciência escondida, cultivada para vai doso gáudio de seu cultor.

Ora, se analisarmos a história das democracias, veremos que as que mais se afirmam e se consolidam, com base

num plebiscito de todos os dias, são aquelas cujos cidadãos de maior responsabilidade não se limitam a participar da vida cívica tão-somente nos dias de eleição, fazendo-o por meio do voto secreto.

Donde resulta que a sabedoria não se restringe ao plano do intelecto, como se possuísse apenas sígnificaestende necessariamente à tela çao cognoscitiva, mas se ética da ação, ao mundo da práxis, quer mediante a crítica adequada ao comportamento de governantes e governados que por meio de advertências e sugestões feitas sem ostentação ou petulância.

É a razão pela qual não compartilho do sorriso daqueles que estranham a ciência, repassada de conse lhos, dos ex-ministros da Fazenda ou dos ex-presidentes do Banco Central, porque para algo lhes valeu a expe riência vivida, ao se lembrarem do que fizeram, e não confunde com a de um ser indiferente às convicções ou crenças, egoisticamente coisas do mundo. É antes um ser participante que não guarda o acerto ou a verdade para si nem somente revela

o Brasil encontra-se numa encruzilhada para definir se vale ou não a pena investir na educação

Em prol do ensino universitário

AlgumasLembro este fato porque entendo queo Brasil encontra-seem inequívoca encruzilhada para definir se vale ou não a pena dedicar-se a pesados investimentos na educação, em seus diversos graus, intentando formatar gerações futuras com aptidões de competência e conhecimento, na busca de soluções para os monumentais problemas do país.

Algumas sinalizações preocupam, como o do indiscutível preconceito contra as instituições universitárias privadas, que têm colaborado intensamente com a expansão dos cursos superiores e que, após dezenas de anos, em que a única contribuição do governo foi o de tratamento constitucional tributário da imunidade, têm perdido este direito, não por força da Constituição, mas desingelos e duvidosos decretos do Executivo, com o que o custo dos cursos universitários ficará muito maior para todos os brasileiros, reduzindo sua procura, nos próximos tempos.

Em verdade, o setor privado tem feito o que governos deveriam fazer, com os que retiram da sociedade, e, lamentavelmente, não fazem.

entidades se esforçam para darqualidadeao ensino universitário pátrio.

37% da carga tributária

ministro dos que o atua Buarque universitários, como, de resto, também problemas tem

Minha esperança reside no conhecimento efetivo Cristovam articipei de um grupo de estudiosos dos problemas brasileiros liderado pelo bom amigo e notável intelectual Hélio Jaguaribe, no ano passado, objetivando ofertar um modelo político, econômico e social para o desenvolvimento do país. No grupo, entre os professores universitários, participava o atual ministro da Educação Cristovam Buarque, que, com sua moderação e sensibilidade para o desafio nacional, ofertou valiosa contribuição.

tinha O ministro Paulo Renato. Ora, S.Exa., com os poderes que possui, poderá, efetivamente, lutar, com um indiscutível respaldo de toda a constelação acadêmica, para tornar o Ministério da Educação o mais relevante Ministério da Administração Lula, visto que é, de rigor, o Ministério futuro do Brasil. O desenvolvimento e a colocação do país patamar de igual competitividade com as nações mais desenvolvidas, só será possível à luz da qualidade do ensino universitário e da ampla formação preferencialmente, em escolas do país do em um me dos brasileiros. e não do exterior.

É interessante como, apesar dos desestimules oficiais, tidades privadas hoje se esforçam para dar algumas en esta qualidade ao ensino universitário pátrio, seja na graduação, seja na pós “lato ou stricto sensu”.

O mesmo se pode dizer em relação a indedutibilidade do imposto de renda para gastos com a educação de filhos, se admitidos cm cursos melhores e mais onerosos.

A Fundação Getúlio Vargas, por exem inaugurar um curso de Direito inédito no país, com uma grade de matérias correlatas e abrangentes, que tornará o operador jurídico também um conhecedor de tudo o que diz respeito a matérias paralelas, que possam influenciar a conformação legal da norma. No Centro de Extensão Universitária que pio, deverá bom presido (pós-graduação “lato sensu”) contamos com quase 150 professores de Direito, três quartos deles

Tanto oex*mínistro Paulo Renato comooatual ministro Cristovam Buarque possuem bom conhecimento dos problemas universttáriosdo Brasil diretores ainda não solicitaram a transformação da UniFMU e entidades coligadas em uma universidade, universidades com títulos de mestre, doutor, livre docente ou professor titular, todos os 150 sendo, pelo menos, especialistas.

Exe mplo, todavia, que ine impressiona sobremaneira, é o esforço que vinculadas {UNIFIAM etc.) têm realizado para ofertar qualidade de ensino e adequação instrumental de primeiro mundo à universidade brasileira. Chegam a manter cursos deliberada mente deficitários, no campo das Ciências Biológicas, para, com um número menor de alunos e instalações

visto que sao poucas as brasileiras de igual nível.

APor outro lado, a Universidade universidade

Mackenzie tem buscado, nos seus 133 anos de história, ofertarvaliosa contribuiçãoao desenvolvimento do ensino no Brasil.

Mackenzie, por exemplo, repassando tributário favorecido

UniFMU e instituições o tratamento pela imunidade, para manter baixo o de suas mensalidades para os custo alunos, tem buscado, nos seus 133 de história, ofertar valiosa anos buição ao desenvolvimento do contri ensinoprimário, médio e universitário Brasil. Possuía, a cidade de São no Paulo, 25 mil habitantes, quando foi fundada a instituição (1870). Hoje, seu corpo discente, docente e de funcionários é superior à população existente à época de sua criação. O mesmo se pode dizer das PUCs brasileiras (São Paulo, Minas, Pernambuco, Rio etc.). Todas com elevada qualidade de ensino. E muitas entidades universitárias têm contribuído equipamentos moderníssimas, propiciar a formação de profissionais acima da média universitária atual.

E notável a preocupação desua direção cm ofertar qualidade de ensino e benefícios estudantis do mais alto nível a seus alunos, sendo hoje entidade que não receia comparação com as boas universidades do Brasil e do exterior. Pessoalmente, não entendo, até hoje, por que seus outras decididamente para o progresso do ensino deste nível,

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nacional em uma corte de privilégios aristocráticos auto-outorgados, criando o que se poderia chamar de "partido do Estado". E esse partido, acima e fora de ideologias e de diferenças doutrinárias, terminou por institucionalizar uma nomenklatura que abrange todos os poderes, em to dos os níveis, federal, estadual e muni cipal. Eesseéo "nó górdio", o nódulo da problemática nacional, não só no que se refere ao desenvolvimento eco nômico do País, como o magno pro blema da desigualdade na distribuição da renda.

OUma síntese de números permite visualizar o que é hoje essa nomenklãtura e o mal que ocasiona ao País. Nos três níveis de governo e nas três formas do poder ela envolve apenas cerca de ] .700.000 pessoas, menos de 10% de nossa população de 170 milhões. Con tudo, arrecada e administra cerca de 40% do PIB, isto é, de tudo o que os brasileiros produzem. A Lei da Responsabilidade Fis cal admite que gaste até 60% do que arrecada com seu funcionalismo. Além disso, o Estado absorve

Os donos do poder sabem explofá4o.

depositada nas instituições financeiras. Para comple tar o quadro, gasta somente com a aposentadoiia de seus membros, cerca de 48 bilhões - não sobrando para

saúde, educação e segurança mais do que 40 bilhões. da Deduzindo os gastos com juros dívida pública, não sobrarão paia esses investimentos mais do 6 bilhões do ano corrente. no orçamento Nem a nomenklatura comunista

Império tinha sim nobres, mas essa era uma nobreza não hereditária, sem privilégios

da Rússia soviética chegou a esse grau de espoliação de seu povo.

ANTIGO REGIME E CARTA DE OBRIGAÇÕES

Adesignação de Antigo Regime foi cunhada para caracterizar as monai- quias hereditárias que a Revolução Francesa praticamente extinguiu Europa. Elas se caracterizavam, entre disposições, por estabelecer desigualdades intransponíveis entre os cidadãos, dividindo-os entre aiistoplebeus. Mesmo na Inglaterque sempre esteve à frente na evolução política ocidental, só depois de 1918 foÍ instiuído o regime de iversal, garantindo a todos o direito poíína outras cratas e ra sufrágio un tico mínimo de voto. com leilões de títulos a maior parte da poupança popular

Tais coisas jamais existiram na monarquia brasilei ra. O Império tinha sim nobres, mas essa era uma nobreza não hereditária, sem privilégios, que apenas consagrava o mérito de pessoas que se distinguiam por serviços prestados à nação.

Os movimentos de liberalização e democratização que ocorreram posteriormente à Revolução America na (1776) c à Francesa (1789) vieram a ampliar e universalizar os direitos de cidadania, graças, sobretu do, à inclusão das Cartas de Direito nas Constituições. Tais cartas não só defini am direitos inalienáveis dos cidadãos, estabeleciam intransponíveis ao poder do Estado para violar esses direitos, restringindo assim a soberania absoluta dos governantes que se fundava ideologicamente na teo ria do "poder divino" dos reis.

Aevolução Constitucional do nosso Estado republicano veio a estabelecer um Antigo Regime na sociedade brasi leira, criando uma dupla cidadania: a dos aristocráticos servidores do Estado e a do plebeu cidadão comum. As cartas de direito do homem e cidadão brasilei ro se mostraram na prática meramente retóricas, tanto no sentido degaranciro que prometem, como no de impedir que legislando e julgando em causa pró pria esses aristocratas se auto-outorgassem privilégios e se cercassem de imunidades que os colocam fora e acima do alcance das leis, violando o princípio fundamental do Estado de Direito c da Democracia que é a igualdade de todos perante "O senhor sabe com quem está falando" se estende dos atendentes de guichês públicos à direção dos órgãos supremos da República. Os cidadãos que inte gram o Estado brasileiro mais do que irresponsáveis, inimputáveis e impuníveis são invulneráveis, graças a leis pelas quais se outorgam Submete-los à legislação que alcança os dãos, não só em delitos de responsabilidade pública, mas até em crimes comuns, demanda processos plexos e dispendiosos de que a maioria sai impune graças às escapatórias legais que criaram, como a renunciar a mandatos para poder voltar a eles como se nada tivesse feito. Como se aperta o cerco que a sociedade brasileira vem fazendo contra tudo isso, por via das dúvidas o próprio FHC cuidou de criar o foro especial para julgar governantes - o que significa

colocar na mão de aristocratas do Estado o julgamento de infrações de seus companheiros de classe.

próprio

Novo

Código Civil abre novas e temíveis brechas para a ampliação óo afbítno \fresponsável dos aristocratas nacionais

Por tudo isso concluimos que no caso brasileiro as Cartas de Direitos do cidadão comum só poderiam funcionar se complementadas por uma Carta de Obrigações de seus cidadãos especiais. Enunciamos essa sugestão no ensaio "Feijão com arroz e sonhos para o século XXI", publicado pela Academia Interna cional de Direito e Economia no volume Desafios do 5éa//í?AX7(pioneira, 1997). Não cabe reproduzir aqui o decálogo de obrigações mínimas exigido dos que dispõem de poderes má ximos e praticamente discricio nários. As regras estipuladas vi sam tão somente impor a esses privilegiados as obrigações mínide habilitação, transparência e decêndia, com provisões de responsabilização pessoal pelos erdelitos cometidos. Nada

mas ros e além do que se exige dos cldadãos-eleitores-contribuintesplebeus, mesmo que sejam apenas empregados domésticos.

Realistamente, oferecemos essa sugestão como projeto para o sé culo corrente, pois no Antigo Re gime que prevalece ainda nos en contramos na maré montante de confundir privilégi os auto-outorgados pelos aristocratas políticos com "direitos adquiridos", e de acrescentar a esses novos e mais amplos privilégios e auto-imunizações ao princí pio democrático de igualdade de todos perante próprio Código Civil, que envelheceu e em parte caducou durante o quarto de século que levou tramilabirintos do Congresso, abre temíveis brechas para a ampliação do arbítrio a lei. lei. O tando pelos escusos novas e irresponsável dos aristocratas nacionais. Como se virá a ver. Para o cidadão comum sobram a regra universal de que ninguém pode alegar ignorância das dezenas de milhares de leis e que cada um é responsável e punível pelas infrações e delitos que contra elas venha a comedircitos adquiridos", demais cidacomde ter.

Beni-dicto Ferri de B.arros da Academia Paulista de Letras e da Academia Internacional de Direito e Economia. Autor de Que Brasil é este? - Um depoimento (Editora Senac)

É necessário que os próprios pobres se rebelem contra a pobreza

A pobreza das nações

Aimpressão de quem chega a este País, de volta da índia, é que o Brasil é uma nação limpa, vazia e, quem sabe? rica. É realmente uma impressão das aparências superficiais; porque aqui, como lá, há a pobreza de grandes massas. A diferença é simplesmente de escala. Na essência o problema é o mesmo; porém, aqui são quarenta milhões e lá são quatrocentos. Portanto, quantidade que passa a qualidade funciona no caso. O problema de erradicar a miséria de quatrocentos milhões de hindus é desesperante; enquanto que o de livrar da pobreza uns nossos quarenta milhões de patrícios é problema que pode porem cheque não só a competência mas também, a imaginação de nossos líderes e governantes; mas, não é de solução impossível.

porque a pobreza urbana não tem aquele caráter de irremediável permanência que a inércia e o equilíbrio da pobreza rural não ocultam. É verdade que o problema da pobreza nas favelas complica-se com o criminalidade e o da exploração política do "quanto pior melhor". Mas, essa imigração para as grandes cidades continua a scr a única verdadeira revolta atual pobreza que vem acontecendo no terceiro mundo. da lei da contra a

AA pobreza tem uma inércia própria. Ela não é só defendida e preservada por todos aqueles que dela tiram vanta gens, quer por exploração econômica, quer para prestígio político, quer por ilusão religiosa; também o é, pela aco modação aos seus males, pelas suas próprias vítimas. Um estado de pobre za adquire assim um equilíbrio estável dificílimo de ser vencido. Para romper esse equilíbrio não são suficientes medidas externas. É necessário que os próprios pobres se rebelem contra a pobreza. Um exemplo dessa rebeldia está no caso da fuga dos caboclos brasileiros à situação de premente miséria do interior nacional, para as grandes cidades. A imigração de nordestino para o Rio e São Paulo é assim, sob um certo ponto de vista, um dos fatos mai.s auspiciosos na derrubada do equilíbrio da miséria endêmica do deste. E não se diga que disso só resulta a transferência da pobreza de uma região para a outra. Pois a pobreza urbana de nenhuma maneira é inferior a vida

pobreza urbana nãoé inferior à vida sem perspectiva nas taperas do interior, onde a sobrevivência torna-se um milagre cm

A origem da miséria rural está, em primeiro lugar, no fato da produção agropecuária necessitar de pouca gen te. E a de não fazer falta à produção de alimentos, necessária ao país, uma pe quena população rural. Mesmo um único lavrador dos mais primitivos e capaz de alimentar dezenas de homens da cidade. Assim, sobram muito facil mente lavradores quando a população rural atunenta. O outro fator de pobre za rural é que é fácil, a uns poucos donos da terra, espremerem em seu proveito o magro benefício que se consegue retirar do solo, sem nenhuma necessidade de investir capital. É mesmo possível que um grande número de trabalhadores rurais nunca tenham sido pagos dinheiro - como se dá no caso da velha donosda

tradição ibérica dos" mcieiros que pagam aos sua produção e utilizam a outra Einalmente, é notório

terra a metade de simplesmente para sob que a agricultura é conservadora: mantém técnicas primitivas de baixa produtividade e rebela-se contra as inovações tecnológicas. Assim, há um número limitede trabalhadores, numa certa região rural, acima do qual faltam proveitos e a miséria se estabelece.

A pobreza rural na índia é semelhante a do interior do nosso país. Entretanto, se no Brasil temos quarenta milhões de pobres, eles são 30% da população; mas índia a população rural é de 70% dos seus seiscentos e cinquenta milhões de habitantes. Por outro lado, entrereviver.

tanto, as centenas de milhões sabem como viver pobre mente segundo uma certa cultura, sabem cuidar da casa e da prole, sabem vestir-se e sabem trabalhar a terra de

norna sem perspectivas nas taperas do interior, onde a sobrevivên cia torna-se um milagre, dada a falta irremediável de alimentos, vestuário, saúde e educação. Principalmente

Trabalharnaroçajà está passando de fase. Hoje tudoé mecanizado uma maneira tradicional que espanta os técnicos agrí colas por sua harmonia e práticas que, embora primiti vas, são tão eficientes quanto lhes permitem a falta de instrumentos modernos. Evidentemente não se trata aqui da miséria negra das grandes cida des industrializadas da índia, onde as favelas já destruiram qualquer tradição cultural. No Brasil não é asim, as nossas populações rurais foram cortadas de suas culturas originais três vezes: das origens européias, das origens indíge nas e das origens africanas. Não sabem mais criar os filhos, não sabem mais fiar c tecer para vestir-se, não sabem prepa rar alimentos. As tradiçõs culturais aqui só são preservadas por elites; enquanto que lá elas estão na massa do povo rural. Pelo contrário, num certo sentido, as elites as deformam e as depravam, com a conivência dos "hippies" do mundo desenvolvido que para lá vão. Pobreza e ignorância no Brasil são quase sinôni mos, enquanto que, na índia, não são. Esse aspecto negativo de nossa pobreza rural pode, entretanto, ser um fator favorável à quebra de sua inércia: pelo menos não há cultura alguma capaz de opor-se à ação contra a miséria. Por tudo isso parece ser possível, dentro da atual situação social brasileira e com os recursos econômicos que já dispomos, a erradicação da pobreza prazo de tempo. Talvez fosse suficiente, para tanto, ao

pobreza e ignorânciano

lado de um planejamento e deliberada vontade de resolver o problema, acentuar, dirigir e controlar o impacto contra as inércias e a convivência com a pobre za, como por exemplo, o que decorre da emigração dos lavradores das zonas rurais mais popu losas. E além disso desviar parte dos recursos que atualmente estão sendo aplicados nas grandes cidades, ou em grandes obras que só a ela beneficiam, para as comunidades rurais, no sentido de mudar radicalmente o horizonte de vida da população rural brasileira. Como por exemplo: uma educação que não seria, necessariamente, a de ensi nar a ler e escrever; mas a de ensinar a viver. Como cuidar de si e da família; educar física e moralmente a

Brasilsão quase sinônimos, enquantoquena índia não são como prole; como cuidar de maneira cada vez mais eficiente da terra e da pecuávestir-se bem e vistosamente na; como - como as mulheres hindus, por pobres que sejam; como preparar os alimentos não só para sobreviver mas, também, para comprazer-se com eles; e, princi palmente, como encher de alegria suas horas de lazer e descanso. Tudo isso não será difícil de despertar brasileiro, dada a criatividade e a imaginação que despontam nos nossos caboclos quando livres da miséno na.

MIL■I.Oi^}.VAKG/\S Professor emérito da Escola Politécnica da USP

Síosso maior interesse reside na expectativa de acesso ao mercado norte-americano

A Alca possível

Ao assumir o comando da nação, o presidente

Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que as negociações comerciais são hoje de importância vital para o Brasil. Além de um esforço interno de aumento da competitividade de produtos e diversificação de nossa pauta exportadora, deixou claro que não poderiamos prescindir do combate, no plano internacional, pela abertura de mercados e

novos

Nesse espírito, o governo Lula tem procurado reforçar o Mercosul, mover a integração da América do Sul, explorar novas parcerias comerciaissobretudo com os grandes países desenvolvimento -

em e participar ativamente dos exercícios negociadores curso: na OMC, no processo da Alca e entre o Mercosul e a União Européia.

que ao favorável, com

Mercosul fora reser\'ado o tratamento menos prazos de aberttira mais longos do que os oferecidos a outros países do continente. Deve-se lembrar, porém que já dispomos dc canais negociadores para levar adiante uma agenda de integração com os países latino-americanos no âmbito daAladi (Associação Latino-Americana de Integração), em especial os da Amé rica do Sul. Essas tratativas se beneficida cobertura jurídica da chamada "cláusula dc habilitação" da OMC, que autoriza a troca de preferências desenvolvimento.

am por regras mais justas, respeitando o direito soberano do povo brasileiro de decidir sobre seu modelo de desenvolvimento. ) iscussoes sobre acesso a mercados haviam sido fragmentadas, de modo que ao Mercosul fora reservado o tratamento menos favorável comer¬ ciais entre países Assim, o maior interesse em ncgociar- Alca reside na expectativa dc em

mos uma mercado norte-americano pro- acesso ao qual, por sua dimensão e dinamismo, não pode ser ignorado. Trata-se, pois de encontrar o equilíbrio adequado entre nosso objetivo, por assim dizei , " ofensivos", vistos a partir de uma pei spectiva a um só tempo realista, e a necessidade de não compro meter nossa capacidade de desenhar e executar políticas de desenvolvimento social, ambiental, tecnológico etc. de reflexão dentro

No que se refore à Alca, deparamos com um contexto negociador comple xo do ponto de vista dos interesses brasileiros, sujeito a um calendário que nos deixava escassa margem para uma eventual correção de rumos. Tal como vinha de desenvolvendo em combativa e Após um processo do governo, que não deixou de envolver debates com o Legislativo e a sociedade civil, o presidente Lula apro-brasileiro nas nas nego ciações, o projeto da Alca ia muito além do que denota a expressão "livre comércio” em sentido estrito. Com efeito, as propostas em discussão incluíam aspectos normativos para serviços, investimentos, compras go vernamentais e propriedade intelectual que incidem diretamente sobre a capacidade reguladora dos países. Por outro lado, não pareciam encorajadoras as perspec tivas de obtenção de livre acesso ao maior mercado do hemisfério para os produtos em que detemos vantagens comparativas (sobretudo, mas não apenas, agrícolas). Exduíram-se das negociações aspectos de importância prioritária para o Brasil, como os subsídios agrícol medidas antidumping. As discussões sobre acesso a mercados haviam sido de fato fragmentadas, de modo

as e as novas para o

vou as linhas mestras do posicionamento negociações sobre a Alca. De forma sucinta, essa posição - obviamente sempre sujeita a alguns ajustes no proces- descrita da seguinte forma: so de negociação - pode ser 1) a substância dos temas de acesso a mercados em bens e, de forma limitadas, em serviços e investimentos seiia tratada em uma negociação 4+1 entre o Mercosul e os EUA; 2) o processo Alca propriamente dito se focaliza ria em alguns elementos básicos, tais como solução de controvérsias, tratamento especial e diferenciado paia países em desenvolvimento, fundos de compensação, regras fitossanitárias e facihtação de comércio; 3) os remas mais sensíveis e que representariam obrigações Brasil, como parte normativa de proprie-

dade intelectual, ser\áços, investimentos e compras governamentais, seriam transferidos para a OMC, a exemplo do que advogam os EUA em relação aos temas que lhes são mais sensíveis, como subsídios agrícolas e regras antidumping.

três trilhos" foi

Esse enfoque redimensionado em objeto de estreitas consultas com nossos sócios do Mercosul e foi exposto a nossos parcei ros norte-americanos. Foi também de batido na reunião ministerial de "Wye Plantation", em maio passado, e será apresentado, nesta semana, em El Sal vador, por ocasião da 14'-^ Reunião do Comitê de Negociações Comerciais da Alca.

A visão brasileira foÍ também levada pelo presidente Lula à recente reunião de cúpula com os presidentes da Co munidade Andina, debate substantivo sobre a Alca, que se seguiu à exposição do presidente, con tribuiu para um início de coordenação entre as posturas negociadoras dos paí ses da América do Sul. Ainda que reco nheçamos que há diferenças importan tes entre o Mercosul e os países da Comunidade Andina, o diálogo entre nós é fundamen tal não só para as negociações da Alca, mas para a própria integração sul-americana, nossa principal prioridade. Assim, em vez de nos prendermos a concepções

preferímos nos concentrarna "Alca possível", que concilie da maneira mais produtiva os objetivos diferenciadosdos 34 países participantes Colômbia. O na

A Alca vai fortalecer todos os membros, mas em particular, os EUA irrealistas de umaÁreade Livre Comércio das Américas, em torno das quais o consenso se afigura inatingível, preferimos nos concentrar na "Alca possível", que con cilie da maneira mais produtiva os objetivos necessari amente diferenciados dos 34 países participantes. Foi a partir desse enfoque consistente e realista que a decla ração conjunta na reunião dos presidentes Lula e Bush em Washington expressou o entendi mento de que os dois países cooperarão pelaconclusão exitosa das negociações nos prazos previamente acordados. Mas prazos, como temos dito repeti damente, não podem prevalecer sobre o conteúdo. E "negociações exitosas”, no caso do Brasil, significam preservar espaço para decidir de forma autôno ma nossas políticas socioambientais, tecnológicas e industriais e obter me Ihores condições de acesso para os seto res em que mais somos competitivose que enfrentam as mais elevadas bar reiras protecionistas. O governo do presidente Lula não aderirá a acordos que forem incompatíveis com os inieresses brasileiros, mas explorará, sobe ranamente, todas as alternativas para a promoção de nosso comércio e a aceleração de nosso desenvolvimento. ●

Celso Luiz Nunes Amorim Ministi-o das Relações Exteriores. JULHO - AGOSTO - 2003

Relatos dramáticos da carreira diplomática de Álvaro Lins e Affonso Axinos de Mello Franco

Diário (democrático) de um embaixador

m 1960, a Editora Civilização Brasileira publicou o primeiro volume do livro MisJsâo em Portugal, do embaixador Álvaro Lins, onde o grande escritor relatou a sua experiência diplomática em Lisboa. Tal experiência iria culminar com o dramático episódio do asilo concedido ao General Humberto Delgado, em 1959. São páginas de respeito à condição humana, de amor à democracia e à liberdade, diante da intransigência da ditadurasalazarista.

Quase quarenta anos depois, exa tamente em 1998, outro embaixador nosso, Affonso Ari nos dc Mello Fran co, filho do grande senador que lhe deu o nome, pela Editora Paz e Terra, viria a lançar o livro Tempestade no Altiplano, cm forma de diário, com a narrativa de outra experiência diplo mática não menos dramática, já agora na América Latina de todos nós, no meadamente na Bolívia, vítima então de um golpe militar (1979), que en volvería La Paz cm clima de traição à democracia, dc violência e de terror.

quem se comporta com indisfarçável sei-vilismo dian te do irmão mais rico". E

acrescenta, cm seguida: "tudo isso o leitor vai encontrar aqui. Mais que isso, porém. Vai encontrar o comportamento dc um em baixador que mantém com firmeza e dignidade, sem uma única concessão, a tradição do direito de asilo na diplomacia brasilei¬ ra .

os tres anos que serviu na Bolívia nosso embaixador testemunhou

Nós três anos cm que lá sei-viu (1980-1982), o nosso embaixador seria testemunha de uma série de agitações, insurreições c revoluções internas, contagi ando as forças armadas e os maus políticos a serviço delas, sem contar com a ingerência maldita e pernici osa do narcotráfico, degradando-se os valores huma nos. Nesse .sentido, observou bem o ilustre jornalista Marcos de (Astro, na apresentação do volume, que tais revoluções não são raras nas nações sul-americanas, sem excluir o Brasil. Na Bolívia, depõe ainda o jornalista, "o quadro parece ser mais doloroso, porque a troca de presidentes tem sido mais frequente brutalidade se revela a curto prazo, vence quem mais SC aperfeiçoa na estratégia da violência que é sempre

Pois bem, é dessa bela tradição que vamos tratar aqui. Uma tradição que une, no tempo, duas missões históri cas: a deÁlvaro Lins, em Portugal de Afonso Arinos, filho, na Bolívia. No último caso, após a concessão de asilo cm La Paz, assegurava-se asilo particular no Rio dejaneiro, ultrapas- sando-sc o terriiorio boliviano. Na casa digna dc Affonso Arinos, o pai, figura emblemática, da democracia bra sileira, hospedaram-se a esposa (Tere sa) e a filha (Maria Isabel) de Herná Siies Zuazo. Após a tempestade, empossando-se Siles como legítimo presidente, graças àvitória civüista do povo boliviano, liderada por intelec tuais, professores, estudantes e trabalhadores afinal restabeleceu-sc a ordem democrática. Mas o processo dramático não se apagou da memória do povo. Um triste processo alimentado por campanhas demagógi cas, com promessas que nunca se realizaram, acarre-

uma série de agitações, insurreições e revoluções internas , e a taiido desencantos e profundas desilusões. Os golpes dc estado, tão comuns em nossa América Latina, respondem pelo semlismo do poder civil. Além disso, para compor o quadro, a corrupção galopante, o roubo, a felonia e a desmoralização das forças democráticas servem de coroamento a um processo povo, que perdeu o direito à liberdade, desagregando-se as forças éticas da nação, que são (ou deveriam ser) o sustentáculo da maldito. Daí o sofrimento do a

Professor universitário

Um diário do embaixador que honra o autor e a diplomacia brasileira

Limacamorra

vida pública. Qualquer semelhança com o Brasil de hoje c mera coincidência. Na introdução do livro, Afonso Arinos escreveu: " Na Bolívia, vi tudo isso e mais alguma coisa. Pela primeira vez na história, a máfia do narcotráfico assumiu o poder supremo numa repú blica independente, por intermédio de fardada. Testemunhei o

Opacto tácito dc assistência mútua entre duas sociedades dc celerados, a dos traficantes de cocaína e a dos torturadores e terroristas remanescentes do nazifacismo, como os Klaus Barbie e Stefano Delle Chiaie trafegando por rodo o País com a conivência das auto ridades civil e militares". Afinal, entre a apresentação do nosso embaixadora presidente Lydia Gueiler Tejada e a legítima posse do presidente Hernán Siles Zuazo, pouco mais de dois anos decorreram, fechando-se aquele ciclo de democracia violada, conspiração, golpe de estado, ditadura, arbitrariedade, corrupção, revolta, liberta ção e retorno à democracia.

s golpes de estado, tão comuns em nossa América Latina, respondem pelo servilismo do poder civil

Por tudo isso, fica patente que o filho de Affonso Arinos, sem interferir nos assuntos políticos de uma nação irmã, soube honrar a tradição diplomática brasileira concedendo asilo a quem de direito. No momento devido, como escreveu o jornalista Marciano Baptista Gumucio, no jornal Ultima Hora, de La Paz, no dia 15 de dezembro de 1982, o nosso embaixador "deu asilo e abrigo aos que o requeriam urgente mente, e esta é uma atitude que não esquecerão os asilados nem o povo da Bolívia". Depois disso, Affonso Aiãnos foi transferido para a Venezuela, com a consciência do dever dignamente cumprido. E o seu diário aí está ao alcance de todos, como mais um tes temunho que honra e dignifica, a exemplo do de Álvaro Lins, a história diplomática brasileira. Afonso Arinos de Mello Franco é

da Academia Brasileira de Letras Leodegário A_. de Azevedo Filho professor universitário

A globalização e a competição internaciona fizeram desaparecer os mercados cativos

A função social e ética do

contratoeonovoCódigoCivil

XX, impunha-se a chamada "economia do saber", que substituiu a esteira de produção em massa, baseada trabalho repetitivo e mecânico de um grande número de operários, pelos robots controlados por emprega dos qualificados, quiçá engenheiros. Em vez de sistema de regras rígidas aplicadas numa empresa de tipo piramidal, foi preciso admitir uma liberdade criatividade mais amplas por parte de todos os que participam das redes de produção

Nihil mirari, nihil lacrimari, sed inteíligere. " (Não devemos estranhar nada, lamentar nada, mas compreettder. ") no

Agrande ruptura do terceiro milênio consiste na criação, no reconheci mento e na generalização, no mundo inteiro, da nova economia, um ~m todos os países afirma se que é preciso adotaruma economia de mercado, sem implantar uma sociedade dominada exclusivamente pelas leis do mercado c uma baseada no desenvolvimento tecnológico e na competição, mas também na globalização e na desmaterialização parcial da riqueza. Trata-se de uma nova concepção da economia, que tem reflexos em todos os aspectos da sociedade e incl usive no direito. comercialização, ensejando a necessidade de fazer preva lecer a "empresa flexível", a qual alude Alvin Toffler. ou

Em primeiro lugar, a revolução no campo das telecomunicações e da informática permitiu uma aceleração da produção industrial e do comércio interno e internacional, que jamais poderia ser concebida nos meados do século XIX. Passamos, em todos os campos, das progressões aritméticas para as progressões geométricas, exigindo do indiví duo uma formação contínua e um poder de tomar decisões rápidas, que nem sempre se impunham no passado. Podemos, assim, definir a nossa era como não sendo tão-somente a da "incerteza", à qual se referia Galbraith, ou da "descontinuidade", como a caracterizava Peter Drücker, mas a das mudanças constantes, da extrema velocidade e do desapareci mento das distâncias.

Por outro lado, a globalização competição internacional fizeram de saparecer os mercados cativos que mantinham com base na tradição até, numa espécie de direito adquirido a abastecer o consumo local, existentes em nossso país até 1990. A abertura comercial imposta pelas circunstânci as, a desregulamentação progressiva e a redução da intervenção do Estado burocrático e do Welfare State fizer viessem a prevalecer as sentido, a evolução econômica ensejou a modificação das políticas protecionistas de outrora e, finalmente, a criação de instituições internacionais e a assinatura de tratados bilaterais e regionais que reduziram as barrei ras alfandegárias.

A luta contra a inflação e a adoção de orçamentos relativamente equilibrados, pela maioria dos países, também limitaram o poder do Estado dc interferir na economia mediante subsídios ou até financiamentos e a

Essa transformaçãorevolucionáriadeterminou também uma mudança da estrutura econômica, substitu indo, algumas vezes, e, cm geral, complementando os importantes fatores de produção do passado - matéria prima, mão-de-obra barata e capital - por outro - o saber. Esta c a qual, já nas últimas décadas do século se ou

am com que regras do mercado. Neste de longo prazo a juros reduzidos. Quer tais modifica ções tenham ocorrido em virtude da formação de grupos regionais, como ocorreu na Europa, quer renham sido adotadas para garantir a estabilidade

Spinozã

Exposiç^ e Texto: iSàncionaãlíl^

V. B£ASlUA>7fia? r*. 1

econômica c monetária, como foi o caso do Brasil, o resultado foi o mesmo, com dificuldades no curto prazo e a esperança de um maior desenvolvimento no médio c longo prazos.

Em rodos os países, mesmo naque les cujos governos têm formação soci alista ou trabalhista, afirma-se que é preciso adotar uma economia de mer cado, sem, todavia, implantar uma sociedade dominada exclusivamente pelas leis do mercado.

A nova economia prevê a possibili dade de cortar custos substanciais e aumentar lucros empresariais, multi plicando rapidamente a velocidade da comercialização dos produtos e dando uma nova escala à atividade negociai, pela possibilidade de alcançar um nú mero ilimitado de clientes ou de for necedores.

co nao se / preciso salientarque

Notável artigo de Amoldo Wald sobre o novo Código Civil É interessante notar que a utilização da Internet e a nsequente generalização dos contratos eletrônicos limitou a uma área geográfica determinada, embora a sua importância seja maior nos Estados Unidos. Na realidade, a Europa tem reagido rapidamente e, já agora, desde a China até os países da América Lati na, a nova economia está presente, para desenvolver-se e apresentar boas oportunidades, inclusive em setores cuja atividade no passado era conside rada como necessariamente artesanal,

como a educação, a saúde e até, even tualmente, a prestação de serviços ju rídicos.

A nova economia pode até modifiquilíbrio das forças mundiais. não há antagonismo, mas simples complementação entre a nova e a velha economia

Ao contrário da evolução de outras tecnologias, que se realizou gradual e progressivamente, a da Internet ensejou uma verdadeira ruptura com o passado, caracterizan do o que alguns economistas denominaram a "des truição criadora", pois a nova técnica tornou-se, no mundo hodierno, "tão visual quanto a respiração".

car o e permitindo a alguns países menos desenvolvidos que recuperem o tem po perdido, utilizando mais adequa da e generalizada as novas tecnologias e encontrando soluções econômicas e jurídicas para dar-lhes a segurança necessária.

Examinando a matéria, Rudiger Dornbusch che¬ gou a escrever que: "Apesar das quedas no mercado acionário, a nova

ar-

economia alcançou a maioridade. Ela não oferece uma fórmula mágica de enriquecer; não dobra a taxa de crescimento; não se dá pelo simples fato de respii mos o ar. A nova economia significa trabalho duro; seus milagres são limitados, porem reais. Em vários lugares, ela vira o mundo de cabeça para baixo: a Finlândia como centro de alta tecnologia, a Alemanha ficando para trás porque a mudança é vista com maus olhos, a decadente economia japonesa resgatada pelo seu formidável potencial tecnológico".’

Por sua vez, o historiador Eric Hobsbawn concluiu

que:

para fins específicos, substituindo a anterior luta pela conquista do mercado alheio por uma colaboração cm determinadas atividades ou países. O espírito da par ceria modificou profundamente as relações entre as partes, multiplicando-se, a mesma, entre o Estado e as empresas privadas, entre fornecedores, uns com os outros ou com consumidores, entre empresas dc países distintos, entre distribuidores de mercadorias, entre instituições de fim lucrativo e outras sem essa finalidade.^

conse-

"A força intelectual e de informação está muito concentrada. E possível superar isso; o Japão guiu e, provavelmente, Chinaconseguirá. Na minha visão, a índia também tem boas chances de êxito em certas áreas porque é um país com umagrande tradição intelectual na área do pensamento abstrato.

E preciso ainda ponderar que um dos efeitos da nova economia tem sido a multiplicação das parcerias, sob todas as suas formas, abrangendo desde as fusões e incorporações até os vários tipos de joint-ventures e as aquisições de controle consensuais ou litigiosas. De um lado, podemos afirmar que os grupos societários substituíram a .sociedade anônima e que, seja pela natureza, seja pela sua atividade, muitas empresas tiveram que deixar de ser locais, para se tornarem nacionais ou até binacionais e multinacionais. De outro lado, competidores e concorrentes se uniram

Finalmente, é preciso salientar que não há antago nismo, mas simples complementação entre a nova e a velha economia. E o que se evidencia, cada vez mais, pela utilização de instrumentos da nova economia por empresas tradicionaise, por outro lado, pela fusão ou incorporação, especialmcnte no campo da informa ção e do lazer, de entidades pertencentes aos dois grupos. Pode-se afirmar, assim, que existe uma ponte, cada vez mais ampla, entre as duas economias, pois numa - a velha - se dá maior ênfase

ao passado da empresa e às suas possibilidades atuais, enquanto a outra - a nova - se valoriza basicamente a porção do mercado que pode ocupar, a sua criatividade e, cm certo sentido, as suas expectativas futuras.

Num processo dialético, podemos até conceber a velha economia como sendo a tese, a nova represen tando a antítese, e a simbiose de ambas, a síntese, que já está ocorrendo e deverá consolidar-se no futuro. Trata-se, agora, de compatibilizar os instrumentos sua

Para o historiador Eric Hobsbawn "a força intelectual e de informação está muito concentrada".

UM NOVO DIREITO

No momento em que o Brasil acaba de ingressar no terceiro milênio, comemorando quinhentos anos do seu descobrimento, os meios jurídicos e a opinião pública reconhecem a necessidade de uma grande reforma no plano do direito. Após ter restaurado o regime democrático e conquistado, nos últimos cinco anos, uma relativa estabilidade monetária, abrindo a sua economia, o país precisa alcançar aestabilidadejurídicaquedê ao cida dão um mínimo de garantias quanto ao seu presente e seu futuro, permi tindo o planejamento empresarial a curto, médio e longo prazos, que caracteriza o estado de Direito no mundo hodierno.

Por outro lado, uma renovação do direito se impõe, com as grandes re formas nos planos tributários, previdenciário, administrativo e ju diciário, a afim de modernizar as suas instituições e compatibilizá-las com uma economia dinâmica, que possa competir com a das outras nações, assegurando a todos os cidadãos um nível de vida digno.

Revendo a nossa história, verifica mos que a República ensejou a elaboração da Consti tuição dc 1891 e a do Código Civil de 1916, cujo projeto data do fim do século passado, refletindo a sociedade rural da época, ainda dominada pelo chama do "privatismo doméstico". No século XX, os anos quarenta permitiram a implantação do direito do trabalho, a renovação do processo e do direito penal, a modernização do direito societário e falimentar, retratando a fase inicial do nosso capitalismo industri al. Vinte e cinco anos depois, a reforma bancária e, posteriormente, a nova lei societária indicavam os novos rumos do país, que pretendia alcançar o nível de potência econômica mundial.

ao lado da velha e, muitas vezes, a complementa, essa terceira revolução industrial modifica tanto a estrutu ra social e a própria concepção do trabalho quanto fez fim do século XIX e no século como catalisadora

jurídicos de ambas as economias, para que a inovação não signifique um risco incomensurável, mas que, ao contrário, possa ser limitado por técnicas jurídicas adequadas, sejam elas as já existentes e tradicionais ou outras novas, que devem ser construídas pelos j uristas, dentro de uma revisão da dogmática do direito vigena que ocorreu no passado. O papel da informática das mudanças estruturais no mundo de hoje é tão importante quanto foi o da eletricidade e o da máqui na a vapor no século passado. E do mesmo modo que já se disse que a sociedade anônima foi o grande instrumento jurídico dos progressos realizados no passado, outras instituições e novas técnicas, concebi das tanto pelo legislador como pela jurisprudência e pela prática, apresentam-se, atualmente, como os instrumentos necessários para alcançar o desenvolvi mento sustentado.'^ te.

Novas formulações jurídicas hão de ser criadas, outros equilíbrios devem ser encontrados no plano dos contrada família, da sociedade e do pró- tos, prio Estado, para que o direito não seja uma espécie de camisa-de-força que impeça a boa utilização das novas téc nicas, devendo, ao contrário, ser um instrumento de cooperação entre Esta dos, empresas e pessoas, em geral, num clima dominado pela ética.

Se desapareceu acreditávamos existir no fim abe manter aquiloque pode ser duradouroe permanecet abandonandoo que se tornou obsoleto mundo da segurançaque do século XIX, no momento em que foi concebido o nosso Código Civil de 1916 e com o qual passamos a sonhar logo após a derrubada do Muro de Berlim, uma adaptação deve ser feita. Cabe manter aquilo que pode ser dura douro e permenecer, abandonando o que obsoleto, e criando as novas estruturas jurídicas que a se tornou sociedade exige.

Se a revolução econômica e tecnológica é inegável, cabe ao jurista acompanhá-la, revendo até as premissas as mudanças que de sua dogmática, reconhecendo estão ocorrendo com a globalização, e adotando as medidas úteis ou necessárias, num mundo no qual muitos dos conflitos de interesses do passado, entre nações, empresas e indivíduos, estão sendo substituí dos por parcerias re

Atualmente, os avanços tecnológicos e as transfor mações características de um mundo que foi conside rado como sendo o da incerteza e da descontinuidade, da mudança constante e da imprecisibiiidade, ensejaram, com a revolução nas comunicações e a Internet, a nova economia, que, como vimos, subsiste

No campo profissional, as universidades se unem às empresas, magistrados e advogados se enconti professores e congressistas para tentar, mediante solu ções consensuais, encontrar os novos caminhos, que também no plano do direito, o Brasil precisa trilhai, com urgência e coragem, para ser não mais o pais das esperanças, mas sim o das realizações.

Do mesmo modo que se tem caracterizado o novo alizadas no interesse comum. ;am com

O contrato passou, assim, em certos casos, a ter um conteúdo de ordem pública, decorrente da lei, poden do alcançar até pessoas que nele não foram partes, coletiva de trabalho. Te- como ocorre na convenção mos, então, uma convenção-lei, definida como um legislativo, elaborado por via convencional ato

A obrigatoriedade dos contratos constitui, por sua da liberdade contratual, vez, uma projeção, no tempo pois as partes são obrigadas a realizar as prestações deles decorrentes. O direito contemporâneo limitou, todatambém tal obrigatoriedade, interpretando-a de acordo com a cláusula rebus sícstantibus, e permitin do contrato, no caso de via. do a revisão ou a resolução ocorrerem tais transformações imprevisíveis ou inevitáveis.

tece nos

Durante muito tempo, considerou-se que trato costumava compor interesses divergentes, que nele encontravam uma forma de solução, como aconcasos de compra e venda, da locação, da empreitada etc. Os contratos que constituem liberali dades são relativamente menos importantes centemente é que a doutrina foi admitindo a impor tância crescente dos chamados contratos de colabora ção, que existem tanto no direito privado quanto direito público.

O CONTRATO NO NOVO MILÊNIO

os contratantes passaram a ser caracterizados como parceiros, que pretendem ter, um com o outro, uma relação equilibrada e igualitária, tendo em vista uma maior fraternidade e justiça. Já no início do século, alguns autores, como René Demogue, se referiam ao contrato como sendo "uma união de interessses equi librados, um instrumento de cooperação leal, uma obra de confiança mútua". Mais recentemente, outros autores desenvolveram a tese da equação contratual, inspirada no direito administrativo, para vislumbrar, no contrato, um ponto de equilíbrio necessário, um instrumento de colaboração entre os contratantes, no interesse de ambos e da própria sociedade.

Há, pois, uma evolução na qual, após termos abandonados a conceituação do contrato como mani festação ilimitada da liberdade individual, lhe demos uma nova conceituação em que prepondera, ou deve preponderar, sobre a vontade individual dc cada um dos contratantes, o consenso que entre eles se formou, sem que seja lícito, a qualquer um deles, tirar uma vantagem maior do que racionalmcnte aceitável, tanto da celebração do contrato como da

Tradicionalmente, o contrato permitia às partes todos os riscos futuros, garantindo-lh tabilidade das prestações convencionadas e a so110 evitar cs a im Li brevivência da convenção diante de fatos imprevistos, quando alteravam substancialmcntc mesmo a equa ção contratual. Hoje, o contrato perdeu essa perenida de, mas ganhou cm flexibilidade, sacrificando- se aievencuais benefícios individuais dos contratantes guns ao interesse comum das partes.

Em recente estudo, pretendeu-se que o contrato, passdo, era uma espécie de bolha ou uma ilha, independente, alheia aos acontecimentos e prevalcno outras

Nos últimos anos, deÍxou-sc, no entanto, de con ceber o contrato como decorrente ou representativo, necessariamente, de interesses antagônicos, chegando os autores e a própria jurisprudência a admitir, inici almente nos contratos dc longo prazo mas, em segui da, em todos eles, a existência de uma affectio - a affectio contractus, com alguma semelhança com formas de colaboração como affectio societatis ou o próprio vínculo conjugal. Em vez de adversários.

c p

cendo a suas cláusulas não obstante as eventuais modi ficações fáticas e legislativas. Atualmente, o contrato se transformou num bloco de direitos e obrigações de ambas as partes, que devem manter o seu equilíbrio inicial. Passou, assim, a ser um vínculo ou até numa entidade. Vínculo entre as partes, por ser obra comum das mesmas, e entidade, constituída por um conjunto dinâmico de direitos, faculdades, obrigações e eventu ais outros deveres, que evolui com a vida, de acordo com as circunstâncias que condicionam a atividade dos contratantes. Assim, em vez do contrato irrevogável, fixo, cristalizado de ontem, conhecemos um contrato dinâmico e flexível, que as partes querem e devem adaptar para que ele possa sobreviver, superando, pelo eventual sacrifício de alguns dos seus interesses, as dificuldades encontradas. A plasticidade do contrato transforma a sua própria natureza, fazendo com que os interesses divergentes do passado se jam agora convertidos numa verdadei ra parceria, na qual todos os esforços válidos e necessários para fazer subsis tir o vínculo entre os contratantes, respeitados evidentemente os direitos individuais.

Dentro desse conceito de parceria, admite-se a anulação do contrato por lesão, a sua resolução ou a sua revisão em virtude da excessiva onerosidade, a cessão do contrato e a assunção da posição contratual a eventual oponibilidade das cláusulas contratuais a terceiros não-contratantes, a relação que se estabelece entre contratos conexos e subordinados uns aos ou tros, inclusive com a eventual substi tuição de cláusulas e a mitigação das sanções.

m no

Num mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para subsistir, aderiu ao relativismo, que se tornou condição sinequanonda sua sobrevivência no tempo, em virtude da incerteza generalizada e da imprevisão institucionalizada. A indeterminaçao das prestações contratuais, que era inconcebível no passa do, também está vinculada à inflação e às rápidas udanças tecnológicas, fazendo com que as partes adotem determinados critérios para definir os seus direitos, aceitando prestações indeterminadas no mo mento da celebração do contrato, mas determináveis momento de sua execução. Por outro lado, a eventual necessidade de substituir certas cláusulas afetar as bases da equação contratual,

contratuais,sem obrigou os contratantes e os juristas a realizarem uma verdadeira sintonia fina para distinguir as cláusulas principais ou essenciais das demais, destacando aque las sem a presença das quais o contrato não teria sido assinado das que foram consideradas inicialmente como me ramente complementares ou acessórias.

tualmente, o contratose transformounum bloco de direitos e obrigações de ambas as partes

Trata-se de uma verdadeira nova concepção do contrato, já gora como ente vivo, como vínculo que pode ter um conteúdo variável, complementado pelas partes, por árbitros ou até pelo Poder Judiciário, e no qual, ao contrário do que acontecia no passado, a eventual nulidade ou substituição de uma cláusula secundária não põe necessariamente em perigo toda a estrutura da relação jurídica. EssasmodificaçÕessurgiram na jurisprudência e em virtude do trabalho dou trinário realizado pela extensão do conceito de boa-fé e pelas obrigações ÍmplÍcítas de leal execução do con trato, significando um dever imposto às partes de encontrar uma solução para os eventuais impasses que possam surgir. Também houve a influência das nor mas extravagentes e das chamadas leis de mergência, assim como de certos ramos mais recentes da ciência jurídica, como o direito do consumidor.

O contrato, realidade viva, forma de parceria, com direitos e obrigações relativas, constitui uma verdadeira no vidade para os juristas clássicos, mas decorre de um imperativo categórico do mundo de hoje. Assim, autores recentes puderam afirmar que as re gras do direito dos contratos se torna ram relativa pois:

"O contrato é mais ou menos obri-

gatório, mais ou menos oponível, mais menos sinalagmático ou mais ou menos aleatório e uma mulidade ou uma resolução é mais ou menos ex tensa".'^

Por longo tempo, manteve-se a estrutura tradicio nal do contrato, considerando como exceções as regras que, aos poucos, estavam alterando a escala de valores em que se fundamentou. Ageneralização das exceções está agora exigindo uma reformulação do regime jurídico do contrato, pois não houve tão-somente modificações técnicas, mas umaverdadeiramudança de concepção, que exige uma reformulação dogmatica. Trata-se de passar do absoluto para o relativo, respei tando-se os princípios éticos e sem perder um mínimo de segurança que é indispensável ao desenvolvimento da sociedade.

O contrato no Código Civil de 2002. Assim, por pio, o legislador atribuiu expressamente função social, limitando a liberdade de contratar em razão da mesma, ao mesmo tempo em como causa de anulação dos ou ao con- exem trato uma que considera a lesão

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