DIGESTO ECONÔMICO, número 392, setembro e outubro 1998

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- estes, ao contrário.

o financiamento depende da confiança do povo no sistema financeiro, permitindo que as poupanças se formem e sejam aplicadas. A desconfiança do sistema financeiro pode gerar sua quebra e a sua quebra gera a quebra de todo o processo produtivo. Por esta razão, é que todos os países civilizados têm o seu Proer , para evitar a inconfiabilidade do sistema e manter a economia atuante. O “Proer” não dá di nheiro para banqueiros falidos ficam com seus bens indisponíveis - mas para o poupador, o correntista, o aplicador, que permitem a m^utenção do sistema. A crítica que se faz ao Proer ou em^ógica, ou apenas exteriorização de uma tantásuca ignorância econômica, acreditar que as esquerdas dos evoluíram, como afirmou o mumtro mgles. mas a esquerda brasÜeira, em matéria

econômica, ainda patina na fabricação de “slogans”, sem nenhum plano definido para enfrentar os enormes problemas que a economia nacional tem pela frente. Enquanto na crise mundial, os países afetados preten dem reduzir a carga tributária, a bandeira da esquerda brasileira é combatê-la com o aumento desta carga!!!

Um país não se governa apenas com o ataque, muitas vezes sem fundamento, às pessoas e aos planos dos outros, mas principalmente com planos consistentes, capazes de tirar o país da crise. E, estes, até agora eu não os vi, nas diversas manifestações dos líderes da oposição de esquerda. ●

Ives Gandra da Silva Martins, éprofessor Emérito da Universidade Mackenzie, Presidente da Academia Interna cional de Direito e Economia e do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação do Comércio do Estado de S. Paulo.

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Merece louvor a iniciativa governamental consistente em atribuir à sentença arbitrai validade e eficácia próprias

Direito e tecnologia

Aoestudar a crise do Judiciário, muitas vezes se esquece que ela depende, em grande parte, de uma mudança de atitude do legislador, do juiz e do advogado perante os fatos sociais, com conseqüentes alterações no ordenamento jurídico em vigor.

Tem-se dito, com razão, que a mentalidade do homem do direito é mais conservadora do que revolu cionária, mais inclinada à gradativa atualização das leis do que à imediata implantação de novos sistemas e procedimentos. Não é sem motivo que a denominação clássica de ciência do direito, ligada às suas fontes romanas, era “jurispmdência”, dando-se, ademais, gran de valor à prudentia iuris^ ou seja, à conduta prudente dos operadores do direito, como uma de suas virtudes naturais. Isso explica o fato paradoxal de alguns emi nentes juristas serem, às vezes, altamente progressistas matéria social e política, mas apegados à tradição no concernente à interpretação e à aplicação do direito positivo.

em suas

Até mesmo o insigne Pontes de Miranda incidiu na apontada antinomia. Adepto de idéias progressistas em obras de política e sociologia, acabou, em direito, combinando as diretrizes de seu cientificismo natura lista com as do Pandectismo alemão infenso às idéias de eqüidade ou boa-fé, ou seja, a qualquer valor que não resulte do próprio ordenamento jurídico positivo se gundo critérios estritamente científicos.

O chamado movimento da “concreção jurídica” - o qual não é senão o da visão experiencial social do direito, sob diversas perspectivas - tem por fim exatamente superar o formalismo dominante no mundo jurídico, sem se perder no criacionismo arbitrário de uma Justiça Alternativa, nova veste da antiga, corrente do Direito Livre. O certo é que já prevalece, felizmente, entre os juristas mais atualizados, o predomínio das finalidades coletivas sobre as individuais e as estatais, muito embosem abandono dos valores da certeza e da segurança, essenciais à garantia dos direitos da pessoa humana.

É essa nova mentalidade que vai aos poucos nos libertando das soluções formahstas ditadas pela idéia de

que o único meio de alcançar os objetivos éticos e econômicos da lei consiste em especificar nela mesma, rigorosa e minuciosamente, tudo o que deve ser feito, estabelecendo-se sanções formais. Hoje, ao contrário, estamos convencidos de que nada é mais propício a desvios e cormpções do que as minudências legais tão do gosto dos burocratas.

Numa época em que se fala tanto em privatização dos serviços e empresas estatais, é o caso de dizer que estamos precisados também da “privatização” “desburocratização” da mentalidade dos legfeladores e dos administradores^ sobretudo em virtude do advento de processos eletrônicos que nos permitem alcançar, graças à informática, resultados bem mais hígidos e transpa rentes do que os esperados de obsoletos sistemas e procedimentos de natureza formal.

Ainda recentemente. Enrique Iglesias, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento, criticava os países da América Latina e do Caribe por subordinarem as compras pelo Estado de produtos agrícolas ou industriais a rotineiros sistemas de iidta^o, advertindo que o empre go da informática viria facilitar as compras públicas, por exemplo mediante a Internet, ficando assegurada a aqui sição dos bens desejados com garantia de qualidade e baixos custos, num vasto quadro de ofertas públicas, com grande transparência e minimização de oportunidades de cormpção. É claro que a escolha da melhor oferta seria precedida de cuidadoso exame da autenticidade e legiti midade da empresa que a fàz.

A meu ver, há necessidade de limitar a exigência de concorrência púbÜca, devidamente amalizada, aos ca sos em que estão em jogo questões da mais alta comple xidade técnica, envolvendo gigantescos investimentos. Não se compreende, porém, que se instaure um proce dimento demorado e dispendioso para contratação de obras e serviços rotineiros que não exijam maior especiaUzação. Fácil é reconhecer que, com os novos métodos, de um lado, se aumenta a pubUcidade dos atos admi nistrativos e, do outro, se previne a ocorrência das demandas judiciais que freqüentemente acompanham os processos licitatórios.

Nessa ordem de idéias merece louvor a iniciadva governamental que cul minou na Lei n9 9.307, de 23 de setembro de 1996, a que deu novas vestes à arbitragem, con ferindo-lhe imprescindí vel autonomia, consistenem atribuir à sentença arbitrai validade e eficácia próprias, não sendo mais facultado à te parte, incon formada com o decidido, impugná-la nos tribunais, mesmo quando prevista impossibilidade de so no Judiciário. Pelas dis posições ora em vigor, essa possibilidade de contrasteação judicial somente é admitida em ocorrendo nulidade no processo de arbitramento recure nos casos previstos na citada lei pecial, o que torna a arbi tragem um procedimen to prático e eficaz.

A convenção arbitrai, que enseja a solução dos conflitos de interesses mediante eleição de árbi tros privados, para os fins e nos limites estabeleci dos em lei, representa, rTtÍlpTrhltimçãtP-t

ciai da Justiça. Digo parcial arbitrai pode ser judicial es-

adequada à solução de litígios

porque o compromisso nnrn,,^ o ^xtrajudicial e, também, DoXei. acerca de direitos indis- po^veis, cabera a Justiça previamente resolvê-las.

cresXtes^d “'X dificuldades XXr ^ “nhecimentos técnicos especializados que deram nova força à idéia de os próprios contratantes poderem resolver suas pendências judiciais e árbitros considerados de sua particular confiança, a fim de, decidirem de conformidade com as normas proces suais previstas no diploma legal, ou prefixada^ pelos porTiXcar '

Com essa inovação - reclamada há dezenas de anos por vanos juristas, entre os quais me incluo - são atendidas tres exigências fundamentais, a saber: a existência de divergências cuja solução não pode ou ser mmm ■ outubro - ^ Sjs;

confiada aos peritos que normalmente atuam no foro; não serem os juizes omniscientes, dotados de conhecimentos que os habilitem a resolver quaisquer questões ou a optar entre laudos técnicos divergen tes; e, finalmente, o superamento dos entraves buro cráticos que rondam os processos judiciais, com imensa perda de tempo. Ademais, aos poucos irá aumentando o número de entidades habilitadas quer para assessorar as partes em litígio, quer para desem penhar a função de árbitro,se assim for estipulado na convenção.

Dir-se-á que, nos dois exemplos por mim dados, não faltarão abusos, mas seria ingênuo pensar que há solu ções políticas ou jurídicas totalmente isentas de risco. O que importa é que ambos demonstram o perene empe nho de obter justiça concreta e tempestiva. ●

Miguel jurista, Jilósofo, membro da Academia Brasileira de Letras, foi reitor da USP

lílíífi

Devemos evitar o velho hábito político de regulamentar excessivamente

Info-ricos e info-pobres

A I 4odo o mundo já ouviu falar na Revolução da I Informação. É, inclusive, expressão usada pelo -M- próprio governo americano, a partir do presidente Clinton, um entusiasta, que está pondo sob o regime de comércio eletrônico, a partir do início do ano que vem, a totalidade das transações da administração do país. E é também a paixão do oposicionista-mor, o republicano Newton Gringrich. Ninguém quer ficar para trás. A garotada terá de sair do ensino médio inteiramente alfabeinformática. A internet é uma explosão

centavo.

nos tizada em inintermpta. Em meados de 1995, a arrogância burocrá tica da nossa Embratel pretendeu oferecer a 250 formado res de opinião, quase como à rede. Hoje temos perto de 2 milhões de internautas (o dobro do resto da América Latina). E há 6 milhões de computadores instalados (indo para 10 mi lhões), num esforço de recuperarmos o tempo perdido. Antes do oba-oba, porém, é bom lembrar que há no mundo uns 107 milhões de internautas (contando com mais de 30 milhões de equipamentos servidores) e que, só Estados Unidos, cerca de 50% das residências terão computadores pessoais e haverá mais de 70 milhões de usuários de correio eletrônico. Nesse país, o setor das tecnologias da informação representa hoje 8,2% do PIB, quase o dobro do que era em 1985. E nos últimos cinco anos respondeu por uma quarta parte de todo o crescimen to econômico, não incluídos os efeitos indiretos. Note-se ainda que contribuiu para reduzir as pressões inflacionárias de 3,1 % para 2% (1997), ao mesmo tempo que a sua mãode-obra tinha uma remuneração média de 65% maior do que a do resto dos trabalhadores.

Cifras fantásticas, como a projeção de US$ 300 bilhões a 600 bilhões de movimento do comércio eletrônico, no 2000, e US$ 1,25 trilhão, em 2005, circulam atualmente pela imprensa. Os custos das transações eletrô nicas representam apenas uma pequena fração de transa ções diretas em lojas ou por telefone e fax. E micropagamentos, por “smart cards” ou pela Net, já permitem transferir centavos, tão baixo é o seu custo. Este é de um graça divina, uma senha para o acesso nos ano

pela Net, numa transação bancária que iria a mais de um dólar se feito cradicionalmence no caixa. Estima-se Estados Unidos , que conectando-se eletronicamente todos os pagamentos, os custos de processamento dos cheques se reduziriam de US$ 9 bilhões a US$ 46 bilhões por ano. Uma empresa de entrega de volumes, a Federal Express, executa e monitora 54 milhões de transações/dia (2/3 de suas operações) numa rede própria, reduzindo o prazo médio de quatro semanas para uma, com a segurança de acompanhar onde estão, a cada momento, os pacotes da clientela.

Esse cenário abre formidáveis oportunidades, mas não sem custos e riscos, que é preciso, antes de mais nada, procurar entender. Mesmo porque o mundo não vai ficar parado, e se continuarmos, à moda da casa, a olhá-lo pelo espelho retrovisor, vai ser difícil não sair da estrada. O Brasil já alcançou um bom grau de modernidade tec nológica e está progredindo rapidamente no apoio à pesquisa e ao desenvolvimento, que já passou, nestes últimos anos, da história média de 0,6% a 0,7% do PIB para 1,2% (o mesmo que a Itália) e deve chegar no começo do século a 2%, o que já é condição de Primeiro Mundo. Mas ainda não saiu de info-pobre para info-rico.

A complicação maior é que a lambança geral do Estado brasileiro atrapalha as decisões racionais e o gerenciamento eficiente, que consiste simplesmente em cobrar resultados. Ainda temos um resto de mentalidade colonial; achamos que o “governo”, esse supremo e incompreensível procu rador dos deuses na terra, tem de nomear fiscais (de carreira, é claro, e muito bem pagos) para xeretar preven tivamente tudo o que todo o mundo faça.

A revolução da microeletrônica está encurtando cada vez mais o prazo de vacinação contra a burrice. As telecomuni cações e os computadores encolhem potencialmente, a tal ponto, o tempo e o espaço, que temos de mudar as nossas maneiras tradicionais de ver o mundo.

Pense-se, por exemplo, no trabalho. As estmturas burocráticas rígidas estão sendo substituídas por “células” e gmpos que passam por cima das antigas categorias

profissionais e das hierar quias pesadas. No setor produüvo, a “qualidade total passa a ser uma res ponsabilidade de todos, não apenas de inspetores e gerentes. O trabalhador precisa ter alto nível de educação e informação para tomar decisões

operacio nais e resolver problemas. A reciclagem permanente é a regra. País que não dispuser de uma força de trabalho qualificadíssima verá os empregos mais bem pagos emigrando para lu gares mais adiantados.

Puma vez

A dicotomia “patrâoempregado” também está desaparecendo, que todos têm “funções” e “tarefas”. Por outro lado, também diminui

a segu rança do emprego, porque a própria empresa está se tornando mais fluida, até “virtual”, sujeita a um cres cente irsco de absolescência ou inadaptação fatais. A ^azon Books, por exemplo, que oferece 2.5 milhões de livros (as maiores livrarias tradicionais não chegam a 150 utulos). nao tem lojas. Conta apenas com uns 8.000 ch^dírr' Internet, no que tem sido chamado de on-line franchising.

Aeradotelettabalhojácomeçou.SónosEstadosUnidos,jasao talvez 11 milhões de “empregados” (sem contar os que operam porcontaprópria)e.naEuropaeem outras regiões .estrutura telefônica, a prática está se =>“"<i*des (v.g! consultoria. genharia. design produção de softwares. etc.) comporremoto em grapos distribuídos pelo mundo afora. A telemedicma está virando uma realida de embora exija uma avançada infra-estrutura de processamento de dados e de

IV T- comumcações, ainda escassa nar-ipnr é ncnhum sonho imaginar um p ente em Sorocaba. cÜgamos. sendo monitorado no oimt Sinai Hospital. E a teleeducação jáé nm fato da vida. E perfeitamente possível a um esmdante. em Goiás, fazer uma pos-gradua^o séria em algumas universidades ameri- europeias. Como também é possível controlar instantaneamente uma frota de caminhões, com localização remota, ou integrar todo o sistema de saúde, indusive a rantnbihdade e os estoques, reduzindo bastante os roubos haudes. em muitas canas ou

A revolução da micro-eletrôníca está encurtando o prazo de vacinação contra a burrice cintura e competência. No século passado, e em muito do atual, foram preocupações dominantes o desenvol vimento da infra-estrutura econômica e social-física (estradas, hospitais, escolas etc.), o controle dos “mo nopólios naturais” (o que serviu de pretexto para a bruta farra das estatais) e a proteção contra a concor rência estrangeira. Hoje, porém, o importante é a função: fazer funcionar bem o sistema, que está sem pre mudando e se renovando. Oferecer educação ótima a custos baixos, em vez de se limitar à construção de prédios escolares. E o protecionismo — frequente mente bandeira de malandro — pode atrapalhar mais do que ajudar num ambiente competitivo globa lizado. A dosagem é difícil, porque como não param as turbulências do contexto econômico e social, e do estado da técnica, fica difícil fixar bem os pontos de referência. E devemos evitar o velho hábito político de regulamentar excessivamente, impondo estúpidas e inúteis exigências ao setor produtivo, para alegria dos despachantes e tristeza dos que se preocupam com o Custo Brasil. ●

Mas tudo i isso requer um governo jogo de com

|ÇírTI?rv1R?IG OUTUBRO

Roberto Campos, 81, economista e diplomata, é deputadojèderalpelo PPB do Rio de Janeiro. Foi senadorpelo PDS-MTe ministro do Planqamento (governo Cas^Uo Branco). É autor de “A Lanterna na Popa ”

A economia mundial terá uma nova locomotiva e se multiplicarão as oportunidades de investimento

O euro como estabilizador da economia mundial

Aprogressiva entrada em vigor do euro como

moeda única dos países da Comunidade Euro péia é uma boa notícia não apenas para a Europa, mas também para a economia mundial. A criação do Banco Central Europeu, que já começou a emitir sinais de independência, e a decisão dos países da CE de transferir à nova instituição as principais responsabili dades em matéria de política monetária e cambial terão impactos positivos tanto em nível regional como global.

A competição que tende a se estabelecer entre o euro dólar será - por constituírem as moedas de reserva preferidas mundial, obrigando europeus e americanos à máxima prudência em matéria monetária e fiscal.

Observe-se que neste momento um dos fatores de maior incerteza na economia mundial é o temor de uma guerra de “desvalorizações competitivas” na região asi ática. Na medida que o euro se consolidar, não haverá este tipo de temor no importante conjunto de países associados à moeda européia.

Há quem, aceitando a validade do “fator estabilizador” do euro, resista a destacá-lo por acreditar que a Europa tentará fortalecer o euro através de uma política mone tária restritiva, que eleve as taxas de juros de curto prazo. Mas, na verdade, é errado pensar que a reputação do euro se construirá atraindo capitais especulativos por meio de exagerados rendimentos financeiros. A verda deira prova de fogo para a reputação do euro é e será a capacidade do Banco Central Europeu de manter a estabilidade de preços na região. E isto tem a ver com a política monetária, mas também com recomendações matéria fiscal e outros aspectos-chave da política econômica.

autoridades dos países vizinhos ao Japão chegarem

se as a esta conclusão dentro de pouco tempo. Mas, para que o euro resulte num bom exemplo e para que seja uma moeda competitiva frente a divisas como o dólar, deverão consolidar-se mudanças na forma de fazer política econômica dos governos envolvidos. Deverá ser respeitada a idéia básica de que o único objetivo da política monetária é a estabilidade de preços instrumentos monetários e cambiais não são e que os adequados quando se perseguem objetivos na economia real, tais como a competitividade, a luta contra o desemprego, incentivos à poupança e ao investimento etc. As ferramentas mais eficientes para obter estes resultados de médio e longo prazos deverão ser buscadas através da abertura e desregulamentação dos mercados, de políticas de geração de empregos e de gastos públicos compatíveis com a eqüidade e com a correta destinação de recursos para a produção, e da defesa da competição. Na América Latina, e particuiarmente na Argentina, aprendemos no passado sobre os enormes custos do uso e do abuso das políticas monetárias e cambiais para, supostamente, promover o crescimento. Ao retomar-se a estabilidade — no caso argentino, através da convertibilidade do peso — e dificultando o uso de instrumentos inadequados de política econômica, a atenção dos dirigentes políticos e empresariais, assim como a dos funcionários, tendeu a concentrar-se nos verdadeiros determinantes do

Uma experiência bem-sucedida do euro permitirá que em outras regiões do mundo se façam tentativas mesma direção. Isto é particularmente necessário hoje para a área do yen, na Ásia, e não deveriamos estranhar

e o fator estabilizador para a economia um crescimento e numa melhor designação de recursos. E, assim, houve avanços significativos; eliminação de impostos excessivos; remo ção de regulamentos que impediam o aumento da produtividade; aumento sustentado da poupança do méstica; e reforma global do sistema de aposentadoria. Em alguns casos, as forças políticas prevalecentes resis tiram a essas mudanças profundas, mas se progrediu no diagnóstico dos problemas, como por exemplo na necessidade de uma ampla reforma trabalhista para

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a vigorar em 12 de Janeiro de 1999, vai ser um estabijlzador economico

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AuIrT e expansões de ctódito espúrias. Além disso, ao vetar esses instrumentos, os debates de política ecxmônuca deveião se concentrar nas questões relevante. E assim será possível concentrar a atenção na promoção de mudanças em matérias de legislação trabaadesão

exportações da América as

Ihista, no plano tributário, nos gastos orçamentários e no funcionamento pleno dos mercados, sem regulamenta ções desnecessárias nem manejos monopolistas. Como resultado desta maior atenção às questões relevan tes, a Europa começa a crescer em ritmo mais intenso, reduzindo a taxa de desemprego e o benefício não será sentido apenas pelos europeus. A economia mundial terá uma nova locomotiva e se multiplicarão as oportunida des de investimento e também de comércio exterior. Haverá um novo ímã para Latina.

Domingo Cavallo éex-ministro da Economia da Argentina. ^SÊTgíVíBRO - OUTUBRO - 1998

Devemos ressaltar a importância das instituições para o desenvolvimento economico

Instituições e desenvolvimento

Os economistas, no geral, costumam dar pouca atenção aos aspeaos institucionais na análise econômica ou na formulação de planos de desen volvimento. Isso talvez por suporem que o sistema de economia de mercado implica automaticamente a existên cia de um marco institucional adequado. Para que o mercado, no entanto, possa propiciar o uso mais eficiente dos recursos e promova o desenvolvimento, é necessana a existência de um conjunto de regras (instituições) que fevoreça a concorrência e a inovação. Tocla atividade econômica pode ser traduzida por intercâmbio ^^ ções, o que envolve custos. São os chamados “custos de transação”, para se obter as informações necessárias à realização denegócios,ànegociação de acordosecontratos, ao acompanhamento do cumprimento do contrato, às sanções em caso de descumprimento, etc. Esses custos são influenciados, positiva ou negativamente, pelas insti^- ções, que podem ser definidas como as “regras do jogo” de uma economia e a forma e o grau com que se efzem cumprílas, ou seja, a segurança que oferecem para os negócios. Quanto mais claros e protegidos os d^eitos dos econômicos, mais baixos serão os “custos de

Coréias, as duas Alemanhas, Taiwan e China, onde dife rentes instituições produziram resultados diversos, embo ra se tratasse dos mesmos povos em duas nações.

sistemas

outransa-

Estudos do Banco Mundial, sobretudo a partir das experiências da transição das economias socialistas para de mercado, têm destacado a importância dos aspectos “macroinstitucionais” para o desenvolvimento econômico. John Willianson, revendo o Consenso de Washington” em 1996, incluiu o reconhecimento da necessidade de se aprimorar as habilidades dos governos de monitorar e supervisionar o sistema financeiro, estabelecer a s^;urança do direito de propriedade e construir institui ções necessárias para o desenvolvimento econômico, inclu indo um efetivo e independente Banco Central, um sistema de administração orçamentária e agências que promovam o crescimento da produtividade industrial.

Rudolf Hommes, reitor da Universidade de Los Andes, Colômbia, fiJando sobre “O papel das instituições pver- existência de um sistema

namentais”, sustenta que a jurídico transparente, estável, confiável e compatível com os costumes do pafe é um requisito indispensável para o desenvolvimento dos sistemas de intercâmbio que permiestimulam o desenvolvimento”. Para completar, é agentes transação”, e, portanto, maior será o desenvolvimento. Isso envolve não apenas a Constituição, as leis e regulamentos como a forma como o governo e o sistema político atuam preservação do sistema jurídico e como o Poder Judici ário atua para garantir os direitos.

Existem instituições que efvorecem a criação de rique zas, como, por exemplo, as dos Estados Unidos, da Ii^terra, da Holanda, do Chile e, mesmo, as da Argen tina da atualidade, enquanto em outros países elas privile giam os aspectos recÜstributivos, como na França, ou fiivorecem grupos, como era muito comum na América Latina, contribuindo para menores taxas de crescimento. Os sistemas socialistas representam claros exemplos de instituições que não favorecem o desenvolvimento, o que fica bastante evidente quando se comparam as duas

tem e necessária uma estmtura de governo complexa, capaz de impor a lei e fazer que ela seja respeitada. O papel do Estado como agente produtivo é definir e aplicar r^;ras em forma transparente e consistente e prover mecanismos eficientes para resolver conflitos, o que faciUta o intercâm bio impessoal e reduz os “custos de transação” no mercado. No Brasil muito se tem discutido a questão da necessi dade de reformulado das instituições, entendido como tal a realização da reforma administrativa, da Previdência, tributária e política, todas elas absolutamente necessárias e ur^ntes, porque representam estmturas de uma econo mia fechada, absolutamente incompatíveis com a nova realidade do País, aberto para o exterior. Existem, no entanto, outros aspectos das instituições

brasileiras que têm sido pouco analisados, apesar de importância para o desenvolvimento brasileiro. Tais peaos se referem não apenas à uma infinidade de leis e regulamentos que oneram os “custos de transação exigências burocráticas descabidas, herança de um Estado dingista e centralizador. Mais importante, contudo, seria examinar até que ponto as instituições brasileiras assegu- direito de propriedade e o respeito aos contratos, pilares fundamentais da economia de mercado, base necessária para assegurar a credibilidade nas regras do jogo e a confiança dos agentes econômicos.

Infelizmente a situação do Brasil nesse aspecto é lamen tável. Uma fi-ase parece refletir bem a situação. “O Brasil e o único país do mundo que o direito de pro priedade tem de ser garan tido pelo Judiciário. No mundo todo é a polícia os proprietários que o ga rantem.”

Essa frase retrata acontece na área rural bra sileira onde a omissão dos

se

OBrasÜéoúnlcopaísondeodlreltodepropriedadeégarantldopelojudlclário ona vas

o que governos permite a cons tante invasão de proprie dades, obrigando seus proprietanos a recorrerem Judiciário ao para a reinte gração de posse, sem hajanenhumapuniçãoque invasores. O pior, no en tanto, foi a demagógica e absurda lesão do direito de propriedade promovida pelo Congresso, com o aval do Executivo aos e a omissão da sociedade, quando aprovou o “rito sumário” para a desapropriação de propriedades rurais e o ITR com ahquotaconfiscatóri para as áreas “improdutiduvidas e i

restrito à área agrícola, gera pregões de grupos minoritários ousados.

Tue ^ ou dinhe.ro. serve a propósitos alheios que lhe corresponde, não pode ser imparcial... e nessas condiçoes nao pode cumprir com os requisitos que se lhe exigem para ser um agente do progresso e do crescimento economico . aos

Os riscos da atividade agrícola e, portanto, os “custos de ~RÍRÓ -1998

transação” no setor foram absurdamente elevados, o que seguramente comprometerá o desenvolvimento da agropecuária brasileira, pois afugentará capitais e talentos que irão procurar áreas onde aqueles custos sejam menores. O exemplo da Argentina é bem ilustrativo do papel das instituições para os agentes econômicos. O megainvestidor George Soros investiu em uma grande área agrícola naque le país confiante em que seus direitos de propriedade serão respeitados. O país vizinho vem conseguindo aumentar significativamente sua produção de grãos, que passou de 34 milhões de toneladas em 1994 para cerca de 60 milhões em 1997, enquanto o Brasil não consegue ultrapassar os 80 milhões de toneladas há muitos anos. Embora outros fatores possam ter contri buído para esse desempe nho argentino, não há dú vidas de que instituições fevoráveis foram fator fun damental para atrair in vestimentos para o setor. Outro aspecto negativo de nossas instituições é a demora do Judiciário em decidir questões relevantes na área econômica, como, por exemplo, na retomada de imóveis em caso de nãopagamento, o que, segura mente, reduziu o volume de recursos aplicados na constmçâo ci>^ nos últi mos anos. Como o proble ma da lentidão do Judiciário não deverá ser resolvido no curto prazo, a solução encontrada para atrair pitais para o setor imobili ário foi a de modificar a legislação, permitindo aalienação fiduciária em vez da hipoteca como garantia do financiamento, o que pro picia maior rapidez na retomada do imóvel. A irracionalidade do sistema tributário, a irgidez da legislação trabalhista, o elevado peso dos encargos sociais são outros exemplos de instituições que inibem o crescimento da economia brasilei ra. Muitos outros aspectos poderíam ser mencionados, mas 0 objetivo deste artigo é apenas ressaltar a importância das instituições para o desenvolvimento econômico e a necessi dade de se analisar até que ponto as instituições brasileiras se constituem em fator de estímulo ou de inibição para que o País possa apresentar taxas elevadas e sustentáveis de crescimento da economia. ●

Marcei Domingos Soliinco éeconomista e diretor do Instituto de Economia daACSP

[■PlGlyrÓ :£ÇONÔMtCO'

No regime presidencial tiveram razão os que vetaram a reeleição do presidente

O gosto do poder

N’’ão me surpreende a campanha atual da Argen

tina contra a reeleição de seu presidente. Como também não está fora de meus cálculos o forço desesperado do presidente Menem e de seus correligionários, para que volte a ser candidato à reelei ção, não uma vez, mas duas, três e tantas quanto for possível, parecendo que o gosto do poder nasceu própria eleição para o primeiro mandato. O que, de certo modo, explica a presença de Porfirio Diaz que permaneceu no cargo de presidente do México até expulso por uma revolução, que o obrigou a refugiar-se França, onde veio a morrer como exilado político, tendo passado a símbolo da reelegibilidade dos presi dentes das Repúblicas.

Não tenho nenhuma dúvida de que o sr. Fernando Henrique Cardoso não teria nenhuma hesitação em reeleger tantas vezes quanto fosse possível. E quem deu essa impressão foi o meu próprio companhei- de diretoria da Associação Brasileira de Imprensa, Augusto Vilas Bôas, que ouviu o general Felicíssimo Cardoso dizer que o seu sobrinho, Fernando Henrique, não lhe merecia confiança, embora figu rasse o seu nome na lista dos defensores da Petrobras. Uma desconfiança que tenho ouvido confirmada pelos meus amigos, que vinham lutando pela Petrobras. Uma suspeita que, de certa forma, confirmou com as medidas adotadas por ele em relação à Petrobras. Ninguém ignora que o presidenda República fez parte da Assembléia Nacional Constituinte que elaborou a atual Constituição de 1988, em cujo artigo 21, se dispôs que caberia a União estabelecer “o monopólio estatal sobre a pes quisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio dos minérios nucle ares e seus derivados atendidas as condições, que a própria União viesse a estabelecer.”

Como membro da Constituinte, tudo isso foi apro vado pelos senadores e deputados que fizeram parte da assembléia, entre os quais figurava, como senador de São Paulo, o sr. Fernando Henrique Cardoso. Caberia es

verificar se tudo isso vem sendo cumprido no governo do atual presidente da República, no momento em que ele consegue desdenhar quatro Constituições legítimas e duas emanadas de governos autoritários que vedavam a reeleição para o período subseqiiente ao mandato do presidente.

As alterações foram profundas no sistema constituci onal adotado por uma assembléia constituinte, a últialiás, de que se tem notícia. Uma assembléia legítima, eleita para esse fim e da qual fazia parte o atual presidente que, como constituinte, aprovou tudo o que agora vem alterando, ou subvertendo, quando investido das funções do Poder que é denominado exatamente “executivo” para fazer cumprir leis emanadas do Poder Legislativo e, mais do que isso, de um Poder Constitu inte. Verdade que nada disso tem importância para o sr. Fernando Henrique Cardoso, que é, talvez, não apenas um homem que não acredita em Deus, mas apenas um céptico que não deve acreditar em nada, senão em sua situação pessoal.

Ainda há poucos dias o sr. Fernando Henrique fez declarações curiosas, quando afirmou que “os amigos é que estavam querendo”... Para ele tanto fazia. O que nos deixa a impressão de que não é apenas uma reeleição, mas tantas quantas for possível. Não importa se mudou de opinião, pois quando participava da Constituinte não estava ao seu dispor nenhuma perspectiva e, logo, não lhe custava nada ser contra a reeleição.

Mas as coisas mudam e, para ele, dez anos já é tempo suficiente para mudar de opinião, sobretudo num caso que o favorece, quando ele passa a ser o primeiro presidente da República agraciado com a reeleição. Pois não foi assim o que aconteceu com Porfirio Diaz no México? Também de repente, passou de inimigo das reeleições a ser o beneficiário delas. Os dois devem ter se perguntado: por que não concordar, quando o ceti cismo, a falta de fé na democracia, abre um campo enorme às reeleições? Sobretudo quando o poder que se detém é gigantesco?

Os jornais abrem suas páginas às suas viagens de SETSMBRO - OUTUBRO - 1998(0

Naotenha dúvida queoSr. Fernando Henrique Cardoso nãoteria hesitação em se reel^ertantas vezes quantas fosse possível”

. as suas censuras e dias. E chega-se até mesmo às os os seus amigos, que nunca estão usentes em torno dos que têm a chave dos cofres de todas as graças.

Não foi por outras razões que quatro Constituições egítimas se manifestaram contra a reeleição, que só tem alguma validade nos regimes parlamentaristas, pois neles quem de fato governa é a maioria legislativa. O presidente passa a ser quase uma figura decorativa, enfeitar as grandes solenidades.

confesso que poderia até ser útil ter, na presidência, o sr. Fernando Henrique. Mas num regime presidencial, tiveram razão os que vedaram a reeleição do presidente, com argumentos que ninguém expôs melhor do que o constitucionalista João Barbalho, quando os concluiu dizendo: “E o que não se dará quando o candidato (à reeleição) for o hòmem que dispõe da maior soma de poder e de força, por sua autoridade, pelos vastos recursos que pode pôr em ação, para impor sua reelei ção? E que perturbação na administração pública e que enormes prejuízos para o país? Não há, pois, incompa tibilidade mais justificada”. ● exibição, às suas falas e, até mesmo, à comentários de todos opiniões de todos

Se o nosso regime político fosse o parlamentari para smo.

qéSíTmmO OUTUBRO - Í9se

No terceiro milênio só haverá uma fonte de sobrevivência: o conhecimento

Retomando o futuro

Paulo Napoleao Nogueira da Silva

Professor de direito

Oprincipal aspecto das relações humanas e da vida das sociedades, tem seu ponto de partida na consciência coletiva; esta nada mais reflete senão o que se denomina “cabeça” das pessoas. É o imaginário popular que, espontaneamente, ou psicolo gicamente induzido, adota ou não determinado concei to, valor, ou Verdade’, independentemente da sua consistência racional, e da sua confirmação ou desconfirmação fática. Kant já dissera que as pessoas só vêem e entendem o que já está previamente encastelado sua mente e no seu espírito.

não de inverdades notórias — para reafirmar o dogma o mito, tal e qual o tripulante que prefere afundar com salvar-se.

Assim, desde que a “cultura” social tenha assimilado como certo e inquestionável seja lá o que for, por mais evidente a contradição ou aberração, essa “certeza” se transforma em uma espécie de dogma, acima de qualreflexão, discussão, e até de constatação em sentido

na quer contrário; uma espécie de verdade “de jure”, que inadmite prova em sentido contrário. Um mito, portanto.

na mo

Além disso, existe a multiplicação das próprias fontes de ‘informação’ como algo sacrossanto e igualmente inquestionável, o que potencializa a força dos dogmas e estereótipos por elas criados. Por isso, as expressões “deu televisão”, ou “tal revista disse”. Se a televisão martelar durante quatro meses a afirmação de que o elefante voa, com certeza a grande massa passará a repetí-Io como se fosse verdade irreprochável, até mes- uma prova de conhecimento, um atestado de “status” cultural. Ainda mesmo que saibam não ser correta a-afirmação. Aliás, não foi assim que se viabilizaram algumas candidaturas presidenciais de sucesso?

Trata-se, nem mais, nem menos, do império dos estereótipos, sem que a quem quer seja, na grande massa, ocorra verificar a veracidade do seu conteúdo. Realizada a assimilação, poderá quem quiser mostrar o errôneo das falsas certezas, ou apresentar prova óbvia e ululante em sentido contrário: ninguém lhe dará as honras da audiência ou da leitura; e, se alguém o fizer, será para desenvolver toda sorte de sofismas - quando

o navio, ao invés de procurar um meio para Porque uma vez assimilado tal mito ou dogma, ele se necessidade cultural, e até social: admitir sua falsidade ouerroneidade, corresponde a ver desmoronar todo o arcabouço em que sua cultura está baseada. São assim, igualmente, que se perpetuam até mesmo os preconceitos sociais, uma geração transmitindo-os às seguintes, ainda mesmo que contra toda evidência de irracionalidade. Sedimentou-se o conceito de que o brasileiro é conservador, principalmente o do interior. Nada mais falso: o brasileiro, ao contrário, é intima mente um anti-conservador. Sérgio Buarque de Holanda afirmou que na média da população o brasileiro não é conservador; segundo ele, somos atrasados, mesmo: é a ótica, a “mens ” a partir da qual assimilamos cultura, apesar de a assimilarmos, que determina esse atraso cultural de uma pessoa, a despeito de quantos livros haja lido.

A propósito de tudo isso, vem assimilação brasileira da parafernália conceituai e legal criada pela Revolução Francesa, através do sistema democrático que dela emergiu, sistema dotado de um grande rol de acertos e outro tanto de defeitos. Não se pode esquecer as palavras de Winston Churchill, ao dizer que “a demo cracia é o pior dos regimes, desde que abstraídos todos os demais”. Entretanto, também não se pode esquecer o diálogo entre o mesmo Churchill e um cardeal da Cúria romana, durante a Segunda Guerra Mundial: na ocasião, o primeiro-ministro inglês pretendia determi nada atitude do Vaticano, “em nome da democracia”, e o cardeal respondeu: “Graças a Deus, a democracia não é 0 mais perfeito, e nem o último dos regimes inventados pelos homens, alguma coisa de melhor terá que ser descoberta”!

O escritor russo Alexander Soljenitsyn (dentre tras obras, o “Arquipélago Gulag”) foi um dos que tiveram a coragem de colocar os “pingos nos is : A divisa Liberdade, Igualdade, Fraternidade é contyaditória

torna

e irrealizável. A liberdade destrói a igualdade social, ao mesmo tempo em que a igualdade restringe a liberdade. E, a fraternidade não é dessa família: não foram disposições de ordem social que a criaram, mas de ordem espirituai’{\n Point de Vue, N.° 2.357, Paris, ed. 5.10.93, p.33).

Muito a propósito, o lema da ‘igualdade’ parece ser um contra-senso que poucos têm a coragem de denunciar. So para exemplificar, como igualar aptos e inaptos, lúcidos e senis, produtivos e improdutivos, capazes e incapazes, cultos e iletrados, honestos e desonestos, fortes e fracos?

, em Si, conum.

Igualá-los a luz da condição de pessoa humana, sim, com os - verdadeiros, e não outros - direitos decorren tes dessa simples condi ção: direito à vida, à li berdade, à nutrição, à educação, etc. Mas, a partir disso, o exercício dos demais direitos só pode se pautar pelo mais absoluto — e realístico — rreconhecimento da dição pessoal de cada vale dizer, precisamente, da desigualdade. Não é

por outra razão que o pre ceito constitucional to¬ dos sao Iguais perante a lei”, tem sua explicitaçãohermenêutica em uma outra frase, “a lei tratará igualmente aos Iguais, e desigualmente aos desi guais em face de uma mes-

Situação jurídica”, consequência, a igualdade absoluta esten dida a todos, pedra de toque dos regimes oriun dos da revolução de 1789 cia. Aliá"™sa ^gulldadt

representa senão o secular confronto causado pela má distribuição de riquezas, de um lado a concentração e de outro a carência. Aliás, não o ignoram aqueles que em todos os quadrantes continuam agitando a bandeira da liberdade absoluta, do inconcretizável “todos podem tudo”; muitos, inclusive, não ignoram o grande atraso que causam ao desenvolvimento social e cultural das sociedades, em holocausto às suas pretensões políticas.

A parafernália legal e - falazmente - ‘igualitária’ criada como corolário do regime democrático, não colhe: a pulverização do poder em nome da participação geral só resulta em emperramento e retrocesso das instituições, e do desenvolvimento das sociedades; isto é, em retrocesso dos in teresses gerais, interesses públicos. Acrescente-se, isso ocorre por mais que a “mente coletiva” tenha sido condicionada a acei tar e festejar tal para fernália como dogma ou mito político-social, à custa de muito ser “mar telada” nesse sentido. E de se refletir a propósito. Apesar de tudo, nada mudou. Num passado não muito remoto, no regime absoluto o tesou ro real confundia-se com o erário público, e o rei dispunha dele como me lhor lhe conviesse. Sem pre que necessitava, os reis lançavam mão de novos tributos, ou de ele vação dos existentes. Com certeza, podiam benefi ciar seus amigos e servi dores; mas estes, reflita-

Igualdade,Fratemidacteélnealizável não teve por origem senão um interesse político, e outro objeto nao buscava senão acabar com os privilégios da nobreza francesa em face do povo, o que «tavaTerto mas da> a transformar tal abolição cm instituto igtialad ’ geml. a d.f.culdade não é apenas muito grarfde impossível de .ser vencida. ° ’

se, eram poucos, se com parados às miríades de interesses individuais, cabos eleitorais, chefes e chefetes políticos que na atualidade preci.sam ser contemplados por um governante nacional, mormente mim sistema federativo. or

^ Deve-se ter presente, aquela revolução não pretendia ■gualaçao jurídica geral, impraticável por questão de ordem natural; tanto que produziu uL Sec ^ Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão A insistência em sua pregação posterior, como veio sendo propositadamente praticada desde então, traduz mente uma bandeira política de luta pelo poder, ins trumento político e eleitoral; no fundo, nada mais

^ysmMmo chítuIró - loM

Para explicitar, há sensível diferença de dispêndio, ou até mesmo de malversação, entre atender algumas dezenas de servidores e afeiçoados pessoais, ou conten tar - como no caso brasileiro - a quinhentos deputados federais, oitenta senadores, cerca de mil deputados estaduais, vinte e seis governadores, mais de cinco mil prefeitos municipais, cerca de setenta e cinco mil vereadores, cada qual destes com uma legião de acólitos e pseudoseguidores que, no entanto, deixarão de sê-lo no exato momento em que seus interesses pessoais não mas

forem atendidos. Neste contexto, parece impossível a um governante ou a um corpo legislativo, em qualquer nível, adotar decisões de interesse geral, mormente decisões de interesse geral nacional.

Dir-se-ia, numa primeira e simplistica visão, haver coerência em tal sistema, porque todo o arrecadado — o conteúdo do moderno tesouro real — estaria revertendo às suas origens, àqueles que para ele contribuíram. Entretanto, sabe-se que não é assim: esses cerca de uma centena de milhar de agentes públicos nada represen tam, estatisticamente, em face dos cento e cinquenta milhões que constituem a população do País. A conclu são evidente reside em que o sistema democrático e a forma de organização federativa na sociedade brasileira conduzem concretamente, na forma como são pratica dos, a um desperdício e um locupletamento infinita mente maiores do que os registrados na Europa em geral, no reino lusitano em particular, e até mesmo aqui, na vigência do absolutismo. Completamente institucio nalizado como sinônimo de injustiça social.

‘privado’; em suma, necessita de uma noção muito clara e realística acerca de cidadania, e do papel conceituai e concreto do Estado, vale dizer, da natureza, da finalida de, e do exercício dos seus cargos e funções.

A questão, portanto, é de ‘cultura’ íntima, e não necessariamente livresca. Nas sociedades em que àque les cargos e funções ainda tiverem acesso pessoas sem noção e convencimento da diferença entre o público e o privado, isto é, aqueles que usam da qualidade de agentes públicos em proveito pessoal, inclusive pecuniário, o sistema democrático causa mais danos do que benefícios. Sobremodo, relembre-se, transforma-se num grande propiciador de injustiça social.

Na atualidade um grande número de países demonstra a viabilidade e a lisura da democracia

mesmos

Além daquilo, sempre simplisticamente poderia ser argumentado que durante o regime absoluto — bastante atenuado, registre-se — dos tempos do Brasil-Colônia ou do Brasil integrante do Reino Unido, as condições de vida eram muito inferiores às proporciona das depois pelo regime democrático. Mas, tal argumentação não estaria cor reta: os lampiões de gás e coches tirados por cavalos, que aqui se usava, eram os utilizados na França, Alema nha, Estados Unidos. A própria escra vatura que aqui existia, também estava presente nos Estados Unidos, França, Espanha, etc. Enfim, tudo isso era a expressão da época, do desenvolvimento da civilização, e não deste ou daquele regime. Dir-se-ia, então, que o sistema absoluto era produto, precisamente, de um atraso civilizatório. No entanto foi no seu mais alto ponto que floresceu o Renascimento; e relembre-se, nas democracias gregas e na república romana, os ditadores eram nomeados pelo corpo eleitoral.

Pregação absoliitista? Não. Pregação da ditadura? Muito menos. Contra o princípio democrático? Ainda, muito menos. Na atualidade um grande número de países demonstra a viabilidade e a lisura da democracia e a inexistência de correlação necessária entre ela e o fisiologismo, a corrupção. Em contrapartida, isso con firma a verificação de que um regime baseado no princípio democrático, com os seus acertos e os seus erros, para ser praticado sem esses ônus necessita de uma espécie de cultura íntima, uma convicção, conven cimento claro da sociedade acerca do ‘público’ e do

Se é certo que na atualidade a figura do Estado substituiu o rei absoluto, os ocupantes de seus cargos continuaram - e, não poderia ser diferente — a dispor do erário público como se dele fossem donos. Apenas, agora não são mais o rei e uns poucos, mas milhares de aproveitadores do moderno “tesouro real”. Evidentemen te, sempre acobertados por procedi mentos formais que lhes permitam agir a salvo de quaisquer inquirições. Nada mudou, porque o gênero humano não mudou; somente, o ‘gênero político’ aumentou de número com o sistema gerado a partir de 1789.

Como antes, se o governante neces sita de mais dinheiro em caixa, sempre há o recurso ao aumento de impostos, contribuições e outros tributos a serem pagos pelos contribuintes; a CPMF, o FEF, e enfim o “pacote fiscal” do Brasil neste fim de século, são exemplos sufi cientes. Entretanto, sua aprovação de pendeu e dependerá sempre, precisa mente, dos principais dentre aqueles que devem ser atendidos e contentados; a parafernália formalismo legal do sistema, reitere-se, colocarão todos os implicados a salvo daquelas inquirições. Espe cificamente, no caso brasileiro isso pode ser visto como uma das determinantes do que se convencionou chamar Brasil”.

e o custo

Além daquilo, há mais. Naquele passado não tão remoto, os governantes cercavam-se de legistas - os jmista.s de hoje - recrutados entre os uoLoriamente melhiires do país. Quando esc algo precisasse sci inovado ou modificado legalmenie, o remédio vinha rápido: eram três, cinco, dez especialistas debruçados sobre um mes mo assunto, trabalhando para uma finalidade comum. Na atualidade, qualquer inovação ou modificação precisa passar pelo convencimento — como regra, ajurídico, e sobretudo fisiológico — daqueles milhares, que precisam atender os interesses dos seus acólitos em todos os níveis. Em consequência, as coisas demoram; e quando o remé dio vem, como regra já está defasado.

Acrescente-se, a propósito, um ditado conhecido “se você quer fazer ou decidir algo, faça-o; se não quer, nomeie um gmpo de trabalho”. Afinal, que gmpo de trabalho mais característico, do que um Legislativo de seiscentos membros, em duas Casas, e obrigados a atender suas bases eleitorais com interesses particularizados às centenas de milhares?

Contrariando os falsos dogmas e falsos mitos, o jusfilósofo Bertrand de Jouvenel foi um dos que tiveram a coragem de escrever, com todas as letras, que a grande revolução que resta após a de 1789 é o restabelecimento da monarquia absoluta; à evidência o jusfilósofo não se referiu ipsis literis ao regime hereditário, mas ao sistema de governo por ele praticado. Sem excessos e exageros, há bastante razão no que defende; porque, é essencial libertarmos do condicionamento anticultural lega do pela errônea aplicação dos postulados surgidos com a Revolução Francesa.

Democracia, com certeza e acima de qualquer dúvida, mas tendo como paradigma essencialmente a sua au tenticidade, o conteúdo do principio democrático', direitos individuais oponíveis ao Estado — o rei absoluto de hoje—em qualquer circunstância, por que é sua existência que delimita campos entre a democracia e a ditadu ra. Tribunais independentes, portan to, para reconhecerem tais direitos. No aspecto legislativo, poderia profícuo terminar com a parafernáüa: ao que tudo faz crer, seria mais operacional um centro decisório mais restrito e específico, voltado no dia a dia aos interesses nacionais gerais, reser vando-se a um Legislativo - “enxuga do e aperfeiçoado, registre-se — a for mulação das grandes diretrizes. Até porque, já é pacífi co, o panorama político e social contemporâneo exige do Estado respostas imediatas, providências que não podem se delongar através dos meses e anos, aguardan do a composição de miríades de interesses localizados. A novela das reformas brasileiras da Previdência e da Administração Publica, e o tempo que levaram, são um bom demonstrativo

medida de razão do jusfilósofo Jouvenel. Afinal, era mesmo esse o sistema: o governante como executivo, e como legislador ordinário provisório. “Legislador ordi nário”, no sentido de que não dependia de atender a interesses políticos para criar os remédios legais do dia a dia; e “provisório”, no sentido de que esses atos seriam depois apreciados pelos “Estados Gerais” (França), “Cortes”(Portugal e Espanha), “Dieta” (Áustria, Hungria, Polônia) etc. Segundo sua fição, ^nda, com economia dos grandes gastos das campanhas presiden ciais e legislativas; sobretudo, economia da particularização e loteamento dos interesses nacionais, como ocorre durante essas campanhas.

Tudo sinaliza ser suficiente um corpo de representação popular, que se reunisse quando necessário

Afinal, estamos à entrada do terceiro milênio. Já é tempo de conservar os acertos e afastar os excessos da revolução de 1789: ela está velha de mais de duzentos anos, num mundo em que um ano conta como dez contavam no passado; até mesmo os seus acertos já pedem adequação aos tempos atuais. Mais do que isso, é tempo de nos Übertarmos do atraso apontado por Sérgio Buarque de Holanda,, Tempo de ser promovida a libertação cultural frente aos falsos dogmas e aos mitos estereotipados. O “bonde da História”, perdido antes, pode ser reencontrado, para nele os brasileiros ocuparem o lugar que de há muito lhes está reservado, por circuns tâncias físicas naturais, mas que parece “bloqueado” pelo problema apontado pelo mestre sociólogo.

A esta altura, já não há mais porque as massas - a grande matéria prima brasileira - continuarem repetindo o que “deu na televisão”, sem lhes ocorrer verificarem o que de verdade ou inverdade existe no que lhes foi passado, vale dizer, imposto anticulturalmente. Ou continuarem tentando copiar - mau copiado - conceitos mal assimilados, e instituições de sociedades sem qualquer traço de identida de socioló^ca ou histórica com a nossa própria sociedade.

Tudo sinaliza no sentido de ser suficiente um corpo de representação popular que se reunisse quando neces sito p^a aquela tarefa magna, dekando a legislação do dia a dia a cargo de órgão executivo e colegiado como pré-legislador orchnário, bastante mais ágil no contexto do Esudo. Por isso, exatamente, assiste sabedoria às Constituições parlamentaristas, no estabelecerem que o governo poderá, por sua conta e risco, editar medidas provisórias/ decretos-lei/ atos com força de lei, sobre matérias constitucionalmente delimitadas.

Por tudo aquilo, ainda, constatou-se antes a bastante

É preciso libertar os brasileiros daqueles grilhões, porque hoje não vivemos só a escravidão física do salário mínimo de 130 reais, mas sobretudo vivenciamos a escravidão cultural dos estereótipos.

Temos que ter os nossos próprios conceitos e insti tuições, autenticamente calcados na nossa realidade e na nossa mente coletiva; e não, submetermo-nos às concepções políticas e sociais que outros povos preten dem para o mundo, como se detivessem eles a suma da verdade democrática, política, econômica e social. De vemos criar o nosso próprio sistema, de acordo com nossa realidade.

Um exemplo muito claro que se acabou de afirmar, é o de que o sistema presidencialista sempre funcionou

e, provavelmente continuará funcionando “às mil” nos Estados Unidos; isto, porque foi criado como roupa sob medida para os valores acreditados na sociedade desse país. Mas, jamais funcionou a contento — e, tem sido molapropulsora de retrocesso—nos países para os quais foi artificialmente exportado, cujas sociedades nada têm em comum com a norte-americana.

A propósito, reflita-se sobre os países que adotaram o sistema exportado dos Estados Unidos, sem qualquer coi^respondência com a estrutura sociológica e histórica de suas sociedades: em quase toda a América do Sul e América Central, e mais as FÜipinas, um rosário de revoluções, golpes de Estado, carnificinas, execuções, assassinatos políticos, ditaduras, dependência econômi ca, atraso industrial, atraso cultural, inflação. Aqui, chegáramos ao absurdo de oito trilhões e quinhentos bilhões por cento de inflação, acumulados em cento e oito anos!

Se tem sido aquele o resultado no curso de um século, será esse o governo adequado à nossa realidade? Se tudo demonstra não o ser, o remédio não será mudar de País, mas mudar o sistema. Pregação antipresidencialista, aqui? Ou, pregação parlamentarista? Como antes, igual mente não, em ambos os casos. Apenas, a certeza de que é preciso nos libertarmos dos estereótipos, inclusive quanto a regime político e sistema de governo: procurar os que sejam consentâneos com a nossa realidade, a fim de que juncionem.

Apenas para continuar a refletir, no caso brasileiro, em cento e oito anos o sistema “brasileiro” produziu três pre sidentes que renunciaram (Deodoro, Jânio Quadros, e Fernando CoUor); cinco depostos pela força das armas (Washington Luis em 1930, o próprio Vargas em 1945, Café Filho e Carlos luz, em 1955; e João Goulart em 1964); presidente impedido de assumir, (Júlio Prestes, 1930); um Vice-Presi dente impedido de suceder, (Pedro Aleixo, em 1969); portanto, dez que bras da ordem constimcional, o que corresponde a uma em cada 10,8 anos.

Reitere-se, a hipótese é de assumir a notória e improfícua inadequação do sistema de governo, pondolhe termo? Talvez, mas não necessariamente. Acabar com o regime republicano, em face das nossas origens? Igualmente, talvez, mas ainda não necessariamente. O que não podemos nos dar ao luxo é, como na coidiecida lenda, continuarmos a elogiar a roupa do Rei da Dinamarca que, no entanto, andava nu pelas ruas de sua capital. A seca no Nordeste, a fome, a miséria, o aniqui lamento da Amazônia, os meninos de rua, a prostituição infiintil, o tráfico de ór^os, a corrupção e tantos outros produtos do sistema — e não deste ou daquele governo - estão à frente dos nossos olhos.

De pouco adianta o recurso ao corretor ortográfico do computador um

Além daquilo, o sistema acarretou três grandes movimentos político-mi- litares, em 1893, 1930, 1964, e dezoi to golpes de Estado ou tentativas, o que resultou numa média de um a cada 5 anos. Mais, ainda, propiciou seis fechamentos do Con gresso (Deodoro-1891, Vargas-1930, Vargas-1937, Castelo Branco-1965, Costa e Silva-1968, Geisel-1977). Prosseguindo, o sistema resultou em dez manifestações constituintes (1889, 1891, 1930, 1934, 1937, 1945, 1964, 1967, 1969, 1988), e mais de cento e vinte emendas constitucionais.

De acrescentar, tal sistema propiciou cerca de 20.000 pessoas exiladas, com direitos políticos cassados ou suspen sos, aposentados e reformados compulsoriamente, além de um grande e notório número de torturados e assassi nados, desde a dijadura de Floriano, passando pela de até o final do cido de 1964. Falando

Vargas, e ditaduras, o sistema brindou os brasileiros com cerca de 65 anos - em 108 - de censura declarada à imprensa.

Não se pense que tudo isso ocorreu antes de 1970época, relembre-se, da revogação dos Atos Institucionais - mas, já agora seria impossível: os exemplos são abundantes e atuais à nossa volta.

A conclusão parece apontar no sen tido — ainda e sempre, não assumido — de sermos autênticos, seja lá como for, sem o atraso detectado por Sérgio Buarque de Holanda. Fiéis a nós mes mos, à nossa formação, características, e potencialidades. Assumirmo-nos. Dei xando o hábito terceiromundista e sub desenvolvido de copiar as chamadas “grandes potências” que, afinal, tudo mostra pouco terem a nos ensinar. É só uma questão de conscientização e, até mesmo de brio. No terceiro milênio, só uma fonte de sobrevivência e de poder se anuncia para as nações enquanto tal, seja esse poder político, social, econômico, científico, ou mihtar: essa fonte de sobrevivência e de poder chamase ‘conhecimento*. E isto, é sinônimo de cultura no seu verdadeiro sentido. De pouco adianta o recurso ao corretor ortográfico do computador, se quem o organi zou desconhecia o idioma; assim como pouco instruirão os fascículos de história que tornaram-se modismo nos jornais, se quem os redigiu só conhecia a historiografia engajada, e não a História autêntica. Cultura é algo verdadeiro, não fraudável; independentemente da ne cessidade de conhecermos as doutrinas de outros povos, ou por isso mesmo, ●

(*) Paulo Napoleão Nogueira da Silva, Mestre e Doutor em Direito pela Pontifiàa Universidade Católi' ca de São Paulo, éprofessor de Direito Constitucional

Na realidade, há certa analogia entre a fiança bancária e o seguro — garantia financeira

Novos aspectos do contrato de seguro

Amoldo Wald

Professor de direito

fido judicante — Postura do magistrado —

ccO da correção monetária, embora útil, não foi suficiente para dar novo alento ao contrato de seguro, que só voltou a se desenvolver quando superado o ritmo acele rado da inflação.

A justiça em face ao direito objetivo. Ao órgão investido do ofício judicante cumpre para a controvérsia, a solução mais justa possível, somente após adentrando a dogmática com o nto de respaldá-la.

idealizar. em

nefaT^ “ - Valor - Atualização. Sob pena de desequilíbrio da equação inicial materializada peli« partes, ha de se manter o poder aquisitivo da oeda afastimdo-se o esvaziamento da obrigação da ^^radora. Descabe interpretar preceito df lei de modo a prejudicar, justamente, aquele proteger.” ^

quem visa a

Ministro Marco Aurélio (RTJ, 163/431)

■ Introdução - Mercado Segurados

Entre os contratos que mais se desenvolver destaca-se o de seguro, cuja importância econômica è social se modificou fimdamentalmente, com importan tes repercussões jurídicas.^" iportan (*) Texto atualtzado da palestra realizada no Seminário organrzado^ 22JL96sob os auspícios do Centro de Estudos do Tribunal de Alçada do Paraná presidido p^lo Juiz Síunir Karam.

Alguns dados estatísticos confirmam o crescimento que teve recentemente o mercado de seguros, em nosso país. Representando 0,85% do PIB, em 1970, e 1,30%, 1975, alcançou, em 1995, 2,6% do Produto Nacional Bruto, estando, desde então, em incontestá vel desenvolvimento, enquanto, ao contrário, a área bancária perde parte da sua participação na riqueza nacional, passando de 12%, que já alcançou, para, atualmente, cerca de 8% do PIB.

Brasil,

^SKTEiVlRRO ' OUTUBRO - im am e então

Assim mesmo, trata-se de mercado que, no representa entre um terço e um quinto do que alcança em outros países. Assim, as operações de seguros cons tituem cerca de 9% do PIB nos Estados Unidos, 7% na Alemanha e 12% no Japão, para fazer algumas compa rações que dão uma idéia da importância crescente que rem no mundo contemporâneo. Também, em relação ao consumo do seguro per capita, há discrepâncias relevantes. No Brasil é de US$ 59,00 (sendo US$ 8,00 de seguro de vida), enquanto alcança mais de US$ 110,00 na Argentina e US$ 2.150,00 nos Estados Unidos (abrangendo US$ 913,00 de seguro de vida).

Efetivamente, o contrato de seguro foi uma das vítimas da inflaçao, que ensejou a sua relativa atrofia durante cerca de quarenta anos, ou seja desde o fim da guerra mundial até o advento do real. Tal situação se explica pela incompatibilidade entre a instabilidade monetaria e a fixação de uma indenização em moeda corrente a ser paga no futuro, de acordo com o seu valor nominal, no caso de ocorrência do sinistro. Assim, os prêmios eram pagos em moeda valorizada e a indeniza ção em unidades monetárias desvalorizadas. A aplicação

A indústria brasileira de seguros se caracterizou por muito tempo, pela sua concentração, pelo seu naciona lismo e pelo seu custo elevado.

Efetivamente, tínhamos menos de 150 seguradoras, muitas delas vinculadas ou controladas umas pelas outras, de tal modo que uma dezena de empresas dominavam cerca de 60% do mercado.

Até 1990, a participação estrangeira era muito redu zida, representando menos de 5%, quando, agora, já está em fase de crescimento dinâmico, com o ingresso de numerosas novas empresas no mercado.

A existência de um mercado cativo, da inflação e de determinados seguros obrigatórios fizeram com que as empresas do setor mantivessem altos custos administra tivos e conseqüentemente taxas altas para os seus clientes e remunerações importantes para os corretores, represen tando um dos ingredientes do chamado “custo Brasil”. Finalmente, podemos afirmar que faltava-lhes, em alguns casos, no passado, a criatividade que tinham as suas congêneres estrangeiras de tal modo que eram, em certo sentido, acomodadas, mantendo o status quo sem fazer um importante esforço de modernização.

II. A Evolução do Contrato de Seguro

No plano jurídico, o contrato de seguro é um dos mais diversificados, não se conhecendo outro que seja “mais suscetível de variedades, nem que tenha passado por evoluções tão fundamentais nos últimos anos”, bem salienta o professor Antonio Chaves.

tro

As grandes transformações, que se iniciaram, a grosso modo, a partir de 1990, foram a globalização e as suas repercussões em nosso país, a consequente aber- | tura da economia e o in- J gresso, no mercado, das ^ empresas estrangeiras, % mediante constituição de subsidiárias ou participa- | ção em sociedades brasi- „ leiras, ocorrendo, por ou- s lado, o fim do mono pólio IRB e o início do processo de sua privatiza ção.

E interessante assina lar, desde logo, que a modificação da posição do nosso direito em rela ção à abertura do merca do segurador, para presas estrangeiras foi fru- de construção jurídi ca, para adaptar legislação às novas sidades econômicas, co¬ as emto a nossa necesmo, oportunamente, evi denciaremos.

Quanto ao resseguro, que corresponde a 10% do movimento da área e reveste de grande importância pelo volume dos riscos assumidos e por constituir a ponte entre os mercados nacional e internacional, a sua relativa desmuito

regulamentação é um elemento que certamente influiu para a transformação do mercado, instituindo, na matéria, uma espécie de liberdade vigiada que esta sendo complementada pela privatização do IRB já em curso.

Assistimos, assim, a uma ampliação do mercado em quantidade de contratos, em qualidade e sofisticação de operações e em número e qualificação de operadores, que significa uma verdadeira mudança revolucionária em relação às situações que existiam anteriormente em nosso país.

A legislação na matéria é ampla e nem sempre muito coordenada e a regulamentação tem evoluído no po, de acordo com a prática, que, no setor, é fecunda e adquire a maior relevância, pois, muitas vezes, precede à elaboração das normas.

Por outro lado, as práticas e regulamentações estranestão sendo assicomo tem-

geiras miladas muito rapida mente, ensejando, algu mas vezes, adaptações ou transposições defeituosas ou nas quais as partes não entendem qual é o senti do exato e as finalidades

básicas do contrato fir mado.

Do mesmo modo que o mercado segurador, o contrato de seguro evo luiu muito rapidamente nos últimos anos. Con cebido no passado, ex clusivamente, como ga rantia dos riscos corridos pelas pessoas ou pelas coisas, passou a abranger numerosos outros cam pos, desde a responsabi lidade civil até o seguro de crédito. De contrato comercial realizado even tualmente ou até excep cionalmente, transfor-

O contrato de seguro é a forma eficiente de proteção mou-se em contrato polivalente, que encon tramos nos vários outros ramos de direito (civil, admi nistrativo). Enquanto no passado era facultativo, tornou-se, em determinados casos, obrigatório, como acontece em relação aos acidentes de trabalho e de automóvel. Ao mesmo tempo, virou um acessório ne cessário de determinados outros contratos, como, por exemplo, o financiamento de imóveis a longo prazo. Surgiram, por outro lado, formas mais sofisticadas de contratos mistos, vinculando a determinadas obriga ções a necessidade de contratação do seguro de vida ou de crédito, sendo a morte considerada como causa para o pagamento da indenização, mas cobrindo esta o valor de determinado crédito feito ao de cujus, como ocorre no setor habitacional. se

Por outxo lado, houve uma aproximação entre os contratos de previdência e do seguro, como também entre estes e os contratos de poupança, surgindo várias formas de seguro-capitalização que demonstram a com plexidade crescente que, do ponto de vista técnicojurídico, o contrato de seguro vai revelando.

A evolução jurídica foi, em grande parte, o fruto de uma transformação histórica e de uma mudança de escala de valores existente na sociedade mundial, também se refletiu em nosso país.

Ste&n Zweig teve o ensejo de caracterizar o século passado como o do mundo de segurança, no qual encontrávamos monarquias centenárias, moedas relati vamente estáveis, um mapa que não mudava, relações estáveis e previsíveis.^**^

Ao contrário, a segunda metade do século XX apresenta como a “Era da Incerteza”*^) a da descontinuidade^^ e da mudança imprevisí- vel.<^ Trata-se de uma fase na qual a maior qualidade da empresa e até da pessoa física é a flexibiÜdade,

ou seja a possibihdade de se adaptar a transfor mações rápidas, radicais e absoluta mente imprevisíveis, que estão sendo multiplicadas e cujos efeitos estão do amphados pela globalização da nomia mundial.

A especialização profissional.

A indenização não é devida tão-somente nos casos de culpa ou dolo, mas ainda quando, de um modo ou outro, a pessoa assume o risco da atividade nociva ou que se tornou prejudicial, quer de modo previsível ou imprevisível. Utiliza-se para tanto várias técnicas jurídi cas que vão desde as presunções e ficções até a decorrente da “culpa de serviço” e a responsabilidade objetiva.

Em certo sentido, houve um deslocamento da posi ção do direito civil, no particular, debcando de se importar ou importando-se menos, ou para outro fins, com a conduta do autor do dano e dando maior relevância ao direito que a vítima tem à sua segurança e à integridade do seu patrimônio.*®^

Finalmente, a ampliação das indenizações decorre do fato de se indenizar o que no passado não era ressarcível, como por exemplo o dano moral, admitin do-se, até, em certos países, indenizações punitivas e reconhecendo-se a responsabilidade do autor em relação aos chamados danos coletivos.

A especialização profíssional fez aumentar o campo de resprmsabilidade civil e

do

seguro

senecoo apri- mor^ento dos equipamentos e das técnicas e a recusa de aceitar prejuízos e desgraças como simples resultado da vontade divina, com o desaparecimen to do fatalismo, que existia no passado, fizeram com que se ampliasse enorme mente o civil e ser campo da responsabilidade consequentemente do seguro.

Assistimos, assim, a uma evolução t ^“P°"“biUdade civU. que se tomou ^ T ° direito danossaépoca.

Há, de um lado, uma extensão subjetiva, abrangen do o numero de pessoas responsáveis e de vítima a elasti cidade é dada às causas da responsabilidade civil,- g^antmdo-se a indenizado em casos que, no passado nao emejavam o ressarcimento dos danos. Finalmente as md.eniMçoes sao mais amplas, na sua qualidade ê quanudade, todos esses elementos repercutindo contrato de seguro.

Efetivamenie, a legislação contemporânea aumen tou o numero de responsáveis pelos eventuais preiuízos abrangendo o produtor da coisa que causou o preiufzo’ o vendedor da mesma, a pessoa física ou jurídica ’ assumiu o risco da operação etc...

Do outro lado, não se indeniza tão mas também os direito ou de fato.

no que -somente a vítima, seus dependentes econômicos, de - outubro -

Assim, o uso da energia atômica, a produção de remédios, a utilização da informática mudaram as dimensões das eventuais responsabilidades dos fabri cantes ou usuários das novas tecnologias, podendo ensejar grandes catástrofes, com prejuízos incomensuráveis.

Simultaneamente, há maior vulne rabilidade dos bens e das pessoas, em virtude da sabotagem, do terrorismo, da utilização de novas tecnologias, nem sempre completamente dominadas pelo homem. Os danos decorrentes podem generalizados, atingindo toda uma região ou um conjunto de usuários de medicamentos ou de certo tipo de automóveis, com maior duração dos prejuízos decorrentes de radiações, da poluição cujos efeitos se prolongam por vários anos.

Essa nova visão da responsabilidade tem relevantes repercussões no seguro. Basta lembrar a importância dos danos causados, na índia, pela Union Carbide, o acidente atômico de Chernobil, os prejuízos decor rentes do fumo, avaliados em bilhões de dólares, ou as consequências dos atos de terrorismo ocorridos tanto nos Estados Unidos, como no Japão e em outros países.

Em virtude dessas transformações o contrato de seguro evoluiu pois no sentido:

a) do reconhecimento da necessidade de manter o equilíbrio entre suas prestações;

b) de sua internacionalização;

c) da sua desburocratização e relativa desregulamentação;

d) do surgimento de novos aspectos que o aproximam dos contratos bancários. que se

III. 0 Equilíbrio Econômico-Financeiro

A doutrina e a jurisprudência têm entendido que, tanto nos prêmios, como nas indenizações, se impõe a incidência da correção monetária para que se mantenha o equilíbrio contratual, embora tratando-se de contrato aleatório. A aleatoriedade é quanto à ocorrência ou não do sinistro, ou seja à exigibilidade da indenização. Ao contrário, em relação à prestação, se e quando exigível do segurador, deve ser correspondente ao valor inicial mente estipulado.

Neste sentido existe torrencial jurisprudência, de vendo, entre outros acórdãos,ser citado o da 2^ Turma do Excelso Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n° 167.877, datado de 12.12.1995 e do qual foi relator o eminente ministro Marco Aurélio. Na mencionada decisão, salientou o doutor relator, no seu brilhante voto, que:

“Todavia, a citada Lei, a par de ser posterior não só ao contrato de seguro firmado, como também ao óbito do genitor dos Recorrentes, não tem o condão de, uma vez interpretada e aplicada, esvaziar, por completo, o pró prio conteúdo econômico do contrato, implicando, com isso, desequilíbrio da equação inicialmente estabelecida. O pai dos Recorrentes celebrou contrato de seguro objetivando, como é próprio ao instrumento, uma garantia. Cum priu a obrigação assumida de satisfa zer, na totalidade, o prêmio. Logo, não cabe, a esta altura, à mercê de apego ao literalismo da citada Lei, inaplicável à espécie, tendo em conta a data em que foi formalizado o se^o e a morte daquele a quem foi dirigido, assentar a inexistência de resultado econômico-financeiro em re lação ao ajuste. A Seguradora não só recebeu o que lhe era devido, a título de prêmio, como também perma neceu, de 27 de janeiro de 1968 até esta data, com o valor da indenização, direcionando-o segundo os res pectivos interesses. O endosso, pelo Supremo Tribunal Federal, do quadro até aqui notado, já que não fiutifícou a tentativa dos Recorrentes de o verem revertido na via do especial a que se converteu o extraordinário quanto à parte estritamente legal, resultará em alijamento do cenário constitucional do que ajustado, e o que é pior, com enriquecimento sem causa para uma das partes do contrato”.

risco de que trata o contrato de seguro, como fez pela citada Lei n° 5.448/1968, na verdade inscreveu ele no direito positivo um princípio reconhecido pela mmtniinis opinio, qual seja o de que a substancia do objeto daquele débito é um valor, e não uma certa quantia de dinheiro, donde o entendimento de que, por natureza, é corrigível a moeda que lhe fixa o quanto, isto é, que a moeda no caso não deve ser considerada por seu valor nominal ou extrínseco, mas por seu valor aquisi tivo ou de troca”.^*®^

genens ou uma

Por outro lado, a comutatividade não pode significar o enriquecimento de qualquer das partes. Assim sendo, se a correção monetária em relação aos prêmios foi fixada em certas bases, o mesmo critério deve ser aplicado à indenização a ser paga pela seguradora. Temos, assim, não uma dívida de valor pura, mas um débito valor sui dívida de dinheiro indexada, que se destingue da dívida de valor, pois a sua correção deve ser a mesma nas opera ções ativas e passivas da empresa segu radora e independe da efetiva variação do custo de vida.

Os danos podem ser generalizados, atingindo toda uma região ou um conjunto de usuários

No mencionado voto, que foi acompanhado, por unanimidade, pela Egrégia Turma, acrescentou o douto relator citação de voto anteriormente proferido pela Primeira Turma, no qual tinha sido salientado que:

“Convém ponderar que, havendo o legislador insti tuído a correção monetária da prestação referente ao

IV. Da Internacionalização

Já salientamos que, por muito tem po, a atividade seguradora foi reservada às empresas nacionais, estabelecendose um vínculo entre o regime das mes mas e o aplicado aos bancos e demais instituições financeiras.

Assim, entendeu-se que, nos termos da Constituição de 1988, e, em parti cular do seu art. 192 e do art. 52 do ADCT somente seria possível autorizar o funcionamento de empresas segura doras estrangeiras no Brasil ou a sua participação em suas congêneres brasi leiras nos casos de reciprocidade e de interesse nacional.

No mesmo sentido restritivo da atividade direta ou indireta das seguradoras estrangeiras, existia manifesta ção do Conselho Nacional de Seguros Privados (Reso lução n° 14/86), que foi aplicada durante longos

Concluiu-se, na época, que somente mediante auto rização específica do Presidente da República, no caso de existir interesse nacional, é que poderia ser autoriza do. O fimcionamento, no país, de seguradora estrangeiestava Umitando substancialmente a sua anos. ra, o que participação no mercado. A partir de 1995, houve, todavia, maior facilidade de acesso, em virtude da decisão tomada pelo Governo, no sentido de reconhecer a existência de interesse nacional em ampÜar a presença dos estrangeiros no mercado segurador, do mesmo modo que estava ocorrendo em relação aos bancos estrangeiros.

Indo mais longe e num reexame atento dos textos constitucionais, a Advocacia Geral da União (AGU)

os

em

modificou o entendimento anterior, em parecer, do dr. Geraldo Quintão, aprovado pelo Presidente da Repú blica, em 1996/"^ No mencionado parecer, a AGU entendeu que devia ser feita a distinção adequada entre r^imes respectivamente aplicáveis às instituições fínancenas e às empresas seguradores, não incidindo sobre estas as restrições estabelecidas pela Constituição relação àquelas. Conseqüentemente, a Resolução n° 14/86 ou estaria revogada pela Constituição ou trataria de matéria que não se enquadra na competência do mencionado ór^o, razão pela qual deveria ser conside rada livre a participação de seguradoras estrangeiras empresas brasileiras do setor, desde que tivessem a sua sede e administração no país e estivessem sujeitas à lei brasileira.

Este entendimento constmtivo da AGU, , consu bstanciado no excelente parecer do dr. Geraldo Quintíio, se compatibiliza aliás plenamente com

zação das ações das empresas brasileiras associadas aos estrangeiros, importante redução de custos e mais fácil acesso dos clientes aos diversos tipos de seguros, com prêmios menos elevados.

V. A Desburocratízação e Privatização do Contrato de Seguro

Nas suas origens, o contrato de seguro foi, exclusiva ou preponderantemente, um contrato de adesão, que, assim foi definido, desde 1930.

A doutrina e a jurisprudência, reconhecendo nele um contrato padrão ou padronizado, entenderam que as suas condições gerais deviam estar sob tutela da SUSEP, tratando-se de um contrato baseado preponde rantemente no mutualismo.^*^^

Nele praticamente não existia, pois, liberdade de fixar o conteúdo do contrato, ousejaaliberdade contratual, podendo haver tão-somente a liberdade de contratar ou de não contratar, que também inexistia no caso dos seguros obrigatórios.

A evolução mais recente foi no sen tido de uma verdadeira desburoa nova conceituação de sociedade brasi leira e a extinção do regime da chamada sociedade brasileira de controle nacio nal, em decorrência da revogação do art. 171 da Constituição, pelo art. 3° da Emenda Constitucional n° 6, de 15.08.1995.

Outro passo importante para a intemacionalizaçao do mercado s^jura- dor foi a abertura ao setor privado do ^ess^^ro, pela Emenda Constimcional n° 13, de 21.08.1996 que modificou o n^o n do art. 192 da Constituição Federal. Assim, o ress^^ro deixou de monopólio estatal, que se exercia atovés do IRB, dependendo para a sua plena concretização de legislação ordiná ria a r«peito do assunto e da já referida pn’\^tização do IRB, que está em curso.

Passo importante

para a intanadonaUzação do mercado foi a abertura do setor privado do resseguro

A consequência da abertura, no setor de seguros, foi a entrada, no mercado brasileiro, ou o amplo Ssenvol- vunento de algumas dezenas de empresas estrangei- * «“ttada de recursos, mas ^bém a utibzaçao de novos produtos, maior compe nso e movaçâo, que obrigaram as suas compSw

A^^nrr° ^ Pk"» modeLizaçâo.

A s^n^ dessas empresas estrangeiras sob a forma de subsidiánas organizadas no BrasU, ou mediante ioint vmmres coni bancos e seguradoras brasüeiras, periitiu o mercado adquirisse novas dimensões, em virtude do salto tecnológico realizado e do aumento de recursos disponíveis luvendo outrossim maiores facilidades para a realizaçSo de operações de P Há uma efeitos da

cratização, passando a SUSEP a admi tir maior liberdade das partes, mantida, todavia a sua tutela e fiscalização.

Por outro lado, especialmente em determinadas situações que não abran gem os chamados contratos de massa, a SUSEP admitiu mais amplamente a liberdade contratual, mediante um acompanhamento feito a posteriori, mas admitindo maior criatividade por parte dos contratantes. Assim, reservou-se praticamente à instituição controladora do mercado o papel de fiscal da ordem pública, minimizando, em certo sentido, a sua intervenção.

Em consequência passou a haver uma liberalização nos contratos de seguros.

Essa nova tendência se faz sentir especialmente determinados contratos de

VI. 0 Seguro-Garantia

A SUSEP já tinha admitido várias modalidades de seguro-garantia na Circular n° 26 de 10.11.1989, tratando respectivamente das seguintes formas:

ser um ras. em seguro que se aproximam mais dos contratos bancários, podendo até, pela função e estrutura, ser considerados como sendo quase financeiros, numa zona tangente ou função bancária e a do segurador. Ambas se tem aliás identificado, em alguns casos, em outros países, passan do a constituir o que foi denominado, na França, como sendo a bancassurance. No Brasil, um desses seguros que se desenvolveu recentemente foi o chamado garantia. sua secante entre a seguro- co-seguro e resseguro, comparação que pode ser feita entre os presença estrangeira no mercado de capitais e no mercado segurador. Em ambos os casos, houve verdadeira revolução cultural e técnica, com repercus- ões jurídicas, ensejando renovação tecnológica, valori-

pSÊTffVÍBRO - OUTUBRO - 1998

a) performance bond ou garantia da execução das obras que assume importância crescente quando se discute um novo projeto de revisão da lei de licitações;

b) garantiaparaparticipar da licitação sob as formas de:

b. 1) supply bond - garantia de fornecimento de materi al;

b.2) retention money - garantia de adiantamento de crédito;

b.3) maintenance bond - garantia de funcionamento da obra;

b.4) advancepayment bond- garantia de adiantamento por conta de pagamento.

O conjunto desses seguros, representados como os demais pelas respectivas apólices, constitue os chama dos surety bonds (seguro-garantia)

Ao lado das mesmas encontramos também o payment bondcçiq no Brasil é denominado seguro-garantia finan ceira e no fundo se assemelha à fiança bancária, que tem as suas origens no direito anglo-americano. Efetivamen te, o direito administrativo norte-ame ricano conhecia desde o Heard Act, depois substituído pelo o Miller Act, os payment bond,e os performance bond Enquanto os últimos abrangem a obri gação de fazer {performance), ospayment bonds são garantia da obrigação de dar, seja de pagar determinada quantia em dinheiro.

No Brasil, já temos, há alguns anos, o seguro de fiança locatícia que bém é uma forma de seguro-garantia financeira.

porque o ratingÒA. locadora beneficia o locatário.

Trata-se de um mercado muito desenvolvido nos Estados Unidos onde teria alcançado cerca de 300 Bilhões de dólares. Surgiu, inicialmente, para garantir papéis de entidades públicas locais e de médias empre sas, cujo seria BAA ou BBB {Moody ou Standard and Poor) e que passam, com a garantia, a ter o rating AAA {ratingsttíáo nota de grau de solvência).

Tais operações apresentam vantagens para a empresa garantida que consegue alcançar mercados financeiros, nos quais, por si só, não conseguiria obter recursos e paga menores taxas. Por sua vez, a Seguradora/Fiadora cobra um spread e tem contra-garantias do devedor.

Das empresas criadas há cerca de dez anos, quatro delas possuem 90% do mercado norte-americano e alcançam o mercado internacional estando presentes na França e na Alemanha.^^^^

Há uma espécie de desenvoMmento

bancária parao seguro-garantia

Há, assim, uma espécie de desloca mento da fiança bancária para o seguro-garantia finan ceira, que se explica no caso do Brasil, em grande parte, pela exigência de depósito compulsório sobre as opera ções bancárias e a fixação dos limites baseada na Con venção de Basiléia, ^sas novas formas de seguro não são mais contratos de adesão e nem sempre tem a sua esmitura ligada mutuahsmo e à pulverização dos riscos. Ao contráno, muitas vezes ou quase sempre, as grandes operações de performance bonde de payment bondeú%em garantias das empresas cuja atuação ou cujo pagamento é garantido. Estamos, assim, na área da plena liberdade contratual e dos seguros cujos riscos são assumidos não exclusiva mente em virtude da pulverização das operações mas, também, em decorrência de garantias específicas dadas à seguradora, que funciona como verdadeiro banco.

No plano internacional, desenvolvem-se simultane amente empresas garantidoras do comercialpapers e dos eurobonds, também denominadas locadoras de rating

Trata-se de garantia que pode ter importância para obter recursos para a infra-estrutura brasileira resolvendo, assim, em parte, o problema do finan ciamento das concessões. Neste caso, determinadas contra-garantias podem ser válidas para o garantidor, mas não para o investidor, como seria o caso dos recebíveis de luz, água, telefone etc. Também no mercado interno, o se guro-garantia pode desempenhar im portante papel.

Foram suscitados, inicialmente, al gumas dúvidas quanto à legitimidade e validade do seguro-garantia financeira, no direito brasileiro, pelo fato de não constar o mesmo de modo expresso entre as modalidades contempladas pela Circular SUSEP n° 26.

Na realidade, a SUSEP, após ter definido as várias modalidades de Seguro Garantia previstas na Circular n° 26. de 10.11.1989, aprovou o Seguro Garantia Financeira em caso específico.

Na ocasião, foi proposto a seguinte conceituação e regulamentação, que foram aceitas pela SUSEP:

“Conceitua-se o Seguro Garantia Financeira como a garantia do compromisso do Tomador perante o Segu rado quanto ao cumprimento do Contrato de Financi amento e até o valor estabelecido na apólice.

A finalidade é transferir à Seguradora os riscos do inadimplemento do Tomador até o limite contratado.

O sinistro se caracteriza pelo inadimplemento do Tomador, nas condições decorrentes do Contrato de Financiamento.’

Os valores e condições do Contrato de Seguro são pactuados pelas partes, obedecidas as regras legais e regulamentadores.”

Houve, assim, reconhecimento expresso da SUSEP quanto ao enquadramento da operação de seguro-

garantía financeira com as definições de suas finalidades e do conceito de sinistro que lhe foram propostas.

Como já assinalamos, houve uma incontestável evolução, no direito brasileiro dos seguros, no sentido de ultrapassar o quadro das operações típicas que eram as únicas admitidas tradicionalmente e que dependiam sempre de definição e enquadramento prévios pelas autoridades competentes. Efetivamente, a liberalirâção e a reforma do Estado alcançaram o setor de seguros admitir a atipicidade dos contratos e a ampla liberdade das partes de estruturá-los quanto à sua forma e conteú do, desde que comunicados previamente os respectivos textos à autoridade competente.

Na realidade, essa modificação já ocorreu Decreto n® 605, de 17.07.92 que, no seu art. 1®, conciliou a liberdade de estipulação das partes tantes com a necessidade de respeitar as regras de ordem pública e o fez nos seguintes termos:

Art. 8®. As Sociedades Seguradoras enviarão à Superintendência de Segu ros Privados - SUSEP, para análise e arquivamento, as condições dos contra tos de seguros que comercializarem, bem como respectivas notas técnicas de prêmios.

§ 1®. A SUSEP poderá, a qualq tempo, diante da análise que fizer, so licitar informações, determinar altera ções, promover a suspensão de todo ou de parte das condições e das técnicas a ela apresentadas, na forma deste artigo.

§ 2®. As condições de seguro deverão incluir cláusulas obrigatórias determi nadas pela SUSEP.”

Complementando as determinaçõ do decreto, a SUSEP baixou 24.07.1996, a Circular n® 9

garantindo a validade e licitude de todas as convenções que tenham sido estipuladas e que, comunicadas à autoridade, tenham sido admitidas, explícita ou tacitamente, pela mesma.

Houve, posteriormente, uma primeira aprovação da operação específica de seguro-garantia financeira do crédito com o enquadramento da operação e a definição dos seus elementos básicos.

De qualquer modo, o seguro-garantia financeira, além de não proibido, tem, ao contrário, sido consagra do pela legislação brasileira nos setores mais variados.

Assim, já há algum tempo, a legislação do inquiliriato trata do seguro de fiança locatícia, abrangendo a tota lidade das obrigações do locatário em relação ao locador, cabendo ao inquilino pagar o prêmio de seguro de fiança, (artigos 37, III, 41 e 23, XI da Lei n° 8.245, de 18.10.1991). A CVM também a consagrou como uma forma adequada de garantia.^’^^ Por sua vez, a legislação de licitações já admitia o seguro-garantia no Decreto-lei n° 2.300/86 (art. 46,3) e continuou a consagrá-lo a Lei n® 8.666 (art. 56, II). Podemos, pois, afirmar que o segu ro-garantia financeira, como alternati va válida à fiança bancária, está devida mente admitido pelo direito brasileiro, que permite a opção entre as duas formas de garantias.

A falta de referências ao payment bond não exclui a sua utilização

es em . com o seguinte teor: no 8“ do Decreto f 1967, com a redação que r992; ^ ** de

Considyando a necessidade de disciplinar a apte- sentaçao das condições dos contratos de seguros ^^ahzados pelas Sociedades Seguradoras,® RE-

A falta de referências doutrinárias ao payment bond não exclui a sua utiliza ção, pois a doutrina se limitava a fazer uma enumeração exemplificativa - e não taxativa - que também era feita em regulamentação da SUSEP, sem toda via excluir outras formas de segurogarantia. Aplica-se, no particular, o princípio ck autonomia da vontade, que impera no direito contratual brasileiro e especial mente no direito comercial, sempre que inexistam restrições de ordem pública.

Nos Estados Unidos, a legislação tem tratado da matéria desde a Miller Act, referente aos contratos públicos, que desdobrou o surety bond genérico, co nhecido pela legislação anterior (Heard Act), fazendo a distinção entre o performance bond aplicável às obriga ções de fazer e o payment bond que garante as obrigações de dar e, em particular, as de pagar uma determinada quantia em dinheiro.^“^^

Sociedades Seguradoras deverão enviar à Supermtendencia de Seguros Privados - SUSEP ante cipadamente à comercWizaçâo, as condições de rêguro otas técnicas deprêmiosearquivamentonaAutatquia. Art.2 -^alteraçõesaseremprovidasnoscontratos de seguros já em comercialização também deverão ... di^^““ “oaminhadas à SUSEP, para igual proceFicou, assim, consagrada a Übetdade contratual no campo dos seguros, sem prejuízo da tutela da SUSEP, en (17) tos.

Na realidade, há certas analogias entre a fiança bancária e o seguro-garantia financeira, que têm a mesma finalidade e efeitos análogos para o credor, embora seja diversa a estrutura de cada um dos institu-

Concluímos, pois, que a existência, legitimidade e validade do seguro-garantia financeira importam atender plenamente aos interesses tanto do devedor em ^snmmo - outubro -1998

como do credor, tratando-se de uma nova modalidade de seguro, com peculiaridade próprias, já agora consa gra no direito brasileiro.

VII. Conclusões

Verificamos, assim, que ocorreu uma evolução na qual o seguro mudou de dimensão e de estrutura e exige novo estudo por parte do legislador, da doutrina e da jurisprudência.

Na medida em que ocorrem as inovações, o homem por uma espécie do misoneísmo mantém formas antigas para instrumentos ou institutos novos. Os primeiros automóveis lembraram a carru^em do passado. Muitas

NOTAS

Amoldo Wald é advogado e professor Catedrático de Direito Civil.

vezes, no campo do direito, institutos novos foram criados utilizando-se nomes antigos. É preciso ver se alguns aspectos mais recentes do s^;uro não se afastam do s^uro tradicional de tal modo que ou mudamos a denominação do instituto ou é o caso de abandonar algumas característica que o instituto tinha no passado, passando a fazer as distinções adequadas.

Cabe pois felicitar os organizadores do presente congresso e em particular o Centro de Estudos do Tribunal de Alçada do Paraná e o seu presidente Juiz Munir Karam pela oportuna iniciativa de convocar, mais uma vez, os estudiosos da matéria aqui em Curitiba para discutir os vários aspectos do contrato de seguro.0

intítulada “Uma Era de Discontinuidade”, Zahar Editores, Rio de Janeiro, 1970.

A respeito escrevemos em nosso Curso que: século XX, o contrato de seguro foi ampliando pro gressivamente a sua função a fim de abranger não só o seguro de vida como o da responsabilidade civil, o da fidelidade funcional, a execução de obrigações {performance bond ), os riscos políticos, a insolvência do devedor etc. Podemos afirmar que o desenvolvi mento do seguro foi paralelo industrialização, garantindo o domínio do homem sobre substâncias e fontes de energia perigosas e transformando os meios de produção e as condições de Trabalho em virtude de eliminação do risco, trans ferido para o segurador. Vinculado ao progresso econômico, o problema do seguro ultrapassa hoje ss fronteiras nacionais, impondo-se na esfera internaci onal, apresentando-se como premissa de qualquer atividade no campo da indústria ou do transporte, e constituindo ramo próprio do direito. Efetivamente o direito do seguro aparece como especializado, com traços característicos, já contando com ampla biblio grafia e utilizando importantes recursos da estatística” Arnoldo Wald, (Obrigações e Contratos, 13® ed. atualizada com a colaboração de Desembargador Semy Glanz, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1998, p. 490).

2) Emenda Constitucional n® 13, de 21.08.1996.

No

7) Charles Handy, A Era da Transformação, Makron Books, São Paulo, 1996, tradução do original intitulada Beyond Certainty, Hutchinson-Random House (UK) Ltd. Editor, Londres, 1995.

8) B. Starck, Essaí d*une Théorie Générale de La Responsabilité Civile Considérée en sa Double Fonction de Garantie et de Peine Privée, Paris, L. Rodstein ed. Paris, 1974, p.260.

9) RTJ 163/343.

10) RTJ 82/2

11) Parecer publicado no Diário Ofídal da União (Seção I) de 10.06.1996, ps. 101143 e s^.

12) Em três anos, foram mais de vinte seguradoras estran geiras que entraram no mercado brasileiro, direta mente, mediante a criação de subsidiária ou em associação com empresas brasileiras, destacando-se entre outras ITT Harford, a New York Life, a Cigna eaAIG.

13) É a opinião da maioria dos autores que trataram da matéria como Pedro Alvim (O Contrato de S^;uro, Forense, Rio, 1983) e Vera Helena de Mello Franco (Lições de Direito Securitário, Maltese, São Paulo, 1993). Ver também Amoldo Wald, Obrigações e Contratos, já cit., p. 492 e seguintes.

3) A matéria está ensejando algumas ações judiciais decorrentes da concepção do performance bond no direito anglo-saxão, que nem sempre é bem com preendida na prática comercial e administrativa brasileira.

4) Stefan Zweig, O Mundo que Eu Vi, (memórias) capítulo primeiro.

5) John Kenneth Galbraith, A Era da Incerteza, tradução brasileira de F. R. Nickelsen Pellegrini, 3® edição brasileira, 1982. O título em inglês é “The Age of Uncertainty”.

6) Peter F. Drucker, The Age of Discontinuity, Harper & Row, Nova York, 1969 com tradução brasileira da técnica e da ao

14) Destacam-se entre outros, as seguintes: FSA - Financial Security Assistance- (40% do mercado americano); Municipal Bond Investors Assurance (garantia de títulos municipais para finance ^rojfcíespecíficos de grande importância para a infira-estmtura, apresentan do aumento anual de 30%); Financial Guaranty Insurance Corp - GE; Health Industry Bond Insurance - HIBI e Industrial Development Bond Insurance.

15) Instmção n® 262 da CVM de 02.05.1997, in D.O.U. 06.05.1998, Seção I, p. 9022 com a retificação que consta no D.O.U. de 09.05.1997.

16) Black’s Law Dictionaiy, verbete Miller Aa, 6® ed. p. 686 e U.S.CA. §§ 270a - 270f.

17) Edwin W. Patterson, Cases and Materials on Insurances, 2® ed., p. 37.

A necessidade de atacar o problema social faz com que a defesa da moeda seja intransigente

Moeda e cidadania

Amoeda é uma das mais importantes instituições de uma nação. Aqui, com em

qualquer parte, eve trazer estampada a efígie de nossos heróis, os símbolos mais perenes de nossa cultura e um bom pedaço de cada um de nós. A moeda é parte fundamen tal da identidade nacional, um símbolo de terminologia do escritor italiano Elias Canetii, algo que desvaloriza quando perde valor da forma alucinante como observamos no Brasil de 1993, e enfraquece os nossos valores de forma mais geral.

massa, na nos

Quando jovem, Canetti viveu a hiperinflação Áustria, mas escreveu algumas extraordinárias sobre os efeitos da hiperinflação na Alemanha de Weimar. Lá (como cá) a decadência da moeda foi um desastre para a cidadania. A própria democracia quedou vitima da, algum tempo depois das grandes inflações, tanto na Alemanha quanto na Áustria. Não chegamos a tanto no Brasil, mas, sem dúvida, alguns de mentos em

o

próprio inventor, Philip Cagan, economista da Univer sidade de Chicago, mais recentemente concluiu que não deve haver um patamar tão claro. Michael Bruno, recentemente falecido, ex-presidente do Banco Central de Israel e um dos maiores especialistas em assuntos relativos a inflações e estabilizações, argumentava que o patamar definidor deveria ser 20% mensais, porque era esta a fronteira a partir da qual a indexação se dissemie a trajetória ascendente ficava inevitável.

nava na os sete teses

De acordo com este critério, o Brasil esteve tecnica mente em hiperinflação continuamente durante anos anteriores ao Plano Real, ou seja, de meados de 1987 (após o colapso do Plano Cruzado) a julho de 1994. Nesse período, a fronteira dos 50% mensais foi ultrapassada apenas em algumas poucas ocasiões, mas apenas porque tivemos quatro congelamentos de preços anos (Bresser, Verão, Collor 1 e 2).

nesses nossos piores momatéria de cidadania tiveram lugar durante período de hiperinflação.

com a o

Nós sempre soubemos que a inflação era a principal causa da desigualdade social no Brasil. Mas foi :i... hiperinflação que percebemos outras mazelas como impulso à cultura da especulação financeira, de esper teza, da Lei do Gerson, isso para não falar de falta de educação no trânsito, criminalidade e corrupção.

Quem se aventura a dizer que a hiperindação não fornecia um clima mais que propício a todos esses males? E que eles foram mais sérios naqueles anos do que em qualquer outra época no Brasil? ^

Não deve haver dúvida de que vivemos uma hiperinflação, tão virulenta e destruti

Talvez tenhamos de esperar muitos anos até que as consequências desses tenebrosos sete anos sejam diluí das e os traumas esquecidos. Mas se para alguma coisa serviu, foi para destruir a noção de que a inflação tem alguma funcionalidade no processo de desenvolvimen to brasileiro. No passado

A fronteira para uma hiperinflação foi certa vez (num estudo de 1956) fixada em 50% mensais, mas seu

enxergava, embora com pudores, que a inflação era útil para extrair “ forçada da sociedade e financiar necessários à industrialização do país.

O “imposto inflacionário” era cruel, mas era coletado para uma boa causa > vale dizer, para que transferissem suas receitas para o esforço de industrialização. Pois bem, quando o Brasil se torna um país industrial, em meados dos anos 1980, e passa a preocupar-se mais com a questão social (que, em boa medida, foi agravada pelo modelo inflacionário de industrialização que adoramos durante tantos anos), torna-se imperativa uma revisão radical nas maneiras pelas quais a inflação é compreen dida e tolerada.

A inflação é um imposto que incide principalmente sobre o pobre. Que sentido pode haver em se cobrar um imposto sobre o pobre num país que quer melhorar seus indicadores sociais? Fazer políticas sociais por meio da se poupança os investimentos va quanto qual quer uma das outras. Não tivemos guerras civis ou revoluções simultaneamente ao fenômeno, e tivemos a presença conspícua da indexação como anestesia dispo nível a uma parte da sociedade. Por isso a ilusão de que aqui as coisas foram mais amenas que na Alemanha de Weimar.

que a se evita a

o

“Amoedaéumadasmaisímportantesinstftuiçõesdeumanaçao inflação, ou seja, por meio da emissão descontrolada de moeda, é um contra-senso tão gigantesco quanto óbvio: o que se dá com a política social, se tira com a inflação. A necessidade de se atacar o problema social faz defesa da moeda seja intransigente, pois é assim que _ b ■ utilização do imposto sobre o pobre para financiar a incontinência fiscal. Para não falar no quanto a inflação torna vulnerável a cidadania, ou no quanto ela corrói também os valores não pecuniários. Para ser ético, ^ desenvolvimento econômico que tem lugar após a rndustrializaçâo tem de ser conduzido a partir de uma moeda sadia.

Gustavo H. B. Franco épresidente do Banco Central

Desejamos que o Brasil inspire no mundo uma imagen de confiabilidade

A nova realidade reajustar e adaptar

OPiano Real é uma pedra de toque bruta bastante por lapidar. A estabilização por ele objetivada ainda arrastará consigo, na sua extensa jornada, notáveis transformações, entre investir no progresso material de maiores riquezas e aplicar no abrandamento das aflições sociais. Uma nova realidade impõe-nos, pois, a disposição para a ela nos reajustar mos sem traumas.

oportunos; a maioria inspirada na sobrevivência política dos autores. As Medidas Provisórias fazem miscelânea do urgente, do relevante e do prioritário. O decênio da CF/ 88 não bastou para a regulamentação legislativa das prioridades. Tão logo contrariados os privilegiados, rea gem eles com trovejante vociferação, e tornam complexo o que é fácil e controvertido o definido. A barganha fisiológica, eticamente condenada, tem se convertido, por isso, numa alternativa inevitável.

A instabilidade do sentimento cívico dos políticos torna penosas as reformas. Exigências constitucionais se incluem entre os entraves às decisões: três quintos de votos no Congresso, dois turnos de votação em cada Casa, os abusos na pressão dos grupos de interesses; a cascata normativa. Fantasmas ainda nos assustam: o CPMF; as ameaças ao sigilo bancário; o derrame de Medidas Provisórias; os “marajás” da Previdência Soci al; os sanguessugas do erário público etc.

Já fomos submetidos a um período amargo de infla ção. A indexação era, então, o mecanismo orientador das atividades. A arte de indexar constituía exigência básica: éramos obrigados, para sobreviver, do plebeu ao fidalgo ou do empresário ao político, a aprender-lhe os labirintos.

O Presidente logrou estabilizar a economia. Nin guém lograra antes fazê-lo com tanto vigor e coragem. Um passado reacionário e rançoso foi rompido. Justificado fica o preço oneroso do desemprego. Imprescindí vel, pois, agora, a eficiência da comunicação entre Governo e povo, instituída e operada confiabilidade, com regras compatibilizadas às varia ções naturais do sentimento popular.

A globalização, que nos empolga, exige atilado espí rito competitivo e sensibilidade para detectar e admi nistrar os fluxos de recursos e investimentos. Há um preparo técnico e emocional para enfrentar tais turbu lências, ora factíveis, ora fajutas. A segurança tem muito a ver, neste mar revolto, com o senso de governabilidade, que saiba arredar as crises evitáveis ou atenuar os efeitos das crises inevitáveis. A facilidade e o volume das informações idôneas são a fonte das deliberações acerta das. Os erros hão de ser previsíveis; convém, entretanto, que os acertos componham o saldo positivo. Urge a reforma tributária, para sanar os males da estrutura caótica do chamado manicômio tributário brasileiro, e perrmtir que a indústria, a agricultura e os serviços cres^m em proficiente competitividade. A lentidão do legislativo esclerosado r repercute nos transtornos das reformas basicas. As forças políticas culpam o Executi vo, mas, mves de promover logo a reforma toda, pul riz^-na em retalhos, propiciando à oposição a mani- pulaçao dos fatos e a obstrução inócua das decisões, ü que atemoriza é a fragilidade do político-econômico,ais. Um falso alarme basta para o pânico ou estremeci mento das posições. Vulnerabilidade venosso sistema ante as crises econômicas mundi- em clima de que nos mantém em estado permanente de transição, como um Hércules folgazão com medo de barata.

O Congresso está obeso de projetos. Poucos cívicos e

óímjgRn

Nenhuma força eleitoral é mais vigorosa do que a estabilidade, a paz social e a sensação de segurança legal. Eloquência nenhuma sustenta melhor o prestígio de

um governo do que \ tais virtudes. A oposição tem sido dispersi- « va, contraditória e amiúde caótica. Por isso acéfala, sem poder de fogo. Ser contra tudo costuma só arregi mentar os descom prometidos. Invés de humanizar o capitalis mo, ela bestifica o so cialismo.

As superfluidades não preocupam os que vivem bem. Para um povo infeliz, sim, qual quer deslize do Gover no gera a desforra ou represália política. O povo está cada vez me lhor informado. As notícias consumidas fá-lo mais consciente das questões fundamentais do seu país. O ruim é a assimilação vagarosa e hesitante. Percebemos a verdade ou a realidade, que passam nossa porta, somente depois de muitas voltas.

A instabilidade do sentimento cívico dos políticos torna penosas as reformas

dos e com eles os recursos e investimentos construtivos, e que os que já para cá vieram e se radicaram com seu capital e trabalho, tenham confiança no futuro, na produtividade do seu empenho e nas justas compensações. ● na

Desejamos que o Brasil inspire no mundo, por elevado que seja o custo, uma imagem de confiabilidade - na sua economia, no seu povo, nos seus homens públicos e nas leis. Convém que para cá venham os bem intenciona-

Elias Farah é diretor da Associação Comercial de São Paulo e Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo suas

A definição que falta

oproblema da desnacionalização da indústria e da transferência dos centros de decisão para o Exterior não pode ser examinado apenas à luz dos interesses corporativos que foram contrariados a política de abertura da economia. Se a questão é transferencia dos centros de decisão”, portanto de diimnuição da soberania efetiva que o Estado exerce sobre seu território, o problema não é saber a quem pertence o banco ou a indústria — para não falar do supermercado mas sim verificar de que poder disporá o Estado na constelação internacional no momento em que, sentindo que perde o poder de decisão, decidir enfirentar a comunidade internacional, seja a financeira, seja a dos investidores industriais, seja a Organização Mundial do Comércio. Os que sustentam a tese de que o país corre o risco de perder o controle sobre decisões industriais e financeiras que reputam estratégicas deve- riam ter presente que, no limite—na extremidade lógica posição semelhante ás que se adotaram a partir dos anos 50 pode conduzir

tação dos quais o Estado, anos atrás, se arriscaria a levar o País à guerra e hoje o faria mobilizar a Nação. Ora, esses interesses, não há quem os defina nesses termos. Mesmo porque a sociedade brasileira dificil mente concordaria com uma proposição desse tipo. No ano passado, em duas faculdades de diferentes univer sidades — uma pública e uma privada -, coloquei uma questão provocativa para os alunos: “Se os guerrilheiros colombianos ocupassem uma parte do território brasi leiro, vocês se alistariam para recuperá-lo?” Deveriam ser cerca de 70 alunos, em três cursos. Num, ninguém quis se alistar. Noutro, uns quatro. No terceiro nin guém - mas houve um, sagaz cidadão, que disse que pagaria mais impostos para que o Exército fosse libertar a Amazônia...

que vulgarmente se chamaria o fechamento das fronteiras, ou se quiser, à edição de lirna lista de produtos que não podem ser importados. Com toda a certeza, nessa eventualidade, o Mercosul iria para o espaço e o fiuxo de capitais para investimento de risco ou até mesmo para aplicação na bolsa dimmuiria ou cessaria totalmente. Sem contar as reperc^sões que uma decisão dessa natureza teria sobre o conjunto das relações internacionais do País.

Avoltaatr^ é, hoje, ameuver, praticamente impos sível. O difícil é conciliar a nova realidade econômica - que gera, sem dúvida alguma, realidades políticas não siwpeitadas - com a defesa dos interesses nacionais. O nó do problema reside aí - não na conciliação de uma coisa com outra, mas na definição do que sejam interesses. Nao se trata dos famosos objeti permanentes, embora com alguns deles confundir-se; trata-se de interesses vitais. ao esses vos nacionais possam vir a para a susten-

A falta de definição do que seja interesse nacional é que impede que a grita contra a desnacionalização da indústria brasileira e a transferência dos centros de decisão transformem-se em bandeira, como foram a do “o petróleo é nosso” e a da “indústria nacional” nos anos 50. A dificuldade em definí-lo reside, pura e simples mente, no fato de que são poucos, muito poucos, os que se sentem membros do Estado - parte do soberano, como diria Rousseau.

Essa dissociação entre o Estado e os súditos, entre o Soberano e os cidadãos, não vem apenas daquilo que se chama hoje de exclusão social. Se eu tivesse feito a pergunta a um grupo de excluídos, possivelmente eles ainda tivessem viva a idéia da Pátria — talvez não da Nação — e tivessem respondido “eu”. Vem do fato de que o Estado entrou em crise no dia em que permitiu que os estados anticonstitucionais se instalassem no território. Vem do fato de que os quadros administra tivos, cuja fidelidade ao Estado é essencial para suas sobrevidas, não crêem no governo.

Oliveiros Ferreira édiretor do “0 Estado de S. Paulo”.

Leitores sempre gostaram de dizer que não se pode acreditar no que sai nos jornais” <c

Hiper-realismo de impacto global

Façam comentários à vontade, mas os fatos são sagrados, escreveu C. P. Scott, editor do “Manchester Guardian”, em 1926. “Nem no que [o jornal] dá, nem no que ele não dá, nem na forma de apresentação, deve a face clara da verdade tolerar erros.”

O famoso dito de Scott, tanto um orgulho quanto um aviso, era o padrão altivo de imprensa britânica, que então se considerava mode lo para todo o mundo. Hoje, são os Estados Unidos que carregam este estandarte, gabando-se da precisão e da disciplina de seu jornalismo. Até que recente seqüência de gafes e invencionices, seguida de faces enrubescidas, desculpas e demissões, deixou no ar a pergunta: “Que diabos está acontecendo?

No início de julho, o canal de notícias CNN se retratou, por uma reportagem sobre o uso de gás asfixiante, que afeta o sistema nervoso, pelas tropas americanas, para matar soldados desertores durante a guerra do Vietnã. Despediram dois produtores e um terceiro demitiu-se.

O “Cincinnati Enquirer” se desculpou por ataque aos métodos mercantis de uma empresa chamada Chiquita Brands International, dizendo falsas e baseadas em

que suas reportagens eram gravações telefônicas roubadas. Demitiu um repór ter e ofereceu uma indenização de US$ 10 milhões. No primeiro caso, segundo as leis do jornalismo investigativo, as provas simplesmente não justifica vam a conclusão. Mas em ambos o entusiasmo passou por cima do julgamento profissional. Grandes erros não são novidade. Há vinte anos.

o “Daily Mail” noticiou o pagamento de propinas pela British Leyland, com base em uma carta forja da. Mas errar é diferente de inventar. No mês passado, Stephen Glass, um jovem escritor da “New Republic”, foi posto no olho da rua, depois de uma investigação ter revelado que 27 dos 41 artigos que escreveu para a revista continham invenções. O “Boston Globe” demitiu uma famosa colunista por criar personagens e citações em quatro artigos; o fato de ser negra acrescentou uma pitada política ao episódio. Em 1980, uma repórter do “The Wa shington Post” ganhou o Prêmio Pulitzer por uma reportagem de cortar o coração, embora forjada, sobre um garoto de oito anos viciado em heroína. No Reino Unido, a Carlton Television foi acusada de mostrar uma entrevista simulada com Fidel Castro e um documentário sobre tráfico de drogas com algumas cenas “reconstruídas”.

Parece que quem deveria estar acostumado com este tipo de situação está perdendo a noção de realidade. Será mais um sintoma de uma época que perdeu a fé em valores como refiexão e moralidade? Quanto tempo resta, então,até que telespectadores desconfiados se recusem a engolir mais “info-shows”?

Os leitores de jornais sempre gostaram de dizer que “não se pode acreditar no que sai nos jornais”, e quanto mais próximos da notícia eles ficam, mais razões eles têm para continuar repetindo esta frase. No entanto, os leitores realmente acreditam em grande parte do que lêem, pois isto constitui a substância de seu conhecimento e de suas conversas a respeito do mundo. Os telespectadores não duvi-

davam das provas diante de seus próprios olhospois a câmera não pode mentir, pode? Agora, eles aprendem a olhar de soslaio a muito do que a TV oferece como “documentário”.

Verdade e exatidão não são exatamente a mesma coisa. Digamos que, dentro da limitada liberdade de ação permitida na maioria da mídia impressa e televisiva, uma história verdadeira é aquela na qual os detalhes são precisos, e a seleção dos detalhes forma uma imagem confiável. Os repórteres são sempre tentados a exagerar os fatos; para satisfazer um editor exigente, para causar alarde ou mesmo para tornar a realidade mais verossímil.

Um jornalista veterano britânico lembrou que, em seus tempos de novato na área criminal, era costume, após crimes horrendos, dizer que a polícia tinha suspeitos, quando na realidade não tinha; isto, ele explica, era uma maneira de forçar a polícia a ser mais acessível no fixturo. Quantos jorna listas, enviados para cobrir um engavetamento múltiplo em uma auto-estrada coberta pelo nevoeiro, não escreveram sobre motoristas de caminhão troncudos “chorando des consolados” no meio da destruição?

Longe de casa, um repórter confiável pode contar com uma certa imuni dade. Quem vai contestar suas comoventes entrevistas e suas des crições gráficas? Nem o fotógrafo pode resistir à tentação de embelezar uma foto, para dar-lhe mais pungência e “realismo”. A foto épica de Joe Rosenthal, da bandeira dos Estados Unidos sendo plantada em Iwo Jima é “verdadeira”? Quan do Yevgeni Khaldei convenceu um soldado do Exército Vermelho a subir até o teto do Reichstag com uma bandeira, e posar contra os céus flamejan tes de Berlim, isto foi um acontecimento “verda deiro”?

ência jornalística”, prossegue. Eles chegaram com seus degraus administrativos e objetivos comerci-

ais.

Os incidentes dos Estados Unidos podem ser explicados como rebeliões individuais contra os controles cada vez mais rigorosos - o uso de “conferentes de fatos”, por exemplo - para prote ger contra trotes e evitar processos judiciais. “Mas no Reino Unido, acho que há um problema real. A mudança dos valores facilitou que os jornalistas abaixem seu nível.” Harold Evans, um antigo editor do “Sunday Times”, que sabe a realidade dos dois lados do Atlântico, deu uma conferência na universidade em que se formou, a Durham University, no mês passado, na qual afirmou que a reconhecidamente livre imprensa americana está em declínio, ao menos a maior par te dela, transformando-se em uma “confusão de notícias, entreteni mentos, fatos e invenções”. A tele visão oferece poucos fatos, mas muita emoção e “hipóteses tenden ciosas”.

O "Daily Mirror tem um terço do pessoal da redação que tinha há 12 anos //

A explicação óbvia para as atuais notícias menti rosas é a pressão da competição, apoiada e instigada pela tecnologia. O que não é fácil de decidir é se isto é a causa cultural.“Há uma pessoa e outro que identifica uma corporação. Acho que foram os valores corporativos que muda ram afirma Rod Allen, ex-apresentador de TV e atual coordenador do curso de jornalismo na City University, em Londres. “Amídiaangl é cada vez mais controlada por pessoas sem experi-

Os fatos são sagrados mas tam bém custam caro. Antigamente, do nos de jornais buscavam a influência antes dos lucros. No Reino Unido, Lord Beaverbrookse satisfazia com

um retorno de 3% sobre seu inves timento no “DailyExpress”. Quan do os executivos assumiram o con trole na Fleet Street, eles queriam um mínimo de 17%. Os jornalistas mostraram-se muito caros (não só por causa das generosas coberturas de despesas) e reduziram a equipe. O “Daily Mirror” tem um terço do pessoal da redação que tinha há 12 anos. O trabalho foi passado para free lances ou subcontratantes. O espaço anteriormente reservado para as notícias, ou para a análise destas por repór teres. passou a ser ocupado pela especulação ou por comentaristas que não tiveram nenhuma ligação com reportagem.

Os canais de televisão pararam de enviar seus próprios jornalistas para cobrir as notícias. A produção dos programas passou para as mãos de empresas independentes sobre cuja integridade os canais têm pouco controle. Há uma tendência a se publicar rumores e suspender os julgamentos editoriais, como no caso da recente “investiga ção” da “Fulcrum Productions” para a “Granada” sobre a morte de Diana, princesa de Gales, que a conseqüência de um ambiente conjunto de valores que forma ou um o-americana

^OufuBRÓ1^98

deu ênfase a uma teoria de assassinato pouco consistente.

Em ambos os lados do Atlântico, há um excesso de confiança em fontes remotas. Narrativas contra ditórias fornecem material para quilômetros de comentários — como a recente notícia de um estu pro no pátio de uma escola - mas estas contradições normalmente se revelam atentados à verdade.

Enquanto isso, a Internet, que deveria criar um mercado de informações mais aberto, tem sido uma faca de dois gumes. Os seus rumores são muitas vezes usados como complementos para portagens. Pierre Salinger, antigo secretário de im prensa da Casa Branca, foi convencido por uma brincadeira maliciosa na Internet, sustentando que o avião da TWA que caiu próximo a Long Island, em 1996, foi atingido por um míssil teleguiado da marinha dos Estados Unidos.

Esta tendência do jornalismo para a criação de maldosas fábulas é ilus trada pelas palavras de Geoffrey Goodman, antigo diretor assistente do “Daily Mirror” e atual editor do “British Journalism Review”: “Há mais verdade em Dickens ou Tolstói do que na maior parte das notícias dadas pelos jornais de hoje em dia”. A rapidez e o alcance das transmis sões, o impacto global e instantâneo das notícias, criaram “um tipo de hiper-realidade”. O rádio e a televi são determinam a pauta dos jornais como nunca fizeram, e a mídia se auto-sustenta. “Assim, temos um jornalismo cria tivo, como a contabilidade criativa (ilegalmente alterada para dar a impressão de verdadeira)

algumas entrevistas, é difícil dizer quem é o entre vistado.

Há os que culpam o ambiente cultural por esfiimaçar a linha que separa o fato da fantasia, por fazer repórteres escreverem como romancistas, por substituir o documentário por “docu-novelas”. Não deveriamos esperar outra coisa, dizem, quando o estilo vem antes do conteúdo. Os assessores contro lam as informações políticas, os lobistas e os rela ções públicas lançam notícias feitas sob medida para repórteres preguiçosos ou inoportunos. O inimigo não é mais o conjunto industrial militar, segundo um recente artigo da revista “New Yorker”, conjunto de mídia fabricante de ilusões”.

A Internet, que devería criar um m ercado de informações mais aberto, tem sido uma faca de dois gumes

O jornalismo se tornou um negócio glamouroso, e à maioria de seus aspirantes nunca foi explicado como apurar, checar e escrever reportagens. Eles trabalharão por pouco, ou por nada, como os aprendizes vitorianos, para subir os degraus da escada da fama porque, se o salário está no térreo, as recompensas no andar superior são enormes, tanto em dinheiro quanto em exposição.

Como o esporte, a administração, a publicação de livros e o canto de ópera, o jornalismo tornou- se o que o economista americano Robert H. Frank chama de mercado “quem ganhar leva tudo Os jornalistas podem se tornar celebridades quase rapidamente quanto os famosos que ajudam a criar, própria foto espalhada pelos jornais. Em

Também é tentador ver esta influência maligna dentro dos “estudos de mídia”. Estudantes deste ramo da sociologia são encorajados, com base em um antecedente de relativismo pós-moderno, a encarar a verdade como um valor irremedi avelmente subjetivo e variável. Esta atitude, diz Greg Philo, diretor de pesquisa da tradicional unidade de mídia da Glasgow University, está fadada a se espalhar pelo mundo. Philo acredita que muitos produto res de documentários de TVe jorna listas desistiram da verdade literal. “Eles nem mesmo tentam fingir que isto é importante”, diz. A sagacida de e a ambição hoje em dia são mais valorizadas do que a integridade, segundo lan Hargreves, antigo edi tor do “The Independent”, que está prestes asetornarprofessor de jornalismo naCardiff University. “A ironia dá o tom nestes tempos.” (E, como os velhos jornalistas costumavam dizer, não há um caracter chamado “irônico”.)

Howard Kurtz, repórter do “The Washington Post”, que perguntou que diabos está acontecendo, chegou à sua própria conclusão. Com relação à recente sucessão de contratempos, ele diz: “Não acho que seja um acidente. Em todos estes eventos, os editores e executivos perderam a noção de peri go, e não fizeram as perguntas corretas”. E por que isto aconteceu? “É uma combinação de ânsia por manchetes sensacionais, confiança depositada na pessoa errada, e o mundo hipercompetitivo da mídia hoje.” E acrescenta: “Em comparação com isto, o ‘Daily Mirror” parece inofensivo”.

Cedido pela “Gazeta Mercantil'

Caminhar no sentido da liberdade sindical, do associativismo voluntário e da valorização do contrato coletivo

Reflexões sobre o trabalho no Brasil

Edward J. Amadeo

Titular da Pasta do Trabalho

Odesempenho do mercado de trabalho no Brasil tem ocupado lugar destacado, senão central, debates econômicos e políticos. Não podería diferente. Afinal, o mundo do trabalho e a economia brasUeiia vêm passando por transformações históricas últimos anos. Cabe, portanto, examinar como se combi nam estas transformações e de que modo podem atuar poKucas púbUcas e a legislação com o objetivo de adaptar o funcionamento do mercado de trabalho contexto.

É ponto pacífico que o primeiro item na lista das políticas p^ a geraçao de empregos é o crescimento econômico. Neste cont^o, e comum ouvir-se que a economia brasileira tem crescido pouco. Esta noção, entretanto, precisa ser comgida: entre 1993 e 1997, o PIB brasUeiro cresceu a uma media anual de 40/o.Isto equivale ao dobro da taxa de crescimento dos cinco anos anteriores. Daí ter havido getação de empregos suficientes para que a taxa de desem prego oscüasse em tomo de 5.5% nos últimos

E nos primeiros meses de 1998 que a Qxa de desempre go sobe para o patamar de 8%. DifícU seria imaginar que diante de uma crise internacional como a de outubro mercado de trabalho

comprometem o futuro. Não o futuro dos próximos meses ou do ano que vem, mas o futuro dos próximos anos. Portanto, dizem respeito às condições de emprego de nossos jovens.

Tais fatores referem-se a temas afetos à natureza dos postos de trabalho, à produtividade e ao tipo de inserção dos trabalhadores brasileiros na comunidade internacio nal. Temas que não têm a ver com a “escala” do emprego mas com a “intensidade” do emprego. Note-se que a escala (crescimento) do emprego não é independente da inten sidade (qualidade e produtividade) do emprego: de fato, numa economia aberta, quanto maior a intensidade, maior tende a ser a escala.

anos. e o

, o fosse afetado. Já há indícios, entretanto, de forte recuperação do emprego; dados do IBGE para as seis principais regiões metropoUtanas indi- que dos 560 mil empregos destruídos entre bro de 97 e fevereiro último 407 núl foram entre março e maio.

cam novemrecuperados difíceis para os trabalhadores e explicam. sao res outro.

É me^yel a importância de crescimento para o empre go. Mas ha uma tese com formidável número de adeptos, segundo a qual o desempenho do mercado de trabalho depende exclusivamente do crescimento econômico. A simplicidade desta tese está na raiz de sua força. Mas ümibem de sua debUidade ao menosprezar um conjunto de outros fatores.

São fatores estruturais e que merecem atenção porque ^sermBm -

O primeiro destes temas refere-se à reestmturação econô mica e seus impactos sobre a mobilidade da força de trabalho. Até recentemente, a composição de emprego era muito estável. Nos últimos anos tem crescido muito a mobilidade dos trabalhadores: houve migração da indústria para serviços, do assalariamento legal para o ilegal trabalho autônomo, do emprego industrial metropolitano para o não-metropolitano . Paralelamente, cresceu a exigên cia de qualificação dos trabalhadores em todos os setores. Em resumo, cresceu muito a mobilidade espacial, setorial, ocupacional e contratual. Isto significa que, inde pendentemente da escala do emprego, está mudando a natureza do trabalho. Daí a necessidade de intervenções que agilizassem os processos de transição, que obviamente em grande medida a preocupação da população com temas ligados ao emprego.

Com o crescimento das transições, surgem fricções entre o nível educacional e as habilidades dos trábalhadoà busca de emprego, de um lado, e as vagas abertas, de

No Brasil sempre houve carência de trabalhadores qualificados. Prova disto é que “o quanto ganha a mais um

trabaUiador por ano adicional de educação” no Brasil é mais do que em praticamente qualquer outro país do mundo. Mesmo com a significativa melhora no perfil educacional da força de trabalho nos últimos anos, os diferenciais de renda entre níveis educacionais não têm caído. Uma clara evidência de que a carência de qualifica ção ainda é significativa.

Independentemente do nível de educação formal, o aumento da mobilidade setorial e ocupacional tende a depreciar rapidamente as habilidades específicas dos traba lhadores. Isto significa que os trabalhadores adultos, mesmo os mais educados, precisam de reciclagem permanente.

Por estas razões, os esforços de formação e requalificação profissional são fundamen tais. Insistir neste o ponto pode parecer óbvio. Mas é ^ preciso insistir, pois, por < incrível que possa parecer, há resistências quanto à relevância econômica ciai dos programas de qua lificação profissional Brasil.

Outro tema fundamen tal diz respeito à regulação do mercado de trabalho. A legislação trabalhista pode ser vista como um sistema de limitações e incentivos à ação individual e coleti va. O “mercado de trabapor sua vez, é um espaço de transações sobre o qual se impõem, por força da lei, tais limitações e in centivos. Nunca é demais e sono

Iho”, repetir que a convivência entre o mercado e as regras nem sempre é pacífica. Neste terreno, parecem haver forças centrífugas q jogam acadêmicos, juris tas e sindicalistas para um dos seguintes extremos: — Tomar a legislação como um dado histórico, até porque em comparação com o crescimento econômico, ela seria irrelevante para o funcionamento do mercado de trabalho. Portanto, não haveria razão para discutí-la.

uma sociedade mais próspera. No Brasil não é diferente. Na verdade, além do mercado e da lei existe uma terceira instância de mediação entre capital e trabalho, qual seja a negociação coletiva. A meu ver, mais importante para a modernização das relações de trabalho no Brasil que as visões que contrapõem o mercado e a lei, é o fortalecimento do instituto da negociação.

De fato, é possível que nenhuma das duas visões atribua o devido peso à ausência de “cultura negociai” entre patrões e empregados, com influência decisiva para o desempenho do mercado de trabalho.

No Brasil, salvo raras exceções, as negociações coletivas não são exaustivas. Daí porque as relações de trabalho serem instáveis, sem compromis sos sustentáveis, e não ha ver credibilidade entre tra balhadores e empresas.

As causas para um sis tema tão insípido de autocomposição nas rela ções trabalhistas são as se guintes:

— Ausência de liberdade sindical, que impede aos sindicatos de se organi zarem segundo a base de representação que melhor lhes convier;

— Contribuição sindical compulsória, que reduz o compromisso dos sin dicatos com suas bases;

— Existência do poder normativo da Justiça do Trabalho que inibe o esforço de autocompo sição.

O contrato coletivo é o

Nos últimos anos cresceu a maleabilidade dos trabalhadores ue

instrumento para que os objetivos comuns e conflitivos entre as partes sejam negociados. Cabe às parexaustivamente desse expediente para chegadenominador comum. Do acordo nasce o

— Ver a legislação como impeditiva das forças de mercado, e portanto impeditiva da própria geração de relações (principalmente assalariadas) de trabalho. Daí porque talvez o melhor fosse, no limite, eliminá-la. Em todo o mundo confrontam-se, de

um lado, os que desejam fortalecer as amarras impostas pela legislação mercado de trabalho, tornando assim a sociedade mais solidária; e, de outro, os que desejam que o mercado solto deixando que o ímpeto da iniciativa privada fomente

tes usarem rem a um compromisso, base para o crescimento da produtividade e, por extensão, da competitividade e dos salários. Enfim, seria o caminho para a preservação e expansão do emprego bem como para a melhoria da qualidade dos empregos. Do ponto de vista político, caminhar no sentido da liberdade sindical, do associativismo voluntário e da valo rização do contrato coletivo significa livrar, definitivamenno Brasil de seus trações mais no campo do te, as relações de trabalho corporativistas. Significa o fim da era Vargas associativismo e do trabalho.

Edward J. Amadeo é ministro de Estado do Trabalho

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