DC 24/01/2012

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DIÁRIO DO COMÉRCIO

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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

São Paulo Agliberto Lima/DC

458 anos

Olhos fixos no planeta chamado São Paulo Douglas Galante se dedica à astrobiologia, ciência que estuda a evolução do universo. Para ele, cidade está entre os grandes polos científicos do planeta. Newton Santos/Hype

Douglas Galante, astrobiólogo da Universidade de São Paulo (USP): paulistano do Brás afirma que a cidade abriga instituições de pesquisa e ensino comparáveis às melhores do mundo

Valdir Sanches

E

m São Paulo, desde a escolinha que os jesuítas ergueram no Pátio do Colégio, há 458 anos, sempre houve muita gente que fez a cidade ter um pé no futuro. No momento, Douglas Galante é uma delas. Ele é um astrobiólogo. Vive com o olhar tanto na terra como nas estrelas. Eram pessoas dessa natureza que estavam nos navios de Cristóvão Colombo ou na Escola de Sagres com o infante Dom Henrique. Exatamente como está hoje Douglas na nave São Paulo. Em um pontinho, em um lugar que é "uma poeirinha", um milhão de vezes menor que o Sol, vive Douglas Galante. Ele é um paulistano com olhos e lentes (de telescópio) voltados para o futuro. Amanhã, São Paulo, esse pontinho, completa 458 anos de existência. Quando foi fundada, Galileo Galilei, o físico italiano, ainda não tinha descoberto que a Terra, a poeirinha, gira em torno do Sol. Douglas Galante é descendente de italianos. Nasceu no tradicional bairro do Brás. Desde pequeno, tem um sonho: ser astronauta. Quando começou a pensar nisso, o primeiro homem a pisar na Lua (1969) já era História. Na infância de Douglas, os ônibus espaciais já estavam em órbita, e estações espaciais sendo montadas. Douglas tem 29 anos. É um astrobiólogo. Seu trabalho consiste em tentar compreender a origem, a evolução e o futuro da Terra e do Universo, e buscar vestígios de vida em outros planetas. Graduouse em Ciências Moleculares e tem doutorado em Astronomia, ambos na USP. Inspiração – Ao falar de São Paulo, diz o cientista paulistano: "É mais um membro importante desta sociedade, capaz de inspirar sonhos de aventura e descobrimento de nosso Universo, agindo como os antigos bandeirantes. As novas fronteiras, porém, são as do conhecimento". Não vá imaginá-lo apenas grudado no telescópio, ou ocupado dias sem fim com o reator nuclear e o acelerador de partículas. Douglas viaja para muitos lugares do nosso planeta - "uma poeirinha", como o define, diante da imensidão do Universo. Semana passada chegou de

uma pesquisa de microorganismos na região do deserto de Atacama, que se estende do Chile ao Peru. Seu prazer é, como diz, "estar em lugares abertos, junto com a natureza". Assim, procura "fazer do trabalho o meu hobby". Isso tudo fora a aventura. Antes da carteira de motorista, tirou brevê de piloto de avião. Também é paraquedista, montanhista (gosta de escalar o Aconcágua, nos Andes), m e rg u l h a d o r, ciclista (viajou setecentos quilômetros de Curitiba a Ushuaia, na Argentina) e mochileiro. Com a mochila às costas, aos dezesseis anos, acampou "à luz das estrelas" em Outback, região desértica da Austrália. Continuou viajando, às vezes sozinho, e sempre esteve em desertos, sua predileção. Em tempo: também faz canoagem e pratica rafting, a descida em botes por trechos encachoeirados de rios. E traking, faz caminhadas e vai acampando. O que um astrobiólogo de vida intensa, viajado, acha de São Paulo? "Sendo cientista, estou acostumado a trabalhar com pessoas do mundo todo, a viajar para congressos, experimentos ou expedições científicas, passando por desertos e por grandes cidades. Mas nasci, cresci, estudei em São Paulo. E, ao longo do tempo, aprendi que, do ponto de vista científico, é uma cidade imponente, com instituições de pesquisa e ensino comparáveis às grandes universidades dos Estados Unidos e Europa, muitas vezes melhor. "Temos uma riqueza incrível para ser explorada em nosso país, com sua natureza exuberante e com um povo e cultura únicos. São Paulo, com seu desenvolvimento atual, tem o potencial e a responsabilidade de liderar o uso consciente desses recursos, e con-

tribuir para o desenvolvimento do País", diz. "A pesquisa científica na cidade pode ainda ser muito melhor explorada e incentivada. Ser usada como incentivo às novas gerações e como uma ferramenta para o aprimoramento tecnológico, industrial, social e humano", completa. Nasa – Mas Douglas continua a acalentar seu sonho de estar em Houston, no Texas, onde fica o Centro Espacial da Nasa, a agência espacial americana. "Eu continuo esperando minha oportunidade, me preparando para isso", diz. Os lançamentos de Houston levam os pilotos, e um especialista da missão - um cientista. Os dois primeiros têm de ser

americanos, mas o terceiro não. E Douglas está interessado justamente nos experimentos científicos no espaço. Estava com onze anos, e já sonhava em ser astronauta, quando uma pessoa entrou na sala de aula de sua escola, para oferecer acampamento de verão nos Estados Unidos. Onde? Em Houston. Foi duas vezes, ouviu palestras de astronautas, conheceu muita coisa sobre as missões e os lançamentos. Logo na primeira vez tomou sua decisão - ser cientista. Gosto não lhe faltava. "Li todo o Júlio Verne." Muito acima, infinitamente acima da camada de poluição que cobre São Paulo, lá onde es-

tão bilhões de estrelas e planetas, situa-se a preocupação de Douglas Galante. Ele sabe que o planeta Terra será destruído, e o Sol vai morrer. Mas estas não são suas preocupaç õ e s i m e d i a t a s, nem que seja porque esses fenômenos vão demorar bilhões de anos para acontecer. Sua inquietação está em entender como a vida surge no Universo, como se distribui por ele, onde existe. Será apenas na Terra, ou em outros lugares do sistema solar, onde estamos? Ou será fora dele? Bactérias – Galante não procura ETs, obviamente; mas microorganismos. Bactérias, fungos. Nessa busca, os astrobiólogos, como ele, têm duas possibilidades de ação. A primeira é enviar uma sonda espacial, como a que foi a Marte. Mas isso só é possível em alvos do nosso sistema solar. Fora dele, não há como, pois é muito longe. Para fora do sistema solar entra o segundo meio, o uso do telescópio. Melhor deixar que Douglas explique. "Quando eu aponto meu telescópio para uma nova estrela ou um novo planeta, eu quero falar 'olha tem vida ali'. Não é tão simples dizer que tem vida. Eu tenho que saber o que procurar. Normalmente eu procuro as alterações químicas criadas naquele ambiente, induzidas pela presença de vida", diz. Manganês – "E eu preciso entender o metabolismo dessa vida, como ela processa os elementos químicos, para saber se aquilo é um sinal de vida ou não." Foi por isso que Galante e seu colega Ivan Lima, pós graduado na Nasa, foram à região do deserto de Atacama, que se estende do Chile ao Peru. O ponto onde estiveram é rico em manganês. O objetivo deles foi estudar se bactérias lá existentes usam esse minério para se proteger da radiação do sol. A bactéria usada como modelo

suporta doses de radiação solar 5 mil vezes mais altas do que o ser humano tolera. "Se a gente entende como esse organismo pode sobreviver aqui na Terra, entende como poderia sobreviver em outros lugares fora daqui." Com esses dados, Douglas faz simulações no computador, em sua sala de trabalho no IAG, o Instituto de Astronomia e Geofísica da Universidade de São Paulo. E, com Ivan Lima, realiza experimentos em reatores nucleares e aceleradores de partículas. Põe neles um microorganismo, para simular o que ele é. O IAG está construindo uma câmara para simular a superfície de Marte. "Um fungo do deserto de Atacama sobreviveria em Marte?", pergunta Douglas. Quebra-cabeça – A astrobiologia exige a dedicação de profissionais como astrônomos, biólogos, químicos, geólogos. Um esforço conjugado para resolver um grande quebra-cabeças. "Cada um coloca uma pequena peça." No tabuleiro estão as estrelas, que chegam a ser cem vezes maiores que o Sol. Elas produzem energia própria, e uma hora explodem. Nesse momento, o da explosão, são chamadas supernovas. Os corpos celestes menores, sem energia própria, são os planetas. Podem ser gasosos, grandes bolas de gás, como Júpiter e Saturno. Ou de rocha e minério, como a Terra. Pelas contas dos cientistas, essa velha senhora tem 4,6 bilhões de anos. É, como se viu, um milhão de vezes menor que o Sol. Seu satélite, a Lua, "além de inspirar os românticos e os loucos", tem um papel muito importante para nós: sua órbita, em torno da Terra, faz com que a órbita de nosso planeta, ao redor do Sol, não oscile. Órbita lunar – Mas está havendo um problema. A Lua está se afastando da Terra, coisa de dois centímetros por ano. Quando ficar longe demais, a órbita do planeta "vai começar a bambolear". Isso vai embaralhar as estações climáticas, inverno, verão, e os hemisférios, sul, norte. Estará tudo perdido. A temperatura vai oscilar drasticamente, e atingir altas nunca imaginadas. Mas isso pode ser posto na conta de muitos milhões de anos. Por ora, pode-se namorar em paz à luz da lua, em algum lugar inspirador de São Paulo.


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