38 sair noite
Mini-estórias do bagaço (e do café)... ...a sul do tejo
É de uma sede particular que se trata aqui. Há os famintos, os bêbedos e os bagaceiros. Há comida na mesa, alegria com catalisador espirituoso, areia e mar. Em dias em que se atenta contra a liberdade, há que reconquistá-la e as escadas de incêndio serão parte da solução. O plano está na aventura e o pensamento no bagaço. Estou pronto, libertem os touros! Texto | Pedro Pepe | Ilustração | André Alves |
Bebida à pressão (o poço, charneca da caparica)
Zero de bagaço (casa das enguias, lançada, montijo)
Adrião diz: “Pergunta já... se não houver, cancelamos o pe-
Enguias fritas, finíssimas, no prato e cabeças de touro pen-
dido.” Há, de certeza. Aqui, bagaço não falta. Avança almoço de
duradas na parede, de olhos postos nas mesas, nos rostos dos
cozido à portuguesa, pois além de o prato agradar (e muito) tam-
comensais, mais alarves que famintos... Depois de ter acordado
bém importa forrar o estômago e evitar distrações de garfo e faca
trancado em casa, sem chave, o simpático almoço fora de família,
à hora do embate (futebol na TV). Antes do processo de digestão,
rodeado de fartura e brutalidade, assemelha-se a alucinação.
resvés sobremesa – arroz doce, musse de chocolate... –, troca-se
1ª explicação: enquanto eu dava descanso aos ossos, Julião
de mesa. A olhar para a rua, pela janela larga, chega o café e, com
julgou-se sozinho em casa e, ao sair, trancou a porta de casa,
ele, a alegria do bagaço.
como é seu hábito. Subi e desci, bati às portas, depois de rodar a
Nada se compara ao sorriso aberto de José, o administra-
chave que havia na porta de acesso às escadas de incêndio. Procu-
dor da poção, que enche generosamente o mini-copo. Eles vão
rei uma saída mas encontrei apenas um pátio no rés-do-chão, que
e vêm, chegam a cambalear e partem sorrindo, porque a cura
reconheci (costumava vê-lo da janela da cozinha) como a morada
milagrosa do Senhor também pode ser líquida e há quem aposte
do Bolinhas (bulldog de língua maior do que a boca e, por isso,
no bagaço do José.
de língua nos dentes). Não o encontrei; apenas o chão de cimento coberto pelos seus dejetos. Fiquei sem conhecer a expressão
Garrafa com rótulo (restaurante da praia do rei)
daqueles que entendi serem loucos, pois embora estivéssemos apenas separados por uma porta, certamente ficaram surdos de
Não havia o tradicional bagaço caseiro mas ninguém resiste a
súbito ou pensaram que o vento tinha aprendido a bater à porta,
beber o que há. É servido com café ou descafeinado (o bom sabor
devagar e com força. Foi a Mariazinha, do 2º direito, a dona do
da primavera, com ou sem os pés descalços, pois tem faltado o
café do lado, a abrir a porta de emergência da sua casa, depois de
calor para os descobrir). O bagaço da praia tem rótulo e não é dos
avisada da minha presença (a perturbar a calma de um prédio
melhores, como se pode compreender. Saboreia-se com a maresia
de elevador, que já não se lembrava de ter escadas de incêndio).
e cumpre a função... de fazer o corpo parar de tremer.
Nota positiva | Maio/junho
2ª explicação: Não foi dia de provar o bagaço da tauromaquia.