não são todas, mas o fenômeno da desintegração da família é inegável
mento marginal de salvação do matrimônio, estando aí uma imensa quantidade de obras literárias refletindo o espírito de renúncia ou de conformação das vítimas do adultério.
O pior é, porém, quando o vínculo matrimonial se rompe de maneira irresponsável, com abandono crimi noso da prole pelo pai, ficando a mulher sozinha, com o encargo de mantê-la, o que, infelizmente, se dá com mais frequência nas classes mais desprovidas de recursos. Certa feita, já me referi, nesta página, às heróicas chefes de família que assumem a responsabilidade do lar, com sacrifícios e sem a assistência do Estado.
fato inesperado, conseqüência expontânea de um con vívio que se julgava transitório. E, no fundo, um casamento de fato, o que explica que surjam, após certo tempo, direitos e obrigações recíprocos entre os compa nheiros, inclusive no plano do Direito Sucessório. É óbvio que tal entidade familiar ganha ainda mais força jurídica com o nascimento de filhos. Por fim, não posso deixar de assinalar que, como demonstram os dados estatísticos, na sociedade atual diminui o número de
casamentos, enquanto que cresce o de separações judi ciais e de divórcios. Ao mesmo tempo, tornam-sc cada vez mais freqüentes as separações de fato, que, não raro, duram anos e anos, sem que os cônjuges cuidem de legalizar tal situação, quer por desleixo, quer porque um deles se opõe a qualquer solução amigável, optando o outro pela separação judicial.
Eis aí, em breves e nervosos traços, a que se reduz, atualmente, o drama familiar um dos sinais eviden do advento de uma nova civilização, com outro quadro de valores orientando o destino da espécie humana tranhamente coincide com o início de um novo penosos
camente vistas mutações do tempo. vezes.
Ante os fatos expostos, é compreensível que, ao lado do casamento, tenha surgido uma outra entidade fami liar, a união estável, que a Constituição de 1988 em boa hora consagrou, destinando-a à vida em comum “de homem e uma mulher” (note-se) como se casados fossem, “devendo a lei facilitar mento”, o que a distingue claramente do concubinato. Assim sendo, sem reforma da Carga Magna não há dar legitimidade jurídica a uniões de pessoas do demonstra a sem-razão dos que nao um sua conversão em casa- tes , o que es milênio. Por mais que queiramos a sobrevivência do casamento, trata-se de uma instituição jurídica historiconstituída e sujeita, infelizmente, às imprecomo mesmo sexo, o que apodam de retrocesso o projeto de Código Civil, prestes a ser aprovado pela Camara dos Deputados... Ora, a união estável tem múltiplas configurações. Às ela representa uma espécie de “casamento de experiência”, concluído pelos que tenham receio de assumir os encargos do matrimônio, relegando-o para tempo oportuno. Mas, em geral, constitui-se como um
Miguel Realf. jurista, filósofo, membro da Academia Brasileira de Leti-as, foi reitor da USP èlgEStO ecqnôMícq WíVlAIO -"junho - 2001
o mais relevante artigo da Constituição é aquele que garante os direitos individuais
orma anti-eiisão no sistema constitucional brasileiro
Ives Gandra da Silva Martins
Jurista
Oartigo 150, inciso I, da Constituição Federal versado está com a seguinte dicção; “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
Exterioriza, portanto, garantia fundamental, que é a cláusula pétrea, àluz do §4-, inciso IV, do artigo 60, cujo discurso transcrevo:
“§ 4-. - Não será objeto de delibera ção a proposta de emenda tendente a abolir: IV - os direitos e garantias individuais”^‘b
O princípio da legalidade, no pró prio texto da lei suprema, já fora con sagrado no mais relevante artigo da Constituição, que é aquele que garante os direitos individuais, função primacial do Estado de Direito assegurar.
O artigo 5^ inciso 11, está assim redigido:
“Art. 5-... II - ninguém será obriga do a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
A
também inextensíveis e reserva inelástica da lei imposiriva.
Em outras palavras, o artigo 150, Inciso I, torna constitucionais os princípios da estrita legalidade, da tipicidade fechada e da no direito tributário brasileiro^-’.
Constituiçãot\ não contém
palavras inúteis nem repetições desnecessárias
Teoricamente, não liaveria, portan to, necessidade de o constituinte re produzir o mesmo dispositivo no capí tulo do sistema tributário, se não objetivasse dar con teúdo mais denso ao princípio. Como a Constituição não contém palavras inúteis nem repetições desneces sárias, o princípio da legalidade lata e flexível, a que se refere o artigo 5-, inciso II, é compactado em princípio de legalidade absoluta e inflexível, no artigo 150, inciso I, que exterioriza, inclusive, conseqüências tipológicas
absoluta da lei formal. reserva
Por ser a norma tributária uma norma de rejeição social, em que a sanção é norma primá ria, como sinalizou Kelsen - sem ela ninguém cumpriría a obrigação tribu tária, visto que, em todos os espaços geográficos e períodos históricos, o tri buto é destinado não apenas a fazer do Estado um prestador de senáços públimantenedor de privilégios e benefícios exclusivamente a favor dos detentores do poder - é que, sablamente, o constituinte, ao mesmo tempo em Estado os recursos
COS, mas um que assegurou ao que se auto-outorga, garantiu ao con tribuinte, que, sem lei, não há possibi lidade de exigência tributária*-’’.
A própria reiteração que texto supremo, de que a “exigência “elevação” de tributos só podem decor rer de lei, teve a inequívoca intenção de afastar qualquer veleidade do poder impositivo, muito embora toda a “elevação represente consta do e a uma nova exigência, o que permitiría interpretar que esta hipótese já estaria implícita no vocábulo exigir
Sobre esta inelasticidade do princípio para a exigên cia de tributos escreví:
“Com efeito, em direito tributário, só é possível estudar o princípio da legalidade, através da compreenblGEffrÒECQNÒMICÓ
Iatravés do Congresso, com projeto de lei, mas através da ação da fiscalização. Ora, as “brechas” ou são legais, e não há o que contestar, ou são ilegais, e, portanto, sempre houve tratamento legislativo para coibir o seu aproveitamento^^^
É lamentável que o C)TN, obra elaborada pelos mais eminentes tributaristas do País da época, tenha sido desfigurado por texto resultante de pressões do Minis tério da Fazenda, em que a eliminação dos direitos do contribuinte, o alijamento da ação do Poder Judiciário (quebra do sigilo bancário sem autorização judicial) e
Notas
(1) Comentei o § 4° inciso IV como se segue: “Em posição diversa, entendo que os direitos e garantias individuais são aqueles direitos fundamentais plasmados no texto constitucional - e apenas nele - afastando-se, de um lado, da implicitude dos direitos não expressos ou de veiculação infraconstitucional, assim como restringindo, por outro lado, aqueles direitos que são assim considerados pelo próprio texto e exclusivamente por ele. Assim sendo, o artigo 150 faz expressa menção a direitos e garantias individuais, como tais conformados no capítulo do sistema tributário. Tal conformação, à evidência, oferta, por este prisma a certeza de que está ela no elenco complementar do artigo 150 e, por outro, que é tido pelo constituinte como flindamentd. Por tal perfil, apenas os direitos e garantias individuais expressa mente expostos no artigo da Constituição, seriam cláusulas pétreas. O Supremo Tribunal Federal parece ter hospedado tal exegese momento em que não acatou como cláusula pétrea, o direito individual do contribuinte a estar assegurado por um sistema tributário inelástico, com a válvula de escape decorrente da com petência residual da União, visto que não era expressa a cláusula. No ocasião, a E.C. n“ 3/93, entretanto, foi tisnada por aqueles que defendiam que os direitos individuais não seriam cláusulas pétreas, pois o S.T.R acatou as cláusulas expressas.
Assegurou, pois, o Pretório Excelso, os contribuintes, nhecer a prevalência do explícito princípio da anterioridade, seja, o direito de não ser tributado no mesmo exercício, apesar de a exigência ser decorrente, de emenda constitucional. Não esten deu, todavia esse reconhecimento ao princípio implícito de não ser incidido por nenhum outro tributo que não aquele da competência residual, por decorrente do princípio do “sistema fechado e inelástico”.
do Poder Legislativo (norma anti-elisão, definida, não pelo Congresso, mas pelo agente fiscal) foram as tônicas dominantes, objetivando a instalação definitiva de uma ditadura fiscal no País.
Ives Gandra da Silva Martins éprofessor emérito das universidades Mackenzie, Paulista e Escola de Comando e Estado Maior do Exército, presidente do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária - CEU.
sito desse consentimento, pedindo contas do dispêndio de tribu tos anteriormente consentidos, discutindo o emprego do tributo a ser instituído, que essa Assembléia, foi pouco a pouco alargando a sua esfera de competência (v. Meu Curso de Direito Constitu cional, 19“ ed., SP, ed. Saraiva, 1992, p. 244). Em razão dessa tradição, sustentei, a respeito da Constituição anterior, que somente lei formal poderia instituir ou aumentar tributo. A jurisprudência e a maior parte da doutrina, todavia, inclinaramse pela tese de que ato com força de lei poderia instituir ou aumentar tributo. Esta parece ser a solução a ser seguida cm face desta Constituição, como aponta Ives Gandra Martins (Comen tários, cit. V.6, t.l p. 145 e ss)” (Comentários à Constituição de 1988, volume 3, ed. Saraiva, 1994, p. 99/100).
(3) Escrevi sobre a norma de rejeição social: “Kcisen c Cossio travaram, no passado, intenso debate para definir se as normas sancionárias seriam primárias ou secundárias, entendendo aquele que seriam, necessariamente primárias, por assecuratórias daque las de comportamento, e este que seriam secundárias, posto que a lei é feita para ser cumprida e não pode ser estudada a partir de sua patologia jurídica.
ao recoou rara
No concernente à divisão em norma de aceitação social e de rejeição social, o dilema se compõe na medida em que as normas de aceitação social têm nas sanções instrumental repressivo de aplicação, posto que as normas de comportamento seriam cumpridas mesmo que não houvesse penalidades.
Tal sinalização do S.T.F., à nitidez, facilitou a conformação mais nítida dos limites da petrificação normativa no concernente direitos e garantias individuais.
Como se percebe, a Suprema Corte sinalizou os limites das garantias e direitos individuais, estabelecendo que a Constituição Federal, para cada direito assegurou o exercício de uma tutela, isto é, há uma garantia para cada direito elencado na lei maior. Desta forma, direitos e garantias individuais explícitos, no texto supremo, são imodificáveis por emenda” (Comentários à Constitui ção do Brasil, 4° volume. Torno I, Ed. Saraiva, 1999, p. 414/416) (2) Manoel Gonçalves Ferreira Filho assim comenta o artigo 150 inciso I: “Este é um princípio fundamental para a segurança do patrimônio particular. Por força dele, apenas a lei, que traduz a vontade geral, pode impor tributo, ou aumentar tributo, sobre o patrimônio particular.
Este princípio é dos que consagrou a Magna Carta, em 1215. Com efeito, deflui deste documento a exigência do prévio consentimento dos contribuintes, por seus representantes, para a instituição de todo e qualquer tributo. Assim, durante séculos, a principal função do Parlamento inglês foi a de consentir (ou não) tributos reclamados pelo monarca. E foi negociado a propó-
As denominadas leis naturais - na moderna concepção de direito natural, que não se choca com o direito positivo, visto que há normas que o Estado apenas reconhece e outras que cria - são, quase sempre, normas de aceitação social. O respeito ao direito à vida é típica norma de comportamento, que seria cumprida pela maior parte de qualquer população, mesmo que sansão não houvesse. Para tais normas compreende-se que as normas sancionárias sejam secundárias, visto que o brilho das normas primárias ou de comportamento por si só assegura a força de sua aplicação e aceitação pela comunidade. Desta forma, quanto a normas de aceitação social, Cossio tem razão, sendo a norma sancionária mero apêndice de aplicação restrita aos desajustados sociais.
O mesmo não acontece quanto às normas de rejeição social. Nestas, prevalece a necessidade da norma sancionária, única capaz de fazer cumprida a norma de rejeição social.
O tributo, como o quer Paulo de Barros Carvalho, é uma norma. É uma norma de rejeição social. Vale dizer, sem sanção não seria provavelmente cumprida. A sanção é que assegura ao Estado a certeza de que o tributo será recolhido, visto que a carga desme dida que implica traz, como conseqüência, o desejo popular de descumpri-la.
Tanto assim é que um contribuinte, que seria incapaz de matar alguém, mesmo que não houvesse norma sancionária, muitas vezes, é tentado a não pagar tributos, só o fazendo em face do receio de que a norma sancionária lhe seja aplicável.
(4) (Curso de Direito Tributário, Ed. Saraiva, 1982, p. 57/58).
(5) Escrevi sobre o artigo 51, com a seguinte dicção: “An. 51 - Ficam compreendidos na incidência do Imposto de Renda todos os ganhos e rendimentos de capital, qualquer que seja a denominação que lhes seja dada, independentemente da natureza, da espécie ou da existên cia de título ou contrato escrito, bastando que decorram de ato ou negócio, que, pela sua finalidade tenha os mesmos efeitos do previsto na norma especifica de incidência do Imposto de Renda”, o que se segue: “Entendo seja um anigo inútil, sobre ter sido redigido com técnica legislativa canhestra e cientificamente imprópria.
O artigo 51 da Lei 7.450/85, de início, apresenta hipótese geral a depender de regulação, que, por ser de direito tributário, só poderia ser feita por outra lei.
Vale dizer, o artigo 51 declara que genéricas hipóteses impositivas poderão ser criadas no campo do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, visto que não determina alíquotas, nem cuida do aspecto pessoal da obrigação tributária. À evidên cia, não sugere delegações de atribuições, de resto proibidas pelo § único do artigo 6° da EC n" 1/69, com o seguinte discurso: “§ único. Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições: quem for investido na hinção de um deles não poderá exercer a de outro”. Entre as exceções tributárias constantes da Carta Magna encon tram-se os impostos sobre importação, exportação e produtos industrializados, além das contribuições especiais. O imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza não está excepcionado entre as hipóteses de delegação constitucional . Se o artigo 51, veiculando princípio genérico, depende de legislação específica para ganhar eficácia, à nitidez, é um artigo programático. Os dispositivos programáticos, todavia, podem ser plasmados no texto constitucional ou, no máximo, enquanto meramente explicativos do texto supremo, na lei complementar. Jamais, na lei ordinária. Se uma lei ordinária programática depende de outra lei ordinária para ganhar vida, é como se nunca tivesse existido, visto que a força da aplicação de seu programa decorrería da segunda lei que lhe deu eficácia e não da força de sua exteriorização. Ora, por serem veículos do mesmo nível, à evidência, a segunda lei poderia nascer independentemente da primeira, cuja eficácia é, portanto, nula. Se o artigo 51 pretende, pois, ser apenas princípio programático, sua inocuidade é inequívoca, posto que não cria nada de impositivo, nem no concernente ao direito privado que continuaria obrigando nos limites de suas forças, sendo despiciendo o novo comando, nem no direito futuro, que para surgir precisa ria de novo comando.
Se, todavia, não se admitir o artigo 51 como inútil princípio programático ordinário, mas como comando impositivo ordiná rio, esbarrar-se-á nos princípios da tipicidade fechada, estrita legalidade e reserva absoluta de lei formal, na medida em que a sua excessiva generalização tornaria inútil toda a legislação existente, visto que à todas hipóteses legais definidas em seus variados aspectos (temporal, material, espacial e pessoal) acrescentar-se -ia uma hipótese genérica, abrangendo todas as reguladas e aquelas não reguladas e mesmo possíveis hipóteses desconhecidas à época de sua elaboração.
Por abranger todas hipóteses, ou o comando normativo se tornaria inútil ou tornaria inúteis os demais.
Ocorre, todavia, que falta à hipótese do artigo 51 os elementos quantitativo e qualitativo da imposição, razão pela qual, mesmo que se pretendesse aplicá-lo, a insuficiência do perfil conformado o tornaria inviável.
Se não é, portanto, comando auto-aplicável e se o sistema jurídico tributário não compona delegação de atribuições para o imposto sobre a renda, não podendo haver princípios programáticos em legislação ordinária, à nitidez, evidência é um artigo inútil.
Sobre ser inútil, é mal redigido.
Confunde, de início, rendimentos e ganhos de capital, visto que não diferencia aquilo que é renda do capital, sem perda deste, daquilo que vem a ser renda da transferência do capital, em que a doutrina reconhece o denominado ganho. A insegurança do
legislador é de tal ordem que faz menção, para subsumí-los à norma, “a qualquer que seja sua denominação”.
No ganho de capital, o benefício decorre da existência de lucro na alienação do próprio capital. No rendimento do capital, o capital é preservado e gera benefício por seu aproveitamento. É a doutrina do “Fruit and Tree”, em que a venda do fruto é rendimento do capital e da árvore com lucro, ganho de capital. O dispositivo, na sua insuficiência jurídica, confunde ambos, tornando-os amalgamados em discurso pobre e canhestro.
Na seqüência, o dispositivo abre leque de possível imposição tão largo, que seria caso de perguntar se seu campo de abrangência ficaria restrito aos limites do disposto no anigo 43 do CTN ou se estaria criando outras formas de tributação, além daquelas expostas no direito complementar.
Por fim, o artigo 51 sugere imposição penal, cuja legalidade alicerça-se em terreno movediço, visto que a teoria da “tributação penal”, sugerida no direito pátrio por Fábio Fanucchi continua a receber forte oposição, em face do artigo 3° do CTN, muito embora o artigo 113 nivele a penalidade ao tributo, ao esculpir a figura da obrigação tributária.
Considero, pois, o artigo 51 sem sentido e sem alcance no ordenamento jurídico sobre o imposto concernente à renda e aos proventos de qualquer natureza. Por uma interpretação estrita mente jurídica, é inútil e inócuo.
Não é veiculado, por outro lado, em linguagem técnica, nem alberga concepções científicas das figuras de que trata, com o que à inocuidade anterior, acrescente-se a péssima veiculação vernacular. (6) Gilberto de Ulhôa Canto escreve sobre a fracassada tentativa anterior: “6.13. Portanto, o que se tem, no caso do art. 51 da Lei n° 7.450/85, é uma norma insuscetível de criar nova hipótese de incidência, pois, como já se viu, ela não define fato gerador, base de cálculo, sequer alíquota ou sujeito passivo, limitando-se a reportarse, integralmente, não a outro(s) dispositivo(s) que tivesse(m) enunciado tais conceitos, mas sim às finalidades tidas em vista pelos agentes na prática de outros atos ou negócios, sem descrevê-los ou sequer identificá-los. Ora, como “A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação” (art. 4° do CTN), sem que este seja definido não se pode identificar tributo algum. Se a remissão tivesse sido feita mediante referência a uma hipótese concretamente caracterizada em todos os elemen tos indispensáveis ao surgimento da obrigação tributária, teríamos uma definição satisfatória e bastante, como seu viu nos itens precedentes deste estudo” (Caderno de Pesquisas Tributárias n° 13, ob. Cit., p. 106).
(7) Cadernos de Pesquisas Tributárias n° 6 e 13 dedicados aos temas: “Princípio da Legalidade” e “Elisão e Evasão Fiscal”, foram escritos por: “Aires Fernandino Barreto, Anna Emília Cordelli Alves, Angela Maria da Motta Pacheco, Antonio José da Costa, Aurélio Pitanga Seixas Filho, Carlos Celso Orcesi da Costa, Carlos Valder do Nascimento, Cecília Maria Piedra Marcondes, Célio de Freitas Batalha, Dejalma de Campos, Dirceu Antonio Pastorello, Edda Gonçalves Maffei, Edivaldo Brito, Fábio de Sousa Coutinho, Gerd Rothmann, Gilberto de Ulhôa Canto, Hugo de Brito Machado, Ives Gandra da Silva Martins, João Caio Goulart Penteado, Jose Eduardo Soares de Mello, Piero Villani, Plínio José Marafon, Ricardo Mariz de Oliveira, Vittorio Cassone, Wagner Balera, Waldir Silveira Mello, Yves José de Miranda Guimarães, Yonne Dolácio de Oliveira e Yoshiíüd Ichihara”.
(8) (Caderno de Pesquisas Tributárias n° 14. Cod-edição CEU/ Resenha Tributária, 1989. p. 491/493).
(9) José Eduardo Soares de Mello “O artigo 51 da Lei n° 7450/85 contém elementos vagos e indeterminados, objetivando ampla incidência do imposto sobre a renda concernente a variados tipos de ganhos e rendimentos, transparecendo a preponderância da finalidade econômica.
Configura um tipo aberto, inaceitável no ordenamento jurídico plasmado no princípio da tipicidade fechada que confere segu rança e certeza aos destinatários das normas impositivas” (Cader no de Pesquisas Tributárias n° 13, ob. Cit. p. 522).
IÉ preciso reconhecer que a justiça tardia é uma forma de injustiça
A constitucionalidade da cláusula compromissória
Amoldo Wald
Advogado
1. INTRODUÇÃO
AA) A Arbitragem no Contexto Mundial importância crescente da arbitragem se explica, mundo hodierno, tanto em virtude da progressiva globalização, com a extinção das fron teiras que existiam no passado, como da complexidade crescente dos problejurídicos, algumas vezes decorren tes do emprego de novas tecnologias, cuja compreensão exige especial prepa ro técnico. Por outro lado, a sobrecarga do Poder Judiciário, em todos os países, e, em particular, no Brasil, tem ensejado a criação de novos sistemas de solução de conflitos de interesses, que vão desde Juizados Especiais e de pequenas causas até a arbitragem e as diversas formas de mediação e conciliação.
os ter conse-
Acresce que a vida moderna, em virtude da própria instabilidade eco nômica e da volatilidade dos preços, que se faz sentir mesmo nos países mais desenvolvidos, que parecem guido debelar completamente a infla ção, não mais permite que os conflitos levem anos para serem resolvidos. Cada vez mais, é preciso reconhecer que a justiça tardia é uma forma de injustiça, deixando as decisões judiciais, em virtude de decurso de tempo, de cumprir a sua função, que nor malmente consiste em restabelecer o statu quo ante, ou seja, a situação que existiria se o direito não tivesse sido violado. Ocorre que, na maioria dos casos, após longos ffÍlVlAiQ-JUNHO-2001
anos, não há mais como voltar atrás, ou seja, garantir a chamada 'Westitutio in integrum", diante das modifica ções que atingiram tanto as partes, no qual como o contexto econômico viviam quando ocorreu a lesão do direito.
~stá superada a — fase na qual se entendia que todas as obrigações de se fazer se resolvem necessariamente em perdas e danos
A aplicação da lex mercatoria e o novo conceito de parceria, que inspira -èS joint ventures, mas também as relações de longa duração entre o Estado eos particulares, como, por exemplo, os contratos de concessão, justificam deci sões baseadas não exclusivamente em normas jurídicas, mas também na eqüidade, especialmente quando ocorrem situações imprevistas pelas partes. As sim, podem, desde logo, os contratantes estabelecer quais os princípios que deve rão reger as suas relações, no futuro, e que direito há de ser aplicado pelos árbitros. A própria nova economia está ensejando transformações jurídicas ain da não assimiladas pelo legislador, em virtude de um mundo já caracterizado como sendo o da velocidade, da mudan ça e da ruptura com o passado. O século XX, especialmente na sua segunda me tade, tem sido considerado como uma fase de incerteza generalizada*” e de descontinuidade.*^’ Por outro lado, o direito ainda não se conscientizou de estarmos vivendo numa época na qual a possibilidade de acesso às redes se tornou tão importan te quanto o direito de propriedade, na visão de economis tas e sociólogos.
O próprio contrato deixou de ser estático para tornar-se dinâmico e a empresa contemporânea é defi-
nicla como sendo flexível/’*’considerando-se até a flexi bilidade, como sendo a maior das qualidades das pesso as, das empresas e do próprio Estado num mundo em constante mudança.
E dentro deste contexto que a arbitragem foi sendo introduzida e, posteriormente, generalizada nas rela ções internacionais e adquiriu, também, maior relevân cia nos neçócios internos.
B) A Evolução da Arbitragem no Brasil
No Brasil, a Lei n*’ 9.307, de 1996, reformulou complctamente a arbitragem, dando-lhe nova credibilidade, que não tinha anteriormente. Pode-se até dizer que, durante muito tempo, a juris])rudência brasileira ^ foi a das nulidades e anu- o lações de decisões arbitrais, ensejando a frustra- 5 ção das partes e uma in- 2 contestável insegurança ^ jurídica. Nos poucos ca- q sos cm que foi utilizada com sucesso, a demora para alcançar uma deci são final desencorajava as partes, como ocorreu no caso do Espólio Henri que L/\ce versus União Federal, que transitou nos tribunais por mais dc um quarto dc século para que o julgamento arbitrai pudesse ser executado.'’’ Agora, aos poucos, de terminados contratos co merciais passaram a sub meter os eventuais con flitos das partes à arbitra-
A doutrina tem, aliás, reconhecido que, decorridos quatro anos, há uma balanço positivo da nova legislação de arbitragem no Brasil.
C) A (nconstitucionalidade suscitada no Supremo Tribunal Federal ÍS)
A questão da constitucionalidade da lei de arbitragem foi suscitada pelo eminente Ministro Sepül\'EDa Perten ce em relação aos artigos 6 § 1-, 7 e 41 da lei de arbitragem que têm, respectivamente, a seguinte redação: ‘M/t. 6^. Não havendo acordo prévio sobre a fonna de instituira arbitragem, a pane interessada manifestará a oíítraparte sua nitenção de dar mício a arbinagem, por viapostalou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimeiito, convocandoapara, em dia, hora e local certos, finnar o compro misso arbitrai
Parágrafo único. Não comparecendo a parte convocada ou. compare cendo. recusar-se a ifrmar arbitrai % u. 0 compromisso poderá a outra parte pro por a demanda de que trata 0 artigo 2d desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julga mento da causa.
X — X - X
Art. A. .fxistindo cláusu[a rnmpromissória e ha vendo resistência quanto a instituição de arbitra gem. poderá a parte inte ressada requerer a citacão da outra parte pa_ra çomiuízo aifm de gem e organizaram-se, cm vários centros, enti- A vida moderna náo mais permite que dades especializadas, que decidem as divergências de acordo com regras pi O mesmo se pode dizer em conflitos levem anos para serem resolvidos parecer em lavrar-se o compromissOj_ designando o juiz audiência especial para talfhnbjeto da arbitra-
●ecstabelecidas e com relativo sucesso. relação às arbitragens interaumentando, especialmente na
§1~. O autor indicará, comprecisão, o o gem, instruindo o pedido com o documento que contiver a cláusula compromissória.
§ 2'. Comparecendo as partes a audiência, ojuiz tentará, previamente, a conciliação acerca do litígio. Não obten do sucesso, tentará o juiz conduzir as partes a celebração, de comum acordo, do compromisso arbitrai
Acresce que numerosas agencias têm competência para resolver por arbitragem os eventuais conflitos que vierem a surgir entre as concessionárias.'*’’Por outro lado, projetos de leis e de organização de mercados também incluem a previsão de arbitragem para solução dos conflitos de modo facultativo, como é o caso dos textos elaborados para a reforma das Leis das S.A. e das Socie dades por Quotas de Responsabilidade Limitada.*'’ e seu
§ 3~. Não concordando as partes sobre os termos çh compromisso, decidirá o juiz, após ouvir o reu, solm conteúdo, na própria audiência ou no praz.ode dez dia^ respeitadas as disposições da cláusula compromissória e atendendo ao disposto nos artigos lQe21, _§2~-^desta [ej4~. Se a cláusula compromissória nada dispuser sobre nacionais que estão C.C.I. (Câmara de Comércio Internacional), sediada em Paris e na Associação Americana de Arbitragem nos Estados Unidos.
a nomeação de árbitros, caberá ao juiz, ouvidas as par tes, estatuir a respeito, podendo nomear árbitro único para a solução do litígio.
§ 5^. A ausência do autor, sem justo motivo, a audiência designada para a lavratura do compromisso arbitrai, importará a extinção do processo sem julgamento de mérito.
§ 6^. Não comparecendo o réu à audiência, caberá jui,z, ouvido 0 autor, estatuir a respeito do conteúdo do compromisso, nomeando árbitro único.
§ 7^. A sentença que julgar procedente o pedido valerá como compromisso arbitrai
x-x-x
Art. 41. Os artigos267, inciso VII; 301IX; e584, inciso III, do Código de Processo Civil passam a ter a seguinte redação:
Art. 267 VII—pela convenção de arbitragem.
Art. 301 IX- convenção de arbitragem.
Art. 584
III — g sentença arbitrai e a sentença homologatória de transação ou de con ciliação. ” (grifo nosso)
II. O VOTO DO MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE
Ao apreciar o Agravo Regimental em sentença estrangeira n^ 5206-7, oriunda da Espanha, o Ministro Sepúl veda Pertence suscitou a inconstitucionalidade dos art. (2 § único e 7^ da lei de arbitragem. Entendeu S. Exa. que estaria a ferir a Constituição a possibilidade de execução específica da obrigação de fazer (firmar o compro misso arbitrai), se necessário provimen to judicial substitutivo da manifesta ção de vontade da parte recalcitrante.
imposição da arbitragem, pelo legislador, contra a von tade das partes, ou seja inexistindo convenção válida de arbitragem, que, na forma da lei, abrange tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitrai.
Entendeu S. Exa. que a arbitragem se caracteriza pela consensualidade e que esta deve abranger a totalidade dos pontos essenciais do ato jurídico. Lembrando que está superada a fase na qual se entendia que todas as obriga ções de fazer se resolvem necessariamente em perdas e danos, reconheceu que tal regime somente deveria ser aplicado às chamadas obrigações de prestação personalís sima infungível, não abrangendo, pois, a obrigação de manifestação de vontade.
Arenúncia das - partes a submeter o litígio ao Judiciário é válida, no caso do compromisso
No seu voto, invocou a lição de Alcides Mendonça Lima, de acordo com a qual a garantia constitucional da apreciação, pelo Poder Judiciário, de toda lesão de direito não permitiría o recurso à arbitragem, lembrando, toda via, que tal posição ficou sendo minoritária, não a tendo acompanhado nem a doutrina, nem a jurisprudência, e citando neste sentido o precedente do Supremo Tribu nal Federal no caso do Espólio de Henrique Lage e União Federal. (RTJ 67/383) invocado a lição do direito outros contra a Em seguida, após estrangeiro, concluiu que:
Lembra, ainda, que a discussão suscitada no passado, partindo do texto do artigo 1006 § 12 do Código de Processo Civil de 1939, foi no sentido de considerar inconstitucional a execução específica da cláusula compromissória que não tivesse todas as condições do compromisso arbitrai. De senvolvendo o seu raciocínio, S. Exa. resume a evolução do nosso direito pro cessual, referindo-se ao advento do Có digo vigente, que tratou da matéria no seu artigo 639, nos seguintes termos: "Art. 639. Se aquele que se comprometeu a concluir um contrato não cumprir a obrigação, a outra parte, sendo isso possí vel e não excluído pelo título, poderá obter uma sentença que produza o mes mo efeito do contrato a ser firmado. ” Assinala, em seguida, o eminente Ministro, que o mencionado artigo é a fiel tradução ao art. 2932 do Código Civil Italiano e que, mesmo na Itália, com base no art. 810 do Código Pro cesso Civil, admitiu-se a execução in natura da cláusula compromissória. Neste sentido, conclui S. Exa. "a lacuna estaria suprida pelos artigos 6e7 da nova lei de arbitragem."
De passagem, esclarece, ainda, que a renúncia das partes a submeter o litígio ao Judiciário é válida, no caso do compromisso, por já existir litígio determinado, razão pela qual entende ser válida a escolha de outro modo de solução de conflito. Todavia, tal situação, no seu entender, não ocorre no caso da cláusula compromis sória por não existir ainda “lide determinada e concre tizada”.
Conclui, assim, a parte do voto referente à cláusula compromissória afirmando que:
"O que g Constituição não permite à [ei ^é vedar o acesso ao Judiciário dg lide que uma das pgrtes lhe quisesse submeter, forçando-a a trilhar a via alternativa da arbitragem. ”
Na realidade, o entendimento do Ministro, neste primeiro aspecto, foi no sentido de não se admitir a ter
"Sendo a vontade da parte, 7nanifestada na cláusula compromissória, insuficiente - dada a indetenninação do seu objeto - e, pois, diversa da necessária a compor o consenso exigido hformação do compromisso, permitir o suprimento judicial seria admitir a instituição de um jíiízo arbitrai com dispensa da vontade bilate7‘al dos
litimntes, que, só ela, lhe pode emprestar legitimidade constitucional: entendo nesse sentido a lição de Pontes (ob. cit., XV/224) de que fere o principio constitucional invocado - hoje, art ^ XXX,V da Constituição - atri buir, ao compromisso que assim se formasse por provi mento judicial substitutivo do assentimento de uma das partes, 'eficáciafora do que é a vontade dosfigurantes em se submeterem \
Não posso fiugir, desse modo, à declaração da inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 6^ e do art. 7® da Lei de Arbitragem e, em conseqüencia, dos outros dispositivos qiie delas derivam, isto é, no art. 41, da nova redação dada aos arts. 267, VII, e 301, IX, do C. Pr. Civil (que estendem a qualquer modalidade de con venção de arbitragem - e, pois, h hipótese de simples cláustda compromissória - a força impeditiva da cons tituição ou da continuidade do processo judicial sobre a mesma lide objeto do acordo arbitrai, 0 art. 42, que acrescenta um novo inciso, n° VI, ao art. 520 C. Pr. Civil para incluir no rol dos casos de apela ção com efeito só devolutivo, o da interposta contra a sentença 'que jul gar procedente o pedido de instituição de arbitragem \"
No fundo, no seu voto, o eminente Ministro Sepúlveda Pertence inter pretou o art. 5^, XXXV da Constitui ção como admitindo a renúncia pelas partes do acesso do Poder Judiciário, no caso de um conflito já existente, mas não no tocante a litígio futuro determi nado ou determinável. Concluiu, pois, que se o litígio não tivesse ocorrido no momento em que as partes submete ram as suas divergências à arbitragem, não poderia haver execução específica na forma do art. 7° da Lei.
Odireito
direitos apreciados pelo Poder Judiciário e não como um dever de submeter os eventuais conflitos ao mesmo. No mencionado parecer, dado no presente processo (SE n^ 5.206), o Ministério Público reconheceu que o texto constitucional:
"Não deteTrmina que os interessados devem sempre levar ao Judiciário stias demandas. Se se admite como lícita a transação relativamente a direitos substanciais objeto da lide, não se pode considerar violência à Constituição abdicar do direito instrumental de ação através de cláusula compromissória. E, em se tratando de dtieitos patrimoniais disponíveis, 7ião somente é lícito e constitucional, mas é também recomendável aos interessados - diante do acúmulo deprocessos e do formalismo excessivo que têm gerado a lentidão das demandasjudiciais - abdicarem do direito ou dopoder de ação e buscarem a composição do conflito por meio da sentença arbitrai cujos efeitos se jam idênticos àqueles das decisões prolatadaspelo PoderJudiciário ”. (fls 91 do Proc. SE 5-206).
contemporâ neo dispensa o compromisso arbitrai, quando existe cláusula compromissória válida
Cabe salientar que o voto, todavia, não nega vigência ao art. 5^, que delega a formulação das regras e o procedimento da arbitragem a entidade especializada em relação a litígio futuro. Talvez tenha entendido o eminente Ministro que, no caso do art. 5°, houve uma delegação voluntária e expressa que, embora prévia, seria v^ida, o que não aconteceria na hipótese do art. 7^.
III. 0 VOTO DO MINISTRO MAURÍCIO CORRÊA
Posteriormente, em 20.5.1999, no processo de ho mologação de Sentença Estrangeira n° 5.847-1, oriun do do Reino Unido, o Ministro Maurício Corrêa também teve o ensejo de apreciar a matéria, divergindo, todavia, do voto do Ministro Sepúlveda Pertence.
Inicialmente, lembrou o parecer da Procuradoria Geral, firmado pelo Dr. Geraldo Brindeiro, que interpretou o inciso XXXV do art. 5- da Constituição como sendo um direito de cada cidadão de ver os seus
Em seguida, o Ministro Maurício Corrêa resume o entendimento do Mi nistro Sepúlveda Pertence, salientando que S. Exa. não admite a execução espe cífica da cláusula compromissória pois a mesma:
‘'não expressaria a vontade bilateral das partes, implicando renúncia ge nérica de objeto indefinido. ” Rebatendo este argumento, lembra o Ministro Maurício Corrêa que a lei que dispõe sobre a arbitragem prestigia a autonomia da vontade e mantém o controle a posteriori do Po der Judiciário. Acrescenta que, em vez de ser indefinido o objeto do eventual litígio previsto em cláusula compromis sória, o mesmo se caracteriza por ser determinável, abrangendo as questões litigiosas que podem surgir virtude da execução de um contrato ou da aplicação de cláusulas do mesmo.
Após citar os tratados internacionais aos quais o Brasil aderiu, bem como, a melhor doutrina, desde Clóvis BevilAqua, lembra o Ministro MaurÍCIO CorrÊA que a legislação civil e processual admite a execução específica das promessas de compra e venda
Em seguida, esclarece que o direito contemporâneo dispensa o compromisso arbitrai, quando existe cláusula compromissória válida, razão pela qual as leis mais recentes se referem à convenção de arbitragem, termo mais genérico, que abrange tanto o compromisso arbitrai quanto a cláusula compromissória, terminologia que é também adotada na Lei n° 9.307, no seu art. 3".
Finalmente, conclui refutando a alegação de inconstitucionalidade da regulamentação dos efeitos da cláusunova
la compromissôria afirmando peremptoriamente que:
“Na execução da cláusula compromissôria o juiz não substitui a vontade das partes, mas a concretiza. ”
IV. 0 VOTO DO MINISTRO NELSON JOBIM
O voto do Ministro Nelson Jobim esclareceu bem a matéria, fazendo-a oportuna distinção entre cláusulas compromissórias cheias e vazias (ou “em branco”) e salientando que só existe convenção de arbitragem em relação a divergências referentes a contrato específico, nos precisos termos do art. ÓP da Lei.
Em seguida, afirmou que a ação prevista no art. 7“ não se aplica ao caso no qual há prévio acordo sobre a forma da arbitragem, seja em virtude de definição da mesma pelas partes, seja em decorrência da aplicação de regulamento de entidade especializada, à qual se atribui competência para realizar a arbitragem.
Salientou o voto que a consensualidade ocorre no momento em que é estipulada a cláusula compromissôria, abrangendo eventuais conflitos futuros determináveis porque decorrentes da execução de um contrato específico, ou de uma ou algumas das suas cláusulas.
Concluiu que ao Juiz caberá, em cada caso, verificar a disponibilidade dos interesses litigiosos, assim como a inexistência de vício da vontade, para que possa ocorrer a arbitragem. Não há, assim, renúncia abstrata à jurisdi ção, pois não se admite cláusula compromissôria pura, autônoma ou absoluta, fora do âmbito específico de um contrato.
do dúvida quanto à própria validade da cláusula compromissôria, por entender que nela ainda está inde finido - mas na realidade é determinável - o seu objeto e ainda não ocorreu o conflito, dessa sua argumentação não extraiu, de modo exaustivo, todas as conseqüências práticas para fins de declaração de inconstitucionalidade. Tanto assim, que não discute a constitucionalidade da cláusula compromissôria em si (como poderia discutir a execução específica da promessa de compra e venda), mas tão-somente a sua complementação, pelo Poder Judici ário, quando nela faltam alguns elementos do compro misso arbitrai. E, por outro lado, ao considerar inconstitucional o art. 41, abrange os conceitos de cláusula compromissôria cheia e vazia, que deveriam ter tratamento distinto, mesmo no seu entender e de acordo com as suas próprias conclusões.
Aconvenção , do Panamá esclarece que as partes podem nomear os árbitros ou delegar a sua designação a terceiro
Assim sendo, nenhuma inconstitu cionalidade vislumbrou na lei da arbi tragem como meio de resolver os con flitos de interesses em relação a direitos disponíveis oriundos de contratos, quando livremente pactuada a cláusula compromissôria, desde que não haja vedação ou restrição expressa da lei.
V. 0 REAL SENTIDO DAS OBJEÇÕES LEVANTADAS
Após o exame dos três votos, conclui-se que, na realidade, a objeção suscitada no voto de Ministro Sepúlveda Pertence não se refere - como aliás por ele reconhecido - à existência do próprio sistema de arbitra gem, como solução alternativa dos conflitos. Também não se insurge o ilustre magistrado contra o reconhe cimento da validade da cláusula compromissôria, discu tindo tão-somente as chamadas cláusulas vazias ou em branco, nas quais as partes não previram o sistema ou regime de acordo com o qual a arbitragem deverá ser realizada.
Efetivamente, é interessante salientar que S. Exa. não impugna a constitucionalidade do art. 5^, que admite a cláusula compromissória em virtude da qual as partes delegam a uma entidade especializada a fixação do regime de arbitragem e até a sua execução. Esclarece o menciona do artigo que:
‘Art. 5^. Reportando-se as partes, na cláusida compromissôria, às regras de algum órgão arbitrai institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída eprocessada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláu sula, ou em outro documento, aforma convencionada para a instituição da arbitragem. ”
Ao que parece, a inconstitucionalida de vislumbrada por S. Exa., em relação ao art. 7® da Lei n^ 9.307, decorre do fato de nele admitir-se que o regime da arbitra gem seja fixado judicialmente, embora nada impedisse contratantes de convencionar, na cláusula compromissôria, a adoção de um regime de entidade especializada. Assim, a existência de cláusula compromissôria deveria poder extinguir o processo tanto no caso da existência de com promisso arbitrai como na hipótese de cláusula compromissoria cheia. Não haveria, pois, razão para discutir a constitucionalidade das modificações introduzidas CPC pelo art. 41 da Lei n^ 9.307, desde que desse que a convenção de arbitragem exclui a chamada cláusula vazia ou em branco.
os
Embora o eminente Relator tenha, incidentertantum, tanto no seu voto quanto na discussão posterior, suscitano se entenllMAIO-JUNHO-2001
Na interpretação sistemática dos artigos 5^, CP, 7^ e 8^ da lei de arbitragem, verifica-se que: a) se houver referência, na cláusula compromissôria. às regras de um órgão arbitrai institucional mi enridade especializada, a mesma poderá indicar a sede da arbitragem e o presidente do tribunal arbitrai, (ou o árbitro único) se a primeira £a sede) não tiver sido
fixada pela partes e o segundo {o presidente) não puder ser escolhido pelos dois co-árbítros indicados pelos litigantes (art. b) se não houver acordo prévio das partes sobre a forma de instituir a arbitragem (excluindo-se pois as hipó teses do art. 5“), uma das partes manifestará, à outra, a sua intenção de realizá-la (art. 6^) e, no caso de recusa, caberá a ação de instituição de juízo arbitrai prevista no art. 7^; c) se houver previsão do regime aplicável na forma do art. 5^, não se aplicam nem o art. 6^, nem o art. 7^ e, de acordo com o art. 8^, submeter-se-á a discussãoe inclusive a recusa de uma das partes de aceitar a arbitragem - à entidade especializada que tem com petência para decidir a matéria, pois o respectivo § único esclarece que:
‘'Art. 8°
Parágrafo único. Caberá ao árbitro decidir de oficio, ou por provocação das panes, as qtiestões acerca da exis tência, validade e eficácia da conven ção de arbitragem e do contrato que contenha a clátmila compromissôria. "
Ora, tanto os tratados internacio nais aos quais o Brasil aderiu (Proto colo de Genebra, Convenção do Pa namá), a jurisprudência que os inter pretou (Resp. n^ 616-RJ - Revista do Superior Tribunal de Justiça, vol. 37, p. 263), assim totalidade das entidades especializadas em arbitragem (art. CP das Regras da CCI) consideram que basta, para que haja arbitragem, que as partes ^ te^ nham obrigado a realizá-la, seja medi ante compromisso arbitrai, seja medi ante cláusula compromissôria, defi nindo adequadamente o seu objeto que só pode ser direito patrimonial disponível.
Adelegar à entidade especializada, na forma do art. 5^, cujaconstitucionalidade foi reconhecida implicitamen te, ou seja, a contrário sensu.
No fundo, trata-se de saber se, no silêncio das partes, a lei pode incumbir o Juiz de manifestar a vontade presumida das partes. Pelas conclusões do Ministro Sepúlveda Pertence, que prevalecem sobre os argumentos apresentados obiter dictum, verifica-se que o que discute não é, pois, a garantia constitucional do art. inciso XXXV, nem mesmo a atribuição dada ao Poder Tudiciário de apreciar qualquer lesão de direito, mas, tão somente, a possibilidade do juiz decidir matéria essencialmente delegável. sem que haja menção expressa na cláusula compromissôria no sentido de dar-lhe essa incumbência, ou seja, sem mandato das partes.
Constituição
Este poder concedido ao Juiz de complementar a vontade das partes tem sido admitido pela jurisprudência quando, num ins trumento, há algumas lacunas que não são substanciais, ou quando as partes se referem às praxes comerciais e aos usos e costumes e se torna necessário definilos adequadamente, em virtude de di vergência dos contratantes.
Assim, por exemplo, a Convenção do Panamá, à qual o Brasil aderiu pelo Decreto Legislativo n^ 90, de 1995, esclarece que as partes podem nomear os árbitros ou delegar a sua designação a terceiro e que, no silêncio das partes, a arbitragem será efetuada de acordo com as normas da Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial, (art. 2^ e 3®).
Por sua vez, a CCI, nas suas regras, estabelece que no silêncio das partes, lhe cabe fixar a sede da arbitragem (art. 14) e, na falta de acordo das partes, nomear o árbitro único ou o Presidente do Tribunal (árbitro desempatador), art. 6- e 9^ do Regulamento de Arbitragem da CCI.
Não sendo inconstitucionais a Convenção do Pana má e o Protocolo de Genebra, nem os artigos 5^ e 8- da lei de arbitragem, chega-se à conclusão que a tese do Ministro Sepúlveda Pertence se limita a negar ao Juiz, no caso do art. 7-, a atribuição que as partes podem
Por outro lado, não nos parece que a matéria seja constitucional, abran gendo, no fundo, uma opção política do legislador ordinário tão somente nos casos em que a solução verse litígio de objeto indeterminado mas determinável, no futuro, e haja completa ausência de manifestação da vontade das partes quanto ao modo de realiza ção da arbitragem.
Aliás, o direito comparado nos ofere ce soluções na matéria, que justificam a tomada de posição do legislador brasi leiro e afastam, por completo, a discussão constitucional.
VI. 0 DIREITO COMPARADO
Italiana de 1948 consagra o direito de que todo cidadão pode recorrer à Justiça para salvaguardar os seus direitos as regras da quase como nossa
É interessante notar a posição do direito estrangeiro em matéria de execução compulsória das chamadas clausulas compromissórias em branco ou vazias, também chamadas patológicas, nas quais não há previsão de regime arbitrai aplicável. Para evidenciar que a matéria não é constituci onal, compararemos várias legislações próximas da e todas inspiradas nos mesmos princípios constitucionais, dando maior ênfase à italiana, à francesa e à alemã, sendo que a primeira foi a única na qual a questão constitucional foi suscitada, tendo, aliás, sido repelida a argüição de inconstitucionalidade.
A) 0 Direito Italiano
No direito italiano, admite-se a execução compulsó ria da cláusula compromissôria, independentemente MAIO-JUNHO-2001
de qualquer previsão das partes, cabendo à autoridade judiciária nomear o árbitro. É o que determinam os artigos 809 e 810 do Código de Processo Italiano, com a redação que lhes deu a Lei n-5, de janeiro de 1994, nos seus artigos 4- e 5-, aliás lembrados no voto do Ministro Sepúlveda Pertence.
Quanto à parte que nos interessa dispõem os menci onados artigos que:
“Art. 809. Numero e modo di nomina degli arbitri
Gli arbitripossono essere uno o piu, purche in numero dispari.
Il compromesso o la cLausola compromissoria deve contenere la nomina degli arbitri oppiire stabilire il numero di essi e il modo di nominarli.
In caso di indicazione di un numero pari di arbitri, lulteriore arbitro, se leparti non hanno diversa^nente convenuto, é nominato dal presidente dei tribunale 7iei modi previsti dalVarticolo 810.
Art. 810. Nomina degli arbitri.
nosso legislador constituinte desde 1946, com a finalida de específica de impedir que a lei vedasse o acesso do cidadão à Justiça.
Efetivamente é o caso da Constituição italiana de 1948, que continua em vigor e que consagra o direito ao acesso à justiça, ao preceituar, no seu artigo 24, que todo cidadão pode recorrer à justiça para salvaguardar os seus direitos e interesses legítimos:
'Tutti possQ-rw ãçire _in çiiiciizin per [a tutela dei propri diritti e iuteressi lepittimi. ’
A respeito, analisando as convenções pariicularesno sentido dederrogar a jurisdição estatal - Llk.i Paoi.o CO.MOC.LIO, ao comentar a Constituição Italiana, con clui pela existência de limites externos ao direito de ação. E esclarece:
“Ve, anzitutto, In tenclenza a d imerire uella
Qtiando a norma dei compromesso o delia claiisola compromissoria gli aribitri debbono essere nominati dalle di esse, con atto con o statutarie, relativa.
parti, ciascunanotiifcato a mezzo di ufficiale giudiziario, può rendere noto aWaltra Varbitro 0 gli arbitri che essa nomina, con invito aprocedere alia designazione dei propri. La parte, alia quale è rivolto 1’invito, devenotificare, nei ventigiorni successivi, le generalità delVarbitro o degli arbitri da essa nominati.
giurisdizione condizionata, intesa lato sensu, anche ie ipotesi di deroga convenzionnle alia giurisdizionestatuale, in ciu hautonomia contrattuale privata co)iifgura, clausole compromissorie 1'improponibilita asso luta deWazione giudiziaria, dando vi ta afor me alternative di giustizia arbitrale.
artigo 25 do texto
constitucional italiano assegura que toda pessoa tem direito ao juiz natural designado pela lei
In mancanza, la pane che ha fatto Vinvito può chiedere, mediante ricorso, che la nomina sia fatta dalpresidentedel tribunale nella cui circoscrizione è (g sede dellarbitrato. Se lepani non hanno ancora determinato tale sede, il ricorso è presentato al presidente dei tribunale íiel luogo in aii è stato stipulato il compromesso o il contratto al quale si riferisce la clausola compromissoria opptire, se tale luogo è alléstero, al presi dente dei tribunale di Roma. Ilpresidente, sentita, quando 1’altra parte, provvede com ordinanza non
Ora, mentre nellarbifato irrituale, piu chederogarealia competenza deWautorita giudiziaria, si devolve a terzi una nuova regolamentazione contrattuale dei rapporti interpanes, nelVarhitmto ritualela deroga esiste, maelegittimata 'da un regnlamento dei diritto di azione, valido nel limite in cui su questo diritto U volontà singola opera ejifcacemente’. La possibilita di disporre dell’azione ‘anche in senso nega tivo ’ compreende, quindi. U facolth di imporre restrizioni negoziali gl suo esercizio, come risultato di una ‘libera
scelta delle panV.
Assim, são reconhecidas, no direito italiano, como válidas as convenções particulares para afastar a jurisdi ção estatal, em face da livre escolha das partes, inseridas nas hipóteses “di deroga convenzionale alia giurisdizione statuale”, como conseqüência do princípio de autono mia da vontade. oceorre, impugnabile.
La stessa disposizione si applica se la nomina di uno o piu arbitri sia dal compromesso o dalla clausola compromissoria demandata all autoritagiudiziaria o se, essendo demandata a un terzo, questi non vi abbia
Por outro lado, o artigo 25 do texto constitucional italiano complementa a garantia ao acesso à Justiça, assegurando que toda pessoa tem direito ao juiz natural designado pela lei.
É interessante notar que, contrariamente ao que afirsaudoso Professor Alcides Mendonça Lima, essere mava o referido no voto do Ministro Sepúlveda Pertence, várias constituições contêm dispositivos análogos ao consagrado pelo inciso XXXV do art. 5^ da nossa cons tituição vigente, que reiterou posição já assumida pelo
“Nessuno può precostituito per legge. ”
distolto dal giudice natiirale provveduto. ”
A aplicação desse princípio é ampla, incidindo no processo penal, civil e administrativo e tributário, mas o princípio do juiz natural é uma garantia do cidadão, que lhe não pode ser retirada pelo poder público, mas que não impede a sua opção pela arbitragem.
Vezio Crisafulli e Lmo Paladin, em seu “ Commentario Breve alia Costituzionè' asseveram, ao analisar a doutrina e a jurisprudência italiana:
“La dottrina e buonaparte delia ^urispnidenza ordinaria hanno acereditato tina lettura intransigente deWart. 25. CO. 1^, volta a vallorizzarne la doppia valenza garantistica; anzitutto nei conjrontti delle parti processuali, cui si vogliono assicurare, con la precostituzionedeWorgano^udicanteeVimmodificabilità ex post delia competenza, legarantie ‘di obiettività e di imparzialita di giudizio’ (Corte cost. 117/1973); na poi anche nei conjronti dello stessogiudice (v sub. artt. 101, 105, 107) chesivorrebbemessealriparo, speciein periodi diforte contrapposizionepolitica allmtemo delia magistratura, da tentativi di sottrazione delia ‘sua’ causa. ” (p. 25)
Assegura-se, desse modo, a indicação por parte da lei do órgão jurisdicional competente, para que não haja modificação posterior que possa comprometer a objetividade e imparcialidade do julgamento.
AA invocação, no direito italiano, dos princípios constitucionais do juiz na tural (art. 25), bem como da garantia do direito de ação para defesa de direi tos e interesses legítimos (art. 24), e a interpretação da proibição de juizes especiais ou extraordinários (art. 102), contudo, nunca levaram à conclusão de inconstitucionalidade da lei de arbi tragem. Ao contrário, essa possibilida de de solução de litígios sempre foi aceita como válida, dentre outras hipó teses de alternativas em face da jurisdi ção estatal, ró ^ vedando a arbitragem compulsória ou seja imposta às partes contra a sua vontade, sem que tenha havido cláusula compromissória (Sen tença 127, de 1977 da Corte Constitucional Italiana).
B) O Direito Francês
tribunal de grande instance designe le ou les arbitres. Toutefois. cette désignation estfaite par le président du tribunal de commercesi la convention Va expressément prévu.
Si [a clause compromissoire §n soit manifestement nulle, soit instijfisantepourpermettre de constituer de tribunal arbitrai le président le constate et déclare ny avoir lieu a désignation. ”
A jurisprudência francesa admite amplamente a delega ção da fixação do regime arbitrai a entidades especializadas, entendendo que, adotadas pelos contratantes as suas re gras, estão satisfeitas as exigências da alínea 2 do art. 1443. Por outro lado, no caso de recusa de uma das partes a designar o árbitro, na forma prevista pela cláusula compromissória (se a indicação lhe couber), o juiz fará a nomeação funcionando como catalisador da arbitragem, exercendo uma função de “ assistência à arbitragem”.
Ao contrário, será nula a cláusula compromissória se alternativamente:
a) não indicar os árbitros;
b) não delegar a terceiro a sua designa ção ou não esclarecer o modo pelo qual deverão ser designados;
o que parece, na Alemanha, nenhum problema constitucional foi suscitado quanto à validade da cláusula compromissória re-
É verdade que posição distinta é assumida pelo legis lador francês, que só admite a execução específica de cláusula de arbitragem vazia ou branca (em oposição à cláusula cheia) quando as partes previram a nomeação de árbitro. É o que deflui dos artigos 1443 e 1444, que têm a seguinte redação:
“Art. 1443. La clause rnmpromissoire doit, à peine de nullité. êtrestiptãéeparécritdans la conventionprincipale ou dans un document auquel celle-ci se réfre.
Sous la même sanction, la clause compromissoire doit soit désigner le nu les arbitres, soitprévoir les modalités de leur désignation.
An. 1444. Si, lelitigené, laconstiuitiondumbunalarbitrai se heurte à une diffiadtédufaitde lune desparties ou dans la mise en oetivre des modalités de dêsignation, leprésident du
c) não escolher o regime (regras e modo de indicação dos árbitros) de uma instituição especializada;
d) não prever a nomeação do árbitro pelo juiz. Não se caracterizando nenhuma das hipóteses supra mencionadas, a arbi tragem não poderá ocorrer, não por inconstitucionalidade, mas por falta de elementos que permitam a sua alização.
C) O Direito Alemão
No direito alemão existe legislação (a Lei de Arbitragem de 22.12.97), que foi introduzida no Código de Processo Civil (ZPO), constituindo o seu 10^ livro. De acordo com a nova lei, a competência do Poder Judiciário para fixar o regime aplicável, no caso das cláusulas vazias, prevalece, salvo quando tenha sido convencionada expressamente tra solução pelas partes.
Na realidade, há no direito alemão, duas regras distintas. A primeira aplicável na falta de previsão das partes, que consiste na indicação do árbitro pelo juiz (art. 1035, 3). A segunda se refere ao caso no qual existe previsão de um regime que, por qualquer motivo, se tornou inaplicável, caso no qual cabe ao juiz proceder à nomeação, salvo se as partes tiverem previsto solução (art. 1035, II). É o seguinte o texto dos menci onados artigos, na sua tradução francesa:
“En labsence ddccordsur laprocédure de nomination de 1’arbitre ou des arbitres, un arbitre uniquej, si les parties ne peuvents’accordersur lechoixde Varbitre, estnommé, sur ° MAIO-JUNHO-20oV[ ououtra
as
k demande d uneparãe. parle tribunal Encasddrbitrage par trois arbitres, choque partie nomme un arbitre et les deux autres arbitres ainsi nommés choisissent le troisiéme arbitre qui agira em qualité de président du tribunal arbitrai Si une partie ne nomme pas un arbitre dans un délai dun mois à compter de la réception d une demande à cette fin émanantde Vautrepartie, ou si les deux arbitres ne s 'aceordentpas sur le choix du troisiéme dans un délai dun mois à compter de leurdésigtation, lanominationest ^ectuée, sur U demande dunepartie. par U tribunal Lorsque, durant uneprocédure de nomination convenue par les parties, une partie n agit pas conformément à ladite procédure, ou les parties, ou deux arbitres, ne peuvent parvenir a un aceord conformément à ladite procédure, ou un tiers ne saequittepas dunefonction qui lui est conférée dans ladite procédure, lune ou Vautrepartiepeutprierle tribunal deprendrela mesure voulue, à moins que le convention de nomination ne stipule ddutres moyens ddssurer cette nomination. " De qualquer modo, para o direito alemão, impõe-se a exdnção do processo judicial intentado por uma das partes contra a outra, quando existe convenção de arbi tragem válida (abrangendo tanto o compromisso arbitrai quanto a cláusula compromissória, art. 1032), devendo partes recorrer exclusivamente à arbitragem.
Na Alemanha, ao que parece, nenhum problema constitucional foi suscitado quanto à validade da cláu sula compromissória.
D) Outras Legislações: Espanha, Argentina, Bélgica e Suécia
Análogas são as situações existentes em outras legislações que admitem a nomeação do árbitro pelo Juiz, na falta de indicação pelas partes ou de delegação a entidade especi alizada para este fim.
Assim, a Lei de Arbitragem espanhola (Lei n^ 36 de 5.12.1988) abrange, na convenção arbitrai, tanto a clá usula compromissória como o compromisso arbitrai, não distinguindo entre ambos (art. 5^). No caso de não indicação do árbitro ou de ausência, na cláusula compromissória, de definição do modo de designação do mesmo, poderá a indicação ser feita pelo Juiz (art. 38).
Também na Argentina se admite a nomeação de árbitro pelo Juiz, nos termos do art. 743 do Código Procesal Civil y Comercial de ia Nación, que tem a seguinte redação:
“An. 743. Nombramiento. Los árbitros seránnombrados por Ias partes, pudiendo el tercero ser designado por ellas, 0 por los mismos árbitros, si esuiviesen facultados. Si no hubiese acuerdo, /^/ nombramiente sjrá hecjjopor eljuez competente. ”
A lei belga de 19.5.1998, que modificou o Código de Processo {CodeJudiciaire Belge), dando nova redação aos seus artigos 1676 a 1723, admite amplamente a arbitra gem em todas as relações jurídicas determinadas nas quais a transação é viável. Por outro lado, exclui a competência do Poder Judiciário quando existe conven-
ção de arbitragem (abrangendo tanto a cláusula compromissória quanto o compromisso arbitrai).
No direito belga, no caso de falta de acordo das partes quanto à nomeação de árbitro, cabe ao Poder Judiciário fazer a sua indicação, salvo convenção con trária das partes. É o que consta do art. 1685,1 da Code Judiciaire Belge, que também se aplica em outros casos análogos, determinando o mencionado artigo que: “Art. 1685,1-Lorsqueles arbitres designés ou nommés conformément aux dispositions précédentes nombre pair, ils nomment um autre arbitre qui sera président du tribunal arbitrai A défaut ddccord entre eux, et sauf stipulation contraire des parties, il y est procédéparleprésident du tribunal depremiére instance statuant sur requête de la partie la plus diligente. Le présidentpeutêtresaisi aprés léxpiration dun délai dun mois hpartir de Idcceptation de la mission parle demier arbitre ou dès que ce d^aut ddccord a été constaté. ”
Também a recente lei sueca (SFS 1999:116) admite a utilização da arbitragem em todos os litígios atuais futuros, desde que determináveis (art. 1), podendo o Poder Judiciário suprir as eventuais falhas da convenção de arbitragem ou o inadimplemento das partes, nomean do o árbitro sempre que necessário (arts. 12 a 17).
E) Síntese do Direito Comparado
Pela lição do direito comparado, verifica-se, assim, que a matéria não tem relevância constittirinnal. ha vendo, no caso, uma opção do legislador, que poderá escolher entre a nulidade da cláusula compromissória branca ou vazia, ou a sua complementação pelo Poder Judiciário.
Trata-se, pois, de atribuir ao Juiz o poder de comple mentar a vontade das partes que, com a devida vênia, não decorre do art. 5®, XXXV da Constituição e é exercido, em vários casos, no direito estrangeiro e no direito brasileiro, para suprir cláusulas secundárias de um ato jurídico ou para reduzir a cláusula penal (art. 924 do nosso Código Civil). Trata-se de matéria infraconstitucional na qual o legislador ordinário pode, livremente, exercer as suas opções técnicas ou políticas.
A única vedação que pode decorrer da Constituição é referente à da imposição da arbitragem às partes, pela lei ou por outro ato, contrariando a vontade das mesmas, que importaria em restrição à sua liberdade de recorrer à Justiça e não em renúncia voluntária à mesma. Por outro lado, a lei pode estabelecer determinadas restrições ao uso da arbitragem, ou estabelecer maiores cautelas para a sua utilização, como ocorre no caso nos contratos feito com os consumidores (art. 51, VII) da Lei n2 8.078 de 11.09.1990)
VII. CONCLUSÕES
A inconstitucionalidade suscitada limita-se à discus são da validade das cláusulas compromissórias nas quais as partes nada previram quanto ao regime arbitrai, não
fazendo referência às regras de entidade ou organismo especializados.
Assim, sendo, reconhecida a constitucionalidade do art. 5^. o art. 41 da lei deveria ser interpretado conforme a Constituição, para o fim de considerar, nos arts. 267. yil, 301. IXe 584. III do CPC a cláusula compromissória cheia (de acordo com o art. como convenção de arbitragem válida tendo força impeditiva da constituição Qu continuidade do processo, mantendo-se. também, a atual redação do inciso VI do art. 520 do CPC. referente aos efeitos da apelação.
Talvez se possa concluir que, ao considerar inconstitucional o art. 41 da Lei de Arbitragem, o ilustre Ministro Sepúlveda Pertence entendeu que válido o art. 5^. somente caberia. em relação aos casos tratados no arç 4Ti a interpretação conforme a constituição - no sentido de excluir tão-somente a validade das cláusulas em branco - no caso em giie - e deveria ser mantida a atual redação do art. 42. dando-lhe o sentido adequado. Ou seja que a cláusula compromissória vazia ou em banco, por falta de elementos essenciais, não constitui conven ção de arbitragem, não tendo, consequentemente, os efeitos previstos no art. 41 da Lei.
Também não se discute o problema da arbitragem internacional, que tem normas próprias contidas em tratados aos quais o Brasil aderiu e cuja constitucionalidade não está sendo apreciada, além de ter sido admitida, mansa e pacificamente, por longo tempo, pela jurispru dência do Supremo Tribunal Federal.
Restringe-se, pois, a argüição de inconstitucionali- dade ao caso específico, cada vez mais raro, de escolha da arbitragem como solução generalizada de conflitos, sem que haja maiores esclarecimentos das partes quanto às regras que lhe serão aplicáveis, ou tocante à entidade cujo regulamento deverá incidir no processo de arbitragem.
Notas
(1) John Kennetii Galbraith, T]k Ag£ aí Londres. Edição do BBC. 1977.
(2) (3)
(4)
(5)
Peter Drucker. Uma Era Ar nr^ronrinuidadc. tradução brasileira, Riodejaneiro. Zahr Editores. 1970.
Jeremy Rifkin, I!i£ Ags of Access. Nesv York. Jeremy P. Tarcher/Putnam editor. 2000.
Alvin Toffler, a Emprc.sa Flexível, tradução brasileira. Rio de Janeiro. Record. 1985.
RTJ 68/383.
A ANEEL. a ANATEL e a ANP editaram a Resolução Conjunta n° 001/99. pelo qual aprovaram o Regulamento Conjunto de compartilhamento de infra-estrutura das áreas de energia elétrica, telecomunicações e gás e petróleo. pre\'endo a criação de um regulamento de arbitragem para a solução de eventuais conflitos surgidos em relação h matéria. A minuta de regulamento conjunto está em audiência publica promovida pelas três .agências. Espccificamcnte em relação ao setor elétrico, conforme artigos 4® e 18 do Anexo ao Decreto n“ 2.335, de 6 de outubro de 1997. a ANEEL tem competência para dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionários, permissionários. autorizados, produtores independentes e autoprodutores, entre esses agentes e seus consumidores, bem como entre os usuários dos reservatórios de usinas hidrelétricas.
As mesmas razões em virtude das quais se admitiu que as partes possam delegar a fixação do preço de um bem a um terceiro (art. 1123 do Código Civil), ou submeter o conflito de interesse a uma enddade especializada (art. 5^ da Lei de Arbitragem) justificam o recurso ao Juiz para complementar a manifestação das partes, conforme deci são do legislador, no caso da cláusula em branco, desde que suficientemente determinados ou determináveis o objeto do litígio e o modo de solução do mesmo. Se, ao contrário, não o forem, a cláusula é nula por efita de objeto definido, e não em vimide de inconsdtucionalidade da lei.
Acresce que, de um lado, nenhum motivo existe para que se considere a entidade especializada como sendo mais idônea do que o Poder Judiciário para fixar as regras da arbitragem e indicar árbitro. Por outro, pode o legislador estabelecer determinadas presunções juris tantum e dejure e até ficções jurídicas. No caso ia de presunção legal de delegação feita pelas partes Juiz, para nomear o árbitro, que poderia ser considerada válida, tratando-se, como vimos, de decisão política do legislador para fortalecer o recurso à arbitragem, no caso de lacuna da respectiva convenção.
Finalmente, é muito importante que, após a doutrie a jurisprudência dos tribimais locais^"^ o SuTribunal Federal se manifeste sobre a tratar-seao (10) na premo constitucionalidade da lei de arbitragem, a fim de evitar dúvidas que se manifestam e se multiplicam, não só em relação às chamadas cláusulas brancas ou vazias, em relação aos demais artigos da lei de arbitragem, nos seus aspectos nacionais e internacionais, em virtude de argüição de inconstitucionalidade suscitada.
mas ate Arnoldo Wald
Advogado, Projèssor Catedrático de Direito Civil da UERJ, Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia
em seu an. 20, determina que o Regimento Interno da ANP disponha sobre os procedimentos a serem adotados para a solução de conflitos entre agentes econômicos, entre estes e usu.ãrios e consumidores, com cnfãse na conciliação e no arbitramento. Observe-se que uma d,is cláusulas essenciais do contrato de concessão de gás e petróleo é a relativa às regras sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive a conciliação c a arbitragem
internacional.
(7) Art. 109 § 3® e art. 115 § 9®. do Anteprojeto de Lei das S.A (substituto Kandir) 46 do Anteprojeto de Lei das Sociedades por Quotas da Responsabilidade Limitada elaborado por Comissão presidida pelo Professor Arnoldo Wald. que se encontra cm fase de audiência pública.
(8) Pedro Batista Martins. O Poder ludiciário c a Arbitrág<rmi Quaiia 3231 da Lsi n® 9.370/96. in Revista de Dirrirn Rancário. vol. 9. p. 315. (1* parte) c vol. 10. p. 323 (2* parte).
(9) Luici Paolo CoMocLto in Branca - arts. 24-26,1981, p. 44.
(10) Pedro A. Batista Martins, no capítulo intitulado “Pseudo inconstitucionalidade do instituto” in Pedro A. Batista Martins, Selma M. Ferreira Lemes c Carlos Alberto Carmon, Aspectos Fundamentais da Lsi dfi Arbiiri’g9m. Forense. Rio de Janeiro, 1999.p. 15cseguintcseJoELDtAS Figueira JCnior. Ai~bi|F169fni.lliri}dÍfaQ c Execução. Revista dos Tribunais. São Paulo, 1999, p. 166 c seguintes.
(11) Acórdão da 5* Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, de 16.9.1999. no Agravo de Instrumento 124.217.4/0 c da 3* Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, datado de 3.6.1998. proferido na Apelação Cível n® 254.852-9.
a cura di Giuscppe A Lei Geral de Telecomunicações (Lei n® 9.472, de 16/07/97). em seu art. 19, estabelece competir à ANATEL a atribuição de compor administtatK-amente conflitos dc interesse entre prestadoras de serviços de telecomunicações. Em relação ao setor de g.ís e petróleo, a Lei n® 9.478, de 6/8/97 (Lei do Petróleo),
Soberania x globalização
Olavo Setúbal
Engenheiro e banqueiro
Não parece haver, para o modo de produção da riqueza, outra forma que não o capitalismo José Arthur Giannotíi
Aum
soberania sempre foi um dos temas mis recor rentes no discurso político do mundo moder. no. Formalizada pelo Tratado de Vestfália, no final do século 17, o sentido que ela hoje possui resulta de um lento e conturbado processo histórico de elisão dos corpos sociais com jurisdições autônomas, de monopolização da força, de afirmação da lei positiva, de centralização administrativa e de institucionalização de padrão contratual de organização societária fundada no direito territorial e no princípio da legalidade.
Ao definir a soberania como um poder independente, supremo e exclu sivo, desde aquela época, os teóricos enfatizam suas principais característi cas, como a inalienabilidade, a incondicionalidade e a perenidade do poder. Os que o exercem, porém, ten dem a ser mais pragmáticos. Conscien tes da distância entre desejo e experiên cia, eles podem fazer da defesa da sobe rania o eixo de seus discursos e de sua
criação de uma instituição multilateral, a Liga das Nações, com a faculdade de impor sanções aos países que não cumprissem suas normas. O Senado norteamericano rejeitou a entrada dos EUA na liga e o Brasil fez parte dela por pouco tempo, tendo saído quando não foi incluído no Comitê Diretor. As elites dos dois países aplaudiram essas decisões.
Duas décadas depois, a Itália de Mussolini invocou a necessidade de “espaço vital” para justificar a conquista da Etiópia, um país pobre, sem recursos minerais e que não poderia dar suporte a qualquer projeto econômico. Pela primeira vez, desde sua criação, a Liga das Nações aplicou sanções à Itália. Mas fracassou, como também não conseguiu conter a Alemanha hitlerista.
A Itália de /A Mussolini invocou a necessidade de "espaço vital" para justificar a conquista da Etiópia ação. Mas conhecem as limitações pleno exercício da materiais para o soberania formal - e a história compro va esse juízo de fato. Vejamos alguns exemplos deste sé culo. Logo em seu início, em Haia, Rui Barbosa defendeu brilhantemente a igualdade das na ções soberanas, na tradição dos discursos universais apegados a fórmulas legal-liberais. Mas, cm suas me- embaixador inglês naquela conferência afir■ manifestações dele não passavam de “dislonguíssimos e insípidos”.
Horrorizado com a carnificina da Primeira Guerra Mundial (1914-18), o presidente Wilson propôs a monas, o mou que as cursos
Após a Segunda Guerra Mundial (1939'45), os aliados criaram a ONU, cujo poder executivo é exercido pelo Conselho de Segurança, composto por cinco nações com assento permanente e direito a veto, mais seis membros rotativos sem direito a veto. Desse modo, embora seja um órgão com poderes supranacionais, a ONU dife rencia os países mais poderosos dos demais.
Nos últimos anos, houve, no plano supranacional, uma grande expansão dos acordos de direitos huma nos. Exemplo disso foi o julgamento das imunidades do general Pinochet pela Câmara dos Lordes, no Reino Unido, como decorrência de um pedido de extradição feito pelo promotor espanhol Baltazar Garzón. Também convém lembrar que, meio século após o término da Segunda Guerra, foram reabertos
Surgiram firmas especializadas em avaliar o risco das empresas
financia o Brasil”. Seu sucessor. pedidos supranacionais de indenização por violação dos direitos humanos, dos quais a reivindicação feita aos Holoca
o melhor exemplo é bancos suíços pelas vítimas do usto. Quando foi comprovado que os recursos abandonados nesses bancos durante o nazismo repre sentavam um valor pequeno, as vítimas pediram e obtiveram indenização por danos morais no valor de USS 1,5 bilhão.
FMI, Japão não Bresser Pereira, após levar aos EUA a diretriz inicial para renegociação da dívida, foi informado, pela prensa, da nota emitida pelo secretário do Tesouro, classificando-a de “non start”.
Recentemente, a ÇÕes militares relevantes, das quais a mais conhecida ocorreu no Iraque, que até hoje está sob controle militar. A Otan (aliança militar liderada pelos EUA) interveio na Iugoslávia na mesma linha, em nome da proteção dos direitos humanos dos kosovares albanezes, que vinham sendo desrespeitados pelos séiMos. Ao fim de 78 dias de bombardeio, o governo iugoslavo capitu lou. Nas últimas semanas, aliás, o presidente Milosevic foi obrigado, por pressão internacional, a renunciar. É importante lembrar que, na Alemanha, o Partido Ver de, uma agremiação pacifista e que detém, no governo Schroeder, o Ministério das Relações Exteriores, apro-
ONU autorizou algumas interven-
Outro órgão do pós-guerra é a OMC (Organização Mundial do Comércio), encarregada de elaborar e aplicar as regras do comércio mundial. Sua importância cresceu na mesma proporção em que as transformações tecnológicas e a expansão dos mercados esvaziaram os projetos econômicos nacionais. Recentemente, depois de o Canadá se queixar à OMC que o Brasil subsidiava exportações da Embraer, nosso país foi condenado a pagar uma indenização. Antes da OMC, no regime da soberania “irrestrita”, os países podiam retaliar- restriçÕes. Como membro da OMC, o Canadá teve de solicitar autorização e viu seu pedido atendido em bases menores das que desejava.
vou essas intervenções.
Entre multilaterais do pós-guerra. os organismos destaca-se o FMI (Fundo Monetário Internacional), em cujo âmbito o poder decisório é proporcional ao capital subscrito por cada país. Dominado pelos países ricos, o FMI financia nações com dificuldades monetá rias. Algumas dessas ajudas são ilustrativas. Quando o Brasil declarou moratória parcial, no governo Sarney, o ministro Dílson Funaro foi ao Japão, tendo sido rece bido pelo primeiro-ministro, que o ouviu criticar o m, impassível disse: “sem acordo com o
No âmbito monetário, a situação é a mesma. Os EUA, a Europa e o Japão consolidaram a independên cia operacional de seus respectivos Bancos Centrais. Essa situação os levou a um convívio permanente 0 Tesouro americano e com outras instituições niultiBanco de Compensações InternacioBanco Mundial, o BID e os maiores bancos
aterais, como o nais, o particulares internacionais. A esse convívio deu-se o de Consenso de Washington; os valores por ele taxas de juros e de câmbio nome gerados hoje influenciam as do mercado globalizado.
Com o objetivo de institucionalizar esses valores, a União Européia criou um banco supranacional único e uma moeda comum, o euro, com o apoio de 11 dos 15 FMI. Ao fi
MAiO-JUNHO-20m IS
países-membros. Os governos dos outros países, pressi onados pelo sistema econômico, quiseram ingressar no euro. Mas foram impedidos por seus sistemas políti cos, como acaba de ocorrer na Dinamarca. Todos os quatro continuam integrando a União Européia e, portanto, permanecem submetidos às normas do Acor do de Maastrich, que, na verdade, é a codificação das normas aplicadas nos últimos anos pelo Consenso de Washington.
Com o prevalecimento do consenso surgiram firmas especializadas em avaliar o risco financeiro de empresas e de seus respectivos países, o que fez de seus relatórios e de suas classificações marcos importantes na definição das taxas de juros dos papéis financeiros emitidos no mundo inteiro. Tomando como premissa a sustentabilidade de um quadro macroeconômico bási co, essas agências mudaram por completo as bases de julgamento das ações econômicas dos Estados e passam a fazer uma distinção entre os papéis de “investment-grade”, que podem ser comprados por institui ções cujos objetivos não lhes permitem correr riscos, e os papéis de “noninvestment-grade”, que podem ser comprados por instituições dispostas a assumir riscos aceitáveis.
Os papéis emitidos no Brasil, têm sido classificados como
noninvestment-grade”; na América Lati na, só os papéis do México e do Chile são considerados “investment-grade”. Na Argentina, dá-se como certo que o principal objetivo da política econô mica do presidente Fernando de la Rúa é conseguir a classificação “investment-grade” para os papéis ar gentinos. Como na lógica dessas agên cias de “rating” os bancos não podem ter classificação superior à de seu país, há distorções. É o caso do Brasil, cujas empresas e bancos pagam juros bem maiores do que os bancos portugueses e espanhóis, cujos papéis têm o conceito “AAA”. Por isso o banco Itaú Europa, sediado em Lisboa e sob a jurisdição do Banco de Portugal, tem seus papéis classificados como “investment-grade”, o que já não Banco Itaú do Brasil, que tem seus acontece com o papéis classificados como “BB”, iguais aos do governo brasileiro.
forma de um “sistema-mundo” organizado por meio de amplas redes de relações econômicas, a sobera nia jurídico-formal, tão presente no discurso polí tico do mundo moderno, não tem a força persuasiva de antes. Por isso a dúvida á saber se é possível mudar esse quadro. Talvez a Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), que de algum modo pode regular o preço do petróleo, seja o único poder em condições de se contrapor ao Consenso de Washington.
Nesse cenário de responsabilidades descentralizadas e compartidas, em cujo âmbito a idéia de um Estado centralizado, fundado na noção de soberania exclusiva foi superada pelos fluxos de capitais e pelas tecnologias de comunicação, o governo Fernando Henrique gerenciou com pragmatismo a inserção do país, o que lhe permitiu enfrentar o ataque ao real por ocasião da crise da Ásia, em 1998, e a desvaloriza ção da moeda, em janeiro de 1999.
) ominado pelos países ricos, o FMI financia nações com dificuldades monetárias
As agências de “rating” são uma realidade do mer cado financeiro. Embora suas decisões firam o sentide soberania nacional, sua influência não pode mento ser negada - e o desconhecimento desse juízo de fato pode resultar em ilusões ideológicas e equívocos políti cos, encarecendo o crescimento e aprofundando
desajustes sociais seculares.
Vista à luz da globalização, que se expressa sob a l^lMAIO-JUNHO-2001
Ao criticar esse pragmatismo, mui tos não percebem que o país já está inserido na globalização, não tendo condições de retroceder a opção do governo. Outros, por sua vez, reivin dicam uma inserção internacional so berana do Brasil na economia globalizada, sem, contudo, especifi car claramente como esse projeto pode ser implementado no âmbito de uma realidade mundial policêntrica, em cujo âmbito as negociações e a redefinição das diferentes instituições multinacionais são um processo con tínuo.
Nesse sentido, os protestos de Saettle, Davos e Praga sinalizam a formação de uma sociedade civil glo bal ainda incoerente e contraditória, mas já capaz vocalizar sentimentos contra um mundo exclusivamente gerido pelos mercados e de afirmar o ponto de vista dos excluídos. Mas a alternativa ofere cida fica na proposta de regulação dos fluxos de capital, por meio de um imposto. Para esses, é impor tante lembrar que o G-7 (grupo dos sete países mais ricos) recusa-se a apoiar a taxa “Tobin” e a aceitar qualquer controle até sobre capitais especulativos de curto prazo. Os projetos nacionais de soberania, por mais nobres e justas sejam suas intenções, são conside rados utópicos. E, se forem postos em prática por algum país, acabarão sendo automaticamente recebi dos com a posição “non start”. ●
Olavo Egydio Setúbal engenheiro, épresidente da Itatisa (Itaú Investimentos S.A.). Foi prefeito de São Paulo (1974-79) e ministro das Relações Exteriores (1985'86).
Não era dos mais lisonjeiros o conceito em que tinha os seus colegas
Padre economista
I Wilson Martins
Crítico literário
A não ser como epigrama involuntário contra os nossos eruditos economistas, pode-se questionar a necessidade ou a utilidade de traduzir e publicar, quase trezentos anos depois, a obra de Ferdinando Galiani (1728-1787) sobre a moeda (trad. Marzia Terenzi Vicentini. São Paulo/Curitiba: Musa/Segesta, 2000). Pioneiro na nova ciência chamada “economia política" que então se constituía, não era dos mais lisonjeiros o conceito em que tinha os seus colegas.
Nde monsenhor, o Papa transubstan- a “Advertência do editor”, por ele mesmo escrita, para a reimpressão de 1780, observa va serem “raríssimos os escritores desta ciên cia, tão nobre e quase nova, concernente ao governo econômico dos estados que, depois, se desenvolveu tão rapidamente e ganhou tão grande número de adeptos de, antes mesmo de chegar à maturidade, ficar corrom pida por uma obscura gíria metafísica, criada por aqueles que a França quis chamar de
economistas .
Gíria metafísica... Diabo! O livro é atualíssimo! Quando dizia de um homem “é apenas um economista”, lembrava Sainte-Beuve em belo re trato que dele traçou nas “Causeries du lundi”, “dava-o por julgado e ex cluído da esfera dos estadistas. Serve para fazer memórias, diários, dicio nários, para ocupar livreiros e impressores, para distrair os ociosos, mas não serve para governar”. Se gundo ele, e ainda nas palavras de Sainte-Beuve, “um estadista não deve somente conhecer a fundo as matéri as específicas, mas também a matéria por excelência sobre que deve operar, isto é, o coração humano”.
com o tratamento ciou as pedras em pão.
Note-se, a esse propósito, que, neste caso, como em todas as nossas traduções do francês, a palavra “abbé , sendo um falso cognato, é invariavelmente transposta abade”. Trata-se de singularidade de tratamento eclesiástico da língua francesa, na qual chamam-se “abbé” os sacerdotes seculares, reser vando-se para os regulares o tratamen to de “père”. Em português, abade é o superior dos conventos nas ordens re gulares, de forma que, nesse caso, a tradução correta é padre: o padre Galiani, ou, se quisermos, monsenhor Galiani, que era o seu título honorífico. Retornando a Nápoles, depois de viver dez anos em Paris como embaixa dor do seu país, Galiani tornou-se ma gistrado e Conselheiro do Comercio, mas o seu coração havia ficado na Fran ça e com os amigos parisienses - nome adamente uma amiga, a senhora Geoffrin, cujo salão freqüentou habitu almente e com quem trocou uma na epistolografia
~vn português, —abade é o superior dos conventos nas ordens regulares correspondência famosa francesa.
Galiani não era eclesiástico de carreira. Seu título de monsenhor foi-lhe conferido como prebendapelo Papa Bento XIV para agradecer a oferta de uma coleção de pedras vulcânicas, acompanhada de erudita disserta ção, com a dedicatória que o pontífice, bom entendedor, compreendeu ao pé da letra: “Fac ut lapides isti panes fiant”. De fato, transfigurando Galiani em padre mitrado
É curioso que, sendo a moeda um instrumento simbólico de troca, cuja historia ele narra na primeira parte do livro, ainda no século XVIII era pelo valor intrínseco de metal (ouro e prata), não pelo valor nominal, que se lhe determinava o padrão fiduciario. O resultado é que, como este último tende necessariamente a defraudar-se, tornando-se inferior ao valor material dos metais, ocorria o fenômeno histórico da desvalorização
MAIO - JUNHO-
de todas as moedas. Àquela época, os governos jfíxavam por decreto o peso e a qualidade das moedas de ouro, acontecendo então, escreve Galiani, “o que naturalmen te devia acontecer, ou seja, que fosse levada embora pelos estrangeiros, que deixavam moedas más em lugar desta. Por isso, o soberano pensou vedar tão-somente este câmbio e não o das mercadorias como dinheiro, mas o remédio que se supôs dar através de semelhante proibi ção foi muito mal pensando e revelou-se ineficaz”.
Vê-se que, então, como hoje, os economistas traba lham pelo processo primário de tentativas e erros, combatendo a inflação que provocaram pela recessão que passam a provocar, e vice-versa. O próprio Galiani percebeu que esse universo é um sistema de oferta e procura, sendo o volume de dinheiro que determina os preços das mercadorias. É instrutiva, a esse respeito, a sua crítica “ao erro cometido por Law ao criar uma quantidade enorme de bilhetes, que foram a ruína de banco” - e uma das causas da Revolução Francesa, o que talvez estava prevendo. Law “equivocou-se em
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acreditar que podia extinguir todas as dívidas do Estado com os bilhetes, e, por isso, os emitiu em quantidade proporcional ou montante de toda a dívida da coroa da França. Erro gravíssimo e imperdoável a tão grande homem, porque uma coisa nada tem a ver com a outra (...)”. Soa familiar?
Gíria metafísica... grandes personagens que come tem erros palmares... O homem, dizia o cético mon senhor Galiani, vive a ilusão e é feito para viver nela; “nossas ilusões interiores sobre a liberdade, sobre a causa primeira, engendraram a religião, a moral, o direito, todas as coisas úteis, naturais ao homem, e mesmo verdadeiras se quisermos, mas de uma verdade puramente relativa e totalmente subordinada à confi guração, à ilusão original”.
Não se vive impunemente em tempos pré-revolucionários. ●
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Wilson Martins seu
Critico literário
O livro Mitologia da Saudade acaba de ser lançado no Brasil pela Cia. das Letras
Uma fábula de Portugal
Filomena Cabral
Escritora portuguesa
Oresidual evoca continuamente o plano de integridade, ainda que a crise sobrevoe o mun do, qual ave agourenta desconhecedora da trajetória. Imitando-a, tentamos fixar uma linha imagi nária fronteiriça, nascida da indecisão, e vamos permi tindo que o tempo decorra, o futuro a tornar-se presen te, e só assim o futuro nos será suportável. Quanto ao passado, o hábito da complacência, ou de uma certa tranqüilidade imanente daquilo que se perdeu ou se adia, como a saudade de nós, portu gueses, saudade polifônica, espectral, em naipes acolhidos na concha do ou vido, uma certa toada gêmea da melan colia. Sabida a interação entre a ordem social e a “individualidade criativa , chegará a altura em que (os produtores de texto) haveremos de aceitar a certeza de que a individualidade havia tendi do, desde o início, para o sacrificial, a imolação a servir o conhecimento, num crepitar universal, luz a indicar-nos um sentido, numa rede de itinerários, quantas vezes supérfluos, caminhos de desorien tação, daí a oportunidade dos ensaios de Eduardo Lourenço, do seu pensamento, cujo livro Mitologia da Saudade acaba de ser lançado no Brasil pela Cia. das Letras (160 págs., R$ 18,00).
Cogita-se e progride-se, pondo-se em causa as fórmulas sonhadas para o equi líbrio das sociedades, velhos países europeus ficam de repente com as raízes à mostra, árvores seculares a alimentar-se do instável. Será em tais momentos gerado res de incertezas — cada vez mais comuns - que vozes de eleição clarificam, narrando a memória relida à luz do milênio, levando-nos, por exemplo, até o início da historiografia portuguesa (enovelada noutras, necessari amente), aJoãodeBarros, dando corpo a uma “simbologia imperial da saudade” (Clarimundo, em demanda da
Casa Perfeita, com escala nas virtudes teologais), melan colia em simbiose como eternamente vivo afagado pela memória: o coletivo, apesar das inscrições mais ou menos aforísticas, necessita de uma voz onde sintamos projeta do o ideal de dizer, neste caso o de em “aedo , Lourenço, que tange o arco da sabedoria com o objetivo de harmo- cacafônico deslize para o inaudível.
nizar, para que o Pensador da síntese perfeita, Eduardo Lourenço rememora, conjuga o pensamento europeu, num entretecer de linhas fascinante, percorre a tradição, em vários planos, faz-nos sentir por vezes perplexos, e também pequenos num sentido duplo, perante o conhecimento e pelo prazer de mimetizar atitudes que fomos abandonando, da infância algumas: escutávamos a descri ção de façanhas, em inocência, predis postos sem reservas à crença. Fala-nos o professor ilustre de “Portugal Destino”, da “Mitologia da Saudade , ao nosso estado de OS textos agora editados, conjugam-se a palavra, a memória e uma cultura emocional, levando à vertigem "auditiva" como temas oportunos portugueses/europeus, cada desde sempre. Para projetar o futuro, formar o salto, teremos de firmarainda e sempre no terreno da melan colia, faceta da saudade e de crença reflexo de uma saudável satisfa ção com o presente, imediatamente pas sado, acreditando em nos, nos outros, em ninguém ou em toda a gente, da necessidade: a voz do ecessidade difusa, inquietanvez mais e para nos teimosa
A oportunidade nasce ensaísta preenche uma do-nos, leva-nos a tatear a consciência, transitando pela cosmogonia de nos pensarmos nos mitos (Lévi Strauss), no prazer de contar e de interpretar uma fábula simbó lica a englobar toda a “pátria da Língua , fábula tempo simples e comovente, a de Portugal. Qual Píndaro, Eduardo Lourenço seduz, nunca abdi cando do espanto de racionalizar o que, na antiga n ao mesmo
Grécia, levava a uma fruição estética: pela multiplica ção de fatos e lugares, acontecimentos, à garantia de eficácia do mito, que, desde o início das Luzes, perma nece emparedado entre a fábula e a mitologia, a razão e a filosofia, a conduzir à interpretação do mundo cultural na totalidade. Nos textos agora editados, con jugam-se a palavra, a memória e uma cultura emocio nal, levando à vertigem “auditiva”, confirma-se que o mito não existe sem a palavra, como modelo primeiro (elucida Valéry), mito e linguagem indispensável à formulação do simbólico.
A dramaturgia cultural portuguesa que Eduardo Lourenço nos vem propondo, indica-nos o sentido, enquanto mensagem, num encadeamento mítico a que já não é alheio, mitificado ele próprio - pesada e exaltante conseqüência.
Segundo Eduardo Lourenço, tal análise de Sérgio pou co ou nada tinha a ver com o sebastianismo: “Quem desaparecera não era um adolescente imaturo, vítima de sonhos mal sonhados, sim um rei frágil de um reino frágil que a sua morte punha à beira da inexistência (...) Não morre o rei sem que a sua morte seja o fim do reino (de que) ninguém queria nem podia querer o fim. “Sebastianismo ainda tomado como expressão metafó rica da persistência do “reino da estupidez” nacional, “sebastianismo (o de Sérgio) a escapar assim a toda a possibilidade de compreensão”.
USBON - - *>Barfelro Setúbal...
“Sinto o tempo como uma dor enorme (...)”, transcreve-se no final do livro. Pessoa a projetar o tempo da morte com o tempo vivo da lembran ça. O tempo, a metamor fose, a morte, e, entretan to, a presciência alucinada comum a Lucrécio, Lautréamont, a Kafka, a Fer nando da nossa Baviera, a Clarimundo e ao próprio Eduardo Lourenço, um iluminado/iluminante: é impossível readotar a me tamorfose destmída, que mais não será que a consci ência do tempo a inscrever a própria crônica: povo é já um futuro e vive no futuro que imaginapara existir”, afirma. A ditá-lo a sabedoria, lusa também, comum aos eruditos e aos intelectos menos cultivados, inocentes, a garantir a presciência portuguesa. Na propensão alegórica, que vem de João de Barros e mais aquém, a apetência lusa pela glosa de metáforas de combates e vitórias humanas, uma mitologia da saudade projetada no tempo. Nós, portugueses, da saudade fizemos uma espécie de enigma, “mitificando sentimento universal que dá à nossa estranha me lancolia sem tragédia o seu verdadeiro conteúdo cultu ral e faz dela o brasão da sensibilidade portuguesa”, tal não evitando que certa vaga neosebastianista, nos começos deste século, pela voz de Antônio Sérgio, não tenha tentado reduzir o mito à sua insignificância, rotulando o seu suporte histórico de “pedaço de asno”, epiteto avisar o jovem rei que desaparecera numa tarde de fatídico areai marroquino, com os companheiros.
SPAIN Poitüleore. ?
Esclarece o ensaísta que, na análise do nosso mestre do racionalismo, se detecta o fruto de uma consciência angustiada ou alarmada diante das conseqüências que, na ordem política ou social, parecem ligadas ao sebastianismo, e refere a transformação do fenô meno - por Oliveira Mar tins - sem lugar no discur so histórico, num mito cultural de ressonância incomparável. “Com o seu gênio simbolizante, gêmeo de Micheletprossegue - Oliveira Mar tins havia subvertido a perspectiva linear do re lato histórico, crônica antiga, substituindo-lhe uma leitura sintomal. Cumprindo à letra o adágio “os povos felizes não têm história”, o historia dor foi - conclui - o mitólogo da nossa histó ria sem precisar a função dos mitos culturais que elaborou, e acima de to dos os sebastianismos; o autor da História de Por-
Ai, como é diferente o amor em Portugai, cantou Juiio Dantas. E a saudade também...
tugal faz surgir o sebastianismo como imagem e contradiscurso de um povo que tinha perdido, com a sua independência, a sua identidade, ou, como ele diz, a sua voz distinta no concerto das nações.”
Concorda o autor da dramaturgia lusitana (Louren ço) que a produção do fenômeno sebastianista não so põe em relevo a sua ação enquanto “poderoso fator da Revolução de 1640”, como confere aprovapósturna a nacionalidade (sebastianismo) a função de avatar de rante do amor da sua terra, que foi em todos os ternp um sentimento intenso do povo português. Afiu^ ’ que escapara, ou estivera fora da perspectiva de OÜyeira Martins, continua a ser “a história do sebastianismo enquanto história de Portugal como povo eleito, que Antônio Vieira fará reverter (...) Do sebastianismOj agora messiânico (para Pessoa, apenas esgar e assomo , um
fenômeno recorrente e anterior à vinda do Desejado e ao apocalipse de Alcácer Quibir), historiador por João Lúcio de Azevedo, nas singulares e exemplares peripé cias, desde o beirão Bandarra ao nordestino Ajitônio Conselheiro” - acrescenta.
Na estrutura da ausência descrita pelo historiador, estava já - elucida Lourenço - a sombra de Garrett, na melancólica evidência de Frei Luís de Sousa, onde se configura com gênio o perfil de um Portugal ausente de si mesmo e esperando-se nessa ausência, motivo de combate tenaz, durante todo o século 19, a polêmica a estender-se a Sampaio Bruno que, ao alargar-lhe o sen tido, “faz do mito do Encoberto a história do regresso do homem a si mesmo, verificando-se em Teixeira de Pascoais a metamorfose do sebastianismo inscrito na visão da saudade lusíada”. Mais profunda e trágica que a de Sampaio Bruno - sublinha Lourenço -, a saudade, em Pascoais, é memória presente de um bem anterior à nossa morte moral, a de Alcácer Quibir, “um avatar da saudade lusíada”. Pessoa - continua - extrairia todas as conseqüências da visão de Pascoais e à sombra de Oliveira Martins. Assim, na opinião ainda do ensaísta, “o Quinto Império sonhado por Bandarra não é apenas o regresso do novo rei Arthur português para restaurar o pe queno reino lusitano, nem o temporal reino de Cristo visionado por Antônio Vieira. O Quinto Império com que Pes soa sonha é um império cultural (...) E desse império, e não de outro, talvez seja ele mesmo o D. Sebastião” - conclui.
fortes, justos, sejamos homens, muito embora deixe mos de ser portugueses. “Não se tratará nunca de renegar a nacionalidade, dando ambos razão a Gross, no seu conceito de união européia, levando a um novo tipo de cidadão, que juntasse utopicamente, ao patrio tismo tradicional uma nova lealdade para com a comu nidade européia, interrogando-se Gross sobre a exis tência de um patriotismo europeu e das possibilidades da sua articulação com o nacionalismo clássico, uma vez que, como defende, “os lealismos nacionais são susceptíveis de transformação. Afinal, em Portugal, ao contrário de outros países, os descobrimentos não produziram uma linha insurrecional e antieuropeia”.
ao
morre o rei sem que a sua morte seja o fim do reino (de que) ninguém
Aliás - e para introduzir aqui o riso —, convém não nos levarmos nunca demasiado a sério, como explicava Sousa de Macedo, no século 17, nas suas Flores de Espanha, em dava uma certa continuidade ao culto de Camões, na conjugação do amor da Europa com o culto da pátria: “Se a Espanha é a cabeça da Europa, nós (Portugal) somos a co roa, e quanto a cabeça é superior ao resto do corpo, a coroa é superior à cabeça.” O que nos coloca perante o hiperbolismo patriótico, típico de determinado está gio de formação. Agora, portuguesesDeus, talvez que
queria nem podia querer o fim
Aliás, como é afirmado em Portugal como Destino, “ao fim de oito séculos estamos cá dentro. Não em fuga de um fantasma castelhano nem perdidos no mar em busca de casa menos ameaçada e mais rica mas na nossa casa, de camoniano batismo. Ninguém quer (...) discursos místicos que subtraiam o País à sua vida e história. Na ausência de uma grande tradição filosófica (...), a incoercível liberdade de expri mir a nossa vida imaginária sempre se refugiou sob o manto diáfano e luminosamente obscuro da poesia. Depois de Camões, e contornando o lugar exinto de Antero, foram Pascoais e Pessoa a conceber a proeza de “imaginar” um destino para Portugal”.
E infinitamente mais é dito, nos ensaios agora publi cados, dando forma a um “étimo espiritual” para o devir, reforçando, embora num contexto mais modesto (o contexto hispânico, não o europeu), o passo de Antero de Quental; “Se não é possível sermos justos, nobres, fortes, inteligentes, senão deixando cair nos abismos da história essa coisa a que já se chamou nação portuguesa, caia a nação, mas sejamos aquilo para que nos criou a natureza, sejamos inteligentes, nobres.
como sempre, graças a tenhamos acabado por dar continuida de à tese de Macedo, pela paródia de D. Francisco Manuel de Melo, socorren do-se do diálogo entre a Fonte Nova e a Fonte Velha, em que esta continua, floreado de Macedo, acres- trocista o centando: “(...) se a melhor parte da Espanha, Portugal; a melhor parte de Portugal, Lisboa; a melhor parte de Lisboa, o Rossio; a melhor parte do Rossio, as casas de meu pai que estão lá no meio (...)
E sempre surgiram em Portugal idéias análogas, xadrez de fragmentos, até que Eça, esteifoido o dedo acusador, clamou pela superioridade da Europa em relação aos Estados Unidos, e de sob a mesma aparência da febre industrial, haver nela uma geração forte, grave, ideal, que está construindo a nova huma nidade sobre o direito, a razão e a justiça”. No fundo, futura, a do século num inquietava-o a memória portuguesa 20, coincidente com o tempo de Eduardo Lourenço, o sucesso das suas teses a estender ao Brasil, cujo esplen dor contribuiu para que nos afirmássemos na Europa e fez de nós “americanos”. Quanto à obsessão EUA, se era reconhecida por Eça, que vamos nos fazer?
Filomena Cabral é escritora portuguesa, autora, do livro Em Deviattda da Europa. (Transcrito, data vênia, do Jomal da Tarde) MAIO-JUNHO 2001 entre outros.
I.íxiste um rol interminável de denúncias de escândalos de corrupção
o governo FHC e os esqueletos da corrupção
José Eduardo Dutra
Senador
SIVAM (Sistema de Vigilância da Amazônia), pasta rosa, privatização das reles, Proer (Programa de Estimulo à Reestruturação e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional), compra de votos de deputados, irregularidades no DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem) e na Sudam (Superintendêndia do Desenvolvimento da Amazônia), tráfico de influência do ex-secretário-geral Eduardo Jorge, Banpará, contas de políticos tucanos no Caribe, desvio de recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalho) etc. Esse rol interminável de denúncias e escândalos de corrupção tem um pon to em comum: nenhum deles passou por uma investigação rigorosa e todos esses esqueletos estão guardados, a sete chaves, dentro dos armários do Palácio do Planalto.
A sociedade não suporta mais a im punidade e, por essa razão, os partidos de oposição querem uma CPI para in vestigar todas as denúncias de corrupção que o governo FHC vem sistematica mente obstruindo nos últimos anos.
Os argumentos para barrar as inves tigações são surrados e inconsistentes. Alguns - como a pérola “o mau uso da política complica a economia” - foram tomados emprestados da ditadura militar. Outros desses argumentos - como o utilizado pelo ministro Malan: “A CPI detona crise e provoca desestabilização da econo mia” - cheiram, ainda por cima, a chantagem barata. O governo disse que o apoio à CPI representaria um ato de deslealdade.
Ora, senhor presidente. Desleadade com quem? Com os corruptos e com os corruptores?
JUNHO-7nm
Não resta nenhuma dúvida de que o Congresso Naci onal tem muitos defeitos, mas não se pode deixar também de reconhecer que ele prestou importantes scmços para o país quando investigou o esquema PC-Collor, os anões do Orçamento e, mais recentemente, o caso de desvio de verbas (Tribunal Regional do Trabalho da 2^ Região).
para a construção do novo prédio do TRT-SP
Apesar de o Ministério Público estar investigando o desvio de recursos do TRT-SP desde 1995, a prisão do juiz aposentado Nicoíau dos Santos Neto e a cassação do senador Luiz Estevão (PMDB-DF) só foram possíveis por causa da CPI do judiciário.
m dos principais deveres do Poder Legislativo é investigar os atos do Executivo
Não se trata de incompetência dos procuradores da República ou de inép cia da Polícia Federal. Muito pelo con trário, o problema é que essas institui ções não dispõem de meios para superar a morosidade e a sonegação de infor mações que são práticas recorrentes no Banco Central.
Investigar os atos do Executivo é um dos principais deveres do Poder Legislativo. E a CPI é o melhor instru-
mento para apurar a corrupção, por que, entre outras razões, ela é capaz de mobilizar a opinião pública.
Para evitar a CPI, o governo tentou desqualificar os autores das denúncias. Não aceitamos essa manobra, porque cremos que o fundamental é apurar a veracida de das acusações.
O senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) não apresentou nada dc novo até o momento. A novidade é que um líder político que apoiou o governo FHC durante seis anos está, agora, encampando as denúncias da oposição.
DIGESTO ECONÔMICO
Pedimos licença
á direção de Veia para esta legenda: não há dia que não estoure um escândalo
wivw.yeiaxomJir ■i'
♦Os
éxpíosão dos iresorts no Brasil
sete mais estrelados pára as férias de verão
♦Quanto cobram e o que oferecem
parlamentares: distribuição de verbas do Orçamento e oferta de cargos públicos.
A resposta da oposição foi dada no ato publico que Brasília. Essa
Nós, do Partido dos Trabalhadores, não queremos com setores da base de estabelecer alianças preferenciais sustentação governista. O nosso compromisso é com a ética, com o fortalecimento do Congresso Nacional e reuniu, ontem, milhares de pessoas manifestação foi a primeira de um processo mobilização da população que terá desdobramentos em í decisivo para que o Congresso Nacional consiga apurar as denúncias.
A proposta dc investigação das denúncias ganhou o apoio maciço da população. O governo sabe que ainda estamos na lutae muito próximos de conseguir o número mínimo de assinaturas para criar a CPI da Corrupção.
O governo continua sob suspeição. Em vez de ter horror às CPIs, deveria ter mesmo é horror à corrupção.# em de com processo de investigação.
Na tentativa de lançar uma cortina de fumaça sobre a proposta da oposição, o presidente Fernando Henrique lançou, nesta semana, o factóide da Corregedoria Geral da União, um órgão sem poderes de investigação e atrelado à Presidência da República.
Na tentativa dc Impedir a criação da CPI, o governo recorre ao tradicional vale-tudo para neutralizar os
todo país e será
José Eduardo Diítra Geólogo, senador pelo PTSE, é líder do Bloco de Oposição no Senado.
(Transcrito, data vêjtia, da Folha de S. Paulo) MAIO-JUNHO-2001 la
Euclides da Cunha visto por Miguel Reale
Leodegário A. de Azevedo Filho
Professor da UERJ
Ao analisar a atitude filosófica assumida pelos grandes escritores brasileiros, a partir mesmo de _ Machado de Assis, não há dúvida de que Miguel Reale tem dado importante contribuição ao estudo, em profundidade, não apenas da complexa evolução do fenômeno literário brasileiro, mas sobretudo à própria compreensão vertical da cultura no Brasil. Seguindo esse rumo, num de seus últimos livros, com a competência de sempre, volta-se para a análise do pensamento de Euclides da Cunha, cuja obra literária é fundamental para carac terizar, em toda a sua plenitude, o processo de autonomia da literatura em nosso País, exatamente porque buscou revelar a própria realidade brasileira, no entrechoque do litoral com o sertão. Bem antes disso, em particular no livro Figuras da inteligência brasileira (1984, em sua primeira edição). Miguel Reale já havia interpretado o pensamento de autores como Tobias Barreto, Farias Brito e Sílvio Romero. E assim chegou a Euclides da Cunha, cuja sobrevivência literária vai além de qualquer concepção filosófica ou científica, embora a filosofia e a ciência estejam presentes em tudo o que escreveu. Na verdade, Euclides da Cunha tornou-se imortal por seu amor à literatura e pela monumental obra que pôde construir, embora (ou talvez por isso mesmo) um livro como Os Sertões seja uma obra que, afinal, desarticula o próprio conceito de gênero literário, por não ter gênero definido. No extraordinário livro, surpreende-se a síntese de vários gêneros necessariamente interrelacionados, gêneros literários ou não, tais como a filosofia, a história, a geografia, a sociologia, a antro pologia, o jornalismo, o documentário social e huma no, a poesia lírica, a epopeía e a ficção. Entendendo-se por real aquilo que o texto constrói como verdade e não a simples reduplicação do meio exterior, em Os Sertões
o real se configura em termos marcadamente impres sionistas, mas também e algumas vezes em termos expressionistas, na construção de uma linguagem es sencialmente simbólica ou alegórica. No caso, não é a linguagem que se ajusta à realidade, mas a realidade é que se transforma em linguagem literária e não em linguagem de ciência, pois esta última, por ser unívoca, dispensa, ao contrário da ambigüidade da outra, qual quer relação de complementaridade entre emissor e receptor do texto. Em última análise, como procura mos indicar no livrinho A Configuração do real em Euclides da Cunha, um livro como Os Sertões repre senta a derrota da ciência e a vitória da literatura. Compreende-se assim que, diante de um escritor de tanta complexidade, a análise do componente filosófi co que alimenta a sua visão e o seu sentimento do mundo só poderia ser levada a bom termo por um especialista em tal assunto, como é o caso de Miguel Reale, mestre da filosofia e do direito. E chegamos assim ao livro Face oculta de Euclides da Cunha (Rio de Janeiro, Topbooks, 1933), onde claramente se de clara que, numa obra como Os Sertões, “prevalece o valor literário, não obstante a sua autoqualificação (a de Euclides) como homem de ciência, um politécnico às voltas com o mundo das letras” (p. 18). Afinal, mergu lhando na visão antimetafísica do glorioso
Contrastes e confrontos, Miguel Reale nos aponta três momentos distintos de convicção filosófica: o do positivismo de Augusto Comte, sob a influência inicial de Benjamin Constant; o das leituras de Spencer, no plano geral da filosofia, e de Gumplowics e Proudhon (antropologia e ciências sociais e políticas, respectiva mente), sem esquecer o socialismo científico de Karl Marx; e o momento final centrado no empírio-criticismo autor de
de Ernst Mach e do pragmatismo gnoseológico de Henri Poincaré, como se lê na página 28 do livro. E chega mesmo a admitir, como ponto de vista pessoal, que a influência do pensamento de Gumplowics sobre a inteligência de Euclides da Cunha foi mais poderosa que a de Karl Marx, já agora na página 41 do livro.
Em suma, em linguagem extremamente clara e fluente, as teses defendidas por Miguel Reale devem ser natural mente discutidas, como deseja o próprio autor. Em sua parte final, a obra se enriquece com a transcrição de alguns textos euclidianos, especialmente aqueles que serviram de objeto de análise, além da transcrição das provas realizadas no famoso concurso para a cadeira de Lógica do Colégio Pedro II, também disputado por Farias Brito, entre outros candidatos de menor importância.
Quanto às idéias socia listas de Euclides da Cu- g nha, reconhecidas isentamente por Miguel Reale, 'S* acreditamos que o grande ●§ escritor, em São José do a Rio Pardo, embora aí se K diga que chegou a redigir um manifesto socialista com Francisco Escobar e Pascoal Artese, não havia amadurecido ainda as suas leituras marxistas, deslum brado que ainda andava com o evolucionismo de Darwin. Em verdade, só mais tarde iria ocorrer a assimilação refletida de idéias socialistas (e não cre mos que de forma breve ou superficial, pois tudo o que Euclides fez na vida levou a marca da intensi dade), exatamente quan do pensou em escrever um livro amazônico a que daria o título de Um paraíso perdido, tudo isso podendo ser comprovado com a leitura dos ensaios iniciais de À Margem da História, além do que escreveu em Contras tes e confrontos. Seja como for, Euclides sempre tomou a defesa dos humildes e dos oprimidos, acabando por solidarizar-se com o jagunço e com o sertanejo em sua heróica luta contra o litoral. Ele próprio se considerava um tanto marginalizado pelas elites que assumiram o poder republicano, embora tivesse bravamente lutado pela repú blica. Por isso mesmo, ainda que secretamente, havia um ponto de identificação entre a revolução sertaneja e a própria insatisfação do escritor diante da prática do gover no, em vários pontos contrária aos seus ideais políticos. Afinal, numa obra tão complexa como Os Sertões, nem tudo seria positivo, tendo mesmo Euclides, ainda que contraditoriamente, resvalado na chamada ideologia do
colonialismo, vendo no mestiço um oprimido. Mas ele próprio, mais tarde, em cartas aos amigos, recusaria os erros científicos da obra. Se o mulato neurastênico do litoral é ímto de uma mestiçagem degenerativa, em mani festo paradoxo, o sertanejo, que é outro mestiço, passa a ser, antes de tudo, um forte. Com sangue indígena nas veias, Euclides defende a idéia de que o sertanejo podia ser culturalmente desatualizado, mas não um degenerado. Em sua parte final, o livro de Miguel Reale trata das provas para o concurso de Lógica do Colégio Pedro II, divergindo de algumas considerações críticas antes desenvolvidas por Euryalo Cannabrava e por Clóvis Moura. Euclides, “misto de celta, de jagunço e grego”, como queria Gilberto Freyre, assumiu uma posição cultural antimetafísica, como deixou patente em sua brilhante aula sobre “A
idéia do ser” e, também, no texto sobre “Arte e Ciência”, com que prefaciou o livro Poemas e canções, de Vicente de ■ Carvalho. Em sua obra.
o que vai extensa e mtensamente importar é o seu alto valor literário, a des peito de suas preocupa ções filosóficas. Em ter mos conjecturais, se a vida de Euclides não ti vesse sido dramaticamen te interrompida, o seu pensamento, segundo Miguel Reale, não iria busca do marxismo.
Miguel Reale estudou Euclides da Cunha, em sua obra, como filósofo em mas achegar-se-ia ao neopositivismo da Esco la de Viena, acrescido do de Peirce. pragmatismo Para outros intérpretes, como é o caso de Nelson Werneck Sodré, iria desaguar , chegando a escrever o seguinte em Con- confrontos: “A fonte única da produção e do ___ corolário imediato, o valor, é o trabalho. Nem a terra, nem as máquinas, nem o capital, ainda coligados, as produzem sem o braço do operário. Daí uma conclu são irredutível: a riqueza produzida deve pertencer toda aos que trabalham. E um conceito dedutivo: o capital é uma espoliação. Não se pode negar a segurança do raciocínio.” (op. cit. p. 194). A questão, portanto, está lançada pelo livro de Miguel Reale, sugerindo debates de grande interesse para a filosofia, para a literatura e própria cultura brasileira em sentido amplo. ●
no marxismo, trastes e seu para a
Leodegário A. de Azevedo—Filho Professor emérito da UERJ, Titular da UFRJ e Presidente da Academia Brasileira de Filologia
MAIO - JUNHO - 2001
Só nos países anglo-saxônicos Tocquevi
destacado como um dos maiores pensadores políticos
A procura da 'completa democracia'
Alberto Oliva e Mario Guerreiro
Ensaístas
El m Les Etapes de la Pensée Sociologiqiie, Raymond
Aron assinala que Alexis-Charles Clérel de yTocqueville (1805-1859) não costuma ser reve renciado como um dos inspiradores do pensamento sociológico. Só nos países anglo-saxônicos é destacado como um dos maiores pensadores políticos. Nesse particular, sua situação se assemelha à de Montesquieu que, no século 18, granjeara maior fama no mundo filosófico anglo-americano que em sua própria pátria. À medida que transcor re o tempo de decantação histórica de sua obra, mostrá-se cada vez mais in justo deixar de colocar Tocqueville no panteão dos “founding fathers” da moderna Teoria Social. Não passa de questão bizantina discutir se a obra de Tocqueville merece ser rotulada de sociológica.
Durke
Da
Felizmente, aumenta o número dos pesquisadores que encara o intelectual francês, independentemente de serem suas contribuições enquadradas nesta ou naquela área específica do conheci mento, como um dos mais importaittes pensadores do século 19- Algumas de suas idéias conservam vitalidade interpretativa, outras abriram cami nho como insights precursores. Prova disso é que suas teses basilares têm sido amiúde retoma das por estudiosos preocupados em explicar a natureza das grandes transformações sofridas pelas mais impor tantes instituições políticas ocidentais nestes dois últi mos séculos.
penetrante, foi seu estudo comparativo do cenário político francês anterior c posterior à Revolução Fran cesa. Publicado em 1856, três anos antes de sua morte e 21 anos após sua viagem à Irlanda, O Antigo Regime Revolução apontou, com admirável acuidade, os perniciosos provocados pelo despotismo de Robespierre e dos jacobinos. Trata
defendia
posição de que deveria ser concedida mais liberdade política e econômica aos americanos
e a efeitos -se de trabalho que se filia à linha de análise e questionamento iniciada por Burke (1729-1797) no livro Reflexões sobre a Revolução em França, de 1970. Antes mesmo de ser desferido o golpe dos jacobinos e de ser instaurado o Reino do Terror de Robespierre, Burke previu, com impressionante clarividên cia, os desastrosos rumos que viriam a ser tomados pela Revolução de 1789Tal como Burke, Tocqueville é um desses
A publicação que mais lhe deu notoriedade, T ernein na América, ceve o primeiro volume publicado em 1835. Mais compacto, mas nem por isso menos m MAIO-JUNHO-2001
raros casos em que se entrosam admiravelmente bem os papéis, por vezes conflitantes, do pesquisador e do ativista político. Como membro do Parlamento Britânico e pertencente à ala consen,'adora dos Whigs, Burke se destacou pelas críticas endereçadas à administração de George III. Em par- ticLilar, por ter-se posicionado contra decisões políticas tomadas monarca em relação às Treze Colônias Burke defendia a posição de que deveria ser concedida mais liberdade política e econômica aos americanos. Chegou mesmo a apresentar ao Parlamen to um projeto de lei que elevava as Treze Colônias à condição de vice-rcino. Como irlandês nato, Burke também não deixou de fazer críticas candentes ao tratamento despótico que vinha sendo dispensado à Irlanda desde sua invasão comandada por Oliver as por esse da América.
Cromwell quando desfrutava do status de Lorde Prote tor da Inglaterra.
Muitos dos registros feitos por Tocqueville na parte intitulada Notas sobre a Irlanda (6 de julho a 16 de agosto de 1835) do livro Viagens à Inglaterra e à Irlanda (tradução de Plínio Augusto Coelho, Editora Imaginá rio, 184 págs., R$ 30,00) são observações que exibem grande afinidade interpretativa com a ótica analítica inaugurada por Burke. E isso não deve causar surpresa se levarmos cm conta o fato de que, apesar de pratica mente um século SC interpor entre os referidos pensado res políticos, poucas tinham sido as mudanças substan tivas nas estruturas e processos que sei^ãam de margens ao curso dos aconteci mentos históricos. Épre- >re ciso, contudo, ter presen- a te que se trata de conver- S gência cm torno de um ^ problema circunscrito à diplomacia e à política britânica, sem maiores re percussões sobre o cená rio europeu global. O mesmo não se pode afir mar com relação às ob servações feitas nas via gens de 1833 e de 1835 à Inglaterra. Nesse caso, o raio de interesse era am plo o suficiente para abran ger a política européia c estender-se ao campo de problemas de relevância universal.
E importante também
discurso pronunciado na Assembléia Constituinte em 12 de setembro de 1848, Tocqueville construiu argu mentos que poderiam, caso tivessem se entranhado no senso comum das sociedades, ter evitado muito da
opressão e da matança ideológica a que assistiu este século:
“A democracia amplia a esfera da independência individual, o socialismo a restringe. A democracia confere a cada homem o valor máximo, o socialismo faz de cada homem um mero agente, um simples número. Democracia e socialismo nada têm em comum exceto palavra: igualdade. Cumpre, no entanto, prestar atenção na diferença: enquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo quer a igual dade na repressão e na servidão.
As duas viagens de Tocqueville narradas no livro ora resenhado fofeitasem 1833e 1835 uma ram respectivamente. A pri meira, à Inglaterra, ocordois anos antes da reu publicação de A Demo cracia na América. A segunda, à Inglaterra e à Irlanda, coincidiu com o ano da publicação de sua mais festejada obra. O texto, provavelmente pela vez traduzido primeira para o português, se com põe de uma série de ano tações resultantes de ob servações feitas diretaniente pelo autor. Algu mas dessas anotações são bastante breves e, em cerbri-
registrar que assim como Burke procurou influir dirctamente nas políticas interna e externa da GrãBretanha no século 18, tos casos, expressam lhantes insights políticos. Outras, mais alongadas, contêm comentários densos e percucientes, bem como valiosas análises comparativas das instituições inglesas e refere às Tocqueville fez o mesmo Tocqueville se opunha às “legislações intervencionistas em relação às de seu país no 19. Teve participação proeminente na Constituinte batendo propostas radicais de francesa de 1848, com engenharia social feitas por amantes de retórica revolu cionária insensíveis à ameaça representada pelo furor legiferante invasivo. Como defensor da autêntica deliberdade individual de francesas da época, principalmente no que se administrativas e ao funciona- respectivas organizações mento dos respectivos sistemas judiciários.
ente e e com
Em alguns momentos de sua viagem, Tocqueville mostra-se de início perplexo diante do carater bastante peculiar exibido pelas instituições britânicas em compa ração com as continentais e fica com a impressão primei- de que se trata de mero apego a tradições seculares. Nã _ representariam as diferenças constatadas a busca consci- ieliberada de uma maior eficiência em contraste possíveis alternativas. Há, porém, contextos em que Tocqueville, talvez melhor informado até por conversas
mocracia - a que protege a injustificadas coerções por meio da rigorosa limitação e distribuição dos poderes - Tocqueville se opunha às “legislações intervencionistas”. Quando lembramos do quanto a democracia foi desprezada como subproduto da dominação burguesa, acusada de legitimar as pro fundas diferenças materiais entre os homens, nos da mos conta da importância capital daobradeTocqueville para a luta em defesa da Sociedade Aberta. No famoso to ra
MAIO-JUNHO-2001 la DIGESTO ECONÔMICO.
mantidas com pessoas de diferentes estratos sociais, altera sua impressão inicial. Em uma passagem do livro (p. 93-4), veiculada sob a forma de perguntas e respostas, tem lugar um diálogo muito elucidativo:
"P - Quais são os interesses coletivos de que estão encarregadas as paróquias? [Nota dos resenhadores: 'paróquia' é o nome dado a menor unidade políticoadministrativa na Grã-Bretanha; corresponde ao que, para nós, é o município.
R-A igreja e as despesas do cidto, as estradas vicinais, os pobres.
P - As paróquias não possuem propriedades fundiárias?
R - Não.
P-A quem pertence, portanto, esse prado comum que fica anexo a um grande número de vossas paróquias?
R-A todos os proprietários fundiários da paróquia e somente a eles; estes, segundo a extensão de suas propriedades fundiárias, possuem um direito de enviar para o prado um niímero determinado de animais.
P - Resulta do que acabais de me dizeique na base do vosso edifício social se encontra uma completa democracia (..)
Em outros momentos, o eminente pensador francês atenua a força da ex pressão “completa democracia” dirigin do críticas penetrantes a algumas insti tuições e costumes britânicos. Mas, na seqüência da supracitada passagem, não deixa de registrar dois aspectos comple mentares que reforçam o caráter demo crático e modernizador do regime britâforte descentralização político-
administi-ativa, desde qiie portadora de grande população. Resta lembrar que a ^ande quantidade populacional tem constittndo um forte argumento contra a viabilidade da damocracia direta, e isto desde a época de Rotisseau.]
P - Em queparóquias esse principio de representação é aplicado?
R - A lei deixa às paróquias o direito de escolher um outro sistema. Foram, sobretudo, conforme eu vos dizia há pouco, as grandeparóquias que adotaram o select vestry ou o sistema representativo comunal.
P-Existe naparóquia pelo menos umfincionário do govemo central?
R - Não.
P- O govemo central exerce alguma vigilância sobre a paróquia?
R. - Não.”
Aron sublinha, com propriedade, que se Comte dá prioridade ao fato industrial e Marx ao fato capitalista, Tocqueville dá desta que ao fato democrático. A democracia, é sabido, não é um sistema pronto e acabado. É, antes de mais nada, processo histórico cujas origens remon tam ao universo a fabulosa experiência político-filosófica ateniense, a chamada forma de democracia direta. E tal um _nquanto a democracia procura a igualdade na liberdade, o socialismo quer a igualdade na repressão e na servidão pro cesso passa por grande transformação a entrada em cena da democracia com representativa sob a qual boa parte da humanidade hoje vive. Não sc pode pura e simplesmente dizer que havia um regime democrático na Grã-Bretanha em 1833. Impõe-se reconhecer que, embora fosse mais avançado do que o dos demais países da Europa, em nossa época tenderiamos a qualificá-lo de elitista na medida em que só os propri etários tinham o direito de eleger O voto universal, direito de todos nico: a administrativa e o elevado grau de auto nomia de sua menor unidade - a paró quia. Tudo indica que, em 1833, a administração pública na Inglaterra já punha em prática o princípio da subsidiaridade. Aplican do tal princípio à nossa atual realidade politico-adminis- trativa, equivalente ao seguinte: os Estados não devem fazer aquilo que os municípios podem e devem fazer, e o governo da União não deve fazer aquilo que os Estados podem se incumbir com maior facilidade e competência.
"P - Retomaremos agora, porfavor. O que entendeis por select vestry? [Nota dos resenhadores. The vestiy dado ao corpo de representantes políticos de paróquia e é constituído por pagadores de impostos fundiários (rate payers).[
R - Nas grandes paróquias tornou-se dificilfazer o vestry interessam a toda a
seus
representantes, cidadãos adultos - não - proprietários, mulheres, etcveio no bojo de conquistas posteriormente alcançadas. Se tivermos presente que Tocqueville se vale do método comparativo para a construção de alguns dos mais importantes argumentos contidos em suas obras, não poderemos deixar de dar a merecida atenção textos em que narra suas viagens. Ao comparecer a uma sessão da Casa dos Comuns, Tocqueville relata episódio muito interessante que serve para ilustrar como os não-proprietários desfrutavam, a despeito de não terem direito a voto, ao menos do direito à voz dentro do Parlamento. Na cena por ele descrita, os comuns e os lordes discutiam se a Grã-Bretanha devia fornecer ajuda aos refugiados poloneses que vagavam Continente padecendo grandes privações:
votar por inteiro sobre os pontos que paróquia. Daí o costume do select vestry ou corpo represen tativo da paróquia. O select vestry é eleito pelo vestry e ele próprio elege os magistrados acima nomeados [obs. nossa: a eleição indireta - característica dos regimes parlamentaristas regime britânico se estendeu à menor unidadepoliticono - no
‘‘Quando o Sr. Hume [Nota dos resenhadores: a referência não é ao filósofo David Hume que tinha os aos e o uma um nome
llPlMAIO - JUNHO - 200?
morrido no ano da Revolução Americana (1776)] concluiu seu discurso, um homem do povo ergueu-se do meio da assembléia e pediu a palavra. O presidente hesitou; mas de todos os lados gritaram: Hear him! Ouçam-no! O orador subiu num banco. Era um ho mem baixo, muito mal vestido, jovem e de aparência repugnante. Ninguém o conhecia; mas logo circulou a informação de que se chamava Duffey e pertencia à União Política das Classes Industriais (Political Union of The Working Classes). Começou por dirigir-se com respeito ao presidente, chamando-o de Mylord. Expri mia-se com desembaraço; sua postura era firme e segu ra, sua voz fazia vibrar o ar em todas as partes da sala. Tínhamos, enfim, sob os olhos um orador.”
Há que se destacar, nesse relato, não só o fato de um líder da classe operária poder compare cer a uma sessão conjunta de lordes e comuns, mas sobretudo o de se fazer ouvir. O orador, brilhante que era, cha mou a atenção da assembléia para os compromissos diplomáticos assumidos pela Inglaterra com a Polônia no Con gresso de Viena. Salientou que tais com promissos não diziam respeito apenas ao governo, mas aos ingleses de todas as classes sociais. Em dado momento, fez uma afirmação que arrancou aplausos efusivos de toda a assembléia: “Eu tam bém acho que minha honra está engajada na causa da Polônia, e, no entanto, sou um simples operário.” O comentário feito por Tocqueville vale a pena ser citado, tanto como expressão de uma “emoção política” quanto por seu valor de “documento histórico”:
s
Inglaterra, Tocqueville recuperou o distanciamento crí tico que lhe permitiu completar seu comentário com uma penetrante análise política do referido episódio:
“A velha e a nova sociedade inglesa pareciam estar ali presentes e desejar lutar corpo a corpo. Era um lorde quem presidia. (Nota: geralmente o chairman na Casa dos Comuns é um Comum, mas, excepcionalmente, se trata va de uma reunião conjunta de lords e commons). Eram lordes ou ricos proprietários que falavam a essa assembléia democrática. Essa guerra entre o passado e o presente encontrava-se até mesmo nas palavras do homem do povo. Sua linguagem, ao dirigir-se às classes altas da sociedade, conservava aquelas formas de respeito que o uso consa grou. Mas que orgulho imenso e revoltado naquelas palavras simples que se seguiam a uma exposição de nobres sentimentos: ‘E, no entanto, sou um simples operário!’ Com que complacen te e soberba humildade ele se corrigiu para acrescentar: ‘Um operário perten cente às camadas inferiores da indústria.’ Quando os homens parecem tão conten tes e orgulhosos de seu estado inferior, devem temer aqueles que estão situados em posições mais elevadas do que eles. Um espetáculo bem extraordinário nesse meeting foi também aquele que a aristo cracia atual oferecia, obrigada a se deixar dizer nada; bem mais, obri-
Estados não devem fazer aquilo que os municípios podem e devem fazer superar sem gada a lisonjear os preconceitos e as pai xões da democracia para comprar indulgência e merecer seus aplausos. As passagens por nós destacadas ser- apenas para dar uma pálida idéia da relevância das observações feitas por Tocqueville e das informações recolhi das por ele em seus diálogos com súditos britânicos, obra repleta de sua vem Viagens à Inglaterra e à Irlanda é uma anotações e comentários que, a despeito de retrato de uma época, preservam muito de sua contribui ção à análise comparativa das instituições, particular- da Ilha e do Continente por volta da segimda narrativa agradável de serem o mente as metade do século 19. É uma agudo observador de paisagens sociais. um
“Raramente, em minha vida, fui subjugado pela pala vra como naquele dia, ao ouvir aquele homem do povo. Minha alma inteira fora arrebatada como que por uma torrente irresistível, tão grande era o verdadeiro calor que se sentia nos pensamentos e a energia na expressão e na elocução do orador! Uma idéia, aliás, não cessou de se me apresentar enquanto ele falava. Eu via nele o precursor daqueles revolucionários que são chamados, num tempo em que não podia estar muito distante, a mudar a face da Inglaterra.”
Após expressar o forte impacto político-afetivo que lhe causara a fala do operário e arriscar um vaticínio sobre uma nova era que estaria sendo inaugurada na história da
LIGUE ESTA MAQUINA
Alberto Oliva e Mario Guerreiro são professores do departamento de Filosofia da UFRJ e autores, entre outros, do livro Presocráticos - A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000)
l
o Diário do Comércio é uma verdadeira máquina de difundir informações. \ De empresário para empresário.
Ao publicar suas Atas, Balanços e Convocações no Diário do Comércio, Diário do Comércio
Os reservatórios do sudeste chegaram, em 1999, à marca crítica de 18,1% da capacidade
A oferta de energia no País
Rodolpho Tourinho
Ex-ministro
OBrasil cruzou a década de 80 e a primeira metade dos anos 90 convivendo com
um quadro crônico de falta de investimentos no setor elétrico. Ao tomar posse em 1995, uma das primeiras iniciativas do presidente Fernando Henrique foi determinar a retomada, em parceria com a iniciativa privada, das obras paralisadas de 23 usinas.
Apesar desse esforço, o crescimento da economiaem conseqüência do Plano Real - não permitiu que se aliviasse de imediato o desequilíbrio entre oferta e demanda de energia. Os reservatórios do Sudeste chegaram, em 1999, à marca crítica de 18,1 % de sua capacidade de armazena-
No início do segundo mandato, estimou-se a necessidade de um aumende 40% da capacidade instaladap período de 1999 a 2004 - ou 26 mil mais de
bilidade do gasoduto Brasil-Bolívia, inaugurado em 1999.
Foi criado, assim, o PPT (Programa Prioritário de Termeletricidade, que assegura de 11 mil mW a 12 mil mW de expansão adicional da capacidade instalada de geração, para o que está garantida a oferta de até 50 milhões de m^/dia de gás natural, com preço vinculado ao custo da energia, não do petróleo.
O governo utilizou, complemencarmence, como empresa de energia inte ressada no negócio do gás - uma ten dência observada em todo o mercado
internacional -, a Petrobras para indu zir investimentos em boa parte das térmicas. A Eletrobrás também se de suas m país com o
potencial hídrico do Brasil tem vocação natural para a hidreletrícidade gem.
engajou, com a repotenciaçao usinas térmicas (Bongi, Camaçari e Santa Cruz, além de uma nova unida de, que servirá de backup das usinas de Angra).
As providências mostraram-se cor retas: somente este ano, o PPT colocará no mercado 2.700 mW, acrescentando ara to mW, o equivalente a pouco duas usinas de Itaipu -, de forma a atender a um crescimento de demanda de 5% ao ano.
A questão que se como garantir, no curto e no prazos, a necessária expansão da oferta, obras hidrelétricas em uma vez que as andamento e a conclusão de Angra 2 de 15 mil mW de aumento asseguravam apenas cerca da capacidade instalada.
colocava era de médio outros 3.200 mW, em 2002, e 5-800 mW, em 2003. Como reforço, o go verno lançou um programa de estimu lo à co-geração de pequenas plantas de geração de energia termelétrica, tam bém a gás natural, instaladas dentro das próprias em presas.
Faltavam, portanto, de 11 mil mW a 12 mil mW cobrir o crescimento projetado da demanda. Para para responder a esse desafio só havia uma resposta possível: usinas termelétricas movidas a gás natural. Além de poderem entrar em operação num prazo muito mais reduzido do que outros tipos de usina, havia a disponili ípiGESfè
Um país com o potencial hídrico do Brasil tem, evidentemente, vocação natural para a hidrelétrica. A confirmação desse caminho se dará a partir de 2005, quando entrarão em operação várias das usinas plane jadas ou em construção. No ano passado, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) licitou novas
Estamos em crise grave de energia.
Como solucioná-la?
concessões, equivalentes a 2.300 mW, despertando grande interesse da iniciativa privada. Este ano, serão leiloados novos aproveitamentos hidrelétricos, totalizando 6.700 mW.
Na linha de estimular soluções locais para pequenas está financiando a demandas de energia, o governo construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) e garantindo a compra dos excedentes produzidos, via Eletrobrás.
implantação do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), órgão que assessora diretamente o presi dente da República.
É preciso dizer, por fim, que, sendo essencialrnente baseado na hidreletrícidade (92%), o sistema elétrico brasileiro precisa - e sempre precisará - de chuvas regulares. O que fizemos foi, no curto prazo todas as providências possíveis para gerar a energia necessária e poupar os resei'vatórios do uso excessivo que estavam submetidos.
Merece, ainda, destaque a política de desenvolvi mento de outras fontes alternativas, como a eólica, , tomar contemplada pelo projeto de lei n° 2.905, em tramitação no Congresso Nacional.
A conservação de energia é tão importante quanto a geração. Por isso estamos aprofundando os programas já existentes na área de energia elétrica e de petróleo. Essas iniciativas ganharam novo
E, no longo prazo, aumentaremos significativamenos níveis
te a capacidade instalada, de forma a recuperar históricos de armazenamento e reduzir (mas não elimi nar, pois seria impossível) a dependência de chuva. ●
Tourinho
R n D o L P H o economista ex-ministro de Minas e Energia dinamismo com a MAÍO-JUNHO-2001E
ásperas à política externa
Política externa equivocada?
Vasco Mariz
Diplomata
Ey scá na moda escrever que o Brasil não tem política externa, e culpa-se o Itamaraty por isso. JEm verdade, o papel do Ministério das Relações Exteriores é apenas de planejar e formular, submetendo sugestões ao presidente da República. Se a proposta não é aceita, ela morre no Planalto, sem culpa do Itamaraty, que, afinal de contas, se limita a executar o que lhe ordena o presidente. Seja como for, a margem de manobra diplomática do Brasil conti nua muito estreita.
Em suas críticas ao Itamaraty, a mídia se vale, por vezes, de opiniões de analis tas políticos e professores universitári os sem a indispensável vivência do diaa-dia da diplomacia. É muito fácil ima ginar críticas ásperas à política externa, a contemplar os jardins de um belo campus universitário.
Novidade mesmo é a política externa que FHC vem tentando realizar, com êxito por vezes duvidoso, apesar do seu carisma pessoal e preparo intelectual. O curioso é que ele assumiu a Presidência com viés esquerdizante, derivando depois para o centro. Seu antecessor Itamar Franco havia ido mais longe, assumindo a defesa de Fidel Castro em conferências interamericanas. E os Estados Unidos da América têm uma política exter coerente? As guerras do golfo e de Kosovo foram acertos diplomáticos?
ometemos
terna tanto, asLir
Tivemos no passado alguns períodos de política bastante independente, como por exemplo na época da Operação Panamericana, dejuscelino Kubitschek, que acabou indiretamente redundando na criação do BID e da Aliança para Progresso. Já a promissora “política exindependente” de Jânio Quadros e João Goulart foi mal manejada. No endurante o regime militar, tivemos preendente implementação de muitas daquelas metas da “política externa independente . Os militares deram quase completa autonomia ao Itamaraty, e até o indigesto acordo militar com os EUA foi denunciado unilateralmente pelo Governo Geisel. A política externa dos chanceleres Gibson Barbosa, Azeredo da Silveira e Saraiva Guerreiro foi muito mais arrojada e autônoma do que a de seus sucessores.
tl^llVlAIQ-JUNHO-2001
O que se poderá dizer é que comete mos alguns erros diplomáticos, tais como contribuir com US$ 400 mi lhões para ajudar empresa brasileira a construir represa na China, ou enviar tropas para Angola e Timor, só para agradar às Nações Unidas, em busca de um duvidoso lugar permanente Conselho de Segurança. A recente via gem presidencial ao Oriente, para levar auxílio ao Timor Leste, pode até ser considerada um acinte aos sofridos nordestinos, que estão enfrentando forte seca no momento.
alguns erros diplomáticos, tais como contribuir com US$ 400 milhões para ajudar empresa brasileira a construir represa na China no o
Entretanto, no que concerne às di retrizes principais - a luta tenaz pelo sucesso do Mercosul, o combate persis tente em favor dos interesses brasileiros na Organização Mundial do Comércio e o esforço pelo adiamento da Alca - nisso o Itamaraty e o presidente estão absolutamente certos. E de se esperar que o douto chanceler Celso Lafer, com boa vivência nos foros na
multilaterais, receba suficiente liberdade de ação. Em recente entrevista a jornal paulistano, o exchanceler Luiz Felipe Lampreia comentou que o Brasil tinha política externa muito principista, voltada uma
DIGESTÔ ECONÔMICO
E de se esperar que o chanceler Lafer receba liberdade de ação
para a visão do Itamaraty, mais do que para a sociedade brasileira”. Não ficou clara essa distinção, pois sou a favor de princípios, desde que eles sejam da conveniên cia do Brasil. É verdade que os fatos internacionais evoluíram de diretrizes anteriores.
Esclareceu ele que “continuamos a ter como tônica a não-intervenção, mas não podemos recusar a idéia de que, em certas situações, nem tudo possa ser tratado como problemas internos, que não nos concernem
No entanto, recentemente, na OEA, quando os EUA quiseram intervir nas tumultuadas eleições peru anas, os países latino-americanos, inclusive o Brasil, recusaram-se a autorizar.
nossa
env
eredar pelo caminho institucional, pois o Mercosul ainda é uma proposta limitada, parcial e incompleta , Considera que “a Alca não tem um quadro definitivo e Brasil, se houver nossos produtos aos na entrevis-
ela pode vir a ser atraente para o realmente acesso preferencial de EUA”. O jornal colocou amável manchete ta: “Seis anos que revolucionaram a política externaque valem por 60”...
O que se pode pedir agora à opinião pública brasi leira e, sobretudo, ao presidente é que confie na expe riência do Itamaraty na luta pelos melhores do Brasil. Nestes tempos árduos, com como agressiva potência mundial a serviço de seus com a maior cautela conceitos foram aceitos, divergindo e novos seis anos interesses os EUA atuando bjetivos comerciais, devemos agir e sem demagogias. o Ponderou ainda Lampreia que “não precisamos estar liderança para tê-la”, e que ela proclamando significa “encargos e preço a pagar”. Comentando as crises sucessivas do Mercosul, afirmou: “Não devemos
V A SCO Mar z é embeiixador aposentado MAIO-JUNHO-2001 m
de uma loja de roupas feitas chamada “Ao profeta 197), faltava-lhe quantidade, pois o sortimento ofereci do por esse mercado incipiente se destinava a toda Província. Disso resultava o pouco apreço pelos modis mos, sendo as mulheres muito reservadas, a tal ponto que resistiram por longa data ao abandono das desusadas mantilhas de baeta. Um certo suíço denominado Grellet parece ter sido imponante mercador de gêneros franceses trazidos do Rio de Janeiro. É Saint-Hilaire que nos fornece uma pequena nota sobre o seu estabelecimento: muito simples, cujo proprietário era auxiliado por apenas um caixeiro, por sinal muito “atrapalhado e inexperiente” (p.l65). Ao que parece, um dos poucos exemplos dá cidade, na época de sua primeira visita.
Mesmo a casa do ourives, escreve Daniel Kidder, em 183'9, localizada nos recantos da cidade, “era destituída de soalho e da maioria dos objetos considerados indis pensáveis à decência e ao conforto... esposa, de origem portuguesa, desfila va as mais belas jóias, de trabalho muito rebuscado que talvez só houvesse simi lares na Europa, pois que seu marido era mestre na arte de ourivesaria, tendo mestre francês.
sido aprendiz de um dos primeiros joalheiros de Paris”, acrescenta o viajante (p.210).
.
(p.706).
Em 1896, o encarregado da missão comercial fran cesa, Wienner, parece ter impressões bastante positivas sobre o comércio paulista. Dentre aproximadamente 400 “pessoas devotadas à causa francesa” instalada na cidade de São Paulo, em sua maioria emigrados da Alsácia-Lorena, os chefs de maison por ele realçados são os seguintes: H. Lévy (negociante de tecidos); Jules Martin, Manfred Mayer, Jacques Hoenel (atacadistas de artigos de armarinho); Bourdelot (artigos de Paris); Felix Bloch, Gaston Picard (“grande importador fran cês do Estado de São Paulo - 7 milhões de transações”); Arthur Kahn, Charles Hü (“notável importador de vinhos franceses”), Moise e Chavasson.
Os artigos despachados com maior freqüência no Porto de Santos pelas companhias de navegação france sas, eram: couros vernizados, papel para escrever, batatas em sacas, automóveis, caixas de cognac, barris de manteiga, meias em fio escocês, tecidos de lã, sardinha enlatada, caixas de vinho, te¬
ANos anos trinta do século XIX fo ram pioneiros do comércio francês na cidade de São Paulo os irmãos Estevão
um e Celestino Borroul, mais precisamenrua do Rosário. Essa rua, depois te na da visita da família imperial a São Paulo, tomou o nome de rua da Impe ratriz (atualmente: rua XV de novem bro). Segundo Veiga Miranda, os des cendentes dos Bourroul não prosse guiram nas lides comerciais, passando às profissões liberais.
s mercadorias européias entravam
não sem muitos esforços no primeiro meeiro do século XIX
Todavia, sua cidos de seda, papel para cigarros, água de colônia, louças, livros e papéis, entre outros cujos valores eram menos ex pressivos. Digno de nota, mas não das grandes, pois a sua história ainda repre senta um mistério no conjunto das mercadorias francesas entradas no Rio de Janeiro e em São Paulo e que, por certo, tinham grande valia — conforme já observamos no decorrer deste artigo — é a circulação dos livros franceses nestas duas capitais. À falta de maiores dados sobre o comércio de mercadoria tão nobre quanto requisitada pelos ci dadãos mais ilustrados, vamos nos de ter em apenas alguns aspectos dos li vreiros franceses que se instalaram no burgo paulistano durante o século XIX.
Na mesma rua da Imperatriz, houve loja do francês Marmmottant, que vendia bengalas, chapéus de sol e de chuva, bijuterias, óculos e lunetas. Também os barbeiros e cabeleireiros Henrique Biard, Francisco Bossignon, José Pruvot e Pedro Teyssien. As informações de Antonio Egídio Martins, Spencer Vampré e outros cronistas da velha São Paulo, reunidas por Ernani Silva Bruno, nos falam que por volta de 1854 havia o Hotel Universal, do francês Lefebre. E em 1870, as estalagens de dois franceses: Charles e Fontaine. Tal era a hegemonia francesa em algumas atividades
Ernani Silva Bruno declarou: O comércio de modas, depois de 1860, concen trou-se nas mãos de franceses e de francesas, estabeleci dos quase sempre nas ruas da Imperatriz, de São Bento e do Ouvidor. Antonio Egídio Martins citou, entre as donas desses estabelecimentos, Madame Pruvot, Madame Martin, Madame Rochat e Madame Pascau. Esta última casada com o francês Pascau, dono também
Livreiros, estes iiustres mercadores
As primeiras notas mais dignas da importância dos livreiros para a formação cultural de nossas gentes saíram, muito provavelmente, da pena de Ernesto Senna. No citado O velho commercio do Rio de Janeiro, livro que rememora os primeiros comerciantes do Rio de Janeiro Imperial, que imprimiram suas marcas no notabilíssimo comércio da rua do Ouvidor, encontra mos um longo e por que não dizer agradável capítulo sobre a trajetória de Monsieur Baptiste Louis Garnier na capital fluminense. A primeira livraria que recebeu o nome desta linhagem de livreiros franceses, foi inau gurada no número 62 da rua do Ouvidor, em 1846. Não foi o único, embora tenha certamente sido o mais ilustre livreiro francês de que se teve notícia. Sua que l&aiMAIO-JUNHO-2001
chegada coincide com um momento de grande expan são do mercado editorial francês, em grande parte favorecido pelas transformações de ordem técnica das tipografias mas também em virtude da primazia do idioma francês no Ocidente.
Outrossim, a cultura livresca muito rapidamente se desenvolveu com a vinda da Corte e, posteriormente, com o advento da independência. A Impressão Régia manteve por longa data um certo monopólio sobre as publicações. Há de se observar, no entanto, que figu ram entre os primeiros títulos impressos no prelo da Impressão Regia o livro de autoria anônima Memória Histórica da Invasão dosFrancezes e as Observações sobre 0 Commercio Franco, assinadas por José da Silva Lisboa. Segundo Rubens Borba de Moraes, tratavam-se de assuntos “palpitantes” na época e que não poderiam ser preteridos, mesmo às custas dos títulos oficiosos man dados publicar por D. João (p.XIX).
Nos anos de 1820 este comércio já se intensifica, agora com um grande nú mero de livros importados, litografias, jornais etc., de acordo com Laurence Hallewell, em seu O livro no Brasil.
E São Paulo? Era natural que, pelo menos até os anos de 1850-60, os livros viessem do Rio de Janeiro, seguindo o mesmo percurso das demais mercado rias importadas. É igualmente que a circulação mais regular de livros se dê após a inauguração da Academia de Direito, pois não nos esqueçamos que seus alunos foram responsáveis não apenas pelo aparecimento da imprensa paulista, bem como pela formação de uma vida literária no burgo. Tem-se, por exemplo, notícias de que Alvares de Azevedo encomendava livros fran ceses através de sua mãe, residente no Rio de Janeiro. O mesmo deveríam fazer entre tantos outros alunos menos célebres e de cujas correspondên cias não temos notícias.
revelava o quão desinteressante parecia este ramo de negócio no burgo d’antanho.
Todavia, a situação que se nos apresenta noAlmanach de 1873 é bem diferente. Contam-se agora vinte e um estabelecimentos tipográficos, entre nomes de estran geiros e nacionais. Aparecem em destaque o “Gabinete que aluga livros”, de Madame Guilhem, rua da Impe ratriz, 50 e a loja de Anatole Louis Garraux, na mesmo ocupando os números 36 e 38. Sinal de que os negócios já progrediam consideravelmente. E momento, apenas nessa fase em que a capital paulista passa a adquirir maior autonomia econômica em rela ção às demais províncias, que tem sentido falar sobre a importância dos franceses e, sobretudo, de um francês, na difusão dos livros.
rna. e nesse e mais
Digno de nota é a circulação dos livros
certo músicas etc. Das comuns, contavam
franceses no Rio de Janeiro e em São Paulo
Constam no Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Provincia de São Paulo, para o ano de 1858, duas livrarias: a de Bernardino José Torres d’01iveira, localizada na rua da Imperatriz (atual 15 de Novembro) e a de José Fernandes de Sousa, no largo do Colégio. Eram três as tipografias: a de Azevedo Mar ques, era a maior e mais conhecida, responsável pelos principais jornais da cidade, inclusive pelos almanachs em questão; a de M.A, Bittencourt, onde eram impres sas as leis provinciais; e a de Antonio Louzada, também de caráter oficial, sendo responsável pela edição sema nal de Publicador Paulistano. Está claro que neste momento os livreiros mantém um comércio subordi nado ao do Rio de Janeiro. A ausência de estrangeiros, se comparada ao que ocorria no Distrito Federal,
ECÕNÕM ICO
Monsieur Anatole Louis Garraux transfere-se para a capital paulista em 1858. Nesse ano, trabalha em um pequeno balcão da já citada livraria de José Fernandes de Sousa, onde vende “papéis de carta, penas, lápis objetos de escritório, além de exem plares avulsos da Illustration e do Monde Illustré” Não demora a inau gurar seu próprio estabelecimento, fa zendo anunciar, com alarde, no Cor reio Paulistano de 18 de julho de 1860, a inauguração de sua loja, com gran de sortimento de músicas, métodos para piano, partituras, operas, modinhas brasileiras e portuguesas, papel para copiar publicações mais em seus anúncios: Revue de Deux Mondes, Journal des Economistes, Conseilleur des Dames, Journal de Familles, Revue Critique de Legislation, MondeIllustré. As remessas destas mer cadorias, entre outras, ficav^ por conta de um terceiro sócio, residente em Paris. Permaneceu na capital durante pouco mais de vinte anos. Tornou-se um livreiro célebre e muito respeitado na vida intelectual paulistana, chegando mesmo a edi tar alguns títulos, atividade que será mais tarde retoma da por seus sucessores, igualmente de origem francesa. O motivo de seu retorno para a França é, se^ndo Francisco de Assis Barbosa, de cujo autor nos vdemos dessas informações, impossível de se precisar. No en tanto, fato notável que bem ilustra o interesse do livreiro pela cultura livresca do nosso país, ^atole Garraux levou consigo títulos de franceses que dissertasobre o Brasil, além de fazer uma extensa pesquisa bibliotecas de sua terra natal, que viria a
ram em arquivos e publicada sobre o título de BibliographieBrêstltenne. A primeira edição foi publicada em Paris, em 1898 e, a . .gunda, editada pela José Olympio, é de 1962. Das poucas notícias deixadas sobre os livreiros franceses e os ser se MAIO-JUNHO-2001
títulos que fizeram circular entre os grupos literários e os leitores por formação, percebe-se que se tratou de um comércio de inegável importância para a formação das letras brasileiras. Pois não só o francesismo aparecia como moda, conforme sublinhamos anteriormence, como ele se destacara como fonte para a formação de um cultura intelectual livresca. Faz parte, ao lado de
Bibliografia
Auguste de Saint-Hiiaire.
Daniel P. Kjdder.
Denise Monteiro Takeya.
Ern/\ni Silva Bruno.
Ernesto Senna.
Francisco de Assis Babosa.
Guilherme Deveza.
J. DE Barros Martins.
LaURENCE Hy\LLE\VELL
seus livreiros, de um capítulo importante desta muito recente história do livro brasileiro, que se inicia no Império. 9
Lincoln Secco e Marisa Deaecto são historiadores da USP e pesquisadores da FAPESPFundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo.
Viagem h Província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil, Província Cisplatina ou Missões do Paraguai. São Paulo: Martins, 1945. 375 p. (Biblioteca Histórica Brasileira).
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“Alguns aspectos da influência francesa no Brasil (notas em torno de Anatolc Louis Garraux c da sua livraria em São Paulo). in\ A.L.Garraux. Bibliographie Brésilienne. 2^ ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1962. (Coleção Documentos Brasileiros).
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Sérgio Bumlque de Holanda. . “Prefácio”, in; Maria Beatriz Nizza da Silva. Cultura e sociedade no Rio de Janeiro (1808-1821), segunda edição. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1978, pp. IX - XIX (Coleção Brasiliana, 363).
Sl’IX E Martius.
Veiga Mii^anda.
Viagem pelo Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1938. 2 vol.
Alvares de Azevedo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1931, 299 p.
injustificável a politizaçao da universidade e na universidade
O problema da avallaçao
Cláudio M. Chaves
Médico
trabalho maior de dar
de toda evidência que o I conteúdo a uma prova, para avaliar o candidato ●d ao Legislativo, não vem das universidades onde foram escolhidos os professores que a elaborarão. Será, deles. Mas, de toda evidência também, é saber em traços sumários como se vêm comportando essas três univer sidades, pelas quais foram esses professores designados em questões de prática política sensu stricto , a que inegavelmente se estão dedicando de modo a bem caracterizar o que Julián Marias, filosofo e professor universitário, proscreveu peremptoriamente: “É absolutamente injustificável a poUtização da universidade, nem se quer a politizaçao na universidade”. Os episódios enumerados no terceiro arti go, envolvendo respectivamente o vicereitor, um pró-reitor e o reitor de cada uma dessas três universidades, e demais episódios juntamente mencionados, não deixam dúvidas de como e em que sentido vão elas caminhando, e não apenas elas, como outras que deixo de exemplificar por não caberem ao pro pósito da questão que nos ocupa. Con figuram esses episódios, 67 a 55 anos depois (1933-1945). “mutatis mutanque Jasper resumiu daqueles doze anos: “(●●●) só existia a maneira nacional-socialista de pensar e falar, que estava espalhada por toda parre ela ganhava daí sua força sugestiv^, acabava por ser evidente por si mesma , e isto tem peso inegável também.
passado em seus mais de oitenta anos, deleite supremo de considerações teóricas dos acadêmicos da Universi dade de aquém Cortina de Ferro que se negam a verdade para poderem servir à política “sensu stricto sob o disfarce, principalmente, de ciências sociais, ciências políticas. Expressões equivalentes do compor tamento da broncalha e cúpulas emeessetistas podem- se considerar as recentes greves promovidas pe.os uni versitários da USP e da UNICAMP, com todos os engodos e subterfúgios de que lancem mão para justifica- las. São elas um dos componentes com que o falecido Roque Spencer Maciel de Barros, professor realmente univer- is atividades do
7)ara o intelectual mais radical e ativista, o socialismo representa um meio para atingir um fim de poder
sitário, resumia as atuais docente universitário; assemreuniões, refle- corpo bleismo e grevnmo xões, discus.sõ .s, e a rdade a primeira e única para muitos O triste papel da univer-
última ratio”, em ve deles-a greve. _ sidade na introdução e desenvolvimen- do ideário comunista, dentro e fora denomina- to de seu corpo, com quantas çÕes teóricas atenuantes o disfarcem, e sua garantia em atividades não condi zentes com as finalidades universitárirdadeira política sensustncto ,e as, ve finalmente sua extensão ao movimenideolo- dis”, to subversivo que concretiza a gia vermelha no País. Não saber que na vivência em sociedade a visão política e ms... ^errpin da vida, e mais, perversora e sciiipicu 1 mip no olano intelectual essa irresponsável, e, sabendo que no pia _ visão^ política opõe-se à visão da universidade - busca o poder legal desviado de suas findidades irresponsável, a outra busca a verdade abdicar de si ● à força. e para a juventude mesma e sujeitar-se Mas não apenas ingênuos nosso diplomata Meira Penna, indo além dos que professam
A fundamentação oferecida nos artigos é basicamen te representada pelas práticas subversivas do MST, o que se explica por ser ele, de anos para cá, a expressão maior nesse campo de atuação, em nosso País, dos que insistem na materialização da ideologia comunista, com todas as variações e adaptações por que tenha
rebuços alerta aos e ex-embaixador J. O. de na univerMAIO-JUNHO-2001 et isso, como sem