Devarim 43 (ano 15 -Dezembro de 2020)

Page 89

cócegas no raciocínio

O SACRIFÍCIO DE ITSCHAK

Vinte e cinco anos do assassinato de Itschak Rabin

Paulo Geiger

P

arte deste artigo foi escrito 25 anos atrás – logo após o assassinato de Itschak Rabin em 4 de novembro de 1995 – para o órgão interno do Fundo Comunitário do Rio de Janeiro, mas, se minha memória ainda alcança 25 anos, não chegou a ser publicado. E se foi, a parte aqui repetida não perdeu a atualidade, em minha opinião. Ao contrário, ela ecoa fortemente a época de polarizações e radicalismos em que vivemos. A parte acrescentada consiste, precisamente, nesses ecos contemporâneos de uma quase [no caso de Rabin, sem o ‘quase’] tragédia bíblica que ainda nos ameaça, a menos que um anjo salvador torne a conter a consumação de tragédias perpetradas em nome de uma suposta vontade divina, ou uma suposta verdade absoluta, ou uma suposta razão econômica, racial, religiosa ou ideológica. Somos todos Itschaks. Na Bíblia, o sacrifício de Itschak não chega a se consumar. Deus não quer sua morte como preito de fidelidade à sua suposta vontade, e, por decisão divina, no espírito divino, a fidelidade a Deus [ou a qualquer crença, ideia, ideologia ou interesse] não se expressará no sacrifí-

cio de Itschak. Os que invocaram no passado [e alguns, ainda hoje] a vontade divina [ou crenças, ideias, ideologias ou interesses], explícita ou implícita, para justificar o assassinato de Itschak Rabin são os verdadeiros traidores do judaísmo explícito das mitsvot, e implícito dos valores éticos que elas expressam. Nos dias que antecederam o assassinato, Rabin, primeiro-ministro de Israel, por ter assinado os acordos de Oslo, era apontado pela direita e pela facção religiosa radical israelense como traidor (mosser), e cartazes com sua imagem sob o desenho de uma mira de arma de fogo, ou num uniforme nazista, eram colados e distribuídos por todo o país. Os líderes da direita nacionalista, num comício na praça Tsion, em Jerusalém, incitavam a multidão contra ele. Impossível dissociar estes fatos dos motivos que levaram Igal Amir a pô-lo sob a mira de sua arma e apertar o gatilho. Os que admitem que atos terrroristas de judeus contra a vida humana, contra um líder e um patriota na nação judaica, contra a estrutura democrática do estado judaico e a percepção humanista do povo judeu, possam atentar contra uma atuação política legitimada por essa democracia e

Revista da Associação Religiosa Israelita-A R I

|  d e v a r i m   |  87


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Devarim 43 (ano 15 -Dezembro de 2020) by ARI - Associação Religiosa Israelita - Issuu