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Presidente da República LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Ministro do Trabalho e Emprego CARLOS LUPI Secretário Executivo do Ministério do Trabalho e Emprego RONALDO AUGUSTO LESSA SANTOS Secretário de Políticas Públicas de Emprego - SPPE ANTONIO SÉRGIO ALVES VIDIGAL Diretor do Departamento de Qualificação - DEQ ANTONIO ALMERICO BIONDI LIMA Coordenadora-Geral de Qualificação - CGQUA TATIANA SCALCO SILVEIRA Coordenador-Geral de Certificação e Orientação Profissional - CGCOP MARCELO ÁLVARES DE SOUSA Coordenador-Geral de Empreendedorismo Juvenil MISAEL GOYOS DE OLIVEIRA (C) copyright 2005 - Ministério do Trabalho e Emprego MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO Secretaria de Políticas Públicas de Emprego - SPPE Departamento de Qualificação - DEQ Esplanada dos Ministérios, Bloco F, 3° andar, Edifício Sede, Sala 306. CEP 70059-900 - Brasília - DF Telefones: (0XX61) 3317-6239/ 3317-6004 Fax.: (0XX61) 3224-7593 E-mail: qualificação@mte.org.br Tiragem: 1000 exemplares ELABORAÇÃO, EDIÇÃO E DISTRIBUIÇÃO: ESCOLA SINDICAL SÃO PAULO-CUT Rua Dona Brígida, 299 – Vila Mariana CEP 04111-080 - São Paulo – SP Telefone (0XX11) 5084-2131 Site: www.escolasp.org.br E-mail: escolasp@uol.com.br

Obs.: Os textos não refletem necessariamente a posição do Ministério do Trabalho e Emprego


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• Marta Regina Domingues • Mário Henrique Ladosky • William Vella Nozaki • Marilane Oliveira Teixeira

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CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES Rua Caetano Pinto, 575 - CEP 03041-000 – Brás – São Paulo – SP Telefone: (0XX11) 2108-9200 – Fax: (0XX11) 2108-9200 Site: www.cut.org.br

DIREÇÃO EXECUTIVA NACIONAL DA CUT – 2006/2009 Presidente ARTUR HENRIQUE DA SILVA SANTOS SINERGIA – Sind. Trab.Ind. de Energia Elétrica do Estado de SP

Secretária de Organização DENISE MOTTA DAU SindSaúde - Sind. dos Serv. Pub. em Saúde do Estado de SP

Vice-Presidente CARMEN HELENA FERREIRA FORO Sind. Trab. Rurais de IgarapéMiri – PA

Secretária Sobre a Mulher Trabalhadora MARIA EDNALVA BEZERRA DE LIMA Sind. Trab. Educação do Estado da PB

Vice-Presidente WAGNER GOMES Sind. dos Metroviários do Estado de SP

Diretoria Executiva ANÍZIO SANTOS DE MELO APEOC - Sind. Serv. Pub. Lot. Sec. De Educação e de Cultura do Estado do CE

Secretário Geral QUINTINO MARQUES SEVERO Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas de São Leopoldo – RS Primeiro Secretário ADEILSON RIBEIRO TELLES SEPE -Sind. Est. Dos Profissionais da Educação do Estado do RJ Tesoureiro JACY AFONSO DE MELO Sind. dos Bancários de Brasília – DF Primeiro Tesoureiro ANTONIO CARLOS SPIS Sind. Unificado dos Petroleiros do Estado de SP Secretário de Relações Internacionais JOÃO ANTÔNIO FELICIO APEOESP – Sind. dos Professores do Ensino Oficial do Estado de SP Secretária de Política Sindical ROSANE DA SILVA Sind. dos Sapateiros de Ivoti – RS

ANTONIO SOARES GUIMARÃES (BANDEIRA) Sind. Trab. Rurais de Pentecostes - CE CARLOS HENRIQUE DE OLIVEIRA Sind. Serv. Pub. Municipais de São José do Rio Preto - SP CELINA ALVES PADILHA AREAS SINPRO - Sind. dos Professores do Estado de MG DARY BECK FILHO Sind. Trab. Ind. Dest. Refinação de Petróleo do Estado do RS ELISANGELA DOS SANTOS ARAÚJO Sind. Trab. Rurais de São Domingos - BA EVERALDO AUGUSTO DA SILVA Sind. dos Bancários de Salvador - BA EXPEDITO SOLANEY PEREIRA DE MAGALHÃES Sind. dos Bancários do Estado de PE

Secretário de Formação JOSÉ CELESTINO LOURENÇO (TINO) SIND-UTE – Sind. Único dos Trab. em Educação do Estado de MG

JOSÉ LOPEZ FEIJÓO Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas do ABC – SP

Secretária de Comunicação ROSANE BERTOTTI Sind. Trab. Agricultura Familiar de Xanxerê – SC

JULIO TURRA FILHO SINPRO - Sind. dos Professores do ABC – SP

Secretário de Políticas Sociais CARLOS ROGÉRIO DE CARVALHO NUNES Sind. dos Assistentes Sociais do Estado do CE

LUCIA REGINA DOS SANTOS REIS SINTUFRJ - Sind. Trab. em Educação da UFRJ

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MANOEL MESSIAS NASCIMENTO MELO SINDPD – Sind. dos Trab. em Informática do Estado de PE MILTON CANUTO DE ALMEIDA SINTEAL - Sind. Trab. Em Educação do Estado de AL PASCOAL CARNEIRO Sind. Trab. Ind. Metalúrgicas de Salvador – BA ROGÉRIO BATISTA PANTOJA Sind. Trab. Ind. Urbanas - AP TEMÍSTOCLES MARCELOS NETO Sind. Serv.Pub. em Saúde do Estado de MG VAGNER FREITAS DE MORAES Sind. dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região - SP VALÉRIA CONCEIÇÃO DA SILVA Sind. Trab. Em Educação do Estado de PE Conselho Fiscal - Efetivos MARIA JULIA REIS NOGUEIRA Sind. Trab. Pub. Fed. Saúde e Previdência do Estado do MA VALDEMIR MEDEIROS DA SILVA Sind. dos Previdenciários do Estado da Bahia DILCE ABGAIL RODRIGUES PEREIRA Sind. Trab. Comércio Hoteleiro, Rest. Bares e Hospitalidade de Caxias do Sul – RS Conselho Fiscal - Suplentes ALCI MATOS ARAÚJO Sind. Empreg. no Comércio do Estado do ES JOSÉ CARLOS PIGATTI Sind. Trab. Energia Elétrica do Estado do ES ODAIR JOSÉ NEVES SANTOS Sind. dos Professores Públicos e Especialistas em Educação do Estado do MA


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Marta Regina Domingues é Bióloga, Educadora, Mestra em Educação, Política e Sociedade pela PUC/SP; assessora pedagógica da Secretaria Nacional de Formação da CUT desde 1998; coordenadora pedagógica do Projeto Especial de Qualificação Profissional – PROESQ – Quem luta também educa! 2005-2007. Mario Henrique Ladosky é Sociólogo, Mestre em Sociologia pela UFRJ, educador da Escola Sindical São Paulo – CUT desde 1999; foi um dos coordenadores da Pesquisa Participativa para Formação Profissional Negociada no Sindsep/SP. William Vella Nozaki é Sociólogo pela Universidade de São Paulo – USP; Mestrando em Desenvolvimento Econômico na Universidade Estadual de Campinas – Unicamp, e formador da Escola Sindical São Paulo. Marilane Oliveira Teixeira é Economista, Mestra em Economia Política, Doutoranda em Economia Social e do Trabalho pelo IE/UNICAMP e Formadora da Escola Sindical São Paulo-CUT

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SECRETARIA NACIONAL DE FORMAÇÃO - CUT Secretário Nacional de Formação

JOSÉ CELESTINO LOURENÇO Coordenador-Geral

MARTINHO DA CONCEIÇÃO Assessoria

ARCHIMEDES FELÍCIO LAZZERI MARISTELA MIRANDA BÁRBARA MARTA REGINA DOMINGUES PAULA CRISTINA BERNARDO Secretária

LUCI FERNANDES

ESCOLA SINDICAL SÃO PAULO - CUT Conselho Político Sind. Químicos do ABC

Sind. dos Petroleiros de SP

APARECIDO DONIZETI DA SILVA

JOSÉ SAMUEL MAGALHÃES

Apeoesp

CARLOS RAMIRO DE CASTRO Sinsexpro

CARLOS TADEU VILANOVA Sindsaúde

CÉLIA REGINA COSTA Presidente da CUT Estadual

EDÍLSON DE PAULA OLIVEIRA Escola Sindical SP-CUT

ELIAS SOARES

Sind. Bancários de SP

LUIZ CLÁUDIO MARCOLINO

LENIR DE VISCOVINI MARILANE OLIVEIRA TEIXEIRA MARIO HENRIQUE GUEDES LADOSKY MARLUSE CASTRO MACIEL NEIDE DOS SANTOS VERÃO PÉRSIO PLENSACK WILLIAM NOZAKI

Sind. Metalúrgicos do ABC

TARCISIO SECOLI Coordenação Coordenador Geral/Secretário de Formação CUT-SP

CARLOS TADEU VILANOVA Coordenador Administrativo

ELIAS SOARES Coordenador de Formação

Apoio Administrativo CLARICE MARIA DE MELO ESTHER RIVELLES MARIA DA CONCEIÇÃO C. ALVES

SONIA CALIL ELIAS ROCHA VANDERLEI SOARES CABRAL Apoio Pedagógico HELANNE APARECIDA PEREIRA MARIA DE LOURDES INÊS OÑA

HELIO DA COSTA Escola Sindical SP-CUT

HELIO DA COSTA

JOSÉ CELESTINO LOURENÇO

Equipe de Formação ANA PAULA ALVES OLIVEIRA ELAINE OLIVEIRA TEIXEIRA ELIAS SOARES ERNANI FERNANDES MOREIRA HELIO DA COSTA KARIN ADRIANE HUGO LUCAS

Coordenação Geral CARLOS TADEU VILANOVA

Coordenação Financeira ELIAS SOARES

Secretário Estadual de Formação

CARLOS TADEU VILANOVA Secretário Nacional de Formação

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Coordenação Pedagógica MARTA REGINA DOMINGUES


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Apresentação

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ste livro didático é fruto de estudos e pesquisas desenvolvidos no âmbito do Projeto Especial de Qualificação - PROESQ - Quem luta também educa!, iniciativa da Central Única dos Trabalhadores - CUT, da Secretaria Nacional de Formação da CUT e da Escola Sindical São Paulo-

CUT.

O PROESQ - Quem luta também educa! foi realizado por meio de convênio estabelecido entre a Escola Sindical São Paulo-CUT e o Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, dentro do Plano Nacional de Qualificação - PNQ e financiado pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. O Conselho Deliberativo do FAT - Codefat, um dos mais importantes órgãos tripartites e paritários do país, delibera sobre várias políticas inerentes ao Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda. Entre elas, a política de qualificação social e profissional. Com a finalidade de desenvolver e aprimorar metodologias e tecnologias apropriadas para a educação e qualificação social e profissional de trabalhadores e trabalhadoras, um dos objetos de estudo ao qual nos dedicamos no desenvolvimento do Quem luta também educa! foi a Negociação e Contratação Coletiva da Qualificação Socioprofissional, em especial o desenvolvimento de material didático para subsidiar educadores/formadores no desenvolvimento de itinerários e atividades educacionais/formativas para militantes e dirigentes sindicais. Para a CUT, o sindicalismo deve estar a serviço da construção de uma nova sociedade, na qual os princípios de democracia, participação, criticidade e autonomia sejam a base das relações de trabalho. Daí nossa luta pela instituição de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho e da negociação e contratação coletiva em todos os âmbitos e sobre todos os temas de interesse da classe trabalhadora. Nossa expectativa, ao realizar este trabalho, é a de que os conteúdos e reflexões deste livro subsidiem as ações do movimento sindical em geral e estimulem, nas diversas entidades e sujeitos que trabalham com educação, o desenvolvimento de ações formativas fortemente vinculadas com a identidade política e social da classe trabalhadora.

Desejamos a todos uma excelente leitura!

Artur Henrique da Silva Santos - Presidente Nacional da CUT José Celestino Lourenço - Secretário Nacional de Formação da CUT e membro do Conselho Político da Escola Sindical São Paulo-CUT Carlos Tadeu Vilanova - Secretário de Formação da CUT São Paulo e Coordenador Geral da Escola Sindical São Paulo-CUT

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Unidade 1 Parte I - A Formação para a Negociação e Contratação Sindical ..... Cenários e estratégias: disputa de hegemonia e formação de intelectuais orgânicos ..... Negociação, organização sindical e planejamento ..... A negociação da qualificação profissional ..... Parte II - As Transformações no Mundo do Trabalho e as Negociações Coletivas .... Negociação coletiva: contexto, formas e tendências ......... Fases da negociação: preparação, desenvolvimento e desfecho ......... Espaços, estratégia dos atores sociais e tendências recentes da negociação .........

Unidade 2 Estrutura e Organização Sindical no Brasil: do anarco-sindicalismo à atualidade .... O sindicalismo no período pré-1930 .... O sindicalismo corporativista a partir dos anos 1930/1940 .... O sindicalismo pós-1964 .... Principais desafios para o sindicalismo na atualidade ....

Unidade 3 Projetos de Desenvolvimento, Democracia e Disputa de Hegemonia ..... Sociedade capitalista e relações capitalistas de produção ......... Processo de industrialização no Brasil e desequilíbrios regionais ......... Projeto nacional de desenvolvimento vs. neoliberalismo ......... Bibliografia ....

deixei para numerar o índice na última revisão

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Unidade 1 - Parte 1

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A Formação para a Negociação e Contratação Sindical

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formação sindical, assim como as demais atividades e espaços educacionais, tem dinâmicas próprias advindas da natureza, finalidades e objetivos das entidades que a originam, neste caso, as entidades sindicais. Inserida na defesa de concepções de projetos de sociedade, que incluem o papel das entidades sociais e do Estado, o caráter das relações entre Capital e Trabalho, a percepção e conquista de direitos sociais e nas relações trabalhistas; a formação sindical se configura, via de regra, imbuída da defesa da entidade sindical da qual emerge e, sobretudo, do projeto político que aquele organismo sindical procura tornar hegemônico. De caráter eminentemente político, a instituição sindical nasce com o próprio capitalismo, sistema que consolidou o conceito de propriedade privada, e diferenciou e dividiu a sociedade em duas classes fundamentais e antagônicas - Capital e Trabalho. Assim a instituição sindical surge no século XVIII, na Europa, e no Brasil, entre o final do século XIX e início do século XX, acompanhando a introdução do regime capitalista nas relações de produção no mundo. As organizações sindicais surgem de inúmeras experiências de resistência à exploração a que estavam submetidos os trabalhadores, trabalhadoras e crianças dos primórdios da primeira revolução industrial, como o luddismo (destruição dos teares mecânicos nas fábricas, termo originado de Ned Ludd, operário têxtil inglês), o boicote, a sabotagem, e a greve. Organizações operárias clandestinas, os sindicatos seriam reconhecidos primeiramente na Inglaterra em 1812, por meio da lei que garantiu a livre associação sindical dos trabalhadores. A forma de organização e a configuração institucional que o sindicalismo alcançou no mundo capitalista apresentam diferenças importantes, advindas do processo histórico de sua formação, da correlação de forças com o capital e o stablishment nacional e regional. A formação sindical e política, elemento central na conformação de uma identidade operária fabril, que se traduziria em uma identidade amplamente politizada da classe trabalhadora ao longo dos séculos XIX e XX, também apresenta distinções entre países e organizações. Podemos analisar as relações entre o sindicalismo, a sociedade e o Estado observando o grau de regulamentação e normatização existente. Assim, o sindicalismo europeu, em especial o da Alemanha, é considerado um dos regulamentados do mundo, já que todos os institutos e normas e direitos estão previstos em leis, baseadas na figura da negociação e contratação em todos os níveis, inclusive a formação sindical e a formação profissional. Por outro lado, existem países em que a regulamentação destas relações é extremamente genérica, configurando-se na verdade, como um sistema de relações desregulamentado, sem garantias mínimas. Podemos também afirmar que, em geral, há uma distinção importante no desenvolvimento do movimento sindical dos hemisférios norte e sul, dados os efeitos do colonialismo exploratório e extrativista sobre a América Latina, África e Ásia e uma condição histórica de subordinação ao capitalismo central, com experiências recentes de regimes ditatoriais que sustentaram, do ponto de vista do capitalismo internacional, tal condição de exploração econômica e social. Também é necessário lembrar a divisão geopolítica do mundo pós II Guerra Mundial, e a disputa ideológica desenvolvida na guerra fria ao longo do século XX, influenciando a constituição do sindicalismo e as matrizes de formação políticosindical no interior dos países e dentre as instituições sindicais que emergiram deste processo. A formação sindical e, mais especificamente, a formação para a negociação e contratação coletiva depende das relações instituídas nos países, da concepção política e ideológica que orienta as entidades sindicais e da correlação de forças existentes nas sociedades. Tratar a formação para a negociação, inclusive da qualificação socioprofissional, sem considerar estes elementos e os contextos políticos globais e locais, exigiria uma generalidade e superficialidade que tornaria inócua qualquer tentativa de se educar no sentido de apreender os condicionantes, as contradições e possibilidades de qualquer negociação. Nosso objetivo é, nesta Unidade, situar os educadores e educadoras nos aspectos básicos que, nos parece, devem nortear os processos de formação de dirigentes para a negociação e contratação: os aspectos centrais que constituíram, ao longo do tempo, os conceitos, valores e finalidades da formação

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sindical; a dupla potencialidade (positiva e negativa) do Trabalho na sociedade capitalista e particularmente na sociedade atual; o papel central da formação nos processos de disputa de hegemonia e reflexões sobre a sociedade atual à luz das categorias gramscianas de análise; os valores ético-políticos que, na visão de um dirigente sindical, deveriam embasar a atuação militante; e o planejamento como instrumento para uma atuação estrategicamente definida. Além disto, tratamos da negociação da qualificação profissional, oferecendo algumas reflexões que, nos parecem, podem auxiliar para se ( ) identificar a importância da negociação da qualificação profissional na atualidade; desde um breve histórico do conceito de qualificação até possibilidades de se desenvolver sistemas mais complexos que envolvem a problemática da qualificação e certificação profissionais e sua negociação. Além disso, vários elementos extraídos de estudos sobre a negociação profissional nos setores econômicos, nos últimos anos, dão idéia da importância e diversificação de resultados obtidos nas mesas de negociação.

Cenários e estratégias: disputa de hegemonia e formação de intelectuais orgânicos A formação sindical é um instrumento de educação classista que se assume como tal, sem rodeios; sabe a quem se destina, a que veio e onde quer chegar, pois nasce do próprio seio operário em suas lutas contra a exploração. É elemento central para a constituição de sujeitos políticos, intelectuais orgânicos forjados na práxis do movimento sindical e que tendem a se transformar nos principais mantenedores do próprio processo formativo, ao alimentar os vínculos entre as diferentes gerações militantes para uma cultura de resistência e oposição qualificada ao Capital e a disputa por uma sociedade socialista, justa e igualitária. Escolhemos os textos a seguir para apresentar aos educadores e educadoras uma breve noção da evolução histórica da formação sindical, para que o processo de mediação com os cursistas possa ser realizado considerando-se as relações e a importância da formação para o sindicalismo. Além disso, acreditamos que é fundamental refletir e debater com os militantes e dirigentes as potencialidades e limites que o trabalho, na sociedade capitalista, apresenta, e em quais condições e contextos, para que se possa ter como devir uma sociedade em que o trabalho não seja a alienação e exploração humana, mas sim a realização da plenitude humana, com todas as suas implicações materiais, filosóficas e subjetivas.

Formação Operária: arte de ligar política e cultura Kátia Rodrigues Paranhos (...) Marx ressaltou que os sindicatos funcionariam como "centros de organização da classe operária", mesmo que não tivessem inicialmente essa consciência. Desse modo, esses loci de organização da classe operária superariam a "forma sindicato" e teriam o potencial de transformar-se em força organizada para acabar com a ordem burguesa. Enfim, teriam condições de transformar-se em organização de massa do proletariado inglês, com base num programa que fosse abolir o sistema de trabalho assalariado e a dominação do capital. Mesmo reconhecendo o problema da formação operária em uma sociedade de classes, não apenas Marx e Engels, mas historicamente os socialistas, comunistas e anarquistas envolvidos com o movimento operário entendem a importância da fábrica e do sindicato para a instrução dos trabalhadores, como enfatizam também "outros canais" para a formação operária: o estudo em escolas para trabalhadores e a dimensão educativa da cultura. Experiências de formação Na Europa, as atividades de formação sindical e/ou operária desenvolveram- se já a partir do final do século XVIII. Os ingleses, por exemplo, criaram escolas para adultos - a de Nottingham foi inaugurada em 1798 - com a preocupação prática de ensinar as pessoas a ler e de ensinar-lhes, depois, o que elas teriam necessidade de saber para a própria profissão e promoção. Assim, tanto na Inglaterra quan-

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to na França, o movimento operário nascente se preocupava com a sua for mação por intermédio da instrução dos trabalhadores adultos, ou seja, com objetivo técnico-profissional. Na verdade, atravessase um período de entusiasmo pelos cursos técnicos noturnos oferecidos pelas escolas e associações de engenheiros (David, 1974:267-306) A partir da metade do século XIX, o movimento de educação divide-se em duas correntes. A primeira, de ideologia socialista, persevera na sua meta de educação do povo, o que resultará no movimento chamado "universités populaires" (universidades populares), iniciado nos primeiros anos do século XX. Em 1902, de acordo com Benigno Caceres, "havia 47 universidades populares em Paris, 48 nos subúrbios e umas 50 na província, como as de Brest (...) e de Rennes, nas quais se operou pouco a pouco uma íntima fusão entre estudantes e operários" (Caceres, apud Mucchielli, 1980:11). A segunda corrente desenvolveu-se separadamente e se centralizou nas chamadas necessidades da formação de adultos e da promoção profissional. E tanto os sindicatos como os governos tentaram organizar instituições de formação. (...) Assim, a preocupação com a educação permanente e com a difusão da cultura vem tanto das university extensions inglesas quanto das universidades populares dinamarquesas, criadas na metade do século XIX e que se desenvolveram também em outros países entre o fim do século XIX e o início do século XX. Historicamente, é necessário assinalar como o movimento operário, desde as fases iniciais, é tributário tanto de lutas econômicas e políticas como culturais; por exemplo, as experiências da Alemanha e Áustria, que podem ser destacadas como tradições em matéria de "cultura para operários". Desde 1860, os trabalhadores desses países encontraram um lugar (nas "Arbeiterbildungverein") de esclarecimento político, ideológico, educativo e cultural. (...) Na última década do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, a social-democracia desenvolvera um vasto número de experiências culturais entre os trabalhadores, desde formas muito estruturadas até os indispensáveis programas difusores de saberes científicos, arte, conhecimentos literários e ilustração política, assim como organizara a primeira escola do Partido Social Democrata Alemão. Foram professores da escola do partido alemão, intelectuais marxistas e lideranças operárias, como Rosa Luxemburgo, August Bebel e Franz Mehring. Os militantes operários (assim como os próprios governos) atribuíam uma importância fundamental à educação dos trabalhadores. Dessa forma, dirigentes, ativistas sindicais, trabalhadores mais qualificados e artesãos, geralmente por meios autodidáticos, tentavam ampliar seus conhecimentos e transmiti-los aos demais. Procurando suprir as deficiências do sistema escolar da época, empenhavamse em obter um bom preparo teórico, a fim de oferecer uma contrapartida operária ao saber aristocrático, burguês ou religioso. A preocupação educacional tinha também finalidades políticas, como a criação de centros de discussão que serviam de foco de aglutinação e politização dos trabalhadores. (...) A educação sempre mereceu atenção especial dos anarquistas, em parte porque sempre lhes pareceu ser essa uma das áreas em que poderiam dar início ao processo de transformação social, enquanto esperavam as transformações gerais da sociedade. Reconhecem, como fez William Godwin, quão poderoso instrumento a educação poderia ser nas mãos de governantes inteligentes e decididos. Reconhecem também até onde ela é capaz de estimular a livre conscientização, sem a qual é impossível esperar que ocorra qualquer mudança básica na sociedade. O movimento anarquista desenvolveu-se em torno de três grandes temas: a) o questionamento da ordem social existente; b) o projeto de uma nova ordem social; e c) o processo capaz de fundar essa nova ordem social. As atividades de natureza educacional promovidas pelo movimento, tanto no plano da teoria (a educação libertária) quanto no plano da prática (fundação e manutenção de escolas, centros de estudos e universidades populares), referem-se, sobretudo, a esse último grande tema. (...) Dois elementos foram importantes nas diferentes elaborações teóricas relacionadas a uma "cultura de classe": a valorização do trabalho "produtivo", ou seja, do trabalho manual, do "produtor" que cria as riquezas do universo (expropriadas pelos burgueses); e a idéia de que, em oposição ao obscurantismo cultural e à irracionalidade da sociedade capitalista, seria possível a criação de um novo mundo, governado pelos próprios produtores e presidido pela razão.

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O próprio Marx, em 1868, reconhece que: O setor mais culto da classe operária compreende que o futuro de sua classe e, portanto, da humanidade, depende da formação da classe operária que há de vir. (...) A sociedade não pode permitir que pais e patrões empreguem, no trabalho, crianças e adolescentes, a menos que se combine este trabalho produtivo com a educação. Por educação entendemos três coisas: 1) Educação intelectual. 2) Educação corporal (...). 3) Educação tecnológica (...). Esta combinação de trabalho produtivo pago com a educação intelectual, os exercícios corporais e a formação politécnica elevará a classe operária acima dos níveis da classe burguesa e aristocrática

Para Marcel David, num país como a França até 1914, o "problema da formação operária ocupa um lugar relativamente secundário na vida sindical" (David, 1974:277). O estudo e a cultura não constituem ainda "centros de reflexão autônomos". São preocupações ocasionais que surgem por conta da formação técnico-profissional. (...) Entre 1948 e 1950, cada central sindical [Confédération Générale du Travail - CGT, fundada em 1895, e Confédération Française des Travailleurs Chrétiens - CFTC, fundada em 1919] coincidentemente estava preocupada com a instalação e normalização das suas estruturas educativas. Disso decorre o fato de cada central sindical valorizar os problemas da formação pelo estudo, considerada como uma das duas ou três condições fundamentais para a existência de um sindicalismo forte. Em conseqüência, assiste-se ao acabamento da constituição dos dispositivos de formação. No plano nacional, são as três escolas centrais de Bierville para a CFTC, de Courcelles para a CGT, da Avenida do Maine, em Paris, para a FO [Força Operária]. Cada central define igualmente toda uma política educativa, com aspectos comuns a todas (...), mas também com aspectos particulares a cada uma. (David, 1974, p. 291) Em 1956 foram criados os Institutos Universitários do Trabalho e, entre 1960 e 1961, o movimento operário, ao mesmo tempo em que acentua o seu esforço de educação dos militantes, situa-o de maneira cada vez mais clara dentro de uma perspectiva cultural alargada. (...) Em resumo, as organizações sindicais estão de acordo em estar presentes nas instâncias que contribuem para a realização da política de desenvolvimento cultural. (David, 1974:292-293)

É interessante notar que as experiências de educação em países como a França, a Bélgica, a Argentina e o Brasil, entre outros, apontam propostas e práticas de anarquistas, socialistas, comunistas e de diferentes grupos sindicais preocupados com a valorização do estudo e da cultura como uma das condições para a existência de um movimento operário forte. É importante também salientar que a formação sindical, além de adaptar-se às exigências e à estrutura de cada organização sindical, é em geral fortemente condicionada pela relação tradicionalmente instaurada entre os intelectuais e o país. Evidentemente isso depende dos diferentes graus de força e presença do sindicato entre os trabalhadores Na consolidação da idéia de formação permanente, o movimento sindical, sobretudo quando se realizou o entrelaçamento entre movimento operário e movimentos de caráter intelectual, teve um papel proeminente. Nesse sentido, na França, teve um papel decisivo o movimento promovido por intelectuais e trabalhadores em 1968, que levou aos acordos de Grenelle entre governo e sindicatos, que, por sua vez, deram início à legislação sobre a formação permanente e a formação profissional contínua. Desse modo, os trabalhadores podiam gozar de licenças remuneradas de até seis meses por ano, a cargo do fundo para a formação. Além disso, a experiência de trabalho podia ser reconhecida como fator relevante para se ter acesso à universidade, mesmo não tendo obtido o diploma de segundo grau. Entretanto, legislações e apoios não podem ser explicados simplesmente por uma espécie de colaboração e reformismo. Na realidade, a sensibilidade e o aguerrimento dos sindicatos e dos intelectuais envolvidos foram determinantes para experiências tão importantes. Em países como a Bélgica, a França, a Alemanha, a Grã-Bretanha e a Suécia, os trabalhadores gozam de licenças remuneradas, tuteladas pela lei, para participar de atividades de formação sindical. Em alguns, elas se aplicam a todos os trabalhadores envolvidos em tais atividades; em todos eles as licenças existem para quem desenvolve atividade sindical durante um período mais ou menos extenso, sendo usufruídas primeiramente pelos comitês de empresa; em alguns desses países, quem desempenha a militância sindical como formador tem possibilidade de gozar licenças ainda mais amplas. Nesses

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países, como formas de apoio à formação sindical, "existem contribuições específicas para a formação desenvolvida pelos sindicatos; em outros as formas de apoio são em geral para a educação permanente e para os adultos, nos quais entram também os centros de formação sindical (...)" (Memo, 1991:8-9). (...) Educação operária em terras brasileiras No Brasil, a preocupação educacional no movimento operário-sindical inicia-se com as propostas educativas dos libertários, particularmente dos grupos anarco-sindicalistas, no período de 1902 a 1920. O projeto educativo dos libertários tinha três dimensões que se ligavam: a educação político-sindical, a educação escolar e as práticas culturais de massa. A educação político-sindical, ou seja, a educação para a transformação revolucionária efetivava-se, por um lado, com o engajamento em movimentos e lutas de reivindicação, protesto e resistência e, de outro, com a divulgação dos ideais libertários em conferências, debates e estudos promovidos em sindicatos e centros de estudos. A educação escolar representava outra iniciativa importante dos anarquistas, que foi a criação das Escolas Modernas. Inspirados no ideário do pedagogo Francisco Ferrer, os libertários dirigem sua crítica contra o exercício do poder nas relações que se produzem em todos os espaços de sociabilidade: na escola, em casa, no trabalho, e nos espaços de lazer. A escola libertária destinava- se a proporcionar aos filhos dos trabalhadores uma educação livre, racionalista e laica. Há de se ressaltar o fato de que a experiência curta da Universidade Popular, fundada em 20 de março de 1904, no Rio de Janeiro, diferentemente dos Centros de Estudos, não constituiu uma iniciativa exclusiva dos grupos anarquistas do movimento operário-sindical. Ela contou com o apoio de muitos literatos e intelectuais anarquistas, mas também fizeram parte do grupo que articulou vários intelectuais socialistas. A Universidade Popular tinha como principais objetivos ministrar "o 'ensino superior positivo', científico e filosófico (...) ao proletariado. Mas não só isso, ela deveria também tornar-se um centro de lazer e cultura que congregasse os trabalhadores através de atividades libertárias e artísticas (...)" (Ghiraldelli Jr., 1987:121). Por fim, as práticas no campo cultural e do lazer incluíam teatro, festivais de música e poesia e piqueniques promovidos pelos libertários nos bairros operários dos centros industrializados da época (Hardman, 2002:39-113). Sílvia Manfredi, em um texto fundamental sobre experiências e práticas de educação dos trabalhadores brasileiros, enfatiza, sobretudo, o "caráter globalizante" do projeto de educação dos libertários (aspectos culturais, educativos e libertários), que o distinguia "como um projeto de educação classista (...) voltado para a emancipação político-ideológica e cultural da classe operária". Desta forma, os libertários propuseram a construção de um "projeto educativo singular, próprio e autônomo" (Manfredi, 1996:26). De modo geral, entre as décadas de 1930 e 1960 pode-se agrupar em três tipos as práticas de formação sindical: as práticas avalizadas e incentivadas pelo Ministério do Trabalho; as práticas educativas dos próprios sindicatos e as de diferentes instituições - como partidos e organizações de esquerda, os chamados Centros de Educação Popular, as agências articuladas às classes dominantes, além da atuação da Igreja Católica e da Frente Nacional do Trabalho (FNT). É necessário destacar que, neste período, a presença do Partido Comunista Brasileiro (PCB) no movimento operário-sindical é de fundamental relevância, considerando-se a importância conferida à formação político- partidária (formação de quadros). Nesse sentido, merece realce a experiência das escolas do PCB nos anos de 1950, no que tange à pedagogia comunista. Essa experiência se constituiu na primeira iniciativa de educação política realizada no interior de um partido no Brasil e que atingiu certa amplitude. Ou seja, organizar escolas e cursos diferenciados para a formação político-ideológica dos seus militantes no Brasil - por exemplo, o curso "superior" denominado "Curso Stálin". É importante destacar ainda, entre outras coisas, a política cultural formulada e implementada de 1950 até 1956 e as ações e posturas dos militantes de base que atuavam nos bairros (nos Comitês Democráticos de Bairros), nas fábricas e no interior dos sindicatos, evidenciando que o PCB não constituía um "bloco monolítico", mas abrigava, isso sim, diferentes perspectivas pedagógicas. Mesmo que as Escolas do PCB divulgassem um marxismo-leninismo de forma esquemática e padronizada, a experiência do PC, no que se refere às próprias escolas e à atuação tenaz dos militantes, sem dúvida alguma influenciou tanto conceitual como metodologicamente na atuação dos

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demais grupos de esquerda no âmbito da formação político-sindical do movimento operário-sindical nos anos subseqüentes. No caso dos sindicatos, observa-se que em São Paulo os principais envolvidos com práticas de educação são os metalúrgicos da capital e de Santo André, e no Rio de Janeiro são os têxteis, os metalúrgicos e os bancários. É importante também salientar que, no período compreendido entre as décadas de 1970 e 1980, multiplicaram-se, por todo o Brasil, as experiências de formação em sindicatos de setores mais organizados e ativos na condução do movimento. Como no caso dos metalúrgicos de São Paulo (SP), de São Bernardo do Campo e Diadema (SP), de Santo André (SP), da Baixada Santista (Santos/SP), de João Monlevade e Betim (MG), dos bancários de São Paulo (SP), entre outros. Assim como o trabalho gerado pelas federações, confederações e mesmo associações independentes dos sindicatos. Em 1980, por exemplo, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) organizou o I Encontro de Educação em Sindicatos, que contou com a participação de oito entidades, dentre as quais estavam presentes o Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. No resumo dos debates, muitos companheiros (...) manifestaram a idéia de que, num curso de educação sindical, o trabalhador se conscientiza de que é "o produtor e o agente de transformações sociais". (...) Constatamos que há grande interesse dos dirigentes em cursos de educação sindical. O Departamento Profissional dos Metalúrgicos tem desenvolvido estas atividades em vários estados do Brasil. Estão surgindo cada vez mais novos dirigentes, que precisam ampliar sua preparação, através dos cursos. "A vontade de aprender é muito grande", como relatou um dos companheiros.

A experiência de formação situava-se, também, no campo dos Centros de Educação Popular. Merece registro tanto a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) como o Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), que existiam desde os anos de 1960. Da mesma forma, no decorrer dos anos surgiram vários centros (em vários estados), com grande influência nos meios pastoral, popular e sindical. Dentre eles, pode-se citar: o Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientae (CEPIS); o 13 de Maio - Núcleo de Educação Popular -, ambos em São Paulo; o Centro de Assessoria Multiprofissional, no Rio Grande do Sul; e o Centro de Ação Comunitária (CEDAC), no Rio de Janeiro. As atividades de formação sindical são espaços privilegiados de "troca de experiências"; são também espaços para elaborar, em conjunto, uma nova forma de pensar (organizar idéias, criar novos conceitos, analisar conhecimentos já teorizados etc.) e uma nova forma de planejar a ação sindical. Em agosto de 1983, foi fundada a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que previa já no seu estatuto provisório a criação de uma Secretaria de Formação, Educação e Cultura. Atualmente, a CUT conta com sete escolas sindicais. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT), criada em 1986, também estruturou o seu projeto de educação um ano após sua fundação. Do mesmo modo, nos anais do I Congresso da Força Sindical, em março de 1991 - época de sua fundação -, já se previa a criação de uma Escola Nacional de Formação, um Instituto de Estudos e Pesquisas e um Departamento (ou Secretaria) Nacional de Formação. Em nenhum dos casos existe legislação governamental sobre formação - a exemplo de países como Bélgica, França, Alemanha, Grã-Bretanha e Suécia. Apesar da ação dos governos conservadores ao longo da década de 1980, que reduziu os fundos à disposição da formação sindical, hoje, na Grã-Bretanha, 382 são os tutores contratados por universidades e colleges que dedicam a maior parte do tempo aos cursos sindicais: tanto nos institutos superiores, técnicos e políticos, onde se desenvolvem os cursos com licença remunerada para os representantes de departamentos e os funcionários da segurança nos locais de trabalho, (...) como nas universidades, onde se desenvolvem outras atividades em colaboração com o sindicato. (Memo, 1991:7)

A necessidade de formação não diminui com o aumento do nível de instrução. Ao contrário, cresce. De acordo com Roger Cantigneau, responsável pela formação sindical da Confederação dos Sindicatos Cristãos (CSC) belga, "com o aumento dos níveis de instrução hoje, os trabalhadores não aceitam mais seguir as indicações dos grupos dirigentes do sindicato sem discutir a fundo as razões; é, além disso, impensável um maior papel dos organismos de representação das empresas sem fornecer a

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eles os instrumentos culturais e informativos necessários". Na Bélgica, tanto a Confederação dos Sindicatos Cristãos quanto a Federação Geral dos Trabalhadores da Bélgica (FGTB) estão empenhadas em atividades culturais, formativas e de pesquisa, e é interessante observar que, sozinhas, as duas entidades representam mais de 90% dos trabalhadores (Memo, 1991:10). Segundo Marcel David, o percurso do movimento sindical vai em direção à constatação de que a prática é insuficiente como meio de formação. A prática, naturalmente, é indispensável, e sob as suas várias formas, mas quando não é completada pelo estudo torna-se insuficiente. (...) Daí o facto de cada central sindical valorizar os problemas da formação pelo estudo, considerada como uma das duas ou três condições fundamentais para a existência de um sindicalismo forte. (...) Durante a maior parte da sua história, foi graças aos seus intelectuais que o movimento operário conseguiu dar o melhor da sua contribuição específica. (...) Por outro lado, também já não é só devido aos intelectuais, mas também graças à contribuição dos trabalhadores militantes, que a reflexão cultural, liberta dos exageros do "obreirismo", se revela fecunda. (David, 1974:290-291 e 294)

Marcel David não é um personagem atípico empenhado em atividades de formação operária dentro da universidade, na verdade, existe uma vertente de intelectuais franceses que começa com o Iluminismo, mas é testemunhada no século XX, seja por laicos como Sartre, seja por católicos como Maritain. Em geral, em vários países da Europa, por exemplo, já a partir do século XIX passa a existir uma relação de cooperação entre movimento sindical e universidade. É interessante ressaltar como Marcel David procura situar o tema da educação operária, resgatando o significado da luta de classes. Ele sustenta a idéia de uma marche em avant do gênero humano, "de progressão positiva, de melhoramentos em vários sentidos, não como necessidade condicionando a história numa via absoluta e determinista, mas como dinâmica com resultados múltiplos" (David, 1967:137). Além disso, o autor destaca algo que parece uma reedição do velho aforismo de Marx: "o progresso abrangente, a possibilidade de emancipação crescente", isto é, "a civilização é de responsabilidade dos próprios trabalhadores" (idem, ibid.). Contra a fragmentação e atomização social impostas contra o individualismo auto-suficiente e desagregador, destaca-se o movimento associativo de entidades comprometidas com as lutas sociais e com o estudo. Uma "forma de valorizar a existência humana, de dar à humanidade a chance de não mais restringir a fruição do progresso a um círculo estreito de privilegiados, de permitir a promoção individual em dimensões cada vez mais amplas que apenas o coletivo permite" (idem, ibid.: 137-138). Guido Memo, em um trabalho mais recente, afirma que a formação não pode seguir uma postura de caráter 'militar', que impõe métodos e conteúdos decididos em outro lugar e do alto, nem pode ser simplesmente concebida como uma transmissão de saberes no âmbito das disciplinas tradicionais. É preciso incentivar processos de autoformação, de reflexão crítica e criativa: a partir das experiências desenvolvidas por cada grupo e por projetos de intervenção. (...) A formação deve estimular a capacidade de empreendimento social, que coopera, mas se necessário afronta também, com instituições e sujeitos que operam no território. É necessária uma formação de base, difusa, e de 'quadros', que deve ser tanto formação técnica, para criar capacidades concretas de intervenção no próprio setor, como formação política. Com a finalidade, portanto de gerar conhecimento (...). A formação é um recurso para os grupos e para as organizações, mas é preciso afirmar que é antes de tudo um direito de cada pessoa, para uma participação crítica e consciente e para um crescimento e adequação das próprias capacidades profissionais (...). (Memo, 1991:14-15)

A formação sindical preocupa-se com questões práticas do cotidiano do trabalhador e do movimento sindical. Torna-se um espaço em que os agentes do movimento sindical vão pensar a sua prática, repensar as "teorias" do próprio movimento e difundir as novas descobertas. Desta forma, o movimento operário - em meio à crise do sindicalismo em âmbito mundial - tem se defrontado com os mais diversos temas, que vão desde a questão do planejamento sindical, da negociação coletiva, da proposta de contrato coletivo, da organização por local de trabalho, da formação profissional em face das questões postas pela reestruturação produtiva, do meio ambiente, da globalização, das relações de gênero, da questão racial, da questão do jovem, até a questão das crianças de rua, e assim por diante. Neste sentido, a formação sindical é um importante meio de organizar a classe trabalhadora, assim como de incentivar a "educação dos sentidos" dos trabalhadores.

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Referências bibliográficas DAVID, M. Formação operária e pensamento operário sobre a cultura em França a partir de meados do século XIX. In: BERGERON, L. (Org.). Níveis de cultura e grupos sociais. Lisboa: Cosmos, 1974. DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ESTATISTICA E ESTUDOS SOCIOECONOMICOS (DIEESE). Pesquisa sobre a situação da educação sindical no Brasil. 1981. (datilografado). GHIRALDELLI JUNIOR, P. Educação e movimento operário. São Paulo: Cortez; Campinas: Autores Associados, 1987. HARDMAN, F.F. Nem pátria, nem patrão!: memória operária, cultura e literatura no Brasil. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: UNESP, 2002. MANFREDI, S.M. Formação sindical no Brasil: história de uma prática cultural. São Paulo: Escrituras, 1996. MARX, K. Manuscritos econômicos e filosóficos. In: FROMM, E. Conceito marxista do homem. 7. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. MARX, K. O capital: crítica da economia política. 8. ed. São Paulo: Difel, 1982. Livro 1, v. 1 e 2. MARX, K. Elementos fundamentales para la crítica de la economía política (Grundrisse) 1857-1858. 14. ed. México: Siglo Veintiuno, 1986. MARX, K. Instruções aos delegados do Conselho Central Provisório, AIT, 1868. In: MARX, K.; ENGELS, F. Textos sobre educação e ensino. 2. ed. São Paulo: Moraes, 1992. MEMO, G. (Org.). Cultura e democrazia sindacale in Europa: formazione e ricerca sindacale in sei paesi europei. Roma: Centro di Studi e Iniziative per la Riforma dello Stato, 1991. (digitado). MUCCHIELLI, R. A formação de adultos. São Paulo: Martins Fontes, 1980. PARANHOS, K.R. Mentes que brilham: sindicalismo e práticas culturais dos metalúrgicos de São Bernardo. 2002. Tese (Doutorado) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas. (Fonte: Texto na íntegra em: http://www.scielo.br/pdf/es/v26n90/a12v2690.pdf acessado em maio de 2007)

O trabalho na sociedade capitalista Gaudêncio Frigotto, Maria Ciavatta e Marise Ramos (...) é preciso fazer uma distinção entre o trabalho como relação criadora do homem com a natureza, o trabalho como atividade de autodesenvolvimento físico, material, cultural, social, político, estético, o trabalho como manifestação de vida, e o trabalho nas suas formas históricas de sujeição, de servidão ou de escravidão ou do trabalho moderno, assalariado, alienado, forma específica de produção da existência no capitalismo. Há relações de trabalho concreto que atrofiam o corpo e a mente, trabalhos que embrutecem, que aniquilam, fragmentam e parcializam o trabalhador. As condições de produção da mercadoria envolvem a divisão e a hierarquização do trabalho dos indivíduos que vão fazer parte de um processo de trabalho que é coletivo. A divisão do trabalho não só potencializa, dinamiza a capacidade produtiva, mas também limita o trabalhador a tarefas cada vez mais "parciais", mais "simples", tarefas que restringem, no trabalhador, o uso de sua sensibilidade, de sua criatividade, para executar com rigor aquilo que a máquina pede. Na cidade, constata-se a herança do início do século passado, o taylorismo ou a divisão de tarefas e a administração científica do trabalho e, mais tarde, a automação, a microeletrônica, a cooperação segundo o toyotismo, o modelo "flexível" de produção e de relações de trabalho. Em um caso ou outro, o trabalhador perde a visão do todo, destina-se a cumprir tarefas coordenadas de trabalho. Na produção flexível, é estimulado a socializar seu saber sob a ideologia de terem, patrões e empregados, os mesmos interesses na produtividade e na competitividade da empresa. Estas transformações não operam da mesma forma no campo. A agricultura agro-extensiva expulsou do campo os pequenos produtores que tiveram sua atividade inviabilizada e vieram para as cidades; e há os que permaneceram no campo como assalariados ou em movimentos de luta pela terra, nos assentamentos e cooperativas, mas que não estão imunes a essa nova cultura do trabalho, às exigências e pressões da produção nas franjas do capitalismo. A história da sociedade industrial é uma história de lutas dos trabalhadores contra a imposição da disciplina do trabalho, da disciplina de quartel, da organização e racionalização dos

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processos de trabalho até o esvaziamento completo dos interesses e motivações pessoais no ato de trabalhar. O trabalhador do campo, seja pela história de saber do trabalho agrícola que carrega consigo, pelo ambiente aberto, diverso da fábrica, com a visão do conjunto e do horizonte, move-se com outro ritmo de vida e de trabalho. Mas o "tempo de trabalho" como princípio quantitativo, de produção de valor, é que governa a economia como um todo, o processo de trabalho que "coisifica" o homem. Não obstante o universo maravilhoso da ciência e da técnica no mundo hoje, não obstante toda riqueza gerada que, supõe-se, deve facilitar a sobrevivência do ser humano, temos de reconhecer que há uma extrema desigualdade na distribuição destes benefícios e, também, nas formas históricas de trabalhar, de produzir esses bens. A introdução dos avanços tecnológicos (em termos de máquinas e equipamentos, do desempenho de funções diferenciadas, do uso de sementes geneticamente modificadas - todos frutos de relações sociais e não apenas de questões técnicas), a distribuição das tarefas, as opções sobre o tempo livre, o estudo e o lazer, trazem novas questões para a discussão dos processos de humanização no trabalho. (...) Em primeiro lugar, é crucial entender o trabalho como atividade vital, modo específico dos seres humanos, desde os primórdios de sua existência até que eles existam, e produzirem seus meios de vida e reproduzirem e qualificarem a vida. Sob este aspecto, como vimos, não faz o menor sentido afirmar-se a iminência do fim do trabalho. Isso significaria afirmar que os seres humanos desapareceriam ou passariam por uma metamorfose tal que não necessitariam comer, vestir-se, proteger-se em casas, mover-se por meio do transportes, produzir alimentos, remédios, etc. Isso, apenas sinalizando o trabalho vinculado às necessidades básicas. Mas sabemos que o ser humano demanda outras necessidades sociais, culturais, intelectuais, lúdicas, etc., que também demandam trabalho. Essa atividade vital que denominamos trabalho assume, historicamente, formas diversas. Estas, sim, podem ser superadas por outras formas de trabalho. Assim, embora ainda exista o trabalho escravo, ele é condenado como ilegal. Não era essa a visão das sociedades escravocratas, onde escravizar os seres humanos considerados inferiores era tido como algo natural. Nem mesmo a Igreja deixou de legitimar a escravidão. Hoje, o modo dominante de trabalho no mundo é o trabalho assalariado ou a compra e venda de força de trabalho. Embora o contrato de trabalho seja regulado por lei e a ideologia dominante passe a idéia de que cada trabalhador é livre na negociação de sua força de trabalho, e que, portanto, cada um recebe o que é justo pelo que faz, sabemos que não é exatamente assim. Por estarmos em uma sociedade cindida em classes e grupos sociais, ser empregador e proprietário de meios e instrumentos de produção não é a mesma coisa que ser o vendedor de sua força de trabalho. O poder de um e de outro; são poderes desiguais. Quando o desemprego é alto, isso se agrava, pois aumenta o poder de quem emprega e enfraquece o trabalhador que busca emprego. A importância da formação sindical para as entidades representantes de trabalhadores é inequívoca. Em uma sociedade dividida em classes, com interesses antagônicos, a formação de intelectuais que formulem, defendam e impulsionem ações e projetos políticos voltados para a os interesses de classe dos trabalhadores e trabalhadoras é realidade e uma necessidade. Nos textos a seguir, disponibilizamos uma visão da importância da formação sindical para a Central Única dos Trabalhadores, e logo depois, um artigo com algumas reflexões sobre os principais conceitos formulados por Gramsci e sua relação com a apreensão da realidade, aspecto tão importante para a definição de estratégicas no processo de disputa de hegemonia que se trava no seio da sociedade capitalista. Nossa expectativa é estes subsídios possam auxiliar os educadores e educadoras nos processos de formação, em especial no tratamento de ambigüidades, contradições e dúvidas que possam surgir acerca do papel dos dirigentes e militantes na defesa dos direitos dos trabalhadores e o fortalecimento do papel classista que o sindicato pode desempenhar; e que se reflete, sem sombra de dúvidas, na condução dos processos de negociação e nos resultados alcançados.

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Formação Sindical e fortalecimento da ação sindical no cenário atual de disputa de hegemonia José Celestino Lourenço, Secretário Nacional de Formação da CUT Um dos aspectos relevantes no processo de fortalecimento do projeto sindical da CUT, [é] a necessidade de um significativo investimento no processo de formação de nossos quadros dirigentes em todos os níveis. (...) Somos atacados pelo fato de defendermos a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, que traz como preceito para uma democracia substantiva o princípio da liberdade e autonomia sindical. Somos atacados porque defendemos as Convenções 151 e 158, que respectivamente, apontam para a necessária regulamentação do processo de organização e negociação coletiva no serviço público e da instituição de regras que restrinjam as demissões sem justa causa. Marcos regulatórios que qualquer sociedade civilizada e republicana, que tem os preceitos da democracia e da cidadania ativa como fundamentos da sua organização e funcionamento, possui. Mas, como afirmam alguns pesquisadores, estudiosos dos fundamentos da sociedade brasileira, ainda não superamos os pilares sócio-econômicos e culturais do modelo de sociedade e de desenvolvimento colonialista do qual somos herdeiros. No capitalismo arcaico brasileiro os preceitos de justiça social e de democracia, são vistos como defesa de privilégios e não de direitos, e de desordem e não de participação. Somos atacados porque defendemos o direito dos trabalhadores e trabalhadoras terem a liberdade de escolherem a melhor forma de se organizarem e sustentarem financeiramente as suas organizações. (...) Hoje se fala no esgotamento do atual modelo de desenvolvimento pautado por um padrão de produção e consumo que vem sofrendo importantes transformações. Fala-se no surgimento de uma sociedade cujo padrão de produção e consumo transcenderá dos chamados bens materiais para o de bens imateriais, onde a produção do conhecimento e de serviços constituirá o grande nicho das novas relações do mercado capitalistas, consolidando-se possivelmente o chamado "trabalho flexível", sinônimo de precarização de direitos e de exclusão social. Fala-se na ampliação de novas formas de organização da produção, com base nos princípios da solidariedade, cooperação e no trabalho coletivo onde estaria inserida uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras cuja organização sindical atual não estaria preparada para representá-los. Se for esta tendência que o cenário atual nos indica, que questões importantes se colocam na agenda da CUT? Que respostas temos de construir como caminho a ser trilhado pela classe trabalhadora? Qual será o perfil dos trabalhadores e trabalhadoras do futuro para os quais temos que construir hoje o amanhã? É neste cenário que se coloca o grande desafio da nossa Central de disputa por uma nova hegemonia. A hegemonia do trabalho, da classe trabalhadora. Temos que compreender que a disputa política neste cenário envolve dimensões objetivas - de lutas, organização e mobilizações, assim como dimensões subjetivas - que dizem respeito aos nossos sonhos e desejos, a nossa utopia. Portanto, um cenário de disputa de conceitos e estratégias que demandará uma grande unidade dos trabalhadores e trabalhadoras para a grande tarefa que de nós é esperada, qual seja, a construção de uma sociedade justa, democrática, socialista, pautada por um novo padrão de desenvolvimento social e econômico que respeite os direitos dos homens e mulheres terem uma vida digna. Tarefa que exigirá de todos nós dirigentes, lideranças de base e militantes sindicais, uma grande capacidade de formulação e de nossas entidades uma grande capacidade de organização e mobilização. (...) Foi assim que defendemos a CUT e lutamos pelo seu fortalecimento, combinando três dimensões que para nós são indissociáveis: Organização, Mobilização e Formação. (...) (Fonte: www.cut.org.br, acesso em maio de 2007)

Ler Gramsci (e) entender a realidade Vânia Cardoso da Motta Semeraro (2001:3) aponta a recusa de Gramsci por "qualquer determinismo que estabeleça relações lineares entre economia e política, entre estrutura e superestrutura, forças objetivas e subjetivas", pois ambos entendem que a história é um processo dinamizado por diferentes manifestações cria-

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tivas, geradoras de novas forças sociais. E é O conceito de "bloco histórico" em Gramsci expressa nessa perspectiva que o autor destaca a a organicidade que imprime as relações de produção, sociais e de poder em uma determinada formação sociedade civil como a categoria de maior social e histórica, enquanto "unidade entre a valor para a compreensão da dinâmica da natureza e o espírito (estrutura e superestrutura), sociedade capitalista moderna na ótica de Gramsci, "uma esfera cada vez mais complexa unidade dos contrários e dos distintos" . (COUTINe contraditória de lutas ideológicas, de guerra HO, C. N.; NOGUEIRA, M. A.; HENRIQUES, L. S.. de posição e de intensa disputa pela hegemo- 2000. V. 3. Cadernos do Cárcere, 13: 26), e permite a visualização, no conjunto das relações sociais de nia entre diferentes grupos sociopolíticos". Em suas reflexões, Gramsci enfatiza a força, o movimento histórico que insere uma determinada formação histórica. existência de uma relação orgânica e recíproca estabelecida entre o estrutural e o superestrutural, que adquire características específicas em cada formação histórica. Trata-se da relação entre o econômico-social e o ético-político ou forças materiais e ideologias que compõe um determinado "bloco histórico". Ao analisar as relações de forças que compõem um determinado "bloco social", Gramsci expõe a dinâmica que insere as relações de poder ou relações de hegemonia, explicitando os mecanismos de dominação e de direção intelectual e moral que uma classe social utiliza sobre toda sociedade e enfatiza a função do "intelectual" neste processo como elemento fundamental para se obter e conservar a "hegemonia". Para Simionatto (2004:2): "Sua reflexão categorial vai apreendendo a processualidade e a historicidade do social, o jogo das relações que perCabe ressaltar que a concepção de "intelectual" em mitem desvendar a realidade e suas conGramsci é complexa e, não necessariamente, tem o tradições constitutivas", demarca o "ponto de sentido de uma determinada personalidade. Nesta vista da totalidade na análise do real", evidenperspectiva, cabem as afirmações de Gramsci de que cia o vínculo entre o social, o político e o "todos os homens são intelectuais, mas nem todos os econômico. homens exercem a função intelectual" (COUTINHO, Gramsci indica como elementos fundaCarlos Nelson; NOGUEIRA, Marco Aurélio; HENmentais da dinâmica de conservação ou transRIQUES, Luiz Sérgio. 2000. V.2. Cadernos do Cárcere, formação de um "bloco histórico", isto é, da 12.p. 24), que é a de influir na concepção de uma organicidade entre a estrutura e a superestrudeterminada visão de mundo, e de que todos os tura de uma determinada formação históricomembros de um partido político são intelectuais, social, o "Estado", a "sociedade civil" e o "intuma vez que exercem a função diretiva e organizativa electual", que implicam as formas e os níveis de uma vontade política, que é educativa, que é intcomo se dão as correlações de forças sociais. electual. É nesse sentido em que ele enfatiza o víncuNa concepção de Gramsci, a partir da lo do intelectual com a massa. Para Gramsci, esta constituição do Estado Moderno e da conrelação é imprescindível enquanto estratégia de quista da ampliação da participação política poder, uma vez que as grandes massas necessitam do dos trabalhadores, tornou-se fundamental o partido político e os intelectuais, dos organizadores consenso da sociedade civil nas idéias e ações da hegemonia, dos elaboradores e dos divulgadores da classe dominante, de modo a conquistar ou de ideologias, dos educadores e dos dirigentes, para conservar a hegemonia ideológica. As funções promoverem a "elevação cultural" dessa massa e as de hegemonia são exercidas pela atuação da converterem em poder real. Elevar culturalmente as sociedade política, através do sistema judimassas tem, para Gramsci, o sentido de conquistar ciário, do sistema escolar e da propaganda uma consciência superior, consciência crítica do vinculados à sociedade civil. Como a mundo, da própria historicidade, de que faz parte de sociedade civil é composta de instituições das uma força social (consciência política). mais diversas concepções de mundo, por isso elas são denominadas por Gramsci de "aparelhos privados de hegemonia", a estrutura social se apresenta dinâmica, as relações sociais são contraditórias e as instituições sociais são permeadas por conflitos. Assim, a conquista da hegemonia se dá

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através de "guerra de posições", isto é, da conquista da direção política e da obtenção do consenso da sociedade civil em relação a um determinado projeto societário. Sendo o sistema educacional, na sociedade capitalista moderna, uma das instituições sociais, ou melhor, um "aparelho privado de hegemonia", dominante e principal na difusão cultural e ideológica, entende-se que em suas relações internas serão reproduzidos as contradições e os conflitos de idéias da dinâmica das relações de hegemonia mais ampla. Nesse sentido, as políticas educacionais e as ações para a concretização destas são resultados desses conflitos de idéias e das contradições, de forma que se pode identificar o espaço escolar e educacional como espaço de luta na conquista da direção política e na busca do consenso da sociedade civil aos projetos educacionais de classes antagônicas. Nessa perspectiva, entende-se que a difusão da idéia da necessidade de elevar culturalmente os trabalhadores para o ingresso na "sociedade do conhecimento" vai caminhar para "a efetivação de um novo conformismo" (Neves, 2000), ao mesmo tempo em que vai propiciar a crescente conquista da "autoconsciência mais elevada" dos trabalhadores (Semeraro, 2001) Ao compreender a dinâmica e a importância do papel da educação escolar como conquista dos trabalhadores, considera-se que a necessária expansão educacional difundida no contexto da "sociedade do conhecimento", mesmo que permeada pela lógica do mercado e mesmo nas condições (que não são) dadas, pode indicar possibilidades de cisão da hegemonia existente, ao permitir a elevação cultural de pelo menos parte das massas trabalhadoras. Na abordagem gramsciana, a luta pelos espaços de poder se faz no sentido de buscar alianças políticas capazes de dar sustentação a um projeto de sociedade e, no caso específico, de educação, que vá ao encontro das aspirações da classe trabalhadora (do braço e da mente). No entanto, Gramsci reconhece as dificuldades que a "classe subalterna" precisa enfrentar na luta pela hegemonia: sua história é "desagregada e episódica", sua atividade organizativa e cultural é continuamente rompida pela iniciativa dos grupos dominantes; só o sucesso da ação, a vitória "revolucionária" rompe, mas não imediatamente, a subordinação. Por isso, qualquer traço de iniciativa autônoma, qualquer conquista de espaço na direção política, qualquer avanço em direção ao projeto social e educacional aspirado pela classe trabalhadora é de um valor inestimável. E o intelectual comprometido organicamente com a classe dominada exerce um papel fundamental nesse processo de conquista de uma nova hegemonia. Para Semeraro (2001): Hoje, de fato, a velocidade vertiginosa da globalização, vem demonstrando que nessa esfera (sociedade civil) não apenas se multiplicam iniciativas, são traçados rumos da economia, da política e a da cultura, mas que, com uma facilidade nunca vista antes, se amalgamam discursos, se entrecruzam conceitos, se embaralham signos, se ocultam desigualdades e se despolitizam as relações sócio-econômicas. De modo que, nem sempre é fácil identificar os processos históricos reais e os pontos de aglutinação dos interesses populares. Daqui, a insistência de Gramsci na formação de intelectuais e organizações populares capazes de perceber, por trás da retórica, do jogo de imagens e simulacros, as forças que sustentam o sistema corporativo dominante e os movimentos de ruptura que operam, local e mundialmente, para a criação da 'sociedade regulada'.

Segundo Gramsci, pelo exercício de funções em todos os campos das relações sociais, os intelectuais modernos desempenham a tarefa de organizar a economia, a política, a cultura, divulgar concepções de mundo, construir as bases para a formação do "consentimento", viabilizando o exercício da hegemonia. E é nesse sentido que a função do intelectual organicamente vinculado às aspirações da classe subalterna torna-se fundamental na construção de uma "nova cultura". Na concepção de Coutinho (2003), a elaboração e difusão de tal cultura, contribuindo para a hegemonia dos trabalhadores (do braço e da mente) na vida nacional, é por seu turno um momento ineliminável na conquista, consolidação e aprofundamento da democracia, de uma democracia de massas que seja parte integrante da luta e da construção de uma sociedade socialista em nosso país (...) e para que possamos chegar a isso, a luta pela democratização da cultura pode e deve obter ganhos parciais de grande importância e significação. Retoma-se, com isso, o eixo apontado por Frigotto (2000), de que se deve disputar hegemonicamente as conquistas propiciadas pelos avanços tecnológicos, submetendo-as à esfera pública e ao controle democrático.

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Acredita-se que nessa ótica a "sociedade do conhecimento" sendo um fato, não seria ideologia enquanto falseamento da realidade e nem uma utopia "esperançosa", mas um projeto de sociedade que deve ser conquistado, por meio da permanente luta por uma sociedade mais justa e igualitária, verdadeiramente democrática.

Conclusão Ao contrário do que vem sendo difundido, não se está vivendo na "sociedade do conhecimento", pois a "verdadeira sociedade do conhecimento" não será dada, mas conquistada pelas classes dominadas, pois insere relações de poder e, dessa forma, insere contradições que precisam ser superadas. Como foi constatado nas últimas décadas, a contradição tem se intensificado. Parafraseando Paulo Netto (2001), a pobreza e a desigualdade social vêm crescendo na razão direta em que aumenta a expansão das inovações tecnológicas e a capacidade social de produzir riquezas. A partir da perspectiva do pensamento de Gramsci, pode-se compreender que, por mais que seja claramente identificada a ideologia conservadora que permeia a "sociedade do conhecimento", "a efetivação de um novo conformismo às novas dimensões da sociedade instrumental capitalista", a retórica da necessidade de elevar culturalmente a massa de trabalhadores para ingressar na competitividade internacional, implícita nessa idéia dos "novos tempos", propicia, também, a formação de um tipo de intelectual organicamente vinculado às aspirações da classe dominada e, com ele, pode desencadear um processo de "correlações de forças" que vise ampliar o acesso das classes populares aos "instrumentos e os fundamentos do conhecimento, superar seu saber disperso e aproximativo, adquirir confiança em suas capacidades" (Semeraro, 2001) Entende-se como fio condutor para a compreensão dessas contradições a relação que Gramsci estabelece entre filosofia, história e cultura, isto é, entre o modo de pensar o mundo e o modo de sentir e agir no mundo como produto do processo histórico. A filosofia, que pode ser compreendida também como uma determinada concepção de mundo, está diretamente associada a uma ação, sendo que para o autor toda ação é uma ação política. Daí a necessária politização da difundida "sociedade do conhecimento". (...) cada um transforma a si mesmo, se modifica na medida em que transforma e modifica todo o conjunto de relações do qual ele é o ponto central. Neste sentido, o verdadeiro filósofo é - e não pode deixar de ser - nada mais do que o político, isto é, o homem ativo que modifica o ambiente, entendido por ambiente o conjunto das COUTINHO, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Andréa de Paula (Orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de relações de que o indivíduo faz parte (Gramsci, 1989).

Referências bibliográficas

É na relação entre a teoria e a prática; entre o pensar, o sentir e o agir, que Gramsci procura demonstrar a complexa dinâmica que insere as relações de poder ou relações de hegemonia (o processo de obtenção e conservação da hegemonia no modo de produção capitalista em seu estágio mais avançado). Suas categorias ajudam a identificar as contradições do atual movimento de reestruturação do capitalismo global e a apontar algumas brechas para a realização de ações contra-hegemônicas. O que se pode concluir que as lutas pelos espaços decisórios, os embates entre as diferentes concepções de sociedade e de educação, as correlações de forças são, em si, processos pedagógicos, que podem levar a superação de um senso comum pedagógico e à construção de uma nova cultura.

Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. FRIGOTTO, Gaudêncio. Educação e a crise do capitalismo real. 4. ed. São Paulo: Cortez. 2000. GRAMSCI, A. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1989. PAULO NETTO, José Capitalismo monopolista e serviço social. 3. ed. ampl., São Paulo: Cortez, 2001. SEMERARO, Giovanni. Anotações para uma teoria do conhecimento em Gramsci. Revista de Educação Brasileira, Caxambu, Anped, 2001, n.16. SIMIONATTO, Ivete. O social e o político no pensamento de Gramsci. Disponível em: <http://www.acessa.com/gramsci/>. Acesso em 2004. Site : Gramsci e o Brasil. NEVES, Lúcia W.(Org) Educação e política no limiar do século XXI. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2000. Educação Contemporânea.

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Enfim, as correlações de forças podem levar à elaboração, coletiva, de um projeto de sociedade mais justa e humana, à construção de um "vir a ser", de "baixo" para o "alto". No entanto, esse processo de disputas deve inserir o "pessimismo da razão", isto é, a consciência de que há um longo caminho a percorrer no processo de apropriação, pelas camadas populares, dos instrumentos fundamentais do conhecimento e de superação do senso comum, principalmente nas condições que estão dadas, mas deve inserir, também, o "otimismo da vontade" de se lutar por uma sociedade para todos. (Fonte: extrato do artigo Politizando a "Sociedade Do Conhecimento" sob a ótica do pensamento de Gramsci, In: http://www.senac.br/BTS/321/bts32_1artigo2.pdf acesso em março, 2007 . Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, V. 32, N. 1, jan./abr., 2006).

Para saber mais: MONDAINI, Marco. Antonio Gramsci e a subida ao sótão da filosofia da práxis. 16 págs. Disponível em: http://www.historia.uff.br/nec/textos/text12.pdf

Possibilidades de desenvolvimento metodológico É importante que a própria formação sindical seja objeto de reflexão pelos participantes dos cursos. Assim, a partir dos textos aqui disponibilizados ou outros materiais selecionados, pode-se debater qual a importância da formação para o movimento sindical, na organização das lutas e na construção de identidades de classe. Também é possível, em percursos mais longos, escolher filmes e reproduções de obras de arte que retratem diferentes períodos da luta dos trabalhadores, além de refletir como pode ter sido a formação daqueles militantes, em períodos específicos. E hoje, qual o papel da formação na vida e organização sindical na entidade dos cursistas? Que tipo de formação está sendo ofertada? Ela tem relações diretas com as políticas e estratégias organizativas do movimento e das entidades sindicais? Nas relações concretas de trabalho, como os participantes do curso vêem o caráter que o trabalho assume, cotidianamente? Ele é fonte de libertação e criação humanas ou fator de alienação e exploração? É importante que o dirigente e militante sindical perceba, nas atuais formas de organização do trabalho, as artimanhas das empresas para cooptar os trabalhadores e dificultar a atuação dos sindicatos e seus representantes, com apelos a participação para se "vestir a camisa da empresa", negociações individuais e formas de coerção entre os próprios trabalhadores. Os trabalhadores e trabalhadoras são especialmente cooptados em períodos de desemprego e dificuldades de acesso ao mercado de trabalho e, nestes momentos, a ideologia que se veicula nas empresas é francamente anti-sindical, prejudicando a organização e conquistas coletivas, que tendem a beneficiar mais e melhor todos os trabalhadores. A formação sindical, eminentemente política e voltada para os interesses de classe, situa-se no campo da disputa de hegemonia e, para tanto, compreender a realidade em que esta disputa ocorre é fundamental. Que saberes os cursistas detêm sobre as teorias e categorias gramscianas, para manejar este tema tão complexo e tão importante? A partir dos textos disponibilizados, e outros que os educadores e educadoras considerarem mais apropriados ao público nos cursos, é desejável que os participantes identifiquem na sua realidade, de sua categoria e na sociedade em geral, a expressão da sociedade política, dos aparelhos privados de hegemonia, as lutas ideológicas e as guerras de posição, etc. Também é possível fazer outros caminhos, por exemplo, destacando alguns aparelhos de hegemonia e analisando as relações de poder que se estabelecem entre eles, que forças estão atuando em benefício de que classe, e assim por diante. Sugerimos aos educadores e educadoras que aprofundem seus estudos, não apenas com as indicações que oferecemos nesta unidade, mas por meio das próprias obras de Gramsci, muitas delas, as mais importantes, já traduzidas e publicadas no Brasil.

O papel da ética e dos valores na defesa da classe trabalhadora Uma sociedade sem valores seria uma sociedade ou apenas uma guerra de desejos sem nenhum devir? Quando falamos em valores, nos referimos a uma cultura que delimita condutas baseadas numa

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consciência moral, que essencialmente discerne entre o bem e o mal. Para a formação de dirigentes e militantes, é fundamental debater e refletir que ética nos dá identidade e nos possibilita influenciar a sociedade, tendo como perspectiva a construção de relações democráticas, igualitárias e justas. (...) O campo ético é, assim, constituído pelos valores e pelas obrigações que formam o conteúdo das condutas morais, isto é, as virtudes. Estas são realizadas pelo sujeito moral, principal constituinte da existência ética. O sujeito ético ou moral, isto é, a pessoa, só pode existir se preencher as seguintes condições: • ser consciente de si e dos outros, isto é, ser capaz de reflexão e de reconhecer a existência dos outros como sujeitos éticos iguais a ele; • ser dotado de vontade, isto é, de capacidade para controlar e orientar desejos, impulsos, tendências, sentimentos (para que estejam em conformidade com a consciência) e de capacidade para deliberar e decidir entre várias alternativas possíveis; • ser responsável, isto é, reconhecer-se como autor da ação, avaliar os efeitos e conseqüências dela sobre si e sobre os outros, assumi-la bem como às suas conseqüências, respondendo por elas; • ser livre, isto é, ser capaz de oferecer-se como causa interna de seus sentimentos, atitudes e ações, por não estar submetido a poderes externos que o forcem e o constranjam a sentir, a querer e a fazer alguma coisa. A liberdade não é tanto o poder para escolher entre vários possíveis, mas o poder para se autodeterminar, dando a si mesmo as regras de conduta. O campo ético é, portanto, constituído por dois pólos internamente relacionados: o agente ou sujeito moral e os valores morais ou virtudes éticas. (CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. Disponível em: http://br.geocities.com/mcrost02/convite_a_filosofia_39.htm) Quando tratamos das relações de trabalho, a autonomia (ou a condição de se autogovernar) se relaciona com as condições materiais de produção e sua forma de organização. Desta maneira, uma maior autonomia dos trabalhadores frente aos processos concretos de trabalho está vinculada à consciência, apreensão e domínio do conjunto destes processos, seus condicionantes e determinantes, sendo tanto maior a autonomia quanto menor a alienação, a segmentação das tarefas e a transformação dos homens em máquinas repetitivas e estéreis. Certamente, frente ao subjugo, exploração e a heteronomia características da imensa maioria dos processos de trabalho, o trabalho criativo e a autonomia dos trabalhadores e trabalhadoras é um bem a ser conquistado, não apenas nas relações cotidianas de trabalho com as chefias e representantes das empresas, mas também como objeto de negociação, e o estabelecimento de regras negociadas para que a autonomia seja cada vez mais presente e exercida individual e coletivamente pelos trabalhadores e trabalhadoras. Construir o devir da classe trabalhadora, e afinal de contas a extinção de todas as classes (conforme propõe Karl Marx) requer estabelecer relações sólidas com os valores éticos que dão identidade à luta e sedimentam a solidariedade entre trabalhadores. Em vista disto, selecionamos os textos a seguir, com a perspectiva de que eles auxiliem o trabalho de educadores e educadoras para a formação militante e os compromissos que, do ponto de vista ético, podem nortear sua ação.

Valores do militante e do dirigente sindical Paulo Vannuchi (...) Compromisso todos sabem o que significa: o que me liga a esta luta, porque estou nela, qual a responsabilidade que assumo perante meus companheiros, minha categoria, minha classe. Valores, aqui, têm um significado diferente do econômico. Na economia o valor expressa a quantidade de trabalho contida em determinado objeto ou produto. O valor é a medida desse trabalho e estabelece uma comparação para a troca de objetos.

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Valor, neste texto, significa o que nos move moralmente e ideologicamente, as idéias que norteiam nossa conduta, aquilo que fazemos não porque a lei exige ou porque alguém impõe. Os valores são uma espécie de voz interior em cada um de nós, construída por nossa experiência de vida, de trabalho, de estudo, conversas, discussões e avaliações, voz que orienta nosso comportamento em cada momento de decisão. Um texto sobre valores e compromissos do militante é diferente de uma cartilha contando a história de nossa luta. Na cartilha as informações são objetivas. Podem estar certas ou erradas, mas quem escreve se apóia em fatos palpáveis. A discussão sobre valores ideológicos pertence a um terreno mais subjetivo e requer maior cautela porque as opiniões não respondem diretamente a um fato concreto. O leque de diferenças, divergências e discordâncias é mais amplo. Ninguém tem sabedoria para escrever ensinando qual o comportamento correto e qual o errado. Quem deu a essa pessoa tamanha autoridade? (...) Como militantes, somos, num primeiro sentido, iguais a todos os demais trabalhadores. Noutro sentido, somos diferentes e especiais. Somos iguais porque vivemos as mesmas dificuldades, angústias e esperanças de todos os que carregam o peso de viver numa sociedade movida pelo lucro, particularmente numa sociedade como a brasileira, onde a exploração produz os níveis mais altos de desigualdade, tensões, violência. Temos os mesmos interesses em garantir emprego, bons salários, segurança e algum conforto para nossas famílias, a vontade de crescer no sentido profissional, cultural e espiritual. Temos as mesmas necessidades de compreensão, de valorização, de respeito, de vida afetiva e de prazer. Carecemos todos de nossos momentos de lazer e privacidade. Somos diferentes e especiais no sentido de que nos destacamos da massa ao romper com os valores individualistas e com a ideologia que é incutida diariamente em todo o tecido social pelas emissoras de TV, pela imprensa, pela empresa onde trabalhamos, pela escola, por boa parte das igrejas e pela própria estrutura familiar que nos envolve. Queremos mudar a sociedade em que vivemos. Queremos construir um mundo justo, assentado num preciso equilíbrio entre igualdade e liberdade. Assumimos conscientemente uma série de riscos e nos expomos a perdas importantes para perseguir esse sonho que costumamos chamar de utopia, entendida como uma espécie de horizonte onde fixamos os olhos durante a caminhada. Nossos objetivos se compõem de dois patamares distintos. O objetivo de longo alcance, estratégico, é a construção desse futuro diferente. Mas, na medida em que isso demandará muitos anos ou décadas, a utopia se converte em metas que podem ser atingidas em nossa geração, desde que a vontade política se some a uma visão lúcida para assegurar vitórias tangíveis. Lutamos, então, pelo respeito aos direitos e à dignidade do trabalhador no dia a dia da fábrica, lutamos por salário, pelo emprego, por uma qualidade superior de vida em todas as suas dimensões. Nada disso pode ser garantido com a ação restrita ao interior da empresa. Ali a luta nasce e se enraíza, deitando alicerces para ampliar-se nacionalmente numa crescente intervenção sobre os rumos políticos do país e sobre toda a sua organização econômica e social. Cada conquista torna-se acúmulo em direção a patamares mais ousados. (...). É natural que se pense em recompensa para tanto esforço, visto que ninguém deve abraçar a luta como forma de autopunição ou como fuga das angústias existenciais. Mas deve ficar claro que a recompensa de um militante não pode ser expressa na moeda capitalista do ganho financeiro, ou do carreirismo, da fama ou da glória individual. Quem entra nessa luta tem consciência suficiente para valorizar outro tipo de recompensa, que se mede pelo respeito conquistado entre companheiros, amigos, colegas e até por amplos círculos da sociedade por força da seriedade, da dedicação, da generosidade e da firmeza com que abraçamos a vida militante. Desprezar a satisfação que todos nós podemos sentir quando somos alvo desse reconhecimento e valorizar apenas os holofotes da projeção individual é ignorar tudo o que opõe nossa luta e a ideologia da sociedade que queremos mudar. Com esta introdução, passaremos a focalizar seis aspectos que nos parecem centrais na discussão dos valores que devem inspirar o comportamento de um bom dirigente ou militante sindical. SOLIDARIEDADE. É a palavra chave de toda a nossa atuação. No dicionário já encontramos o significado do termo. É laço ou vínculo recíproco. Adesão ou apoio à causa. É o sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades de um grupo social, de uma nação ou da própria humanidade.

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É a relação de responsabilidades entre pessoas unidas por interesses comuns, de maneira que cada elemento do grupo se sinta na obrigação moral de apoiar o outro ou os outros. É dependência recíproca. A solidariedade representa, assim, a palavra que melhor sintetiza a contraposição frontal com os valores da sociedade capitalista, em especial nas suas variantes neoliberais: competitividade, concorrência, sobrevivência dos mais aptos, sucesso individual, glorificação do mercado, vitória dos espertos. Ela reflete, também, a compreensão mais profunda sobre a importância estratégica daquela que é uma das principais vantagens comparativas dos trabalhadores em relação às elites dominantes, que é o nosso número, que é o fato de sermos esmagadora maioria. As elites só conseguem manter-se no poder, usurpando o direito da maioria, na medida em que impedem a formação dos laços de solidariedade entre os dominados, ou conseguem quebrá-los através de mil artifícios. O próprio sindicato nasceu, nos primórdios da revolução industrial, a partir das experiências de solidariedade e de ajuda mútua que os operários foram estabelecendo entre si para enfrentar a exploração patronal. A solidariedade é um pressuposto básico para se garantir uma forte unidade de ação, mesmo quando temos entre nós profundas diferenças de opinião quanto ao melhor caminho a seguir. Todos sabem que a classe trabalhadora jamais triunfa se não se apresenta unida. É a solidariedade de classe que me anima a participar ativamente de uma luta, mesmo quando a proposta que defendi não obteve maioria na hora de decidir. É a solidariedade que explica o fato de nos chamarmos, uns aos outros, de companheiros, palavra cuja origem significa comer o mesmo pão, no passado significando pão do trigo e, hoje, pão da mesma causa, dos mesmos interesses e dos mesmos objetivos históricos. É essa solidariedade e esse companheirismo que definem a importância vital do trabalho em equipe e da permanente preocupação em buscar a participação de todos ou do maior número possível, em nossas atividades e em nossas tomadas de decisão. Sem trabalho em equipe, como a própria empresa capitalista vem descobrindo, abre-se campo para disputas internas, rivalidades e ciúmes que bloqueiam ou enfraquecem todo tipo de ação. É verdade que, no jogo que simboliza nossa luta, qualquer um de nós tem direito de fazer seu gol. Melhor ainda se for um gol de placa. Todos nós prezamos e aplaudimos as intervenções inspiradas de nossos dirigentes mais importantes, na imprensa, nas assembléias ou num palanque. Mas a solidariedade na luta significa evitar aquela velha tentação de fazer o gol sozinho, jogando apenas para a torcida. A solidariedade, enfim, constitui em nosso cotidiano sindical o mais importante vínculo ligando os enfrentamentos de hoje e nossos objetivos mais profundos de igualdade, inscritos no horizonte utópico. É somente sendo solidários em nossa vida sindical que comprovamos nossa confiança nos ideais de igualdade que movem a classe trabalhadora há mais de duzentos anos, em todos os países. Igualdade essa que pode ser melhor compreendida quando levamos em conta Hannah Arendt, uma das mais importantes pensadoras do nosso século: não nascemos naturalmente iguais nem somos iguais em nossas vidas reais; tornamo-nos iguais porque assumimos conscientemente a decisão de sermos iguais. COMPROMISSO. Do papel decisivo jogado pela solidariedade nasce a grande importância que atribuímos ao compromisso com a luta, à dedicação que o militante e o dirigente demonstram diariamente e, principalmente, sua persistência ao longo do tempo. Um companheiro pode ser solidário com a luta, mas pouco dedicado, preferindo participar esporadicamente. Claro que isso já tem algum valor. Mas a regularidade, a disciplina, a seriedade no cumprimento das tarefas assumidas, a firmeza, a garra e a combatividade demonstradas na militância são peças fundamentais para garantir a eficiência na ação sindical e para angariar respeito entre os trabalhadores da base. Nesse sentido, está claro que o bom militante é dotado de agudo espírito crítico, não devendo atuar jamais de maneira conformista. Ele indaga sobre o acerto das propostas de encaminhamento, questiona, discorda e argumenta. Mas não deixa de encaminhar o que lhe foi incumbido, nem coloca suas dúvidas e discordâncias acima do compromisso de unidade. Sem essa lealdade e sem essa fidelidade para com a luta de nossa categoria e de toda a classe trabalhadora, teremos poucas chances de enfrentar e vencer a força poderosa de nossos adversários e inimigos.

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Cada um de nós tem muita importância como indivíduo, mas é na ação coletiva que repousa toda a energia e o potencial da luta da classe. E não é possível desenvolver um esforço coletivo sem disciplina, cumprimento de tarefas, senso de responsabilidade não apenas sobre a parte que me cabe, mas sobre todo o trabalho em seu conjunto. Que luta salarial, que mobilização de rua, que campanha de sindicalização e que programa de formação conseguimos levar adiante se os companheiros faltam às reuniões, chegam sempre atrasados, dão desculpas imaginosas, se revelam incapazes de abrir mão de qualquer demanda familiar, jogo do time e até mesmo do boteco de sempre? DEMOCRACIA. A solidariedade e o compromisso de classe exigem um profundo espírito democrático em nosso método de atuação. Todos sabem o que é ser democrático: é saber ouvir, respeitar opiniões diferentes entre os companheiros, mesmo aquelas que nos parecem abobrinha. É saber dialogar e incorporar argumentos diferentes, garantindo um empenho de pluralidade, indispensável quando buscamos unidade e o engajamento de amplos contingentes de trabalhadores. É natural que tenhamos maior afinidade pessoal com determinados companheiros, com quem sempre preferimos sentar durante as refeições, biritar ou trocar idéias. E há outros por quem guardamos alguma antipatia. Mas é indispensável que em nossa luta sindical saibamos distinguir bem o que é pessoal e o que é não é, para não tratarmos como adversários aqueles que podem ser companheiros tão sérios e responsáveis como nós, embora as características individuais dele e minha não favoreçam uma aproximação maior. O autoritarismo que caracteriza a dominação capitalista invade a luta dos trabalhadores e todos nós conhecemos companheiros que preferem ganhar no grito. Acostumados, na fábrica, em casa, na escola, na vida, a conviver com pessoas que se comportam como donos da verdade, muitos de nós incorporamos esse estilo e acabamos fazendo um trabalho sindical que o pessoal da base acha semelhante à dominação exercida pela própria empresa. Levando em consideração que a ligação com a base é um princípio fundamental, esse comportamento antidemocrático se revela bastante nocivo. Sendo a solidariedade um componente fundamental de nossa luta e sendo a consciência humana extremamente rica na diversidade de idéias e percepções, é só através de um profundo espírito democrático nas discussões e nas atividades práticas que se garante ampla participação e unidade entre companheiros que, inevitavelmente, não têm exatamente a mesma idéia a respeito dos encaminhamentos a serem adotados. A própria questão da linguagem aparece então como um nó do relacionamento entre militantes e a base. O uso de um palavreado altamente politizado, cheio de chavões e gírias de esquerda, de difícil tradução por companheiros menos escolarizados já é uma espécie de lesão a esse compromisso com a democracia. Faz parte do método democrático a exigência de que os companheiros eventualmente em minoria acatem as decisões tomadas por maioria. Esse é o tópico mais central na idéia democrática. Sem isso não existe unidade de ação e nenhuma luta vitoriosa se torna possível. Mas democracia não é só isso. É assegurar, também, determinados direitos das minorias, tanto com vistas a nos vacinarmos contra o perigo de uma "ditadura da maioria", quanto no sentido de que a história está cheia de episódios em que pessoas em minoria num dado momento foram reconhecidas mais tarde como quem estava com a razão. Daí a necessidade de sabermos respeitar quem pensa diferente, trabalhando, através do diálogo permanente, para incorporá-los plenamente às atividades, ao mesmo tempo em que nosso esforço para convencê-lo só é coerente quando nos colocamos em aberto para sermos também convencidos. É preciso dar um basta nesse comportamento de nem prestar atenção no que alguém está dizendo, porque já conheço essa pessoa e imagino que já sei o que ele vai dizer. HONESTIDADE. Poderíamos escolher outro termo para este quarto bloco de qualidades desejáveis no militante e no dirigente sindical. Poderia ser franqueza, sinceridade, respeito pela verdade, lealdade e muitos outros. O que queremos abordar neste bloco é a importância de evitar na luta sindical o comportamento oportunista de quem atropela este tipo de regra ética de conduta, com o falso pretexto de estar fazendo isso para "garantir a posição correta". Entramos aí na velha controvérsia da relação entre

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os fins e os meios, sobre a qual tanto já se escreveu e falou. É fundamental que em nossa luta nos pautemos pela verdade, pela estrita observância dos fatos tais quais eles são, e não tais quais gostaríamos que fossem. Fins e meios se relacionam de tal modo que se adoto meio fraudulento para buscar meus fins, eles correm alto risco de se contaminarem pela fraude. A honestidade que se propõe então, como valor básico no comportamento do militante sindical, é derivada da importância atribuída à solidariedade, ao compromisso e ao espírito democrático em nossa ação. Ela exige permanente visão autocrítica e a capacidade de reconhecer as próprias limitações, erros e falhas, sem medo de que isso seja visto como sinal de fraqueza ou prejuízo para as idéias defendidas. É muito comum aparecer em nossas discussões sobre esse assunto a palavra humildade, entendida aqui sem qualquer sentido de servidão. Humildade significa ter consciência de que todos nós temos limitações e de que, no sindicato, como numa orquestra, o que conta é o conjunto. Mais ainda: significa ter consciência de que estamos interessados em aprender sempre, elevar a qualidade de nossa atuação, através da elevação da qualidade do nosso preparo. Que sociedade nova queremos construir se não somos capazes de reconhecer falhas, se aproveitamos nossa condição de dirigente sindical para auferir pequenos (ou grandes) privilégios na empresa, se reproduzimos em nosso comportamento o mesmo padrão disseminado pelo sistema vigente de dominação? OUTRAS QUALIDADES. Todos conhecem a frase do Che sobre a importância de sermos duros em nossa luta sem perder a ternura. No mesmo capítulo da ternura podemos acrescentar outros elementos semelhantes como a afetividade, a capacidade de sermos realmente amigos de nossos companheiros de luta, de evitar um astral mal humorado e um nervosismo histérico que transforma algumas atividades políticas num verdadeiro duelo de raiva. Quem se dispõe a enfrentar os duros obstáculos que temos à nossa frente; precisa temperar-se com boas doses de serenidade, objetividade, clareza e lucidez de raciocínio, capacidade constante de pensar e manter o sangue frio para agir, mesmo quando a tarefa demanda calor e paixão. Essa característica do militante e do dirigente sindical é que lhe permite desenvolver um dinamismo criativo, que rejeita a inércia e o burocratismo de fazer tudo sempre igual, sem mudar nada, por insensibilidade quanto às mudanças que ocorrem constantemente no cenário político do país, ou no conjunto de nossa categoria, ou no contexto de uma empresa, ou no comportamento das pessoas de nossa base. Daí a importância de nossa qualificação permanente, não apenas no sentido de nosso aperfeiçoamento profissional, educacional e cultural - sempre desejáveis - mas, sobretudo, de nossa autocapacitação como militantes e dirigentes sindicais e com vistas a assegurar um trabalho de qualidade e eficácia cada vez mais desenvolvidas. Visão ampla, lucidez e clareza de raciocínio não se adquirem nos livros e sim na vivência que supera dificuldades e constrói valores novos. Mas os livros e todos os tipos de veículos do conhecimento, sobretudo os que assimilamos através de discussão em grupo, centradas na reflexão diante de nossa própria experiência, podem representar uma inestimável ajuda nessa direção. MÍSTICA. Nossa luta se compõe de fatores extremamente racionais, como a questão dos salários e da produção das empresas, a defesa do emprego, a conjuntura econômica, política e social de nosso país, nossos objetivos e nosso programa político de longo prazo. Mas nenhuma luta se sustenta apenas a partir do elemento racional. O emocional, os elementos que tocam profundamente em nosso psiquismo e nas imagens de nossa mente, muitas vezes acelerando o coração, esquentando o sangue, também precisam ser levados em conta no encaminhamento de nossa luta. A esse conjunto de elementos que ultrapassam a mera racionalidade costumamos abordar como mística, palavra que tem relação com as dimensões espirituais de nossa vida. (...)

Reflexões para um trabalho de base: do que estamos falando? Archimedes Felício Lazzeri Constituir e manter uma organização sindical no local de trabalho é preocupação permanente dos

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sindicatos. A dificuldade que a CUT enfrenta nesse trabalho não é nova. Mas as condições para a realização do trabalho de base estão se modificando, exigindo mais do que disposição de luta e de entrega pessoal para organizar os companheiros e companheiras. Hoje a maioria das empresas conhece bem o comportamento dos sindicatos, ficamos previsíveis, mas não é só isso, acima de tudo as empresas passaram a disputar o coração dos trabalhadores com seus programas de valorização do saber do trabalhador, de aproximação com suas famílias. Tudo vale para aumentar sua produtividade! Mesmo diante dessa dificuldade há casos em que o sindicato está bem com os trabalhadores. Distribui constantemente o material informativo do sindicato, existe bom nível de mobilização e tem chances de conquistar a CIPA, mas, mas pouco se sabe sobre os militantes daquela empresa, porque o sindicato não passa da portaria da empresa: falta trabalho de base. É isso que dizemos diante desse quadro. Mas, o que é trabalho de base? Reunir alguns companheiros de vez em quando é fazer trabalho de base? Trabalho de base é ter um grupo de companheiros e companheiras comprometidos com os objetivos do sindicato, com um plano de trabalho a executar? Ou é a atividade de formação de outros companheiros dentro da empresa, através das conversas nos intervalos, nas atividades esportivas ou de lazer? A formação de dirigentes de base não se faz de uma hora para outra. Não basta ter companheiros e companheiras que se destaquem como líderes em um determinado momento. O líder nem sempre tem preparo e compromisso, ele apenas se destaca por alguma qualidade pessoal, como saber falar bem, ou simplesmente ser valente e corajoso. É preciso um trabalho formativo que caminhe junto com o trabalho de organização de base. Nem antes nem depois! Primeiro é preciso identificar quais são as principais reivindicações dos trabalhadores, suas condições de trabalho e as formas de organização que podem contribuir para se iniciar um trabalho de formação e organização, tais como: • Empresa com Grupo formado no local de trabalho; • Empresa com possibilidade de formar um grupo; • CIPAS afinadas com o sindicato, parcialmente afinadas, ou que pretende disputar; • Empresas onde tem delegado sindical; • Empresas onde é possível negociar o delegado sindical; • Outras formas de organização; • Mobilizações internas para reivindicar direitos e negociar a PLR; • Denúncias sobre assédio; doenças ou falta de segurança no trabalho, etc.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico O texto sobre os valores do militante e do dirigente sindical não deve ser visto como uma receita, mas pode ajudar o grupo em uma reflexão sobre a importância da ética na política e na atuação sindical. A sugestão é que se trabalhe com este texto a partir de uma leitura em grupo, preferencialmente. Sendo assim, propicie que o grupo faça uma apresentação das questões colocadas no texto de forma mais criativa. Sugira dramatização, bricolagem (recorte de revistas), trabalhos com sucata ou outro recurso. Você também tem opção de trabalhar uma música ou poesia para aquecer a turma antes da leitura do texto, tal como "Amigo é pra essas coisas", de Aldir Blanc e Silvio Silva Jr.; "Canção da América", de Milton Nascimento e Fernando Brant, entre outras. Mas como a ética e os valores se expressam nas relações concretas entre os sujeitos, é importante vincular este debate com situações reais. Por isto, apresentamos o texto sobre organização de base, mas outras situações podem ser escolhidas, como a preparação e condução de processos de negociação. Procure fazer com que os dirigentes presentes no curso aproveitem esse momento para pensar sobre caminhos da organização, como por exemplo: quais as principais reivindicações dos trabalhadores em determinado local, categoria ou setor produtivo? Quais as principais formas de organização? Quais temas devem ser tratados na formação para auxiliar a organização na base ou os processos de negociação? Que situações tendem a ser conflituosas ou tensas, e que valores devem prevalecer nestes casos? Por quê?

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Negociação, organização sindical e planejamento As negociações entre Capital e Trabalho ocorrem em torno de questões objetivas, cujos resultados alteram a qualidade das relações de trabalho nos níveis em que são aplicadas, podendo se concretizar em ganhos econômicos, sociais e da própria organização sindical. Sendo assim, a conquista de negociações e resultados efetivos de maior amplitude, abrangendo várias empresas (ou empregadoras) e grande número de trabalhadores e trabalhadoras (ou empregados) é tida como uma ação estratégica do movimento sindical. Os empregadores e suas organizações, em geral, vêem com maus olhos este tipo de avanço nas relações de trabalho, pois isto diminui seu poder de barganha no âmbito micro das empresas e mesmo no interior delas, onde praticam negociações cada vez mais pulverizadas e individualizadas, tornando-as instrumento de cooptação e coerção sobre os trabalhadores. Por outro lado, nas últimas décadas tem crescido as práticas anti-sindicais do patronato, como forma de impedir a organização sindical nos locais de trabalho, a garantia de direitos mínimos e a conquista de novos direitos. Para situar os educadores e educadoras mais concretamente no universo da negociação e suas implicações, trazemos a seguir um texto, em forma de entrevista entre a CUT e a OIT, sobre contrato coletivo de trabalho.

Contrato Coletivo de Trabalho A CUT pergunta, a OIT responde 1 - O que é Contrato Coletivo de Trabalho? 2 - Qual a diferença entre Contrato Coletivo de Trabalho e Convenção Coletiva de Trabalho?

3 - Qual a diferença de Contrato Coletivo de Trabalho e Acordo Coletivo de Trabalho?

4 - Centrais sindicais podem subscrever Contrato Coletivo de Trabalho? 5 - Confederações e federações sindicais podem participar do Contrato Coletivo de Trabalho? 6 - É válido o Contrato Coletivo de Trabalho de âmbito nacional? 7 - É válido Contrato Coletivo de Trabalho aplicável a mais de uma categoria? 8 - É válido Contrato Coletivo de Trabalho no nível municipal? E no nível estadual?

É o instrumento normativo que resulta de uma negociação de âmbito mais amplo que o de uma categoria, podendo ser pactuado em um ou mais setores econômicos e profissionais, bem como em dimensão nacional. A Convenção Coletiva de Trabalho também é um instrumento normativo, porém as negociações são feitas entre sindicatos, obrigando ao seu cumprimento as empresas e os empregados da categoria. O Contrato Coletivo de Trabalho estabelece normas que serão aplicáveis às convenções coletivas, e resulta de negociação de âmbito maior, com a participação das centrais sindicais, confederações e federações nacionais. O Acordo Coletivo é instrumento normativo que tem a participação obrigatória do sindicato dos empregados de um lado, e da empresa, de outro. O Acordo Coletivo vigora apenas na empresa que o assinou. O Contrato Coletivo pode ser negociado entre as centrais sindicais, confederações ou federações, não sendo obrigatória a participação do sindicato representante da categoria, e suas cláusulas podem determinar procedimentos para as negociações dos acordos coletivos e convenções coletivas. Sim, centrais sindicais podem participar do Contrato Coletivo, o que é conveniente, posto que experiências anteriores demonstram que, em alguns casos, as centrais têm maior representatividade dos trabalhadores. Sim, essas entidades sindicais podem fazer parte do Contrato Coletivo. O Contrato Coletivo, tal como foi definido, se trata do resultado de uma negociação que pode ter âmbito nacional e, portanto, pode vigorar nessa extensão. O Contrato Coletivo poderá abranger mais de uma categoria, uma vez que suas cláusulas podem fixar dispositivos regulamentadores para as posteriores convenções coletivas ou acordos com conteúdos específicos em cada categoria. Sim. É válido o Contrato Coletivo de nível municipal ou estadual uma vez que das suas cláusulas resulta a sua base territorial de aplicação. As cláusulas do Contrato Coletivo podem dispor sobre os limites a serem observados e detalhados na Convenção da categoria ou em acordos coletivos, no âmbito das empresas acordantes. A proposta de Contrato Coletivo tem por finalidade estabelecer um instrumento normativo que substituirá a lei, e esta ficará restrita às categorias

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9 - Quais são os efeitos do Contrato Coletivo de Trabalho sobre as convenções e os acordos coletivos de trabalho? 10 - Havendo um Contrato Coletivo de Trabalho e uma lei sobre o mesmo tema, quais dos instrumentos normativos prevalecem? 11 - O Contrato Coletivo de Trabalho pode dispor de modo contrário à lei? 12 - O empregado pode renunciar a direito previsto em contrato coletivo? 13 - Em que sentido se fala que o Contrato Coletivo de Trabalho é a superação do corporativismo? 14 - O Contrato Coletivo de Trabalho pode dispor sobre salários? 15 - O Contrato Coletivo de Trabalho pode se sobrepor às leis de política salarial? 16 - O Contrato Coletivo de Trabalho pode dispor sobre jornada de trabalho, repouso semanal remunerado, férias, etc.? 17 - Como é o Contrato Coletivo de Trabalho na Itália?

18 - Como é o Contrato Coletivo de Trabalho na Espanha?

19 - O Contrato Coletivo de Trabalho é aplicável aos sócios do sindicato ou a todos os trabalhadores, sócios ou não, representados pelas entidades que negociam?

20 - Qual o prazo de vigência do Contrato Coletivo de Trabalho? 21 - O Contrato Coletivo de Trabalho

não organizadas em sindicatos e a direitos de ordem pública. A Constituição Federal prevê a possibilidade da ocorrência de instrumento normativo que estipule a redução da jornada e do salário quando as partes entenderem convenientes. Baseado neste dispositivo legal poderá ocorrer o Contrato Coletivo com disposições contrárias à legislação. O próprio Contrato Coletivo, através de uma cláusula, proibirá ou não a renúncia dos direitos que estabelecer. No sentido de compreender o Contrato Coletivo como a principal forma de fixar direitos trabalhistas, ao contrário do corporativismo, no qual compete à lei essa função. Sim. Dai a necessidade de rever a política salarial, no sentido de se resolver se terá como base a lei, o Contrato Coletivo ou se será possível compatibilizar os dois instrumentos normativos. Na Itália não há lei de salário mínimo. Existem pisos salariais fixados por contratos coletivos. Depende da política salarial do país dar ou não prioridade ao Contrato Coletivo. Sim, para o efeito de fixar regras mínimas ou parâmetros a serem observados pelas convenções e acordos coletivos. Parâmetros são limites mínimos e máximos, isto e, pisos e tetos. Na Itália, a contratação coletiva ocorre com a participação das três grandes confederações dos empregados, o que se consolidou com a prática pelo fato de que as entidades sindicais menores não são bastante representativas para conseguir bons resultados. Por parte do empregador quem figura no Contrato Coletivo é sempre o sindicato ou a própria empresa. A finalidade é estabelecer as condições que devem ser respeitadas nas relações individuais de trabalho. As cláusulas que constam do Contrato Coletivo não precisam ser repetidas nos acordos de nível menor.Deu-se, na Itália, à coexistência de diversos níveis ligados de negociação, o nome de contratação articulada. Os sindicatos italianos e as comissões de fábrica independentes queixaram-se da ocupação do seu espaço pelas centrais, discordando da articulação, que hoje está atenuada. Na Espanha as organizações sindicais estabelecem livremente a estrutura da negociação coletiva, fixando regras para o Contrato Coletivo (lá chamado de Convênio Coletivo), quais as matérias que poderão ser tratadas no mesmo e as que não poderão, em nenhum caso, ser objeto de negociação em níveis inferiores. As suas principais características são a intervenção prévia de todos os possíveis atingidos pelas suas cláusulas, uma declaração administrativa sobre a representatividade do sindicato e um ato administrativo de extensão do Contrato Coletivo. O Contrato Coletivo pode compreender matérias trabalhistas, regular matérias econômicas, sindicais e assistenciais etc. As entidades sindicais que podem negociar são as que têm certa representatividade e só se submete o Contrato Coletivo à administração pública para seu registro. Depende da configuração que vier a ser dada pela nova lei ou as suas próprias cláusulas. Nos países em que o Contrato Coletivo é restrito aos sócios dos sindicatos há um mecanismo denominado extensão, ato do Ministério do Trabalho, com o qual as suas cláusulas passam a ser aplicadas aos trabalhadores não associados do sindicato. No Brasil, as convenções e os acordos coletivos de trabalho, por lei, beneficiam e obrigam sócios e não sócios do sindicato. Outra hipótese é a autorização legal aos sindicatos para cobrar um pagamento, dos não associados, pelos serviços prestados na negociação, caso em que fica justificada a aplicação do Contrato Coletivo a estes. O Contrato Coletivo é um instrumento onde as partes têm total liberdade para estipular qual o prazo que deverá vigorar, podendo até serem convencionados prazos diferenciados entre as cláusulas do contrato. Podem. Não apenas sobre as contribuições, mas outros pagamentos. Na Espanha os sindicatos cobram uma

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pode dispor sobre as contribuições que compõem a receita dos sindicatos? 22 - Qual a participação do Estado no Contrato Coletivo de Trabalho? 23 - Quais os benefícios que poderão advir do Contrato Coletivo de Trabalho para os empregadores? E para os empregados?

24 - Qual o procedimento para se chegar ao Contrato Coletivo de Trabalho?

25 - Pode o Contrato Coletivo de Trabalho dispor sobre greve?

contribuição de solidariedade aos não associados. A participação do Estado no Contrato Coletivo é quase inexistente, restringindo-se apenas a verificar se as cláusulas dele não ferem a ordem social e o interesse público. As normas legais sobre o contrato são diminutas. É assim para que o espaço da negociação seja o maior possível. Para os empregados o Contrato Coletivo de Trabalho poderá trazer como vantagens: ampliação de direitos trabalhistas independentemente da vontade do Estado; possibilidade de maior controle do movimento sindical, sobre a evolução dos direitos do trabalhador pela via da negociação; fixação de novas e melhores condições de trabalho com maior flexibilidade e sem a rigidez da lei que depende, obviamente, do Congresso Nacional. A Organização Internacional do Trabalho valoriza essas vantagens e as defende também por concluir que as normas instituídas pela vontade dos interlocutores sociais têm maior eficácia que as impostas pelo Estado. O problema da demora dos processos na Justiça do Trabalho poderá ser mais bem equacionado desde que no Contrato Coletivo de Trabalho venham a ser previstos órgãos mistos sindicais de conciliação das questões trabalhistas, com força final e definitiva, sem a necessidade da decisão judicial. Para os empresários o Contrato Coletivo de Trabalho favorece a administração da empresa quando esta tem filiais em diversas regiões. É mais difícil para uma empresa aplicar diversos instrumentos normativos. Mais simples é fazer um só instrumento nacional, com, aditivos ou não, no qual os direitos e deveres recíprocos são unificados para todos os estabelecimentos. Outra vantagem é a porta aberta para discutir com os sindicatos problemas de automação,, desemprego, reajustes salariais e flexibilização em situações de crise econômica com a instituição de garantias aos trabalhadores, tudo no sentido de melhorar o nível de relações de trabalho e, com isso, a própria produção. Para se chegar ao Contrato Coletivo é necessário que haja uma fase de negociação prévia, com a participação das entidades sindicais interessadas, bem como das empresas que serão afetadas por suas cláusulas, e que se chegue a um acordo sobre o que será o conteúdo do instrumento. É conveniente que as cláusulas do Contrato Coletivo sejam escritas. Sim, o Contrato Coletivo pode dispor sobre a greve, respeitando-se a legislação vigente.

A CUT com a palavra 1 - Para a CUT, o que é Contrato Coletivo de Trabalho? 2 - Por que, então, utilizam a denominação de Contrato Coletivo de Trabalho?

3 - Quais são os objetivos da CUT em sua luta contra o sistema corporativista e pela adoção do Contrato Coletivo de Trabalho no Brasil?

É sinônimo de sistema democrático de relações do trabalho. Por motivos de natureza histórica, pois em suas lutas por democracia e por liberdade sindical, desde os anos 70, os trabalhadores sempre tomaram como referência os regimes mais democráticos, sobretudo da Europa, onde o Contrato Coletivo é uma constante. Os trabalhadores passaram então a associar contrato individual com autoritarismo e ausência de liberdade e autonomia sindical, e contrato coletivo com a vigência da liberdade e da autonomia sindical. O sistema corporativo em vigor no Brasil tem entre suas principais características a negação ou dissimulação do conflito entre capital e trabalho,, cria todo um aparato legal e jurídico para garantir essa "harmonia" e situa o Estado como representante do "bem comum", no centro e no topo de todo o sistema, e tem no contrato individual a base da relação entre assalariado e empregador. A CUT quer, em primeiro lugar, o reconhecimento do conflito como legitimo e inerente às relações trabalho-capital e a adoção de mecanismos para a sua explicitação. A partir daí, queremos a democratização das relações de trabalho, com a garantia das liberdades e direitos dos trabalhadores e da con-

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4 - Como a Central Única dos Trabalhadores concebe a implantação do Contrato Coletivo de Trabalho no Brasil?

5 - Quais seriam os principais elementos da fase de transição?

6 - Que outras medidas são necessárias para se chegar ao Contrato Coletivo de Trabalho?

tratação coletiva de trabalho; a liberdade e autonomia sindical; a revisão do papel do Estado na relação capital-trabalho; transformação estrutural do aparato jurídico da máquina do Executivo e do Judiciário.no que tange às relações de trabalho; contratação essencialmente coletiva do trabalho, garantidos os direitos individuais. Tudo isso na busca da conquista da cidadania efetiva pelos trabalhadores enquanto classe. A proposta da CUT mantém a mesma linha adotada desde a década de 70: numa correlação de forças que não permite a substituição em profundidade das estruturas existentes, reconhecer a necessidade de transformá-las a partir delas e realizar estágios de transição. A CUT quer superar o sistema corporativo, passando para um novo sistema, democrático, sem cair na "desregulamentação" total. Alterações combinadas na Constituição, na legislação ordinária e na negociação direta entre empregados e patrões, pressupondo a não dissolução e proteção do patrimônio dos sindicatos atuais e a manutenção da eficácia jurídica dos acordos e convenções atuais. Estes instrumentos seriam mantidos e passariam a ser negociados em outro patamar. A manutenção das datas-base, buscando unificá-las por categoria. A criação de uma data-base de referência nacional; organização em massa dos trabalhadores por local de trabalho; sistema permanente e articulado de negociação coletiva; pauta geral negociada pelas centrais sindicais; possibilidade de fixação de direitos e obrigações mínimas em contrato coletivo ou convenção nacional, com seu aperfeiçoamento em negociações por empresa e por local de trabalho; criação de mecanismos de prevenção de conflitos, de direitos e de conflitos individuais. Além disso, seria necessário extinguir o poder normativo da Justiça do Trabalho, passando esta a exercer o papel de "árbitro público", pronunciando-se apenas quando convocada pelas partes; substituição, na CLT, dos capítulos de direito coletivo por legislação de sustento adequada; revisão geral dos capítulos de direitos individuais; correção automática dos salários; processo de recuperação do salário mínimo, como manda a Constituição. Reformar, democratizar e aperfeiçoar os estatutos e o funcionamento das entidades sindicais; popularizar, conscientizando, a discussão sobre o Contrato Coletivo; abolir a unicidade sindical, o imposto sindical e o sistema sindical confederativo; sancionar a negociação no setor público. E ainda: ratificação das convenções 87 e 151 e a adequação legislativa das convenções 98 e 135 da OIT; emenda constitucional consagrando esses princípios; legislação de sustento que aprimore, estimule e dê eficácia para a atividade sindical.

(Fonte: http://actrav.itcilo.org/english/calendar/2002/A1_2744/recurosos/word_documents/05_A_CUT_pergunta_a_OIT_responde.doc - acessado em 26 de fevereiro de 2007)

A tendência atual de segmentação e pulverização do movimento sindical brasileiro é amplamente reconhecida e, nos últimos anos, várias centrais sindicais foram formadas no Brasil, representando diferentes trabalhadores e trabalhadoras de um mesmo setor econômico ou categoria profissional, e até mesmo nas empresas, muito em virtude da terceirização. Com o aprofundamento de experiências exitosas, como a dos trabalhadores bancários e do sistema financeiro, cuja negociação nacionalmente articulada se transformou num exemplo e o advento do Fórum Nacional do Trabalho, instalado pelo Ministério do Trabalho e Emprego, a CUT atualizou suas propostas para a negociação e contratação coletiva, considerando não apenas a diversidade de representações, mas também o novo momento político e institucional que vive o país, tendo como horizonte a liberdade e autonomia sindical. No quando a seguir, estão as principais propostas da CUT.

1. Sobre a Negociação e Contratação Coletiva: a) Instituição do Contrato Coletivo Nacionalmente Articulado. b) Garantir que acordos/cláusulas mais favoráveis aos trabalhadores prevaleçam dentre as negociações

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nos vários níveis; quando estas ocorrerem em âmbito nacional, estadual, regional, local, etc.; c) Os níveis superiores de organização, ou seja, os mais abrangentes, estabelecem os patamares mínimos de acordos / contratos / cláusulas válidas naquele âmbito; d) Garantir a ultratividade dos Acordos Coletivos; e) Fortalecer o Contrato Coletivo por Ramo (ressaltado a necessidade de aprofundar o debate sobre a organização dos ramos); f) Todos os Acordos /Contratos passam pela aprovação em assembléias de base; g) Na estrutura do Ramo, os acordos são válidos para todos os trabalhadores; h) Em relação à negociação e contratação do setor público, deve-se garantir a institucionalização da negociação coletiva nas três esferas (ressaltado a necessidade de aprofundar o debate sobre a estrutura e organização do setor público); i) Atentar para as especificidades dos sindicatos de servidores públicos municipais, em especial quanto ao princípio da autonomia dos entes da Federação, necessitando, portanto de uma formulação jurídica adequada.

2. Sobre a Composição da(s) Mesa(s) de Negociação: a) Pode ser proporcional entre as entidades sindicais; b) Proporcional à representatividade das organizações sindicais, a partir de um patamar(es) mínimo(s) - 10% da base, por exemplo; c) Assembléia Unitária na base aprova o Acordo Coletivo; d) Acordo vale para o conjunto dos trabalhadores da base; e) Assina o Acordo / Contrato o conjunto dos Sindicatos que participaram do processo de negociação.

3. Outras Garantias: a) Devemos garantir o poder de fiscalização por parte das Organizações Sindicais; b) A substituição processual deve representar todos os trabalhadores, e ser autorizada por uma assem(Fonte: www.cut.org.br) bléia de base.

Além da problemática em torno da configuração de estruturas de regulação da negociação, com o estabelecimento de pressupostos e regras aceitas pelas partes: representantes de trabalhadores, do empresariado e o Estado; os resultados das negociações são sempre advindos da correlação de forças entre as partes em negociação e a capacidade de organização, gestão e planejamento de cada uma delas. Organização e gestão pressupõem alguma forma de planejamento, monitoramento e avaliação. Existem métodos de gestão, como o de marco lógico, que é um instrumento eficiente que conjuga o estabelecimento de metas planejado, seu monitoramento e avaliação de resultados. Mas um passo anterior a gestão de processos e o maior desafio das instituições e sujeitos políticos é desenvolver formas de planejamento que atendam a objetivos estratégicos, definindo claramente prioridades e responsabilidades individuais e coletivas, o que requer processos participativos e democráticos. Por isto, consideramos importante trazer aos educadores e educadoras um subsídio específico sobre planejamento. O tipo de planejamento que trazemos foi bastante difundido nos movimentos populares e sindical, especialmente na década de 80. Mas, como tudo que o tempo desgasta e corrói, foi desvirtuado e simplificado até muitas vezes perder o sentido, no afã de se aligeirar processos e atender as demandas, sempre crescentes e mais complexas, da agenda política e sindical. Mas o potencial e a força do planejamento estratégico participativo estão disponíveis, e ele pode ser adaptado a diferentes contextos e necessidades, desde que se paute pela democracia e participação - termos tão gastos pelo discurso e por vezes incompreendidos e esquecidos na práxis. A atuação de dirigentes e militantes nas chamadas mesas de negociação é, digamos assim, o penúltimo ato de uma peça (já que o último seria, nas entidades democráticas, a assembléia de base que delibera sobre o negociado) em que, anteriormente, se desenvolveu o roteiro, a seqüência dos atos, se escolheu atores e atrizes e se baseou no estabelecimento de determinados conflitos (no teatro conflitos dramáticos, a tensão que permeia toda a ação dramática); em torno do qual se estabelece a trama, o

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drama ou a comédia. Antes do último ato, muito coisa vai ocorrer, muitos estudos, ensaios, projeções, etc. Podemos dizer que o papel do planejamento é estabelecer um roteiro, verificando os cenários possíveis e buscando prever e antecipar as ações do antagonista, ou adversário. Também define, por seu lado, os atores e atrizes que participarão da peça, e de modo simplificado, suas falas, com dados e subsídios para os sempre importantes e fundamentais argumentos utilizados nas mesas de negociação. Vamos, então, ao planejamento!

Introdução ao planejamento Gilberto Barbosa da Silva O problema consiste em saber se somos arrastados pela força da correnteza do rio dos acontecimentos em direção a um fim desconhecido ou se sabemos aonde chegar e estamos conduzindo, ou contribuindo para conduzir o movimento das coisas nesta direção. Carlos Matus. POR QUE PLANEJAR? Atuando na perspectiva de disputa da contra hegemonia política em formação e qualificação profissional, compreendemos que não nos bastará ter um bom programa ou curso de formação. A ação formativa deverá, em suas diversas fases, estar socialmente legitimada; ser capaz de comprovar sua eficácia transformadora e ser parte constitutiva da dimensão transformadora no percurso formativo, rumo à uma sociedade mais justa e democrática. Para tanto, é fundamental utilizar o instrumento do planejamento. QUEM PLANEJA? Todos, de uma forma ou de outra, planejamos todo o tempo nossas atividades cotidianas, desde as mais simples até as mais complexas. A simples ida ao supermercado tem como pressuposto um plano e, conseqüentemente, o planejamento. Se não, vejamos: antes de ir ao supermercado quais decisões devemos tomar? Estas e uma série infindável de outras perguntas provavelmente fazemos quando do planeja mento de uma atividade simples e corriqueira como esta: repor os estoques de gêneros alimentícios de nossas casas. Por sua simplicidade, aquela é uma atividade que, embora exija uma boa dose de criatividade em nossa estratégia de sobrevivência, é realizada de forma quase intuitiva. Ir ao supermercado não requer sofisticação de planejamento, mas nem por isso deixa de nos exigir plano, planejamento e governabilidade. Por outro lado, se a atividade a ser cumprida pressupõe ação coletiva; interesses conflitantes; disponibilidades diferenciadas entre os atores nela envolvidos, recursos financeiros limitados e, portanto, ausência de governabilidade absoluta sobre o plano, aí então deveremos dispor de um instrumento metodológico poderoso de planejamento, pois que, em assim não o sendo, todo o plano correrá risco de submergir no fracasso. PLANEJANDO EM UM MEIO HOSTIL Vejamos esta situação: já há alguns anos se discute a possibilidade de promover a transposição de águas do rio São Francisco, como forma de resolver o problema da seca em certas regiões do Nordeste brasileiro. O governo deste plano (transposição de águas) se depara, aparentemente, apenas com a necessidade de planejar a relação do homem com a natureza. O rio São Francisco, de moto próprio, e ao que consta, não tem se recusado a permitir ser transposto. O governo dispõe dos recursos financeiros necessários à transposição e, também, da base tecnológica para tanto. No entanto, o rio continua correndo para o mar em seu curso natural e dezenas de brasileiros, flagelados pela seca, continuam migrando para o Sul-Sudeste do país, naquele movimento que tem sido considerado a diáspora nordestina. Então, qual é afinal o problema?

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Passa que o planejamento da ação, no exemplo acima não buscará dar conta de relações estáticas (homem x natureza), onde a governabilidade do plano pode se dar de forma absoluta. Muito pelo contrário, executamos nosso plano em um meio hostil e contraditório. Lembremos que disputar a contra hegemonia na sociedade, pressupõe a existência de uma situação atualmente hegemônica; de outros interesses que norteiam os planos de outros atores sociais e a própria condição de disputa. As águas do rio São Francisco ainda não foram transpostas por força dos diversos interesses políticos que perpassam a questão da seca nordestina. Portanto, não é demais lembrarmos que, assim como naquele, também no nosso caso: (...) o planejamento deve admitir que o meio no qual se desenvolve é um meio resistente, que se opõe à nossa vontade, e que tal oposição não provém da natureza, mas de outros homens com diferentes visões, objetivos, recursos e poder, que também possuem um cálculo sobre o futuro e têm iguais ou maiores possibilidades que nós de conduzir o processo social por um caminho que diverge do nosso. (MATUS. 1993)

Ou, em outras palavras, o nosso plano e o nosso planejamento estarão permanentemente confrontando-se com outros planos e planejamentos de setores sociais com interesses conflitantes e/ou antagônicos aos nossos. Se o nosso plano e o campo onde o estaremos operacionalizando estará minado por interesses conflitivos e, até mesmo, antagonicamente contraditórios, algum instrumental metodológico de planejamento, parece-nos, impõem-se como necessário. INSTRUMENTO ORGANIZATIVO O planejamento, enquanto instrumento que facilita a leitura da realidade com suas demandas e facilita a definição de uma estratégia organizativa e operacional mais adequada para se atingir melhores resultados é um precioso recurso para os educadores e também para os governantes. Trata-se de um poderoso recurso político para decidir e organizar a intervenção transformadora. (ARROYO. 1996)

Desta forma, se tratamos o planejamento como uma forma de se exercitar a democracia, também o tratamos como forma de se exercer poder. Assim, "cada vez que ensinamos ou nos apropriamos de um eficaz instrumento de planejamento, estamos politizando e qualificando nossa ação transformadora. Em síntese, planejamento é um instrumento político que qualifica a ação" (ARROYO. 1996) A correta leitura da complexidade dos conflitos com os quais iremos nos deparar e, por sua vez, a maior ou menor complexidade de nosso próprio plano, deverão ser o pressuposto de nossa opção metodológica quando, em fim, tivermos que fazer uma opção dentro do rol de disponibilidades.

As concepções CONCEPÇÃO NORMATIVA Entende a realidade como uma coisa estática, regida por normas, leis ou regras que garantem a sua perfeita harmonia. Os métodos de planejamento concebidos a partir desta visão seguem a lógica e o procedimento da medicina: para erradicar o mal e devolver a saúde, equilíbrio e harmonia ao doente, há que se fazer um correto diagnóstico da situação; esse diagnóstico revelará as medidas a serem tomadas. Por trás desses métodos, há uma forte influência positivista da ordem e do progresso e do próprio funcionalismo. É muito comum esta percepção reforçar a dicotomia entre o saber e poder. Geralmente, quem possui a capacidade de fazer diagnósticos é um técnico especializado na leitura da realidade, o qual também possui a capacidade técnica de formular o plano de ação. A prática tem mostrado que muitos planos de ação normativa sugeridos por assessores podem ser tecnicamente corretos e politicamente inadequados. Essa incoerência explica-se por causa de dois fatores fundamentais: a) Por se considerar a realidade de maneira estática, passível de ser compreendida de maneira inequívoca e absoluta por quem possui o conhecimento técnico; b) Com a dicotomização entre saber e poder, aos técnicos é reservada a faculdade do saber (diagnosticar e propor soluções) e aos políticos ou dirigentes decidir e executar. A concepção normativa de planejamento não é totalmente equivocada. Existem nela contribuições

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(especialmente de ordem epistemológica) que outras concepções irão resgatar ou recriar. CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA Entende a realidade de maneira dinâmica, em permanente conflito ou disputa, onde o grande desafio dos oponentes ou contrários é vencer. Numa compreensão mais radical do conflito, não existe a possibilidade dos oponentes conviverem no mesmo espaço, um terá que vencer eliminando o outro. As práticas de planejamento estratégico são muito antigas. Elas têm sido desenvolvidas pelos militares no âmbito da guerra com o objetivo de garantir a vitória sobre o inimigo. Na década de 1960, esta noção de planejamento estratégico foi introduzida no mundo empresarial a fim de garantir o sucesso na disputa do mercado. Nas últimas décadas, a noção de planejamento estratégico vem se incorporando às mais variadas situações que pressupõem embate, confronto ou conflito entre dois ou mais sujeitos. A apropriação mais nova poderá ser observada dentro do mundo esportivo. Os técnicos das equipes de futebol, voleibol, hóquei, atletismo, natação, etc., vêm incorporando nas práticas esportivas orientações táticas de um plano estratégico a fim de garantir a vitória. A expressão jogar pelo resultado não é hoje estranha para ninguém, mesmo quando isso, na prática, signifique abandonar a técnica ou a própria arte. Este tipo de planejamento é centrado na capacidade imaginativa do estrategista (às vezes estranho à situação), que apostará parte significativa do seu plano operacional na exploração das incapacidades, limitações, fraquezas e erros do inimigo. Cuidando para não subestimar o potencial do inimigo, no máximo o que fará é simular situações de ataque-surpresa. CONCEPÇÃO PARTICIPATIVA Entende a realidade na dinâmica da sua globalidade. O todo se compõe na interação das partes. Ocorre que as fragmentações ou as parcialidades, quando entram em interação, constroem uma globalidade, que não é a mesma coisa que total ou tudo. Esta concepção resgata o sentido político da interação e da globalidade. Reforça a construção coletiva do conhecimento sobre uma determinada realidade e a soma de esforços. Este tipo de planejamento resulta na democratização do saber e do poder, estimulando a cooperação e a co-responsabilidade tanto na hora de se tomar decisões sobre o conjunto das ações a serem organizadas, como na hora de implementá-las. O planejamento participativo: (...) partindo do princípio de que o homem necessita viver em comunidade, desenvolve um trabalho que desperta os diferentes grupos para os seus problemas e para o desejo de se encontrar a melhor forma de resolvê-los, usando para isso seus próprios recursos. (Vianna, 1986:20)

CONCEPÇÃO ESTRATÉGICA SITUACIONAL Nada mais é que uma tentativa de síntese das diversas concepções mencionadas anteriormente. Ela entende a realidade em permanente movimento, conflito e mudança. Dentro dessa realidade situam-se os diversos atores sociais com as mais variadas leituras e intenções de ação, o que demanda, no exercício de planejamento, construção coletiva na diferença e co-responsabilidade nas decisões. Os métodos de planejamento orientados por esta concepção buscam rigorosamente estabelecer uma correta relação entre o saber e o poder, o indivíduo e o coletivo, o igual e o diferente. Essa concepção é estratégica porque não ignora o conflito, pelo contrário, todo o processo de organizar a ação é orientado por ele. Aqui parte-se do princípio de que diversos atores manifestam interesse positivo ou negativo no mesmo campo de intervenção. Quem planeja nunca pode esquecer que os outros também jogam. Deste modo, todo o plano de ação é uma aposta num jogo disputado por diversos atores. Isto exige uma postura estratégica, um conhecimento global sobre as melhores possibilidades de sucesso, estabelecer a relação mais adequada entre as diversas opções a serem adotadas, testar o plano de apostas simulando situações de mudança, levar sempre em consideração as jogadas do outro. Esta concepção é situacional porque, partindo do princípio de que não existe uma única e inequívoca leitura da realidade, o conhecimento é construído coletivamente na interação dos diversos

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conhecimentos. Cada indivíduo, ou cada ator social, possui uma leitura da realidade a partir da sua situação, perspectiva ou ótica. As pessoas e também os grupos inserem-se de modo diferente na realidade. A partir da sua perspectiva fazem leituras (interpretações), definem interesses, tomam decisões e agem. A dimensão situacional vem ao encontro das práticas participativas, no sentido que o ator que planeja é um ator coletivo (composto de diversos indivíduos diferentes) que no processo de diálogo constroem um olhar comum (a partir da diferença) enquanto explicação da realidade e enquanto decisão sobre a ação a ser organizada. Estes dois elementos (estratégico e situacional) fazem dos métodos de planejamento um poderoso recurso político, no qual o conhecimento e o poder pertencem ao ator coletivo que planeja. Isto supera a dicotomia entre conhecimento dos técnicos e decisões dos dirigentes. O ator é responsável pela leitura da realidade e suas demandas (análise da realidade, diagnóstico), pelas decisões a serem tomadas (estratégia de ação) e por realizar a ação (fazer). Não se trata apenas de colocar em relação saber e poder, mas também de estabelecer a relação mais adequada entre saber, decisão e ação. Este tipo de planejamento é o mais exigente exercício de democracia. Ele desafia a democratizar o saber e o poder. A noção de ator reforça o aspecto coletivo (contrapondo-se ao individualismo), a participação na diferença (não há coletivo homogêneo) e a igualdade de opinar e decidir (todos têm os mesmo direitos). A noção de outros atores contrários e que também planejam, força o ator a olhar para fora de si e permanecer em estado de alerta permanente. Isto significa que a democracia se faz na diferença e na disputa. Democracia nem sempre significa consenso. Esta concepção de planejamento foi desenvolvida pelo economista chileno Carlos Matus no final da década de 1970 e tem inspirado pelo menos três métodos amplamente divulgados no Brasil: PES (Planejamento Estratégico Situacional), ZOPP (Ziel Orientierte Projekt Planung = Planejamento de Projetos Orientado por Objetivos) e MAPP (Método Altadir de Planejamento Popular). A diferença entre um e outro está na capacidade de lidar com situações de maior ou menor complexidade.

Comparativo entre Concepções de Planejamento TRADICIONAL/NORMATIVA Unidimensional Planejamento feito a partir dos recursos econômicos Determinístico Há uma única explicação verdadeira Descontextualizado Planejamento em abstrato, sem se situar na realidade Planejamento sem atores sociais, não existe o outro Planejamento com proposta de ação para o político, com anúncio de resultados previstos Planejamento feito por técnicos e especialistas

ESTRATÉGICA SITUACIONAL Multidimensional Planejamento a partir do econômico, político, social, cognitivo, etc Ë um jogo Trabalha com a incerteza Contextualizado Planejamento dentro de um contexto explícito, parcialmente enumerável Planejamento leva em conta a existência de outros atores sociais, que também jogam Planejamento trabalha com vários planos de ação, segundo as circunstâncias Planejamento feito por quem governa

AS METODOLOGIAS Existe uma diversidade em metodologias participativas que permite a grupos ou organizações discutirem seus problemas e definirem suas atividades de forma coerente e organizada. Podemos citar, a título de exemplo: a Metodologia para Resolução de Problemas (MRP), difundida pelo Sebrae; o Método Altadir de Planejamento Popular (MAPP), utilizado principalmente por sindicatos e agremiações correlatas; o Método de Análise e Solução de Problemas (MASP), aplicado pela Infraero; o Psicodrama, utilizável na solução de problemas grupais; o Processo Criativo de solução de Problemas (PCSP), utilizado na iniciativa privada,

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entre outros. Todos, em maior ou menor grau, participativos, e utilizando algum tipo de visualização e/ou moderação. ADOTANDO UM MÉTODO Antes de decidirmos pela adoção de qualquer método é essencial acreditar na importância e na necessidade de planejar se quisermos obter resultados concretos, ou modificá-los. Carlos Matus (1993) costuma dizer: "a alternativa ao planejamento é a improvisação, ou a resignação, e ambas são uma renúncia à conquista de novos graus de liberdade." Quem quiser emagrecer, por exemplo, vai escolher um método, e vai ter de segui-lo com disciplina, e durante certo tempo. Só depois pode razoavelmente pensar em mudar de método ou criar seu próprio método, mas sempre vai ter de aceitar uma disciplina e uma continuidade. Para planejar, também é necessário um método. Um método é sempre uma camisa de força, e ele se torna um verdadeiro peso quando praticado como um mero regulamento burocrático. Mas ele se parecerá com trilhos que nos levam com mais velocidade e mais segurança, quando escolhermos com liberdade nosso destino, e o trem como meio de transporte. Então, já não perceberemos mais os trilhos e iremos como que voando para a cidade escolhida.

O MAPP - Método Altadir de Planejamento Popular O MAPP TRABALHA O ATOR É o nome que o MAPP dá à equipe que está planejando. (Ator também no sentido de autor, o sujeito do ato e não no sentido de quem representa uma personagem). Foi uma das grandes revelações para Carlos Matus depois de sua experiência chilena: por mais competentes que estejam os planejadores, mais bem intencionados e mais em sintonia com os destinatários do plano, este vai ficar no papel ou nas boas intenções se não se garantir o primeiro princípio básico: PLANEJA QUEM EXECUTA, EXECUTA QUEM PLANEJOU. A equipe que planeja deve definir o que faz a sua homogeneidade, a sua identidade de grupo, porque ela vai ter de planejar o que depende dela como equipe, atividades sobre as quais ela tem poder e autoridade. O MAPP PARTE DOS PROBLEMAS Parece uma limitação porque parte do negativo; e pode ser que, em alguns casos de desesperança, não seja psicologicamente indicado, ou que se precise de maior sensibilização ao positivo que vai sair do planejamento. Mas nossa tendência ao corporativismo e ao ufanismo bem que merecem uma chamada à autocrítica realista. E, mais na frente, o método vai trabalhar o sonho e a esperança. Depois de levantar os problemas, tem de fazer uma seleção. Como uma das técnicas do MAPP é o trabalho em grupo, cada equipe trabalhando com problemas, temos que ficar com tantos problemas quantas equipes de trabalho o conjunto é capaz de formar. Aqui também a frustração inicial, de parecer deixar de lado problemas importantes pode ser superada pela verProblema ificação de que tudo está interligado, e a reflexão sobre o É o resultado de um jogo fato de que querendo abraçar coisas demais a gente terpara um determinado ator mina soltando tudo e acaba não fazendo nada. social, sempre que este o reconheça como insatisO MAPP ANALISA OS PROBLEMAS fatório e evitável. Toda formulação encerra em si uma série inconUm problema é produto de uma declaração tável de interpretações ou conceitos que utilizamos para de um ator social. Antes de essa declaração definir nossos problemas. Por isso, é fundamental que ser feita, é mera necessidade sem demanda antes de elaborarmos propostas de ataques a uma situpolítica. Ao declarar um problema, o ator ação, façamos um detalhamento do que entendemos e social assume o compromisso de enfrentá-lo. dominamos frente ao que nos é incômodo. A isto chamamos de explicar nosso problema. Explicar bem

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uma determinada situação é fundamental para um bom ataque. Busca dos Descritores: tem tantos problemas que são teóricos, gerais, que podem levar a escrever belas frases, mas não a planejar... O MAPP nos obriga a provar que o problema existe no concreto e não no discurso teórico; é o que ele nossa mpre que a chama descritores. Onde, quando, com que freqüência, , Lembrar se da realidade o ã s r e v a com quem, com que intensidade, o problema está se m licação é u ca versão. manifestando? É o que se costuma chamar "botar o exp nunca a úni e dedo na ferida". A descoberta dos nós críticos: um nó crítico é uma ou várias das causas apontadas como explicação do descritor e que tem uma influência decisiva na sua existência. Se a gente pudesse remover esta causa o descritor iria desaparecer ou seria fortemente modificado. Mas é também indispensável, para que se possa falar em nó crítico, que a intervenção esteja ao nosso alcance de ator, que tenhamos o poder de mexer nele de maneira significativa, para a supressão ou diminuição do descritor. Com muitos nós críticos, de novo a obrigatória diminuição. Se não houver consenso, mais tarde a realidade nos ajudará. Descritores e nós críticos são os achados do MAPP para uma análise produtiva do problema. O MAPP TRABALHA O DESEJO A gente planeja porque tem um projeto de vida ou de sociedade, porque tem desejo de coisas melhores, porque tem o sonho de um mundo diferente. O MAPP dedica tempo a trabalhar o nosso sonho: como a realidade atual poderia apresentar-se, no fim do prazo do plano, se realmente todo mundo empenhado no planejamento acreditasse e participasse? Qual é o novo rosto que vale a pena ser sonhado no lugar da cara atual? Para dar mais amplitude, e sonhar acordado, (e não cair numa simples transposição mecânica do negativo para o positivo) costumamos sonhar somente a partir dos descritores e dos nós críticos.

Prioridade

D1

DESEJOS

CONSEQÜÊNCIAS

DESCRITORES

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NÓS

ÁRVORE EXPLICATIVA

A SEGUIR: ÁRVORE EXPLICATIVA

CAUSAS


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O MAPP AVALIA O PLANEJADO Nada de muito inovador. Mas na maneira de fazer vale a pena destacar: " Para passar do nó crítico à nova situação sonhada, temos de prever uma série de ações que o MAPP chama de operações e sub-operações, para bem marcar que se trata de um fazer, e não simplesmente recomendações ou declarações de intenção. " Avaliamos primeiro, a viabilidade da operação (eficácia, recursos necessários, humanos, políticos, financeiros; a eficiência). " Daí, com as operações que passaram neste critério; temos de avaliar a vulnerabilidade e gov ernabilidade, porque os outros também planejam. " É hora de pensar nos aliados necessários, nos adversários possíveis, nas surpresas prováveis, nos cenários futuros diferentes do contexto atual, e cada vez pensar numa outra operação-resposta possível a todos estes elementos que não dependem somente dos planejadores do lado de cá. " É hora de pensar quem vai ficar com as responsabilidades (tem gente para cada operação?), trabalhar os prazos necessários (temos tempo suficiente?), um orçamento aproximado (temos o dinheiro?). O MAPP É UM PLANEJAMENTO GLOBAL Apesar de trabalhar uma boa parte do tempo em grupos separados, sobre problemas diferentes, o MAPP pretende chegar a um planejamento global. Por isto, a escolha dos problemas a serem aprofundados é feita em plenário, com o ator ao completo. As técnicas propostas ajudam a chegar a um consenso político, sem passar pelas tradicionais defesas de propostas ou brigas entre tendências. Durante o trabalho dos grupos, visitas rotativas são possíveis, para troca de questionamentos. Uma é necessária, depois do sonho. No fim do trabalho dos grupos, uma grande plenária de decisões e compromissos políticos para compor o painel do plano global. Não tem mais grupos separados, cada um defendendo seu produto, mas o ator escolhendo o melhor e o factível para o conjunto. Neste momento, vão ficar como decisão somente as operações que o conjunto é capaz de assumir (quem executa é quem planeja). A mesma plenária escolhe o coordenador ou a coordenadora do plano, um responsável por cada operação com sua respectiva equipe de apoio, e verifica os prazos e o calendário. O MAPP É UM MÉTODO DE GESTÃO A gestão começou com esta plenária final de decisões. Cada equipe de cada operação (ou programa) vai, ao longo do plano, acompanhar, ao seu ritmo, a execução e as correções necessárias, em todos os aspectos. O comitê gestor (= o coordenador geral + os responsáveis de operação) também com seu ritmo de reuniões, vai juntar, articular e compatibilizar estes aspectos particulares em um plano global inteligente e dinâmico e confrontar isto com o cotidiano da entidade (inclusive os orçamentos). Isto exige uma volta constante ao que foi planejado e ao seu por que, uma avaliação do que andou ou não, com as explicações, e uma capacidade de acompanhar o novo com a coragem de renovar ou substituir o que foi planejado no seminário. O MAPP planejou a partir de alguns problemas. A vida cotidiana, no que ela é "rotina" sem problemas não foi planejada, mas é também vida e ações. A gestão deve prever momentos e mecanismos dentro da estrutura da entidade para o encontro/confronto das duas realidades (plano e solicitações cotidianas) e adequar uma à outra. É um aspecto delicado, mas essencial para a gestão do plano. O MAPP OFERECE TÉCNICAS (A VISUALIZAÇÃO) Técnicas de visualização na arrumação de painéis ordenados e claros não são propriedade do MAPP. Alguns reduzem o MAPP, falando, sobretudo, das famosas árvores (explicativa e do desejo), mas elas são simplesmente técnicas que podem, ou não, ser adotadas. Elas não são e nem resumem o método. Uma técnica bastante utilizada é a das chamadas tarjetas, ou cartelas: cada idéia é descrita, em poucas palavras, uma idéia por cartela. Todos escrevem e, depois, se faz um trabalho de arrumação, de

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síntese, escrevendo novas cartelas se necessário, até o grupo concordar que o que ficou exprime seu pensamento sobre o assunto. Mais do que uma técnica, é uma maneira rica de viver a participação democrática de todos, sem priorizar os "bons de discurso", que, assim como os demais, deverão resumir em poucas palavras um tão convincente discurso. A presença de um monitor é uma necessidade do método, para facilitar que o percurso seja feito conforme o desenho dos trilhos e que as técnicas ajudem e não escondam o essencial. O monitor (moderador) será o elemento que deverá garantir o espírito do método. Ele não planeja, é um facilitador do planejamento e, por isso, ele deverá ser alguém externo ao grupo que planeja, ele não é ator. Mesmo para os grupos que dominam bem a prática do MAPP é bom contar com a presença de monitores. Há de se acrescentar aqui a questão do tempo. Para que o método seja bem vivido e possa tranqüilamente se permitir voltar atrás é necessário ter tempo (a cada momento o método proporciona a possibilidade de retificar o que já parecia definitivo: os descritores encontrados sugerem outra formulação do problema, ou o descritor deveria ter sido outro, ou o nó crítico foi mal escolhido, etc.) A gestão é a arte da fidelidade ao planejado combinada com a arte da adaptação criativa às mudanças da vida. O planejamento é participativo: não se planeja para que outros executem. Planeja quem tem poder de governar o plano e, portando, responsabilidade de executar a ação. O ator no planejamento será, necessariamente, ator principal na execução da ação; O planejamento é estratégico: enquanto a gente planeja do nosso lado, os outros ao nosso redor também planejam. O planejador não pode perder de vista que o plano, e o planejamento, operacionalizam-se em um campo hostil; O planejamento é situacional: ele não é um documento rígido, um dogma intransponível, mas uma inspiração fundamental com a qual a gente é capaz de improvisar conforme o "clima", as circunstâncias (situações) e o público. A VISUALIZAÇÃO Segundo estudos, 83% dos estímulos externos que recebemos são visuais. Entretanto, em nossos locais de trabalho ou nas instituições onde militamos, a comunicação é quase inteiramente verbal e discursiva, sendo raras as vezes em que utilizamos recursos visuais para sustentar nossas falas. Entretanto, a visualização no processo de debates e a utilização de recursos visuais potencializam nossas possibilidades de aprendizado e comunicação. Em processos de moderação grupal, os elementos de visualização podem ser utilizados de inúmeras maneiras. Esta proposta, ainda que não exclua outras; está baseada na visualização com tarjetas. A tarjeta é um cartão de papel (11 x 22 cm) de diversas cores, a partir da qual se desenvolve e se documenta o processo de discussão grupal. Nelas os participantes respondem às perguntas formuladas pelo moderador, escrevendo suas idéias e opiniões. Uma vez preenchidas, o moderador recolhe-as e as afixa em painéis de papel com alfinetes ou argolinhas de fita crepe. A partir do momento em que o conjunto de tarjetas está exposto para todo o grupo, os participantes iniciam o processo de discussão do assunto em questão. REGRAS ÚTEIS PARA TRABALHAR COM VISUALIZAÇÃO EM TARJETAS Agora, destacaremos regras básicas para o trabalho de moderação com a utilização de tarjetas.

UMA IDÉIA POR TARJETA Quando se utiliza a visualização em tarjetas, é imperativo que seja escrito apenas uma idéia, um argumento, uma opinião por tarjeta. Uma das grandes vantagens deste meio reside na sua flex ibilidade: as tarjetas podem ser ordenadas e reordenadas quantas vezes forem necessárias. Se uma tarjeta contiver duas idéias, ainda que conexas, mas que respondam a critérios diferenciados, no momento de ordená-las, ela teria que ser reescrita em duas novas tarjetas.

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USAR FRASES AUTO-EXPLICATIVAS Ainda que as tarjetas apóiem e resumam a palavra oral, no trabalho de moderação estas devem ser auto-explicativas . Isto é, as frases escritas devem ser completas, com verbo, sujeito e objeto, de forma a garantir o entendimento "universal" sobre aquilo que está escrito. Isto não é possível quando os participantes utilizam palavras soltas ou títulos que requerem explicações adicionais. Em moderação com tarjetas vale a palavra escrita . As explicações ou falas que a apóiam tendem a ser esquecidas rapidamente. O GRUPO SEMPRE É SOBERANO Atendendo o princípio da soberania do grupo, é este quem decide se as formulações das tarjetas estão aceitáveis ou não. Aceitação não implica em concordância imediata com o conteúdo; refere-se apenas ao acordo do grupo em relação à formulação ou compreensão da tarjeta. O PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA Tanto para o moderador quanto para os participantes, vale o princípio da mais absoluta transparência no processo de trabalho com tarjetas.Vale dizer que cada tarjeta é uma opinião de uma pessoa e, por isto, merece todo o respeito por parte do moderador e dos outros participantes. Para garantir este princípio, alguns procedimentos devem ser rigorosamente observados durante a moderação. 1) Qualquer alteração - exclusão, reformulação, adição - em toda e qualquer tarjeta, deve ser feita na presença do grupo e com seu expresso consentimento. 2) Qualquer mudança nos painéis deve contar com a concordância do grupo. 3) Nenhuma tarjeta pode ser eliminada da discussão sem a aceitação do grupo. 4) Nenhuma tarjeta, por mais "incômoda" ou supérflua que possa parecer, pode "desaparecer". 5) Um painel contendo um conjunto de tarjetas, que refletem um passo do processo de discussão, estará finalizado e encerrado quando o grupo assim o decidir.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Independentemente do âmbito em que atuem, ou seja, sindicatos, federações ou confederações e centrais sindicais, é importante que os dirigentes e militantes conheçam os diferentes espaços de negociação e a abrangência de seus resultados. No Brasil, existe muito espaço para conquistas, e, além disso, quanto mais avança a democracia e se transforma a sociedade, novas pautas são geradas e novos direitos são requeridos. Isto é um fato, ainda que se parta do princípio de que uma negociação de menor abrangência não pode retirar conquistas obtidas em âmbitos mais amplos ou superiores, e que as garantias e direitos conquistados em Lei não são negociáveis, ou seja, não perdem efeito devido às negociações entre representantes de trabalhadores e empresariado. Os textos anteriores, em especial a entrevista entre a CUT e a OIT, dão uma dimensão do potencial e importância do Contrato Coletivo de Trabalho e a perspectiva de estabelecer um Contrato Coletivo Nacionalmente Articulado. Sugerimos que se parta da realidade dos dirigentes e militantes presentes nos cursos, identificando, junto com eles, os âmbitos e abrangências da negociação que praticam e conhecem. Após isto, é saudável que um breve debate traga oportunidades de controvérsias e problematizações por meio de questões como: Quanto aos resultados, o que diferencia uma negociação de outra? Qual o âmbito mais importante de negociação? Por quê? A seguir, pode-se trabalhar com os textos aqui disponibilizados, inclusive com atividades em grupo, que sempre requerem uma sistematização e apresentação posteriores, além de se criar, mediante um debate fino, um consenso geral da turma sobre o aprendido. Para os aprendizados sobre planejamento e sua utilização, pensamos que a melhor sugestão é que os cursistas realizem atividades práticas de planejamento, seja na sua entidade, seja em situações simuladas

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para o grupo de alunos do curso. Evidente é que situações reais tendem a oferecer problemas reais e soluções melhor amadurecidas no coletivo, pois coisas concretas estão em jogo. Mas, se não houver possibilidade, pode-se enfrentar situações-problemas criados pelos próprios dirigentes e militantes, para que outros grupos solucionem. Seguindo-se o texto sobre planejamento, pode-se solicitar que os grupos utilizem um roteiro a priori (quando servirá de subsídio para a atividade prática) ou a posteriori (quando servirá de subsídio para avaliar e aprimorar a prática), tratando desde as concepções de planejamento até a escolha e aplicação de um método.

A negociação da qualificação profissional Quando estamos falando de relações entre capital e trabalho, um resultado favorável na mesa de negociação do ponto de vista dos trabalhadores não favorece, na maioria das vezes, os empregadores e vice-versa, afinal estamos tratando de interesses antagônicos. Mas, muitas vezes estamos abordando temas que interessam a ambas as partes, ainda que por motivos distintos. É o caso de um tema que, embora relativamente novo nas pautas de negociação, começa a ser visto por trabalhadores e empregadores como necessário e importante, que é o tema da qualificação profissional. Do ponto de vista do movimento sindical, certamente esta reivindicação não mobiliza da mesma forma que outras, como as questões salariais, que dizem respeito aos interesses imediatos dos trabalhadores e trabalhadoras. No entanto, a sua inclusão na negociação pode trazer benefícios imediatos e a médio e longo prazos. A empresa se beneficia com a melhoria da qualidade dos serviços executados, a produtividade cresce, enquanto que para os trabalhadores uma melhor qualificação proporciona maiores oportunidades dentro e fora da empresa. A qualificação profissional, ao longo do tempo, passou a ser encarada como um direito dos trabalhadores e trabalhadoras, já que é um dos aspectos fundamentais da valorização do trabalho e critério para inserção no mercado de trabalho, devendo, do ponto de vista do movimento sindical, ser garantida pelo Estado e pelos empregadores por meio de processos de negociação. A seguir, veremos um breve histórico do desenvolvimento do conceito de qualificação profissional e, do ponto de vista dos trabalhadores, como sistemas de negociação e concretização da qualificação podem garantir aos trabalhadores e trabalhadoras este direito.

A qualificação e certificação profissionais e os trabalhadores Marta Regina Domingues O termo qualificação profissional surgiu na década de 1940, na França, quando Georges Friedmann começou a investigar as formas como os trabalhadores e trabalhadoras realizavam o trabalho em empresas fordistas, inaugurando a sociologia do trabalho. Desde então, o conceito de qualificação profissional foi sendo construído a partir de diferentes pontos de vista: sociológico, psicológico, educacional e gerencial. O fordismo, por sua vez, é um modo de produção, ou seja, é um sistema organizado para produzir bens, idealizado por Henry Ford, no início do século XX, nos Estados Unidos, dando origem à indústria automobilística. Ford montou a produção de automóveis utilizando máquinas (no final do século XIX, a descoberta da energia elétrica e do motor a combustão de derivados de petróleo revolucionou o mundo do trabalho) e organizou a forma de se trabalhar utilizando o modelo de administração criado por Friedrich Taylor. A administração científica do trabalho - taylorismo, se caracteriza, em linhas gerais, pela separação entre quem concebe/planeja o trabalho e entre quem executa/faz o trabalho; pela existência de vários níveis hierarquizados de chefia, que administram uma produção organizada pela divisão, em várias parcelas, das "linhas de produção", e pela produção em massa de produtos padronizados. Assim nasceu o fordismo/taylorismo. Esse modo de produção se transformou em um paradigma, ou seja, num conjunto de regras e modos de produzir e se relacionar no mercado e na sociedade que tende a se generalizar nas sociedades

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capitalistas, permitindo o aumento da produtividade no trabalho, a melhora das condições de extração de mais-valia e o aumento dos lucros em menor tempo, alimentando assim a competição e concorrência entre capitalistas e atendendo a tendência sempre crescente de super acumulação e valorização do capital. Junto com a organização do trabalho, um modo de produção é constituído por aspectos políticos, econômicos e sociais. O surgimento das indústrias modernas foi acompanhado de outras transformações, como o estabelecimento de normas salariais, o consumo massivo de bens duráveis, o investimento do Estado em infra-estrutura (estradas, ferrovias, construção civil, etc.). A atuação sindical também foi impactada. O ritmo intenso do trabalho imposto pelas linhas de produção, as longas jornadas e as condições insalubres dos ambientes de trabalho foram generalizadas para as populações fabris. O mesmo não se pode dizer sobre os padrões salariais suficientes para um consumo de massa, que não se generalizaram no mundo capitalista, em especial no Brasil. A luta sindical e a organização dos trabalhadores se ampliaram. Para os trabalhadores, um dos maiores efeitos do fordismo/taylorismo foi a separação entre concepção e execução, pois neste período, a "mão-de-obra" no mercado de trabalho simbolizou um trabalho manual (e não intelectual) que, para ser realizado não exigia, em geral, sequer a alfabetização dos trabalhadores. A alienação e o estranhamento dos trabalhadores, apartados da definição e destino dos produtos de seu trabalho se sofisticou e aprofundou neste período. Aos níveis de chefia e administração das empresas reservaram-se os maiores salários, e a distinção entre trabalho intelectual e manual se estabeleceu inclusive nas formas de cálculo e recebimento dos salários (horistas e mensalistas), na alimentação fornecida, nos benefícios e formas de promoção nas empresas, etc. Entre estes dois extremos, situaram-se os trabalhadores especializados e semi-especializados, em alguns setores como a ferramentaria, moldagem, manutenção, dentre outros. Estes são exemplos do setor automobilístico, mas que têm paralelos nas indústrias em geral, no comércio e nos serviços, e inclusive no serviço público. Uma implicação central do fordismo/taylorismo para os trabalhadores foi a diminuição do controle individual sobre o processo produtivo se comparado ao modo de produção artesanal nos primórdios do capitalismo. Se no capitalismo paulatinamente os meios de produção ficaram sob o domínio dos empresários - prédios, máquinas, insumos, tecnologia, restando aos trabalhadores vender sua força de trabalho em troca de salários; o controle sobre o processo produtivo; o que se produz, quanto se produz, de que forma se produz, a comercialização, o preço, o lucro, etc.; passaram a ser vital tanto para empregadores/empresários quanto para os trabalhadores e para o sindicalismo. As divisões social e técnica do trabalho aprofundadas com o surgimento das indústrias de manufatura nos primórdios do capitalismo se tornaram, no movimento de expansão inerente ao Capital (possibilitado muitas vezes pelo desenvolvimento científico e tecnológico), altamente complexas durante o século XX e alteraram historicamente o processo produtivo do trabalho e, conseqüentemente, a noção de qualificação profissional. Na divisão social do trabalho, certos tipos de trabalho, profissões ou atividades tornam-se exclusivos, por vários motivos, dentre as duas classes antagônicas - capital e trabalho (atividades dos capitalistas e atividades dos trabalhadores); configurando e reiterando subdivisões entre alguns segmentos da população, baseadas na reprodução de diversas formas de discriminação social no mercado de trabalho: com relação à gênero, raça/etnia, geração e opção sexual. A divisão técnica do trabalho está baseada na apropriação diferenciada de conhecimentos científicos e tecnológicos e seu emprego, podendo ser verificada entre países, continentes, camadas sociais e também entre empresas, no interior de empresas, na divisão do trabalho urbano e do campo, entre instituições públicas, privadas e sociais; e na sociedade em geral. Assim, atribui-se e se valoriza determinadas atividades a certos países e não a outros; a certas pessoas e não a outras, configurando relações de hegemonia e subordinação nas super estruturas (políticas, político-econômicas, etc.) e no cotidiano social e do trabalho. Estas relações de hegemonia-subordinação podem ser verificadas nas decisões dos organismos financeiros internacionais, nas relações econômicas entre continentes e países, nas matrizes das empresas na Europa, EUA, etc., nos sistemas

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educacionais, nas políticas de emprego dos governos, na organização do trabalho, no tipo de formação profissional ofertado, no modelo de regulação das relações trabalhistas, adotado em diferentes países e também nos locais de trabalho. Desta forma, a qualificação profissional de trabalhadores e trabalhadoras, pode ser compreendida como um dos resultados da disputa entre capital e trabalho e, assim sendo, a correlação de forças entre as classes está diretamente relacionada com a diferenciação entre: a) qualificação do emprego definida pelos empregadores/empresas a partir das exigências do posto de trabalho, no qual se exercem funções, tarefas e operações, que constituem as obrigações atribuídas ao trabalhador, destinadas à obtenção de produtos ou prestação de serviços - uma ocupação profissional. b) qualificação do trabalhador sempre mais rica que a qualificação do emprego, pois o trabalhador incorpora qualificações sociais ou tácitas: um conjunto de competências e habilidades técnicas, profissionais, escolares e sociais, juntamente com as potencialidades para enfrentar situações de trabalho. No decorrer dos anos 50, Pierre Naville (França) definiu a qualificação profissional como o fruto de relações sociais estabelecidas entre os trabalhadores, empresas e a sociedade em geral, baseadas na relação entre progresso técnico e social e a importância de diferentes processos de aprendizagem. Naville também relatou, já em 1965, a existência de sistemas de trabalho organizados em equipes e amparados na polivalência dos trabalhadores, cujo processo produtivo mostrava-se antagônico com as linhas de produção taylorista-fordistas, predominantes naquele período. No fordismo, à hierarquização das funções na empresa corresponde uma norma salarial também hierarquizada, com critérios de ascensão funcional baseados em conhecimentos técnicos e em níveis de escolaridade formal, promovendo a valorização social dos trabalhadores a partir da função desempenhada. Já a noção de competências surgiu do discurso empresarial nos últimos 20 anos e foi adotada, no início, por economistas e sociólogos, na França. Tem suplantado gradativamente (mas não superado) o conceito de qualificação profissional. Este discurso empresarial nasceu das profundas transformações sociais das últimas décadas do século XX, causadas pelo surgimento de um outro modo de acumulação do capital, assentado na financeirização da economia tecnologicamente baseado na microeletrônica, na informática, nas telecomunicações e na biotecnologia. O novo modo de acumulação foi chamado (por David Harvey, nos anos 1980) de modelo de acumulação flexível, pois, diferentemente da rigidez fordista dos processos e produtos, este modo de produção é flexível, prevê a integração produtiva entre empresas, no processo produtivo e na organização do trabalho e possibilita alcançar altos índices de produtividade e atender a um mercado de consumo cada vez mais segmentado e seletivo (em contraposição ao consumo em massa de bens padronizados do fordismo). Uma das características mais importantes deste modo de produção é a aceleração das tomadas de decisão. Os sistemas informatizados permitem que decisões financeiras e produtivas sejam tomadas muito rapidamente, tanto pelos grandes grupos econômicos, quanto pelos governos, etc. Isto possibilita também que o capital financeiro possa se deslocar entre países rapidamente, por meio das bolsas de valores e dos fundos de pensão, acarretando dependência e vulnerabilidade dos países menos desenvolvidos e do capital especulativo. A atual base tecnológica do trabalho permite também que os bens sejam produzidos a partir das necessidades dos consumidores (reais ou artificialmente construídas), com pequenos estoques de matériaprima e um número reduzido de trabalhadores, já que existe a possibilidade de transferir, para máquinas computadorizadas e flexíveis, tarefas antes realizadas pelos trabalhadores em máquinas rígidas. Junto a tudo isto, as novas formas de organização do trabalho, baseadas na polivalência (um trabalhador executa várias parcelas do trabalho que antes eram destinadas a diferentes profissionais), no trabalho em equipe (geralmente organizados em células produtivas), no just in time (produzir no tempo certo a partir da demanda do cliente - pessoas, empresas, governo), têm se convertido em uma nova fase de intensificação do trabalho, com elevação do índice de horas extras e queda do valor real dos salários. Os sistemas educacionais e formativos foram requisitados para garantir que os trabalhadores possam utilizar as novas tecnologias, tanto no trabalho (operando sistemas computadorizados, incorporando

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diversas antigas tarefas e assumindo responsabilidades de gestão da produção em equipes), quanto na vida social geral (cartões eletrônicos, consultas informatizadas, Internet, etc.). Isto tem implicado na necessidade de elevar o nível de escolaridade dos trabalhadores e da população em geral, pois as relações sociais estão cada vez mais baseadas na comunicação letrada. As mudanças no sistema educacional no Brasil, na década de 1990, aconteceram em profunda sintonia com esta necessidade, a partir das demandas do capital e suas relações no mercado. Neste período, o chamado modelo de competências foi inserido no sistema educativo brasileiro. No entanto, a separação entre ensino geral (ensino básico, fundamental e médio) de um lado, e ensino profissional (básico, profissional e tecnológico) de outro, tem aprofundado a divisão social do trabalho, dentre outros aspectos negativos, em especial para a classe trabalhadora. Paralelamente, o capital construiu novos nichos de acumulação nos mercados internacional e nacional, tanto com as instituições privadas, para a qualificação profissional dos trabalhadores, quanto com a configuração de um mercado privado de certificação de competências profissionais. Enquanto a qualificação profissional apresenta aderências com o sistema educacional e a obtenção de diplomas para exercício profissional, típicas do fordismo, os processos de certificação profissional, realizados por entidades especificamente voltadas a isso, tendem a ser os balizadores, avaliadores e certificadores da capacidade de exercício ocupacional/profissional, periodicamente renovada, a despeito da escolarização, qualificação e diplomas anteriormente obtidos pelos trabalhadores. O mercado privado, após instituir a certificação de produtos e processos, institui a certificação de pessoas, explicitando a função mercadoria que cabe ao homem desempenhar sob o capitalismo. Se concebermos a qualificação profissional como o resultado das relações entre trabalhadores, empregadores e sociedade geral; podemos destacar três campos em que ela se realiza: um vinculado aos trabalhadores, seus saberes, experiências e formas de organização; outro às exigências das ocupações, postos de trabalho e das relações de produção; e outro, mais geral, ao regime de acumulação do capital. Um regime de acumulação do capital compreende um modo de produção que tende a generalizar formas e normas da organização e das relações de produção e de trabalho, com correspondências entre a transformação das condições de produção e das condições de reprodução de assalariados, sustentado por formas de regulação das relações capital/trabalho em diferentes âmbitos político-econômico-sociais: acesso a políticas sociais; sistemas de educação; sistemas de certificação profissional; sistema público de emprego; gestão de políticas públicas; cidadania e democracia; dentre outros. Em outros termos, o modo de produção que garante a acumulação de capital pela exploração do trabalho é garantido por meio da interiorização, incorporação e reprodução de regras e normas pela sociedade, com a adoção de leis, convenções e hábitos (os sistemas de regulação). A incorporação social do uso de novas tecnologias no atual sistema bancário é um bom exemplo, com o uso de cartões magnéticos e transações pela Internet que, se por um lado, garantem a agilidade necessária ao capital financeiro e propiciam mais conforto aos usuários, por outro, causou a eliminação de inúmeras profissões e postos de trabalho. Esta transformação deu-se em pouco mais de uma década, mas é reconhecidamente irreversível e, em sua implementação modificou leis e normas do sistema financeiro, do direito do consumidor, dos contratos de trabalho, da jornada de trabalho, das profissões, das ocupações, da composição e remuneração dos salários, dos equipamentos, do atendimento ao público, etc. Sendo a qualificação profissional resultante das relações e disputas entre Capital e Trabalho podemos situar os campos de disputa no sistema de regulação político e social, vinculado a um regime de acumulação do capital; na definição das ocupações e postos de trabalho, vinculados a um modo de produção; e na educação/formação e certificação profissional dos trabalhadores, relacionadas ao trabalho, ao sistema educacional e às experiências de vida e no trabalho. Um sistema de regulação social que explicite determinados direitos do trabalho deveria prever garantias de organização sindical em todos os níveis, desde os locais de trabalho até as instituições mais amplas de representação, como as Centrais Sindicais. No caso das organizações por local de trabalho, seria necessário um sistema de negociação que resultasse em acordos relacionados, no mínimo, ao que segue:

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• Definição dos postos de trabalho, perfil ocupacional dos trabalhadores, qualificação e certificação profissional necessárias e critérios de admissão ao emprego; • Negociação e Implementação de Pesquisas Participativas nos locais de trabalho (com a participação da empresa e dos trabalhadores/as, visando estabelecer parâmetros para educação dos trabalhadores e educação/formação profissional compondo a jornada de trabalho); • Negociação de Políticas de Educação/Formação Profissional para os trabalhadores e trabalhadoras, com arranjos institucionais bipartites (Comissões de Fábrica/sindicatos e empresas) ou tripartites (Comissões de fábrica/sindicatos, empresas e poder público - quando envolvam qualquer tipo de recursos públicos), compondo a jornada de trabalho. • Adesão a projetos e sistemas públicos de certificação profissional. No caso das Centrais Sindicais, considerando todas as estruturas a elas filiadas, com poder de negociação e contratação, um sistema de regulação deveria possibilitar negociações de caráter bipartite ou tripartite, sobre: • A qualificação e certificação profissionais e seus impactos no reconhecimento das profissões, no seu exercício, na base salarial, etc.; • Sistemas Nacionais de Educação, Educação Geral e de Jovens e Adultos e Educação Profissional e suas formas de regulamentação; • Sistemas (Nacionais, Regionais, Estaduais, Setoriais) de Reconhecimento e Certificação da qualificação profissional. Por outro lado, para que tal sistema de regulação, que reconhece direitos e prerrogativas, possa existir, é fundamental, além do acesso e permanência na educação pública em todos os níveis e modalidades, a democratização das relações de trabalho em todos os níveis, garantindo-se, no mínimo: • Acesso aos trabalhadores e entidades sindicais a informações pertinentes à educação geral e profissional dos trabalhadores e à negociação de postos de trabalho, ocupações e atividades de educação/formação profissional; • Acesso a informações acerca de cursos de educação profissional, financiamento público para atividade de auto-gestão e associativismo aos trabalhadores desempregados e sobre o funcionamento do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda; • Instituição da gestão democrática - envolvendo trabalhadores, empresários e governo (em todos os níveis de políticas financiadas com recursos públicos), que realizem atividades de educação geral e profissional, assim como de reconhecimento e certificação da qualificação profissional. A gestão democrática pressupõe: participação na definição e gestão de políticas, na gestão administrativo-financeira e na gestão pedagógica. Deve-se garantir condições objetivas para qualificar as lideranças sindicais, em todos os níveis, para exercer a gestão democrática; • Participação das entidades de trabalhadores na definição de políticas e gestão de sistemas que envolvam entidades certificadoras de produtos e processos produtivos e da capacidade/competência profissional de trabalhadores; • Participação de entidades de trabalhadores em Sistemas ou Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico. A alteração do paradigma fordista para o paradigma de acumulação flexível do capital também trouxe às relações de trabalho inovações nos modelos e práticas de coerção e cooptação dos trabalhadores, apoiadas no ideário neoliberal e na ideologia da empregabilidade. Muitos trabalhadores e trabalhadoras são chamados a participar da empresa, compartilhar seus objetivos e projetos competitivos, restando-lhes, exaustos pela intensificação do trabalho e mal remunerados, a perspectiva de se manterem "empregáveis". Conceber a qualificação e a certificação profissionais como direitos dos trabalhadores e lutar para que estes direitos sejam democraticamente garantidos e inscritos nos sistemas de regulação é, nos dias atuais, mais uma frente de combate para a superação das condições de exploração e alienação do trabalho e uma tarefa imprescindível das entidades sindicais representativas dos trabalhadores e trabalhadoras. (Fonte: artigo publicado em DOMINGUES & CIAMPONI. 2007. Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda - SPETR: formação de conselheiros representantes de trabalhadores - material didático para educadores/formadores. São Paulo: CUT.)

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Como vimos no texto anterior, o ideal para a negociação da qualificação e certificação profissionais seria a instituição de sistemas de negociação tripartites e bipartites, baseados na liberdade e autonomia sindical e na democratização das relações de trabalho, vinculados com sistemas públicos de educação e de certificação. No entanto, a concretização das premissas necessárias a configuração de tal sistema ainda não é realidade em nosso país, sendo objeto de luta e disputas políticas. No Brasil, o tema da qualificação profissional passou a ser mais difundido na sociedade e requerido pelo Capital e o Estado a partir da década de 90, quando, a par de novas exigências do mercado internacional, o altíssimo índice de desemprego e a exclusão educacional de uma imensa parcela de brasileiros e brasileiras, levaram o governo neoliberal de então, a utilizar o discurso da empregabilidade, segundo o qual, o desemprego foi atribuído à baixa qualificação profissional dos trabalhadores que, individualmente, deviam arcar com os custos e esforços de melhor se qualificar e elevar sua escolaridade, para competir num mercado altamente seletivo, que apenas aqueles trabalhadores e trabalhadoras com méritos acumulados, poderiam conquistar. Por outro lado, aquele governo implantou; por meio do Fundo de Amparo ao Trabalhador e de seu conselho deliberativo e tripartite - o Codefat -; programas e projetos de qualificação profissional que, a despeito dos limites e problemas decorrentes da concepção à época adotada (baixíssima carga horária dos cursos, nenhuma relação com os sistemas educacionais formais, etc.), possibilitou que parcelas da sociedade antes excluídas da participação destas políticas realizassem programas e cursos diferenciados, vinculados com a elevação da escolaridade dos trabalhadores, com a pesquisa-ação nos locais de trabalho e negociação setorial, dentre outras iniciativas como as desenvolvidas pela CUT e suas entidades. As mudanças advindas das políticas implementadas pelo governo Lula; em especial a concepção de qualificação profissional como fruto de relações sociais e direito dos trabalhadores com efetivas mudanças na carga horária dos cursos ofertados, maior integração com o Sistema de Educação Profissional e Tecnológico (que obteve forte investimento e ampliação na rede federal) e o fortalecimento do Sistema Público de Emprego, Trabalho e Renda, e, em especial, a adoção de espaços de participação e negociação públicos; têm melhorado bastante o cenário da qualificação profissional no país. Mas podemos afirmar que a negociação da qualificação entre representantes de empregadores e de trabalhadores tem um longo caminho a percorrer, e poderia ser mais difundida se as empresas não utilizassem aspectos centrais da qualificação dos trabalhadores como algo de sua exclusiva definição, haja visto as relações entre a qualificação, os patamares salariais e a tentativa de baixar os custos de produção, via exploração do trabalho. A cultura pouco democrática, autoritária e exclusivista dos donos do "negócio", que encaram os trabalhadores como apenas mais um mecanismo de uma engrenagem montada para gerar lucros, impede, muitas vezes, que avanços significativos tanto das relações de trabalho como dos resultados de produtividade e sua repartição sejam alcançados. A despeito disso, a negociação da qualificação tem sido contemplada em mesas bipartites, entre representantes de empregadores e de trabalhadores. Pesquisa realizada por Teixeira e Nozaki (2007) mostra que nos anos de 1995 e de 2002 a 2005, de acordo com o Sistema de Acompanhamento de Contratações Coletivas do Dieese, 50% das negociações registradas (937 acordos e convenções) incluíram cláusulas sobre a qualificação profissional, distribuídas entre os setores econômicos como podemos ver na tabela a seguir: DISTRIBUIÇÃO DOS ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVAS COM CLÁUSULAS SOBRE QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL POR SETOR DE ATIVIDADE E POR ANO - BRASIL Setor Econômico 1995 2002 2003 2004 2005 Total Indústria 24 30 65 59 65 243 Comércio 3 3 12 11 11 40 Serviços 10 16 48 50 55 179 Rural 1 1 2 4 Total 37 49 126 121 133 466 Fonte: TEIXEIRA e NOZAKI. 2007. Fonte primária: SACC-DIEESE

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Os valores absolutos obtidos por setor representam, segundo Teixeira e Nozaki (2007), as negociações que incluíram cláusulas de qualificação profissional nos anos analisados: 58% no setor de serviços, 48% na indústria, 44% no comércio, e no setor rural, 13%. Com relação aos conteúdos negociados ligados à qualificação profissional, as cláusulas têm sido classificadas em 10 temas: (...) promoção de cursos e treinamentos; pagamento das horas de cursos; liberação para participação em cursos; adicional ou gratificação; incentivo à qualificação; qualificação em caso de inovações tecnológicas e organizacionais; garantias em caso de demissão; fundo de formação e qualificação; comissão paritária e estágio/menores aprendizes. (TEIXEIRA e NOZAKI. 2007)

Estes autores apontam, também, que houve uma diversificação no conjunto dos temas negociados, pois, se em 1995, a quase metade das negociações vinculadas à qualificação profissional era sobre estágio e menores aprendizes no setor industrial; a partir de 2002, temos o seguinte quadro: QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL - TEMAS NEGOCIADOS, 2002-2005 (%) Realização de cursos, seminários e treinamento Estágio/aprendiz e menores Qualificação em função de inovações tecnológicas ou organizacionais Liberação de trabalhadores para a participação em cursos e seminários Incentivo à qualificação

29% 23% 11% 10% 8%.

Fonte: TEIXEIRA e NOZAKI. 2007.

Além destes temas, as cláusulas para pagamento de cursos de requalificação para empregados demitidos (eletricitários, bancários, vestuário e vigilantes); pagamento de adicional como incentivo à qualificação (construção civil); formação de comissão paritária para estudo de questões relativas à qualificação profissional (comerciários, gráficos, eletricitários e calçados); entre outras iniciativas, são destaques da diversificação de estratégias utilizadas nas negociações sobre a qualificação profissional e os resultados alcançados. A negociação da qualificação profissional também tem sido contemplada na negociação de Planos de Carreira, Cargos e Salários, tanto no âmbito do setor público quanto no privado, sendo em geral, critério para desenvolvimento e promoções nas carreiras profissionais. Isto apenas reforça a importância da qualificação profissional na atualidade e sua força como valorizador do Trabalho nas relações e disputas com o Capital e, além dos aspectos já citados, queremos enfatizar a importância e o papel da qualificação profissional na disputa ideológica, de valores sociais e na constituição de identidades próximas aos interesses de classe dos trabalhadores. Uma coisa é certa, os aprendizados que tanto o Capital quanto o Trabalho acumulam em processos de negociação da qualificação profissional são tão mais profundos e duradouros, quanto mais eles se estendem para além do cumprimento formal das normas, ou melhor dizendo, quanto mais eles se constroem nas relações concretas de trabalho. Exemplo disto são as negociações que envolvem a pesquisa-participativa, na qual os sujeitos de ambos os lados estabelecem e cumprem uma metodologia participativa para diagnosticar as necessidades de qualificação e formação do coletivo da empresa e negociam, passo a passo, os próprios conteúdos da formação, os critérios de avaliação e certificação, dentre outros aspectos fundamentais vinculados aos resultados qualitativos de processos negociados de qualificação. Neste sentido, os aprendizados que o movimento sindical pode acumular são riquíssimos e tendem a se expandir para além dos muros das empresas, com a valorização da educação pública, gratuita e de qualidade como direito e as lutas pela sua universalização.

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Possibilidades de Desenvolvimento Metodológico Sugerimos que os educadores e educadoras inicialmente verifiquem com os cursistas quais conceitos ou noções eles têm sobre qualificação profissional, para que tais concepções possam ser refletidas, ressignificadas ou fortalecidas. É desejável que os dirigentes e militantes tragam de sua vivência objetiva no meio sindical que cláusulas relacionadas à qualificação profissional têm sido negociadas (ou não) na sua categoria e porque elas são consideradas importantes pela direção e pela base sindical. Também é importante socializar quais aprendizados as entidades sindicais têm acumulado e refletir sobre o potencial da formação e qualificação profissionais para garantir direitos aos trabalhadores (como os educacionais); fortalecer a organização nos locais de trabalho (caso típico das negociações que envolvem pesquisa participativa); fortalecer a identidade de classe dos trabalhadores e trabalhadoras (geralmente mais vinculado à negociação de metodologias e conteúdos dos cursos de formação/qualificação). Os textos aqui apresentados podem ser utilizados total ou parcialmente, e, além disso, outros subsídios podem ser trabalhados. O mais importante é dar voz e iniciativa aos participantes, refletindo sobre os conceitos, limites e possibilidades da negociação da qualificação profissional pelo movimento sindical.

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Unidade 1 - Parte II

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As Transformações no Mundo do Trabalho e as Negociações Coletivas

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qui abordaremos a negociação coletiva como um elemento central da regulação das relações entre Capital e Trabalho e expressão de poder, equilíbrio ou desequilíbrio entre as partes em disputa. As pessoas que iniciaram suas atividades sindicais nos anos de 1990 como dirigentes, ativistas ou militantes, certamente encontraram um contexto muito mais adverso nesta década quando comparada a década anterior (anos de 1980), isto porque no início dos anos de 1990, com o governo Collor, iniciou-se um processo de inserção da economia brasileira no "mundo globalizado", por meio da abertura dos mercados financeiro e comercial. Esta abertura provocou o fechamento de inúmeras empresas e demissão de milhares de trabalhadores. Este processo aprofundou-se a partir de 1994 com o governo FHC através da introdução de uma série de medidas que tinham como objetivo flexibilizar os direitos dos trabalhadores, considerados os vilões pelo elevado nível de desemprego, uma vez que os elevados custos de contratação e demissão impediam as empresas de contratar mais trabalhadores. Para viabilizar o Plano Real, o governo introduziu uma série de medidas legais que alteraram aspectos importantes das relações de emprego e que envolveram aspectos da contratação e da negociação. Entre as principais medidas pode-se citar o fim da política salarial - a estratégia do governo foi a de fortalecer a "livre negociação". Além disso, foram adotadas medidas para flexibilizar o uso do trabalho como: contrato por prazo determinado, banco de horas, terceirização, participação dos trabalhadores nos lucros e resultados das empresas, entre outras. No que se refere ao emprego, verifica-se uma queda expressiva no número de postos de trabalho, um crescimento da informalidade e do subemprego. A queda da inflação - um dos principais pontos de pauta dos anos de 1980 em virtude dos elevados níveis inflacionários - favoreceu a não concessão de aumentos reais, substituídos por outras formas de remuneração variável, que pressionavam menos os custos das empresas, como participação nos lucros ou resultados. Inicia-se assim, por um lado, um processo de tentativa de retirada de conquistas dos trabalhadores através da não renovação de cláusulas, de endurecimento das negociações e de iniciativas das empresas para descentralização das negociações. Por outro lado, o elevado nível de desemprego dificulta as mobilizações e reduz o quadro de associados, dificultando ainda mais a ação sindical. Mesmo diante de um contexto tão adverso, os sindicatos resistem aos ataques e garantem a manutenção dos direitos, na maioria das categorias. Nessa época, teve início a prática de apresentação de pautas patronais, que consistiu em impor uma série de retrocessos às cláusulas existentes. Os motivos alegados para tanto foram o chamado "custo Brasil" e a situação econômica do país. Por outro lado, as campanhas salariais perdem impacto diante de índices inflacionários baixos, evidenciando-se diferenças setoriais. Os sindicatos voltaram-se para os setores mais fragilizados, cuja única proteção é a convenção coletiva, que muitas vezes não é cumprida pelas empresas. Já as grandes empresas mantiveram suas próprias políticas de recursos humanos, como 14º salário, Participação nos Lucros e Resultados, prêmios, etc. Ao analisarmos as convenções coletivas dos anos de 1990, o que chama a atenção são as cláusulas que passam a ser alvo de contestação pelos empregadores. São elas: estabilidade para o portador de seqüela de acidente de trabalho ou doença profissional, estabilidade gestante, os adicionais de hora extra, adicional noturno e reposição da inflação. A produtividade, por exemplo, deixou de constar das convenções coletivas, para aparecer como um dos indicadores nos programas de participação nos lucros ou resultados, negociada por empresa. Sem dúvida os anos de 1990 foram marcados pela defesa de direitos conquistados ao longo das décadas anteriores. Esse contexto descrito acima também favoreceu a introdução de novos temas nas pautas de negociação. Entre estes temas ganhou destaque a negociação de políticas afirmativas para

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mulheres, negros e pessoas com deficiência e os temas da qualificação e certificação profissionais face ao contexto de reestruturação produtiva. Nosso objetivo é fazer uma leitura das mudanças no mundo do trabalho e seus reflexos sobre os processos de contratação e negociação; indicar algumas ferramentas que possam contribuir para qualificar os processos de negociação e, por último, contextualizar os leitores sobre as tendências mais recentes da negociação coletiva. Os textos e indicações de leituras propostos são resultados de pesquisas e atividades formativas desenvolvidas ao longo dos últimos anos pelo movimento sindical e, particularmente, pelas atividades desenvolvidas no último período no âmbito do PROESQ - Escola Sindical São Paulo. Esta parte está organizada com três temas: Negociação Coletiva: contexto, formas e tendências; Fases da Negociação: preparação, desenvolvimento e desfecho; e Espaços, Estratégia dos Atores Sociais e Tendências Recentes da Negociação.

Negociação coletiva: contexto, formas e tendências Com este tema, introduziremos a definição de negociação coletiva, as formas de negociação, o contexto jurídico e político em que estão inseridas as negociações e, por fim, um cenário sobre as tendências mais recentes das negociações coletivas no Brasil. O termo negociação sugere uma infinidade de definições, todas em geral, envolvem pessoas ou grupos, se relacionam a objetivos comuns ou distintos, e em muitos casos pressupõem relações assimétricas, desiguais entre os grupos ou indivíduos envolvidos. Na maioria das vezes, para se alcançar um resultado satisfatório é necessário que cada um dos lados faça algum tipo de concessão. Quem já não vivenciou em algum momento de sua vida uma experiência de negociação? Desde criança somos educados a negociar, primeiro com os pais, irmãos, professores/as, amigos/as, depois na fase adulta com namorado/namorada, colegas de trabalho, supervisores/as, chefes, encarregados/as, esposos/as e filhos/as. A negociação pode ser considerada como um processo dinâmico que busca através de um acordo mutuamente satisfatório, resolver diferenças, impasses e divergências, de forma que cada uma das partes envolvidas sinta-se satisfeita, pelos menos parcialmente. Mas nem sempre a negociação possibilita a plena satisfação dos envolvidos, principalmente quando estamos tratando de interesses opostos. Nestes casos, busca-se o melhor acordo dentro de um cenário que pode ou não ser favorável para cada uma das partes. Por isso é muito importante avaliar o cenário em que está ocorrendo à negociação. Outro aspecto importante se refere ao perfil dos negociadores. Para se tornar um bom negociador são necessárias algumas habilidades que podem ser adquiridas, afinal ninguém nasce com elas. Dentre as habilidades necessárias podemos indicar a capacidade de argumentação, firmeza de propósitos, saber ouvir, defender idéias, reunir dados, informações que sustentem suas posições e, principalmente, reconhecer os limites da negociação, saber ceder, recuar e esperar o momento mais oportuno para avançar. Retornando ao conceito de negociação, do que vimos até agora podemos deduzir que a negociação é um processo que expressa relações de poder entre os atores sociais, manifestando-se em diferentes espaços: político, econômico, trabalhista, entre empresas, etc. Se consultarmos a literatura sobre o tema certamente encontraremos muitas formas de descrever o termo negociação, no entanto, a negociação que se realiza no âmbito das relações entre Capital e Trabalho sugere uma definição específica. O QUE É NEGOCIAÇÃO COLETIVA É um tipo específico de negociação em que representantes dos empregadores de um lado e representantes dos empregados de outro lado, negociam o que pode ser uma pauta de reivindicações, mediante o estabelecimento de regras que regulam, entre outras coisas, a periodicidade das negociações, o comportamento das partes, e mecanismos de solução de impasses.

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A CLT determina que a negociação fique restrita ao âmbito de cada categoria (ou por empresa) e limitada à data-base, consagrando-se, assim, o principio da anualidade contratual. Isto é, do ponto de vista formal, a negociação acontece uma vez por ano e, se não houver acordo entre as partes até o vencimento do acordo anual, a entidade sindical obriga-se a ajuizar o dissídio coletivo, sob pena de perder a data-base e ficarem sem efeito os direitos assegurados no instrumento coletivo anterior, já que no Brasil a ultratividade dos acordos não está assegurada. No entanto, no mundo do trabalho as negociações também podem ocorrer de forma extemporânea, mais de uma vez por ano, basta que as partes concordem em negociar. Da mesma forma, a prática da negociação direta entre trabalhadores e empresa, seja através da direção do sindicato ou Comissão de Fábrica (quando existe), também se constitui em uma forma de negociação com legitimidade. Este tipo de negociação é muito comum e vêm crescendo na medida em que os trabalhadores sentem necessidade de discutir aspectos específicos dos locais de trabalho que, na maioria das vezes, estão ausentes da negociação coletiva mais ampla. O fundamental é que fique claro o papel de cada negociação, pois os acordos dentro dos locais de trabalho se prestam a ampliar direitos já adquiridos, seja pela legislação ou pela negociação coletiva mais ampla. Neste sentido, os acordos se diferenciam das convenções coletivas porque estão limitados a uma empresa apenas. Para compreender as estratégias das negociações coletivas conduzidas pelo movimento sindical é necessário, primeiramente, verificar o contexto jurídico e político no qual estão inseridas as negociações, especialmente aqueles relacionados à estrutura sindical vigente. O CONTEXTO JURÍDICO E POLÍTICO DA NEGOCIAÇÃO No Brasil predomina ainda uma concepção estatal das relações coletivas de trabalho, ou seja, tanto a constituição dos sindicatos como as negociações coletivas estão inseridas em um contexto imposto pelo Estado, por meio da lei, que determina a forma de funcionamento dos sindicatos, seus objetivos, sustentação financeira e, especialmente, sua forma de relacionamento com as empresas. A negociação coletiva, mesmo que levada a efeito pelos sindicatos que procuram desatrelar esses ditames legais, jamais consegue ser a expressão própria da correlação de forças existente entre as partes, porque os entraves criados pela legislação cerceiam a liberdade sindical. Esta realidade sindical, derivada do sistema corporativo implantado desde a década de 1930, mantém-se em seus pilares principais, embora, nos últimos anos, importantes mudanças tenham se verificado, por exemplo, com o fim da representação classista na Justiça do Trabalho (determinada pela Emenda Constitucional n.20, de dezembro de 1999). Mas na essência o chamado tripé corporativista permanece quase íntegro, consubstanciado no imposto sindical, no poder normativo da justiça do trabalho e na unicidade sindical. O sistema corporativo vigente é um grave entrave à democracia no mundo do trabalho. Na verdade, o poder normativo da Justiça do Trabalho sofreu profundas transformações nos últimos anos, embora seus objetivos iniciais sejam os mesmos. Infelizmente, estas transformações não foram para melhor, uma vez que foi retirada a possibilidade dos Tribunais do Trabalho deferirem normas mais benéficas aos trabalhadores, permitindo-se a concessão apenas do que já está previsto em lei. Por outro lado, a sua face mais perversa - o poder de intervir nas greves, impedindo que os movimentos de reivindicação possam chegar a um acordo pela pressão dos trabalhadores - foi mantida. Estes procedimentos legais, na verdade, desestimulam a negociação, porque o setor patronal sabe que não é obrigado a negociar, já que em última instância a questão vai para a justiça, a qual manterá, com raras exceções, somente o que está na lei como direito dos trabalhadores. Aliados a esses entraves, também contribuem para dificultar a atuação dos sindicatos, a ausência do direito de organização nos locais de trabalho e de proteção efetiva contra a dispensa imotivada. A conseqüência lógica dessa situação é o distanciamento dos sindicatos dos locais de trabalho, ampliado pela pequena participação dos trabalhadores nas atividades sindicais em função do medo do

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desemprego, reforçando ainda mais a repressão às atividades sindicais por parte das empresas. Outro aspecto que também desestimula a negociação é a ausência da ultratividade das normas coletivas, ou seja, os instrumentos normativos (acordos ou convenções) perdem a sua validade no prazo estipulado para a sua vigência. Tal situação beneficia apenas as empresas porque aos sindicatos resta escolher entre manter algumas cláusulas dos acordos, caso as empresas não concordem em renová-los na totalidade, ou ficar com a Lei, que em muitas vezes estipula condições piores do que os já acordados. Nos últimos anos, devido a esta realidade, poucas, ou mesmo nenhuma reivindicação nova das pautas sindicais tem sido aceita pelos empresários. Compreender esse contexto, quando se fala em negociação coletiva, nos parece essencial para entender os limites impostos aos sindicatos, e que os impedem de avançar na conquista de um patamar melhor de condições de trabalho, independentemente da categoria que representam. (Teixeira & Coelho, 2002) O que está em jogo no processo de negociação pelo lado patronal é a flexibilização e a precarização das relações de trabalho; enquanto que para os trabalhadores as negociações representam oportunidades de ampliação de conquistas e o estabelecimento de processos cada vez mais unificados de negociação, a partir dos patamares básicos já garantidos em lei. AS MUDANÇAS NO PADRÃO DE NEGOCIAÇÃO A PARTIR DOS ANOS DE 1990 O salário foi o carro chefe das negociações coletivas entre o final da década de 1970 até a instituição do Plano Real em 1994, isto se deve à utilização do salário como variável de ajuste para debelar a inflação, a má distribuição de renda e, também, pela força política conquistada pelo sindicalismo no processo de redemocratização da sociedade brasileira nas décadas de 1970 e 1980. A partir das grandes mobilizações desde o final da década de 1970 cresceu a contratação das relações de trabalho, evidenciando um novo papel para o movimento sindical. O número de cláusulas aumentou enormemente, ampliando a abrangência da regulação para outras dimensões da relação capital e trabalho, entre as quais se destacam: salários indiretos, condições de trabalho, jornada de trabalho e relações sindicais. Também em relação à regulação econômica, o movimento sindical alcançou algum grau de regulação ou poder de contraposição às políticas de arrocho salarial dos anos de 1980, por meio dos reajustes salariais automáticos e os ganhos advindos da produtividade do trabalho. Já nos anos de 1990, especialmente após o Plano Real, em um contexto de recessão econômica, de reestruturação produtiva e desestruturação do mercado de trabalho, as práticas de negociação coletiva foram caracterizadas pela defesa do emprego e pela luta para assegurar os direitos conquistados durante os anos de 1980 e inicio da década de 1990. AS MUDANÇAS NOS CONTEÚDOS NEGOCIADOS No contexto da reestruturação, abertura, crise econômica e desemprego, novos temas foram aparecendo nas mesas de negociação. Inclusive uma parte deles, introduzidos pelos empresários, o que constitui uma novidade, já que nos anos de 1980 a pauta de reivindicação era apresentada basicamente pelos trabalhadores, com os empregadores adotando uma ação defensiva, de resistir às demandas dos trabalhadores. A luta sindical, nos anos de 1990, especialmente após 1994, deu-se para manter os direitos conquistados nos anos anteriores e evitar um processo de flexibilização predatória das relações de trabalho. Neste sentido, dado a conjuntura, a ação sindical, no campo da negociação coletiva foi defensiva. O balanço das convenções coletivas indica que, via de regra, houve estagnação para novas conquistas ou a retirada de direitos. Foram poucas as categorias que conseguiram de fato ampliar seus direitos. Portanto, em aspectos fundamentais da regulação das relações de trabalho - o sindicalismo ainda não conseguiu avançar. Tais como a democratização do local de trabalho, a incorporação dos ganhos de produtividade nos salários e ampliação do escopo das negociações. Do mesmo modo, a regulação dos elementos fundamentais da contratação do emprego, tais como a forma de remuneração, a organização do trabalho e a composição da jornada de trabalho não alcançaram ainda uma regulação social que

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impeça práticas autoritárias e abusivas. A grande dificuldade ou dúvida é se as convenções coletivas, atualmente, conseguem regular as questões emergentes do processo de reorganização econômica e produtiva em curso. Por exemplo, a contratação de aspectos da reestruturação produtiva como a qualificação profissional é algo bastante limitado na prática sindical. Os empresários justificam a ausência de negociação para estas novas pautas, argumentando um caráter estratégico para a concorrência entre empresas, o que na verdade, é um subterfúgio que impede a democratização das relações nos locais de trabalho. Além dos novos temas e da retirada de direitos há um processo de flexibilização por meio de mudanças organizacionais e pela desestruturação do mercado de trabalho, fazendo com que a cobertura das convenções seja cada vez menor. Por exemplo, com o processo de terceirização e informalização há uma maior dispersão dos trabalhadores, com um maior número destes fora da cobertura das convenções e acordos.

O que é Terceirização Estratégia utilizada pelas empresas a partir do final dos anos de 1980 para reduzir custos, consiste na transferência de atividades consideradas de apoio ou atividades meio para outras empresas. Estas atividades podem ser executadas dentro da própria unidade ou externamente. A terceirização faz parte de um conjunto de mudanças introduzidas no mundo do trabalho, especialmente a partir da década de 1990 no Brasil, com o objetivo de reduzir custos e flexibilizar as relações de trabalho. Sob o manto da "modernização", ela serviu, de fato, para precarizar as relações de trabalho, promover a piora dos salários, dos benefícios e das condições de trabalho, além de intensificar a jornada e o ritmo de trabalho, tanto no setor púbico quanto no setor privado. Além da terceirização, nos anos de 1990, se disseminaram outras formas de contratação do trabalho que foram introduzidas na legislação com o objetivo de baratear o custo da contratação e da dispensa. Exemplos disso são os contratos por prazo determinado, temporários entre outros. Outra forma de precarização é o trabalho realizado no domicilio. Esta modalidade implica na contratação por tarefa do trabalhador ou da trabalhadora, que utilizam o seu domicilio para desenvolver a atividade, na maioria das vezes tratam-se de mulheres que trabalham para indústrias de confecção, têxtil. O trabalho é realizado sem nenhuma cobertura ou assistência social, não há reconhecimento de vínculo e o pagamento é realizado mediante a entrega do serviço.

O que é fundamental? No Brasil vivenciamos nos últimos 20 anos uma desestruturação do mundo do trabalho, durante os quais a eliminação de postos de trabalho foi acompanhada de mudanças profundas nas relações de trabalho. Surgiram novas formas de contratação que alteram de forma significativa os parâmetros de negociação vigentes desde as décadas anteriores. A permanência do sistema corporativo, no qual predomina uma concepção estatal da regulação das relações coletivas de trabalho, impõe que tanto a constituição dos sindicatos quanto as negociações coletivas sejam realizadas sob o controle do Estado por meio da legislação que determina a forma de funcionamento dos sindicatos, seus objetivos, sustentação financeira e, especialmente, sua forma de relacionamento com as empresas. O que está em jogo em um processo de negociação são interesses antagônicos; de um lado o setor empresarial e suas estratégias de redução de custos por meio da precarização do trabalho e, por outro lado, os trabalhadores que lutam pela ampliação de direitos e pela maior repartição da renda através da elevação dos salários.

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Possibilidades de desenvolvimento metodológico Pode-se montar, junto com os cursistas, um quadro comparativo das principais lutas gerais do movimento sindical nos anos de 1980 e 1990 e das lutas específicas por setor; e enriquecê-lo com as mudanças políticas, econômicas e sociais na sociedade, nas duas décadas. As reflexões coletivas podem ser motivadas com as questões a seguir, além de outras que surgirem no processo. Que avanços e retrocessos podem-se verificar neste período? Ou seja, quais as principais conquistas e que novos desafios surgiram? Como o movimento sindical tem respondido, na atualidade, a estes desafios? O que precisa ser garantido, alterado ou aprimorado para ampliar o poder do movimento sindical nas negociações coletivas?

Fases da negociação: preparação, desenvolvimento e desfecho PREPARAÇÃO DA NEGOCIAÇÃO Em termos gerais, a preparação da negociação envolve o estabelecimento de uma pauta de reivindicações; o conhecimento do setor, empresa, segmento ou cadeia produtiva; uma análise da conjuntura; e o planejamento da negociação. Aqui, nos dedicaremos aos três primeiros aspectos da preparação da negociação, já que demos especial atenção ao planejamento em outra unidade deste livro. DEFININDO A PAUTA DE REIVINDICAÇÕES A preparação da negociação pressupõe conhecimento prévio da pauta de reivindicações. A pauta é organizada em torno de cláusulas, que são propostas de redações (reivindicações) sobre temas que dizem respeito aos trabalhadores/as. As cláusulas são, em geral, agrupadas em três grandes temas: econômicos, sociais e sindicais. Num ambiente democrático, a pauta de reivindicações é elaborada pelos sindicatos e aprovada em assembléia pelos trabalhadores e trabalhadoras. Como no Brasil não existe a figura da ultratividade das convenções e acordos, a cada ano todos os itens da pauta são renegociados, e novos itens podem ser incluídos para discussão nas mesas de negociação. CONHECIMENTO DO SETOR, EMPRESA, SEGMENTO OU CADEIA PRODUTIVA Quando estamos tratando de uma negociação coletiva ou por empresa é fundamental que os/as negociadores/as conheçam a realidade do setor/empresa. Ou seja, qual o peso ou a importância do setor/empresa na economia, dados de faturamento e de vendas, situação do mercado a que se destinam seus produtos, tecnologia utilizada, perspectivas de crescimento, se o setor/empresa está contratando ou demitindo trabalhadores/as, dentre outras informações que podem ser obtidas de duas formas: consultando os dados oficiais e de domínio público, através de jornais, sites de empresas, das entidades patronais, dados fornecidos pelos órgãos de pesquisa ligados aos governos. Por exemplo, alguns dados do IBGE medem a produção, o nível de emprego e a produtividade do fator trabalho, nos setores econômicos. A publicação em jornais e/ou na internet do balanço das empresas que operam na bolsa de valores é outra fonte de informações. Outra forma de obter informações sobre as empresas é através da própria percepção dos trabalhadores dentro dos locais de trabalho. São os/as trabalhadores/as que sabem se a produção cresceu ou não, o comportamento das vendas, a empresa está contratando ou demitindo, a produtividade aumentou, há intensificação do ritmo de trabalho e uso de horas extras de forma excessiva. Este conjunto de informações permite avaliar as condições da empresa. O gráfico que segue foi elaborado a partir de dados disponíveis no IBGE, indica a evolução da produtividade do trabalho para um conjunto de setores selecionados. Em um processo de negociação que envolve pauta econômica é muito importante dominar estes dados e saber utilizá-los no

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momento adequado. Mas nem sempre é fácil obter dados, principalmente econômicos. As informações disponíveis muitas vezes aparecem de forma bastante agregada, conforme o gráfico anterior em que os dados por setor são muito gerais, dificultando a leitura destas informações para um setor específico. No caso do Brasil existe uma verdadeira barreira por parte das empresas no que diz respeito à divulgação de dados econômicos e financeiros.

Informações econômicas e financeiras das empresas No Brasil, o acesso a informações sobre as empresas é muito difícil, especialmente, quando se trata de dados econômicos e financeiros. Somente as sociedades anônimas de capital aberto que captam recursos junto ao público estão obrigadas, por lei, a divulgar seus balancetes. As sociedades anônimas de capital fechado (obtém seus recursos dos próprios acionistas) e a sociedade limitada não são obrigadas a divulgarem seus resultados financeiros. O número de empresas que captam recursos junto ao público (negociam na bolsa de valores) é muito pequeno no Brasil, cerca de 500, se comparados com o total de estabelecimentos existentes, que são mais de quatro milhões de empresas. Estas limitações, associadas a uma cultura empresarial pautada no sigilo de informações dificultam muito o acesso aos dados.

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ANÁLISE DA CONJUNTURA Além de conhecermos o setor/empresa é muito importante que se tenha uma leitura do momento político e econômico do país, pois estes interferem diretamente no processo de negociação. Muitas vezes um fato ou um acontecimento de caráter político, econômico ou social pode influenciar no ambiente da negociação. Às vezes valorizamos muito um fato que não tem nenhuma influencia na conjuntura, pois se trata de um fato isolado sem maiores conseqüências, diferentemente de um acontecimento que pode influenciar todo o contexto. Estes acontecimentos ou fatos não precisam estar vinculados diretamente ao setor/empresa, mas tem grande repercussão econômica, política, etc., de modo a alterar ou influenciar o curso de uma negociação. ACONTECIMENTOS QUE PODEM INFLUENCIAR UM DETERMINADO PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO Muitas vezes, acontecimentos externos que fogem da governabilidade das partes em negociação, têm grande influência nos rumos e resultados alcançados. São exemplos típicos as mudanças de política econômica interna e também as alterações econômicas advindas das relações internacionais. Um dos aspectos econômicos que tem merecido destaque, na imprensa e entre os especialistas e analistas econômicos, acadêmicos e setores empresariais e de trabalhadores é a valorização do câmbio. Isto ocorre quando a entrada de dólares no país é muito grande em virtude de dois fatores; o crescimento das vendas para o exterior por meio das exportações, em que os fabricantes recebem em dólares e os Investimentos Externos Diretos - IED no país. Para aqueles que dependem do câmbio para exportar a valorização tem representado perda de competitividade uma vez que o câmbio valorizado representa menos reais no bolso de quem exporta. Para a indústria nacional a valorização da moeda significa maior concorrência com os produtos importados. Dentre as estratégias das empresas para reduzir custos e não perder a competitividade está a pressão sobre os encargos trabalhistas e os salários, uma vez que é a variável de mais fácil ajuste. Neste cenário os processos de negociação são permeados por ameaças de que os reajustes salariais podem provocar demissão entre os trabalhadores. O mercado de trabalho apresenta grande dinamismo, quando se analisam os dados ao longo de uma série histórica percebe-se mudanças significativas que não são identificadas de um ano para outro, como o crescimento da participação das mulheres, a redução das taxas de desemprego, o crescimento do trabalho formal, o comportamento da rotatividade, dos salários e das taxas de sindicalização. Perceber estas mudanças é fundamental em um processo de negociação, o perfil dos (as) trabalhadores (as), como crescimento de jovens, negros e negras e mulheres na base sindical, pode determinar a inclusão de novos temas que dialoguem com este novo perfil. Se as direções sindicais não forem capazes de perceber estas mudanças certamente estarão dialogando apenas com uma parcela destes trabalhadores (as). A seguir texto com um conjunto de dados sobre o perfil dos (as) trabalhadores (as).

Dados recentes sobre o mercado de trabalho Marilane Oliveira Teixeira De acordo com o Ministério do Planejamento e Gestão e o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), no período de 1995 a 2006, a taxa de atividade entre as mulheres cresceu de 48,1% para 52,6%, enquanto que entre os homens a taxa passou de 75,3% para 72,7%. Apesar do crescimento expressivo da presença da mulher no mercado de trabalho, a taxa de atividade masculina vem se mantendo muito mais elevada do que a feminina. Ainda são inúmeros os obstáculos que dificultam a inserção das mulheres, mas certamente as maiores dificuldades estão relacionadas à atribuição de papéis, no sentido de que a presença das mulheres no mundo do trabalho é vista como complementar a dos homens. Para Abramo:

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A idéia da mulher como força de trabalho secundária estrutura-se em primeiro lugar, a partir da separação e hierarquização entre as esferas do público e do privado e da produção e da reprodução. Em segundo lugar, em torno de uma concepção de família nuclear na qual o homem é o principal ou o único provedor e a mulher é a responsável principal ou exclusiva pela esfera privada, ou, no máximo uma provedora secundária. (Abramo, 2007, p. 17) Ainda, segundo Abramo, os dados relativos à evolução do emprego feminino no Brasil, assim como em várias regiões do mundo, indicam que essa imagem cada vez se distancia mais da realidade. As taxas de participação e de ocupação das mulheres têm aumentado consistentemente nos últimos 30 anos, como também tem aumentado o número de anos que as mulheres dedicam ao trabalho remunerado, a continuidade das suas trajetórias ocupacionais e a sua participação nos rendimentos familiares.

O Brasil sempre sustentou taxas de desemprego elevadas. A crise que se iniciou nos anos 1980 destruiu milhares de postos de trabalho e nos anos 1990, com o processo de reestruturação produtiva, estes foram eliminados. Junte-se a isso o baixo desempenho econômico e chega-se a taxas de desemprego acima de 10% da população economicamente ativa (PEA). Para algumas capitais brasileiras como Salvador e Recife este percentual superou os 20%. No entanto, a metodologia adotada pelo IBGE mascarava estes resultados, uma vez que considerava desempregados apenas aqueles que se declarassem como tal, desconsiderando o desemprego oculto, seja pelo desalento ou pela precariedade, típico da sociedade brasileira em que a informalidade é um fenômeno marcante e a principal alternativa para aqueles que não encontram trabalho com registro em carteira. Desta forma embora o desemprego fosse elevado os indicadores revelavam taxas de países do primeiro mundo. Foi a partir da revisão da metodologia realizada pelo IBGE em 2002 que as taxas passaram a se aproximar mais da realidade do mercado de trabalho brasileiro, conforme pode ser observado pelo gráfico 1, que apresenta os dados desagregados por sexo. Nestes dados observa-se a mesma tendência para homens e mulheres, embora o percentual de mulheres desempregadas seja superior ao dos homens em todo o período analisado. Para Lavinas (2000), os dados apontam um deslocamento das taxas de desemprego entre os sexos, em que a falta de trabalho adquire magnitude maior para as mulheres nos anos recentes. A hipótese aventada pela autora para explicar esses fatos, aparentemente contraditórios, é que parte do desemprego feminino estaria sendo gerada pela concorrência dos homens em setores tradicionalmente aberto às mulheres. Além disso, as mulheres parecem mais sensíveis às oscilações da atividade econômica.

Fonte: Ministério do Planejamento e Gestão, Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Anos: 1995-2006.

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Fonte: Ministério do Planejamento e Gestão, Instituto Brasileira de Geografia e Estatística (IBGE), Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Anos: 1995-2006.

Os dados do gráfico 2 indicam a distribuição da PEA - População Economicamente Ativa (que representa a soma dos ocupados e dos desempregados) . Entre 1995 e 2006, as mulheres ampliaram a sua participação na PEA, passando de 40,4% em 1995 para 43,8% em 2006.

Embora o rendimento médio venha apresentando recuperação, a renda média no período analisado ainda se mantém em patamares inferiores aos anos da década de 1990. Segundo Krein (2007), a queda nos rendimentos médios está relacionada ao perfil dos postos de trabalho que estão sendo gerados, de baixa qualificação. Para o autor: Quando se analisa a distribuição dos ocupados por rendimentos verifica-se que os postos de trabalho gerados nestes últimos anos são de baixa remuneração. Em 2001, 7,8% dos trabalhadores ocupados recebiam até ½ salário mínimo, em 2006 este percentual passou para 9,8%. Entre os que recebiam de 1 a 2 salários mínimos o percentual era de 26%, saltando para 29,6% em 2006. Entre os ocupados com remuneração mais elevada observa-se o inverso. Entre os que recebiam mais de 20 salários mínimos em 2001 o percentual era de 1,6% e caiu para 0,8% em 2006 (p.129).

As diferenças salariais entre homens e mulheres também podem ser observadas. Ainda de acordo com a PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 1995-2006), enquanto os homens recebiam, em média, R$ 1.006 em 2006, as mulheres recebiam R$ 7160. O salário das mulheres correspondia 76% do salário médio dos homens em 2006. Para Leone, O elevado nível de desigualdade de rendimentos entre pessoas economicamente ativas tem sido um dos traços marcantes da distribuição de renda no Brasil. O perfil de remunerações caracteriza-se por apresentar a forma de uma pirâmide, com uma base muito ampla e dispersa e uma parte superior estreita, constituída por remunerações relativamente elevadas. (2005, p.157)

A predominância dos baixos salários, uma vez que mais de 60% recebem até 2 salários mínimos, auxilia a compreensão acerca das razões da não superação da condição de pobreza da população pela inserção no mercado de trabalho, tendo em vista que a economia necessita gerar postos de trabalho de qualidade e com melhores níveis de remuneração. Para isso é fundamental investir em produtos/serviços que agreguem valor, alterando o perfil da produção e da própria força de trabalho. A distribuição dos ocupados por tempo de permanência no trabalho também permanece elevado. Entre 1996 e 2006, o percentual de desligados com menos de 1 ano no emprego caiu de 32,8% para 31,4%, (Krein, 2007). Ou seja, 1/3 dos trabalhadores permanecem no máximo 1 ano em seus empregos. Essa elevada rotatividade dificulta discussão de vários temas importantes com a produtividade, os ganhos reais são anulados pelo efeito do desemprego, uma vez que as empresas contratam com salários menores, comprometendo, desta forma, o crescimento da massa salarial. Os trabalhadores demitidos quando contratados por outras empresas terão seus salários rebaixados, em média 10%, segundo estudos. Além disso, a elevada rotatividade impede uma maior especial-

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ização dos trabalhadores que precisam freqüentemente ter que se adaptar a novos equipamentos e organização do trabalho. A distribuição dos trabalhadores ocupados entre 1995 e 2006 indica uma queda nas ocupações ligadas a atividade agrícola de 28,6% para 21,7%, estabilidade na indústria de 16,3% para 16,5% e um crescimento nas ocupações ligadas ao setor de serviços. Para Gonçalves: "Nos segmentos relacionados ao setor de serviços crescem tanto as atividades que respondem às novas exigências do processo produtivo e do avanço tecnológico como também as desenvolvidas em resposta à crise dos anos de 1990, e ainda aquelas resultantes do processo de concentração de renda e da política de manutenção dos baixos salários" (Gonçalves, 2005, p. 195)

Entre as mulheres ocupadas a redução nas atividades agrícolas foi mais acentuada no período. Passaram de 22,4% em 1995 para 14,4% em 2006, enquanto que na indústria se manteve estável e no setor de serviços passou de 51,5% para 56,3%. Segundo Leone, As mudanças verificadas na estrutura ocupacional brasileira tiveram, assim, implicações diferenciadas nos rendimentos da mão-de-obra ocupada segundo sexo. No caso dos homens - afetados principalmente pela redução do emprego na grande empresa, houve aumento do trabalho por conta própria, do número de pequenos empregadores e de seus empregados, e da freqüência dos empregados sem carteira de trabalho-, as mudanças agiram ais no sentido de uma desvalorização do trabalho masculino, ao eliminar ocupações com rendimentos mais elevados. Já no caso das mulheres, o aumento do emprego público e privado em atividades sociais e a profissionalização do emprego doméstico remunerado atuaram na direção de uma ligeira melhora no perfil de remunerações do emprego feminino. (2005:172-3)

Os dados das tabelas 1 e 2 analisam a posição na ocupação, e medem o grau de formalização dos trabalhadores a partir do emprego com carteira de trabalho assinada. Os dados sugerem para as mulheres um crescimento do emprego com carteira de trabalho assinada que passa de 22,7% para 27,5% no período analisado. O emprego sem carteira assinada (precário) também cresceu de 10,1% para 13,6%. Entre as trabalhadoras domésticas cresce o emprego com registro e cai o emprego sem registro, conforme dados da tabela 1.

Tabela 1 - Distribuição dos ocupados por sexo feminino, segundo a posição na ocupação e a categoria do emprego no trabalho principal (%) - 1995/2006 Posição na ocuapção 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 2005 2006

OK só falta aplicar a tabela correta

Empregado com carteira de trabalho assinada

22,7

24,1

23,8

24,1

23,3

25,1

25,1

Empregado sem carteira de trabalho assinada 10,1 11,6 11 11,9 11,7 13,2 13,3 Trabalhador doméstico com carteira de trabalho assinada 3,1 3,7 3,8 4 4,1 4,5 4,3 Trabalhador doméstico sem carteira de trabalho assinada 14,2 13,8 14 12,9 13,1 13,5 13,1 Conta própria 16,6 15,9 16 16,1 16,1 16,3 16,2 Empregador 1,9 2 2,1 2,3 2,2 2,4 2,7 Fonte: IBGE, Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, série 1995/2006

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25,6

26

26,7

27,5

13

14

13,1

13,6

4,5

4,3

4,3

4,4

12,8 13 16,3 16,4 2,5 2,6

12,8 16,3 2,7

12,4 16,1 2,8


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Entre os homens ocorre um processo semelhante ao identificado com as mulheres. Cresce o emprego formal de 32% para 35,7%, enquanto que entre os sem registro praticamente não se observam alterações. Nos últimos anos, o Ministério do Trabalho e Emprego vem intensificando os processos de fiscalização o que tem resultado em um crescimento da formalização do trabalho. Entre 1990 e 1999 foram registrados 1.101.236 trabalhadores sob ação fiscal. (Krein. 2005)

OK só falta aplicar a tabela correta Os dados de sindicalização apresentam uma trajetória de crescimento, interrompido no ano de 2006, em que o percentual passa a 18,6%. No contexto da década de 1990, com o aprofundamento da segmentação, a taxa de sindicalização tende, na maioria dos casos, a apresentar um declínio. Os setores mais dinâmicos da economia perderam base, principalmente pelo enxugamento da categoria e pelo contexto desfavorável à ação coletiva, dificultando a afirmação do sindicato como um ator social relevante na sociedade. A recuperação das taxas ocorre nesta década em que o próprio nível de emprego apresenta resultados favoráveis. A INCLUSÃO DE NOVOS TEMAS Dependendo do âmbito da negociação, a pauta ou os temas em discussão podem mudar. Se estivermos falando de negociação para renovação do acordo coletivo, certamente alguns itens terão mais peso do que outros. Nestas ocasiões as cláusulas econômicas e sociais adquirem um peso maior, em detrimento de novas pautas/temas, considerando que a finalidade primeira de uma entidade de representação dos trabalhadores é negociar melhores condições de trabalho e salários, os temas econômicos, na maioria das vezes, predominam. Isto não significa que este não seja um bom momento para incluir novos temas, especialmente os relacionados às políticas afirmativas, como o direito a salário igual para função igual, igualdade de oportunidades para homens e mulheres, negros e negras, combate ao assédio moral, sexual, cotas para trabalhadores/as com deficiência, bandeiras históricas como a redução da jornada de trabalho, dentre outros. Como se pode observar o processo de negociação pode envolver uma infinidade de temas e em alguns casos é necessário um grande esforço de convencimento para que seja considerado um tema importante, não só entre os empregadores, mas entre a própria bancada de trabalhadores. Não basta apenas definir a pauta. É preciso conhecer o conteúdo da reivindicação, sustentar os argumentos com dados e fatos que comprovem a necessidade de inclusão do tema na pauta.

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NEGOCIAÇÕES COLETIVAS E AS REIVINDICAÇÕES DAS MULHERES O quadro abaixo explicita uma situação vivida pelas mulheres no mercado de trabalho. Embora mais escolarizadas, elas recebem salários menores em relação ao dos homens em todas as atividades profissionais. Isto ocorre porque, na maioria das vezes, as mulheres estão nas piores ocupações e com baixos rendimentos. Portanto, políticas de ação afirmativa podem contribuir para reverter esse quadro, desde que haja consciência entre os trabalhadores que estas diferenças são frutos de construções sociais, elas não podem ser naturalizadas, encaradas como natural, uma vez que não existem ocupações típicas de homens e ocupações típicas de mulheres. Se existe diferença entre o ser homem e o ser mulher não significa que estas diferenças tenham que se transformar em desigualdade. A tabela a seguir indica uma grande concentração de mulheres na faixa de até 1,5 salários mínimos, enquanto que nas faixas posteriores a proporção maior é dos homens. Com base nestes dados podemos nos questionar sobre o porquê destas diferenças, o que faz com que as mulheres mesmo com escolaridade mais elevada recebam salários menores, o que é possível discutir na mesa de negociação para reverter esta situação.

Fonte: Rais/2005 - Ministério do Trabalho e Emprego

Outro tema igualmente importante se refere à jornada de trabalho. Bandeira histórica do movimento sindical, a redução da jornada de trabalho, retorna com força as mesas de negociação. A IMPORTÂNCIA DA LUTA PELA REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO A luta pela redução da jornada de trabalho existe desde o inicio do capitalismo. Na primeira revolução industrial, essa luta já ocorria. Nesse período os trabalhadores e trabalhadoras eram submetidos a uma jornada de até 18 horas diárias. Durante o século XIX, as constantes lutas e mobilizações dos trabalhadores garantiram a redução da jornada de trabalho para 10 horas semanais, isto ocorreu na Inglaterra em 1847 e na França em 1848. Nos Estados Unidos, a luta pela redução da jornada de trabalho de 16 para 8 horas semanais foi marcada no ano de 1886 em que manifestações e morte de trabalhadores na luta por uma jornada menor marcaram o dia 1º de maio como o dia do trabalhador em quase todos os países do mundo. No final do século XX quando o principal problema encontrado nas economias desenvolvidas é o desemprego a discussão em torno da redução da jornada de trabalho adquire novo significado. Diferentemente dos séculos anteriores quanto à diminuição do tempo de trabalho visava especificamente à melhoria da qualidade de vida dos trabalhadores agora ela adquire uma dimensão mais macroeconômica. A redução da jornada de trabalho volta ao centro do debate como instrumento de geração de novos postos de trabalho. (Calvete, 2003).

O tema da redução da jornada de trabalho é bastante polêmico, principalmente quando se analisa a redução sob a ótica de geração de novos postos de trabalho. Para alguns especialistas a geração de novos empregos é decorrência das políticas macroeconômicas desenvolvidas e que, portanto, a redução da jorna-

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da em um contexto de baixo dinamismo econômico não resultaria automaticamente na geração de novos postos de trabalho. Para outros, a liberalização do mercado de trabalho por meio da flexibilização e da desregulamentação solucionariam o problema do desemprego. Quando se analisa a jornada de trabalho em outros países percebemos que a duração da jornada de trabalho teve em geral uma trajetória muito semelhante em todos os países capitalistas. No principio do modo de organização capitalista e no decorrer do capitalismo concorrencial onde poucas regulações estatais existiam e onde a forma mais utilizada para exploração do trabalhador era a extensão da jornada de trabalho (mais-valia absoluta) a quantidade de horas diárias trabalhadas e os dias trabalhados tenderam a se estender até o limite da capacidade humana. A partir daí a classe trabalhadora foi se organizando e conquistando melhorias nas condições de trabalho e redução do tempo de trabalho. Meados do século XIX marcaram o início da inflexão da curva do tempo de trabalho. A partir de então a redução das horas anuais trabalhadas foi se reduzindo continua e constantemente. Para além do debate sobre a geração de novos postos de trabalho, consideramos que a luta pela redução da jornada de trabalho representa a luta por uma distribuição mais equilibrada entre capital e trabalho na repartição dos ganhos de produtividade. Se no inicio do século XIX os capitalistas se apropriavam da mais valia dos trabalhadores estendendo a jornada para até 16 horas diárias, com o desenvolvimento da tecnologia observa-se, em primeiro lugar, uma separação entre o progresso técnico e a organização do trabalho, permitindo ao capital regular a oferta de trabalho mesmo com o crescimento da produção. Desta forma o capital endogeiniza a oferta de trabalho. Os ganhos de produtividade com a utilização de novas tecnologias crescem de forma exponencial neste último século. O tempo necessário para a produção de um determinado bem ou serviço caiu pela metade, enquanto que os salários não acompanharam essa evolução. Pelo contrário, a produtividade sumiu da maior parte das negociações coletivas ou foi substituída pela remuneração variável na forma de participação nos lucros ou resultados. No entanto, esta forma de remuneração não é incorporada aos salários e, no ano seguinte, será negociada novamente, além disso, os seus valores podem variar dependendo do desempenho da empresa. Há uma acomodação de parte do movimento sindical a essa forma de remuneração e, frente às pressões decorrentes dos elevados níveis de desemprego e precarização dos anos de 1990, reduziu a luta pela redução da jornada de trabalho e os ganhos de produtividade a apenas bandeiras de luta. Nos últimos anos o quadro se alterou, a taxa de desemprego é a menor dos últimos 10 anos, cresceu a formalização do trabalho e a inflação atingiu patamares bastante reduzidos.Vivemos em um contexto que favorece a luta pela redução da jornada de trabalho. Conquistar mais tempo para dedicar-se a família, ao lazer e aos estudos é um direito de todos os trabalhadores. Os avanços tecnológicos só fazem sentido se forem para melhorar a vida de todos e não apenas ser apropriado pelo capital. DESENVOLVIMENTO DA NEGOCIAÇÃO Neste tópico trataremos do desenvolvimento da negociação realizada entre representantes patronais e representantes de trabalhadores. Com a adoção do princípio da data-base, há uma previsão legal de todos os passos da negociação, que começa com a entrega da pauta de reivindicações, sessenta dias antes do vencimento da data-base, e termina com um acordo dentro deste prazo, ou, em caso contrário, com o ajuizamento do dissídio no Tribunal Regional do Trabalho, instalada por uma das partes, para não se perder a data-base. O rito da negociação da Convenção/Acordo Coletivo começa pela entrega de uma pauta de reivindicações à empresa antes do vencimento da data-base. Se houver acordo e uma proposta for alcançada na mesa de negociação, o sindicato deverá submetê-la a uma assembléia dos trabalhadores para aprovação. Depois de aprovada em assembléia, a convenção coletiva é assinada pelas partes que terá validade de, no mínimo um ano, podendo se estender até dois anos, se as partes assim concordarem. Até a Constituição de 1988, o acordo deveria ser homologado também pelo Ministério do Trabalho. Atualmente as partes registram o acordo ou convenção em cartório que passa a ter validade legal.

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QUAIS SÃO AS DIFERENÇAS ENTRE CONVENÇÃO COLETIVA E ACORDO COLETIVO? A convenção coletiva é um instrumento celebrado entre empregados e empregadores que abrange uma determinada categoria profissional com base municipal, estadual ou nacional. Já o acordo coletivo tem abrangência mais restrita, no geral se refere a uma empresa apenas. Muitas vezes o termo acordo coletivo é utilizado de forma mais ampla. Já o termo contrato coletivo pode designar tanto um acordo (por empresa, que pode ser nacional ou até internacional) como convenção coletiva (categoria ou setor econômico). A CUT nos anos de 1980 e 1990 passou a utilizar o conceito de contrato coletivo como um modelo alternativo à convenção coletiva, como expressão de uma proposta para ampliar o espaço da contratação coletiva previsto na CLT. Ocorrendo as duas formas de negociação (convenção ou acordo coletivo) abrangendo os mesmos trabalhadores, prevalecerá a norma mais favorável de acordo com o artigo 620 da CLT. Aqui é importante tratar a realidade da negociação em outros setores, como o funcionalismo público, por exemplo, uma vez que os processos e etapas da negociação ocorrem de forma diferenciada, já que a negociação coletiva com data-base é uma conquista dos trabalhadores e trabalhadoras do setor privado. Os servidores públicos não têm direito legal à negociação e só recentemente, na constituição de 1988, viram seus direitos de organização sindical reconhecidos. Outras trabalhadoras, como as empregadas domésticas, sequer têm os mesmos direitos reconhecidos para todos os demais trabalhadores, pela CLT.

Os direitos dos/as trabalhadores/as domésticos/as Os primeiros direitos conquistados pelas empregadas e empregados domésticos foi em 1972 com a Lei 5.859 e, posteriormente, com a constituição de 1988 alguns direitos foram ampliados. Antes da lei n. 5.859/72, as empregadas domésticas não tinham nenhum direito assegurado. Em 1972 passam a ter o direito a carteira assinada, assistência médica pelo INSS, aposentadoria e férias de 20 dias. Dos 34 direitos dos trabalhadores enumerados pela Constituição (artigo 7º), nove são extensivos aos empregados e empregadas domésticas, entre os quais 13º salário, aviso-prévio, aposentadoria e licença de 120 dias à gestante. A Constituição assegura, ainda, direitos como garantia de salário - nunca inferior ao mínimo -, irredutibilidade salarial, repouso semanal remunerado (preferencialmente aos domingos), férias anuais acrescidas de 1/3 e licença-paternidade. Recentemente a Lei n.º 10.208, de 2001, faculta (não obriga) ao empregador incluir a doméstica no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). O Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e seguro-desemprego só estão garantidos aos que tenham carteira de trabalho assinada. No entanto, a lei não garante para essas trabalhadoras e trabalhadores, a metade dos benefícios que constam na CLT. O empregador pode contratar sem conceder Fundo de Garantia, Seguro-Desemprego, Programa de Integração Social (PIS), salário-família, hora extra e jornada fixa de trabalho. Inúmeras críticas foram dirigidas acerca da relação dos direitos do trabalhador doméstico no processo constituinte de 1988. Houve quem defendesse somente a inserção de direitos de caráter genérico, sem particularidades que deveriam ficar a cargo de lei ordinária, pois tal especificação inibiu a equiparação do doméstico aos demais empregados definidos no artigo 3º da CLT. Há controvérsias sobre o tema. Argumenta-se, novamente, que o trabalho realizado pelas empregadas domésticas difere daquele realizado por outros trabalhadores, na medida em que não configura uma relação típica de uma empresa. (Teixeira, 2004)

Estrutura da negociação coletiva no setor público Nos anos de 1980, antes da Constituição de 1988, havia um paradoxo nas relações de trabalho do setor público. Por um lado, existia um marco legislativo geral, consagrado a determinação unilateral, do administrador, no sentido de se proibir a associação sindical e o direito de greve. O que em si inviabilizava a possibilidade da negociação coletiva

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no setor público. Por outro lado, as fortes mobilizações e greves em muitas categorias, num contexto de redemocratização da sociedade brasileira e de aumento da demanda por serviços sociais, fizeram com que, na prática, ocorressem negociações ou, ao menos, acordos mais ou menos formais entre os atores sociais constituídos (Estado e representações dos servidores públicos). Havia, assim, uma diferença entre o formal proibitivo e a dinâmica das associações, greves e negociações. A razão desta discrepância encontra-se no contexto político e nas lutas sociais do período. A Constituição de 1988 procura expressar esse movimento real dos anos 80, institucionalizando a democratização das relações de trabalho na administração pública, ao reconhecer o direito de organização e de greve dos servidores públicos civis: "Não cabe dúvida que a norma constitucional assegurou - via incisos VI e VII, do seu artigo 37 - aos servidores públicos civis da administração pública direta e indireta qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o direito à livre associação sindical e ao exercício do direito de greve nos termos e nos limites de lei específica" (Siqueira Neto, 2000). Apesar disso, a Constituição Federal de 1988 não explicitou o direito de negociação coletiva, o que gerou uma polêmica vigente até hoje. O artigo 39 da Constituição, que trata dos direitos dos servidores públicos civis, não estende a eles o inciso XXVI do artigo 7º, que assegura aos demais trabalhadores o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, mas condiciona seu desenvolvimento a procedimentos diferenciados em relação ao setor privado da economia. Portanto, nada impede que o projeto de lei seja fruto de um processo negociado entre as entidades sindicais e o Executivo. Nos anos de 1990 - em um contexto de reformulação do papel do Estado numa perspectiva neoliberal, de buscar a qualquer custo o equilíbrio fiscal, mesmo tendo de pagar um volume astronômico de recursos para a dívida pública -, prevaleceu a tese refratária ante a negociação coletiva. O ápice institucional dessa decadência, todavia, deu-se com a consolidação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que praticamente aniquilou o exercício do direito de greve dos servidores públicos, até que o mesmo venha a ser regulamentado pela legislação referida no inciso constitucional, que assegura o direito em foco. A negociação coletiva na administração pública apresenta uma série de especificidades em relação à negociação coletiva do setor privado (CLT). A principal dela, talvez seja a necessidade de que o resultado, para ter validade, seja transformado em projeto de lei, aprovado pelo Poder Legislativo e sancionado, depois, pelo executivo. Assim, o processo de negociação no setor público deve começar mais cedo. Já no momento de apreciação e aprovação, pelo legislativo, da proposta orçamentária do governo para o ano seguinte. Envolve, ainda, um processo de negociação com os parlamentares, que se estende durante as negociações propriamente ditas (com o executivo), até a aprovação final da lei dos serviços prestados, de atendimento à comunidade, bem como à necessidade de compatibilização com as demais demandas da sociedade por recursos públicos escassos, além de um esforço permanente, da parte das entidades sindicais de servidores públicos, de manterem a opinião pública informada e de buscar seu apoio às reivindicações. Como não há a possibilidade de recursos à Justiça do Trabalho, no caso de impasse nas negociações, o resultado final acaba ficando, em última instância, na negociação direta, que muitas vezes é intermediada pelo Poder Legislativo. Ou, ainda, o Poder Legislativo pode resolver o impasse através da apreciação de eventuais vetos do Executivo ou com a iniciativa de um projeto de Lei, que será aprovado pelos parlamentares. Há, também, a possibilidade de recorrer e acionar o Ministério Público, para buscar garantir a lisura no atendimento à população, a preservação do serviço e os direitos da sociedade e dos servidores. (Debate & Reflexões, 2002)

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DESFECHO DA NEGOCIAÇÃO Nesta etapa vamos inserir o leitor sobre as possibilidades de resolução dos conflitos quando se identifica uma situação de impasse na mesa de negociação. Quando o processo de negociação se esgota, quais são as possibilidades? " Conciliação: é um meio de solução de controvérsias em que as partes resolvem o conflito, através da ação de um terceiro, o conciliador. O conciliador, além de aproximar as partes, aconselha e ajuda, fazendo sugestões de acordo. " Mediação: é um meio alternativo de solução de controvérsia, em que um terceiro auxilia as partes a chegarem, por si próprios, a um acordo. Importante ressaltar que as partes são as detentoras do poder de decisão. O mediador jamais poderá decidir, pois age como um facilitador. " Arbitragem: é um método alternativo de resolução de uma controvérsia, por livre e espontânea vontade das partes, transferindo para terceiros, os árbitros, a solução do litígio. A arbitragem poderá ser exercida por qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes poderá atuar como árbitro. Além dessas três possibilidades de resolução do conflito, temos a justiça do trabalho. A JUSTIÇA DO TRABALHO A função dos tribunais do trabalho é dirimir as controvérsias da legislação e das disputas que envolvam o cumprimento dos contratos individuais e coletivos de trabalho. Eles são responsáveis pela conciliação, arbitragem e julgamento as negociações coletivas. Os conflitos trabalhistas podem ser solucionados, segundo o arcabouço institucional vigente, através da mediação sob responsabilidade da Delegacia Regional do Trabalho (órgão do Ministério do Trabalho) e da arbitragem, sob a responsabilidade da Justiça do Trabalho, que é quem detém o poder normativo (isto é, regula as regras dos contratos individuais de trabalho de ma determinada categoria). Portanto, a Justiça do trabalho é uma instância elementar, no direito do trabalho, como espaço de solução de conflitos de direito e de interesse. Isto é, ela não somente homologa os acordos e julga fatos previstos na legislação existente. Como pode criar normas, que deverão ser seguidas pelas partes em conflito. Pela estrutura vigente, se uma das partes não instaurar o dissídio até o vencimento da data-base, o acordo normativo anterior perde a validade. Em função do papel centra ocupado pelo poder normativo da Justiça de Trabalho na solução dos conflitos, ela constitui-se em uma referência para os acordos e convenções coletivas negociadas no âmbito das categorias e empresas, principalmente para as de menor poder de organização e mobilização.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Sugira um levantamento das cláusulas mais freqüentes que envolvam temas relacionados às políticas afirmativas. Tendo como referência o levantamento realizado, solicite que o grupo identifique os principais avanços obtidos na mesa de negociação em torno destes temas. Visando problematizar os assuntos desenvolvidos, sugerimos algumas questões que podem nortear os debates com os cursistas: • Qual a avaliação que o grupo faz dos impactos na mudança do padrão de negociação em suas respectivas categorias? • Quais as cláusulas que sofreram mais pressão para a sua retirada, quais avançaram e quais se mantiveram? • Quais os novos temas propostos pelo sindicato dos trabalhadores ou pelo sindicato dos empregadores? • Como os trabalhadores dos setores vêem as propostas de redução da jornada de trabalho? Como as organizações sindicais têm desenvolvido ou participado de campanhas pela redução da jornada de trabalho?

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Espaços, estratégias dos atores sociais e tendências da negociação Aqui analisaremos as principais tendências das negociações coletivas nos anos recentes (anos 90 e a partir de 2000). Iniciaremos com uma análise dos espaços de negociação no Brasil; na seqüência abordaremos as estratégias dos atores sociais e, por último, os posicionamentos existentes sobre a flexibilização das relações de trabalho. OS ESPAÇOS NORMATIVOS ONDE SE REALIZAM AS NEGOCIAÇÕES Embora não se possa afirmar como uma tendência, mas nos últimos anos se observa um deslocamento do espaço de regulação do trabalho para o interior das empresas, sem que a convenção coletiva deixe de existir. No entanto, o que se observa é que este processo é bastante diferenciado dependendo da posição que a categoria ocupa dentro da cadeia de produção. Quando nos referimos às pequenas e médias empresas, os poucos benefícios existentes dependem da lei e da convenção. Em relação as grandes empresas existem mais facilidades, muitas vezes são realizados acordos que superam a convenção coletiva. Existem quatro espaços de normatização das relações de trabalho no Brasil: 1.O Estado através da legislação 2.O poder normativo da justiça do Trabalho 3.A negociação coletiva (envolve os atores sociais) 4.Poder discricionário unilateral da empresa A conformação do Sistema de Relações de Trabalho - STR, no Brasil, ocorreu no período entre 19301943. Dentre as principais características que podemos destacar de nosso SRT é o seu caráter ambíguo. A CLT, quando criada em 1943, ao mesmo tempo em que garantia direitos, os direcionava apenas para o setor urbano, discriminando desta forma todos os demais trabalhadores. Em relação aos direitos coletivos, todos os procedimentos da negociação são determinados pelo Estado, mas ao mesmo tempo convivemos com um sistema que, do ponto de vista do uso do trabalho, apresenta certa flexibilidade, vide todas as medidas flexibilizadoras introduzidas na década de 1990. OS ESPAÇOS NORMATIVOS: • A regulamentação das relações de trabalho pelo Estado, através do arcabouço legal em vigor - tendo como referência a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e a Constituição Federal de 1988 - e do poder normativo da Justiça do Trabalho, que tem poder de regular a relação entre capital e trabalho e serve de referência para as negociações coletivas, especialmente das categorias como menor poder de mobilização. • A negociação direta entre os sindicatos de trabalhadores e empregadores, firmada em convenções e/ou acordos coletivos, que podem regular as relações de trabalho, desde que não firam a legislação em vigor. Considerando a estrutura econômica e a tradição política e sindical, somente na década de 1980 a negociação direta adquire alguma importância na história brasileira. • A negociação no âmbito da empresa. Através de seu poder discricionário a empresa pode, unilateralmente, definir como serão as relações de trabalho. As empresas são favorecidas pelo caráter flexível das relações de trabalho existentes no Brasil, condição que se amplia a partir dos anos de 1990 em decorrência da desestruturação do mercado de trabalho e das mudanças tecnológicas e organizacionais dentro das empresas. OS NÍVEIS DE NEGOCIAÇÃO Nas grandes empresas, especialmente dos setores mais dinâmicos, alguns benefícios não estão regulados nem pela lei, nem pela convenção coletiva, apesar delas constituírem referências importantes. Tende a prevalecer, nestes casos, o acordo coletivo ou uma negociação tácita ou informal. Nas médias e pequenas empresas em que predominam os setores menos dinâmicos da economia com presença sindical, a convenção coletiva tem, ainda, um papel importante na determinação dos benefícios existentes. Nestes setores, o próprio processo de negociação é, historicamente, mais frágil, onde as negociações mais pulverizadas e descentralizadas tendem a fragilizar os trabalhadores na luta por melhores

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condições de trabalho e remuneração. Ao mesmo tempo, nas negociações gerais, a referência que pauta as cláusulas não é a grande empresa, mas as da pequena e média. Nos setores econômicos menos dinâmicos, nos quais a presença sindical é frágil, a base de benefícios é aquela estabelecida em lei, quando esta é respeitada. Nestes setores, as próprias convenções coletivas reafirmam, basicamente, o que está na legislação. Essa estratégia é utilizada pelos sindicatos com a finalidade de ampliar a aplicabilidade dos direitos já existentes Nos setores informais, no trabalho por conta própria, nos terceirizados, nas cooperativas, nas pequenas empresas familiares e outras, continua a predominar a ilegalidade, principalmente através dos contratos sem registro em carteira de trabalho, onde muitos dos direitos inscritos na lei são referências gerais, mas, na prática, não são respeitados na sua integralidade. Nos últimos anos a tese da flexibilização se transformou, na visão dos liberais conservadores, na única solução para os problemas do mercado de trabalho; desencadeando uma série de iniciativas destes setores como a apresentação de projetos de Lei e emendas cujo propósito é flexibilizar ainda mais as relações de trabalho. ESTRATÉGIAS DOS ATORES SOCIAIS Dado o contexto desfavorável para os trabalhadores na década de 1990, os empresários procuraram ajustar as relações de trabalho às necessidades competitivas da empresas, insistindo na tese da flexibilização. A principal proposta das entidades empresariais é de instituir um sistema de relações de trabalho em que prevaleça o negociado sobre o legislado. Ou seja, transferindo a regulação das relações de trabalho da esfera pública para a esfera privada (para o âmbito das empresas). Os trabalhadores por sua vez são contra a flexibilização; já convivem com um modelo bastante flexível de relações de trabalho, pois foram inúmeras as medidas adotadas nos anos de 1990 com o intuito de flexibilizar as relações de trabalho e este processo todo não resultou necessariamente na geração de mais empregos e tampouco na melhoria das condições de trabalho e salários. Ainda em relação às estratégias empresariais, no âmbito das negociações coletivas o que se observa é uma pressão pela retirada de direitos ou compra de direitos. O ataque aos direitos dos trabalhadores se dá basicamente em três dimensões: na remuneração, no uso do tempo e nas garantias de estabilidade. Os exemplos mais recentes podem ser identificados entre os bancários, no que se refere ao anuênio, no setor elétrico em relação à jornada de trabalho, no ramo químico em relação aos turnos. Podem ser indicadas quatro razões explicativas para esta postura: 1) procurar restringir a regulação social da determinação do uso do trabalho; 2) limitar o poder e a influência do sindicato; 3) prevenir-se de possíveis pendências jurídicas futuras, que possam constituir passivos trabalhistas; 4) baixar o custo da remuneração fixa, reduzindo custos. Em 1999, a Central Única dos Trabalhadores, na sua 9ª Plenária Nacional, reiterou sua luta por um Sistema Democrático de Relações de Trabalho, elaborado a partir de 1992, e que serviu de base para a atuação da CUT no Fórum Nacional do Trabalho, que pretendeu tratar da reforma sindical no país, a partir de 2003. Inconclusa a reforma, e adiadas várias iniciativas e expectativas criadas naquele âmbito, algumas mudanças importantes, como vimos anteriormente, foram conquistadas, como o reconhecimento das centrais sindicais. A base fundamental da proposta é a instituição de um regime de plena liberdade de organização sindical em completa sintonia com os princípios consagrados nas Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT). As convenções 87 (Liberdade sindical e proteção ao direito de sindicalização), 98 (Aplicação do princípio do direito de sindicalização e da negociação coletiva), 135 (Proteção aos representantes dos trabalhadores nas empresas), 151 (Proteção ao direito de sindicalização e procedimentos para definir as condições de emprego na administração pública), 158 (Sobre o término da relação de trabalho por iniciativa do empregador), entre outras. O estabelecimento de um processo de transição da atual estrutura para um regime de liberdade sindical é outro aspecto fundamental da proposta. A manutenção dos atuais direitos trabalhistas e sociais deve ser garantida por uma Legislação de Transição que estabeleça a ultratividade dos atuais acordos e convenções coletivas (vigência até que sejam substituídos por novos acordos), assim como o poder de contratação das atuais entidades sindicais. (CUT. 1999).

A seguir, organizamos os principais elementos que estão na base da proposta construída pela CUT para um Sistema Democrático de Relações de Trabalho.

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Democrático de Relações de Trabalho. Convenções da Organização Internacional do Trabalho - OIT Convenção Nº 87 98 135 141 151 154 158 100 105 111 138 156

Disposições Liberdade sindical e a proteção do direito sindical (1948): direito de todos os trabalhadores e empregadores de constituir organizações e de a elas se afiliarem, sem prévia autorização; e dispõe sobre garantias para o livre funcionamento dessas organizações, sem ingerência das autoridades públicas. Aplicação dos princípios do direito de sindicalização e de negociação coletiva (1949): proteção contra todo ato de discriminação que reduza a liberdade sindical, proteção das organizações de trabalhadores e de empregadores contra atos de ingerência de umas nas outras, e medidas de promoção da negociação coletiva. Proteção e facilidades aos representantes de trabalhadores na empresa. Organizações de trabalhadores rurais e seu papel no desenvolvimento econômico e social. Proteção do direito de sindicalização e procedimentos para definir as condições de emprego no serviço público. Promoção da negociação coletiva. Proteção contra a dispensa imotivada. Igualdade de remuneração entre homens e mulheres. Abolição do trabalho forçado. Eliminação de toda discriminação no emprego e ocupação. Estabelece idade mínima para admissão no emprego (não inferior à conclusão do ensino obrigatório). Igualdade de oportunidades e de tratamento para homens e mulheres trabalhadores com encargos de família.

CUT - Sistema Democrático de Relações de Trabalho SDRT - Pressupostos ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO

NEGOCIAÇÃO SUSTENTAÇÃO COLETIVA FINANCEIRA CENTRAL SINDICAL Contrato Coletivo Nacional Articulado Liberdade e Autonomia Poder negocial dos Sindical, com critérios de sindicatos Fim do Imposto Sindical e CONFEDERAÇÃO/ representatividade para Soberania das Assembléias de todas as taxas compulSINDICATO Representação e Garantia ao trabalhador do sórias NACIONAL Negociação direito à norma/contratação mais favorável dentre os níveis Reconhecimento das Ultratividade dos Acordos FEDERAÇÃO/ Centrais Sindicais e estru- Acesso a informações das Financiamento definido em SINDICATO turas nelas organizadas empregadoras. Assembléia, com desconto ESTADUAL Amplo direito de em folha de pagamento substituição processual. (mensalidades, taxas negoSeção Sindical Fim do poder normativo ciais, etc..) SINDICATO Organização Sindical nos da justiça do Locais de Trabalho trabalho. Comissão de Representantes Fim da unicidade sindical LOCAL Organização e Negociação Voluntária. DE Representação dos Sistema de Composição de TRABALHO Trabalhadores no Local Conflitos. de Trabalho

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CUT- Sistema Democrático de Relações de Trabalho SDRT - Negociação e Contratação Coletiva Quem negocia CUT Nacional Ramos e Confederações da CUT Federações CUT Estadual Sindicatos (1) Seção Sindical no Local de Trabalho OLT (2) (1) (2)

O que negocia Contrato Coletivo Nacionalmente Articulado e questões gerais de interesse da classe trabalhadora brasileira. Contrato Coletivo Nacionalmente Articulado e questões gerais de interesse dos Ramos. Contratos Gerais para os Ramos e questões gerais de interesse dos Ramos. Contratos Estaduais e questões gerais de interesse dos sindicatos no estado. Convenção Coletiva, e Acordos específicos da categoria. Fiscaliza os acordos do sindicato nos locais de trabalho, representa os trabalhadores junto à direção plena do sindicato. Negocia apenas questões que independem de acordos da abrangência sindical

Com quem negocia Poder Público, Entidades Patronais Nacionais, Sociedade Civil. Poder Público, Entidades Patronais Negociadoras dos Ramos, Sociedade Civil. Poder Público, Entidades Patronais Negociadoras dos Ramos, Sociedade Civil. Poder Público, Entidades Patronais Negociadoras nos estados, Sociedade Civil. Entidades patronais, Poder Público local e Sociedade Civil. A empresa. A empresa.

Os sindicatos continuariam participando de todo processo negocial, elaborando com os trabalhadores as pautas de reivindicações, indicando representantes para as negociações setoriais e fundamentalmente mobilizando os trabalhadores durante o processo negocial, coordenando as assembléias na base para a aprovação ou não dos acordos. A Organização por Local de Trabalho não substituiria os sindicatos, seria eleita por todos os trabalhadores, independente de filiação.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Sobre os espaços normativos das relações de trabalho, sugerimos que a turma reflita, a partir das realidades apresentadas pelos participantes, os aspectos a seguir, identificando semelhanças e diferenças e, em especial, socializando as estratégias sindicais para se contrapor à flexibilização destas relações. Como os cursistas percebem, na sua categoria e entidade sindical, a presença e incidência dos espaços normativos citados no texto? Estes espaços normativos são suficientes para garantir e ampliar os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras? Que estratégias empresariais para a flexibilização das relações de trabalho podem ser verificadas nas empresas da categoria dos cursistas? Como as entidades sindicais estão enfrentando estas estratégias de flexibilização nas suas categorias? A tese da flexibilização ganhou muito espaço nos anos de 1990, com o argumento de que relações de trabalho mais flexíveis permitiriam a geração de mais postos de trabalho. No entanto, mesmo diante de todas as medidas introduzidas nos anos de 1990, o mercado de trabalho não tem conseguido gerar postos de trabalho suficientes para reduzir a taxa de desemprego e ampliar a inclusão social. Propomos que os educadores e educadoras realizem um debate em grupo sobre que projeto de desenvolvimento interessa aos trabalhadores e o tema dos custos do trabalho no Brasil, tão propalado pelo empresariado. Além disso, é importante refletir que benefícios a adoção de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho, nos moldes em que a CUT propõe, traria para: A capacidade de negociação e contratação das entidades sindicais e seus dirigentes? A manutenção e ampliação de direitos trabalhistas para as categorias e setores representados? A ampliação da negociação para novas pautas, e a apropriação do movimento sindical de temas e oportunidades para a ampliação de direitos? E, por fim, é importante que os cursistas reflitam, debatendo coletivamente e de modo bastante detalhado, sobre os aspectos que a formação sindical deve focalizar e aprofundar, favorecendo que os dirigentes e militantes sindicais estejam qualificados para participar e liderar processos de negociação e contratação coletivos. Este debate deve ser feito de modo bastante aprofundado, pois tende a impactar a ação sindical formativa após o curso, o que é muito positivo e desejável.

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Estrutura e Organização Sindical no Brasil: do anarco-sindicalismo à atualidade

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esta unidade vamos tratar da estrutura e da organização sindical no Brasil, tendo como referência a história do sindicalismo, o debate sobre o desenvolvimento da estrutura sindical e os principais desafios ao sindicalismo na atualidade. Assim, iniciaremos esta unidade abordando O sindicalismo no período pré-1930. Veremos os primórdios do sindicalismo no país por meio das organizações anarquistas, a concepção sindical vigente naquela época e as principais lutas em pauta. Em O sindicalismo corporativista a partir dos anos 1930, veremos os impactos da chamada Revolução de 30 para o movimento sindical e a transição de um sindicalismo livre para um sindicalismo sob tutela do Estado que, salvo algumas alterações na lei, ainda permanece vigente entre nós na atualidade. As lutas contra a ditadura militar e pela democratização do país são o pano de fundo de O sindicalismo pós-1964, quando a emergência do chamado novo sindicalismo recoloca os trabalhadores e trabalhadoras na cena política nacional, ensejando um vigoroso movimento classista e fortemente politizado, cujos impactos transformaram profundamente a sociedade da época e cujos ideais se mantém em disputa até os dias atuais, que são abordados nos Principais desafios para o sindicalismo na atualidade, imersos nas mudanças no padrão de acumulação do capital, no predomínio da ideologia neoliberal durante pelo menos duas décadas e as transformações políticas que elegeram um governo federal democrático e popular em 2002, firmando um novo padrão de desenvolvimento social, do papel do Estado, da condução das políticas públicas e valorização do Trabalho; e apresentando novos desafios ao sindicalismo contemporâneo em nossa sociedade em franca disputa de hegemonia e com possibilidades de consolidar conquistas muito importes e ampliá-las. É esta visão panorâmica, geral, mas robusta, que oferecemos aos educadores e educadoras com a finalidade de subsidiar o trabalho de formação de dirigentes, sempre ávidos de informações, reflexões e possibilidades de processos coletivos; que são sugeridos ao longo da unidade.

O sindicalismo no período pré-1930 PRÁ COMEÇO DE CONVERSA! A bibliografia que trata da origem dos sindicatos no Brasil é muito marcada por um "olhar" que vem da região sudeste, mais especificamente de São Paulo, capital. Em geral, estas referências associam muito fortemente a origem dos sindicatos com a imigração de trabalhadores europeus (em especial de italianos) para trabalhar, primeiro nas plantações de café, e depois nas fábricas que começavam a dominar a imagem da cidade de São Paulo. Também é muito presente a ação política dos anarquistas na origem dos sindicatos no Brasil. Quando tratamos do início dos sindicatos no Brasil as referências mencionadas estão corretas. No entanto, outras referências são possíveis. Falar de sindicalismo em outras regiões do país e para outros segmentos significa contar uma história muitas vezes bem mais recente; não necessariamente oriunda do setor industrial; e nem sempre capitaneado por uma pujante militância revolucionária como a dos anarquistas. Considerar outras realidades significa também reconhecer outras formas de organização dos trabalhadores fora do estritamente âmbito sindical e que travaram importantes lutas no mesmo período em que os anarquistas faziam as primeiras greves operárias em São Paulo. Foram, em geral, trabalhadores rurais ou de setores não industriais que conduziram, por exemplo, a luta em Canudos, a revolta da Chibata, a revolta da vacina, entre outras da primeira metade do século XX. Assim, faremos aqui uma abordagem a partir de referenciais já consagrados, mas chamamos sua atenção, desde já, que se trata de uma leitura possível sobre o sindicalismo e que você, educador (a), tem o desafio de enriquecê-la nos cursos com os dirigentes e militantes.

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AS CONDIÇÕES DE VIDA EM SÃO PAULO NO INÍCIO DO SÉCULO XX Falaremos de São Paulo porque foi ali que se concentrou o processo de industrialização do país e, por decorrência, o operariado, os primeiros sindicatos, lutas e greves. Já vimos também que foi ali que se concentrou a força de trabalho imigrante dos italianos, os principais sujeitos na construção dos sindicatos anarquistas. Vamos compreender esse período. O jornal diário em língua italiana Fanfulla, que começou a ser publicado em 1893, relata as condições de vida dos trabalhadores nos cortiços. Os cortiços são um aspecto notório e significativo da vida paulistana do final do século XIX em diante. O jornal estimava que eles correspondessem a um terço das habitações existentes em São Paulo, em 1904, como podemos ver na matéria publicada.

Jornal Fanfulla, 1904 Falando do cortiço, não pretendemos de forma alguma fazer uma pintura de ambiente, dando relevo à realidade em toda sua crueza. Porque não temos por fim fazer literatura, para uma busca de efeito, mas sim trazer um contributo no interesse do bem público, do respeito à vida e de interesse para a procura do bem-estar. Não podemos, porém, fazer por menos ao dizer que o cortiço é o que há de mais repugnante nas edificações da cidade. Repugnante não só pela estética, mas também e principalmente pela higiene. Casario de um andar, composto de duas filas de aposentos baixos, sujos, úmidos, minúsculos, pouco arejados, limitando uma série de pequenos pátios. Eis como geralmente se apresenta um cortiço. Em cada cubículo, verdadeira colméia humana, com freqüência se comprime toda uma família de trabalhadores, às vezes composta de oito ou nove pessoas. Resulta, dessa forma, uma promiscuidade de sexo e relativa falta de pudor, na ordem moral; sujeira, falta de qualquer comodidade, carência de ar saudável, na ordem física. No patiozinho comum a todos os moradores do cortiço é que se tem um verdadeiro conhecimento do horror da situação miserável dessa gente. Quando não é um pântano, é um montão de imundícies, todos os despejos do dia aí são recolhidos, e, em meio a toda essa sujeira, que emana de odor nauseabundo, as crianças raquíticas, pelo ambiente malsão, passam as horas brincando, enquanto as mulheres se espiolham ou lavam trapos, e as comadres avivam as brigas costumeiras. E quantas meninas que hoje, em tal podridão de ambiente malsão, arregalam os olhos ao ouvir as palavras obscenas e sorriem aos atos equívocos que ali se praticam com freqüência, irão amanhã aumentar o batalhão das Nanás de fancaria. Tristes efeitos do ambiente! Como é triste pensar que muitas famílias de trabalhadores vivem em tais tugúrios, onde entre a falta de ar puro, a tísica e a tuberculose alcançam um fácil triunfo, que facilmente se explica, à vista de tais condições de vida. Diante desse quadro desolador, não é de se admirar o fato de que [os índices de mortalidade infantil] alcancem em São Paulo uma porcentagem tão elevada. (...) Não é para satisfazer um supérfluo sentido da estética que escrevemos, mas sim um profundo sentimento de humanidade, pelo respeito que desejamos em relação à vida e pelo melhoramento do bem-estar da classe trabalhadora. (...) Publicado no jornal Fanfulla, em 11 de outubro de 1904.

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Possibilidades de desenvolvimento metodológico Caro educador (a), é interessante que você proponha aos dirigentes/militantes um levantamento sobre a história do sindicalismo da região onde o curso está sendo realizado ou dos ramos presentes na atividade. Isso pode ser feito de forma não exaustiva, partindo da memória e da trajetória de militância que os cursistas têm de suas lutas. Se for o caso, instigue-os a conhecer a história mais longínqua das lutas dos trabalhadores em sua região ou ramo produtivo. Desta forma, será possível reconstituir a história do sindicalismo para além das referências conhecidas, enriquecendo nosso conhecimento e fortalecendo a identidade dos trabalhadores. Para debater no curso sobre condições de vida dos trabalhadores e trabalhadoras, você pode organizar um trabalho em grupo para leitura desse texto (ou pode fazê-lo em plenária) e discutir quais as condições de vida dos trabalhadores na sua cidade. Há trabalhadores que vivem em situação semelhante, melhores ou piores que aquelas? Se for o caso, como os trabalhadores reagem diante das más condições de vida? Você acha que o seu sindicato ou a central sindical podem fazer algo para melhorar essa situação? O que?

QUEM ERAM OS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DAS FÁBRICAS

Da esquerda para a direita. Interior de uma tecelagem paulistana. Início do século XX. Fonte: Gli italiani nel Brasile, CUT. Operários pousando para fotografia diante da fábrica. Cidade de São Paulo, final do século XIX. Fonte: Gli italiani nel Brasile - CUT. Manifestação operária na cidade de São Paulo durante a Greve Geral de 1917. Fonte: PINHEIRO, Paulo Sérgio & HALL, Michael M. A classe operária no Brasil: Documentos (1889-1930).

Em 1912, o chefe da seção de informações do Departamento Estadual do Trabalho, do governo de São Paulo, apresentou ao diretor desse departamento, um relatório das visitas realizadas a 31 fábricas de tecido da capital, uma em Santos e outra em São Bernardo. Neste relatório, foi identificado um perfil dos trabalhadores da indústria têxtil que, sabemos, constituía na época o principal setor industrial da cidade. Foram contados 10.204 operários. Destes, 1.843 (18,0%) eram brasileiros; 7.499 (73,5%) eram estrangeiros e 862 (8,5%) eram de nacionalidade ignorada. Entre os estrangeiros, 6.044 eram italianos, ou seja, 80,6% dos trabalhadores estrangeiros na indústria têxtil eram italianos. (PINHEIRO e HALL, 1981).

Fonte: PINHEIRO, Paulo Sergio e HALL, Michael. (1981). Elaboração: Escola Sindical S. Paulo - CUT

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Fonte: PINHEIRO, Paulo Sergio e HALL, Michael. (1981). Elaboração: Escola Sindical S. Paulo - CUT.

A grande maioria dos trabalhadores era composta por mulheres (72%), em sua maior parte adolescentes ou bastante jovens. Observe que a soma do percentual de mulheres até 22 anos alcança, aproximadamente, 75% das trabalhadoras, ou seja, uma em cada quatro trabalhadoras tinha até 22 anos. Considerando homens e mulheres, o relatório apontou que aproximadamente 56% eram solteiros e 26% eram casados. Os demais trabalhadores e trabalhadoras eram viúvos ou de estado civil indeterminado. Não existia, na época, a oferta de escolas públicas. O levantamento do grau de instrução dos trabalhadores, tanto das mulheres como dos homens, é de que metade deles (50,9%) sabia apenas ler e escrever; e 37,3% eram analfabetos.

Fonte: PINHEIRO, Paulo Sergio e HALL, Michael. (1981). Elaboração: Escola Sindical S. Paulo - CUT.

Em resumo, a face do operariado paulista "de ponta", na principal indústria dos primeiros anos do século XX, era a de uma jovem italiana, solteira, que provavelmente morava em um cortiço e sabia apenas ler e escrever.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Procure explorar junto aos cursistas uma análise dos dados, a partir do que lhes chamou a atenção nos dados de perfil dos trabalhadores da indústria têxtil, em 1912. Aproveite este momento para que eles reflitam sobre a importância do levantamento de informações para subsidiar uma ação sindical, estimulando esta prática entre os participantes do curso. Questione-os: você sabe qual o perfil dos trabalhadores de sua categoria? Por que é importante conhecer o perfil da categoria? Discuta quais informações são importantes de serem buscadas, como eles farão esse levantamento e, depois, a tabulação

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e análise dos dados. Certamente este trabalho será recompensado pelo retorno político ao sindicato. Ao conhecer o perfil da categoria, o sindicato pode descobrir demandas específicas de segmentos de trabalhadores: das mulheres, de negros, de jovens, de trabalhadores de determinados locais de trabalho ou segmento profissional da categoria. Com os dados em mãos, é possível focar melhor algumas ações sindicais e aprimorar a organização dos trabalhadores.

OS SINDICATOS ANARQUISTAS E AS GREVES OPERÁRIAS Os sindicatos no Brasil, como em outros países, tiveram sua origem com o sistema de trabalho nas fábricas. As condições de vida da classe trabalhadora, como já vimos, eram terríveis, com péssimas moradias e alto custo de vida, sobretudo no preço de alimentos e de outros gêneros de primeira necessidade. Da mesma forma também eram péssimas as condições de trabalho no interior das fábricas: jornadas de trabalho com 10 a 15 horas aproximadamente; trabalho indiscriminado de crianças e mulheres; baixos salários (além de atrasos e falta de pagamento dos salários); falta de segurança no trabalho. O Estado, voltado para atender exclusivamente aos interesses dos barões do café, não oferecia proteção social aos trabalhadores. As poucas leis então existentes eram insuficientes e não eram levadas à prática. Só havia mesmo a mais dura repressão, a ponto de certa vez o presidente Washington Luiz (1926-1929) afirmar que as reivindicações dos trabalhadores eram "caso de polícia". Diante dessa situação, foi crescendo a insatisfação dos trabalhadores e as organizações anarquistas foram se consolidando na base. Em 1906, os anarco-sindicalistas promoveram a fundação da Confederação Operária Brasileira (COB), considerada a primeira experiência de central sindical classista no país. Mas o auge da organização sindical anarquista foi em 1917, quando eclodiu a primeira greve geral em São Paulo. Essa greve começou em alguns poucos locais de trabalho e foi aos poucos se ampliando para as fábricas da vizinhança, tornando-se uma greve geral depois do assassinato do sapateiro anarquista Antonio Martinez. À paralisação se acrescentaram choques com a polícia, saques a armazéns, enfim, uma verdadeira revolta popular que tomou o controle da cidade de São Paulo durante mais de 20 dias. Assembléias reuniam até cerca de 80.000 trabalhadores. As reivindicações dos trabalhadores eram: aumento de salários, redução da jornada de trabalho para 8 horas, semana de trabalho inglesa (semana de trabalho em que o fim de semana, para descanso, é a tarde de sábado e o domingo); regulamentação do trabalho dos menores e das mulheres, respeito ao direito de organização e redução dos aluguéis. O governo e os patrões inicialmente cederam às reivindicações dos grevistas, mas, com o retorno ao trabalho, foram aos poucos descumprindo a palavra e acirrando a perseguição às lideranças anarquistas. Aqueles que eram estrangeiros foram deportados para seus países de origem. O ano de 1917 marca, portanto, o auge e o começo do declínio do anarco-sindicalismo. Esse declínio se deveu não só a repressão governamental, mas também ao surgimento em cena de uma nova orientação ideológica à organização e luta dos trabalhadores: os comunistas. CONCEPÇÃO SINDICAL DOS ANARQUISTAS E DE OUTRAS CORRENTES POLÍTICAS Os anarquistas tinham uma concepção de sindicato muito peculiar. Vejamos. Para os anarquistas, mais do que lutar por melhorias nas condições de vida e de trabalho, caberia aos sindicatos organizar a classe para fazer a revolução que poria um fim à exploração capitalista e ao Estado. Na estratégia libertária não haveria partido político, pois que, para eles, os partidos eram mais um mecanismo de dominação com suas direções burocratizadas que assumiriam o poder em nome dos trabalhadores e passariam a subjugálos também. Além disso, os anarquistas também eram contra o partido porque estes necessariamente têm como uma de suas finalidades disputar eleições para cargos que fazem parte da estrutura do Estado (o parlamento, o governo das cidades ou dos estados, etc.), que serve à dominação de classe. Sob esse ponto de vista, como eles eram a favor do fim do Estado, não fazia sentido disputar eleições e cargos. Os sindicatos então, sem uma direção burocratizada, promoveriam a ação direta junto aos trabalhadores, tendo em vista a realização de uma greve geral revolucionária: com a paralisação dos locais de tra-

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balho, os trabalhadores levariam seus patrões à falência e assumiriam então o comando das empresas por meio da autogestão operária. Com o comando da produção das fábricas em mãos, eles teriam como derrotar a burguesia e abolir o Estado. As ferozes perseguições políticas e a derrota que se seguiu à vitoriosa greve geral de 1917, em São Paulo, fizeram com que a militância refletisse sobre outras formas de organização da classe. Quando começaram a chegar notícias de que em um país tão distante - a Rússia - os trabalhadores haviam tomado o poder, organizados em um partido de quadros e de vanguarda, aos poucos muitos militantes de esquerda foram abraçando o ideário comunista e a proposta anarquista foi saindo do centro do cenário político e sindical.

Luta de Classes e Luta Política Karl Marx, 1847 A grande indústria aglomera num mesmo local uma multidão de pessoas que Ilustração com as faces dos líderes trabalhisnão se conhecem. A concorrência divide os tas executados na forca em Chicago (EUA), seus interesses. Mas a manutenção do em 1886. Na maioria dos países industrialsalário, este interesse comum que têm conizados, o 1º de maio é o Dia do Trabalho. tra o seu patrão, os reúne num mesmo pensamento de Para nós, esse é o Dia dos Trabalhadores. resistência coalizão. A coalizão, pois, tem sempre um duplo Comemorada desde o final do século XIX, a data é uma homenagem aos oito líderes tra- objetivo: fazer cessar entre elas a concorrência, para poder balhistas norte-americanos. Eles foram pre- fazer uma concorrência geral ao capitalista. Se o primeiro sos, julgados sumariamente e enforcados objetivo da resistência é apenas a manutenção do salário, à por dirigirem manifestações e uma grande greve geral que tiveram início justamente no medida que os capitalistas, por seu turno, se reúnem em um mesmo pensamento de repressão, as coalizões, inicialmente dia 1º de maio daquele ano. Os EUA, no entanto, comemoram o dia do trabalho na isoladas, agrupam-se e, em face do capital sempre reunido, a primeira segunda-feira de setembro manutenção da associação torna-se para elas mais importante que a manutenção do salário. [...] Nessa luta - verdadeira guerra civil -, reúnem-se e se desenvolvem todos os elementos necessários a uma batalha futura. Uma vez chegada a esse ponto, a associação adquire um caráter político. As condições econômicas, inicialmente, transformaram a massa do país em trabalhadores. A dominação do capital criou para essa massa uma situação comum, interesses comuns. Essa massa, pois, é já, em face do capital, uma classe, mas ainda não o é para si mesma. Na luta, [...], essa massa se reúne, se constitui em classe para si mesma. Os interesses que defende se tornam interesses de classe. Mas a luta entre classes é uma luta política. [...] Uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes. A libertação da classe oprimida implica, pois, necessariamente, a criação de uma sociedade nova. Pra que a classe oprimida possa libertar-se, é preciso que os poderes produtivos já adquiridos e as relações sociais existentes não possam mais existir uns ao lado de outras. De todos os instrumentos de produção, o maior poder produtivo é a classe revolucionária mesma. A organização dos elementos revoluKarl Marx (1818-1883) cionários como classe supõe a existência de todas as forças produtivas

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que poderiam se engendrar no seio da sociedade antiga. Isso significa que, após a ruína da velha sociedade, haverá uma nova dominação de classe, resumindo-se em um novo poder político? Não. A condição da libertação da classe laboriosa é a abolição de toda classe, assim como a condição da libertação do terceiro estado, da ordem burguesa, foi a abolição de todos os estados [aqui, estado significa as ordens da sociedade feudal] e de todas as ordens. (...) Outra corrente político-ideológica presente no meio sindical ao longo das primeiras décadas do século XX ficou conhecida como os "amarelos". Eles tinham uma expressão em alguns pequenos segmentos da classe e se baseavam em uma concepção de colaboração com os governantes, para contar com a caridade destes e da Igreja Católica mais conservadora e diminuir o sofrimento dos trabalhadores. Apesar do apoio do Estado e da Igreja Católica, é bom que se diga que a concepção sindical "amarela" nunca foi predominante em todo esse período, com exceção de algumas poucas categorias menos organizadas.

O que é fundamental? O ponto mais relevante para compreendermos esse período do sindicalismo brasileiro, para além da importância em si mesma que teve a experiência anarquista, é a caracterização dele como sindicalismo livre. Não havia naqueles anos, qualquer legislação que regulamentasse a ação sindical nem que garantisse direitos trabalhistas e/ou sociais aos trabalhadores. Ao Estado, de cunho liberal como aquele, cabia simplesmente reprimir os sindicatos anarquistas, tratando-os como "caso de polícia", conforme já foi mencionado. Por outro lado, por não terem qualquer regulamentação, os sindicatos poderiam se organizar como quisessem, sem qualquer impedimento. Propomos então que você reflita em sua atividade os aspectos positivos e negativos desta característica do sindicalismo livre. Um segundo ponto que talvez seja interessante ser abordado diz respeito mais diretamente aos anarquistas. É fundamental levarmos em conta que os limites da ação revolucionária dos sindicatos anarquistas está presente no próprio contexto em que eles atuavam. Como dissemos no início desta unidade, a experiência sindical do início do século XX está muito concentrada nas fábricas localizadas em São Paulo. Se lembrarmos que o Brasil ainda era um país basicamente agrário, perceberemos ao menos um dos fatores pelo qual os anarquistas não tiveram condições de êxito. Contudo, vale a pena discutir essa experiência e refletir quais contribuições ela tem a dar aos sindicalistas na atualidade.

Os Negros na Formação da Classe Operária no Brasil Helio da Costa A historiografia existente mostra que os primeiros sindicatos no Brasil remontam ao fim do século XIX e aos primeiros anos do século XX, quando então o país recebia as primeiras levas de imigrantes europeus (principalmente italianos, japoneses e espanhóis) que vinham trabalhar nas lavouras de café de São Paulo no lugar da população negra então recentemente livre da escravidão. Havia várias "justificativas" para trazer europeus em lugar dos negros que há séculos já trabalhavam nas fazendas. Alguns argumentavam que se tratava de trabalhadores "mais modernos" e disciplinados contra os "indolentes" e "preguiçosos" negros. Evidentemente que esse argumento não se baseia em quaisquer fatos, pois que a imensa maioria dos imigrantes vinha das regiões rurais de seus países, expulsos do campo, e não traziam de lá uma experiência de trabalho na indústria. Um outro argumento era mais ainda explicitamente racista que o primeiro, pois que partia da idéia de que o Brasil precisava se desenvolver e jamais o conseguiria com uma população de negros. A solução destes senhores era a de "branquear" a população brasileira com a chegada e miscigenação com

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brancos europeus. Outra "justificativa" era a de que só a população negra não seria suficiente para o trabalho nas lavouras, sendo necessária a "importação" de trabalhadores estrangeiros. Diante disso tudo, uma recente produção historiográfica tem derrubado a tese de que os imigrantes foram recrutados para o mercado de trabalho, principalmente em São Paulo, em função da falta de mão-de-obra (Domingues, 2005). Demonstra de forma convincente que não havia falta de mão-deobra, mas uma concreta intenção da elite, do governo e dos formadores de opinião paulistas em branquear a cidade de São Paulo. O racismo em São Paulo era apoiado por um grande número de pessoas que acreditavam na inferioridade do negro. Os negros eram impedidos de atuar no mercado formal de trabalho e na indústria que começava a florescer, partindo então para trabalhos marginais. Porém, esta constatação não elimina o problema de se omitir o trabalhador negro na formação da classe trabalhadora fruto de uma generalização da realidade paulista, como se esta pudesse ser universalizada sem os devidos ajustes. Os trabalhadores negros tiveram participação como qualquer outro grupo étnico na formação da classe trabalhadora livre. Por exemplo, no porto do Rio de Janeiro, nas usinas de açúcar do Nordeste, na lavoura em quase todas as regiões do Brasil. Essa visão foi perpetuada mesmo por uma literatura marxista, que apesar de fazer a crítica contundente ao mito da democracia racial de Gilberto Freyre, acabou admitindo por sua vez, que o escravo era destituído totalmente de consciência de classe e, o ex-escravo, pela brutalidade das relações sociais a que havia se submetido não tinha condições de ingressar no mercado formal de trabalho regido por contrato. (Fernandes, 1978). Dessa forma, a ausência do negro foi marcada tanto pela literatura conservadora como pelos seus críticos à esquerda. No primeiro caso pelo argumento racista da inferioridade do negro, camuflada pela justificativa econômica (falta de mão-de-obra) e no caso da crítica marxista, apesar do seu combate ao argumento racista acabou por justificar a ausência do negro ex-escravo no mercado de trabalho pelo viés sociológico, ou seja, não por sua inferioridade ao imigrante, mas pelas condições sociais às quais ele havia sido submetido. Nesse aspecto, é fundamental que ao tratarmos sobre a formação da classe trabalhadora no Brasil não perpetuemos os mesmo equívocos que foram se consolidando no imaginário social ao longo do tempo, inclusive nos livros didáticos, e desta forma, resgatar a memória da presença dos negros na formação do mercado de trabalho no Brasil.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Se for possível insira uma discussão sobre a (in) visibilidade do negro no Brasil. Proponha alguma atividade em que as pessoas reflitam sobre a presença da população negra na categoria profissional e suas condições de trabalho.Você também pode provocar uma discussão sobre como mudar a situação subalterna dos negros na sociedade brasileira na atualidade. Se for essa sua opção, então a sugestão é que você utilize textos a favor e contra o sistema de quotas para afro-descendentes nas universidades públicas: Manifesto contrário ao Estatuto da Desigualdade Racial e à Lei das Cotas (In: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/news_item.2006-07-14.1715295396); Manifesto a favor do Estatuto da Desigualdade Racial e da Lei de Cotas. (In: http://www.brasildefato.com.br/v01/agencia/nacional/news_item.2006-07-14.5726145180)

AS MULHERES NAS GREVES OPERÁRIAS Você observou bem o perfil do operariado da indústria têxtil de São Paulo em 1912? Se necessário, volte algumas páginas e releia-o. As greves do início do século XX são acompanhadas da imagem dos anarquistas e suas lideranças, normalmente, homens. Pelo menos é essa a imagem que vemos nas fotos do período que estão nos arquivos e nas publicações. Também, se olharmos a lista de deportações na repressão que se seguiu a grande greve de 1917, veremos que todos os nomes são masculinos.

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Mas a lógica é que as greves de grande proporção que sacudiram São Paulo não teriam êxito se não houvesse uma adesão em massa das mulheres da indústria têxtil, "quase o único grande setor fabril no começo do século XX". Quem eram aquelas mulheres? Quantas delas exerceram papéis de liderança? O que se percebe é que há um "esquecimento", uma ocultação da participação feminina nas lutas sindicais do período. Portanto, passemos a palavra para uma das poucas mulheres líderes sindicais do período que se tem registrado em livro, Elvira Boni: "No 1º de maio de 1919 - nessa época os trabalhadores já eram dirigidos pelos anarquistas - foi organizado um grande comício na praça Mauá [Rio de Janeiro]. Depois desse comício, algumas moças resolveram criar o sindicato, e no dia 18 de maio de 1919 fundou-se a União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas. E aí a União logo começou a se exercitar. Era dirigida por uma comissão executiva, nos moldes anarquistas. Não tinha presidente. Eram primeira e segunda secretárias, primeira e segunda tesoureiras, bibliotecária... A nossa primeira reunião foi feita na União dos Alfaiates, que nos cedeu a sala. Estiveram presentes umas 40 mulheres. Uns três meses depois fizemos uma greve. Mandamos um memorial para as donas dos ateliês, das fábricas onde havia costura, pedindo oito horas de trabalho e melhores ordenados (...) a conquista das oito horas foi imediato..." (GOMES. 1988)

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Nossa sugestão é que você provoque no grupo a reflexão sobre os motivos de a participação das mulheres nas mobilizações operárias ter sido praticamente "invisível" nos documentos e livros. Isso é uma coisa do passado ou acontece ainda hoje? Instigue a reflexão dos cursistas questionando: como é a participação das mulheres na organização e luta da categoria? O objetivo não é nem tanto chegar a respostas para tais questões, mas fazer os dirigentes/militantes do curso pensarem quais ações devem ser feitas para propiciar e fortalecer a participação efetiva das mulheres na luta do sindicato.

O sindicalismo corporativista a partir dos anos 1930/1940 Pelego é a pele de carneiro utilizada pelos cavaleiros PRÁ COMEÇO DE CONVERSA! A montagem da estrutura sindical corpo- entre a cela e o animal de modo a amortecer o rativista a partir dos anos 1930/1940 é um marco impacto. Por esse motivo, pelego passou a ser na história do sindicalismo no Brasil e veio na também a denominação popular para designar o esteira da chamada Revolução de 30, quando sindicalista que amacia o conflito entre patrão e segmentos da elite agrária fora da aliança do empregados, em geral burocratas e corruptos que se "café com leite" (São Paulo e Minas Gerais) locupletam das benesses do Estado e dos patrões assumiram o poder e inauguraram uma outra para vender os interesses dos trabalhadores nas concepção de Estado e de sociedade, como ver- negociações trabalhistas. emos a seguir. A bibliografia mais corrente sobre sindicalismo no Brasil, nos estudos de historiadores e sociólogos, consagrou uma imagem na qual a partir da estrutura sindical corporativista os sindicatos passaram a ser acomodados e pelegos, voltados para a colaboração entre classes com o Estado e a burguesia. De fato, o objetivo principal da concepção corporativista é esse mesmo e a estrutura sindical dela decorrente realmente limita as ações sindicais. Mas gostaríamos de chamar a atenção para dois pontos que ao nosso ver são muito importantes para a reflexão dos dirigentes sobre a complexidade da estrutura sindical. Primeiro, que a proposta de legislação sindical a partir de 1931 encontrou diferentes reações dentro do próprio movimento sindical. Assim, a imposição autoritária e violenta da estrutura sindical corporativista foi necessária apenas sobre a parte mais organizada do sindicalismo no pré-30: têxteis, metalúrgicos, trabalhadores em energia elétrica, hotéis e similares, trabalhadores dos portos e ferroviários. Em outros segmentos, igualmente combativos, porém com dificuldade de organização (p.ex.: bancários) a Lei de Sindicalização possibilitou a conquista de reivindicações, rompendo com o temor de repressão patronal. Nos documentos de então, fica perfeitamente claro que as lideranças viram na iniciativa do Estado a abertura de um espaço a ser

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utilizado na organização sindical, a qual, por lei, o patronato seria obrigado a reconhecer. E os antigos "amarelos" do pré-30 fizeram sua adesão à legislação sindical sem questionamentos, tornando-se a partir de então uma corrente "ministerialista". O segundo ponto sobre o qual queremos chamar a atenção é que a estrutura sindical oficial, que procura tutelar a ação sindical dentro dos limites da colaboração de classes, não fez tábula rasa das lutas do movimento sindical no Brasil. Grosso modo, as lutas sindicais permaneceram no Brasil desde a segunda metade dos anos 40 até o golpe militar de 1964, e foi retomada quando do recrudescimento da democracia a partir do final dos anos 70, com o "novo sindicalismo". Essas duas considerações, tomadas em seu conjunto, indicam a complexidade do debate acerca da estrutura sindical oficial e talvez iluminem a compreensão do por que essa estrutura vigora, em seus pilares, até os dias atuais. Ela limita sim a ação sindical, mas não foi única e exclusivamente uma imposição do Estado, nem impede inteiramente uma ação sindical reivindicatória. A CONCEPÇÃO CORPORATIVISTA Mas o que vem a ser exatamente o corporativismo? Os novos segmentos da elite no poder, capitaneados por Getúlio Vargas, foram aos poucos instituindo uma concepção corporativista na relação entre Sociedade e Estado, derivada de um pensamento positivista. Dentro dessa concepção a sociedade deveria ser considerada como um corpo humano. Todos sabem que um corpo humano, para ser saudável, deve funcionar em equilíbrio entre as diversas partes que o compõem, de modo que se alcance uma harmonia em seu todo. Assim deveria ser também a sociedade, na opinião daqueles senhores. Neste sentido, uma sociedade saudável deveria ser pautada pela harmonia entre as classes - burguesia e proletariado - para que o país pudesse progredir com o Trabalho. Não cabe, nessa concepção, a noção de luta de classes, e os "eventuais" conflitos existentes deveriam ser tratados como um desvio da boa ordem e dirimidos pelo Estado que atuaria acima das individualidades e coletividades, de forma neutra. Foi essa concepção corporativista que presidiu a montagem da estrutura sindical, de modo a obter a colaboração de classes entre os sindicatos de trabalhadores e os sindicatos patronais.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Inicialmente verifique se todos compreenderam que a concepção corporativista significa um certo "desenho" na relação entre a Sociedade e um Estado autoritário. Em seguida debata sobre o que eles pensam sobre essa noção de corporativismo. Reflita também sobre quais as opiniões de dirigentes e militantes sindicais sobre os meandros da aceitação/imposição da estrutura sindical corporativista? A ESTRUTURA SINDICAL OFICIAL A atual estrutura sindical brasileira foi formulada a partir de 1930, quando Getúlio Vargas, derrotado nas urnas, liderou um golpe que o conduziu à Presidência da República. Criou o Ministério do Trabalho e, junto com isso, algumas leis para disciplinar a atividade sindical, que até então, como já vimos, era livre e sob influência das correntes de esquerda (anarquistas e comunistas). Como controlar os sindicatos no Brasil? Como fazer com que a concepção corporativista deixasse de ser apenas uma idéia e se tornasse efetivamente uma prática no meio sindical? Como transformar os sindicatos então existentes de órgãos de luta em defesa dos trabalhadores, em entidades de colaboração de classes? Essas eram as questões colocadas pelo novo governo. A estratégia de Vargas foi combinar cooptação e repressão. De um lado, instituindo uma série de direitos trabalhistas inexistentes no país até então, fruto de intensas lutas anarquistas, porém propagandeando que tais conquistas eram uma doação do presidente aos trabalhadores... Eis um dos motivos que deram origem à imagem de Getúlio como "pai dos pobres".

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De outro lado, o Ministério do Trabalho foi aos poucos construindo um conjunto de iniciativas que, articuladas entre si, amarrariam os sindicatos de tal forma em uma "teia" que chamamos de estrutura sindical oficial ou estrutura sindical corporativista. Os direitos trabalhistas ficaram restritos aos trabalhadores associados aos sindicatos oficiais, que "aceitaram" as regras impostas pela legislação sindical. As leis sindical e trabalhista, criadas ao longo dos anos 30, culminaram na Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT, em 1943.

A Carta del Lavoro e a Constituição da Organização Sindical Brasileira Denise Motta Dau Embora haja uma crítica à afirmação simplista de que a estrutura sindical brasileira é uma cópia da Carta del Lavoro, o resgate da experiência italiana de construção da sua estrutura sindical traz contribuições importantes para compreendermos a força com que o Estado fascista interferiu na organização dos trabalhadores. A Lei Alfredo Rocco, promulgada em 1926, na Itália, no auge do fascismo; seguida da Carta del Lavoro e da criação do Conselho Nacional das Corporações que decidia sobre todas as controvérsias, todas as polêmicas relacionadas à organização sindical conformam o tripé do sistema corporativo italiano, que vai aprisionar a organização dos trabalhadores. Este tripé é um dos aspectos que justifica o argumento de que no Brasil o sistema corporativo não foi plenamente implantado, tampouco é uma mera reprodução da Carta del Lavoro. O ponto central que tem norteado a nossa reflexão acerca das heranças históricas não é só problema do modelo de estrutura sindical, mas, sobretudo, os aspectos ideológicos a ela subjacentes de transformar os sindicatos em instrumentos de amortização dos conflitos da relação capital X trabalho, promovendo a "paz social" e os interesses dos empregadores. O controle do Estado, enquadrando as formas de organização dos trabalhadores e reprimindo as lutas passa a ter, portanto, um papel chave, estratégico, num sistema em que se considera que todos devem cooperar e estar imbuídos harmonicamente de um ideal comum. O fascismo não é uma concepção sindical, é uma concepção política, um projeto de poder, que na sociedade capitalista equivale ao poder econômico. Assim, as comissões internas nos locais de trabalho foram abolidas, porque eram oriundas de um ambiente de liberdade. A greve de trabalhadores, e outras formas de luta passaram a ser proibidas, a ser consideradas crimes. Do ponto de vista da estrutura sindical, no modelo instituído pelo fascismo italiano a base dos sindicatos não podia ser livremente definida. Deveria ser provincial, regional, inter-regional ou nacional e por categoria profissional específica. A admissão no emprego era condicionada à filiação sindical. Além disso, havia forte pressão para que os trabalhadores se filiassem também ao Partido Nacional do Fascismo. O sindicato deveria ter em seus estatutos e objetivos a tutela dos interesses morais e econômicos da categoria, realizando atividades de assistência, instrução e educação moral e cívica nacional. Os dirigentes dos sindicatos deveriam ser filiados ao partido e a eles era dado um atestado de capacidade, moralidade e fé nacional para que pudessem exercer essas funções. Caso os objetivos para o funcionamento daquele sindicato não fossem ao encontro dos interesses do Estado, a sua direção era revogada. Contribuição anual de um dia de trabalho ao ano, com desconto aprovado pela autoridade administrativa e 10% dessa contribuição para um fundo patrimonial, para que o sindicato cumprisse os compromissos acertados no contrato coletivo e 10% destinado para o Ministério das Corporações, são outros pontos do modelo fascista que certamente inspiraram Getúlio Vargas na criação da estrutura sindical oficial brasileira. Estrangeiros não podiam ser dirigentes. Reproduzindo a lógica da produção de separação entre concepção e execução, os chamados profissionais liberais eram organizados em sindicatos diferenciados, ou seja, não era permitida a "mistura" do que era considerado trabalho intelectual e manual. Os gerentes e chefes se organizavam com os empregadores Quando se reconhecia a entidade de nível superior, automaticamente se reconhecia o

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sindicato a ela filiado. As entidades só podiam assinar Contrato Coletivo de Trabalho com a autorização da entidade de grau superior. Cabe destacar que não estavam estabelecidos pela legislação a remuneração mínima, o repouso semanal, férias, indenização por tempo de serviço. Tudo isso era negociado no Contrato Coletivo de Trabalho. Este modelo prevaleceu na Itália até 1943. Com o fim desse modelo na nova Constituição italiana, em 1948, conquista-se outro sistema de organização, com mais liberdade. O resgate dos aspectos da legislação italiana anteriormente abordados fornecem pistas importantes para compreendermos a sua influência na estrutura sindical oficial brasileira. Em 1930 um decreto de Getúlio Vargas criou o Ministério do Trabalho. Em 1931 são criadas as leis para disciplinar o registro de sindicatos. Neste contexto é estabelecida a unicidade sindical protegendo o sindicato da concorrência e garantindo o monopólio da representação sindical; o imposto sindical garantindo a sustentação financeira e sendo descontado do conjunto daquela categoria, não somente dos filiados e o poder normativo da Justiça do Trabalho, principais pilares da estrutura sindical que perdura até hoje no Brasil. A CUT é fundada em 1983 questionando a estrutura sindical oficial e resgatando os princípios históricos dos trabalhadores de organização sindical livre e autônoma. Dois elementos chaves que defendemos é fim da unicidade sindical e do imposto sindical, principal sustentação de sindicatos cartoriais, sem nenhuma representatividade, que proliferam cada vez mais como unidades de negócios. A cada ano são fundados no Brasil cerca de 600 novos sindicatos. Ainda como fruto da herança oficial, não temos garantias para a organização no local de trabalho, salvo raras exceções de algumas categorias que conseguiram assegurá-la em acordos coletivos. O resultado de tudo isso é um mundo do trabalho bastante fragilizado, sobre o qual avança a terceirização e o aprofundamento da precarização do trabalho que tem como uma das suas formas de expressão a elevação da informalidade. Atualmente no Brasil 52% da população economicamente ativa está na informalidade, fora dos sindicatos, entregues à própria sorte, sem proteção social. Se, por um lado, temos sindicatos que conseguiram na prática romper com as amarras oficiais, por outro lado, infelizmente, ainda observamos certa acomodação de muitas entidades sindicais à estrutura sindical oficial. Mudar a estrutura e ao mesmo tempo responder aos problemas gerados pelas mudanças ocorridas nas últimas décadas no mundo do trabalho são desafios enormes que temos pela frente. Diante do cenário de precarização mencionado acima, os sindicatos ainda representam uma parte muito reduzida da classe trabalhadora. (...) A CUT continuará firme na defesa de um sistema democrático de relações do trabalho e de uma organização sindical com liberdade e autonomia, pelo fim da unicidade, do imposto sindical e avançando para a contribuição negocial democrática. (Fonte: Organização sindical e relações de trabalho: a luta dos trabalhadores na Itália e no Brasil /Central Única dos Trabalhadores, Secretaria Nacional de Organização. - São Paulo: CUT, 2008. 92 p.)

Vejamos a seguir os pilares da estrutura sindical oficial que tentaram (e na maior parte das vezes conseguiram) amarrar os sindicatos dentro do espírito de colaboração de classes.

Sindicato por categoria profissional Uma das pontas da estrutura sindical oficial foi a definição dos sindicatos como representantes de categoria profissional. Desta forma, os sindicatos foram legalmente impossibilitados de organizar trabalhadores de diferentes categorias como no sindicalismo livre do pré-1930. Desde então, metalúrgicos, têxteis, alfaiates, costureiras, e trabalhadores do transporte deveriam ter, cada um, seu sindicato. Os sindicatos por categoria profissional também são chamados de sindicatos corporativos (porque defendem, cada um, uma corporação distinta, originalmente a partir do ofício dos trabalhadores e trabalhadoras) Unicidade sindical Outra iniciativa que se somou ao corporativismo do sindicato por categoria foi a unicidade sindical. Por força da lei, somente um único sindicato da categoria profissional seria permitido em uma mesma base territorial, que não poderia ser inferior a área de um município.

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À primeira vista essa iniciativa do governo Vargas pode nos soar como algo positivo, pois com um único sindicato na base (município) teríamos a garantia de unidade de ação dos trabalhadores. Mas porque será que um governo com intenção de controlar os sindicatos teria interesse em fortalecer a unidade de ação na base? Em primeiro lugar, devemos perceber que a definição de uma base territorial para atuação do sindicato fragmenta ainda mais a organização dos trabalhadores. Se, com o sindicato por categoria, ficamos proibidos de ter, em uma mesma entidade, trabalhadores metalúrgicos e têxteis com a unicidade sindical passamos a ter os metalúrgicos, por exemplo, divididos em vários sindicatos: o de São Bernardo e Diadema, o de Santo André, o de São Paulo, o de Guarulhos, o do Rio de Janeiro, o de Niterói, e assim por diante. O mesmo aconteceu com os têxteis, com os bancários, comerciários, ferroviários, e todas as outras categorias... Desse jeito, a unicidade deu uma grande contribuição para a pulverização e a fragmentação dos sindicatos no Brasil. A prova disso é que um levantamento do IBGE em 2001 identificou a existência de 11.354 sindicatos de trabalhadores em todo o país. Outra questão para pensarmos: o que é mais fácil? Controlar um só sindicato ou vários sindicatos na base? Certamente que é mais fácil controlar um do que dois ou três sindicatos. Se o sindicato único promover alguma greve ou mobilização de trabalhadores, bastaria ao Estado, apoiado na Lei, intervir nele que o "problema estaria resolvido". Imagine se tivessem dois ou três sindicatos!... Um terceiro motivo da existência da unicidade sindical é o favorecimento à acomodação dos dirigentes sindicais à máquina, tornando-os burocratas. Se houvesse mais de um sindicato na base concorrendo pela filiação do trabalhador, eles teriam que estar o tempo todo desenvolvendo alguma ação para convencer o trabalhador a filiar-se àquele sindicato e não ao outro. Como o trabalhador não tem opção de escolher a qual sindicato quer pertencer, seu sindicato (único, que detém o monopólio de representação) pode acomodar-se e se preocupar somente na chegada da próxima eleição à direção sindical. Por tudo isso, a unicidade é um dos elementos mais perversos da estrutura sindical oficial. Seus efeitos deletérios persistem até hoje mesmo diante de um cenário que apresenta mudanças sutis em relação ao que existia na sua origem. A atual constituição federal, promulgada em 1988, assinala no artigo 8o: Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: I - a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; III - ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; IV - a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; V - ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; VI - é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; VIII - é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Parágrafo único. As disposições deste artigo aplicam-se à organização de sindicatos rurais e de colôVê-se que a atual Constituição Federal se contradiz nos incisos I e II, pois que não se precisa mais da autorização do Estado para fundar sindicatos (inciso I), mas também não se tem liberdade plena para criá-los, conforme o inciso II.

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Na prática temos então que a manutenção da unicidade neste cenário tem provocado um aumento ainda maior no número de sindicatos. Vejamos um exemplo ilustrativo do que ocorre atualmente. No município de São Paulo, os servidores públicos têm aproximadamente 31 sindicatos. Apenas um deles é representante geral de todos os servidores e poderia ser o "sindicato único" na base. Mas outros segmentos de trabalhadores (p. ex.: professores) fundam outro sindicato, na mesma base territorial, sob a justificativa de terem os interesses específicos daquele segmento para representar. Observe que ao mesmo tempo que se rompe com a unicidade (afinal, em nosso exemplo, os professores podem escolher entre dois sindicatos: o geral e o específico), ela se mantém, pois que não seria permitido criar mais de um sindicato com a representação geral dos servidores ou mais de um sindicato específico do segmento de professores da prefeitura. Esse exemplo ilustrativo ocorre também em outras realidades, como entre metalúrgicos; rurais; etc. O efeito da pulverização da organização sindical se mantém... Mas como sustentar um sindicato dividido e acomodado? Chegamos ao terceiro elemento da estrutura sindical. O IMPOSTO SINDICAL E OUTRAS FORMAS DE FINANCIAMENTO DA ESTRUTURA SINDICAL Inicialmente, a única forma de financiamento da estrutura sindical era o imposto sindical, cuja fonte era o desconto compulsório de um dia de trabalho por ano, arrecadado de todos os empregados do regime CLT, sócio ou não do sindicato. Atualmente, do montante arredado pela contribuição sindical, 60% se destina a entidade sindical de primeiro grau, 15% para a entidade sindical de segundo grau, 5% para a entidade sindical de terceiro grau e 20% para o Fundo administrado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. O imposto sindical foi criado em 1940, e a partir de 1966 passou a ser chamado de Contribuição Sindical. Atualmente, além do imposto sindical (ou contribuição sindical), existem outras três fontes de receita para financiar a estrutura sindical: 1. A contribuição assistencial, também conhecida como taxa assistencial, desconto assistencial, taxa de reversão ou taxa de solidariedade. Essa contribuição tem o objetivo de custear as atividades assistenciais dos sindicatos, principalmente no curso de negociações coletivas; e é permitida sua cobrança dos trabalhadores filiados as instituições sindicais, em razão de acordo ou convenção coletiva ou ainda sentença normativa. 2. A contribuição de associado ou voluntário (mensalidade), conforme CLT, artigo 545. Também é cobrada dos membros da categoria econômica ou profissional filiado às instituições sindicais. 3. A contribuição confederativa, definida pelo inciso IV, do artigo 8º da Constituição Federal é descontada em folha de pagamento ou recolhida em guia especifica, no valor e percentual fixado em assembléia geral da categoria convocada especialmente para aprovar esta contribuição. Destina-se ao financiamento do sistema confederativo de representação sindical patronal ou dos trabalhadores. As contribuições são diferentes quanto a suas naturezas jurídicas, por vezes são confundidas, havendo quem defenda que todas são de caráter voluntário, respaldados no inciso V, do artigo 8º da Constituição Federal. No entanto, os tribunais entendem as Contribuições Assistencial,Voluntária (mensalidade) e Confederativa só podem ser cobradas daqueles que sejam sócios da entidade sindical. Somente o imposto sindical (contribuição sindical) previsto na CLT, pode ser cobrado de toda a categoria, independente da filiação. Apesar disso, acordos e convenções coletivas de trabalho têm sido invariavelmente firmados com o estabelecimento da contribuição assistencial, com a incidência estendida aos não sindicalizados. Há defensores da tese de que a cláusula de contribuição é constitucional e legítima desde que assegure o direito de oposição do empregado ao desconto. Assim, o Ministério do Trabalho e Emprego, em janeiro de 2006, encaminhou memorando às Delegacias Regionais do Trabalho em que lista os requisitos para a cobrança da contribuição, bem como sua instituição por meio da assembléia geral da categoria e a garantia do direito de oposição aos trabalhadores não sindicalizados.

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Parte do movimento sindical, especialmente a CUT e suas entidades, defendem o fim do imposto sindical e várias entidades sindicais cutistas já realizam a devolução aos seus associados. No entanto, não há estatísticas disponíveis sobre isto. Atualmente as entidades sindicais convivem com pelo menos três modalidades de financiamento; e o imposto sindical, de grande importância na montagem da estrutura sindical, hoje em dia tem menos peso do que as demais, que foram criadas recentemente. Em um levantamento realizado junto a algumas entidades sindicais verificou-se que a contribuição sindical representa entre 10% e 30% do total das receitas, enquanto a contribuição assistencial participa da receita com 33%. A contribuição confederativa é uma modalidade pouco utilizada pela maioria das entidades. Com isso os sindicatos e demais entidades têm garantida sua sustentação financeira independentemente da quantidade de sócios. ASSISTENCIALISMO Um sindicato isolado, separado dos outros sindicatos (mesmo daqueles de sua categoria), com uma diretoria acomodada, e sua existência financeira garantida pelo imposto sindical serve para quê? Um sindicato que não serve para nada perde sua razão de existir até mesmo para o governo Vargas que queria tê-la como instrumento de colaboração de classe, porque ele deixava de ser um interlocutor para os trabalhadores. E o Estado Novo, mesmo sendo uma ditadura, precisava ter os sindicatos com um mínimo de representatividade para legitimar sua política de "paz social". Desta forma, desde 1941, com a criação do imposto sindical, coube aos sindicatos desenvolver ações de cunho assistencialista e prestador de serviços para a categoria: colônias de férias, gabinetes odontológicos, clínicas e hospitais nos antigos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), entre outras coisas. Também devemos lembrar que as ações sindicais nessa área assistencial serviram para garantir o acesso a determinadas políticas públicas que não eram oferecidas universalmente pelo Estado a toda população, mas somente aos trabalhadores regidos pela CLT, atendidos por seus "organismos de classe". Os trabalhadores rurais, por exemplo, que compunham a maior parte da população brasileira, ficaram excluídos da legislação sindical e trabalhista, da mesma forma que os funcionários públicos. NEGOCIAÇÃO COLETIVA E O PODER NORMATIVO DA JUSTIÇA DO TRABALHO Por mais que o sindicato tenha uma intervenção na área assistencial, o papel e a razão de ser de qualquer entidade desse tipo é sua atuação no Mundo do Trabalho, sobretudo na negociação coletiva, celebrando acordos em nome da categoria. E no Brasil o procedimento de aplicação da negociação coletivo está submetido à lógica da organização sindical como um todo e, seguindo essa lógica, é concebida para impedir que a própria negociação coletiva se desenvolva. Por meio da criação da Justiça do Trabalho se cumpre a função de um poder normativo de dissolução de conflitos que está acima dos interesses de classe. O Estado se apresenta, desta forma, como um ente neutro que intervém nos conflitos de forma "técnica" e pairando acima e sobre os interesses de classe.

Os sindicatos e a estrutura sindical oficial em tempos de democracia e de ditadura A deposição de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, pondo fim a quinze anos de seu governo e a oito anos da ditadura do Estado Novo; foi um marco no processo de democratização da sociedade. A partir daí, foram convocadas eleições gerais no país e a legalização, pela primeira vez na história do Brasil, do Partido Comunista. Os ventos democratizantes da abertura política estimularam os trabalhadores e suas organizações sindicais a atuarem firmemente na reivindicação de seus direitos, inclusive utilizando-se do instrumento das greves. Criam uma organização intersindical proibida pela CLT: o Movimento Unificado dos

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O Partido Comunista do Brasil, cuja sigla é PCB, foi Trabalhadores (MUT) No entanto, dois anos depois, em 1947, fundado em 1922, e atuava no país de forma articulao governo do presidente Dutra, no clima da da como a Internacional Comunista, sediada em Guerra Fria que passaria a dominar a política Moscou. Sua legalização em 1945 durou pouco mundial, interveio em inúmeros sindicatos e tempo. Em 1947 foi proscrito e colocado na clandescassou dirigentes sindicais legitimamente tinidade novamente, sob a alegação de que não se eleitos. Não precisou ferir a lei para fazê-lo, tratava de um partido brasileiro, mas uma seção de pois a CLT dava cobertura legal para a ação uma organização estrangeira. Somente no início dos anos 60 houve uma possibilirepressiva do Estado. Como resultado da ação repressora e dade de voltar à legalidade, no ambiente democrático intervencionista sobre os sindicatos, a orien- e progressista do governo João Goulart. Tendo em tação do PCB foi a de sua militância aban- vista a possibilidade de uma ação legal, mudou-se o donar os sindicatos oficiais e organizarem nome do partido para Partido Comunista Brasileiro, "sindicatos paralelos" à estrutura oficial. mantendo a sigla PCB. Foram criadas inúmeras Associações e União Uma cisão do partido, no entanto, retomou o nome de Trabalhadores entre 1947 e 1952, quando o de fundação - Partido Comunista do Brasil -, adotanPCB abandonou essa linha e sua militância foi do a sigla PC do B em 1962. Desde então passamos a aos poucos retomando postos de direção nos ter no país dois partidos comunistas (PCB e PC do sindicatos oficiais. De volta ao comando dos B), ambos proibidos na vida política do país até sindicatos, os comunistas atuaram firmemente meado dos anos 80 e reivindicando o reconhecimenna organização dos trabalhadores nos locais to histórico da origem do Partido em 1922. de trabalho. Esse trabalho organizativo nos locais de trabalho teve sua maior visibilidade na histórica "Greve dos 300 Mil", realizada entre março e abril de 1953, em São Paulo e cidades vizinha, paralisando 930 empresas de fiação e tecelagem e mais de uma centena de estabelecimentos metalúrgicos, fábricas de móveis, oficinas de carpintaria, vidrarias, malharias, fábricas de cristais e de bebidas, entre outras. A Greve dos 300 Mil foi o pontapé inicial para a organização do Pacto de Unidade Intersindical (PUI), que viria a cumprir um papel importante ao longo dos anos 50 e 60. Também foram intensas as mobilizações sindicais e greves de massa no início dos anos 60, sob a liderança do Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), até que o regime militar, alçado ao poder pelo golpe que depôs o presidente João Goulart, em 1964, utilizou-se da CLT para intervir em sindicatos, cassar e prender dirigentes sindicais.

O que é fundamental? Inicialmente observe se eles realmente compreenderam porque os pilares da estrutura sindical corporativista dificultam (para alguns, impede) o fortalecimento da organização sindical. É importante compreender que não é um ou outro pilar que prejudica uma ação autônoma dos sindicatos, mas sim a articulação daquele conjunto. Discuta com os dirigentes e militantes do curso qual dos pilares da estrutura sindical oficial é, na opinião deles, o que mais prejudica uma ação sindical classista e qual seria prioritário enfrentar.Você pode levantar com eles ações que podem ou devem ser feitas no sentido de enfrentar estes pilares, não no sentido de tomar uma deliberação, evidentemente, mas tão somente de aprofundar uma reflexão. É necessário recuperar uma vez mais o debate acerca do efeito da estrutura sindical sobre a ação dos sindicatos, seja nos períodos mais autoritários, seja nos períodos de normalidade institucional e democrática no país. A estrutura sindical foi montada para tutelar a ação dos sindicatos. E efetivamente o fez, limitando possibilidades de atuação sindical no Brasil. Mas isso não configurou uma "via de mão única" em que apenas um único vetor partia do Estado em direção aos sindicatos, transformando-os em mera "correia de transmissão do Estado" no seio da classe trabalhadora.

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As lutas sindicais e a organização dos trabalhadores no período entre 1945 e 1964 (e que voltaram à tona a partir dos anos 80) são exemplos de pujança sindical, mesmo que moldada, cerceada pela estrutura sindical. No entanto, vários estudiosos do sindicalismo no Brasil fizeram uma leitura das ações sindicais no período democrático 1945 - 1964, ressaltando aspectos mais negativos do movimento que, apesar de intensas lutas sociais, não conseguiram superar os limites impostos pela estrutura sindical. Na visão daqueles estudos, o problema identificado se devia a um equívoco na orientação política da principal força hegemônica no movimento operário de então, o PCB. À crítica acadêmica se soma uma crítica de parte do movimento operário no pós-64, muitos deles oriundo de cisões do PCB após o golpe militar e que faziam uma crítica à orientação do partido e buscavam novas formas de atuação. Só recentemente um conjunto de trabalhos de historiadores e sociólogos tem recuperado o sindicalismo do período 1945-1964 sob outro prisma, se contrapondo à bibliografia mais consagrada e identificando práticas de organização sindical que buscavam questionar e romper com a estrutura sindical oficial, ainda que não tenham tido êxito. Mas qual é o problema da estrutura sindical oficial, afinal? A questão é que o conjunto da estrutura sindical permite a constituição e a manutenção de entidades sindicais sem que elas sejam fruto das lutas e das necessidades organizativas da categoria ou da classe trabalhadora. São criadas para serem representativas perante o Estado e não perante os trabalhadores. Enfim, são sindicatos que, ao menos em tese, não precisam de trabalhadores, pois sua legitimidade não é dada por estes. Isso não significa necessariamente que elas sejam pelegas, mas, certamente, mesmo quando têm vontade política de organizar os trabalhadores, devem enfrentar e buscar formas de superar o distanciamento dos trabalhadores, inerente à estrutura corporativista. Há, portanto, uma situação estrutural dada pelo corporativismo que gera desconfiança dos trabalhadores e trabalhadoras em relação às suas entidades.

O sindicalismo pós-1964 PRÁ COMEÇO DE CONVERSA! Já mencionamos que a ditadura militar instaurada em 1964, interveio em inúmeros sindicatos e cassou centenas de dirigentes sindicais. No entanto, poucos anos depois, os movimentos populares, em particular o movimento estudantil, agitaram a política com manifestações de oposição à ditadura. Foi neste contexto que ocorreram duas importantes experiências em 1968, nas greves metalúrgicas em Contagem/MG (abril) e em Osasco/SP (junho). Dois pontos em comum a esses dois movimentos foram: a estratégia de ocupar a direção dos sindicatos oficiais; e deste lugar, inovar as práticas, procurando superar as limitações da estrutura sindical corporativista. No entanto, um contexto de ditadura como aquele tornou impossível que tais experiências prosperassem. Os militares de plantão mais uma vez utilizaram a CLT para intervir, prender e reprimir, e, com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), assinado poucos meses depois, fechou-se qualquer caminho para ações explícitas de contestação ao regime. Os militantes do movimento operário buscaram o espaço no interior dos locais de trabalho (principalmente as fábricas) para organizar os trabalhadores. Contudo, mesmo atados pela CLT e pela própria truculência do regime militar, alguns poucos sindicatos oficiais foram se renovando com diretorias que se abriam para as reivindicações que vinham das bases. No contexto de uma transição para a democracia, capitaneada pelos militares, por meio de uma "abertura lenta, gradual, e segura", a organização que vinha dos locais de trabalho e a ação decidida das poucas direções sindicais autênticas (referência comum que se fazia às direções sindicais mais atuantes do período: sindicalistas autênticos, em contraposição aos sindicalistas pelegos e os empossados pelo governo militar) trouxeram novamente a classe trabalhadora ao centro da cena política no país.

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Novos atores entram em cena Marta Regina Domingues Em 1978, o movimento grevista realizado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, liderado por Luis Ignácio Lula da Silva, rompeu com o silêncio imposto à sociedade pela ditadura militar instaurada em 1964 e recrudescida pelo AI-5 em 68. É a partir do fato histórico de 1978 e seus desdobramentos, Em 1974, a vitória da oposição legal do Movimento que vários estudiosos consideram ter surgido no Democrático Brasileiro - MDB, à ditadura militar, país o chamado Novo Sindicalismo, oriundo representara uma reação latente dos trabalhadores e "dos setores mais modernos da economia das camadas médias e pobres ao regime. nacional", e que, "em seu desenvolvimento se transformou em movimento político" (RODRIGUES. 1999), expressando uma reação das camadas médias e pobres ao regime autoritário e sua política econômica, especialmente após a crise mundial do petróleo em 1973. O surgimento do Novo Sindicalismo foi a base, a partir da qual, originou-se tanto a Central Única dos Trabalhadores - CUT quanto o Partido dos Trabalhadores - PT. (...) Um sentido mais amplo da emergência dos trabalhadores a partir de 1978, com o emblema das greves e assembléias de São Bernardo do Campo, em São Paulo, foi a manifestação da existência de um outro ator social, pois "... as classes trabalhadoras queriam ter uma presença mais significativa nas novas regras do jogo que estavam sendo geradas no Brasil... eram atores à procura de sua identidade coletiva como forma de obterem um espaço de intervenção na esfera pública". (RODRIGUES. 1999: 77) Impulsionada pelo Novo Sindicalismo, foi criada a CUT, a despeito da proibição legal sobre a constituição de centrais sindicais no país até 1988 (que favoreceriam a politização do movimento sindical), rompendo com a herança deixada pelo Estado Novo (e largamente utilizada pela ditadura militar para reprimir a organização e manifestação dos trabalhadores), que buscava a harmonização de interesses entre capital, trabalho e Estado e concebia a pluralidade representativa dos trabalhadores ou empregadores como um empecilho à sua política de boa vizinhança. A CUT nasceu organizando sua atuação "dentro da estrutura oficial como ponto de partida para uma nova organização dos trabalhadores, baseada na liberdade e autonomia sindical." (CUT. 1994:26). O projeto do Novo Sindicalismo era: "... corroer por dentro o sindicalismo corporativo, constituindo uma estrutura sindical paralela, desatrelada do Estado, rompendo com o preceito da base geográfica definida como o município, isto é, criando sindicatos cada vez mais unificados por ramos de atividade, e não por região". (CARDOSO. 1999: 37) Este projeto em parte foi alcançado, já que, além de organizar oposições sindicais e "ganhar" diversos sindicatos oficiais, a CUT estimulou a formação de inúmeros sindicatos desde a sua fundação. Entre 1983 e 1988, à exceção de 1987, "um terço de todos os sindicatos urbanos criados... surgiram sob o guarda-chuva da CUT", sendo que o ritmo de criação dos sindicatos acompanha exemplarmente o grau de mobilização dos trabalhadores, pelos indicadores de greves no período. Ademais, 43% dos sindicatos de empregados urbanos e 26% dos sindicatos de trabalhadores rurais filiados a CUT, em 1991, tinham sido criados a partir de 1983. (CARDOSO. 1999: 48 e 76) Porém, a perspectiva de corroer o sindicalismo oficial "por dentro" encontrou dificuldades de várias ordens, desde a forma de financiamento mediante o imposto sindical até uma relativa cristalização de lideranças nas várias estruturas de poder: [...] Alicerçada sobre os sindicatos oficiais, a CUT enfrenta agora uma tensão crescente entre a acomodação à estrutura oficial e a consolidação de seu projeto sindical, revelada em todos os planos: na montagem da nova estrutura sindical, na implantação da organização no local de trabalho e na reforma do sistema de relações de trabalho... É fundamental combater o corporativismo e construir sindicatos por ramos de atividade com ampla democracia, fruto da vontade dos trabalhadores e não por imposição da lei. (CUT. 1994:26-27)

A necessidade de aprofundar a organização geral dos trabalhadores e implementar o princípio de liberdade e autonomia sindicais levou a CUT, no início da década de 1990, a propor a reestruturação da representatividade sindical em sua base, buscando minimizar a pulverização decorrente da existência de diversos sindicatos atuando desarticuladamente, ainda muito referenciados na lógica corporativa oficial; pulver-

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ização agravada pela flexibilização produtiva e pelo projeto neoliberal iniciado em 1990 por Fernando Collor de Mello e aprofundado por Fernando Henrique Cardoso, em seus dois mandatos consecutivos. Em 1992, a 5ª Plenária da CUT definiu que os Departamentos Nacionais (organizados por ramo de atividade produtiva) deveriam evoluir para entidades sindicais nacionais. (...) Em 1994, a avaliação da CUT sobre as experiências de fusão nos ramos (metalúrgicos, plásticos/químicos e petroleiros) foi bastante A chamada estrutura verticalizada, ou estrutura verti- positiva, já que foram consideradas "... novas cal sindical, é formada por uma pirâmide, cuja base estruturas que surgem... começando a funcionar são os sindicatos únicos por categoria como entidades de grau superior, em concorprofissional/ramo da economia e município, o meio rência direta a suas congêneres da estrutura ofida pirâmide são as federações, compulsoriamente cial... (CUT. 1994: 28). Conquanto a heterocongregando pelo menos dois sindicatos da mesma geneidade de visões políticas e interesses corpocategoria/ramo da economia, o ápice da pirâmide são rativos presentes na Central, em 1999 a CUT as confederações, entidades nacionais que agregam contabilizava 12 experiências positivas de orgacompulsoriamente as federações da mesma categonizações por ramos. ria/ramo da economia. Buscando implementar a noção e o sentido de uma única central, de classe, acima das divisões de categoria ou de ramo, a CUT, desde a sua fundação estruturou-se também "como uma organização sindical de grau superior... adotando uma estrutura horizontal, que se contrapõe ao verticalismo da estrutura oficial" (CUT. 1994:30) e, já há vários anos, a CUT mantém unidades em todos os estados da federação, das quais participam as entidades sindicais, e cujas direções são eleitas em fóruns próprios. Por outro lado, o conceito de organicidade passa, paulatinamente, a mediar a relação das entidades sindicais com a Central. Assim, a substituição da simples filiação sindical à CUT, pela criação de sindicatos orgânicos, surgiu em diversos fóruns deliberativos da Central. Pautado pela luta pró Liberdade e Autonomia Sindical, as principais características do modelo de sindicato orgânico são: um sindicato representativo de um dos ramos de atividade definidos pela CUT, de massas, reunindo trabalhadores em âmbito regional ou nacional, com uma forte estrutura local, de base; organizado como instância da Central, com autonomia política, com controle orçamentário dos trabalhadores e cujo patrimônio é de propriedade da categoria (CUT. 1997). Quanto ao padrão de relações trabalhistas, desde os neoliberais anos 90, a disputa entre Capital e Trabalho é uma disputa pelo futuro, no sentido de que "ao trabalho interessa reformar a estrutura sindical corporativa para democratizar os regulamentos" e "ao capital interessa reformar para destruir os regulamentos" (CARDOSO. 1999:21-2). No lado do Trabalho, o que se quer: "... são entidades representativas centralizadas, autônomas em relação ao Estado, enraizadas nas empresas, altamente profissionais, sustentadas de forma voluntária. Tais instituições seriam construídas para servirem de mediadoras da reestruturação produtiva em curso; para mudar o padrão de uso predatório da força de trabalho, para reduzir os custos sociais da precarização do emprego; para incorporar os trabalhadores brasileiros de forma autônoma e democrática". (Op. cit.)

No Brasil, passados 25 anos do surgimento do chamado Novo Sindicalismo; colocam-se aos sujeitos e instituições sindicais alinhados com aquelas propostas novos requisitos, não apenas em relação à sua organização e a representação dos trabalhadores empregados, mas também, e nisto residem os maiores desafios, em relação a um projeto político-social amplo e coerente, capaz de amalgamar-se aos vários extratos sociais, incluindo os trabalhadores desempregados e do crescente setor informal da economia. A análise do atual momento se torna mais complexa se considerarmos que "o novo sindicalismo, enquanto idéia e proposta, é construído e reconstruído coletivamente por vários atores sociais e a partir de diferentes lugares" (BLASS.1999:34), assim como as políticas institucionais da CUT são construídas a partir de suas tensões internas e suas relações com a dinâmica externa. O novo sindicalismo está se transformando também a partir dos sujeitos que o constroem, pois as pressões decorrentes das profundas mudanças políticas, econômicas e sociais em curso impõem novas demandas, especialmente aos dirigentes sindicais, como a necessidade de conduzir processos complexos de negociação com o empresariado nacional e internacional (em especial com as empresas multinacionais) e

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com o governo federal e governos estaduais. Situam-se neste campo, por exemplo, conquistas como a elevação do salário mínimo e ganhos reais de salário em várias categorias profissionais; e as lutas pela redução da jornada de trabalho, a representação de trabalhadores e trabalhadoras terceirizados, a aprovação das convenções 151 e 158 da OIT. (Fonte: adaptado pela autora, de: DOMINGUES, Marta Regina. 2001. Educação dos Trabalhadores, novas políticas... outros atores. O Programa Integrar dos Metalúrgicos da CUT. Mimeo. 120p.)

Referências bibliográficas BLASS, Leila M. da Silva. 1999. Novo sindicalismo: persistência e descontinuidade. In: RODRIGUES, Iram Jácome (org.). Petrópolis: EDUC, Vozes, Rede Unitrabalho. CARDOSO, Adalberto Moreira. 1999. Sindicatos, trabalhadores e a coqueluche neoliberal: a era Vargas acabou? Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. CUT. 1994. 5º Congresso Nacional da Central Única dos trabalhadores - Resoluções. São Paulo: Informacut. CUT. 1997. 6º Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores, São Paulo: Informacut. RODRIGUES, Iram Jácome. 1999. A trajetória o novo sindicalismo. In: RODRIGUES, Iram Jácome (org.). Petrópolis: EDUC, Vozes, Rede Unitrabalho.

O sindicalismo no período pré-64 e das lições da experiência de Contagem e Osasco foram referências para os debates sobre liberdade e autonomia sindical, que ganharam novo impulso após o ciclo de greves iniciado em 1978, entre os metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, e que se espalhou por todo o país e por várias categorias. O movimento sindical crescia e, em 1981, com o objetivo de unificar as lutas operárias, foi realizada a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora - Conclat, que elegeu uma Comissão Nacional Pró-CUT, com 56 membros, com a finalidade de aglutinar o movimento sindical e organizar o 1º. Congresso das Classes Trabalhadoras - Conclat. A despeito da divisão entre os segmentos e diferentes orientações políticas presentes e do embate entre diferentes projetos: de um lado o que visou romper com a estrutura e a cultura dos pilares do sindicalismo corporativo, e de outro, as propostas de manutenção do sindicalismo atrelado ao Estado; em 28 de agosto de 1983, no 1º. Congresso das Classes Trabalhadoras Conclat ocorreu a fundação da CUT. No mesmo ano, foi fundada a Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras, que originaria a Central Geral dos Trabalhadores - CGT em 1986, representante de um sindicalismo "moderado", cujo maior expoente foi Joaquim dos Santos Andrade, o Joaquinzão (1926-1997), considerado por vários historiadores o protótipo do peleguismo e que presidiu o sindicato durante 22 anos, até 1987. Segundo LIMA (1999:139), a trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo - STIMSP, o maior da América Latina... é significativa: após a cooptação do ex-militante do PCB Luís Antônio Medeiros, o seu núcleo dirigente derrota sucessivas chapas apoiadas pela CUT, cooptando, posteriormente, diversos de seus líderes. Fundador da CGT, a direção do STIMSP foi articuladora da cisão que deu origem à Força Sindical em 1991, principal opositora ao sindicalismo-CUT [e auto-intitulado sindicalismo de resultados]. Em plena ascensão do neoliberalismo no país, as elites de plantão (incluídos os governos desse período), arquitetaram a emergência de um sindicalismo "moderno" e antagônico à maior central sindical do Brasil, autônoma, classista e de massas. Passados 25 anos da fundação da CUT, a bandeira em torno da liberdade e autonomia sindical continua em pé, mas, as dificuldades para romper com a herança da estrutura sindical corporativista se mantêm em vários âmbitos, reconhecidas até em resoluções Congressuais da CUT. A ação sindical classista em defesa dos interesses dos trabalhadores caminha, assim, em meio a um campo de contradições, em que coexistem possibilidades de ação combativa e reivindicatória, assim como limites e insuficiências que fazem com que os trabalhadores se afastem de suas entidades de classe. Captar essa riqueza da análise é o mais importante e, principalmente, partir dessa análise para refletir como avançar rumo a um regime de liberdade e autonomia sindical.

O sindicalismo rural Os direitos trabalhistas e a regulamentação da ação sindical elaborada no primeiro governo de Vargas

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eram exclusivo para trabalhadores celetistas, ou seja, que possuíam registro na carteira profissional. Com isso, ele deixou de fora, descoberto de quaisquer direitos, a maioria dos trabalhadores brasileiros que eram os trabalhadores rurais. Sem direitos e sem sindicatos. E com isso também evitou "comprar uma briga" com a elite agrária e latifundiária, mais conservadora em nosso país. O Brasil, em que pese o processo de urbanização e industrialização acelerado da década de 1930 até os anos 70, permaneceu com uma população majoritariamente rural até 1964. O sindicato oficial só chega ao campo no início dos anos 60, com o intuito de fazer frente à intensificação das lutas pela reforma agrária e a organização dos trabalhadores nas Ligas Camponesas, em Pernambuco. No entanto, ao contrário de levar a "paz social" ao campo e promover a "harmonia entre as classes" no meio rural, os sindicatos, federações e confederações de trabalhadores representaram um avanço nas lutas sociais. Com a instauração da ditadura militar, inúmeros sindicatos, federações e a própria CONTAG, reconhecida oficialmente em janeiro de 1964, sofrem intervenção e tem seus dirigentes cassados. Somente com a emergência do "novo sindicalismo", no final dos anos 70, ressurgiu com força a ação sindical no campo, tendo sido bastante expressiva a luta dos canavieiros de Pernambuco, de Alagoas, no interior de São Paulo, além de outras lutas nas regiões Norte, Nordeste e Sul do país.

A organização sindical no setor público Da mesma forma que os rurais, os trabalhadores do setor público também foram excluídos da CLT e da organização em sindicatos. Por esse motivo a organização dos trabalhadores do serviço público teve origem em associações autônomas, que somente após a Constituição de 1988 puderam se transformar legalmente em sindicatos. Como a organização dos trabalhadores do serviço público esteve historicamente fora dos parâmetros do sindicalismo oficial, algumas pessoas consideram que os sindicatos recém fundados após 1988 estariam, em tese, imunes do "pecado original" do sindicalismo corporativista: já sobreviviam financeiramente sem imposto sindical, já tinham liberdade de organização, etc. Outras pessoas avaliam que os pilares da estrutura sindical oficial têm "contaminado" a organização dos trabalhadores do setor público; que também sofre com os males da atualidade: forte precarização das relações de trabalho com perda de direitos, terceirização, dentre outros.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Nossa proposta é levar os dirigentes e militantes a compreenderem que são bastante complexas e comportam contradições de todo tipo as relações entre uma proposta sindical autônoma, classista e de massas (e suas experiências concretas) e a estrutura sindical oficial. Proponha aos cursistas que identifiquem nas ações sindicais de suas respectivas entidades (seja sindicato, federação, confederação ou estaduais/regionais da central sindical) práticas que tenham o sentido de avançar no enfrentamento à estrutura sindical corporativista. Reflita com eles sobre as dificuldades encontradas e iniciativas que tiverem êxito, e promova uma troca de experiência entre os participantes do curso.

Principais desafios para o sindicalismo na atualidade PRA COMEÇO DE CONVERSA! Uma das grandes questões sociológicas nos estudos mais recentes sobre sindicalismo é sobre a pertinência desta instituição na atualidade, dada a crise provocada pelas intensas transformações no mundo do trabalho.

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O alto grau de desemprego permanente - o chamado desemprego estrutural -, o número cada vez maior de trabalhadores na informalidade e a precarização das condições de trabalho (p. ex.: terceirização, a flexibilização no uso da força de trabalho por meio de contratação temporária ou parcial, a flexibilização nas formas de remuneração, etc.) têm provocado a reflexão sobre se os sindicatos mantêm sua relevância nas relações de trabalho, tal como no período do pós-guerra com o arranjo keynesiano do Estado de Bem-Estar Social. As perspectivas sobre a relevância do sindicalismo na atualidade variam entre uma posição mais pessimista e outra mais otimista. A posição mais pessimista afirma que os sindicatos são instituições em declínio terminal. Dentro dessa perspectiva, os sindicatos não teriam mais o que dizer aos trabalhadores, estando totalmente obsoleta e fadada a irrelevância na sociedade. Os autores com viés otimista concordam que os sindicatos passam por uma grave crise no atual contexto, mas vêem ainda possibilidades de ação coletiva desde que renovem suas práticas e suas agendas, abrindo-se para novos temas como apoio a iniciativas de economia solidária (cooperativas), desenvolvimento sustentável, os trabalhadores excluídos, que aprofunde a questão de gênero, entre outras. Para estes, o que está em crise é o tipo de sindicato forjado no período fordista, voltado exclusivamente para a negociação e contratação coletiva em nome dos assalariados, e com organização centralizada e verticalizada na relação direção - base.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Inicialmente sugerimos que você debata com os dirigentes em qual medida as tais transformações no mundo do trabalho estão realmente afetando as entidades sindicais. Em seguida, explore a discussão sobre a pertinência das entidades sindicais na atualidade, a crise dos sindicatos e o que eles pensam sobre a "nova agenda". Em que as entidades participantes do curso estão se abrindo para essa nova agenda? As entidades sindicais deveriam buscar uma organização mais semelhante aos movimentos sociais?

Cenário para a atuação sindical a partir dos anos 1990: crise do Fordismo, mudanças no Estado e acumulação flexível do Capital Marta Regina Domingues O fordismo, inaugurado em 1914 nos EUA, após um primeiro período marcado por instabilidade e crises agudas, cujo maior exemplo foi a bancarrota da bolsa de valores de Nova Iorque, em 1930, atingiu sua plenitude após a segunda guerra mundial, com transformações no âmbito do Estado, que permitiram ao fordismo desenvolver-se com maior estabilidade, consolidando-se rapidamente como um paradigma mundial. O regime de acumulação capitalista expresso pelo fordismo, e o modo de regulação social e política a ele associado manteve-se razoavelmente intacto até 1973. Caracterizou-se o fordismo, Segundo LIPIETZ (apud HARVEY. 1989:117) "um em linhas gerais, pela manutenção de investi- regime de acumulação descreve a estabilização, por mentos de capital fixo de larga escala e de um longo período, da alocação do produto líquido longo prazo, em sistemas de produção em entre consumo e acumulação; ele implica alguma massa de bens padronizados (possibilitados correspondência entre a transformação tanto das por um sistema produtivo rígido, tanto no que condições de produção como das condições de se refere a máquinas e equipamentos, como reprodução de assalariados", e é possibilitado mediquanto à organização e divisão do trabalho), ante modos de regulação, que se concretizam por salários relativamente elevados e crescentes, meio da interiorização de regras e normas (leis, amplo reconhecimento social das organiza- hábitos, convenções, entre outros) que conformam o ções sindicais e a generalização dos procedi- comportamento dos indivíduos na sociedade.

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mentos de negociação coletiva entre capital e No contexto do Welfare State, surgem sistemas trabalho, regulamentando as relações do mer- públicos de emprego nos países centrais, ratificados pela OIT - Organização Internacional do Trabalho, cado de trabalho. Sob o fordismo, a acumulação de capi- mediante a Convenção n.º 88, de 1950, do qual o tal intensificou-se, com o crescimento interna- Brasil é signatário e na qual se recomenda que os cional da produção e da produtividade funda- países organizem Sistemas Públicos de Emprego, dos no setor industrial, possibilitado, dentre instrumentos para garantir o direito ao emprego, de outros fatores, pela internacionalização pro- forma ampla, como um elo central que unifique as dutiva por meio de empresas multinacionais políticas públicas de um Estado voltado para o bem que, entretanto, mantiveram suas atividades estar social. de pesquisa tecnológica centralizadas na matriz de origem, ou seja, nos países centrais. No âmbito político, o fordismo significou a realização de um compromisso entre classes, mediado pelo Welfare State, cujo horizonte ideológico propunha o alcance do pleno emprego e, conseqüentemente, a distribuição da renda socialmente produzida. Baseado na concepção de um "circulo virtuoso", no qual ocorreria o equilíbrio perfeito entre produção e consumo, o fordismo ensejou inúmeros mecanismos de proteção social, adotados pelo Estado e orientados para a manutenção de um elevado padrão do consumo de massas. O Welfare State constituiu-se, portanto, no "financiamento da reprodução da força de trabalho, atingindo globalmente toda a população por meio de gastos sociais" mediante o financiamento público da economia capitalista, que "passou a ser o pressuposto do financiamento da acumulação de capital" (OLIVEIRA.1988), destinando recursos para ciência e tecnologia, subsídios para a produção, juros subsidiados para setores de ponta, além de subsídios para a agricultura. Em alguns países, o Welfare State assumiu a forma de vastos e poderosos setores estatais produtivos. Foram criadas, no Brasil, dentre outras empresas, a CSN - Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Hidrelétrica do Vale do São Francisco e a Petrobrás - Petróleo Brasileiro Sociedade Anônima. No Brasil, o complexo movimento do aparelho estatal, que muitas vezes assumiu a produção diretamente, garantindo níveis de emprego e consumo, transcorreu sob o signo do populismo e do ditatorialismo. Comandado por Getúlio Vargas desde 1930, o populismo se estabeleceu como uma política de massas que, paulatinamente, formaliza um mercado de força de trabalho, assumindo uma estreita relação com o desenvolvimento do setor terciário. A partir de meados da década de 50 com o nacionaldesenvolvimentismo, e após o golpe militar de 1964 com a política de modernização, o país viveu um período de crescimento e desenvolvimento econômico acelerado, porém socialmente excludente. O fordismo teve no Brasil um desenvolvimento bastante limitado e contraditório. Em decorrência do caráter socialmente excludente e fortemente concentrador de renda das formas de desenvolvimento adotadas, não ocorreu a formação de uma verdadeira norma de consumo de massa e pouco se avançou na edificação de um Estado do Bem-Estar, nos moldes existentes nos países fordistas centrais. (FERREIRA. 1993) A partir de 1969 os sinais de uma longa e profunda crise começam a se manifestar com a inflação mundial, estagnação do consumo e ressurgimento crescente do desemprego. O déficit público já acumulado mundialmente prenunciava a impossibilidade da manutenção do Welfare State tal como formulado. No final dos anos 70 e início dos 80 o Brasil sofre uma forte desaceleração do crescimento econômico com desdobramentos recessivos. No plano político-social ocorreu o fim da ditadura e se iniciou o processo de redemocratização no país, verificando-se, a partir do final dos anos 70, uma revitalização do movimento sindical brasileiro. Durante os anos 70, o capital excedente, conseqüência da expansão precedente da produção e comércio mundiais, fora, por um lado, aplicado em empréstimos para países semi periféricos e periféricos, encorajando-os em seus esforços de industrialização e modernização. Por outro lado, foi utilizado na especulação dos mercados monetários, minando e depois destruindo a estabilidade econômica mundial. (ARRIGHI. 1997)

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Em 1973, a decisão da OPEP - Organização dos Países Exportadores de Petróleo de aumentar os preços do petróleo para o ocidente, durante a guerra árabe-israelense, converteu-se em um marco das contradições do fordismo-keynesianismo, cuja crise possibilitou a ascensão do neoliberalismo e a mundialização do capital. Assim: A partir de 1978, a burguesia mundial, conduzida pelos norte-americanos e pelos britânicos, empreendeu em proveito próprio, com maiores e menores graus de sucesso, a modificação internacional e, a partir daí, no quadro de praticamente todos os países, das relações políticas entre as classes. Começou então a desmantelar as instituições e estatutos que materializavam o estado anterior das relações... devolve[ndo] ao capital a liberdade, que havia perdido desde 1914, para mover-se e desdobrar-se à vontade no plano internacional, entre países e continentes. (CHESNAIS. 1998:13-14) O capital é um valor cujo objetivo, em primeira instância, é a auto-valorização, a obtenção de lucro. Sendo assim, "o ramo industrial [no qual se invista], bem como a localização geográfica do comprometimento do capital têm, em última análise, caráter contingente" (CHESNAIS.1996:81, grifos no original). A mobilidade é a estratégia mais significativa e cuidadosamente planejada pelo capital atualmente, evitando qualquer comprometimento setorial, geográfico e mesmo político e permitindo o deslocamento do capital financeiro e dos grandes grupos multinacionais para regiões do mundo ou países em que existam mercados convenientes ou recursos disponíveis. A globalização das instituições bancárias e financeiras decorrentes do processo de mundialização do capital possibilitou e otimizou fusões de empreendimentos, além de aquisições internacionais. Deste modo, surgiram novos oligopólios industriais constituídos, sobretudo, por grupos americanos, japoneses e europeus, que passaram a delimitar entre si espaços privilegiados de concorrência e cooperação, caracterizando a mundialização do capital como "uma progressão quantitativa e qualitativa do movimento de centralização e concentração do capital industrial", fazendo parecer, especialmente aos olhos das empresas e dos países subordinados, que os grandes oligopólios industriais são "maiores e parecem mais fortes do que em qualquer outra época." Porém, "o grau de 'financeirização' desses grupos traduz a força da pressão que o capital monetário, ainda mais concentrado, exerce sobre eles". (CHESNAIS.1998:26) O parasitismo do capital financeiro sobre o capital produtivo é a principal marca do novo modo de acumulação, com inegáveis contradições e tensões entre a valorização do capital realizada nas formas produtiva, comercial e monetária, todas dependentes e baseadas na propriedade privada, "limite de qualquer enfrentamento econômico ou político entre os representantes das diferentes frações" (CHESNAIS.1998:16). Todas elas, afinal, atualmente marcadas por um forte caráter rentista, advindo de punções no setor produtivo. O fenômeno da mundialização do capital impossibilitou a continuidade do desenvolvimento auto-centrado e relativamente independente da maioria dos países capitalistas, e impede até o momento, o desenvolvimento autônomo, quando não qualquer desenvolvimento, dos chamados países de capitalismo periférico ou de desenvolvimento capitalista tardio; o terceiro mundo. A conseqüência imediata desse fato é a marginalização de grandes regiões mundiais como a África, Ásia e América do Sul. (CHESNAIS. 1996) Isso tem acarretado um desmantelamento do sentido de nação em seus aspectos econômico, social e cultural, assim como uma distensão política alinhada e subordinada, dos países menos desenvolvidos, à economia globalizada, que se expressa particularmente nas diretrizes políticas e econômicas ditadas pelas agências financeiras mundiais: o Banco Mundial, BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento), FMI (Fundo Monetário Internacional), entre outros. (...) Os países centrais, em especial os EUA, que detém uma imensa dívida nacional (o déficit dos EUA cresceu, entre 1981 e 1991, de US$ 74 bilhões para US$ 300 bilhões ao ano, e a dívida nacional americana de US$ 1 trilhão para US$ 4 trilhões. Kevin Phillips, apud ARRIGHI. 1997), mantêm uma política externa fortemente orientada para a consolidação do novo modo de acumulação do capital, em virtude de uma economia mundial que se estrutura de maneira profundamente dependente, com economias locais e nacionais extremamente vulneráveis ao mercado internacional. A busca da estabilização da

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economia mundial, capitaneada pelo Consenso de Washington converteu-se em um receituário homogêneo, imposto aos demais países, dentre outros aspectos, pela via das dívidas contraídas anteriormente. O novo colonialismo, como definiria, posteriormente, a insuspeita revista Newsweek (edição de 1º de agosto de 1994), estaria assentado num programa ou estratégia seqüencial em três fases: a primeira, consagrada à estabilização macroeconômica, tendo como prioridade absoluta um superávit fiscal primário, envolvendo, invariavelmente, a revisão das G8 - Grupo composto pelos sete países relações fiscais intergovernamentais e reestruturação dos sismais industrializados e desenvolvidos temas de previdência pública; a segunda, dedicada ao que o economicamente do mundo: Estados Banco Mundial vem chamando de 'reformas estruturais', Unidos, Canadá, Inglaterra, França, quer seja, a liberalização financeira e comercial, desregulaAlemanha, Itália e Japão; mais a mentação dos mercados e privatização das empresas Rússia. estatais; e, a terceira etapa, definida como a retomada do crescimento. (FIORI. 1995: 234) O novo regime de acumulação, ou seja, a base material de produção, a base técnica que lhe corresponde e seu modo de organização, consolidados e reificados por suas formas de regulação política e social, possibilitam a mundialização do capital, sua manutenção e aprofundamento, acarretando a subordinação dos países e regiões menos desenvolvidas às decisões político-econômicas dos países que compõem o G8. Diversamente do caráter essencialmente rígido do sistema de acumulação fordista, a acumulação flexível lastreia-se na flexibilidade dos processos de produção e trabalho (desde novas técnicas produtivas aos novos processos de gestão e organização da produção), dos mercados de trabalho (desregulamentação de direitos, precarização das relações de trabalho, desestabilização da mão-de-obra), dos produtos (cada vez mais segmentados por grupos e individualizados, com baixo índice de durabilidade) e dos padrões de consumo (fortemente alicerçados na mídia, na moda, no consumo efêmero, na indústria cultural), (HARVEY.1989:140); requisitando, dentre outros, novos parâmetros para a educação e a formação profissional. (Fonte: DOMINGUES, Marta Regina. 2001. Educação dos Trabalhadores, novas políticas... outros atores. O Programa Integrar dos Metalúrgicos da CUT.) Mimeo. 120p.

Referências bibliográficas ARRIGHI, Giovanni. 1997. Trabalhadores do mundo no final do século. In: A ilusão do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes. CHESNAIS, François. 1998. O capitalismo de fim de século. In: Globalização e Socialismo. São Paulo: Xamã. . 1996. A mundialização do Capital. Tradução: Silvana Finzi Foá. São Paulo: Xamã. FERREIRA, Cândido G. 1993. O fordismo, sua crise e o caso brasileiro. Cadernos do CESIT- nº 13 - Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho/Instituto de Economia - Unicamp. FIORI, José Luís. Em busca do dissenso perdido. Ensaios críticos sobre a festejada crise do Estado. Rio de Janeiro, Insight, 1995. HARVEY, David. 1989. Condição pós-moderna. Tradução: Adail Ubirajara Sobral e Maria Stela Gonçalves. São Paulo: Loyola. OLIVEIRA, Francisco de. 1988. O surgimento do antivalor. Novos Estudos CEBRAP, nº 22. págs. 8-28.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Há uma série de filmes, com enfoques e ênfases diferentes que você pode usar para ilustrar esse longo cenário do mundo do trabalho ao longo do século XX. Sobre o fordismo propriamente dito, você pode exibir o clássico Tempos Modernos (1936), de Charles Chaplin, que traz cenas do trabalho repetitivo tipicamente taylorista e os efeitos sobre a saúde do trabalhador e sobre a sociedade. Outra alternativa é o filme Tucker, Um

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Homem e seu Sonho (1988), de Francis Ford Coppola, baseado em fatos reais, que narra a história da fabricação de um carro muito avançado para os padrões da época, ameaçando o monopólio estabelecido pela Ford, Chrysler e General Motors, que, com a ajuda do governo, boicotam Tucker e o levam à falência. Em relação à crise social dos anos 1990, gerando incertezas nos trabalhadores, a sugestão é o filme Um dia de fúria (1993), de Joel Schumacher, que retrata a história de um homem emocionalmente perturbado que perdeu seu emprego. Após você passar algum desses filmes, ou outros que retratem esse contexto, discuta com os participantes os aspectos que ajudam a refletir e compreender o mundo do trabalho ao longo do século XX e sua crise na passagem para o século XXI. Sempre é uma estratégia interessante você envolver cursistas na construção de uma linha do tempo de sua trajetória pessoal, profissional, militante ou familiar, identificando nesse movimento, aparentemente singular, as influências que marcaram o contexto do trabalho no século XX.

Do governo FHC à Lula: novos tempos para a ação do movimento sindical Os dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002, foram anos de bastante dificuldade, em que os trabalhadores vivenciaram perdas de direitos e precarização da situação de trabalho. Decidido a inserir o Brasil no mundo globalizado, o governo fez a opção de acabar com a inflação pela "paridade" de nossa moeda - Real - em relação ao dólar americano. Essa estratégia obrigou a adoção de uma política econômica baseada em altas taxas de juros para atrair capital estrangeiro (especulativo), ao mesmo tempo em que colocou também a necessidade de "ajuste do Estado", com uma política fiscal de aumento de impostos e redução de gastos do Estado (educação, saúde, etc.). As privatizações das empresas estatais representaram a face mais visível da "modernização do Estado" promovida por FHC. Em uma só palavra, os dois mandatos de FHC representaram a implantação de um projeto neoliberal no Brasil. Por esse motivo, logo que tomou posse, tratou de "mandar um recado" aos movimentos sociais mais combativos, entre eles o MST e a CUT, de que não estava aberto ao diálogo para viabilizar este projeto. A greve dos petroleiros de 1995 e a criminalização das lideranças do MST representaram um sinal de endurecimento do governo. Gozando de prestígio popular nos primeiros anos pelo êxito do Plano Real no controle da inflação, a CUT viveu um momento difícil na organização e mobilização dos trabalhadores. A política de FHC havia transformado o Brasil em um cassino para os mega-investidores especulativos, atraídos pelas altas taxas de juros. O resultado disso foi um brutal crescimento da dívida pública interna com os banqueiros que compravam papéis do governo federal, para que este tivesse como dar garantia aos especuladores internacionais de que honraria seu compromisso com eles. A crise financeira nos países do bloco dos "tigres asiáticos" (Coréia, Indonésia, entre outros) durante a corrida presidencial de 1998 gerou uma desconfiança generalizada de que o governo brasileiro não teria como pagar os empréstimos internos e externos do país. E de fato, em janeiro de 1999, depois da posse de FHC para seu segundo mandato, veio a mudança de orientação, desvalorizando o Real em relação ao dólar para conter a perda de divisas. O resultado desta "festa" foi um país praticamente sem crescimento da economia, acumulando altas taxas de desemprego e uma deterioração dos serviços públicos prestados à população de mais baixa renda, sem nenhuma capacidade de propor uma política industrial que rearticulasse o parque produtivo nacional, esfacelado pela privatização de grandes estatais. Essa foi a "herança maldita" que o governo Lula assumiu quando tomou posse em janeiro de 2003. No campo das relações de trabalho, propriamente dito, teve que conter o processo de precarização e flexibilização da legislação trabalhista em curso durante o governo anterior. Da mesma forma, instaurou o Fórum Nacional do Trabalho (FNT), em que tiveram assento os trabalhadores, representados pelas centrais sindicais e confederações oficiais; os empregadores, através de suas entidades de classe; e o Ministério do

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Trabalho e Emprego. Era objetivo de o FNT promover uma mudança na legislação sindical para dotar as entidades sindicais (sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais) de maior representatividade e poder de negociação direta, sem a interferência tutelar do Estado nas relações Capital-Trabalho, reconhecendo o direito de greve como algo legítimo e intrínseco às relações de trabalho. Dessa forma, a reforma sindical debatida no âmbito do FNT tinha a incumbência de estabelecer um processo de transição do velho corporativismo, combatido pela CUT desde sua fundação, em direção à liberdade e autonomia sindical.

As relações de Trabalho no Brasil: Desafios e Perspectivas Artur Henrique da Silva Santos Presidente da CUT Para nós da CUT, não existe sociedade democrática em qualquer lugar do mundo, se não houver democracia nas relações de trabalho. E essa para nós é uma bandeira fundamental de qualquer debate sobre relações de trabalho. E um dos direitos fundamentais de qualquer sociedade democrática é a liberdade de organização; de lutar pelos interesses dos trabalhadores e das trabalhadoras. Isso inclui, a liberdade de constituir sindicatos da forma como os trabalhadores livremente decidirem, e não através, por exemplo, do Artigo 522 da CLT, que estabelece um determinado limite para o número de dirigentes sindicais. E esse debate tem que ser realizado sob a ótica das liberdades democráticas. Com isso, emerge outra questão fundamental é a forma de financiamento. Novamente, quem deve decidir livremente sobre as formas de financiamento das suas organizações devem ser os próprios trabalhadores, em assembléias. A efetiva implementação de um Sistema Democrático de Relações de Trabalho só será possível quando houver a garantia de um sistema de proteção e de direitos sociais que hoje vêm sistematicamente sendo atacados, apesar dos avanços do Governo Lula. Contudo, a agenda neoliberal, daqueles que perderam as eleições tem sido propagandeada por boa parte da mídia como a salvação do país, como por exemplo, a reforma trabalhista, reforma previdenciária e tantas outras reformas, sem falar da reforma que nos interessa, a reforma agrária. Pensar as relações de trabalho no Brasil implica, necessariamente, em desconstruir afirmações veiculadas diariamente e essa é uma das principais tarefas do movimento sindical e também do governo. Uma delas é que as relações de trabalho no Brasil são extremamente flexíveis. Ao contrário do que dizem que as regras são tão rígidas, que engessam o crescimento econômico; as regras e as relações de trabalho no Brasil são uma das mais flexíveis que existem no mundo. Primeiro, pela facilidade na contratação e demissão, sem absolutamente nenhuma regra. O que reafirma a necessidade da ratificação da Convenção 158 da OIT Organização Internacional do Trabalho. Convenção denunciada pelo Governo Fernando Henrique Cardoso, que coloca a possibilidade de participação dos sindicatos no processo e, por meio de negociação e/ou mobilização, garantir transparência. Por exemplo, no último ano, 60% dos trabalhadores que foram demitidos tinham até 2 anos de emprego, o que implica numa alta rotatividade de trabalhadores(as), e na grande maioria das vezes, a troca simples por trabalhadores ganhando salários bem menores. Outro retrato das relações de trabalho no Brasil é a intensa precarização, por meio de terceirização ou informalização, como PJ´s - pessoas jurídicas - ou mesmo várias outras formas de contratação. Tudo isso num período em que em nome da modernização, foi imbuída na sociedade a idéia de que era preciso flexibilizar os direitos dos trabalhadores para ampliar a número de empregos. Flexibilizou, reduziu direitos e nenhum emprego novo foi gerado nessa época do Governo Fernando Henrique Cardoso. Muito pelo contrário, tivemos aumento do desemprego. Nenhuma medida de flexibilização, no âmbito do Mercosul ou na Europa gerou emprego, como alguns especialistas dizem. E a mídia faz comparações em relação a países europeus, com sistemas de proteção social consolidados, enquanto que no Brasil temos apenas o seguro desemprego. (...) É preciso ousadia de todos, da classe trabalhadora e também do governo para ampliar direitos e não de flexibilizar ou reduzir direitos. A hora é de trazer para a formalização aqueles que estão na informalidade e fora do mercado de trabalho. Exemplo dessa ousadia é a postura do Ministro do Trabalho do Uruguai que, logo ao tomar posse, estabeleceu um processo de diálogo com as confederações ou as repre-

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sentações sindicais e empresariais para debater acordo nacional por ramo e por setor econômico. Guardadas as especificidades de cada país, é perfeitamente possível construir um processo de diálogo e negociação, com obrigatoriedade de todas as partes - trabalhadores e empresários, debater piso salarial nacional e contratação coletiva nacional por ramo. O PAC - Programa de Aceleração do Crescimento, lançado pelo governo Lula, com um conjunto de obras de infra-estrutura, é importante instrumento para impulsionar o crescimento econômico e, conseqüentemente, o desenvolvimento. No PAC não há contrapartidas de emprego formal. A proposta da CUT é que em todos os projetos exista a participação do movimento sindical, na negociação de acordos onde a contrapartida dos setores que estão sendo beneficiados seja a contratação de trabalhadores de carteira assinada, emprego formal, sob a ótica do trabalho decente, preconizado pela OIT - Organização Internacional do Trabalho. Enfim, para avançar na democratização das relações de trabalho e na formalização do emprego, é preciso direito de organização e de associação, em especial, no local de trabalho; direito de greve, coibição das práticas anti-sindicais, a redução da jornada de trabalho sem redução de salário, como forma, inclusive, de propiciar a criação de empregos formais. É preciso colocar o trabalho e sua valorização como eixo central das políticas públicas. E para a CUT, isso significa criação e ampliação de empregos formais e empregos decentes. Esse segundo governo Lula deve priorizar as políticas públicas de emprego e renda, qualificação profissional, onde os atores sociais possam participar do processo de definição tanto de verbas quanto de metodologia. Exemplo disso foi a luta para estabelecer que o dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador somente pudesse ser utilizado em projetos realmente públicos de emprego e renda e não para favorecer esta ou aquela central sindical ou este ou aquele projeto de qualificação profissional. Estas questões implicam num debate mais profundo, com a sociedade, de qual desenvolvimento o Brasil precisa. E principalmente, o desenvolvimento regional, levando em consideração especificidades econômico-sociais e culturais, na definição de políticas. Muito se tem falado sobre crescimento econômico e desenvolvimento. Mas qual? Aquele que emprega uma enorme quantidade de trabalhadores em regime análogo ao escravo, em regime de escravidão e trabalho infantil? O crescimento econômico que queremos implica em distribuição de renda, valorização do trabalho e respeito ao meio-ambiente. Estas são bandeiras principais da CUT para o próximo período. Por outro lado, também é necessário um amplo movimento com os países do Mercosul para que a integração regional seja não apenas de relações comerciais, mas também e, principalmente, de relações sociais. A presença de companheiros do Uruguai, Argentina e Paraguai nessa atividade contribui muito para a consolidação da Plataforma Sócio-laboral dos Direitos dos Trabalhadores no Mercosul. E o Ministério do trabalho tem um papel fundamental nesse processo. Se, foi com muita luta que alcançamos os direitos até hoje conquistados, certamente, no próximo período, essa luta deverá ser ampliada, para quem não tem acesso a esses direitos e para avançar em mais direitos. E essa é a tarefa estratégica da CUT no próximo período. E é a unidade, a mobilização e a pressão que garantirão essas conquistas. (Fonte: CUT. 2008. Organização sindical e relações de trabalho: a luta dos trabalhadores na Itália e no Brasil)

A Organização Sindical da CUT - Construindo o Futuro com ousadia, liberdade e autonomia Denise Motta Dau Secretária de Organização da CUT Desde a sua fundação, em 1983, a Central Única dos Trabalhadores pauta sua atuação na organização, mobilização e representação da classe trabalhadora pela busca do fortalecimento de seus legítimos instrumentos de luta contra todas as formas de opressão. Se, no campo político, os dirigentes atuavam, naquele período, na luta contra a ditadura militar, inúmeros esforços também eram desprendidos na elaboração e consolidação do projeto político organizativo da Central, que trabalhava de forma conjunta os debates sobre a organização sindical brasileira e a importância da formação política de seus diri-

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gentes. A necessidade de romper com as amarras do velho sindicalismo corporativo, baseado em sindicatos, federações e confederações oficiais, levou a CUT a elaborar uma estratégia de longo prazo, baseada na constituição da sua própria estrutura organizativa. Fomos das oposições sindicais à constituição de estruturas próprias, que substituíssem as federações e confederações oficiais. O II CONCUT, de 1986, aponta claramente para o modelo de organização sindical necessário à luta emancipatória dos trabalhadores e indica como modelo organizativo os sindicatos por ramo de atividade econômica, em contraposição aos sindicatos de categoria, limitados a uma pequena base geográfica. Construímos a proposta de Sistema Democrático de Relações de Trabalho com base nos processos democráticos e de liberdade sindical preconizados nas convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e na experiência concreta da lutas cotidianas sistematizadas e incorporadas pelo movimento sindical cutista. E o IV CONCUT veio reafirmar o papel histórico da Central e seu projeto: "A CUT é uma central sindical classista, democrática, autônoma, unitária, de massas e pela base. Fundamentada nessa concepção, fruto do acúmulo de experiências obtidas nas lutas e nos avanços teóricos de nossas resoluções, o desafio estratégico atual consiste em avançar na consolidação da Central, articulando reivindicações imediatas com as de interesse histórico da classe trabalhadora. Assim, a CUT, ao afirmar seu objetivo de superação do capitalismo e pelo socialismo, assume o papel estratégico de agente fundamental na construção de um projeto de sociedade democrática, organizando autônoma e independentemente os trabalhadores, condição sine qua non para se chegar ao socialismo. Desde sua fundação, em 1983, a CUT cresceu a partir do combate à estrutura sindical oficial e da organização e mobilização dos trabalhadores para o enfrentamento da ditadura militar, da transição conservadora e do chamado projeto neoliberal. As mobilizações de massa e as lutas de resistência contra os ataques do capital são estratégicas como principal instrumento de defesa dos interesses imediatos dos trabalhadores, e fundamentais para fazer frente ao poder econômico, ao controle político e ao monopólio da informação exercidos pelas classes dominantes. Ao longo dos seus 23 anos de vida, a CUT sempre esteve à frente das lutas dos trabalhadores da cidade, do campo e dos setores público e privado. Seu modelo organizativo, discutido ao longo dos congressos e plenárias, atualizava e balizava a luta sindical. Conquistamos e democratizamos importantes sindicatos, tanto no setor público como no setor privado, que servirão de referência na luta pela liberdade e pela autonomia sindicais e contra o imposto sindical, contra a interferência da Justiça do Trabalho e pelas demais bandeiras históricas da Central. Ganhamos e democratizamos várias federações e confederações da estrutura oficial, o que nos permitiu ampliar a organização dos trabalhadores, como no caso dos rurais. A eleição do presidente operário e a criação do Fórum Nacional do Trabalho permitem que a CUT dispute suas posições - nos debates da reforma sindical - junto às outras centrais e aos setores patronais, conforme deliberação de nosso 8º CONCUT. Os debates do Fórum Nacional do Trabalho produziram uma PEC e um PL que se propõem a alterar de forma substancial o atual modelo de organização sindical, que vem fragmentando cotidianamente os sindicatos e sem a devida contrapartida na organização dos trabalhadores. Entretanto, várias forças conservadoras uniram-se para impedir que os projetos pudessem tramitar no Congresso Nacional. Porém, a iniciativa do governo no sentido de reconhecer as centrais sindicais, baseado em critério de representatividade regional e por ramo de atividade, dando-lhes respaldo jurídico para representarem e negociarem legalmente questões gerais que afetam a classe trabalhadora contribui para a superação do modelo sindical coorporativo vigente. A reorganização das forças produtivas, com conseqüentes mudanças na organização dos meios produtivos, impõe para a Central a necessidade de repensarmos e atualizarmos o modelo organizativo, a fim de superarmos os novos desafios. (...) Devemos buscar consolidar a organização por ramos de atividade nos sindicatos, federações e confederações filiados, de modo a ampliar nosso poder de representação, respeitando a identidade e o acúmulo organizativo de cada setor para, desta forma, superar a estrutura sindical corporativista dividi-

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da em categorias, avançando no debate da unidade e da fusão de entidades e ramos. Devemos também: fortalecer a luta e a organização de base dos trabalhadores nos seus locais de trabalho e conquistar a organização por local de trabalho por meio da experiência em setores onde seja possível sua implantação; ampliar e fortalecer a representatividade das entidades sindicais, a fim de superar a fragmentação e a ausência de condições favoráveis ao processo de negociações; aprofundar e otimizar a estrutura das Estaduais da CUT, buscando aprimorar sua inserção nas atividades dentro dos estados, revendo as formas de sustentação financeira, assim como sua participação nas instâncias nacionais de decisão, que deverá ocorrer de forma articulada e planejada pelos atores envolvidos, dentro dos objetivos gerais da Central; e por fim, a CUT deve aprofundar o trabalho de reestruturação dos ramos e o fortalecimento das CUTs estaduais, promovendo lutas nacionais por ramos, fomentando o funcionamento de articulações regionais e ajudando no planejamento das ações das instâncias estaduais. Também deve ocupar-se com a unidade internacional dos trabalhadores, de forma a construir mobilização e luta dentro das transnacionais que organizam hoje a economia mundial. (Fonte: CUT. 2006. Estratégia e Organização da CUT: construindo o futuro)

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Nossa sugestão é você complementar a discussão sobre esse tema com a exibição do vídeo Liberdade e Autonomia Sindical, produzido pela CUT em 2003, no momento em que se desenvolviam as discussões no Fórum Nacional do Trabalho. Com este material você poderá abordar as estratégias da CUT naquele contexto e refletir sobre as dificuldades que esta central sindical teve em sua estratégia de ação, e partir da reflexão que reconhece a dificuldade da CUT para provocar um debate sobre quais caminhos podem ser trilhados no caminho rumo à liberdade e autonomia sindical. Para subsidiar essa proposta, segue o texto da Lei nº 11.648, de 31/03/2008, que confere o reconhecimento às centrais sindicais; e o Boletim 47, que discute sobre o fim do imposto sindical no Brasil.

Lei nº 11.648, de 31 de Março de 2008 Dispõe sobre o reconhecimento formal das centrais sindicais para os fins que especifica, altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e dá outras providências. O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º A central sindical, entidade de representação geral dos trabalhadores, constituída em âmbito nacional, terá as seguintes atribuições e prerrogativas: I - coordenar a representação dos trabalhadores por meio das organizações sindicais a ela filiadas; e II - participar de negociações em fóruns, colegiados de órgãos públicos e demais espaços de diálogo social que possuam composição tripartite, nos quais estejam em discussão assuntos de interesse geral dos trabalhadores. Parágrafo único. Considera-se central sindical, para os efeitos do disposto nesta Lei, a entidade associativa de direito privado composta por organizações sindicais de trabalhadores. Art. 2º Para o exercício das atribuições e prerrogativas a que se refere o inciso II do caput do art. 1º desta Lei, a central sindical deverá cumprir os seguintes requisitos: I - filiação de, no mínimo, 100 (cem) sindicatos distribuídos nas 5 (cinco) regiões do País; II - filiação em pelo menos 3 (três) regiões do País de, no mínimo, 20 (vinte) sindicatos em cada uma; III - filiação de sindicatos em, no mínimo, 5 (cinco) setores de atividade econômica; e IV - filiação de sindicatos que representem, no mínimo, 7% (sete por cento) do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional.

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Parágrafo único. O índice previsto no inciso IV do caput deste artigo será de 5% (cinco por cento) do total de empregados sindicalizados em âmbito nacional no período de 24 (vinte e quatro) meses a contar da publicação desta Lei. Art. 3º A indicação pela central sindical de representantes nos fóruns tripartites, conselhos e colegiados de órgãos públicos a que se refere o inciso II do caput do art. 1o desta Lei será em número proporcional ao índice de representatividade previsto no inciso IV do caput do art. 2o desta Lei, salvo acordo entre centrais sindicais. § 1º O critério de proporcionalidade, bem como a possibilidade de acordo entre as centrais, previsto no caput deste artigo não poderá prejudicar a participação de outras centrais sindicais que atenderem aos requisitos estabelecidos no art. 2o desta Lei. § 2º A aplicação do disposto no caput deste artigo deverá preservar a paridade de representação de trabalhadores e empregadores em qualquer organismo mediante o qual sejam levadas a cabo as consultas. Art. 4º A aferição dos requisitos de representatividade de que trata o art. 2o desta Lei será realizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. § 1º O Ministro de Estado do Trabalho e Emprego, mediante consulta às centrais sindicais, poderá baixar instruções para disciplinar os procedimentos necessários à aferição dos requisitos de representatividade, bem como para alterá-los com base na análise dos índices de sindicalização dos sindicatos filiados às centrais sindicais. § 2º Ato do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego divulgará, anualmente, relação das centrais sindicais que atendem aos requisitos de que trata o art. 2o desta Lei, indicando seus índices de representatividade. Art. 5º Os arts. 589, 590, 591 e 593 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, passam a vigorar com a seguinte redação: "Art. 589 ...................................................................................................................... I - para os empregadores: a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente; b) 15% (quinze por cento) para a federação; c) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e d) 20% (vinte por cento) para a 'Conta Especial Emprego e Salário'; II - para os trabalhadores: a) 5% (cinco por cento) para a confederação correspondente; b) 10% (dez por cento) para a central sindical; c) 15% (quinze por cento) para a federação; d) 60% (sessenta por cento) para o sindicato respectivo; e e) 10% (dez por cento) para a 'Conta Especial Emprego e Salário'; III - (revogado); IV - (revogado). § 1º O sindicato de trabalhadores indicará ao Ministério do Trabalho e Emprego a central sindical a que estiver filiado como beneficiária da respectiva contribuição sindical, para fins de destinação dos créditos previstos neste artigo. § 2º A central sindical a que se refere a alínea b do inciso II do caput deste artigo deverá atender aos requisitos de representatividade previstos na legislação específica sobre a matéria." (NR) "Art. 590. Inexistindo confederação, o percentual previsto no art. 589 desta Consolidação caberá à federação representativa do grupo. § 1º e § 2º. (Revogados). § 3º Não havendo sindicato, nem entidade sindical de grau superior ou central sindical, a contribuição sindical será creditada, integralmente, à 'Conta Especial Emprego e Salário'. § 4º Não havendo indicação de central sindical, na forma do § 1º. do art. 589 desta Consolidação, os percentuais que lhe caberiam serão destinados à 'Conta Especial Emprego e Salário'." (NR) "Art. 591. Inexistindo sindicato, os percentuais previstos na alínea c do inciso I e na alínea d do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação serão creditados à federação correspondente à mesma categoria

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econômica ou profissional. Parágrafo único. Na hipótese do caput deste artigo, os percentuais previstos nas alíneas a e b do inciso I e nas alíneas a e c do inciso II do caput do art. 589 desta Consolidação caberão à confederação." (NR) "Art. 593. As percentagens atribuídas às entidades sindicais de grau superior e às centrais sindicais serão aplicadas de conformidade com o que dispuserem os respectivos conselhos de representantes ou estatutos. Parágrafo único. Os recursos destinados às centrais sindicais deverão ser utilizados no custeio das atividades de representação geral dos trabalhadores decorrentes de suas atribuições legais." (NR) Art. 6º (VETADO) Art. 7º Os arts. 578 a 610 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, vigorarão até que a lei venha a disciplinar a contribuição negocial, vinculada ao exercício efetivo da negociação coletiva e à aprovação em assembléia geral da categoria. Art. 8º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 31 de março de 2008; 187º da Independência e 120º da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA Tarso Genro, Carlos Lupi, Publicado no DOU de 31.3.2008 - Edição extra

Boletim 47 Denise Motta Dau - Secretária de Organização da CUT - Quintino Severo - Secretário Geral da CUT Conclusão do Processo de Reconhecimento das Centrais - Projeto de Lei extinguindo o Imposto Sindical e a Contribuição Assistencial, Implantando a Contribuição Negocial Reconhecimento das Centrais (...) Em reunião realizada no Ministério do Trabalho e Emprego foi apresentada, pelo Ministro Carlos Lupi, a relação das centrais sindicais que cumpriram as exigências da portaria 194 de abril do corrente, que estabelecia as regras para o reconhecimento das Centrais.. O DIEESE - Departamento Intersindical de Estudos Sócios Econômicos, contratado pelo MTE para fazer a aferição usou como referencia o CNES - Cadastro Nacional das Entidades Sindicais - cuja base de dados tem o registro de todos os sindicatos que atualizaram e validaram seus dados cadastrais junto ao Ministério. Foram reconhecidas seis centrais sindicais que cumpriram as exigências da portaria e obtiveram os seguintes índices de representatividade: Central Sindical Central Única dos Trabalhadores - CUT Força Sindical - FS Nova Central Sindical de Trabalhadores - NCST União Geral dos Trabalhadores - UGT Central dos Trabalhadores (as) do Brasil - CTB Central Geral dos Trabalhadores Brasil - CGTB

Índice 35,84% 12,33 6,27 6.29 5,09 5,02

Nº de Entidades Filiadas 1644 749 612 412 179 206

A Central Única dos Trabalhadores defendeu que as demais centrais sindicais cumprissem o acordo feito nos debates que levaram ao reconhecimento das entidades ali presentes, firmando o acordo de envio do Projeto de Lei que acaba com o Imposto Sindical, substituindo ele e as demais cobranças como o Negocial e o Confederativo, que só pode ser extinto por uma PEC, pela Contribuição Negocial, democraticamente aprovada em assembléias de trabalhadores especificamente convocados para este fim e cujo texto final estava quase concluído. O Ministério do trabalho e Emprego encaminhou um termo de compromisso, assinado pelas seis

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centrais sindicais presentes, cujo teor fala do apoio do envio ao Congresso Nacional do anteprojeto de lei que institui a Contribuição Negocial. Proposta de extinção do Imposto Sindical e Assistencial com Criação da Contribuição Negocial Em nova reunião realizada no dia 21 de agosto o Secretário de Relações do Trabalho, Luis Antonio de Medeiros e o Ministro Carlos Lupi, apresentaram a CUT, representada nesta reunião pelos dirigentes Denise Motta Dau, Vagner Freitas, Rosane Silva, Expedito Solaney e Lucia Reis, além das demais centrais reconhecidas, todas presentes na reunião, a proposta de Projeto de Lei com o seguinte teor: Extingue o Imposto sindical e a Contribuição Assistencial. Institui a Contribuição Negocial, devida por todos os trabalhadores que participem de uma categoria econômica ou profissional, servidores públicos e trabalhadores rurais. Vincula a cobrança a Negociação Coletiva ainda que frustrado o acordo. Remete para os debates no Congresso Nacional a instituição de um teto Maximo, sem estabelecer nenhum valor como mínimo. Fixa a necessita de que a entidade sindical estabeleça um quorum mínimo em seu estatuto para a aprovação da Contribuição Negocial. Para as entidades que tenham estatutos omissos sobre o tema vale o artigo 612 da CLT que estabelece como quorum 2/3 dos associados. Neste mesmo artigo ainda constam regras claras para a divulgação de editais que convoquem a assembléia que irá deliberar sobre a cobrança. Estabelece sanções ao patrão que recolher e não repassar a referida contribuição. inclui na cobrança todos os trabalhadores abrangidos pela negociação Estabelece as regras de cobrança para os profissionais liberais e autônomos, mantendo na regra geral os contratados formalmente e estabelecendo um novo período para opção (janeiro) do profissional que quiser recolher a contribuição para sua entidade profissional de categoria. Estabelece prerrogativa da entidade de base indicar na estrutura superior, a entidade a qual está filiada, na proporção da tabela abaixo. • 70 % para o sindicato que exerceu a negociação • 15 % para a federação a qual o sindicato estiver filiado • 05 % para a confederação a qual o sindicato estiver filiado • 10 % para a central sindical a qual o sindicato estiver filiado Estes são os termos gerais do anteprojeto a ser enviado, primeiro para a análise e aprovação da Casa Civil, e posteriormente ao Congresso Nacional onde teremos fortes embates, uma vez que algumas centrais sindicais têm se posicionado publicamente contra a posição da CUT de fim do Imposto Sindical e de todas as cobranças obrigatórias. Também iremos enfrentar um forte debate com a mídia que insiste em dizer equivocadamente que a proposta aumenta a contribuição dos trabalhadores, sem, no entanto, levar em conta e esclarecer que, hoje uma parte significativa de entidades, cobra sem nenhum teto a Contribuição Assistencial e Confederativa alem do Imposto Sindical. Como tema estratégico para a CUT, toda a direção executiva tem acompanhado os debates e negociações, segundo a Secretaria Nacional de Organização, Denise Motta Dau: "Estamos convocando todas as nossas entidades filiadas a organizar suas direções para divulgar e debater com os trabalhadores e trabalhadoras, a importância do fim do Imposto Sindical compulsório e a diferença da proposta de criação de uma forma de sustentação aprovada por assembléias democráticas como é a proposta de Contribuição Negocial. Após o envio da proposta pelo executivo teremos durante a tramitação no congresso uma ótima oportunidade para afirmamos para a sociedade claramente nossa posição sobre a sustentação democrática e financeira da estrutura sindical brasileira" O projeto de lei a ser enviado ao Congresso não terá delimitação de um teto para o desconto, porém para a CUT, o percentual definido e debatido com as entidades desde o Fórum Nacional do Trabalho e que estabelece o percentual de 0% a 1% dos rendimentos brutos é razoável, cabendo, no entanto, ser reavaliado durante a tramitação, desde que não supere o 1%.

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Para o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, este projeto vem finalizar um grande esforço da CUT que desde a sua origem luta pelo fim do Imposto Sindical. Fizemos de forma transparente os debates no Fórum Nacional do Trabalho e agora no Grupo de Trabalho que discutiu o texto final; sempre coerentes com nossa posição histórica. Entendemos que a aprovação deste projeto pelo legislativo é de estrema importância e que de forma alguma os sindicatos que são atuantes na defesa dos interesses de seus representados vão ser prejudicados. Acreditamos também que a aplicação da lei levará ao fim da fragmentação sindical acabando com a criação de estruturas que nascem somente para arrecadar o famigerado imposto. Desta forma a CUT sairá organizada com suas entidades filiadas na defesa do projeto junto a sociedade e ao parlamento. (Fonte: www.cut.org.br)

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Projetos de Desenvolvimento, Democracia e Disputa de Hegemonia

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o menos desde o início da década de 1990 o Brasil se inseriu em um novo regime de acumulação, cuja principal característica é a busca desenfreada pelo capital financeiro em detrimento do investimento no capital produtivo. A reestruturação produtiva somada à abertura comercial, liberalização financeira e privatização do Estado - conseqüências dessa financeirização - refletiu na centralização do poder e concentração de riqueza no cenário internacional assim como, no Brasil, essa sucessão de políticas econômicas de caráter liberal que, embora tenha logrado êxito no controle inflacionário e na estabilização da moeda, sacrificou as possibilidades de crescimento e desenvolvimento econômico convertidos em uma melhor distribuição de renda. Os principais efeitos desse processo se fizeram sentir no âmbito do trabalho: taxas de desemprego crescentes, elevado grau de precarização e flexibilização nas relações de trabalho, intensificação das jornadas, salários reais desvalorizados e alto grau de informalização. Em suma: desregulamentação dos direitos sociais e trabalhistas, impondo novos dilemas e exigindo a ressignificação do próprio sindicalismo. Nesse mesmo contexto emerge e difundi-se a idéia de que o problema crônico do desemprego estrutural é culpa do próprio trabalhador, desprovido de educação formal e qualificação profissional adequadas ao novo contexto. Assistimos, assim, ao avanço de um modelo econômico insustentável. Por outro lado, emergiram debates sobre formas alternativas de desenvolvimento que levem em consideração, por exemplo, a sustentabilidade e a solidariedade, fundadas numa lógica mais inclusiva, na qual a democracia política conquistada nos últimos anos - aliás, com forte presença do movimento sindical - passe pelo teste da democracia social. Nesse processo de disputa de hegemonia, a presença do sindicalismo é fundamental: promovendo a invenção de espaços públicos, incentivando a participação popular, buscando, portanto, novas formas de organização, de adensar posições e de diferenciá-las. A construção de uma agenda política anti-hegemônica passa pela recolocação de nossa principal questão social - o desemprego estrutural - em seu devido lugar, ou seja, como um problema políticoeconômico visível no mercado de trabalho real, e não um problema advindo de uma baixa qualificação individual dos trabalhadores, sempre aquém das demandas de um mercado fetichizado. Trata-se de re-equacionar a relação entre educação e trabalho na perspectiva de uma qualificação social e profissional que atenda aos interesses dos trabalhadores e trabalhadoras, para uma inserção mais autônoma no mercado de trabalho, com maiores condições de disputar, com o capital o excedente de renda produzido pelo Trabalho. Esta é uma tarefa posta para o movimento sindical, e que requer também uma postura e políticas adequadas do poder público. Com o objetivo de realizar a crítica ao modelo vigente e subsidiar a proposição de alternativas que lhe possa substituir, esta unidade será organizada em três temas: Sociedade capitalista e relações capitalistas de produção; Processo de industrialização no Brasil e desequilíbrios regionais; e Projeto nacional de desenvolvimento vs. neoliberalismo. Nosso objetivo é demonstrar a natureza e os processos que caracterizam, em linhas gerais, o capitalismo atual. Em seguida veremos como essas configurações se apresentam no caso do Brasil, observando algumas de suas conseqüências setoriais e regionais. Por fim, apontaremos o debate atual acerca da restauração do liberalismo e os desafios para se implementar um desenvolvimento social e econômico neste novo cenário.

Sociedade capitalista e relações capitalistas de produção Aqui, abordaremos conteúdos relacionados à formação da sociedade capitalista e à constituição das relações capitalistas de produção, enfatizando a ideologia da igualdade e da liberdade em contraposição à desigualdade social vigente no atual sistema econômico. Com base na Teoria Marxista e nas contribuições da Escola de Regulação analisaremos os padrões de acumulação e os tipos de relação cap-

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ital-trabalho vigentes em períodos distintos, desde o fordismo até o modelo de acumulação flexível, comparando o liberalismo originário ao atual neoliberalismo. Nosso objetivo é explicitar a lógica do funcionamento do capitalismo enquanto sistema de produção e reprodução sócio-econômica baseado na exploração da força de trabalho e na transformação de sujeitos políticos em objetos econômicos.

O que é fundamental? Discutir o conceito marxista de mais-valia; demonstrar a configuração das relações entre salários e jornada de trabalho; explicitar a maneira como as idéias de liberdade e igualdade no capitalismo são construções ambíguas; além de definir as idéias de taylorismo, fordismo e acumulação flexível, apontando suas diferenças e ressaltando as sobreposições e interações desses modelos construídos historicamente. Para tanto os textos de Ruy Moreira e William Nozaki podem servir como suporte para a definição de ações formativas que pretendam abordar com profundidade e de modo simples, um assunto complexo como este. Os textos, em seu desenvolvimento, ressaltam a materialidade do trabalho e de suas formas de organização nos processos produtivos, e como esta materialidade impõe determinados paradigmas no mundo do trabalho e na sociedade em geral, definindo a organização espacial da sociedade, as relações de trabalho e suas implicações para os trabalhadores e o movimento sindical.

Inovações tecnológicas e novas formas de gestão do trabalho Ruy Moreira Os parâmetros de uma Geografia da Técnica e do Trabalho Cada tempo da historia é marcado por um período técnico ao qual corresponde um período de formas de organização e gestão do trabalho. A interligação entre o período técnico e o período de trabalho que lhe corresponde dá origem ao paradigma da relação homem-meio do tempo. É este paradigma o que vemos na forma da paisagem tanto micro da empresa quanto macro da organização espacial das sociedades. Consagrou-se na fase histórica moderna, correspondente a história do capitalismo, designar tais períodos de revolução industrial. A cada qual corresponde uma forma paradigmática de organização espacial da sociedade. Dessa maneira, desde que entrou na sua fase industrial, a história do capitalismo conheceu distintas formas paradigmáticas de espaço. Os períodos técnicos e de trabalho e a classe trabalhadora Toda vez que o período técnico muda, também muda a forma correspondente de trabalho. E, então, tem início uma fase de desmonte das estruturas existentes e de montagem das estruturas novas. Foi assim na passagem do paradigma manchesteriano para o taylorista-fordista e para o paradigma toyotista. A cada um desses momentos de trânsito paradigmático, corresponde uma fase de perplexidade e desarrumação no seio da classe trabalhadora. Uma nova classe trabalhadora nasce, sem que a velha se dê conta disso. Isso acontece porque mudam as bases técnicas da sociedade, as formas de trabalho e o paradigma de mundo. É de esperar que mude a classe trabalhadora, sua mentalidade e formas institucionais de organização. As relações de trabalho se desfazem, as regras de gestão de trabalho se refazem, os padrões industriais se reestruturam. Mas o entendimento da classe trabalhadora raramente é contemporâneo. Daí sua reação inicial de perplexidade e desarrumação institucional. A recuperação só vem a seguir. Acontece em cada época sob forma própria. A passagem da fase da manufatura para a fábrica manchesteriana foi marcada pela formação das associações e cooperativas de ajuda mútua, de quebra das máquinas e, por fim, da criação dos sindicatos de ofícios. A passagem da fase do paradigma manchesteriano para a do paradigma taylorista-fordista pela eclosão de greves dos trabalhadores qualificados e pela criação dos sindicatos de massa e dos partidos de trabalhadores. E a passagem do paradigma taylorista-fordista pela busca de manutenção do emprego e inte-

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gração da ação sindical com os movimentos sociais para somar um arco mais amplo em defesa da permanência dos benefícios sociais conquistados. Também a classe patronal segue em cada época uma estratégia igualmente própria. Na fase de introdução do paradigma manchesteriano, a estratégia foi o pagamento do salário por peça, de modo a instalar a concorrência entre trabalhadores de oficio e a explorar sua estimulação por mais salários. Na de introdução do paradigma taylorista-fordista foi a troca do salário por peça pelo salário padrão. E na introdução da estratégia toyotista foi a ação repressiva destinada a desmontagem do sindicalismo de massa (a Toyota responde à greve de 1950 e a Nissan a de 1952 com prisões e desemprego generalizado) e a pulverização coercitiva do sindicato por empresa. Na passagem atual do paradigma taylorista-fordista para o paradigma flexível do toyotismo, um novo mundo do trabalho, uma nova forma de classe trabalhadora e uma nova institucionalidade de organização nascem. É tarefa dos olhos atentos percebê-las. E isso de modo tão rápido quanto é preciso sair da perplexidade que hoje novamente se instala.

A organização do capitalismo por meio da organização do trabalho William Vella Nozaki A sociedade capitalista se apresenta, em primeiro lugar, como um mundo em que o modo de explorar os recursos naturais e as relações que os homens estabelecem entre si são governados pela produção de objetos para a troca - mercadorias - e pela busca sistemática do lucro. A mentalidade capitalista se caracteriza pelo aproveitamento metódico das oportunidades existentes para transformar um capital inicial em um capital maior, ampliado. Portanto, na sociedade capitalista a produção de mercadorias não visa fundamentalmente a satisfação de necessidades humanas e sim a sobrevalorização do próprio capital por meio do lucro. Mas quem são as personagens básicas do mundo social capitalista? De um lado há aqueles que controlam os meios de produção (as matérias-primas, os instrumentos de trabalho, as máquinas e a tecnologia) indispensáveis para a produção de mercadorias: os capitalistas. De outro lado há uma classe de trabalhadores livres. O trabalhador é livre em um duplo sentido: é livre porque não deve obediência pessoal a nenhum senhor (como era o caso do servo ou do escravo); é livre porque apartado da propriedade ou da posse dos meios de produção, o que lhe resta é sua capacidade de trabalhar, sua força de trabalho "livremente" ofertada no mercado.

Liberalismo e a ideologia da liberdade e da igualdade O capitalismo legitima-se por meio da ideologia do liberalismo, segundo a qual todos são livres, pois cada um é dono de si e de sua vontade, assim o capitalista compra a força de trabalho e não a pessoa do trabalhador. Além disso, para o liberalismo todos são iguais, pois capitalistas e trabalhadores podem exercer livremente sua vontade no mercado, comprando e vendendo a força de trabalho. Aparentemente, o trabalhador vende sua força de trabalho, apenas se quiser, para quem bem entender e, uma vez que o faça, recebe por seu trabalho: o salário. De onde surge a desigualdade entre o trabalhador e o capitalista? A função do salário, no capitalismo, é garantir a reprodução da força de trabalho; ou seja, as condições mínimas de alimentação, vestuário e moradia para que o trabalhador possa exercer a atividade do trabalho diariamente. O fato é que o valor que a força de trabalho produz - quando utilizada pelo capitalista - é superior ao seu próprio valor.Vejamos. O capitalista adquiriu a força de trabalho por seu valor (equivalente ao salário) e passou a ter o direito de utilizá-la, digamos, oito horas por dia. Se, por exemplo, em três horas de trabalho o trabalhador produz mercadorias que, quando vendidas, tem um valor correspondente ao contido em seu salário, as outras

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cinco horas de sua jornada de trabalho são tempo de trabalho que o capitalista se apropria gratuitamente. O valor produzido nessas cinco horas é algo além daquele contido no salário, é um valor a mais, como disse Karl Marx é uma mais-valia. Essa é a origem do lucro capitalista e da desigualdade social no capitalismo. A resistência quanto à exploração dos trabalhadores para a conquista de mais-valia depende, basicamente, de sua capacidade de organização, da existência de sindicatos e de movimentos reivindicatórios. A exploração dos trabalhadores é realizada de diversas maneiras. As mais primitivas são: o aumento da jornada de trabalho e o estabelecimento de horas-extras. Não é incomum os trabalhadores serem obrigados a cumprir horas de trabalho além de sua jornada, sem serem remunerados por isto. Ou, então, sua remuneração é tão baixa que são obrigados a realizar horas-extras para atingir um ganho pelo menos suficiente para a sobrevivência. A exploração da força de trabalho através do aumento de horas trabalhadas é chamada, por Marx, de mais-valia absoluta. Mas existe uma maneira bem mais discreta, camuflada, para os capitalistas aumentarem sua maisvalia. Trata-se do aumento da produtividade do trabalho através da introdução de novas técnicas: instrumentos de trabalho mais modernos, novas formas de organizar o trabalho, fazendo com que o trabalhador gaste menos tempo para produzir o valor correspondente ao seu salário, essa é a mais-valia relativa. Do taylorismo-fordismo à produção flexível As formas de se obter maior produtividade do trabalho variam no tempo e no espaço, são construções históricas e sociais que variam de acordo com as transformações do capitalismo e a correlação de forças entre capital e trabalho. Veremos como operaram e quais são as características de algumas dessas formas. Taylorismo-Fordismo. Segundo o criador deste método, o norte-americano Frederick Taylor (18561915), tratava-se de uma "administração científica do trabalho". Esse método consistia em retirar do trabalhador todo o conhecimento e todo controle que pudesse ter sobre seu próprio trabalho e em centralizar esse conhecimento e esse controle nas mãos da direção da empresa (ou de seus gerentes). A atividade de cada trabalhador foi reduzida a gestos simples e realizáveis com a maior rapidez possível. A conseqüência mais profunda da taylorização do trabalho foi a separação entre a concepção e a execução. O saber relativo ao processo de trabalho passa a ser controlado pela administração das empresas (por meio de uma minoria composta por técnicos e pessoal administrativo, com escolaridade de nível médio ou superior); já à grande maioria dos trabalhadores das grandes empresas a exigência era a de efetuar determinados gestos em um determinado tempo (em conseqüência, a necessidade de formação profissional se reduzia ao mínimo, em geral um treinamento em poucas semanas era suficiente). A idéia introduzida pelo industrial norte-americano Henry Ford, em 1913, na sua fabrica de automóveis, foi dividir ainda mais o trabalho, dispondo a produção em tarefas encadeadas, de modo que cada trabalhador realizava uma parte do produto final de forma padronizada, sempre igual, sua grande inovação é aquilo que chamamos de linha de montagem. Com esse trabalho em cadeia, a posição das máquinas, dos equipamentos e dos trabalhadores é fixada, diminuindo a porosidade e aumentando ainda mais o ritmo do trabalho, já que cada operário tinha que se adaptar à velocidade com que a esteira se movia à sua frente. O próprio Ford, em seu livro Minha Vida e minha obra, afirmava: "não há quase contato pessoal em nossa oficina; os operários cumprem o seu trabalho e voltam para seus lares. Uma fábrica não é um salão de conferências". A maior novidade proposta por Ford foi a ampliação da produção em uma escala nunca vista antes com a redução dos custos de produção. É a produção em massa de mercadorias padronizadas baseadas numa remuneração crescente da força de trabalho. Produção Flexível. Nos últimos anos, particularmente a partir da década de 1970, o mundo passou a presenciar uma crise do sistema de produção capitalista. Após um período próspero de acumulação de capitais, o auge do fordismo e do keynesianismo das décadas de 1950 e 1960, o capital passou a dar sinais de um quadro crítico, que pode ser observado por alguns elementos como: a tendência decrescente da taxa de lucro decorrente do excesso de produção; o esgotamento do padrão de acumulação taylorista/fordista de produção; a desvalorização do dólar, indicando a falência do acordo de Breeton woods; a crise do

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Welfare State ou do "Estado de Bem-Estar Social"; a intensificação das lutas sociais (com greves, manifestações de rua) e a crise do petróleo que foi um fator que deu forte impulso a esta crise. Esta "crise estrutural do capital" impulsionou, principalmente nos anos 80 e 90, uma gama de transformações sócio-históricas que afetam das mais diversas formas a estrutura social. Nestas condições o sistema capitalista vai buscar várias formas de restabelecer o padrão de acumulação. Neste sentido é que se insere a implementação de um amplo processo de reestruturação do capital, com vistas a recuperar o seu ciclo produtivo, o que afetou fortemente o mundo do trabalho, promovendo alterações importantes na forma de organização da classe dos trabalhadores assalariados. Neste contexto o modelo de produção taylorista/fordista, que vigorou na grande indústria ao longo do século XX, particularmente a partir da segunda década, mostra-se em decadência. A base do método de produção de F. W. Taylor e Henry Ford era a separação entre gerência, concepção, controle e execução. O que havia em especial em Ford e que em última análise distingue o fordismo do taylorismo era o seu reconhecimento explícito de que produção em massa significava consumo em massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, em suma, um novo tipo de sociedade democrática e racionalizada. Em muitos aspectos, as inovações de Ford eram mera extensão de tendências bem-estabelecidas, ele fez pouco mais do que racionalizar velhas tecnologias e uma detalhada divisão do trabalho pré-existente. Ford lançou as bases de um sistema em que os próprios trabalhadores - até então vistos como mão-de-obra a ser usada no limite de suas potencialidades - deveriam ser considerados também como consumidores. Assim, em síntese, podemos afirmar que o sistema taylorista/fordista caracteriza-se pelo: padrão de produção em massa, objetivando reduzir os custos de produção, bem como ampliar o mercado consumidor; produção homogeneizada e enormemente verticalizada obedecendo a uniformidade e padronização, onde o trabalho é rotinizado, disciplinado e repetitivo; parcelamento das tarefas, o que conduzirá o trabalho operário à desqualificação. O taylorismo/fordismo realizava uma forma de expropriação intensificada do operário, destituindo de qualquer participação na organização do processo de trabalho, o que se resumia numa atividade repetitiva e desprovida de sentido. Ao mesmo tempo este operário era freqüentemente chamado para corrigir as deformações e enganos cometidos pela "gerência científica" e pelos quadros administrativos. Constata-se, portanto, um movimento generalizado de lutas e resistências nos locais de trabalho, que haviam se desqualificado e mesmo destruído o saber daqueles trabalhadores de ofício, que tinham um determinado controle e autonomia no seu trabalho. Essa contradição entre autonomia e heteronomia, própria do processo de trabalho fordista, acrescida da contradição entre produção e consumo, intensificava os pontos de saturação deste modelo. Já no período inicial da crise (1965-1973), o fordismo e o keynesianismo demonstravam-se incapazes de dar conta das contradições inerentes do capitalismo. Esta incapacidade estava dada pela rigidez na totalidade do padrão de acumulação vigente; nos investimentos, no sistema de produção em massa, nos mercados de consumo e de trabalho e no Estado de bem-estar - que exigia uma forte arrecadação para garantir as políticas sociais. No caso particular da rigidez no trabalho (gestão e organização), havia resistência e um poder sindical extremamente fortes que impediam mudanças ou qualquer flexibilização, principalmente até 1973. Em linhas gerais, nos anos 70 se evidenciou a crise do fordismo norte-americano. E as mobilizações que haviam movimentado as instituições de poder desde o final da década de 60, rebelando-se contra aquele padrão de trabalho e de vida não conseguiram impor outra alternativa. Nesta medida, o enfraquecimento da resistência dos trabalhadores foi um fator importante para abrir caminho ao movimento do capital. Desta forma, os desdobramentos da crise da década de 70 mudanças fundamentais, que se tornam evidentes com o esgotamento do padrão fordista. Neste momento inicia-se uma mutação no interior do padrão de acumulação, visando alternativas que dessem um novo dinamismo ao processo produtivo que dava sinais de esgotamento. O capital iniciou um processo de reorganização de suas formas de dominação, não só reorganizando em termos capitalistas de produção, mas também buscando a gestão da recuperação de sua hegemonia nas diver-

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sas esferas da sociabilidade. Intensificam-se as transformações no processo produtivo, por meio do avanço tecnológico, da constituição de formas de acumulação flexível se destaca especialmente o modelo toyotista ou japonês. O toyotismo assume e desenvolve novas práticas gerenciais e empregatícias tais como 'just in time/kanban', controle de qualidade total e engajamento estimulado. Elas surgem como uma nova via de racionalização do trabalho, centradas na produção enxuta (também denominada lean production), adequadas a uma nova ordem do capitalismo mundial. O novo método de gestão da produção, impulsionado, em sua gênese sócio-histórica pelo Sistema Toyota, tornou-se adequado à nova base técnica da produção capitalista vinculada à Terceira Revolução Industrial que exige novas condições de concorrência e de valorização do capital a partir da crise dos anos 70. Este é um período de mudanças na estrutura produtiva, uma fase de transição denominada de pósfordismo. Sendo os aspectos mais decisivos desta fase o aumento da flexibilidade em escala global, a mobilidade de capital e a liberdade para colonizar e mercantilizar praticamente todas as esferas, destruindo-se as fronteiras sociais e espaciais relativamente fixas e gerando-se uma descentralização da produção. Porém, sobre a transição do fordismo para o pós-fordismo e devemos evitar pronunciamentos que supõem a idéia de que as características do fordismo tenham sido eliminadas nos dias atuais. Ao contrário, elas afirmam a complexidade das condições presentes que envolvem a contínua existência de características básicas do fordismo. Até mesmo Ohno e Krafcik, proponentes dos novos métodos de produção, reconheceram que é mais importante insistir sobre as continuidades do que sobre as rupturas do toyotismo com relação ao taylorismo/fordismo. De certo modo o toyotismo conseguiu superar alguns aspectos predominantes da gestão de produção da grande indústria do século XX inspiradas no taylorismo e fordismo, que instauraram o parcelamento e a repetitividade do trabalho. Mas, por trás da intensificação do ritmo do trabalho que existe no toyotismo, persiste uma nova repetitividade do trabalho. É importante ressaltar que o atual processo de reestruturação produtiva não vem se produzindo no âmbito especifico de qualquer país ou região, mas vem se produzindo no contexto de um conjunto de transformações que ocorrem em nível mundial desde meados dos anos 70. Isto significa reconhecer este processo dentro do contexto da globalização econômica, o que implica, portanto, reconhecer a presença de um processo mundial de transformações. Os novos padrões de estruturas produtivo-organizacionais redefiniram a noção de competitividade internacional, com ênfase na capacidade industrial de inovar e aperfeiçoar. A crescente importância da capacitação tecnológica e informacional tem como um fator chave a competitividade. Surge um mercado cada vez mais competitivo e com grandes variações de gosto (formato, cor, uso, etc.). A estratégia da competitividade reside em antecipar, produzir, ir ao encontro do desejo do consumidor, assim as empresas promoveram profundas transformações na forma de produzir buscando assegurar sua concorrência e sobrevivência no mercado. A nova máquina, em oposição à máquina automática e rígida, é microeletrônica, muito mais flexível e rápida. Este novo aparelhamento permite produzir elementos diferentes a partir de uma única matriz; aceita mudanças; acolhe, estimula melhoramentos, e, talvez ainda mais importante, produz versões simultâneas e diferentes, perfeitamente programáveis e em pequenos lotes. Quero destacar aqui que os novos princípios organizacionais passam a ser baseados na integração de tarefas, flexibilidade da mão-de-obra e na multifuncionalidade. O novo paradigma produtivo traz como características intrínsecas: a substituição da lógica da produção em massa pela lógica da produção variável, voltada às exigências do mercado, o que impõe a uma necessidade de flexibilidade e da busca pela constante melhoria do processo produtivo, o que implica uma nova lógica baseada na incorporação do conhecimento do indivíduo sobre a produção; a substituição da grande empresa por empresas mais enxutas, que focalizam a produção em partes determinadas do processo produtivo. As inovações tecnológicas e organizacionais despontavam como um fator fundamental para aumentar a eficiência das empresas para competir e a concorrer neste novo cenário que se processa. É neste contexto que as empresas começarão a introduzir algumas técnicas japonesas de produção: "como os Círculos de Controle de Qualidade (CCQs) e Programas de Qualidade Total.

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Este período da reestruturação mundial do capital que se processa a partir das últimas décadas do nosso século vem efetivando uma ruptura do anterior paradigma produtivo/industrial e tecnológico. Ocasiona, também, o rompimento do compromisso social e das relações/instituições econômicas, sociais e políticas que foram definidas quando da constituição e expansão do padrão de industrialização norte-americano no pós-guerra. O trabalho humano há décadas vem sendo transformado, primeiro a mecanização, depois a automação, sempre provocando debates semelhantes sobre questões relacionadas à demissão de trabalhadores, "produtividade" versus "alienação", "controle administrativo" versus "autonomia dos trabalhadores". Assim, podemos concluir afirmando que estamos diante de um intenso processo de transformação do mundo do trabalho, com a emergência de novos modelos de produção, acompanhados do crescente avanço tecnológico. Desta forma, assistimos a construção de uma nova ordem econômica, na qual o conhecimento assume um papel primordial. Esse novo momento redimensiona a demanda de trabalho e afeta diretamente os trabalhadores. Estamos, portanto, no limiar de um novo processo histórico.

O que é fundamental? O mais importante é compreender que a organização do trabalho é uma construção histórica que comporta elementos internacionais e nacionais, e que, nos âmbitos nacionais e regionais, se torna a expressão singularizada de uma lógica mundial de acumulação do capital. Assim, as formas que a organização do trabalho assume historicamente variam conforme as necessidades da acumulação de capital, mas também variam de acordo com a correlação de forças entre capital e trabalho em cada país e mesmo no interior deles. Deste modo, formas de organização do trabalho diferenciadas podem se combinar em um mesmo momento, como é o caso do Brasil, onde o taylorismo nunca deixou de existir e o fordismo atingiu apenas alguns setores (principalmente na indústria e no setor de comércio e serviços), e permaneceu em vários níveis das cadeias produtivas, dando sustentabilidade, para a uma produção flexível, de maneira que podemos falar em um "fordismo periférico".

Os textos apresentados a seguir, foram selecionados com o intuito de cumprir duas finalidades. Por um lado, escolhemos excertos de O Capital, que trata da Mercadoria - Valor de Uso e Valor de Troca ou Valor Propriamente Dito. Originário de uma tradução portuguesa disponível na Internet, a qualidade do texto, sua clareza e concisão foram os fatores fundamentais que nos levaram a escolhê-lo, pois contribuem para derrubar um mito de que a leitura de O Capital e de Marx é tarefa de especialistas, economistas e outros que tais. Foram feitas pequenas adaptações para o português brasileiro. A partir de boas traduções de originais, pode-se formar opiniões próprias e tomar o gosto pelo assunto. Este tão importante. A seguir, escolhemos alguns trechos de O que é Ideologia, especialmente aqueles que tratam, com uma excelente fundamentação, do fetichismo da mercadoria, de alienação e reificação. Estes conceitos são fundamentais para compreender porque o trabalho, sob o capitalismo, além de mercadoria, é instrumento de alienação e sujeição. Os textos demonstram, por outro lado, como ocorre a acumulação do capital e os interesses antagônicos entre as classes fundamentais.

O Capital - Os Dois Fatores da Mercadoria: Valor de Uso e Valor de Troca ou Valor Propriamente Dito ... Karl Marx A riqueza das sociedades em que domina o modo de produção capitalista apresenta-se como uma "imensa acumulação de mercadorias". A mercadoria é, antes de tudo, um objeto exterior, uma coisa

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que, pelas suas propriedades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. Que essas necessidades tenham a sua origem no estômago ou na fantasia, a sua natureza em nada altera a questão. Todas as coisas úteis, como o ferro, o papel, etc., podem ser consideradas sob um duplo ponto de vista: o da qualidade e o da quantidade. A utilidade de uma coisa transforma essa coisa num valor de uso. O próprio corpo da mercadoria, tal como o ferro, o trigo, o diamante, etc., é, conseqüentemente, um valor de uso. Quando estão em causa valores de uso, subentende-se sempre uma quantidade determinada, como uma dúzia de relógios, um metro de tecido, uma tonelada de ferro, etc. Os valores de uso só se realizam pelo uso ou pelo consumo. Constituem o conteúdo material da riqueza, qualquer que seja a forma social dessa riqueza. Na sociedade que nos propomos examinar, são, ao mesmo tempo, os suportes materiais do valor de troca. O valor de troca surge, antes de tudo, como uma relação quantitativa, a proporção em que valores de uso de espécies diferentes se trocam entre si, relação que varia constantemente com o tempo e o lugar. Tomemos duas mercadorias, trigo e ferro, por exemplo. Qualquer que seja a sua relação de troca, ela pode ser sempre representada por uma equação em que uma dada quantidade de trigo é considerada igual a uma quantidade qualquer de ferro (por exemplo, um alqueire de trigo = a quilos de ferro). Que significa esta equação? Significa que em dois objetos diferentes, em um alqueire de trigo e em a quilos de ferro, existe algo de comum. Ambos os objetos são, portanto, iguais a um terceiro que, em si mesmo, não é nem um nem outro. Cada um deles deve, enquanto valor de troca, ser redutível ao terceiro, independentemente do outro. Ora, se abstrairmos do valor de uso das mercadorias, resta-lhes uma única qualidade: a de ser produto do trabalho. Com efeito, se abstrairmos do seu valor de uso, abstraímos também, de todos os elementos materiais e formais que lhe conferem esse valor. Já não é, por exemplo, mesa, casa, fio, ou qualquer outro objeto útil; já não é também o produto do trabalho do marceneiro, do pedreiro, de qualquer trabalho produtivo determinado. Juntamente com os caracteres úteis particulares dos produtos do trabalho, desaparece o caráter útil dos trabalhos neles contidos e as diversas formas concretas que distinguem as diferentes espécies de trabalho. Apenas resta, portanto, o caráter comum destes trabalhos; todos eles são reduzidos ao mesmo trabalho humano [abstrato], a um dispêndio [genérico] de força humana de trabalho. O que há de comum nas mercadorias e que se mostra na relação de troca ou no valor de troca é, pois, o seu valor.Vimos que um valor de uso ou um artigo qualquer só tem valor na medida em que nele está materializado trabalho humano [genérico e abstrato]. Ora, como medir a grandeza do seu valor? Pela quantidade da substância "criadora de valor" nele contida, isto é, pela quantidade de trabalho. Por sua vez, a quantidade de trabalho tem por medida a sua duração, e o tempo de trabalho mede-se em unidades de tempo, tais como a hora, o dia, etc. Poder-se-ia imaginar que, se o valor de uma mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho gasto na sua produção, então quanto mais preguiçoso ou inábil for um homem mais valor terá a sua mercadoria, pois emprega mais tempo na sua produção. Contudo, o trabalho que constitui a substância do valor das mercadorias é trabalho igual e indistinto, um dispêndio da mesma força de trabalho. A totalidade da força de trabalho da sociedade, que se manifesta no conjunto dos valores, só [se] releva, por conseguinte, como força única, embora se componha de inúmeras forças individuais. Cada força de trabalho individual é igual a qualquer outra, na medida em que possui o caráter de uma força social média e funciona como tal, isto é, emprega na produção de uma mercadoria apenas o tempo de trabalho necessário em média, ou o tempo de trabalho socialmente necessário. O tempo socialmente necessário à produção das mercadorias é o tempo exigido pelo trabalho executado com um grau médio de habilidade e de intensidade e em condições normais, relativamente ao meio social dado. Depois da introdução do tear a vapor na Inglaterra, passou a ser necessário talvez apenas metade de trabalho que anteriormente era necessário para transformar em tecido certa quantidade de fio. O tecelão manual inglês, esse continuou a precisar do mesmo tempo que antes para executar essa transformação; mas, a partir desse momento, o produto da sua hora de trabalho individual pas-

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sou a representar apenas metade de uma hora social, não criando mais que metade do valor anterior. É, pois, somente a quantidade de trabalho ou o tempo de trabalho necessário numa dada sociedade para a produção de um artigo que determina a grandeza do seu valor. Cada mercadoria particular conta em geral como um exemplar médio da sua espécie. As mercadorias que contêm iguais quantidades de trabalho ou que podem ser produzidas no mesmo tempo têm, portanto, um valor igual. A grandeza de valor de uma mercadoria permaneceria, evidentemente, constante se o tempo necessário à sua produção permanecesse constante. Contudo, este último varia com cada modificação da força produtiva ou produtividade do trabalho, que, por sua vez, depende de circunstâncias diversas: entre outras, da habilidade média dos trabalhadores, do desenvolvimento da ciência e do grau da sua aplicação tecnológica, das combinações sociais da produção, da extensão e eficácia dos meios de produção e de condições puramente naturais. (...) Segundo Eschwege, o produto total da exploração das minas de diamantes do Brasil, durante oitenta anos, não tinha ainda atingido em 1823 o preço do produto médio de um ano e meio das plantações de açúcar ou de café do mesmo país, embora representasse muito mais trabalho e, portanto, mais valor. Com minas mais ricas, a mesma quantidade de trabalho representaria uma maior quantidade de diamantes, cujo valor baixaria. Se conseguisse transformar com pouco trabalho o carvão em diamante, o valor deste último desceria talvez abaixo do valor dos tijolos. Em geral: quanto maior é a força produtiva do trabalho, menor é o tempo necessário à produção de um artigo, menor é a massa de trabalho nele cristalizada, menor é o seu valor. Inversamente, quanto menor é a força produtiva do trabalho, maior é o tempo necessário à produção de um artigo, maior é o seu va1or. A grandeza de valor de uma mercadoria varia, pois, na razão direta da quantidade e na razão inversa da produtividade do trabalho que nela se realiza Conhecemos agora a substância do valor: é o trabalho. Conhecemos a medida da sua grandeza: é a duração do trabalho. Uma coisa pode ser um valor de uso e não ser um valor: basta que seja útil ao homem sem provir do seu trabalho. Assim acontece com o ar, prados naturais, terras virgens, etc. Uma coisa pode ser útil e produto do trabalho humano e não ser mercadoria. Quem, pelo seu produto, satisfaz as suas próprias necessidades, apenas cria um valor de uso pessoal. Para produzir mercadorias, tem não somente de produzir valores de uso, mas valores de uso para os outros, valores de uso social. [transferidos para outrem, por meio de troca.] Finalmente, nenhum objeto pode ser um valor se não for uma coisa útil. Se é inútil o trabalho que contém é gasto inutilmente e, portanto, não cria valor.

O que é Ideologia Marilena Chauí (...) As classes sociais não são coisas nem idéias, mas são relações sociais determinadas pelo modo como os homens, na produção de suas condições materiais de existência, se dividem no trabalho, instauram formas determinadas da propriedade, reproduzem e legitimam aquela divisão e aquelas formas por meio das instituições sociais e políticas, representam para si mesmos o significado dessas instituições através de sistemas determinados de idéias que exprimem e escondem o significado real de suas relações. As classes sociais são o fazer-se classe dos indivíduos em suas atividades econômicas, políticas e culturais. A dialética é materialista porque seu motor não é o trabalho do Espírito, mas o trabalho material propriamente dito: o trabalho como relação dos homens com a Natureza, para negar as coisas naturais enquanto naturais, transformando-as em coisas humanizadas ou culturais, produtos do trabalho. Mas o que interessa realmente à dialética materialista não é a simples relação dos homens com a Natureza através (pela mediação) do trabalho. O que interessa é a divisão social do trabalho e, portanto, a relação entre os próprios homens através do trabalho dividido. Essa divisão começa no trabalho sexual de procriação, prossegue na divisão de tarefas no interior da família, continua como divisão entre pastoreio e agricultura e entre estes e o comércio, caminha separando proprietários das condições do trabalho e trabalhadores avançam como separação entre cidade e campo e entre trabalho manual e trabalho intelec-

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tual. Essas formas da divisão social do trabalho, ao mesmo tempo em que determinam a divisão entre proprietários e não proprietários, entre trabalhadores e pensadores, determinam-na formação das classes sociais e, finalmente, a separação entre sociedade e política, isto é, entre instituições sociais e o Estado. O motor da dialética materialista é a forma determinada das condições de trabalho, isto é, das condições de produção e reprodução da existência social dos homens, forma que é sempre determinada por uma contradição interna, isto é, pela luta de classes ou pelo antagonismo entre proprietários das condições de trabalho e não proprietários (servos, escravos, trabalhadores assalariados). Enfim, da concepção hegeliana Marx também conserva o conceito de alienação, tendo como referência as análises de Feuerbach sobre a alienação religiosa. Para Feuerbach, a religião é a forma suprema da alienação humana, na medida em que ela é a projeção da essência humana num Ser superior, estranho e separado dos homens, um poder que os domina e governa porque não reconhecem que foi criado por eles próprios. Todavia, Marx imprimirá grandes modificações neste conceito. Contra Hegel, dirá que a alienação não é do Espírito, mas dos homens reais em condições reais. Contra Feuerbach dirá, em primeiro lugar, que não há uma "essência humana", pois o homem é um ser histórico que se faz diferentemente em condições históricas diferentes; e, em segundo lugar, que a alienação religiosa não é a forma fundamental da alienação, mas apenas um efeito de outra alienação real, que é a alienação do trabalho. O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não pode reconhecer-se no produto de seu trabalho porque as condições desse trabalho, suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador, mas do proprietário das condições do trabalho. Como se não bastasse, o fato de que o produtor não se reconheça no seu próprio produto, não o veja como resultado de seu trabalho faz com que o produto surja como um poder separado do produtor e como um poder que o domina e ameaça. A elaboração propriamente materialista da alienação no modo de produção capitalista é feita por Marx em O Capital. Trata-se do fetichismo da mercadoria. Que é a mercadoria? Trabalho humano concentrado e não pago. Por depender da forma da propriedade privada capitalista, que separa o trabalhador dos meios, instrumentos e condições da produção, a mercadoria é uma realidade social. No entanto, o trabalhador e os demais membros da sociedade capitalista não percebem que a mercadoria, por ser produto do trabalho, exprime relações sociais determinadas. Percebem a mercadoria como uma coisa dotada de valor de uso (utilidade) e de valor de troca (preço). Ela é percebida e consumida como uma simples coisa. Assim, em lugar da mercadoria aparecer como resultado de relações sociais enquanto relações de produção, ela aparece como um bem que se compra e se consome. Aparece como valendo por si mesma e em si mesma, como se fosse um dom natural das próprias coisas. Basta entrarmos num supermercado nos sábados à tarde para vermos o espetáculo de pessoas tirando de prateleiras mercadorias como se estivessem apanhando frutas numa árvore para entendermos como a mercadoria desapareceu enquanto trabalho concentrado e não pago. E como o dinheiro também é mercadoria (aquela mercadoria que serve para estabelecer um equivalente social geral para todas as outras mercadorias), tem início uma relação fantástica das mercadorias umas com as outras (a mercadoria [R$ 2,00] se relaciona com a mercadoria sabonete Gessy, a mercadoria [R$ 300,00] se relaciona com a mercadoria menino-que-faz-pacotes etc.). As coisas-mercadorias começam, pois, a se relacionarem umas com as outras como se fossem sujeitos sociais dotados de vida própria (um apartamento estilo "mediterrâneo" vale um "modo de viver", um cigarro vale "um estilo de vida", um automóvel zero km vale "um jeito de viver", uma bebida vale "a alegria de viver", uma calça vale "uma vida jovem", etc.). E os homens-mercadorias aparecem como coisas (um nordestino vale [R$ 4,00] à hora na construção civil, um médico vale [R$ 40,00] à hora no seu consultório, etc.). A mercadoria passa a ter vida própria indo da fábrica à loja, da loja a casa, como se caminhasse sobre seus próprios pés. O primeiro momento do fetichismo é este: a mercadoria é um fetiche (no sentido religioso da palavra), uma coisa que existe em si e por si. O segundo momento do fetichismo, mais importante, é o seguinte: assim como o fetiche religioso (deuses, objetos, símbolos, gestos) tem poder sobre seus crentes ou adoradores os domina como uma força estranha, assim também a mercadoria. O mundo se trans-

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forma numa imensa fantasmagoria. Como, então, aparecem as relações sociais de trabalho? Como relações materiais entre sujeitos humanos e como relações sociais entre coisas. E Marx afirma que as relações sociais aparecem tais como efetivamente são. Que significa dizer que a aparência social é a própria realidade social? Significa mostrar que no modo de produção capitalista os homens realmente são transformados em coisas e as coisas são realmente transformadas em "gente". Com efeito, o trabalhador passa a ser uma coisa denominada força de trabalho que recebe uma outra coisa chamada salário. O produto trabalho passa a ser uma coisa chamada mercadoria que possui uma outra coisa, isto é, um preço. O proprietário das condições de trabalho e dos produtos do trabalho passa a ser uma coisa chamada capital, que possui uma outra coisa, a capacidade de ter lucros. Desapareceram os seres humanos, ou melhor, eles existem sob a forma de coisas (donde o termo usado por Lucaks: reificação; do latim: res, que significa coisa). Em contrapartida, as coisas produzidas e as relações entre elas (produção, distribuição, circulação, consumo) se humanizam e passam a ter relações sociais. Produzir, distribuir, comerciar, acumular, consumir, investir, poupar, trabalhar, todas essas atividades econômicas começam a funcionar e a operar sozinhas, por si mesmas, com uma lógica que emana delas próprias, independentemente dos homens que as realizam. Os homens se tornam os suportes dessas operações, instrumentos delas. Alienação, reificação, fetichismo: é esse processo fantástico no qual as atividades humanas começam a se realizar como se fossem autônomas ou independentes dos homens e passam a dirigir e comandar a vida dos homens, sem que estes possam controlá-las. São ameaçados e perseguidos por elas. Tornam-se objetos delas. Basta pensar no trabalhador submetido às "vontades" da máquina regulada por um "cérebro eletrônico", ou no indivíduo que, jogando na bolsa de valores de São Paulo, tem sua vida determinada pela falência de um banco numa cidade do interior da Europa, de que nunca ouviu falar. (...)

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Dadas as alterações no modo de acumulação do capital nas últimas décadas, é importante que as diferentes experiências dos trabalhadores com esta dimensão possam se expressar. Pode-se debater e refletir como os trabalhadores e trabalhadoras percebem a acumulação de capital nos seus locais de trabalho e na sociedade, focalizando as condições de trabalho, jornadas e salários; o papel do estado e da iniciativa privada; se vivenciaram mudanças importantes neste período, como a precarização das relações de trabalho; e assim por diante. As narrativas destas experiências individuais poderão exprimir, contemplando diferentes gerações, as mudanças ocorridas e, em especial, a percepção dos mais jovens sobre a nova realidade, construindo uma visão coletiva crítica e histórica. Também é desejável discutir o papel da ideologia nos processos de construção de valores. Para isso, pode-se partir de exemplos concretos de situações vividas pelos cursistas em que as idéias de liberdade e igualdade tenham se mostrado falsas. Os conceitos marxistas, como a mais-valia, podem ser trabalhados com o auxílio de poesias (Operário em Construção, Vinícius de Moraes) e músicas (Construção, Chico Buarque).

Processo de industrialização no Brasil e desequilíbrios regionais Neste tema, abordaremos conteúdos relacionados ao tipo de desenvolvimento instalado no Brasil. Nosso objetivo é explicitar que a industrialização é um processo distinto da simples criação de indústrias, o termo industrialização indica algo mais do que apenas uma mudança econômica: trata-se da constituição da ordem social capitalista, com o surgimento das classes sociais que lhes são características, a burguesia e a classe operária. Portanto, os efeitos da industrialização atingem até mesmo as regiões onde a indústria não é a principal atividade econômica. Além disso, é importante ressaltar que o desenvolvimento capitalista no Brasil não significou o fim das práticas que marcaram a dominação oligárquica e coronelística na sociedade brasileira: o mandonismo, o paternalismo, a prática do favor, o uso privado do poder público, a exclusão das classes dom-

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inadas da vida política e a sistemática repressão às suas formas de protesto e de organização; marcando uma característica fundamental de nossa burguesia: a preferência pela associação com o capital externo, em detrimento do capital interno, a realização de acordo com os trabalhadores do país, a preferência pela utilização e degradação do Estado invés da construção da idéia de Nação.

Política e economia na formação do Brasil contemporâneo Maria da Conceição Tavares As determinantes geopolíticas e geoeconômicas da formação do Brasil contemporâneo (Caio Prado Jr., 1942), e as "taras" do nosso passado colonial, não explicam suficientemente, a meu juízo, a evolução econômica, social e política do país do século XIX em diante. O Brasil deixou de ser um "negócio colonial" cíclico e inseriu-se de vez na divisão internacional do trabalho proposta pelo capital financeiro inglês. A oscilação permanente, ao longo de dois séculos, entre uma ordem liberal oligárquica e um Estado interventor autoritário, passa por três ordens de fatores político-econômicos, que geram conflitos periódicos no pacto de dominação interna. Em primeiro lugar, vêm os conflitos pela concessão de "garantias" para apropriação privada do território na fronteira de expansão do capitalismo como forma patrimonial de acumulação de riqueza e poder. A exploração predatória de recursos naturais, a expulsão e incorporação de populações locais e imigradas submetidas a todas as formas de exploração conhecidas foram e são as regras do capitalismo brasileiro. Seguem-se os conflitos entre as oligarquias regionais em sua relação com o poder central, quando se trata da distribuição dos fundos públicos entre os poderes locais, que alimentam periodicamente a crise do nosso pacto federativo e dos sucessivos "pactos de compromisso" da coalizão das elites territoriais oligárquicas. Finalmente, as relações entre o Dinheiro mundial, o dinheiro local e as finanças públicas foram sempre a moldura que enquadrou a formação de nossas elites "cosmopolitas", seu caráter mais ou menos associado com o capitalismo internacional e os conflitos periódicos entre as elites nacionais no processo de validação do dinheiro como forma de valorização geral dos capitais particulares. As crises econômicas mundiais, embora tenham sempre produzido rupturas no processo de acumulação de capital, na forma de inserção internacional e no pacto de governabilidade das elites, não têm alterado substantivamente as relações essenciais de dominação territorial fortemente autoritária sobre as "classes subordinadas", nem o caráter rentista e patrimonialista da expansão mercantil agrária e mais tarde urbano-industrial. Estas são características fundamentais da nossa burguesia nacional, que sempre se opôs ferozmente a qualquer reforma fundiária democratizante. As raras passagens pela democracia política nunca conseguiram estabelecer um Estado de Direito com instituições capazes de conter dentro delas o seu próprio aperfeiçoamento e a moldura de regulação das lutas das oligarquias regionais e dos movimentos sociais. A falta de acesso à terra, à educação e ao trabalho assalariado regular de nossa população rural e urbana nunca permitiu a formação de uma classe trabalhadora portadora de direitos de cidadania. Não por falta de "leis", mas porque uma das marcas terríveis da nossa sociedade capitalista foi a descolagem completa entre a ideologia das elites bacharelescas liberais ou libertárias e os pactos de poder ferozmente conservadores que conduziram o país por meio dos embates entre as cúpulas políticas territoriais e as cúpulas do poder ligadas ao Império e ao Dinheiro. As nossas reformas burguesas sempre tiveram como limites dois medos seculares das nossas elites ilustradas: o medo do Império e o medo do povo. As nossas repúblicas (velha e nova) e a nossa revolução de 30 nunca incluíram as classes trabalhadoras num "pacto democrático". Todas as tentativas reformistas democráticas tendiam sistematicamente a extravasar os limites de tolerância do pacto oligárquico de dominação interna, fosse ele estabelecido pelas armas ou pelo famoso "pacto de compromisso" das burguesias regionais e das elites políticas. A ideologia da ordem e da segurança nacional, justificada pela necessidade de preservar a "integridade" do nosso imenso território, permeia o caráter autoritário que caracteriza os nossos sucessivos

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regimes de governo. Quando se trata de uma ditadura explícita, com seus projetos nacionais de grandeza (Estado Novo de Vargas e projeto geiselista), encontra por limite o Império dominante na ordem mundial. Quando se estabelece sob a forma de pacto oligárquico liberal, termina entrando em desagregação pelos conflitos das elites políticas territoriais e pela ruptura periódica do elo frágil entre o Dinheiro mundial e o nosso dinheiro local inconversível. Nesta situação apela-se, em geral, para a ordem interna das armas para garantir "a paz das famílias" e a "propriedade privada" e restabelecer um novo pacto oligárquico de dominação, no qual um "novo dinheiro" pretende garantir o valor do capital. Este forte autoritarismo ligado à terra e ao dinheiro serviu sempre de embasamento ao patrimonialismo do Estado brasileiro (Faoro, 1957) e de instrumento político para aniquilar as lutas populares e das classes médias radicalizadas, como ocorreu tanto com a Aliança Nacional Libertadora, depois da crise e da revolução de 1930, quanto com as lutas pelas reformas de base de 1963 e dos movimentos sociais ao longo da nossa história. Na verdade, a história vitoriosa da constituição do capitalismo no Brasil e os seus percalços e "desvios históricos", do ponto de vista da incorporação popular, parecem dever pouco tanto à herança colonial quanto às idéias iluministas que animaram os corações e mentes de nossas elites bem pensantes. Os fatos relevantes para a história social e política do país parecem ter sido sempre, desde o século XIX, a apropriação privada do território, as migrações rurais e rurais-urbanas compulsórias da população, em busca de terra e trabalho, que impediram a constituição de classes trabalhadoras com "território próprio"; além da centralização e descentralização do próprio domínio do Estado nacional, ora férreo, ora frouxo, sobre um "pacto federativo" que se revelou sempre precário desde a nossa constituição como país independente. Por outro lado, a "fuga para frente" do Dinheiro e das Normas (Fiori, 1984) só foi possível porque houve a fuga para frente das populações em busca do espaço livre que, ao ser ocupado, reproduzia, na fronteira de expansão da acumulação capitalista, as relações sociais e econômicas desiguais e combinadas que constituem a marca mais forte da heterogeneidade social crescente da sociedade brasileira. A heterogeneidade social explica-se sobretudo pela conquista do espaço interno de acumulação de capital, em condições de dominação que vão se alterando no tempo e na forma de ocupação do território, mas que sempre confirmaram a tendência à concentração crescente da renda e da riqueza e à exploração brutal da mão-de-obra. Não convém, portanto, recorrer às versões mais abstratas e gerais do esquema cepalino centroperiferia, nem mesmo aos esquemas dependentistas do capitalismo associado, para explicar a especificidade de nossa dinâmica socioeconômica. A expansão das fronteiras econômicas, periodicamente fechadas e reabertas, pelos negócios de produção e exportação do agrobusiness e da exploração de recursos naturais, mantém-se ao longo de toda a história econômica brasileira e foi sempre um instrumento poderoso de acumulação de capital. Por isso, apesar de ser periférica e dependente - isto é, de não contar com a geração de progresso tecnológico próprio, nem com dinheiro conversível no mercado mundial -, a economia brasileira conseguiu obter durante mais de cem anos uma das maiores taxas de crescimento do mundo capitalista. O fato de que apesar disso o Brasil tenha-se mantido "subdesenvolvido" significa não apenas que tenha periodicamente sua "marcha interrompida" do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas modernas (Furtado, 1988). Significa também que, tanto do ponto de vista dos direitos sociais, quanto de sua situação periférica na ordem mundial, não pode ser comparado com outros países de capitalismo tardio, que se tornaram "potências" e "democracias" no sentido "moderno". O capitalismo tardio no Brasil A chegada tardia do capitalismo brasileiro à primeira revolução industrial deu-se nas entranhas do complexo cafeeiro a partir do "encilhamento" do último quartel do século XIX. Já a implantação, igualmente tardia, da indústria pesada da segunda revolução industrial só foi iniciada a partir da década de 50 e terminou com o governo Geisel, 30 anos depois. Nesta longa trajetória de mais de cem anos de história da indústria e de desenvolvimento de forças produtivas especificamente capitalistas, não foi possível conduzir o país nem à condição de potência intermédia na Ordem Mundial, nem à geração de

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um núcleo endógeno de ciência e tecnologia capaz de imprimir ao Brasil o seu "destino manifesto" da modernidade desejada por meio do progresso. Este, apesar de colossal, não nos retirou da nossa condição de país subdesenvolvido, nem da combinação "excêntrica" de Estado nacional periférico e de economia capitalista fortemente dependente do capital internacional. O tipo de dependência comercial, financeira e, sobretudo, cultural é que tem mudado. O Brasil tem estado sujeito - no final de cada grande ciclo longo de expansão do capital internacional - a incorrer em moratória com seus credores internacionais, como mostram as três grandes moratórias brasileiras. A primeira deu-se durante a plena vigência do padrão ouro, em 1897. A segunda, a moratória de 1937, ocorreu - em plena decadência do liberalismo, do padrão ouro e da hegemonia inglesa - no clima de intervenção do Estado Novo, às vésperas da Segunda Guerra Mundial. A terceira moratória deu-se em 1987, depois da crise geral da dívida externa de 1980-82, que atingiu todos os países periféricos, embora o novo ajuste liberal brasileiro só viesse a repetir-se depois da outra moratória, no início da década de 90, e com a adesão tardia do Brasil ao projeto de neoliberalismo global sob a hegemonia do "Consenso de Washington". É fácil olhar da perspectiva de hoje o que significou a falta de um núcleo endógeno de financiamento público e privado nacional capaz de articular as várias frações do capital sem passar pelo endividamento externo recorrente e periodicamente paralisante. Sem um capitalismo financeiro interno que fosse além do patrimonialismo, os bancos brasileiros foram se convertendo em parasitas do Estado e beneficiários da inflação (Tavares, 1972 e 1978). No final da década de 60, as autoridades econômicas brasileiras produziram, de forma precoce e original vis-à-vis a posterior globalização financeira mundial, a armadilha do "dinheiro indexado", que nos valeu duas décadas de superinflação e crises cambiais recorrentes, e converteu o Banco Central em banca e jogador principal do cassino da ciranda financeira interna acoplada à ciranda financeira internacional. Então, como hoje, do ponto de vista do controle da acumulação de capital, o maior fracasso de nossa história financeira foi a falta de instituições públicas e privadas capazes de garantir endogenamente a intermediação financeira adequada ao próprio potencial de crescimento da economia. O poder público nunca foi capaz de impedir a esterilização de nossa poupança interna pelo "moinho satânico" das especulações patrimonial e financeira dos dois maiores poderes privados na história da república: o capital bancário nacional e o capital financeiro internacional. Esta situação de impasse recorrente agravou-se na década de 90 e tem como limite duas perspectivas. A primeira é a de continuarmos sob domínio crescente do capital financeiro internacional, desta vez claramente conduzido pelos grandes bancos internacionais, aprofundando a submissão aos desideratos da potência hegemônica e caminhando na direção da dolarização com currency board de bancos estrangeiros e desnacionalização completa do sistema bancário, numa situação semelhante à da Argentina. A outra alternativa seria aplicar um controle de câmbio e de movimento de capitais severíssimo, que terminaria muito provavelmente na inconversibilidade de nossa moeda e em uma moratória soberana. Nesta última perspectiva, tanto a estabilização quanto a retomada do desenvolvimento requereriam uma mudança substantiva no pacto de poder político que atualmente administra a crise brasileira. Não há "terceira via". Só um novo bloco de poder político, com forte apoio das forças populares, seria capaz de pôr em funcionamento, sob restrição externa severa, a atual capacidade produtiva ociosa do país, por meio da criação de um novo sistema de crédito interno e de um novo tipo de inserção internacional, orientados para um novo modelo de desenvolvimento nacional que excluísse de vez a nossa participação na "ciranda financeira internacional". Trata-se, pois, de uma situação extrema, cujo desenlace fica difícil prever. Ou existem forças políticas e sociais internas, surgidas da própria crise brasileira, capazes de mudar a natureza do atual pacto político de dominação, ou a economia será completamente desnacionalizada enquanto esperamos uma nova rodada de agravamento da crise mundial que liquide de vez o "Consenso de Washington" e o nosso cassino financeiro. Estou convencida de que o atual nó financeiro só será desfeito depois de uma moratória final,

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numa crise ainda prolongada. A dúvida que prevalece é se essa moratória se dará como um "negócio privado", depois da desnacionalização completa do sistema bancário, sob o comando de um conjunto de bancos internacionais, transformados explicita ou implicitamente no board da moeda dolarizada; ou, se pelo contrário, nos sucessivos ataques especulativos à nossa moeda "flutuante", o enfrentamento da crise cambial recorrente se fará, finalmente, sob a forma de uma moratória soberana, buscando novos "caminhos e fronteiras" para a regeneração do Estado, da economia e, sobretudo, do papel e da participação política das classes subordinadas na sociedade brasileira. (Fonte: http://www.fundacaoperseuabramo.org.br/td/td44/td44_economia.htm)

Por uma política nacional de desenvolvimento regional Tânia Bacelar A dinâmica regional herdada Ao longo de quatro séculos, desde seu descobrimento pelo capital mercantil em busca de internacionalização, até o século atual, o Brasil se constituiu como um país rural, escravocrata e primário exportador. Só no século XX é que emerge o Brasil urbano - industrial e de relações de trabalho tipicamente capitalistas. As antigas bases primário-exportadoras, embora montadas no amplo litoral do país, eram dispersas em diversas regiões, tendo associadas a elas, as indústrias tradicionais. A imagem proposta por Francisco de Oliveira é a de um "arquipélago" de regiões que quase não se ligavam umas com as outras por se articularem predominantemente com o mercado externo. A moderna e ampla base industrial, montada no atual século, ao contrário, tendeu a concentrar se, fortemente, em uma região, o Sudeste. Com 11% do território brasileiro, o Sudeste respondia, em 1970 , por 81 % da atividade industrial do país, sendo que São Paulo, sozinho, gerava 58% da produção da indústria existente. No entanto, nas décadas recentes, começava a se verificar, no Brasil, um modesto movimento de desconcentração espacial da produção nacional. Esse movimento se inicia (anos 40 e 50) via ocupação da fronteira agropecuária, primeiro no sentido do Sul e depois na direção do Centro - Oeste, Norte e parte oeste do Nordeste. A partir dos anos 70 ele se estende à indústria. Na medida em que o mercado nacional se integrava, a indústria buscava novas localizações, desenvolvendo-se em vários locais das regiões menos desenvolvidas do país, especialmente nas suas áreas metropolitanas. Em 1990, o Sudeste caíra para 69% seu peso na indústria do Brasil, São Paulo recuara sua importância relativa para 49%, enquanto o Nordeste passava de 5,7% para 8,4% seu peso na produção industrial brasileira, entre 1970 e 1990. O mesmo movimento de ganho de posição relativa acontecia com o Sul, Norte e Centro - Oeste. Os efeitos da desconcentração das atividades agrícolas, pecuárias e industriais afetaram o terciário, que também tendeu à desconcentração. O resultado é que, embora a produção do país ainda apresente um padrão de localização fortemente concentrado, em 1990 a concentração era menor que nos anos 70. Entre 1970 e 1990, o Sudeste cai de 65% para 60 % seu peso no PIB brasileiro, enquanto o Sul permanece estável, respondendo por algo em torno de 17% da produção nacional, mas o Nordeste, Norte e Centro - Oeste ganham importância relativa (essas três, juntas, passam de 18 % para 23 % sua participação no PIB do Brasil). Ao mesmo tempo em que constatavam a tendência a desconcentrar a dinâmica econômica no espaço territorial do país nas últimas décadas, diversos estudos enfatizam a crescente diferenciação interna das macro-regiões brasileiras. Chama-se a atenção, por exemplo, para o aumento da heterogeneidade intra - regional que acompanhou o processo recente de desconcentração e que legou uma configuração ao país bastante distinta da que possuía em 1970. Constata-se que o desenvolvimento da agricultura e da indústria "periférica" não apenas modificou a dimensão dos fluxos de comércio, mas transformou as estruturas produtivas de diversas regiões, resultando em maior diferenciação do espaço nacional, com aumento da heterogeneidade interna e reforço de certas "especializações". Essa crescente diferenciação regional em diversas macro-regiões brasileiras teria sido a contrapartida do processo de integração do mercado nacional, comandado a partir de São Paulo, segundo Wilson Cano. Para esse

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autor, bloqueando as possibilidades de "industrializações autônomas", como sonhara o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste - GTDN, no final dos anos 50, o movimento de integração do mercado nacional forçava o surgimento de "complementaridades" inter-regionais e fazia desenvolverem-se "especializações" regionais importantes. Servem como exemplos, o desenvolvimento de pólos como os de eletro-eletrônicos na Zona Franca de Manaus, mineração no Pará, bens intermediários químicos no Nordeste oriental, têxteis no Ceará e Rio Grande do Norte, entre outros. Embora a lógica da acumulação fosse a mesma no imenso território do país, e estivéssemos construindo uma "economia nacional, regionalmente localizada" em substituição às "ilhas regionais" da fase primário - exportadora, as heterogeneidades internas às macro-regiões não diminuíram. Muito ao contrário, tenderam a se ampliar, nos anos setenta e oitenta. A prioridade principal era a da integração do mercado interno nacional e a da consolidação da integração físico - territorial do país - objetivo importante dos Governos Militares. E nesse contexto, da mera articulação comercial entre as regiões passa-se à integração produtiva comandada pelo grande capital industrial e pelo Estado Nacional. Com ela, as regiões se integram à mesma lógica da acumulação enquanto ficam mais complexas e diferenciadas internamente. A dinâmica regional atual Num contexto mundial marcado por transformações importantes, o ambiente econômico brasileiro sofre grandes mudanças nos anos noventa. Dentre as principais destacam-se uma política de abertura comercial intensa e rápida, a priorização à integração competitiva, reformas profundas na ação do Estado e finalmente a implementação de um programa de estabilização que já dura vários anos (1994 até o presente) . Paralelamente, o setor privado promove uma reestruturação produtiva também intensa e muito rápida. Nesse novo contexto, novas forças atuam, umas concentradoras, outras não. Dentre as que atuam no sentido de induzir à desconcentração espacial destacam-se: a abertura comercial podendo favorecer "focos exportadores", mudanças tecnológicas que reduzem custos de investimento, crescente papel da logística nas decisões de localização dos estabelecimentos, importância da proximidade do cliente final para diversas atividades, ação ativa de Governos locais oferecendo incentivos, entre outros. Enquanto isso, outras forças atuam no sentido da concentração de investimentos nas áreas já mais dinâmicas e competitivas do país. Atuam nesse sentido, em especial, os novos requisitos locacionais da acumulação flexível, como: melhor oferta de recursos humanos qualificados, maior proximidade com centros de produção de conhecimento e tecnologia, maior e mais eficiente dotação de infra-estrutura econômica, proximidade com os mercados consumidores de mais alta renda. É necessário, também, chamar a atenção para os condicionantes da reestruturação produtiva e em especial para a forma como vem se dando a inserção internacional do Brasil, especialmente no que diz respeito às estratégias das grandes empresas frente ao cenário da globalização da economia mundial. E constatam que, ao contrário do que se poderia esperar, a globalização reforça as estratégias de especialização regional. A nova organização dos espaços nacionais tende a resultar de um lado, da dinâmica da produção regionalizada das grandes empresas (atores globais) e da resposta dos Estados Nacionais para enfrentar os impactos regionais seletivos da globalização. Tende-se a romper o padrão dominante no Brasil das últimas décadas, onde a prioridade era dada à montagem de uma base econômica que operava essencialmente no espaço nacional - embora fortemente penetrada por agentes econômicos transnacionais - e que ia lentamente desconcentrando atividades em espaços periféricos do país. O Estado Nacional jogava um papel ativo nesse processo, tanto por suas políticas explicitamente regionais, como por suas políticas ditas de corte setorial/nacional, como pela ação de suas Estatais. (Fonte: http://www.fundaj.gov.br/observanordeste/obte011.doc)

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O que é fundamental? É importante ressaltar que, apesar de concentrado na região Sudeste (principalmente em São Paulo), o processo de industrialização no Brasil repercutiu em todo o país, com suas conseqüências espalhadas pelo território nacional. Foi assim que, por exemplo, a constituição de nossa mão-de-obra, sem a possibilidade de acesso a terra para "os de baixo", reafirmou os problemas da propriedade fundiária que tanto assolam as regiões rurais. Do mesmo modo, a não integração do negro somada à imigração de mão-de-obra européia produziu um mercado de trabalho marcado pela permanente existência da exploração intensa, do desemprego e da combinação entre o formal e o informal. Ou seja, se, por um lado, as atividades econômicas possuem características distintas entre as várias regiões do país, por outro lado, a industrialização traz características e problemas comuns que se revelam, sobretudo, no mercado de trabalho. O nosso desafio, portanto, é desvendar os desequilíbrios regionais à luz da concentração industrial, buscando um caminho intermediário: que rejeita a idéia de que uma única experiência, por exemplo, de São Paulo, pode ser estendida para todo o país; e rejeitando também a idéia de que as outras regiões do país passaram por experiências que não dizem respeito ao processo de industrialização que se concentrou no Sudeste do país. Além disso, considerando-se particularmente os níveis de desemprego e as assimetrias regionais em termos de pesquisa, extensão e qualificação profissional, inovação tecnológica e subsídios para a produção e consolidação de cadeias produtivas; uma nova política nacional e regional requer a priorização do investimento na agricultura familiar, tendo em vista o trabalho decente e a qualidade de vida destas populações.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico Identificar, a partir dos trabalhadores e trabalhadoras, exemplos do processo de desenvolvimento da região dos cursistas para articulá-los com o processo de industrialização nacional. A idéia é explicitar quais são as singularidades que nos permitem falar em desequilíbrios regionais e as generalizações que nos permitem falar em um padrão de desenvolvimento capitalista no Brasil. É importante também, debater com a turma quais as possibilidades e condicionantes para se implantar um processo de desenvolvimento nacional que seja socialmente inclusivo e economicamente sustentável.

Projeto nacional de desenvolvimento vs. neoliberalismo Com este tema, abordaremos os diferentes conceitos de Estado formulados ao longo do tempo, assim como distintos projetos de sociedade existentes atualmente no Brasil. O que se pretende é a apreensão de que co-existem na malha social e política distintos projetos, com formas de organização do Estado e da sociedade civil distintas; de cujas combinações decorrem projetos de desenvolvimento sociais e econômicos diferenciados; nos quais os papéis das instituições sindicais, dos movimentos sociais, dos partidos políticos e de outras entidades da sociedade civil organizada na formulação, rejeição ou adesão a esses projetos é politicamente determinante, levando à compreensão de que a sociedade é sempre uma construção humana. Serão abordadas as distinções entre o ideário de crescimento econômico como fator central para a superação do subdesenvolvimento e da pobreza e as alternativas que lhe sucederam, principalmente, a concepção de desenvolvimento com distribuição de renda. Neoliberalismo é um termo com dois significados semelhantes, porém diferentes. Na primeira metade do século XX significou a doutrina proposta por economistas alemães e norte-americanos voltada para a adaptação dos princípios do liberalismo clássico às exigências de um Estado regulador e assis-

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tencialista. A partir da década de 1970, passou a significar a doutrina econômica que defende a absoluta liberdade de mercado e a restrição à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em setores imprescindíveis e ainda assim num grau mínimo. É nesse segundo sentido que o termo é mais usado hoje em dia. A ideologia do neoliberalismo deu sustentação a um novo padrão econômico baseado na acumulação financeira, na anulação do Estado enquanto regulador, no equilíbrio fiscal, no superávit das contas externas e na alta taxa de juros como mecanismo de controle da inflação. Se, por um lado, esse modelo hegemônico de políticas econômicas alcançou a estabilização monetária, por outro lado, elas legaram ao país a falta de um modelo de crescimento e os diversos problemas sociais decorrentes disso. Compreender esse modelo e refletir sobre as alternativas possíveis é o nosso objetivo.

Origem do Neoliberalismo no Brasil A noção de Estado mínimo, e a política fiscal recessiva, tiveram como conseqüência o endurecimento do poder público executivo com relação às reivindicações dos trabalhadores do setor público. Lutando por reajustes salariais esses trabalhadores foram convertidos em inimigos da estabilização e do controle inflacionário. Um caso emblemático - e que pode ser considerado o marco da consagração do neoliberalismo no Brasil - foi a Greve dos Petroleiros em 1995. A fabricação de fatos contra os trabalhadores, a formação forjada de uma opinião pública, a intervenção militar contra a greve, a utilização partidarizada da justiça do trabalho e a posterior retaliação aos grevistas sintetizam as estratégias autoritárias e conservadoras com que o neoliberalismo investiu contra os trabalhadores, constituindo um exemplo emblemático de como opera esse ideário no Brasil.

Reflexões sobre a Teoria Ampliada do Estado em Gramsci João Rêgo Desde Maquiavel até Hobbes, de Locke, Rousseau até Marx o Estado vem sendo interpretado das mais diversas maneiras. É, entretanto, em Marx, que o Estado perde sua áurea de superioridade entre os homens. Em Hobbes, o poderoso Leviatã, no qual todas as experiências históricas totalitárias podem ser nele retratadas, em Locke o Estado liberal, protetor da propriedade privada; todos vem agregando partes de "verdade" na explicação desse estranho "ente" que representa a passagem da humanidade do estado natural para o estado de vida em sociedade. Porém, foi apenas em Marx onde o Estado foi "dessacralizado" (esta expressão é de Valentino Gerratana, em Lênin e a dessacralização do Estado, Roma, Ed. Riuniti, 1972), ou seja, foi relacionada sua existência às contradições das classes sociais existentes na sociedade. Assim, em vez do Estado imanente e superior, acima dos homens, Marx apresenta-o como um mero instrumento da classe dominante. A gênese do Estado reside, portanto, na divisão da sociedade em classes, sendo sua principal função conservar e reproduzir esta divisão, garantindo os interesses da classe que domina as outras classes. Esta descoberta de Marx alterou significativamente as relações sociais, em decorrência das diversas inferências que a classe trabalhadora pôde, daí, extrair principalmente no sentido de estimular a luta pela superação das contradições internas da sociedade, assumindo uma posição de nova classe dominante, extinguindo-se assim a sociedade de classes. Desta visão aparentemente simplista e mecanicista, Gramsci desenvolve uma visão mais elaborada e complexa sobre a sociedade e o Estado. Para ele o Estado é força e consenso. Ou seja, apesar de estar a serviço de uma classe dominante ele não se mantém apenas pela força e pela coerção legal; sua dominação é bem mais sutil e eficaz. Através de diversos meios e sistemas, inclusive e principalmente, através de entidades que aparentemente estão fora da estrutura estatal coercitiva, o Estado se mantém e se reproduz como instrumento de uma classe, também construindo o consenso no seio da sociedade. Assim Gramsci amplia a visão marxiana do Estado, interpretando-o como um ser que a tudo envolve, o qual é composto pela sociedade política e a sociedade civil. Em suas palavras: Estado - sociedade civil e sociedade política, isto é hegemonia encouraçada de coerção. (...) O termo hegemonia, apesar de ter sido usado anteriormente por Lênin, traz uma dupla interpre-

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tação: a primeira, teria o significado de dominação; a segunda um significado de liderança tendo implícita alguma noção de consentimento. É nesta segunda definição que este termo assume um papel de destaque na elaboração de todo o quadro teórico gramsciano. É interpretando como se dá a dominação da burguesia na Itália, e utilizando Maquiavel e Pareto, sobre seus conceitos de Estado como força e consentimento, que o conceito de hegemonia em Gramsci assume papel fundamentador na sua concepção de Estado. É em uma carta à sua cunhada Tatiana Schucht de Dezembro de 1931 que Gramsci expõe de forma resumida seu novo conceito de Estado ampliado: Eu amplio muito a noção de intelectual e não me limito à noção corrente que se refere aos grandes intelectuais. Esse estudo leva também a certas determinações do conceito de Estado, que habitualmente é entendido como sociedade política (ou ditadura, ou aparelho coercitivo para adequar a massa popular a um tipo de produção e a economia a um dado momento); e não como equilíbrio entre a sociedade política e sociedade civil ( ou hegemonia de um grupo social sobre a inteira sociedade nacional, exercidas através de organizações ditas privadas, como a igreja, os sindicatos, as escolas, etc.).

Assim o Estado se compõe de dois segmentos distintos, porém atuando com o mesmo objetivo, que é o de manter e reproduzir a dominação da classe hegemônica: A sociedade política (Estado em sentido restrito ou Estado - coerção) a qual é formada pelos mecanismos que garantam o monopólio da força pela classe dominante (burocracia executiva e policialmilitar) e a sociedade civil, formada pelo conjunto das organizações responsáveis pela elaboração e difusão das ideologias, composta pelo sistema escolar, Igreja, sindicatos, partidos políticos, organizações profissionais, organizações culturais (revistas, jornais, meios de comunicação de massa, etc.). E aqui merecem destaque os meios de comunicação, pois para sua época estavam ainda em sua fase embrionária, e a televisão nem sequer fazia parte dos projetos futurísticos da época. Isto só seria possível no início da década de 50. É exatamente através dos meios de comunicação modernos, que se dá a canalização da direção intelectual e moral, difundindo eficazmente as ideologias, da classe hegemônica vigente. Percebe-se aqui, que aquilo que os clássicos vinham tentado interpretar e explicar como Estado é apenas a sociedade política do Estado gramsciano. A sociedade civil representa o novo momento teórico, a nova determinação descoberta por Gramsci. É interessante observar que esta sociedade civil vem assumir sua dimensão material com maior intensidade apenas no começo do século XX, com os partidos de massa, sindicatos de milhares de trabalhadores e outras formas complexas de organizações sociais. É somente após sua evolução histórica que a sociedade civil pôde ser capturada teoricamente. Antes disso, o Estado- coerção era muito superior em sua base material para se permitir tal percepção. O que nos chama a atenção no modelo do Estado Ampliado, contrariamente as definições dos clássicos, desde o Leviatã de Hobbes até Marx, é o sentido unitário do Estado. Ou seja, até Marx, se imaginava o Estado como algo distinto da sociedade civil, que deveria ser extinto no momento que se extinguisse a divisão de classes dentro da sociedade, uma vez que era esta divisão que produzia a necessidade de se ter um Estado. Percebe-se a separação entre Estado e sociedade, mesmo que a existência do primeiro esteja ligada a certas condições encontradas na segunda. Em Gramsci, porém, quando ele agrega também a sociedade civil ao Estado-coerção nada fica de fora do Estado. Este "todo", entretanto, não é homogêneo, é rico em contradições e é mantido por um certo "tecido hegemônico", que a cada momento histórico é criado e recriado em um processo constante de renovação dialética. Assim, a luta pela construção de uma sociedade socialista, torna-se bem mais complexa e difícil do que se imaginava em Marx-Lênin. Não basta ser classe dominante, mas tem que ser também classe hegemônica (dirigente). Desta forma a arena de luta entre as classes (igualmente ao modelo de Estado) também se amplia. Assim a sociedade só ultrapassará o estágio do modo de produção capitalista, quando o bloco histórico hegemônico passar às mãos da classe trabalhadora. Neste momento a sociedade civil terá atingido uma base material superior a base material (aparelho de repressão) do Estadocoerção, atingindo o que Gramsci chama de "sociedade regulada". Segue interessante e esclarecedor texto de Gramsci citado por Carlos Nélson Coutinho:

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-... ele explicita melhor ainda a dialética (unidade na adversidade) entre sociedade política e sociedade civil : " A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como domínio e como direção intelectual e moral. Um grupo social é dominante dos grupos adversários que tende a liquidar ou submeter também a força armada; e é dirigente dos grupos afins ou aliados.( Gramsci ....)". Nesse texto, o termo supremacia designa o momento sintético que unifica (sem homogeneizar) a hegemonia e a dominação, o consenso e a coerção, a direção e a ditadura. -

É finalmente no projeto de Gramsci em relação à transição da sociedade, de um modo de produção capitalista para uma sociedade socialista, que ele renova dialeticamente os conceitos de extinção do Estado, de Marx, Engels e Lênin. Ou seja, com a projeção da gradativa absorção da sociedade política pela sociedade civil, a qual atua através dos seus aparelhos privados de hegemonia (o que significa o consenso como essência da comunicação no interior da sociedade), o Estado-coerção irá sendo substituído pelo Estado-ético. E é esta figura remanescente do Estado-coerção, que torna mais factível o modelo de sociedade socialista e menos utópico como planejara Marx e Lênin. Novamente em Carlos Nélson Coutinho, encontramos esse trecho, no qual faz a distinção entre a extinção do Estado em Marx e Lênin para a extinção do Estado em Gramsci. O ponto novo, a concretização gramsciana da teoria "clássica" do fim do Estado, reside em sua idéia-realista de que aquilo que se extinguiu são só mecanismos do Estado-coerção, da sociedade política, conservando-se, entretanto, os organismos da sociedade civil, os quais se convertem nos portadores materiais do "autogoverno dos produtores associados". O fim do Estado não implica nele a idéia-generosa, mais utópica, de uma sociedade sem governo.

Do exposto, podemos inferir que, na concepção gramsciana de Estado, as sociedades capitalistas modernas, democráticas, estariam historicamente muito mais avançadas e, por conseqüência, mais próximas de uma nova etapa de transição para o socialismo do que as sociedades que vivenciaram os 70 anos de "tentativa de construção do socialismo". Isto porque a sociedade civil, nas primeiras, estão infinitamente mais consolidadas estruturalmente do que as segunda, onde nestas o Estado-coerção ocupou durante décadas quase que a totalidade da base material da sociedade, ocasionando a necessidade de todo este processo de reestruturação com um estágio ainda incipiente de organização da sociedade civil. Outra questão: se a supremacia da sociedade civil se dará pelo consenso contra a coerção, onde fica o conceito de luta de classes, momento celular do pensamento marxista clássico? Ainda mais: se em Gramsci a extinção do Estado-coerção se dará pela reabsorção deste pelo Estado-ético (sociedade civil) e esta sociedade civil era parte integrante do Estado Ampliado, então não se pode falar de extinção do Estado, mas em uma reestruturação do Estado onde uma de suas partes componentes foi atrofiada por falta de uso ou necessidade, uma vez que os conflitos passaram a ser administrados pela base material do consenso ( o fato de você acabar com uma parte de um todo não significa que você acabou com o todo). Nossa dúvida final, em relação a extinção do Estado é fundamentada em alguns aspectos centrais da obra de Mosca e Pareto, (teoria das Elites) pois se no modelo gramsciano ainda restará o governo para cuidar da sociedade civil, indagamos se nesta distinção de função entre as pessoas (as que cuidam de exercer o "sacrifício" de governar e as que "usufruem" a vida numa sociedade de consenso) não estaria ainda latente o germe da dominação entre as classes e portanto o embrião do Estado-coerção em outro nível? Não estaria Gramsci incorrendo num erro fatal que perpassa todo o acervo do pensamento político socialista ( e portanto também pré-marxista) que é de superestimar a figura do homem como o "bon sauvage" rousseauniano, em vez da visão mais realista, ao nosso ver, do homem hobbesiano "o homem é o lobo do homem". Não seria o Estado-ético apenas conseqüência da projeção desse tipo ideal de homem? e portanto uma sociedade capaz de ser viável apenas na hipótese remota de ser composta por anjos e não por homens? Mesmo com tantos questionamentos, consideramos o paradigma gramsciano elevado a categoria de um conjunto de idéias extremamente válidas, não apenas para propor uma transição para o socialismo, bem como delimitar as limitações desta nova sociedade, mas principalmente como base teórica para compreender o desenvolvimento das sociedades capitalistas modernas, cada vez mais geridas pelo consenso. (Fonte: http://www.fundaj.gov.br/docs/inpso/cpoli/JRego/TextosCPolitica/Artigos/Gramsci/gramsci.htm, acesso em, 17/05/07)

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No decorrer dos anos 90, o tema da reforma do Estado adquiriu centralidade na agenda pública brasileira, tornando-se um dos principais focos da atenção neoliberal. A partir da presidência de Fernando Collor, desencadearam-se as primeiras medidas para reduzir o Estado e realizar uma ruptura com o passado; tido como intervencionista e típico do modelo de industrialização substitutiva de importações, e do desenvolvimentismo dos governos militares de 1964 a 1985. Este esforço reformista foi aprofundado no primeiro governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que se propôs a tarefa de sepultar a Era Vargas e superar os entraves representados pela sobrevivência da antiga ordem. Através da prioridade atribuída às reformas constitucionais, iniciouse um processo de desconstrução legal e institucional, que abriu o caminho para a reestruturação da ordem econômica e, sobretudo, para a refundação do Estado e da sociedade de acordo com os novos parâmetros consagrados internacionalmente. A instauração de um novo modelo econômico centrado no mercado foi acompanhada de um projeto ambicioso: dar início a uma nova era. Entretanto, limitada por uma visão restritiva de teor administrativo, a reforma do Estado do governo FHC promoveu o desmanche das estruturas e espaços públicos. As reformas realizadas nos anos 90, notadamente a privatização, a liberalização comercial e a abertura da economia, tiveram, no Brasil, a reforma do Estado como seu pressuposto.

Ambiente, desenvolvimento e crescimento Henrique Rattner (...) A falácia do crescimento Espanta o grau de mistificação usada pelos formuladores da política econômica ao induzir a população a acreditar na solução de seus problemas a partir de um indicador estatístico freqüentemente manipulado. A doutrina convencional afirma que o crescimento da taxa do PIB (Produto Interno Bruto) seria o único caminho para o progresso e o bem estar. A realidade contradiz o discurso otimista do governo, dos empresários e da academia. O PIB reflete somente uma parcela da realidade, distorcida pelos economistas, ou seja, a parte envolvida em transações monetárias. Funções econômicas desenvolvidas nos lares e atividades de voluntários acabam sendo ignoradas e excluídas da contabilidade nacional. Em conseqüência, a taxa do PIB oculta não somente a crise da estrutura social, mas também a destruição do habitat natural - base da economia e da própria vida humana. Paradoxalmente, efeitos desastrosos são contabilizados como ganhos econômicos. O crescimento pode conter em seu bojo sintomas de anomia social. A onda de crimes nas áreas metropolitanas impulsiona uma próspera indústria de proteção e segurança que fatura bilhões. Os números de carros blindados e de helicópteros usados em São Paulo são dos mais altos no mundo. Seqüestros e assaltos a bancos atuam como poderosos estimulantes dos negócios das companhias de seguro, aumentando o PIB. Algo semelhante ocorre com o ecossistema natural. Quanto mais degradados são os recursos naturais, maior o crescimento do PIB, contrariando princípios básicos da contabilidade, ao considerar o produto da depredação como renda corrente. O caso da poluição ilustra melhor essa contradição, aparecendo duas vezes como ganho: primeiro quando produzida pelas siderúrgicas, petroquímicas ou mineradoras e, novamente, quando se gastam verdadeiras fortunas para limpar os dejetos tóxicos dessas indústrias despejadas no ar ou nos rios. Outros custos da degradação ambiental, tais como gastos com médicos e medicamentos são contabilizados como crescimento do PIB. Essa contabilidade ignora a distribuição da renda, ao apresentar os ganhos auferidos no topo da pirâmide social como ganhos coletivos. Tempo de lazer e o convívio com a família são considerados sem valor monetário. O excesso de consumo de alimentos e seu tratamento com dietas ou cirurgias plásticas são outros exemplos da contabilidade no mínimo bizarra, sem falar dos bilhões gastos com tranqüilizantes e tratamentos psicológicos. (...) Outro paradoxo decorrente da globalização embaralha ainda mais o indicador do PIB. Antes, os ganhos das corporações transnacionais eram contabilizados pelo país-sede da empresa, para onde os lucros foram remetidos. Na contabilidade atual, os lucros são atribuídos ao país da localização das fábri-

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cas, embora não permaneçam lá. Oculta-se, assim, um fato básico: as empresas dos países ricos exploram e expatriam os recursos dos pobres, chamando isso de "desenvolvimento". Como medir ou avaliar o "progresso" de uma sociedade? Até as organizações multilaterais - BIRD, BID, UNESCO - passaram nos últimos anos a introduzir critérios sociais e qualitativos para avaliar os avanços em direção ao desenvolvimento com sustentabilidade. Ao avaliar o estado da sociedade devemos considerar a economia, além da produção e do consumo de bens e serviços, como a atividade destinada a resgatar o sentido do trabalho e da vida, refletindo o grau de cooperação e solidariedade alcançado pelos membros da sociedade. Neste sentido, muito mais do que números abstratos e manipulados, os cuidados e o desvelo com que o coletivo se dedica aos mais fracos, aos deserdados e discriminados - crianças, idosos, minorias étnicas, desabrigados e desempregados, doentes físicos e mentais - eis os verdadeiros indicadores do progresso humanos rumo à sociedade sustentável.(...) Desenvolvimento como liberdade Não existe consenso entre os cientistas sociais sobre o significado do termo "desenvolvimento", freqüentemente confundido com crescimento econômico. Amartya Sem, prêmio Nobel de economia, define o desenvolvimento como o processo de ampliação da capacidade de os indivíduos terem opções, fazerem escolhas. Relativizando os fatores materiais e os indicadores econômicos, Sem insistem na ampliação do horizonte social e cultural da vida das pessoas. A base material do processo de desenvolvimento é fundamental, mas deve ser considerada como um meio e não como um fim em si, portanto pode ser sustentável e também solidário. O crescimento econômico não pode ser associado automaticamente ao desenvolvimento social e cultural. O desafio de nossa sociedade é formular políticas que permitam, além do crescimento da economia, a distribuição mais eqüitativa da renda e o pleno funcionamento da democracia. Os índices de desenvolvimento humano (IDH) levantados e calculados nos últimos anos revelam aspectos além da capacidade produtiva, ao postular a melhoria da qualidade de vida em comum, a confiança das pessoas nos outros e no futuro da sociedade. Destacam as possibilidades das pessoas levarem adiante iniciativas e inovações que lhes permitam concretizar seu potencial criativo e contribuir efetivamente para a vida coletiva. Seguindo esse raciocínio, Sem resume suas idéias sobre o desenvolvimento como as possibilidades de "poder contar com a ajuda dos amigos", ou seja, a cooperação e a solidariedade entre os membros da sociedade; que assim transformam o crescimento econômico destruidor das relações sociais em processo de formação de capital social ou em "desenvolvimento como liberdade". Para Sem, os valores éticos dos empresários e governantes constituem parte relevante dos recursos produtivos, pois orientam para investimentos produtivos em vez de especulativos e inovações tecnológicas que contribuem para a inclusão social. Quanto maior o capital social - a rede de relações sociais e o grau de confiança recíproca - menor a corrupção e a sonegação de impostos e tributos. Iniciativas de criar programas e projetos que favoreçam a equidade e igualdade e estimulam melhores serviços públicos de educação e saúde, enquanto impulsionam o crescimento econômico e possibilitam a governabilidade democrática. (Fonte: http://www.abrasco.org.br/UserFiles/File/13%20CNS/RATTNER%20H%20Ambiente,desenvolvimentoecresci.pdf)

O Sindicalismo e o tema do desenvolvimento O tema do desenvolvimento foi incorporado na agenda sindical brasileira em meados da década de 1990, como bandeira alternativa ao modelo neoliberal implantado naquele momento. No caso da CUT, por exemplo, compõem as bandeiras e reivindicações: a recuperação dos salários e do salário mínimo; a redução da jornada de trabalho e política de geração de novos empregos; a luta por moradia, saúde, educação e previdência; a reforma agrária e política de crédito aos pequenos agricultores; o controle de preços e a luta contra as privatizações (CUT. 1994). Além disso, a CUT incorporou entre suas bandeiras de luta: a) Propor, incentivar e reivindicar políticas públicas de crédito, capacitação, assistência técnica, desenvolvimento tecnológico, promoção de mercados e políticas desenvolvimento local, essenciais para criar condições mais adequadas para uma inserção eqüitativa dos empreendimentos solidários no mercado.

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b) Incentivar as formas autônomas de organização dos trabalhadores, reivindicando a definição conjunta com o Ministério do Trabalho e o Ministério Público de critérios claros e objetivos para a fiscalização das cooperativas. c) Reivindicar mecanismos eficazes de controle, fiscalização e coibição às cooperativas e fundações criadas por empresas cuja única finalidade é reduzir os custos do trabalho, reduzindo os direitos dos trabalhadores e precarizando as relações de trabalho. d) Propor e reivindicar alterações na Lei de Falências e na legislação e regulamentação do sistema financeiro, visando o fortalecimento e a livre organização dos trabalhadores em empreendimentos coletivos. e) Aprofundar a formulação do Projeto de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário, propiciando um processo da transformação alicerçado e focado principalmente na economia familiar. No seu 9º Congresso Nacional, a CUT reafirmou a luta pelo fortalecimento da democracia e pela valorização do trabalho, por meio do tema: "Emprego, Renda e Ampliação de Direitos para Trabalhadores e Trabalhadoras". Quando se fala em desenvolvimento sustentável e solidário, é relevante destacar que tais conceitos estão em construção e em disputa teórico-política, um embate contra a hegemonia dominante. Hegemonia: são as estratégias utilizadas por uma classe social (em geral, a burguesia) a fim de garantir sua dominação mediante um projeto de sociedade que é aceito pela cooptação da maioria. Ao contrário da dominação pura e simples (baseada na coerção e na violência), a dominação hegemônica é caracterizada pela adesão dos dominados ao projeto dominante. Cabe, portanto, à contra-hegemonia desvelar os mecanismos hegemônicos de cooptação e propor projetos alternativos de sociedade.

Foi, sobretudo nos anos 90, que o debate sobre sustentabilidade ganhou corpo, incorporando preocupações de caráter social, como emprego, educação, necessidades básicas, além da percepção do comprometimento das bases ambientais para qualquer perspectiva de progresso futuro. Assim cunhou-se a expressão "desenvolvimento sustentável", a partir da qual se procurou incorporar a questão ambiental ao rol de problemas a serem equacionados nas propostas de desenvolvimento. Essa concepção foi consagrada, em especial, a partir da Conferência Rio-92 realizada no Brasil, embora venha sendo timidamente incorporada nas políticas públicas e nas práticas sociais. A partir da compreensão dessa realidade a CUT se propôs a formular propostas e implementar ações para a construção de um Projeto de Desenvolvimento Sustentável e Solidário que dialogue com questões que se delineiam no debate desta nova conjuntura de "esperança", levando em conta as especificidades regionais. O parasitismo do capital financeiro sobre o capital produtivo é a principal marca do novo modo de acumulação, com inegáveis contradições e tensões entre a valorização do capital realizada nas formas produtiva, comercial e monetária, todas dependentes e baseadas na propriedade privada, limite de qualquer enfrentamento econômico ou político entre os representantes dessas diferentes frações. Todas elas, afinal, atualmente marcadas por um forte caráter rentista, advindo de punções no setor produtivo. Como o capital é um valor cujo objetivo, em primeira instância, é a auto-valorização, ou seja, a obtenção de lucro, o setor produtivo ou a localização geográfica no qual invista tem, no limite, caráter contingente. Por isso, a mobilidade é a estratégia mais significativa e cuidadosamente planejada pelo capital atualmente, evitando qualquer comprometimento setorial, geográfico e político (Chesnais. 1996) A definição de projetos de desenvolvimento que efetivem a inclusão social, com distribuição de renda e trabalho digno, é fundamental para o projeto da classe trabalhadora, hoje em grande parte alijada do direito ao Trabalho. Os altos índices de desemprego e a crescente informalidade do mercado de trabalho, hoje de caráter estrutural, possibilitaram a retomada, pelos trabalhadores e suas entidades, de propostas e experiências de cunho cooperativo e autogestionário, em especial no Brasil, a partir de meados dos anos 90. A economia solidária, neste contexto, emerge como alternativa concreta para milhares

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de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade, sendo considerável o potencial de volume de recursos movimentado e seu peso na economia do país. Para que a autogestão se consolide como uma alternativa às formas clássicas de relações de trabalho e promova a distribuição de renda a partir de um trabalho digno, é necessário que as políticas públicas tenham caráter sistêmico e se integrem a outras iniciativas governamentais e sociais nos estados e municípios. Os conselheiros e conselheiras representantes dos trabalhadores têm um papel decisivo neste cenário.

O que é fundamental? • Conhecer a gênese da Economia Solidária nos primórdios do capitalismo, seus princípios e as diferentes formas que têm assumido na atualidade. • Distinguir crescimento econômico de desenvolvimento social e conhecer as principais reivindicações do movimento sindical neste tema, pautas na luta pelo desenvolvimento com distribuição de renda e valorização do trabalho. • Conhecer as políticas desenvolvidas pela Secretaria Nacional de Economia Solidária, no âmbito do Ministério do Trabalho e Emprego - MTE, bem como os principais dados e indicadores sobre Economia Solidária hoje no Brasil. • Refletir sobre as potencialidades, necessidades e desafios para a condução de políticas eficazes no campo da Economia Solidária, tanto no âmbito governamental quanto no sindical. Os textos a seguir tratam da Economia Solidária, sua história, contexto e significados. O primeiro texto escolhido, de Paul Singer, introduz o leitor, de forma clara e sintética, não apenas na história da Economia Solidária, mas também nos principais conceitos que lhe dão significado. Consideramos sua leitura de fundamental importância para situar os educadores/formadores nas mais recentes e inovadoras alternativas de trabalho e renda, de cunho coletivo e autogestionário. O controle do processo produtivo, desde os primórdios do capitalismo, tem sido um dos principais objetos de disputa nos conflitos entre capital e trabalho. Certamente, no contexto sócio-econômico atual, desenvolver formas solidárias de participação e relação econômica não é tarefa simples para os trabalhadores. O segundo texto escolhido para este tema, Economia solidária, cooperativismo e desenvolvimento territorial, de Arilson Favareto, Egeu Esteves e Reginaldo Magalhães, juntamente com uma análise apurada sobre os sentidos que a Economia Solidária assume no contexto social, político e econômico, trata exatamente dos desafios mais candentes para a construção de um projeto social de Economia Solidária. Não obstante às dificuldades, várias experiências concretas demonstram os potenciais e resultados desta perspectiva. Para conselheiros e conselheiras, apreender os significados da Economia Solidária fortalece a representação dos trabalhadores na implementação de formas de organização autônomas e coletivas, com grande repercussão nas políticas públicas de emprego, trabalho e renda.

Economia Solidária Paul Singer A economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego, resultantes da difusão "desregulamentada" das máquinas - ferramenta e do motor a vapor, no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal.

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A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. A empresa capitalista pertence aos investidores, aos que forneceram o dinheiro para adquirir os meios de produção e é por isso que sua única finalidade é dar lucro a eles, o maior lucro possível em relação ao capital investido. O poder de mando, na empresa capitalista, está concentrado totalmente (ao menos em termos ideais) nas mãos dos capitalistas ou dos gerentes por eles contratados. O capital da empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham e apenas por eles. Trabalho e capital estão fundidos porque todos os que trabalham são proprietários da empresa e não há proprietários que não trabalhem na empresa. E a propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela. Empresas solidárias são, em geral, administradas por sócios eleitos para a função e que se pautam pelas diretrizes aprovadas em assembléias gerais ou, quando a empresa é grande demais, em conselhos de delegados eleitos por todos os trabalhadores. A empresa solidária é basicamente de trabalhadores, que apenas secundariamente são seus proprietários. Por isso, sua finalidade básica não é maximizar lucro, mas a quantidade e a qualidade do trabalho. Na realidade, na empresa solidária não há lucro porque nenhuma parte de sua receita é distribuída em proporção às cotas de capital. Ela pode tomar empréstimos dos próprios sócios ou de terceiros e procura pagar os menores juros do mercado aos credores (internos ou externos). O excedente anual-chamado "sobras" nas cooperativas - tem a sua destinação decidida pelos trabalhadores. Uma parte, em geral, destina-se ao reinvestimento e pode ser colocada num fundo "indivisível", que não pertence aos sócios individualmente, mas apenas ao coletivo deles. Outra parte, também reinvestida, pode acrescer o valor das cotas dos sócios, que têm o direito de sacá-las quando se retiram da empresa. O restante das sobras é, em geral, destinado a um fundo de educação, a outros fundos "sociais (de cultura, de saúde etc.) e eventualmente à repartição entre os sócios, por critérios aprovados por eles. Portanto, o capital da empresa solidária não é remunerado, sob qualquer pretexto, e por isso não há "lucro", pois este é tanto jurídica como economicamente o rendimento proporcionado pelo investimento de capital. A cooperativa da produção é a modalidade básica da economia solidária e as relações sociais de produção que a definem são as delineadas acima. Outra é a cooperativa de comercialização, composta por produtores autônomos, individuais ou familiares (camponeses, taxistas, profissionais liberais, artesãos, etc.), que fazem suas compras em comum e, quando cabe, também suas vendas. Sendo a produção individual, o ganho também são as sobras das operações comerciais. São em geral distribuídas entre os cooperadores em proporção ao montante comprado e vendido por cada um por meio da cooperativa. Outra modalidade de empresa solidária é a cooperativa de consumo, que é possuída pelos que consomem seus produtos ou serviços. A finalidade dela é proporcionar a máxima satisfação ao menor custo aos cooperadores. Mas, para ser empresa solidária não pode haver separação entre trabalho e capital. Muitas cooperativas de consumo empregam trabalho assalariado, o que enseja lutas de classe em seu interior. Por isso não fazem parte da economia solidária. Só pertencem à ela as cooperativas de consumo que tornam seus trabalhadores membros plenos. Alguns a denominam por isso de cooperativas mistas. Nas cooperativas do Complexo Cooperativo de Mondragon, que prestam serviços ( financeiros, tecnológicos, previdenciário, etc.) às demais, os trabalhadores são sócios, ao lado das cooperativas clientes, tendo representação em todos os órgãos de decisão. O mesmo se aplica às cooperativas de crédito. Estas são empresas de intermediação financeira possuídas pelos depositantes. Para que sejam solidárias é preciso que os trabalhadores que as operam profissionalmente sejam sócios delas. As cooperativas de crédito comunitárias, formadas por moradores da mesma cidade ou membros do mesmo sindicato, aplicam os depósitos em empréstimos pessoais aos cooperadores. Isso se chama crédito rotativo e resgata gente pobre da agiotagem, já que os bancos comerciais estão quase sempre fechados para este grupo. O banco do povo, inventado por M.Yunus, é uma

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espécie de cooperativa de crédito de tamanho gigante, feminista, que serve e é possuído por microprodutoras muito pobres. Sua marca característica é aval solidário: as depositantes formam grupos de cinco que fazem poupança em conjunto e todo empréstimo cedido a uma recebe o aval das demais. Se a devedora está impossibilitada de honrar uma prestação, as outras quatro ajudam, pois na falta de repagamento o grupo inteiro é eliminado do banco. Uma modalidade recente de economia solidária é o clube de trocas (chamado de Lets em inglês, cujas iniciais significam Sistemas Locais de Trocas e Comércio). São formados por micro-produtores e prestadores de serviços, a maioria desempregados e com falta de clientes. Eles formam uma associação que cria uma moeda própria (conhecida como "moeda social"), que pode ter a forma de notas de papel ou de registro em computador. Cada sócio recebe de entrada um valor inicial da moeda do clube, o que lhe permite comprar serviços ou bens dos outros sócios. O clube promove reuniões regulares em que os membros anunciam ou exibem o que têm para vender e informam o que precisam comprar. Há clubes que publicam periódicos em que as ofertas e demandas são divulgadas como anúncios. O clube de trocas, ao fornecer sua moeda aos membros e socializar o que cada um oferece e procura, cria mercado onde ele não existia. Cria-o para pessoas que estavam excluídas do grande mercado porque não tinham dinheiro nem para divulgar os produtos e serviços que queriam vender e nem para comprar o que necessitavam. Cada clube de trocas é administrado por sócios eleitos para este fim e todas as transações efetuadas no clube podem ser conhecidas pelos membros. Os clubes de troca na Argentina são hoje milhares, tendo em conjunto centenas de milhares de membros que realizam transações no valor de bilhões de dólares anualmente. Eles são populares também nos países de língua inglesa e começam a se multiplicar no Brasil. Na Argentina, formam uma grande rede, em que a moeda de um clube serve para fazer compras em outro, o que amplia o potencial da criação de mercado de todos eles. Finalmente, é importante atentar para o fato de que as empresas solidárias tendem a se federar, formando associações locais, regionais, nacionais e internacionais. O que impulsiona esta tendência é o mesmo conjunto de fatores que produz a centralização dos capitais em grandes empresas multinacionais e conglomerados: os ganhos de escala que permitem reduzir custos; a necessidade de juntar recursos para desenvolver nova tecnologia e difundir a melhor; além de outros empreendimentos de alto custo e alto risco. O Complexo Cooperativo de Mondragón, no País Basco (Espanha), é talvez o caso mais avançado de conglomeração solidária. Ele é formado por mais de cem cooperativas em que trabalham mais de 40 mil pessoas. Entre as cooperativas de segundo grau (formadas pelas cooperativas de primeiro grau) de Mondragón, está a Caja Laboral Popular, um dos maiores intermediários financeiros do país, vários centros de pesquisa tecnológica e um fundo de seguridade social. A origem do complexo foi uma escola técnica que hoje se transformou numa universidade. (...)

Economia solidária, cooperativismo e desenvolvimento territorial Arilson Favareto, Egeu Esteves e Reginaldo Magalhães Até meados dos anos 1990 era muito difícil encontrar o termo "Economia Solidária" em textos, documentos ou discursos. Hoje, há não só muitas formulações a respeito, mas também uma série de organizações voltadas para este campo. No Governo Federal, na gestão de Lula, uma Secretaria específica para este assunto foi criada no âmbito do Ministério do Trabalho. Mas será que todos estamos falando da mesma coisa quando falamos em "Economia Solidária"? Por que este tema ganhou tanto espaço nos últimos anos? Quais os principais desafios a serem enfrentados para a promoção da Economia Solidária? Como a produção de indicadores pode auxiliar nesta empreitada? A partir de meados dos anos 1990, a economia solidária passa a compor o cenário nacional. Por que isto muda justamente neste período? A resposta para esta pergunta parece residir em três fatos que aconteceram nas últimas décadas do século XX. O primeiro fato diz respeito ao ideário das organizações populares e de esquerda. Ao longo de

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todo o século XX, a principal perspectiva de transformação social esteve ligada à tomada do Estado. Foi assim com a Revolução Russa, depois com a Revolução Chinesa e com a Revolução Cubana. Ocorre que, em todos os casos, as tentativas de transformação do capitalismo desde o Estado resultaram em experiências fracassadas sob vários aspectos, sendo o mais destacado deles a falta de liberdade e democracia. O ápice deste desencantamento com aquilo que se convencionou chamar "socialismo real" acontece na passagem dos anos 1980 para os anos 90, com a queda do Muro de Berlim. Desde então, repensar as estratégias de contestação ao capitalismo e de construção de uma nova economia e uma nova sociedade tornaram-se imperativos. O segundo fato diz respeito às mudanças pelas quais o capitalismo passou desde os anos 1970 e que, no Brasil, se fizeram sentir mais pesadamente a partir dos anos 90. A adoção de novas tecnologias como a microeletrônica e a robótica resultaram no desemprego de enormes contingentes de trabalhadores trazendo consigo a necessidade de se criar soluções para este drama que atinge um número cada vez maior de pessoas. O terceiro fato, por fim, está relacionado ao papel do Estado na organização da economia. Se desde os anos 1950 até os anos 70, o Brasil foi um dos países que mais cresceu economicamente no mundo, a partir dos anos 1980 esta situação mudou drasticamente e, desde então, a economia nacional está estagnada (isto é, a economia cresce, mas a taxas próximas do crescimento da população, o que faz com que os postos de trabalho criados sejam insuficientes para absorver toda a população que entra no mercado). Com a crise, diminuem também os recursos de que o Estado dispõe para investir. Isso faz com que se passe a pensar em alternativas que vão além dos moldes tradicionais existentes desde o pósguerra, baseados na expansão do emprego industrial e no gasto público. Uma conseqüência destas três ordens de mudanças foi, portanto, a busca de novas utopias, capazes de, a um só tempo, dar respostas imediatas a problemas tão concretos como o desemprego e servir como embriões de novas formas de organização da economia e da sociedade. Estavam dados, assim, os parâmetros para o surgimento e afirmação do debate sobre Economia Solidária. Quando se olha para a diversidade de organizações e de perspectivas assumidas pelo debate sobre Economia Solidária, neste curto intervalo de tempo, chega-se facilmente à constatação de que, mais do que um conceito específico, passível de se expressar por uma definição substantiva, trata-se de um tipo de movimento social ou, em outros termos, de uma idéia/força, capaz de mobilizar diferentes sujeitos. Economia Solidária, economia social, sócio economia solidária, economia popular. Estes termos não são exatamente sinônimos, cada qual apresenta nuances e acentos diferenciados em relação aos demais, mas todos têm em comum o fato de se referirem a formas de organizar a produção, a distribuição e o crédito, orientadas por princípios solidários. Entre estas formas, as cooperativas são as mais antigas e melhor conhecidas, mas a elas se somam outras, como os clubes de troca (formados por grupos de produtores para intensificar o intercâmbio entre as pessoas e grupos, não raramente utilizando inclusive uma "moeda" própria) e os bancos do povo (cooperativas de crédito ou agências de financiamento dirigidas aos mais pobres, onde o crédito é garantido pelo compromisso solidário entre as pessoas ou grupos). Se isto é comum às várias definições, em que elas divergem? As diferenças são tantas quanto às organizações existentes ou os termos utilizados, mas as principais dizem respeito ou à forma de organização dos empreendimentos ou ao que se espera com tais iniciativas. No que diz respeito à forma de organização dos empreendimentos, há organismos e definições que têm por foco somente cooperativas autogestionárias, enquanto outros consideram que a Economia Solidária envolve todo o conjunto de organizações e experiências baseado em princípios de solidariedade (como empresas sociais, clubes de troca, associações de produtores familiares, etc.). No que diz respeito ao alcance de tais iniciativas, há aqueles que vêem nelas apenas uma alternativa ao desemprego para grupos populares, enquanto outros vêem nelas embriões de formas de organizar a produção e a sociabilidade entre os trabalhadores numa perspectiva de superação do capitalismo.

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Estas diferenças vão se traduzir na definição de públicos distintos para a atuação destas organizações (como a Anteag, a ADS, a Unisol) ou no viés das políticas a serem adotadas ou defendidas por cada uma delas (maior ou menor ênfase no acesso a novas tecnologias dependendo das características dos grupos, maior ou menor abertura ao mercado, maior ou menor importância ao financiamento para o empreendimento, temas e tipos de atividade de formação e capacitação, etc.). Apesar das diferenças, o que se observa é que há, hoje, mais convergências do que divergências entre o conjunto de organizações que trabalham com a Economia Solidária. Uma das maneiras de ir mais fundo nos significados possíveis (e, portanto, nos contornos e nos alcances) da Economia Solidária é entender os marcos teóricos que cercam a emergência deste tema. O economista e cientista político Fernando Haddad, discutindo esta questão, argumenta que o debate teórico sobre o significado da Economia Solidária parte de duas questões fundamentais. Uma primeira questão, suscitada pela teoria política, diz respeito à crescente apatia das pessoas frente aos processos eleitorais e demais processos que envolvem a tomada de decisões sobre os rumos das várias sociedades. Tal problema é atribuído à falta de "educação cívica" para se interessar pelas questões gerais da política nacional. Para atacar esse "nó", o exercício da democracia nos espaços que são mais próximos das pessoas e que lhes dizem respeito mais diretamente, como o local de trabalho, poderia cumprir justamente este papel de estimular o desejo de participação. Daí a importância de formas mais democráticas de organização do trabalho, para a qual o cooperativismo é um grande exemplo. Uma segunda questão, suscitada pela teoria econômica, diz respeito ao papel desempenhado pelo poder econômico na definição dos rumos da política. Diante da fraca participação popular, o poder econômico garante, em um só tempo, mais visibilidade às propostas dos setores dominantes, e maiores dificuldades ao acesso à plena informação por parte dos setores populares. Por trás dessa questão, está a idéia de que a igualdade de condições pressupõe não somente a igualdade formal de participação como fundamentalmente uma igualdade substantiva quanto aos meios materiais (recursos econômicos que podem se converter em recursos políticos) de que dispõem os vários sujeitos e setores da sociedade para o pleno exercício e funcionamento da democracia. Sendo assim, alguma forma de socialização da riqueza, o que passa por alguma forma de socialização da propriedade, deveria ser implantada. Como a experiência do socialismo do leste europeu é uma experiência que concentrou no Estado a propriedade, em vez de socializá-la, emerge naturalmente a idéia do cooperativismo como uma socialização não estadista da propriedade, com a vantagem de permitir avanços progressivos, não vulneráveis a mudanças bruscas derivadas de mudanças nos grupos a frente do Estado. Como resposta às duas ordens de questões, relativas à democracia econômica e à democracia política, o cooperativismo - base da Economia Solidária - aparece como solução teórica. Por meio das alternativas no campo da Economia Solidária tem sido possível, aos setores populares, lidar com algumas questões complexas a serem operacionalizadas, como a geração de emprego e renda, o processo de globalização, a crise fiscal do Estado e a eficiência econômica. Junto a esta experimentação concreta, a ascensão do debate sobre a Economia Solidária vem referenciada em algumas experiências internacionais de renome, entre as quais cabe lembrar a Terceira Itália, os Kibutz (Israel) e o complexo cooperativo de Mondragón (Espanha). Quando se olha para estas duas dimensões, a experiência internacional e a recente experiência brasileira; é possível apontar alguns "nós fundamentais" a serem desatados para a construção de um projeto de Economia Solidária. Entre estes grandes desafios cabe destacar os seguintes: o desenvolvimento e acesso a tecnologias apropriadas de gestão; o desenvolvimento e acesso a tecnologias apropriadas de produção; a ampliação e democratização do acesso ao crédito; reformulações no sistema tributário. (...) [E além destes:] Direitos sociais - Consiste em criar formas de escapar de um dualismo perigoso, onde uma parte dos trabalhadores continuaria formalmente contratada e gozaria de todos os direitos sociais e trabalhistas, enquanto as cooperativas seriam reservadas aos setores precarizados, desprovidos de direitos. Isso

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remete à necessidade de compor uma agenda ampla, em alianças com os sindicatos. Isto é, trata-se de associar a construção de um projeto cooperativo, popular e solidário aos demais aspectos da agenda histórica do movimento sindical. Romper o isolamento material e simbólico que cerca a economia solidária - Sua plena viabilização depende de desfazer, no imaginário dos agentes econômicos (empresas, agentes financeiros, órgãos públicos), a imagem de que as cooperativas e demais formas solidárias de trabalho são um mero paliativo à situação de desemprego, sem possibilidades de sucesso econômico. Isso, por sua vez, só acontecerá quando os próprios empreendimentos solidários deixarem de se ver, exclusivamente, como peças de resistência e passarem a enxergar nestas iniciativas uma forma social específica de trabalho, com as mesmas possibilidades de eficiência que a empresa capitalista tradicional, porém, funcionando sob princípios diferenciados. O fato de os empreendimentos solidários mobilizarem uma parte do tecido social cuja principal característica, em boa parte dos casos, seria a fronteira com a exclusão, pode se tornar um trunfo, em vez de um empecilho para seu sucesso e reconhecimento.

Desemprego e Políticas de Emprego: Tendências Internacionais e o Brasil Marcio Pochmann No pós-guerra, com a generalização dos instrumentos de regulação da economia, as políticas de mercado de trabalho tornaram-se objeto das agendas governamentais. As políticas nos países desenvolvidos eram voltadas para o crescimento sustentado e a busca do pleno emprego. Com o esgotamento do padrão de desenvolvimento, que se acelerou a partir dos anos 70, e o surgimento do neoliberalismo, essas políticas foram abandonadas. O desemprego aumentou e apareceram novas formas precárias de ocupação. As concepções de políticas voltadas ao pleno emprego As concepções governamentais voltadas para o enfrentamento do desemprego incorporam diferentes concepções a respeito do problema do emprego. No que se poderia definir como sendo parte da concepção histórica da social-democracia, destaca-se a incorporação de políticas de geração de emprego e renda ao projeto mais amplo de desenvolvimento econômico e social. De acordo com esta concepção, o conjunto de medidas normalmente adotadas não se refere apenas às variáveis endógenas do mercado de trabalho, mas também ao objetivo maior da construção de sociedades menos heterogêneas, com plena incorporação dos trabalhadores. No que diz respeito à concepção neoliberal, cabe destacar que as ações governamentais caracterizam-se mais pelo controle equilibrado do gasto público e pela focalização dos programas para determinados segmentos de trabalhadores, pois tende a predominar a crença de que o mercado de trabalho quanto mais desregulado for, mais favorável será à elevação do nível geral de emprego. O pleno emprego é concebido como uma resultante do fortalecimento das forças da concorrência, da abertura comercial e da estabilidade monetária. Apresentamos no Quadro I uma tipologia sobre estas duas concepções de políticas voltadas para o pleno emprego. As diferentes visões sobre o problema do emprego no Brasil Nos últimos 15 anos, com o esgotamento do processo de desenvolvimento econômico do país, os estudos acerca do emprego apresentaram, em geral, pelo menos três diferentes visões. A primeira refere-se ao problema atual do emprego como sendo decorrência direta e imediata das baixas taxas de crescimento da economia. O retorno ao crescimento econômico sustentado geraria muitos empregos e possibilitaria, por um lado, a melhor solução dos principais problemas do mercado de trabalho brasileiro. Por outro lado, o crescimento na oferta de novos empregos poderia ocorrer por meio do fomento à maior flexibilização do mercado de trabalho. Historicamente, o crescimento econômico por si só mostrou-se insuficiente para gerar empregos para todos, assim como a desregulação do mercado de trabalho não serviu como exemplo de medida adequada e satisfatória ao enfrentamento do emprego. A retomada do crescimento econômico susten-

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tado é sem dúvida condição necessária, porém não suficiente para o pleno emprego, ao passo que a desregulamentação do mercado de trabalho tende a reforçar ainda mais as ocupações precárias e o desemprego disfarçado, sem acrescentar postos adicionais ao nível de emprego regular. Por exemplo, no Brasil [havia, em 1998] cerca de 24 milhões de trabalhadores que possuíam registro formal dentro de um universo estimado em 43 milhões de empregados assalariados. [Eram] quase 20 milhões de trabalhadores que se encontravam no mercado de trabalho sem estarem sujeitos a qualquer mecanismo de regulação. A segunda visão está associada ao entendimento de que não há propriamente no Brasil um problema de emprego. Por ter um mercado flexível, a economia geraria muitas ocupações. Os problemas do emprego não estariam centrados na quantidade, mas na qualidade das ocupações geradas, de baixa produtividade e rendimento, exigindo, por sua vez, ações do poder público voltadas para melhorar a situação dos empregos existentes. Essas ações passariam fundamentalmente pela redução dos custos do trabalho, por meio da eliminação de encargos sociais, da flexibilização dos contratos de trabalho e da ampliação da qualificação profissional. Esse tipo de visão parece simplificar o problema do emprego ao mero funcionamento do mercado de trabalho. Antes de mais nada caberia definir o que se entende por emprego, ocupação e desemprego, para então poder fazer uma afirmação mais consistente sobre a existência ou não de ampla geração de empregos no período recente. Não parece adequado acreditar que múltiplas formas de sobrevivência possam ser entendidas como emprego, sujeitas a condições e relações de trabalho regulares. Na realidade, elas se constituem de ocupações precárias que se associam ao desempregado disfarçado, muito presente em economias subdesenvolvidas e com mercado de trabalho desregulado. No Brasil, com a estagnação econômica dos anos 80 e os sinais de desindustrialização dos anos 90, observou-se um intenso crescimento do segmento de ocupações precárias, com baixos rendimentos e forte instabilidade contratual, como alternativa à inexistência de emprego regular por toda a PEA (população economicamente ativa). O que poderia ser caracterizado como desemprego disfarçado. A terceira visão refere-se a uma provável dimensão estrutural do problema do emprego na economia brasileira. De um lado, o desemprego ocorreria de uma herança histórica de condução das políticas de industrialização, sem a realização das reformas clássicas do capitalismo contemporâneo, como a mudança na estrutura fundiária, a construção de um Estado do Bem Estar Social, a criação de um sistema tributário progressivo, etc. De outro lado, a dimensão estrutural do desemprego no Brasil também estaria ligada à estagnação econômica dos anos 1980 e a desindustrialização em curso nos anos 1990. O crescimento de ocupações por conta própria, dos assalariados sem carteira e das taxas de desemprego revelaria o perfil e as distintas dimensões do desemprego, recolocando a necessidade da retomada sustentada do crescimento econômico e de implementação de um conjunto de medidas voltadas para a geração de emprego e renda no Brasil. Deve-se destacar que a busca pelo que foi definido como redução da rigidez nas regras do funcionamento do mercado de trabalho [na década de 1990] não resultou, ao contrário do que era esperado, na redução do nível de desemprego e na melhora de distribuição de renda. O que se observou, na realidade, foi a ampliação da insegurança do trabalho, da renda e do emprego, com pessoas marginalizadas dos programas de seguridade social e o avanço das condições precárias. As medidas de desregulação do mercado de trabalho, como a focalização dos recursos aos sem-emprego, a redução do custo do trabalho e a flexibilização dos contratos não possibilitaram, do ponto de vista da oferta de mão-deobra, a ampliação da demanda de trabalho. Os países que mais avançaram nos programas de flexibilização do mercado de trabalho não são hoje bons exemplos de economias com menores níveis de desemprego e de insegurança quanto à renda, ao trabalho e ao emprego. Observa-se também que a restrição da discussão sobre o problema do emprego à esfera do mercado de trabalho tem favorecido as ações governamentais voltadas à intermediação de mão-de-obra e à qualificação profissional. A atuação em torno da intermediação de mão-de-obra e da qualificação profissional é necessária, mas insuficiente para dar conta da dimensão atual do problema do emprego no Brasil. Os programas educacionais podem estar adequados às mudanças tecnológicas e aos novos

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requisitos profissionais, mas se as condicionalidades macroeconômicas continuarem a restringir a geração de emprego, seus efeitos serão limitados. Diante da restrição das ações governamentais voltadas aos problemas do desemprego, apresentamos no Quadro 2 um conjunto de medidas que podem ter efeitos quantitativos e qualitativos positivos sobre o nível de emprego.

Quadro I - As concepções social-democrata e neoliberal de políticas voltadas para o pleno emprego Pleno emprego Finalidade do pleno emprego Papel do Estado

Estado do Bem Estar Social

Políticas sociais

Social-democrata (histórica) Políticas econômicas e sociais comprometidas com o pleno emprego, por meio do crescimento, da ampliação do gasto público e da regulação do mercado de trabalho. O Estado deve-se fazer presente em todas as oportunidades que devam favorecer a construção de uma sociedade menos desigual, como forma de corrigir as distorções do mercado, aumentando, quando necessária, a participação no excedente econômico (sistema tributário progressivo). A definição e construção do Estado do BemEstar Social é importante não apenas devido à sua capacidade de geração de emprego no setor de serviços (saúde, educação, serviços privados), mas como forma de alcançar padrões mais homogêneos de consumo. A ampliação das políticas de garantias de mínimos de renda (seguro-desemprego vinculado ao programa de treinamento; subsídios para formação e treinamento de mãode-obra).

Neoliberal (recente) Políticas econômicas comprometidas com o equilíbrio das contas públicas, restrição do crédito e desregulação do mercado de trabalho. O Estado deve deter a menor participação possível no excedente econômico, com sistema tributário proporcional e maior espaço para as decisões privadas.

As áreas devem-se limitar ao contexto da seletividade e da focalização, paralela ao setor privado e direcionado exclusivamente para parcelas minoritárias da população.

A diminuição dos benefícios públicos e a criação de mecanismos de garantia de renda com menor valor possível para segmentos mais jovens do mercado de trabalho, objetivando estimular a aceitação de emprego com salários menores, se necessário, promovendo ocupações em pequenos negócios (autoemprego). Papel dos sindicatos O sindicato aumenta seu poder de força O sindicato possui papel reduzido, mais oriquando há relações democráticas de trabal- entado para a definição de reivindicações ho, maior presença no local de trabalho, con- dos trabalhadores por empresa, permitindo tratação coletiva centralizada e pleno que os salários e a jornada de trabalho esteemprego. O fortalecimento do sindicato é jam associados à produtividade e às condição necessária para maior represenoscilações da economia. tação dos interesses dos trabalhadores. Mercado de trabalho A defesa de mecanismos institucionais, regu- O mercado de trabalho deve ser a expressão lados para a constituição de um mercado de da relação entre oferta e demanda de mãotrabalho estruturado, com menos formas het- de-obra, permitindo formas heterogêneas de erogêneas possíveis de ocupação e renda. ocupação e menores salários de acordo com a produtividade das empresas. As relações de As restrições administrativas e econômicas A flexibilização dos contratos de trabalho é trabalho para as demissões e esforços para a amplinecessária para adequar o custo de mão-deação dos contratos de longa duração. obra às oscilações do mercado, com baixas restrições econômicas e administrativas nos caos de demissão.

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Quadro 2 - Políticas alternativas de geração de emprego no Brasil Tipo de Política

Medida Projeto nacional de defesa da produção e emprego Investimentos em Infra-estrutura Distribuição de renda

Políticas com efeitos ativos sobre o nível de emprego

Serviços de bem-estar social Redução da jornada de trabalho Reforma agrária

Agência pública de emprego Sistema democrático Políticas de melhora de relações da qualidade do de trabalho emprego Programa nacional de garantia de renda Limites mínimos e máximos de trabalho

Resultado O abandono do projeto de subordinação internacional passivo e com compromisso na sustentação do crescimento sustentado no pleno emprego. Construção nacional, com desenvolvimento de programas de saneamento, habitação, telecomunicações, portos, estradas de rodagem, etc. Sistema tributário progressivo, programa de recuperação do salário mínimo, programa de renda mínima; elevação das aposentadorias e pensões. Programas de utilidade coletiva (frentes de trabalho); melhora e universalização dos serviços públicos (educação, saúde, transporte, etc.) Definição de jornada de trabalho inferior a 38 horas semanais, banco de horas, limite máximo do horário extraordinário em 2 horas por semana. Desconcentração de propriedade da terra; formação de cooperativas de produção, acesso ao crédito e à orientação técnica, etc. Com capacidade de realizar intermediação de mão-de-obra, atendimento dos benefícios sociais e formação e qualificação profissional. Implantação do contrato coletivo nacional e setorial de trabalho, com fortalecimento dos atores sociais voltados para a melhora da qualidade do emprego, redução da rotatividade no trabalho, etc. Valor do seguro-desemprego diferenciado segundo o perfil do desempregado (sexo, idade,condição familiar, qualificação) e associado à causa da demissão (individual e coletiva) e o programa de estágio, fim do trabalho infantil e dos aposentados. Redução do tempo de aposentadoria e elevação do grau educacional para ingresso do jovem no mercado de trabalho.

O que é fundamental? • Contextualizar o pensamento hegemônico neoliberal. • Discutir as concepções e evidenciar as diferenças entre crescimento econômico e desenvolvimento sócio-econômico. • Compreender as concepções de desenvolvimento sustentável e solidário.

Possibilidades de desenvolvimento metodológico A partir da visão inicial e exemplos dados pelos participantes, faça um painel separando crescimento econômico de desenvolvimento sócio-econômico. A seguir, problematize as opiniões com o apoio dos textos deste livro ou de outros que julgue adequados. Podem-se explorar as relações contraditórias entre crescimento econômico, degradação ambiental e organização/desestruturação social. Qual o papel da ideologia neoliberal na manutenção da exploração social? Como se contrapor a isto? Ao final, procure sistematizar as principais idéias a que o grupo chegou. Também se podem comparar, com a turma, as resoluções de diferentes CONCUTs sobre o tema do desenvolvimento, apontando temas recorrentes e temas novos, e identificando os atuais desafios do movimento sindical. Por meio da coleta e leitura de dados, discuta as condições do mercado de trabalho da região e dos setores dos cursistas e problematize, em especial, questões relacionadas ao desemprego, flexibilização das relações de trabalho e trabalho informal e precário.

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Bibliografia Observação: a maior parte dos textos de outros autores, constantes desta publicação, foi utilizada parcialmente e em alguns casos, foram adaptados. A bibliografia a seguir indica, sempre que disponível, o endereço na Internet para acesso aos originais.

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TAVARES, Maria da Conceição. 2000. Política e economia na formação do Brasil contemporâneo. In: Revista Teoria e Debate, nº 44 (abr/mai/jun 2000). Disponível em: http://www.fundacaoperseuabramo.org.br/td/td44/td44_economia.htm. Para saber mais: Sites com textos, filmes e outras informações preciosas ADS/CUT - Agência de Desenvolvimento Solidário - CUT. <http://www.ads.org.br> ANPED - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. <http://www.anped.org.br> ARMAZÉM MEMÓRIA - Um resgate coletivo da história. <http://www.armazemmemoria.com.br> CUT - Central Única dos Trabalhadores. Biblioteca Digital. <http://www.cut.org.br> DESEMPREGO ZERO. <http://www.desempregozero.org.br> DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos <http://www.dieese.org.br> DOMÍNIO PÚBLICO. <http://www.dominiopublico.gov.br> FUNDAÇÃO CARLOS CHAGAS. Artigos sobre a mulher no mercado de trabalho. <http://www.fcc.org.br/mulher/series_historicas/mmft.html> FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. <http://www.fpabramo.org.br> GRAMSCI E O BRASIL. <http://www.acessa.com/gramsci> IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. <http://www.ibge.gov.br> INSTITUTO PÓLIS. Boletim Dicas e Boletim Repente, dedicados ao tema dos Conselhos. <http://www.polis.org.br> IOS - Instituto Observatório Social - CUT. <http://http://www.cut.org.br> IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - <http://www.ipea.gov.br> MEC - Ministério da Educação. <http://www.mec.gov.br> MTE - Ministério do Trabalho e Emprego. <http://www.mte.gov.br> OIT - ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO/BRASIL http://www.oitbrasil.org.br PORTA CURTAS - Petrobras. <http://portacurtas.com.br> REDE UNITRABALHO - Fundação Interuniversitária de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho <http://www.unitrabalho.org.br> REVISTA DA ABET - Associação Brasileira de Estudos do Trabalho. Disponível em: <http://www.race.nuca.ie.ufrj.br/abet/revista/> SciELO - Scientific electronic library online. <http://www.scielo.br> UNICAMP - Instituto de Economia. <http://www.eco.unicamp.br> UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO/UFRJ - Instituto de Economia. <http://www.ie.ufrj.br>

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Revisão LUCIANA SERENO Diagramação DLC - EDITORA DE JORNAIS E REVISTAS LTDA Capa NSA COMUNICAÇÃO

Título Negociação e Contratação da Qualificação Socioprofissional Material Didático para Educadores/Formadores Formato: 24,5 x 18,5 Mancha: 21,5 x 15,5 Tipologia: Palatino Light, FranklinGothCdlTC Papel: Papel off-set 90g/m2(miolo), cartão supremo 250g/m2(capa) Matriz: Fotolito Digital Tiragem: 1000 1ª edição: Junho/2007


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