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DIÁRIO DO COMÉRCIO

sexta-feira, 1 de março de 2013

LAZER - 13

Peripécias do rádio

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cultura

Para celebrar os 90 anos da primeira transmissão radiofônica, uma peça composta de trilhas musicais e esquetes relembra os tempos dourados e confronta com a era digital. Texto de Marcelo Romagnolli. Centro Cultural São Paulo. Sala Jardel Filho. Rua Vergueiro, 1000. Tel.: 3397-4002. Ingressos ditribuídos uma hora antes.

Divulgação

Cabeça de asno e Château Palmer 1864 José Guilherme R. Ferreira

Hopkins: interpretação histriônica.

Psicoses do mestre de Psicose

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Paris de Napoleão III, com bulevares de Haussmann (que sepultaram a cidade medieval), suas festas e bailes de máscaras, seusrestaurantes de alta cozinha e dos melhores vinhos, em nada anunciava o cenário de fome e penúria que se avizinhava. Isso pelo menos até que a guerra contra a Prússia fosse ficando mais próxima e próximo o cerco da cidade, em 1870. Para tentar garantir o abastecimento, monsieur Duvernois, ministro do Comércio de Napoleão, tratou de encher o Bois de Boulogne e algumas praças com milhares de ovelhas e bois, além de estocar grãos e capturar a caça das florestas da redondeza, matando dois coelhos com uma só cajadada: serviriam de alimento aos parisienses e deixariam as tropas de Bismarck à míngua. A carne de cavalo (essa que recentemente alcançou os jornais infiltrada nas lasanhas europeias) tinha sido introduzida pelos açougueiros de Paris em 1866 – “carne alternativa para o pobre”, mas que ganhou o paladar dos parisienses meio na marra após o cerco de inverno 1870-1871, explica Nichola Fletcher, em Charlemagne’s Tablecloth (St. Martin’s Press/NY/2004), No Les Halles – que sempre foi o “ventre de Paris”, na vívida descrição de Emile Zola – , não só a carne de cavalo, mas a nova charcuterie, agora equina, passaram a fazer sucesso. Poucos meses depois, entretanto, já não havia carne alguma e

Lúcia Helena de Camargo

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exo, violência e questões mal resolvidas em relação à mãe formam a base do roteiro de Psicose, filme mais conhecido de Alfred Hitchcock. Os bastidores da filmagem do longa, rodado em 1959, estão em Hitchcock (EUA, 2012, 138 minutos), que estreia nos cinemas brasileiros nesta sexta (1º de março). O ator britânico Anthony Hopkins assumiu um jeito histriônico ao incorporar o mestre do suspense. A caracterização fez com que ficasse bem parecido, porém o ar mórbido e solene que cercava a figura de Hitch (como ele preferia ser chamado) não acompanha o ator em cena. Não que a interpretação seja ruim. Longe disso. Hopkins é ótimo, como sempre. Apenas optou por ser engraçado, em vez de assustador. Helen Mirren vive Alma Reville, mulher de Hitch e produtora perspicaz que ajudou as filmagens a continuarem quando o marido caiu doente em um momento crucial. Jarmes D'Arcy encarna um perturbado Anthony Perkins, que já chega ao estúdio com a

bagagem traumática necessária para entrar no personagem Norman Bates. O diretor inglês - depois naturalizado americano - era conhecido por maltratar seus atores, principalmente as loiras e lindas protagonistas. Scarlett Johansson encarna uma delas, Janeth Leigh. Bela e insinuante, desperta o ciúme de Alma, que procura consolo nas palavras do escritor Whitfield Cook (Danny Huston). E, ao final, é Hitch quem acaba enciumado. "Minha câmera lhe dirá a verdade. A verdade absoluta", dizia Hitchcock aos atores que relutavam em atuar da maneira que ele instruía. É assim que teria convencido Leigh a fazer a emblemática cena do chuveiro, na qual é esfaqueada. A música sobe. O sangue misturado à água escorre pelo ralo. Influenciou todo o suspense ambientado em banheiros que veio depois. Ninguém ousa filmar um banho antes de assistir Psicose. Cabiam dentro da imensa pessoa de Hitchcock - em dimensões e em grandeza genuína do gênio características algo antagônicas

como a extrema exigência consigo mesmo em relação à perfeição do trabalho e certa autoindulgência nos assuntos relacionados à dieta. Avesso a exercícios físicos e acostumado a comer e beber muito bem, podia hipotecar a casa com objetivo de obter dinheiro para produzir um filme, mas ficava extremamente contrariado quando alguém sugeria que fosse comedido à mesa. Ele se opõe veementemente, por exemplo, quando a mulher quer trocar o fornecedor do patê de foie gras por outro mais barato. A iguaria, à base de fígado de ganso, estava entre as preferidas de Hitch. Nas crises de ansiedade, assaltava a geladeira e consumia latas inteiras de uma tacada, sem pão ou qualquer outro acompanhamento. Assim, conservava o físico bojudo que o caracterizava. Leve, Hitckcock, dirigido por Sacha Gervasi, não poderia ser apresentado na famosa série televisiva Hitchcock Apresenta, exibida nos anos de 1970 sempre com um caso macabro. Talvez valha como uma espécie de making-off bem-humorado do clássico Psicose.

Caia na real. Hitch está aqui.

Aquiles Rique Reis

Fotos: Arquivo DC

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Momento ideal para rever os clássicos do mestre do suspense. Em casa ou no cinema.

ue tal aproveitar a estreia de Hitchcock para rever alguns clássicos do diretor? Começar a maratona pelo mais emblemático deles pode ser uma boa, já que a estreia da semana fala especialmente de Psicose. O suspense, mundialmente conhecido pela cena da morte da mocinha sob o chuveiro, pode ser visto em casa e também na tela grande. Ps i c o s e integra a mostra Verão de Clássicos, na Cinemateca Brasileira (Largo Senador Raul Cardoso, 207, tel.: 3512-6111, ramal 215, R$ 8) e será exibido no próximo domingo (3), às 18h.

O longa-metragem provoca calafrios no espectador ao acompanhar o período de terror em que uma secretária passa num velho hotel, administrado por Norman Bates (Anthony Perkins), sujeito marcado por perversa ambivalência: o respeito e o temor pela mãe. Medo também causam as aves de Os Pássaros. O filme mostra uma cidade californiana sendo invadida por milhares de pássaros. Janela Indiscreta acompanha a rotina de um fotógrafo, morador de Greenwich Village, em Nova York. De perna quebrada e em casa, ele passa a observar com binó-

José Guilherme R. Ferreira é membro da Academia Brasileira de Gastronomia (ABG) e autor do livro Vinhos no Mar Azul – Viagens Enogastronômicas (Editora Terceiro Nome)

O canto em Cy

Rita Alves

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então entraram em cena os ganchos com destrinchados cães e gatos. Ratos também passaram a ser vendidos, moídos e transformados em recheio de tortas. Quando o inverno foi recrudescendo, foi a vez de “atacar” o Jardin des Plantes, o zoológico de Paris, confiscando seus animais exóticos. Só não foram para a panela macaco, tigre, leão e hipopótamo, escreve Nichola Fletcher. Dois elefantes, camelo, urso, lobo passaram a ser ofertados nos açougues e até mesmo restaurantes e cafés foram obrigados a mudar os cardápios. A fome de carne enfim nivelava a sociedade parisiense, pelo menos no que diz respeito à matéria-prima. Pois o chef Choron, do restaurante Voisin, de clientela requintada, preparou a ceia de Natal daquele 1870 com a carne disponível, sem perder a pose. No menu,Le civet de kangorou, Consommé d’éléphant, La terrine d’antilope aux truffes, Le chat flanqué de rats, e o Tête d’âne farcie que intitula esta coluna. Segundo a pesquisadora, para "engolir" esses pratos todos foram servidos Mouton-Rothschild 1846, Romanée-Conti 1858, Château Palmer 1864 e um vinho do Porto de 1827.

culos a ação dos vizinhos e suspeita de um possível assassinato. Paul Newman e Julie Andrews são os astros de Cortina Rasgada. Essa aventura nos faz embarcar na viagem de um cientista americano com sua noiva e assistente a Copenhagen. O thriller romântico Ladrão de Casaca mostra a última atuação em um filme do diretor de uma das musas loiras de Hitchcock: a bela Grace Kelly. Outro clássico é Um Corpo que Cai. Nele, o espectador acompanha a missão de um detetive aposentado, perseguido por terrível medo de alturas.

Maravilhas de Alice A montagem do clássico Alice no País das Maravilhas, inspirado na obra do inglês Lewis Carroll, continua encantando as crianças. O surreal permeia as ações principais da peça e instiga a participação da plateia, que embarca das aventuras de personagens amalucadas como o Coelho apressado, o Chapeleiro e a Rainha de Copas. Teatro Alfa - Sala B. Rua Bento Branco de Andrade Filho, 722. Tel.: 5693-4000. Sábado e domingo. 17h30. R$ 15 a R$ 30.

s Meninas do Cy (Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, coleção Aplauso), é o livro no qual Inahiá Castro revela a biografia do Quarteto em Cy. Emocionado, agradeço a ela, que, plena de emoção e competência, trouxe à luz o percurso cinquentão das Cys. Ao agradecê-la, estendo minha homenagem a todos os memorialistas que se dedicam a pesquisas musicais para fazerem dos que somos fãs personagens de um enredo que quase sempre parece inspirado em um romance. A eles meu aplauso. Logo no início do livro está o perfil dos pais das quatro meninas e o legado que ensinaram e deixaram para elas. E como assim se formou o caráter que as acompanhou à juventude e à maioridade. A saída do interior da Bahia, a chegada a Salvador. A ida para o Rio de Janeiro. O encontro fundamental com Vinícius de Morais. Sucesso. Viagens. As desavenças, os recomeços... a vida. Está tudo lá nas 246 páginas de um livro bem encadernado e repleto de belas e marcantes fotos de arquivo. (Comentada por Igor Garcia, há também a discografia dos 38 trabalhos do Quarteto, bem como dos discos solos gravados por cada uma delas.) Inahiá me faz viajar no tempo, quando, dentre outras situações, relembra as quatro voando para Los Angeles, Cyva casada com o Aloísio de Oliveira. Haja coragem! Fala das separações, das trocas de integrantes, tantas. Lembra quando Cynara e Cybele, sob vaias, cantaram Sabiá no Maracanãzinho, tendo ao lado Tom e Chico. Recorda quando Cynara gravou Pronta Pra Consumo, seu LP solo. Revê as dezenas de discos lançados, muitos com formações diferentes do Quar-

teto original e do atual. Lembra também dos recomeços, tantos. Dos muitos shows, inclusive de um que muito me emocionou, Resistindo, direção de Benjamim Santos, encenado no Teatro Fonte da Saudade, no Rio de Janeiro. Lembra ainda de outro momento importante, dentre tantos outros, em que o Teatro Carlos Gomes foi todo reformado apenas para o show Cobra de Vidro. Partindo de depoimentos, principalmente de Cyva e Cynara, mas também de inúmeras outras pessoas, Inahiá desvenda uma história de alegrias e tristezas, sucessos e ostracismo. Mas o jeito como os depoimentos de terceiros foram inseridos é o único senão do livro: colocados em meio ao desenrolar da trama, eles findam por quase quebrar a sequência dramática da narrativa, atenuando-a. E olha que o que não falta na vida do Quarteto em Cy são situações que beiram o drama. Aí reside sua beleza. Inahiá descreve também a dificuldade que é manter unido um conjunto de pessoas, com os egos suplantando a união e propiciando a discórdia, e ensina: abrir mão de opiniões em favor de continuar trabalhando junto é um dos obstáculos que todo grupo enfrenta enquanto busca a longevidade. Finda a leitura, eu me pergunto: depois das lembranças, o que resta? Restam os dias de quietude saudosa e da desconsolação? Ora bolas, tudo isso restará. Mas principalmente restará o canto, pois, para quem sempre viveu dele, ele será eterno.

Aquiles Rique Reis, músico e vocalista do MPB4.


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