Uma crônica do nosso tempo Sérgio EducaçãoMarguliespara tolerância através dos estudos da Shoá Shlomo AntissemitismoZagman e a islamização na França Eduardo S. Klein Cócegas no Raciocínio Paulo Geiger Dario Bialer
E.
aperfeiçoamentoGeorgeGabanyi Propostas para o Movimento Reformista Rabina Elyse Goldstein e Rabino Uri Lam O Mistério da Morte de Cristo Arnaldo Niskier Ausente, Presente. A Herança Judaica na Europa Um rolo da Torá na seção feminina do Muro Ausente, Presente. A Herança Judaica na Europa Christian Herrmann Um rolo da Torá na seção feminina do Muro Edy Huberman DEVARIM
Mussar: trabalhar a incompletude para o

Jerusalém Rabino
Revista da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 11, n° 31, dezembro de 2016 DEVARIM
Mussar: trabalhar a incompletude para o Uma crônica do nosso tempo Sérgio EducaçãoMarguliespara tolerância através dos estudos da Shoá Shlomo AntissemitismoZagman e a islamização na França Eduardo S. Klein Cócegas no Raciocínio Paulo Geiger Dario Bialer
Jerusalém Rabino
aperfeiçoamentoGeorgeGabanyi Propostas para o Movimento Reformista Rabina Elyse Goldstein e Rabino Uri Lam O Mistério da Morte de Cristo Arnaldo Niskier
E.


Procura-se um cachorro
Contudo, apesar da competição acirrada, me parece que o campeão mundial do “mapa errado” é o mundo árabe em sua análise sobre o Sionismo e sobre Israel. Os detratores do Sionis mo abrigam convicções equivocadas há muito tempo e não dão a menor mostra que já se deram conta disso.
O quanto antes este mapa for trocado melhor será para to dos. A ONU e a Unesco deveriam promover esta mudança ao invés de se dedicarem todos os dias a passar resoluções risíveis que têm como único resultado fortalecer as equivocadas certe zas dos árabes com relação a Israel.
N
Nestes últimos meses, o mundo testemunhou com incrível consistência esta situação. No caso do Brexit, um governo con fiante colocou em votação algo que jamais teria colocado se es tivesse com o mapa correto. Algo semelhante aconteceu no pro cesso de paz do governo da Colômbia com as FARC. E, mais re centemente, a eleição de Trump nos EUA mostrou uma mídia completamente perdida, dando como certa sua derrota mesmo depois da contagem dos votos ter começado.
Se existe alguma relação entre Sionismo e colonialismo, ela é de oposição e não de harmonia. O Sionismo enfrentou des de a origem justamente o poder colonial, primeiro o Otomano, depois o Britânico. E como nação oprimida no Império Russo, e a quem foi rejeitada cidadania plena de fato na Europa Oci dental pós-Iluminismo, os judeus procuraram construir seu pró prio país e sua própria liberdade, desafiando Impérios e Estados poderosos, o que certamente não guarda nenhuma semelhan ça com nenhuma ideia colonial de dominação sobre outros po vos. Lembrando ainda que o Estado de Israel estendeu a cidada nia a todos os não judeus na Proclamação da Independência em maio de 1948, ou seja, igualdade e não dominação “colonial”.
No mapa árabe, o Sionismo é uma aventura colonialista. Os judeus seriam aventureiros europeus que saíram pelo mun do a conquistar territórios de povos vulneráveis, motivados ex clusivamente pelo desejo de expandir o domínio e poderio de seusSabemospaíses.
o Brasil, temos a expressão “no mato sem cachorro”, que caracteriza de forma espirituosa uma caminhada em ter reno desconhecido, sem a orientação de um guia. Estar num mato sem cachorro é uma coisa ruim.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 1
Mas será que podemos esperar isto de um ambiente que com admirável constância se engana em suas avaliações?
Raul Cesar Gottlieb – Diretor de Devarim
As consequências de confiar num mapa errado são dramáti cas. A confusão de Sionismo com colonialismo faz com que por um lado ele seja inaceitável e pelo outro que ele seja reversível (tal qual aconteceu, por exemplo, com a colonização francesa no norte da África, quando uma resistência continuada resultou na retirada da potência colonizadora).
que esta leitura é um lamentável equivoco. A come çar por um fator primordial: se Israel é realmente fruto da men talidade colonialista, qual é a potência colonizadora? O escri tor Amos Oz (que até hoje não ganhou um Prêmio Nobel por que ele é outorgado por uma comissão em cujo mapa versos de protesto se confundem com literatura) construiu uma inspirada imagem para fixar a sua percepção de que o embate árabe-sio nista não é o confronto entre um certo e um errado e sim en tre dois certos. Segundo ele, a luta do Sionismo é análoga à de um náufrago que se dirige a um barco instável e pede a seu ocu pante que lhe ceda um pequeno espaço para que não se afogue.
EDITORIAL
A adequada caracterização do conflito árabe-israelense como sendo a luta de um certo contra outro certo jamais encontrou ressonância junto às lideranças árabes, que continuam aferradas à percepção de estarem lutando contra uma injustiça.
Portanto, o mundo árabe pressiona os palestinos a não acei tarem nenhum compromisso, visto que qualquer um seria in justo, e a manterem a fé de que sua determinação fará com que os judeus, um dia, evaporem no ar ou voltem para seus países de origem (dentro dos quais, ironicamente, se contam todos os paísesFazárabes).também com que eles fantasiem um passado no qual Je rusalém nunca foi judaica, o judaísmo é somente uma religião e o povo judeu uma mera invenção.
Contudo, existe uma situação ainda pior, para a qual não in ventaram um dito popular. Pior do que não ter orientação é es tar perdido, porém convicto de trilhar o rumo certo. Ou seja, analisar uma conjuntura sem perceber que ela não se encaixa nos seus paradigmas e preconceitos (no sentido benigno da palavra).
Propostas e questões para o Movimento Reformista Rabina Elyse Goldstein e Rabino Uri Lam 34
Em Poucas Palavras: Um momento histórico Edy Huberman e outros 50
A revista Devarim é editada pela Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro www.arirj.com.br (www.devarim.com.br) Administração e correspondência: Rua General Severiano, 170 – Botafogo 22290-040 – Rio de Janeiro – RJ Telefone: 21 2156-0444
Educação para tolerância através dos estudos da Shoá Shlomo Zagman 25
A contracapa de Devarim é uma criação baseada no slogan do Movimento Reformista de Israel – IMPJ. A distribuição de Devarim é gratuita, sendo proibida a sua comercialização.
SUMÁRIO
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EditoraEDIÇÃO

PRESIDENTE DA ARI Ricardo Gorodovits
CONSELHO EDITORIAL
Ricardo Assis (Negrito Produção Editorial) Tainá Nunes Costa
DIRETOR DA REVISTA Raul Cesar Gottlieb
O mistério da morte de Cristo Arnaldo Niskier 44
Narrativa Um
Breno Casiuch, Rabino Dario E. Bialer, Germano Fraifeld, Jeanette Erlich, Marina Ventura Gottlieb, Mônica Herz, Paulo Geiger, Raphael Assayag, Raul Cesar Gottlieb, Ricardo Gorodovits, Rabino Sérgio Margulies.
REVISÃO DE MariangelaTEXTOSPaganini (Libra Edição de Textos)
Arnaldo Niskier, Christian Herrmann, Eduardo S. Klein, Edy Huberman, Rabina Elyse Goldstein, Rabino Dario Ezequiel Bialer, George Gabanyi, Paulo Geiger, Revital Poleg, Rabino Sérgio R. Margulies, Shlomo Zagman, Rabino Uri Lam.
Os critérios para grafar palavras em hebraico e transliterá-las para o português seguem as seguintes regras: (a) chet e chaf tornam-se ch; (b) tsadik é ts; (c) hei final acentua a vogal e desaparece; (d) kaf e kuf são k; (e) não usamos hífen ou apóstrofe em casos como ledor, em vez de le-dor, e beiachad, em vez de b’iachad e (f) palavras em hebraico de uso corrente na ARI não estão em itálico.
FOTOGRAFIA DE CAPA Christian ColaboraramHerrmannnestenúmero:
Os artigos assinados são de responsabilidade intelectual de seus autores e não representam necessariamente a opinião da revista Devarim ou da ARI.
Antissemitismo e a islamização na França Eduardo S. Klein 39
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devARIm [hebraico] Plural de davar, sm. 1 Coisas, todas as coisas, ou algumas coi sas, ou as que interessam. 2 Palavras, não só as palavras em si (seria então mi lim), mas os signos de coisas, ideias, conceitos, pensamentos. 3 O quinto e úl timo livro da Torá, sua recapitulação pós-mosaica, soma das palavras e das coi sas. 4 Revista da ari, onde as palavras recapitulam o judaísmo milenar em sua inserção planetária e contemporânea.
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Uma crônica do nosso tempo (para além de nosso tempo)
Convivendo com Shimon Peres Revital Poleg 21

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RABINOS DA ARI Sérgio R. Margulies, Dario E. Bialer
Revista Devarim Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro – ARI Ano 11, nº 31, dezembro de 2016
Jerusalém Rabino Dario E. Bialer 9
Rabino Sérgio R. Margulies 3
Ausente, presente. A herança judaica na Europa Oriental Christian Herrmann 14
EDIÇÃO DE ARTE
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Mussar: trabalhar a incompletude para o aperfeiçoamento George Gabanyi 30
Occupy world Paulo Geiger......................................................................................... 55
Reflito sobre a pergunta. O pensamento me transporta para um tempo pas sado, na verdade vários tempos passados. Será que um jovem que vivia na terra de Israel sob o jugo do sangrento Império Romano fez algum comentário sobre o quanto estranha era sua época? Ou um jovem que residia na Europa na Idade Média ameaçado pelas insanas cruzadas teria a capacidade de formular a indagação sobre as condições que enfrentava? Ou um jovem perseguido pelos pogroms no Império Czarista há pouco mais de um século se manifestaria sobre o que se passava? Ou o que diria o jovem que viveu logo após o fim deste impé

S
Numa manhã chega uma mensagem de um jovem: “Que tempo estra nho este que estamos vivendo. O que está acontecendo com o mundo?”
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 3
Situações que ocorrem em nossa cidade, em nosso estado, em nosso país, em outros países, com pessoas próximas e distantes, passam pela minha mente na tentativa de encontrar algum aspecto específico ao qual a pergunta se refere. São tantas situações que talvez se refira a todas. Bate um medo: “Será que acon teceu algo?” Imediatamente verifico as manchetes dos jornais a procura de al guma catástrofe. Respiro com alívio. Nada por aqui que pudesse ter ameaçado a integridade de alguém próximo, mas, por aí, atentados, manifestações, desa lento social e político. Nas palavras de Kohelet: “Nada de novo debaixo do sol”.
Rabino Sérgio R. Margulies
erá que nos tempos que se alternam há um tempo para constatarmos o quanto estranho são nossos tempos?***
UMA CRÔNICA DO NOSSO TEMPO
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Será que um jovem que vivia na terra de Israel sob o jugo do sangrento Império Romano fez algum comentário sobre o quanto estranha era sua época?
(Para além de nosso tempo)
“Há um tempo para chorar e outro para sorrir, um tempo para lamentar e ou tro para dançar, um tempo para manter silêncio e outro para se pronunciar.” (Tanach/Bíblia: Kohelet/Eclesiastes)
Respondi ao jovem: “De fato, o mundo está muito estra nho, é difícil entender o que está acontecendo, mas sua pergunta traz uma esperança sobre o que pode acontecer no futuro. Ao achar, no meu entender corretamente, que está tudo estranho você demonstra sua indignação. Isto é decisivo na construção de um futuro diferente do presen te que vivemos”.
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Algumas vozes se manifestaram, mas quantos jovens de tantas épocas e lugares que, mesmo cientes da sua si
tuação, sequer teriam a chance ou a cora gem de expressar a estranheza de seu tem po. Atualmente, pelo menos onde flores ce o pluralismo, os empecilhos diminuem ainda que possa permanecer a barreira da consciênciaQuantospessoal.denós – adultos e mesmo (ainda que menos) jovens – preferimos não nos incomodar com as questões do mundo que aparentemente não nos atin gem? Ou quantos simplesmente se resignam ao que acon tece, erguendo uma bolha de isolamento aos problemas que julgam erroneamente não serem seus?
rio o advento de uma revolução em que a promessa de um mundo mais justo trou xe a cruel realidade dos gulags (campos do sistema soviético)? E quanto ao jovem cuja normalidade era ser acusado, ora de capitalista, ora de comunista, mas sempre de judeu, o que diria sobre o seu tempo?
E pouco tempo depois mudando o rótulo, mas preservando a acusação, de sionista, constataria que estranho seria não haver a injúria que lhe nega a existência? E o jovem de um devastado Camboja nos anos setenta, ou de uma Etiópia e Somália, Ruanda e Sudão imersos em banhos de sangue ou de uma Síria dilacerada, teria a capacidade de expressar o quanto estranha é a situação que enfrenta ou acharia isto parte da normalidade que despreza a vida? Ou por aqui perto em que secas que se alastram por dé cadas à margem de mananciais de água, o que estes jo vens conseguem dizer?
* * *
Quantos de nós –adultos e mesmo jovens – preferimos não nos incomodar com as questões do mundo que aparentemente não nos atingem?

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Definitivamente, não foi estranha a atitude do jovem com seu ímpeto trans formador e questionador, afinal é um jo vem ativo num movimento juvenil comu nitário. De forma alguma isto significa que jovens não frequentadores ou parti cipantes de algum movimento juvenil co munitário não tenham igualmente o afã questionador e a ousadia de serem movi dos por sonhos, pois muitos acham outras legítimas referências. Tampouco isto sig nifica, de outro lado, que todos os jovens dos movimen tos se sintam instigados por questões deste tipo, mas gran de parte sim, pois os movimentos têm como linha de ação motivar e validar uma reflexão profunda sobre o mundo em que estamos inseridos. Estas reflexões ajudam a mol dar o caráter e a aguçar a capacidade de atuar no mundo através de valores.
Esta tranquilidade foi sacudida dias depois diante do
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Ao achar que está tudo estranho você demonstra sua indignação. Isto é decisivo na construção de um futuro diferente do presente que vivemos.
O mundo, de fato, está estranho. Estra nho porque as referências estão fluidas. Além das tecnologias que surgem a uma velocidade inacreditável provocarem a evaporação dos processos até então con siderados sólidos, o próprio sistema de va lores e referências perde o contorno até então estabelecido e se desintegra. Quando o sistema de referências dos valores judaicos se dissipa em meio à es tranheza do mundo, a existência judaica se assimila ao mundo. A identidade de quem afirma cate goricamente ‘sou judeu/judia’ não é necessariamente um anteparo à assimilação. A assimilação acontece se nosso sistema de valores e crenças copiar aquilo que o judaísmo nos convoca a perceber como estranho à vida. Assim, concluí ao jovem: “Sua perplexidade traz uma dose de tranquilidade quanto à preservação da prática judaica”.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 5
* *
Cabe a nós sermos parceiros uns dos outros neste processo. Nossa incumbência é compreender que o potencial de cons trução de um futuro diferente é o tempo judaico. Um tem po que vem acompanhado pela esperança. Nas palavras do filósofo Franz Rosenzweig (1886-1929), é ‘o tempo do ainda não’. É o tempo que não se resigna diante do que urge ser mudado e não se submete à inércia do nada fazer, é o tempo que vislumbra a renovação impulsionada pelo sabor do questionamento bem intencionado. O tempo ‘do ain da não’ anseia em tornar realidade os ideais, que através do tempo nos acompanham como povo. É o tempo em que mesmo se (ou quando) virarem realidade, os ideais serão novamente renovados pela instigante capacidade de cada geração de ver no tempo de hoje algo estranho e esquisito.
Há uma relação entre a percepção do mundo estranho de um jovem e a consta tação da esquisitice comunitária pelo ou tro jovem. Possivelmente, ao invés de exportarmos nossos valores comunitários de valorização dos vínculos, impor tamos os elementos de desagregação do mundo dilacerado.
No fundo, o tempo judaico é o de valorização do po tencial de realização criativa e se abre para a perspectiva contínua da esperança. Assim, elaboramos uma crônica de nosso tempo. Novas crônicas – cada geração compondo a sua – surgirão, pois novos cronos [personificação do tempo em grego] virão. Ainda bem!

Mas o que diria um jovem que viveu em 1772 na cidade de Vilna sobre a esquisitice comunitária ao ouvir o mani festo da liderança daquele lugar que caracterizou o movi mento chassídico como uma seita suspeita de costumes inaceitáveis que deveriam ser banidos? Ou que diria agora o jovem ao constatar que a postura de exceção de dois sé culos atrás é atualmente prática de vários grupos? Diria: ‘A comunidade está esquisita’. Tão esquisita quanto o mun do estranho. Esquisita porque permeável pela divisão en tre os que se intitulam autênticos e os rotulados como he reges. Esta postura é autofágica. Destrutiva. No instinto da sobrevivência espiritual e intelectual, um jovem, dian te desta esquisitice, pode pular fora do ambiente comuni tário. Porém, quando expressa sua inquietação está enfati zando sua vontade de ajudar a mudar o que julga ser errado. Então o que falar para este jovem?
– “Mas por que você acha que está es quisita?”, indaguei.
* * *
comentário de outro jovem: “A comunidade está bastante esquisita”.
Prosseguiria: o esquisito no judaísmo é justamente não ter cedido aos apelos das mentiras convencionais que nos con vidam para abandonar a riqueza da plura lidade. Esquisito no judaísmo é o fato de o judaísmo buscar ser estranho às men tiras convencionais e suas trágicas consequências. Esta esquisitice é bem-vin da. De outro lado, a esquisitice que co pia a estranheza do mundo causa espan to e estupor. Deste modo, para este jovem o agradecimen to: “Sua mensagem transmite a esperança de que, apesar dos tempos estranhos do mundo e dos tempos complica dos da comunidade, haverá um tempo futuro diferente que sua geração construirá”.*
Lembraria o líder sionista Max Nordau (1849-1923), que escreveu um livro intitulado As mentiras convencionais de nossa civilização, no qual alerta que “a par das grandes mentiras, quantas mentirinhas penetram e envolvem nossa vida inteira!” Seguiria citando o Rabino Arthur Hertzberg (1921-2006): “O povo judeu nunca foi monolítico [...] as tradições do judaísmo não são domínio [exclusivo]; per tencem a todos os judeus”. Assim, negar a pluralidade ju daica seria permitir uma mentirinha envolver nossa vida.
– “Uns contra os outros. Ataque feroz às ideias diferentes. Não é o que aprendi como sendo a atitude judaica certa”.
Sérgio R. Margulies é rabino e serve à Associação Religiosa Israe lita do Rio de Janeiro-ARI.
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O esquisito no judaísmo é justamente não ter cedido aos apelos das mentiras convencionais que nos convidam para abandonar a riqueza da pluralidade.
Eles deixaram um Legado Você também pode estar sempre em Israel deixando um legado ao Fundo Comunitário do Rio de Janeiro e você?




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JERUSALÉM
O que distinguiu os judeus das seuscommassuasmilênios,quaismuçulmanas,majoritárias,comunidadescristãsenomeiodasviverampordoisnãoforamapenascrençasreligiosas,tambémaconexãoadistanteterradeantepassados.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 9
Rabino Dario E. Bialer
“Se me esquecer de ti, ó Jerusalém, Que a minha destra perca a sua destreza.”
Dessa forma, Israel ocupa um lugar simbólico absolutamente central e de cisivo, seja durante o período do Templo, quando o povo peregrinava anual mente a Jerusalém, como nos quase 19 séculos de exílio, no qual pisar o solo da terra de Israel era uma quimera.
Através de sua história o povo judeu tem representado uma fusão única en tre religião e nacionalidade, sendo que as narrativas fixadas na memória coleti va judaica constituem a sua identidade.
esquecimento e a lembrança jogam papéis fundamentais em qualquer cultura e, ainda mais, no judaísmo, a cultura com a memória mais longeva do planeta. Todos os poderosos impérios da Antiguidade que conviveram com os judeus se foram há muito tempo.
Salmo 137
O
Recentemente a Unesco aprovou, mediante uma votação que incluiu o voto favorável do Brasil, uma resolução que indiretamente rejeita o vínculo dos ju deus com seus lugares santos em Jerusalém, Hebron e Belém. A resolução no meia estes locais com seus nomes em árabe e não pelos seus nomes originais em hebraico. Ao fazer isto, ela sugere que o Templo de Jerusalém nunca exis tiu, pois deixa de considerar que estes locais são sagrados para os muçulmanos apenas porque já eram sagrados para os judeus antes do Islã ter sido formulado.
Ninguém pode ter dúvidas sobre a profundidade e a intensidade dos laços entre o povo judeu e a Terra de Israel.
Não fossem fortes esses laços e não havendo os judeus considerado a Ter ra de Israel como seu lugar no mundo, tanto em relação a seu passado como a
Foram os rabinos que, a partir da destruição do se gundo Templo e do exílio, mantiveram a memória de Je rusalém viva: “No ano que vem em Jerusalém”, que recitamos em cada seder de Pessach, “será reconstruída Je rusalém, a cidade sagrada, prontamente em nossos dias”, que faz parte das preces diárias, bem como rogar a Deus

10 | devarim | Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI
Foi declarado: “No dia em que o Templo foi destruído nasceu o Messias”. Destruição e redenção unidos na me
seu futuro, o judaísmo teria se transformado em uma simples comunidade religiosa, perdendo seus elementos étni cos e Onacionais.quedistinguiu os judeus das comunidades majori tárias, cristãs e muçulmanas, no meio das quais viveram por dois milênios, não foram apenas suas crenças religio sas, mas também a conexão com a distante terra de seus antepassados.Semprehouve uma comunidade, ainda que pequena, vivendo na terra prometida e sempre houve judeus que chegavam para viver e morrer lá.
mória coletiva de um povo que não esqueceu jamais o ca minho de regresso à casa. Por isso o poeta afirma que a Je rusalém não se vai, a Jerusalém se volta.1
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Não houve um só dia durante os milênios de exílio que os judeus não tenham rezado olhando em direção a Jerusa lém, ansiando por regressar. Essa é a memória de um povo que fisicamente podia estar distante, mas espiritualmente estava presente.
Não se pode legitimar esse vínculo exclusivamente com o auxílio da história. É conveniente um distanciamento histórico, pois “a historiografia enquanto tal teve, na me lhor das hipóteses, um papel secundário entre os judeus; na maioria das vezes não teve qualquer papel; e, ao mes mo tempo em que a memória do passado foi sempre um componente central da experiência judaica, o historiador não foi seu principal guardião”.2 Ou como dizia Amichai, não somos um povo arqueológico.
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Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 11
Ao conquistar Jerusalém, o Rei David leva a arca para lá e a torna fixa. Algo que não estava previsto na Torá, mas que era importante para o projeto político de unificar as tribos num reino.
[Deus disse]: “Do dia em que tirei Meu povo Israel do Egito Eu não escolhi uma cidade entre as das tribos de Israel
Todos os mandamentos e todas as ordens de “lembrar” e “não esquecer” que foram dirigidos ao povo judeu não teriam tido nenhum efeito se os ritos e relatos históricos não se tivessem convertido no cânone da Torá – que sig nifica literalmente “ensinamento” no sentido mais amplo do termo – e se, por sua vez, a Torá não tivesse se reno vado continuadamente como tradição, isto é, como uma construção
Jerusalém é fruto do compromisso dos homens, que
A centralização do culto sacrificial em Jerusalém não se encontra na Torá – muito ao contrário. A Torá distribui os levitas e cohanim entre todas as tribos, permitindo a inde pendência de cada tribo na realização do ritual sacrificial.
durante milhares de gerações nunca a es queceram, mesmo sem jamais tê-la visto.
Jerusalém é fruto do compromisso dos homens, que durante milhares de gerações nunca a esqueceram, mesmo sem jamais tê-la visto.
Existe uma busca incansável no judaísmo pela memória. O imperativo de lembrar aparece 169 vezes na Bíblia, quase sempre se refe rindo a Deus e à Terra de Israel.
que cubra com seu manto de paz a todo o povo de Israel (onde quiser que este ja disperso pelo mundo) e especialmen te sobre Jerusalém.

O Rei David ansiava unificar as tri bos e escolheu uma cidade não domina da pelos hebreus, convenientemente loca lizada aproximadamente na fronteira en tre as tribos do sul e as do norte, para ser a sua capital. Uma capital que pertenceria a todos, porque antes de ser capital não pertencia a ninguém.
Salomão sabe muito bem que está mudando os ditames da Torá (como quase todas as demais personagens proe minentes do judaísmo ele era um reformador), tanto que é isto que ele diz na inauguração do Templo:
História e memória
Jerusalémhumana.nãoéimportante para os judeus por ser uma promessa de Deus, e as poucas menções que a Torá faz a Jerusalém são indiretas.
A arca sagrada – a única materialização da presença divina ainda existente no judaísmo – era um objeto móvel com o potencial de migrar de tribo em tribo.
Seu filho, Salomão, avança mais um passo, construin do um Templo que não era prescrito pela Torá, visto que ela previa a descentralização do culto.
Ou seja, Salomão sabe que não está cumprindo uma ordem divina, que não está fazendo nenhuma mitsvá pre vista pela Torá. E ele faz uma observação ousada: foi Deus quem escolheu o Rei David para reinar sobre os hebreus. Ele pode fazer esta observação porque foi o profeta Sa muel, uma pessoa que supostamente agia em nome de Deus, quem ungiu a David. Contudo, a mensagem é ou sada pela relutância de Samuel em criar o reinado em Is rael. O texto de Samuel I deixa claro que ele só cedeu por que foi pressionado por pessoas de carne e osso e não por ordem divina. Salomão continua assim:
É assim que o Rei Salomão apresenta a construção de um edifício sagrado que centralizaria o culto: Deus esco lheu David como rei, David queria construir um Templo e Deus concordou com a vontade de David, com a ressal va que seria o filho dele a construir. Ora, como sabemos
Estava no coração do meu pai construir um Templo Mas o Eterno disse ao meu pai David: “Fizeste bem em ter isto no coração Entretanto, você não construirá o Templo, Será teu filho quem construirá o Templo para o Meu nome”.
Habitará verdadeiramente Deus na terra? Vejam! Os céus e as alturas não podem Te conter Assim que certamente também não este Templo que construí!3
que Deus não falava com David (que não era um profeta), fica claro que o raciocínio de Salomão é utilitário, político e um tanto ousado. Não é descabido imaginar que algu mas pessoas tradicionalistas tenham resmungado um bo cado com a inovação do jovem rei, visto que Jerusalém foi inicialmente fruto de uma necessidade política e não espi ritual. Reconhecendo isto e talvez acalmando os resmun gos, o Rei Salomão questiona:
Significando que Deus existe independentemente de Jerusalém e de seu Templo e que Deus não habita no Tem plo, visto não precisar de moradia terrena. Assim como Je rusalém, o Templo é uma necessidade política de uma fe deração de tribos que estava mudando o sistema para um estado

Desdeunificado.suainauguração no século X ao século VII aec, o Templo de Jerusalém não era um lugar exclusivo de culto, mas somente um dos muitos templos dedicados ao Deus de Israel (“competindo”, por exemplo, com os templos de Betel e Dan no reino do norte de Israel, veja em Reis I 12:26-33), como havia sido a tradição desde tempos ime moriais (Gênesis 12:6-9, 28:10-22).
Para construir um Templo onde Meu nome existiria, Mas eu escolhi David para reinar sobre o povo de Israel”.
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12 | devarim | Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI
Dario E. Bialer é rabino e serve à Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro-ARI.
2. Yerushalmi, Chaim Josef, Zakhor, Imago, 1992.
Laicos e religiosos, judeus, cristãos e muçulmanos, todos têm sua história na cidade mais adorada do planeta. Qualquer tentativa de espoliação de nossa memória a esse tentativacorresponderespeitoaumadeassassinatodesuaalmasagradaqueclamaconformeanunciavaoprofeta:“PorqueaMinhacasaserácasadeoraçãoparatodosospovos”.
Notas
1. Itzchok Ianasovich, A Jerusalém.
Apenas séculos mais tarde, como resultado da destruição do reino do norte pelos assírios e sob a inspiração da teolo gia exposta no livro de Deuteronômio, o rei Josias de Judá (640-609 aec) empreen deu uma reforma revolucionária religiosa (tentada sem sucesso anos antes por seu avô Ezequias [716-687 aec]), com o ob jetivo de converter o Templo de Jerusalém no único lugar legítimo de culto ao Deus de Israel. Esta revolução religiosa de cen tralização do culto transformou o Templo de Jerusalém no foco primordial e exclusi vo da identidade religiosa de Israel.
A destruição do Templo não representou apenas a des truição de um edifício, mas também o colapso de uma fé que tinha sido estabelecida por centenas de anos.
Foi assim que Jerusalém e o Templo se tornaram uma realidade, tanto material como espiritual. O movimento começou pelo desejo do povo de unificação das tri bos e que políticos hábeis identificaram e concretizaram.Comotempo, o Templo de Jerusa lém, em toda a sua beleza e esplendor, passou a ser entendido como a expressão metafórica-vi sual da presença física da divindade na terra, imortalizando com a sua arquitetura o momento inicial no qual o Deus de Israel tinha se revelado no Monte Sinai. Na verdade, como outros templos existentes em todo o antigo Orien te Próximo, o Templo de Jerusalém foi literalmente visto por muitos como a Casa de Deus.
Laicos e religiosos, judeus, cristãos e muçulmanos, al guns mais e outros menos, todos têm sua história na ci dade mais adorada do planeta. Qualquer tentativa de es poliação de nossa memória a seu respeito corresponde a nada mais nada menos que uma tentativa de assassinato de sua alma sagrada que clama conforme anunciava o pro feta: “Porque a Minha casa será [algum dia] casa de oração para todos os povos”.
A reverência às imagens sagradas, ob jetos e lugares sagrados não é apenas ine rente à maioria das religiões, mas também foi preservada por homens de todas as épocas, de todas as nações, piedosos ou supersticiosos e até mesmo antirreligio sos. Todos rendem homenagens às ban deiras, aos santuários nacionais e aos mo numentos erigidos para reis e heróis. Em todas as partes a profanação dos santuá rios sagrados é considerada um sacrilégio, e tal é a importância destes altares que o seu simbolismo pode ser esquecido, mas ele não perde a relevância. O memorial torna-se uma ajuda à amnésia; os meios deformam os fins. As coisas espaciais estão à mercê do ho mem e, apesar de a considerarmos sagradas demais para serem profanadas, elas não estão lá para serem exploradas. Modelamos a imagem de Deus para perpetuar a Sua pre sença e reter o sagrado, embora um deus que pode ser mo delado, um deus que pode ser confinado, não é nada senão a sombra do homem.4
rael para sempre”. (uma nota – estas pe dras não existem mais, este monumento se perdeu no tempo).
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 13
Fica a pergunta: por que precisamos materializar a es piritualidade da religião? Para que servem os objetos sa grados? Por que precisamos de uma cidade sagrada, ou de monumentos sagrados?
É difícil para a mente abraçar uma ideia sem a ajuda da imaginação e é no reino do espaço onde a imaginação se ma nifesta seu poder.
Talvez a resposta se encontre no livro de Josué, capítulo 4, quando os hebreus se preparam para atravessar o Jordão:
“Passai na frente da Arca do Eterno, no meio do Jordão e levantai cada um de vós uma pedra sobre o seu ombro … para que estas pedras sejam um monumento e quan do, no futuro, seus filhos perguntarem: qual o significa do destas pedras? Vocês lhes dirão: [elas significam] que as águas do Jordão se separaram diante da Arca do Eterno … e estas pedras servirão de lembrança aos filhos de Is
3. Os trechos da Bíblia se encontram no capítulo 8 do livro de Reis I.
4. Heschell, A. J., El Shabat, Ediciones Seminario Rabinico Latinoamericano, Buenos Aires, 1969.
No antigo bairro judeu de Cracóvia, Kazimierz, travei meu primeiro contato com os judeus da Europa Oriental. Para minha surpresa, percebi que não sabia nada a respei to, nem da dimensão da população judaica antes do Ho locausto, nem da sua diversidade intelectual e espiritual.
o início dos anos 1990 fui convidado a partici par de um seminário de verão perto de Cracó via, na Polônia. Gostei da cidade desde o pri meiro momento e logo quis saber mais sobre a Europa Oriental. Naquela época já se podia viajar para todos aqueles lugares que haviam ficado escondidos atrás da Cortina de Ferro, mas quase ninguém o fazia. Mesmo assim eu decidi ir.
Movido por esta curiosidade comecei a viajar pela Polô
Nasci e cresci na Alemanha e em minha geração (anos 1960-1970) o Holocausto era tratado com grande cuida do nas escolas. As aulas de história focavam na análise da questão de como uma nação aparentemente civilizada se transformou numa gangue de assassinos. A questão é até certo ponto bem intencionada porque tenta imunizar as pessoas contra uma repetição da história. Mas o efeito co lateral deste foco é que acabamos não sabendo nada sobre as pessoas que foram exterminadas. É assustador perce ber o quanto a destruição foi consistente e bem sucedida.
N
AUSENTE, PRESENTE
14 | devarim | Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI
A Herança Judaica na Europa Oriental
Muitas vezes me perguntam por que faço o que faço. A resposta é que, a meu ver, seria uma grande conquista se mais pessoas reconhecessem o judaísmo como uma in fluência formativa em nossa cultura europeia comum e que a herança judaica da Europa Oriental é uma contribuição importante para ela. O que constitui a Europa hoje é uma mistura de racionalismo grego e valores judaicos. Pode-se dizer que nossa mente é grega e nosso coração judeu.
nia, pelos Estados Bálticos, pela Rússia, Moldávia e Ucrâ nia. Logo senti que apenas ver e viajar não seria suficiente. Era necessário compartilhar minhas experiências com ou tras pessoas e deixá-las participar. Então comecei a tirar fo tos. “Comecei” não é bem o termo. Na realidade, lembrei do que aprendi sobre fotografia quando estudei design, e desencavei do fundo do baú a minha antiga câmera foto gráfica analógica. Essa necessidade de compartilhamento motivou a criação do blog Vanished World (https://vani shedworld.wordpress.com), no qual eu passei a divulgar as imagens que tirava, assim como textos contendo minhas reflexões sobre o contexto das viagens.
Christian Herrmann
Pertenço a uma geração cujas fotos de infância são principalmente em preto e branco. Por isso associo fotos em preto e branco com memórias e lembrar e fazer lem brar é uma grande preocupação em meus trabalhos foto
O que constitui a Europa hoje é uma mistura de racionalismo grego e valores judaicos. Pode-se dizer que nossa mente é grega e nosso coração judeu.
Tendemos naturalmente a procurar lugares onde haja vestígios do passado tais como sinagogas, cemitérios, mu rais. Mas isso abrange apenas uma pequena parte do que uma vez Comoexistiu.lidar com a ausência de pessoas ou com luga res que foram inteiramente destruídos? Por exemplo, Trochenbrod, também conhecido como Trachimbrod ou So phiovka, é um desses lugares. Não resta nada desta cidade nem de todos os judeus e de seus 6.500 habitantes. Apenas dois monumentos indicam onde existiu uma vez uma cidade. Um caminho, apenas acessível a veículos de tração animal, é o que resta da antiga estrada principal. Todo o resto continua a existir apenas na mente e nas memórias das pessoas. Como fixar isso com uma câmera?

Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 15
O invisível
Creio que todos os fotógrafos que lidam com um as sunto semelhante se deparam inevitavelmente com o mes mo dilema: como fotografar o invisível?
Trochenbrod, também conhecido como Trachimbrod ou Sophiovka.
Meu interesse pela fotografia colorida aumentou quan do entendi que ela melhor exprime a realidade. As sinago gas são parte do espaço urbano presente, assim como um vestígio de uma mezuzá, ou animais pastando em antigos cemitérios. Mas também a ausência faz parte do presen te: os cemitérios tornaram-se mercados e cidades inteiras desapareceram.Estouneste momento montando uma nova exposição, a primeira com fotos coloridas, simbolizando a percepção que os vestígios da vida judaica na Europa Oriental não pertencem apenas ao passado. Nesta oportunidade gosta ria de compartilhar algumas reflexões sobre os temas abor dados na nova exposição.
gráficos. Minhas primeiras exposições consistiram exclu sivamente em fotos analógicas em preto e branco. Ape nas mais tarde compreendi que os lugares que visitei não têm apenas um passado, mas também um presente e fa zem parte de paisagens contemporâneas. Pertencem ao dia a dia das pessoas, tanto dos judeus quanto dos não judeus.
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A partir do verão de 1941, os alemães construíram a “Durchgangsstraße IV” (estrada de trânsito IV), uma es trada de mais de 2.000 quilômetros de extensão de Vinnyt sia, na Ucrânia, ao Cáucaso. Os soldados, as armas e a mu nição iam de oeste para leste, enquanto o grão ucraniano transitava de leste a oeste, chegando ao Reich. A estrada foi construída principalmente por trabalhadores forçados – prisioneiros de guerra soviéticos e judeus. A maioria deles não sobreviveu. Foram baleados no final das obras, ou morreram de tifo ou maus-tratos. Ao longo da “Durch gangsstraße IV” havia uma cadeia de campos de concen tração para os trabalhadores forçados, um deles localizado na aldeia de Mykhailivka.
Se quisermos contar como viveram os judeus da Eu ropa Oriental, quais traços permaneceram e por que es ses vestígios estão no estado em que estão, necessariamen te precisamos contar como os judeus foram assassinados.
À esquerda, Mykhailivka; à direita, Busk.
Outro exemplo pode ser encontrado na cidade galicia na de Busk, na Ucrânia. Clareiras na vegetação são visíveis entre a colina onde se localiza o cemitério judaico e uma ravina nas proximidades. Elas indicam sepulturas em mas sa. Yahad In Unum, uma fundação para a localização de túmulos coletivos de vítimas do Holocausto (http://www. yahadinunum.org), investigou o local em 2006 e encon trou vestígios de 15 locais de execução.
O Holocausto e sua representação em imagens
Os fuzilamentos em massa pertencem a uma parte da história do Holocausto hoje largamente ignorada. O Ho locausto remete principalmente aos campos de concen tração, o que subentende uma morada temporária. Mas a maioria das vítimas nunca viu um campo por dentro. Ninguém ficou em Belzec ou Sobibor, pois as pessoas eram assassinadas na chegada. Muitos foram mortos no que é chamado de “o Holocausto por balas”: foram abatidos por esquadrões de matança móveis ao lado de suas cidades de
É um abismo para o qual ninguém gosta de olhar e que já está impresso em nossa memória coletiva por imagens icônicas, como o portão de Auschwitz. Imagens que mais obscurecem do que explicam, enquanto o passado se desvanece no nevoeiro da história e se reduz a clichês.

Uma possível resposta para isto são os desconhecidos locais de assassinato em massa, as valas de execução e a densa rede de campos e subcampos em toda a Europa, que não têm lugar na memória coletiva. Um exemplo é My khailivka, campo de concentração em Podolia, Ucrânia.
Em Mykhailivka edifícios desse campo ainda existem. Faziam parte de uma fazenda coletiva antes da guerra e fo ram usados pela mesma fazenda depois da guerra. Atual mente estão vazios e abandonados. Não há nada que assi nale o local de covas comuns nem qualquer outra coisa que recorde a história do lugar. Contudo, uma ou mais covas devem estar em algum lugar no território do antigo local de acampamento, desmarcadas e anônimas.
Diferentementeorigem. dos campos, não há sobreviventes que possam contar a história destes massacres. Igualmente, as imagens não revelam o que aconteceu.

Só a Ucrânia calculou em aproximadamente 2.000 as ex-sinagogas e casas de oração (e talvez sejam muitas mais). Como fazer uso adequado e digno desses edifícios? Até que não haja resposta, eles devem permanecer como cinemas, lojas, oficinas ou arquivos. Pelo menos isso ajuda a preser var os edifícios até que um propósito melhor seja encon trado. Em alguns lugares as consequências do abandono são visíveis: o edifício é dilapidado em poucos anos e per dido para sempre.
Locais de peregrinação
Uso e mau uso
Outra lição de minhas andanças é a destruição após a guerra da herança judaica. O cemitério judaico de Brodno, em Varsóvia, na Polônia, é um exemplo marcante. Milha res de lápides foram retiradas e empilhadas no centro do cemitério para transformá-lo num parque público, sendo que algumas foram doadas como material de construção. De uns anos para cá estas lápides usadas em construção es tão sendo removidas e devolvidas. Devolvidas para quê? É impossível remontar esse quebra-cabeça.


Nem a Europa Oriental está judenrein (sem população judaica) nem há falta de visitantes judeus. Alguns vêm para explorar suas raízes familiares, outros para orar nos túmu los de rabinos famosos.
As sinagogas de Lutsk, em Volhynia, e a de Horodenka, na Ucrânia, servem hoje para esportes, enquanto um car taz em uma antiga sinagoga em Câmpulung Moldovenesc, no sul da Bucovina, na Romênia, diz “Club Restaurant”. Estruturas modernas foram adicionadas, nem sempre da melhor forma. Foi prática comum em muitos estados co munistas transformar lugares de culto em instalações seculares como cinemas, lojas, oficinas ou arquivos. Não só as sinagogas, mas também as igrejas sofreram o mesmo des tino. Quando o comunismo desmoronou e as comunidades religiosas puderam reivindicar sua antiga propriedade, em muitos lugares não havia nenhuma comunidade judai ca para fazê-lo ou a comunidade não tinha recursos para renovar e manter o edifício. O uso/mau uso das antigas si nagogas continua até os dias atuais.
Conclusão
Destruição pós-guerra
O túmulo do Baal Shem Tov – fundador do Chassi dismo – em Medzhybizh e uma sala de oração improvisa da numa antiga cervejaria em Bratslav, onde o rabino Na chman – uma das mais destacadas personalidades do Chas sidismo – supostamente pregava, representam este aspecto.
Como lidar com a herança judaica remanescente na Europa Oriental é um tema controverso. Linhas de con fronto se desenvolvem ao longo das fronteiras entre o ju daísmo secular e o religioso, passam pelos interesses co merciais das administrações municipais, crescem a partir
À esquerda, Cemitério de Brodno, Varsóvia; à direita, Sinagoga de Horodenka.
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Traduzido do inglês por Daniel Kovarsky
Christian Herrmann estudou design e trabalha como relações pú blicas para uma organização sem fins lucrativos em Bonn. Desde fevereiro de 2013 ele produz e mantém o blog “Vanished World”.
Este texto foi compilado por Devarim a partir de uma publica ção do blog e de um texto especialmente escrito por ele para a re vista. As imagens aqui publicadas foram autorizadas pelo autor. Elas constituem um pequeno subconjunto de sua nova exposição. Enco rajamos os interessados a visitar seu blog.
À esquerda, Sinagoga “Golden Rose”; à direita, Meylakh Sheykhet.
Um exemplo desta controvérsia é a sinagoga “Golden Rose”, a mais antiga relíquia ainda visível de uma sinago ga na Ucrânia. Em 1582 foi construída de acordo com os planos do arquiteto Paolo Romano. Em 1941 foi explo dida pelos ocupantes alemães. Ela simboliza o destino dos 150.000 judeus de Lviv, dos quais apenas algumas cente nas sobreviveram. No verão de 2016 o “Espaço das Sinagogas”, um memorial único na Ucrânia, foi inaugurado na “Golden MeylakhRose”.Sheykhet é um dos últimos judeus chassídicos de Lviv. Há muitos anos ele se compromete com a preservação dos cemitérios judaicos e dos túmulos de rabinos famosos. Em uma casa diretamente adjacente ao
À esquerda, Sinagoga de Lutsk, em Volhynia; à direita, túmulo do Baal Shem Tov, em Medzhybizh.




das expectativas de reconhecimento público pelas comuni dades judaicas, se confundem entre as diferenças das nar rativas locais e internacionais e também entre as diversas culturas de comemoração.
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“Golden Rose” ele criou um escritório e uma sala de oração. Por muitos anos ele luta contra novo memorial. O que para alguns é um necessário reconhecimento da presença judaica na cidade, é para ele uma profanação. Ele pretende reconstruir a “Golden Rose” e rededicá-la como sinagoga.
CHAG SAMEACH
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Até esse momento, ainda não revelei nada de novo. Mas é aqui que eu gosta ria de dedicar algumas palavras sobre minha experiência especial e pessoal com ele, tendo sido sua assistente durante sete anos incríveis, a partir de 1993. É nes te contexto que desejo falar sobre o homem por trás dos bastidores, e a combi nação singular que ele representava: de ser permanentemente mais de uma coi sa ao mesmo tempo. Esta combinação não foi sempre simples de digerir pelas pessoas circunvizinhas, e nem sempre fez sua própria vida fácil, mas certamen te é uma das suas virtudes inigualáveis, que o tornou uma das personalidades mais marcantes de sua época.
Shimon Peres sempre examinou as coisas a partir de vários pontos de vista. Ele nunca parou, sempre procurou novos caminhos, novas soluções e ideias criativas para ultrapassar os desafios, tanto os conceituais como os práticos.
M
uito foi dito sobre Shimon Peres, e muito mais ainda há por dizer e para ser contado. Isto é próprio e natural e acredito que seja mesmo necessário. Por mais de 70 anos o homem foi umas das figuras gigantes da nossa época e parte integrante de Israel, do povo judeu e da história da humanidade, tendo sido ativo até o último dia de sua vida. Muitos de nós – em tantos lugares – seja em Israel ou em qualquer outra parte do mundo, em diversas ocasiões, e inumeráveis circunstâncias e oportunidades, históricas ou mesmo aquelas rotineiras ou acidentais, tivemos, afortunadamente, a nossa “cota” com ele; alguns mais de perto e outros mais remotamente. Peres fez parte da vida de todos nós e, acredito, também perma necerá parte do nosso futuro.
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Página anterior: Centro Peres pela Paz, em Tel Aviv.
E por que me refiro a isso como parte de sua grandeza? Porque quando você está estabelecendo passos importantes, passos que transformam a realidade e
Revital Poleg
CONVIVENDO COM SHIMON PERES
não menos importante, o toque humano que faz uma grande diferença. Seja o seu comportamento paterno com o seu pes soal, fornecendo conselhos para uma vida saudável (“Você deve beber suco de limão fresco todas as manhãs! É bom para sua saúde”, o que faço … até hoje), seja pela confiança e o respeito por todos nós que ele sempre demonstrava, pedindo ideias sobre questões específicas, ouvindo com atenção e sempre incluindo o elemento relevante no seu discurso, ou mesmo o seu cuidado para com as nossas famílias, principalmente as crianças, ou os livros que ele nos sugeria, considerando-os uma fonte de inspiração. Este foi um pouco do lado íntimo de Shimon Peres que eu conheci.
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Minhas palavras não podem ser concluídas sem me relacionar, neste contexto, também ao processo de Paz, quando passei a maior parte do meu tempo com ele. O processo foi polêmico e controverso desde o início, e cau sou dentro de Israel uma disputa política enorme, às vezes cheia de cargas de ódio e incitamentos, que ainda não aca bou. Peres (junto com Rabin) não eram surdos às vozes ao seu redor – aquelas a favor do processo e aquelas contra. Nos bastidores houveram muitos momentos difíceis que eles enfrentaram debatendo as questões como israelenses, como judeus, como seres humanos e, é claro, como líde res. Como já mencionei, Peres sempre examinou as coisas a partir de vários pontos de vista. Ele nunca parou, sempre procurou novos caminhos, novas soluções e ideias criativas
nou o Centro Peres pela Paz. Durante este período visitamos o Brasil (1998).
Reprodução/internet
Peres me recebeu com a sua simpatia natural e enfoque prático, e introduziu os dois projetos que ele queria que coordenasse como parte do seu esquema dos “Quatro pilares do processo de Paz”: Tecnologia na Educação e Diálogo Inter-religioso (os dois primeiros eram – obviamente – o pilar Político e de Segu rança, e o Econômico e Social).

Demorou menos de 30 segundos para ele aliviar a mi nha tensão e menos de 30 segundos para eu perceber que a partir daquele momento eu estava em um ponto dife rente da minha vida. Eu adquiri asas para voar alto e Peres foi a pessoa que me concedeu essas asas. De fato, um momento inesquecível, um marco na minha vida! E o resto é realmente ... história.
peito aos outros, e esta é uma lição muito valiosa que eu aprendi com ele.
que moldam o futuro, como ele fazia repetidamente, você deve ser capaz de con siderar – como eu aprendi com ele – mais do que apenas um ângulo, mais do que apenas um ponto de vista. Você deve con seguir pensar ao revés, e não ficar preso à sua própria ideia, você precisa conside rar crenças que são contrárias à sua, para examinar cuidadosamente a questão em jogo, e só depois tomar decisões. Isso não é meramente uma abordagem estratégi ca, mas também um enfoque que contém uma grande dose de humildade e de res
Sendo atualmente a RepresentanteGeral da Agência Judaica no Brasil, ainda tenho muitas boas memórias daque la incrível viagem. Por trás dos bastido res, as coisas parecem diferentes do que tendem a aparecer na mídia e nos está gios políticos. Você consegue compreen der aquela pessoa e o conjunto de valores em que ela acredita, que constituem o seu norte e sua coluna de fogo. Isso se refle te naturalmente, no próprio trabalho diá rio, mas não só isto. Tem outra dimensão, Processo de paz, Peres dizia, é feito entre inimigos. Parece óbvio mas não é tão simples como parece. A resposta chega de uma forte crença de que a Paz é melhor do que a Guerra. Esta foi a crença de Shimon Peres, e esta noção prevaleceu em todo o seu ser.
Aconteceu durante as primeiras fases do processo de Oslo, em 1993, enquan to eu era uma jovem diplomata do Mi nistério de Relações Exteriores de Israel. Eu tinha acabado de voltar com minha família de missão no exterior, no Equa dor, e fui designada conselheira do Di retor-Geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Uri Savir, princi pal negociador do processo de paz. “Pe res deseja falar com você”, disse Uri um dia e eu, é claro, fiquei bem animada e um tanto nervosa…
Quando perdeu as eleições de maio de 1996, ele me convidou para me juntar a uma equipe bastante reduzida e próxima a ele em seu novo empreendimento, que se tor
Livros recomendados pela autora
Processo de paz, ele dizia, é feito en tre inimigos. Parece óbvio mas não é tão simples como parece. É difícil! Sim, então como fazê-lo? A resposta não é simples, sem dúvida, a figura do líder tem um im pacto grande, mas isso não é tudo. A res posta tem que chegar de dentro, de uma convicção genuína, sabendo que a Paz é a direção certa! Sem sempre saber como, sem sempre ter respostas, sem sempre en tender como se pode superar as crises (e havia muitas), ou resolver as divergências, as dificuldades (e havia muitas…). A resposta chega de uma forte crença de que a Paz é melhor do que a Guerra. Esta foi a crença de Shimon Peres, e esta noção prevaleceu em todo o seu ser.
Peres era um sonhador e a pessoa mais visionária, po rém ao mesmo tempo era a pessoa mais pragmática e con creta. Era o grande crente em Paz, que nunca parou de cui dar pela segurança e pelo fortalecimento de Israel. Ele era um intelectual e um “connoisseur”, e ao mesmo tempo era curioso como uma criança para a qual as invenções, inovações e novas tecnologias iluminavam os olhos. Ele era um estadista sábio e experiente que viu muito mais longe e mais profundo do que qualquer outra pessoa e, ao mes mo tempo, era uma pessoa calorosa, apaixonada, cheia de alma, judeu, israelense e homem do mundo.




Sim, eu tive a sorte! Ele foi, e sem pre continuará a ser, o meu herói pessoal, meu mentor profissional, e meu mode lo de vida.
Revital Poleg é israelense, arquiteta pelo Technion, Haifa, com mes trado em Ciências Sociais e Humanas pela Universidade Hebraica, Jerusalém, e doutorado em Administração de Empresas pela Univer sidade de Tel Aviv. Foi Chefe de Gabinete e consultora para Assun tos Internacionais do presidente da Knesset Avrum Burg. Serviu no Ministério do Exterior de Israel como diplomata com missões no ex terior e em Israel. Foi co-fundadora e membro da diretoria do Cen tro Shimon Peres para a Paz até o ano 2000. Desde maio de 2013 é a representante-geral da Agência Judaica no Brasil. Revital é filha de pioneiros da Romênia (pai) e do Chile (mãe), casada com Amat zia e mãe de Maayan e Yuval.
para ultrapassar os desafios, tanto os con ceituais como os práticos.
Ele era um estadista sábio e experiente que viu muito mais longe e mais profundo do que qualquer outra pessoa e, ao mesmo tempo, era uma pessoa calorosa, apaixonada, cheia de alma, judeu, israelense e homem do mundo.
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Uma lista bastante parcial, visto ser o assunto muito documentado, mas que inclui diversos pontos de vis ta sobre o Acordo de Oslo e sobre o conflito em geral, além de uma visão global que ela julga muito ilumi nada (Huntington).
The Process: 1,100 Days that Changed the Middle East, de Uri Savir | The Missing Peace: The Inside Story of the Fight for Middle East Peace, de Deniss Ross | The Mor ning After, de Edward Said | Clash of Civilizations, de Samuel P. Huntington | My promised land, de Ari Shavit | Intimate Ene mies – Jews and Arabs in a Shared Land, de Meron Benvenisti | Scars of War, Wounds of Peace: The Israeli-Arab Tragedy, de Shlomo Ben-Ami | One State, Two States: Resolving the Israel/Palestine Conflict, de Benny Morris.
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Shlomo Zagman
Já em 1951 o Estado de Israel marcou o dia 27 de Nissan como dia nacio nal da memória pela Shoá. Essa data cai entre Pessach e o dia nacional da me mória pelos mortos em guerras e ataques terroristas, que antecede o dia da in dependência do Estado, formando eventualmente no calendário uma versão is raelense moderna de “Iamim Noraim” nacionais.
Acompanhados por seus professores, guias especializados e sobreviventes da Shoá, é esperado que os jovens passem uma experiência emocionante forte o su
EDUCAÇÃO
DOSTOLERÂNCIAPARAATRAVÉSESTUDOSDASHOÁ
Se as viagens à Polônia fossem milEuropaconvivênciadabalanceadodeveriaàdestinadasrealmenteparaeducaçãotolerância,seuformatosermuitomaisentreaparteShoáeapartedajudaicanadurantecercadeanosdealtosebaixos.
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Todas as delegações realizam várias cerimônias durante a jornada. Mas o clí max anual dessa atividade ocorre no dia nacional da memória da Shoá, quan do a televisão e o rádio israelenses transmitem ao vivo da Polônia a Marcha da Vida de Auschwitz até Birkenau, onde é realizada a cerimônia central de me mória da Shoá. Uma das imagens típicas desse evento é aquela na qual dezenas de jovens se cobrem com a bandeira de Israel, tal como fosse um talit.
C
omo parte dos estudos formais da Shoá, dentro do contexto mais am plo da história do povo judeu, já são mais de 30 anos consecutivos que o Estado de Israel envia delegações de estudantes no último ano do terceiro grau para uma jornada pelos campos de concentração na Polônia. O Ministério da Educação determinou que visita à Auschwitz é obri gatória e, a partir daí, a organização da viagem depende dos líderes de cada grupo, que conformam os vários programas de acordo com as características do grupo e os objetivos da viagem. Além dos estudantes das escolas, o exército, a polícia, movimentos juvenis e várias companhias e organizações realizam essas jornadas durante o ano inteiro.
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ficiente para ampliar o efeito dos estudos da Shoá como o evento mais trágico, dramático e influente na história con temporânea do povo judeu e com uma ligação essencial à importância da existência do Estado de Israel para a segu rança dos judeus em Israel e na Dispersão.
A meu ver, umas das características do humanismo consiste na pessoa ter a humildade de reconhecer que, mesmo com todo o avanço da ciência, a humanidade ain da desconhece muitas propriedades da natureza, sem falar dos mistérios da esfera espiritual. Por isso é sempre neces
Essas jornadas são uma peregrinação equivocada e inver tida, que parte da terra “prometida” em direção à Diáspora.
Além disso, temos que lembrar que a variedade entre os programas é muito grande. Escolas com orientação política de esquerda escolherão enfatizar a lição universal e humanista da Shoá, enquanto que escolas com orientação política de direita colocarão o foco na tragédia judaica e na lição interna, política ou religiosa.
Ao longo dos anos, essas jornadas provocaram vários debates públicos e acadêmicos em torno de sua função no sistema educacional e de seu inseparável papel na edu cação sobre a Shoá e na formação da memória nacional e particular da Shoá.
Não é difícil perceber que esta divisão é paralela à es querda e direita em Israel como a Republicana e Demo crata nos EUA. A agenda de Trump como a de Netanya hu, e a dos partidos de direita na Europa, é de intimida ção da população autóctone (ou da maioria da população) com o objetivo de apavorá-los quanto ao outro, ao dife rente e desconhecido.
tar o Sionismo como sendo uma transformação nova e li mitada da identidade judaica para a era moderna.
A programação e execução das viagens tornou-se uma indústria profissional, que, além de ser lucrativa para muitas pessoas em Israel, também suporta financeiramente os poloneses, que apoiaram os alemães durante a Segunda Guerra Mundial.
O foco na morte dos judeus nos anos do Holocausto acoberta mil anos de vida criativa dos judeus na Europa Ocidental, e praticamente expressa uma incapacidade do Sionismo em se apresentar como uma continuidade das raízes judaicas mais antigas. Este foco acaba por apresen
A overdose da experiência revela a incapacidade de transmitir essas mesmas mensagens através de métodos educacionais mais profundos e lentos.
Entre os argumentos contra encontramos:
esse ato foi recebido com muita emoção pelo público israelen se. Já de volta em Israel, Eshel sumarizou o evento dizendo que Israel é a expres são mais significativa da sobrevivência do nosso povo e que ninguém como a aero náutica pode ilustrar nossa potência.
Uma sociedade baseada somente em sua potência mi litar e no afastamento de seus vizinhos se tornará even tualmente um país isolado como a Coreia do Norte ou será destruída através de uma guerra civil ou outros con flitosEminternos.setembro de 2003, o piloto e general Amir Eshel, descendente de sobreviventes da Shoá, convenceu o co mandante chefe da aeronáutica israelense a condicionar a participação num treino mútuo com a força aérea polo nesa à permissão de realizar um voo de aviões de combate israelenses sobre Auschwitz enquanto estaria sendo reali zada no local uma cerimônia por uma delegação do exér citoAisraelense.permissão foi concedida pelos poloneses com a con dição de realizar o voo em alta altitude, para não causar ba rulho no local. Mas essa condição foi propositalmente des respeitada por Eshel, que fez um voo rasante com uma esquadrilha composta por três aviões modelo F-15, deixan do clara sua presença e tirando fotos nítidas dos aviões is
sário, para evitar ao máximo cometer erros, ter pelo menos mais um par de olhos supervisionando nossas ações importan tes. Também por isso o regime democrá tico é baseado em freios e contrapesos, es tabelecendo um equilíbrio de poderes en tre as Nãoautoridades.écoincidência que megalôma nos, sejam eles empresários ou líderes políticos, tentem angariar o máximo do controle em suas mãos, concentrando to das as decisões. Infelizmente, na maior parte das vezes, quem vai pagar o preço de seus erros não serão eles mesmos. No livro de Devarim/Deuteronômio capítulo 8, Moisés nos lembra algumas condi ções do pacto entre Deus e o povo de Israel e a promessa que fez aos patriarcas Abraão, Isaac e Jacob.
raelenses sobre Auschwitz. Durante a des cida, Eshel transmitiu por rádio ao grupo na cerimônia a seguinte declaração: “Nós, pilotos da aeronáutica israelense, no céu do campo do horror, nos levantamos das cinzas de milhões de vítimas, carregamos seu grito calado, saudamos a sua bravura e prometemos defender o povo judeu e sua terra –NaturalmenteIsrael”.
A meu ver, sem dúvida, vários estudos e experiências transmitidas nas jornadas na Polônia podem ser eficien temente transmitidos em programas feitos integralmen te emMasIsrael.uma
sensação significativa não pode ser transmi tida em Israel, nem através de visitas a campos de concen tração ou cemitérios judaicos no exterior. Estou falando do sentimento e da consciência de viver como minoria.
De um lado, este exemplo mostra a penetração nas li ções da Shoá do militarismo e da confiança exclusiva na força própria. A partir destas bases o caminho em direção à agressividade fica muito encurtado.
O foco na morte dos judeus nos anos do Holocausto acoberta mil anos de vida criativa dos judeus na Europa Ocidental, e praticamente expressa uma incapacidade do Sionismo em se apresentar como uma continuidade das raízes judaicas mais antigas.
Por outro lado, estão ocorrendo em paralelo programas educacionais no espírito humanista e universal.
Em 2008, o novo chefe comandante da aeronáutica is raelense, o general Eliezer Shkedi, pendurou a foto em seu escritório e a distribuiu entre todos os comandantes da ae ronáutica, o fórum de comando das forças armadas, o pri meiro-ministro e o presidente de Israel. A foto foi acompanhada por um texto curto dizendo: Confiar apenas em nósMasmesmos.aquele voo de 2003 também causou críticas. Uma delas, pelo notável pesquisador da Shoá, Professor Yehuda Bauer, que resumiu dizendo que em cemitérios não ace namos bandeiras e não protestamos. Caminhamos lenta mente e choramos. Segundo Bauer, o voo sobre Auschwitz foi uma ação infantil, exibicionista e desnecessária, que só mostrou a superficialidade daqueles que acham ser essa a maneira digna de preservar a memória da Shoá.
O cumprimento da promessa de estabelecer o povo na terra de Israel não é garantido de forma irrestrita. Há uma condicional. O estabelecimento do povo na terra “prome tida” depende fundamentalmente do comportamento éti co e moral do povo.
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Um dos sinais de corrupção social está descrito no ver so 17: “Quando dizes em seu coração: meu próprio poder e a força da minha mão me trouxeram esta riqueza”.
O relativo isolamento social, religioso e comercial do Estado de Israel no Oriente Médio, com a história judaica e recente experiência, muitas vezes leva à glorificação do país e de suas forças militares.
Shlomo Zagman é estudante de rabinato no HUC em Jerusalém. Carioca, cresceu em Israel numa família brasileira sionista religiosa. Como filho de shaliach, passou temporadas no Brasil e nos EUA. Trabalha no IRAC do Movimento Reformista em Israel. Mora em Mo diín com sua esposa Rachel e seus filhos, Taír, Yadi e Maya.
O filósofo e cientista israelense Yeshayahu Leibowitz (Riga, 1903-Jerusalém, 1994), em sua crítica ao controle militar israelense sobre a população palestina nos territó rios ocupados, consistentemente citou o poeta europeu do século 19 Franz Grillparzer, que alertou a respeito da perigosa caminhada da humanidade através do nacionalismo até a selvageria e a barbárie. O nacionalismo democrático é delicado. O perigo reside na perda do reconhecimento que o país, com todo o devido respeito e sua importância, não é um valor em si, mas um instrumento para a sociedade possibilitar a seus indivíduos a realização de seus valores.
Observando o conceito atual eu chego à conclusão que ele está planejado principalmente, se não absolutamente, à criação de soldados e soldadas fiéis ao país e ao siste ma do governo. Este objetivo é importante, mas ele não pode ser único.
Quem contém este sentimento não considera garanti da e imutável a existência de Israel e precisamos de gente com este sentimento.
Os jovens em Israel devem estar conscientes do perigo sempre iminente de uma democracia ser descaracterizada a partir de suas próprias leis e processos políticos.
Recentemente, participei de uma visita ao Kotel com um grupo de membros de comunidades Reformistas em Israel. Um deles, um homem idoso originalmente da Ar gentina, me contou quando nos aproximamos da praça central do Kotel:
Eu acredito que o conhecimento do sentimento de vida judaica como minoria tem a função de freios e contrape sos, garantindo um equilíbrio pessoal e social judaico.
O Estado de Israel pertence a todos os judeus e depende da contribuição de todos eles. Visitas mútuas entre es colas e comunidades teriam um efeito mais produtivo para o estabelecimento de uma identidade judaica firme, orgulhosa e aberta.
vência judaica na Europa durante cerca de mil anos de al tos e baixos – épocas de prosperidade e épocas de dificul dades. Nesta fórmula poderia se incluir programas para es tudantes mais jovens a também incorporar a participação do setor ultraortodoxo e do setor árabe.
Acho essencial que os estudos da Shoá incluam aulas a respeito dos processos que levaram a Alemanha republi cana de Weimar a se tornar a Alemanha nazista hitlerista.
E aqui se chega na importância da contribuição dos ju deus liberais na Dispersão.
Apesar de toda a minha decepção e raiva pela falta de tolerância e pluralismo no local, eu me emociono quan do vejo o Kotel.
Através de seus constantes intercâmbios e laços sociais e culturais com a sociedade em geral, os judeus na Disper são têm uma perspectiva dos valores especiais que a tradi ção judaica traz para a sociedade geral. A meu ver, nós aqui em Israel temos a tendência de esquecer ou até mesmo des conhecer esses valores.
O poderio do Estado de Israel está na diversidade das culturas, línguas, mentalidades e dos genes que formam sua sociedade. Estas são as riquezas do país e do povo, que tornam Israel e o povo judeu um bom ambiente para que rer viver e se desenvolver.
Atualmente em Israel, onde a maioria da população judaica (76% de acordo com o Escritório Central de Esta tísticas de Israel) nasceu em Israel já na realidade de uma maioria judaica, é óbvio o sentimento de poder. Eu não subestimo a importância da autoconfiança, mas acho su perimportante reconhecer seus limites e suas desvantagens.
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Eu acho esse tipo de expressão muito típico para judeus que não nasceram em Israel.
Por isso (e mais), acho importante fortalecer os laços entre judeus em Israel e judeus no mundo, que vivem nos países mais democráticos do planeta.
Esses são os judeus que reconhecem a importância do Estado de Israel para o povo judeu, o apoiam e o amam, sem deixar de criticar o que ainda tem que ser feito para melhorá-lo.Osjudeus liberais entendem como a cooperação inter -religiosa e intercultural é capaz de promover o convívio social e os grandes objetivos que podem ser alcançados.
Se as viagens à Polônia fossem realmente destinadas para educação à tolerância, seu formato deveria ser muito mais balanceado entre a parte da Shoá e a parte da convi



A palavra mussar significa correção ou instrução; esta palavra aparece várias vezes na Torá. No hebraico moderno, mussar é traduzido como ética ou disci plina e as duas definições são bem compatíveis com o objetivo e a metodolo gia do estudo de mussar.
Mussar é mais do que uma matéria que devemos estudar, é algo que deve mos reconhecer, fazer e aplicar em nosso cotidiano. Mussar é uma disciplina de práticas transformativas baseada nas ideias e nos ensinamentos que encontra mos nos textos. Se estudamos mussar e não aplicamos na prática o que apren demos, é como receber o resultado de um exame médico e não fazer nada a res
MUSSAR: TRABALHAR A INCOMPLETUDE PARA
O APERFEIÇOAMENTO
Mussar é mais do que uma matéria que devemos estudar, é algo que devemos reconhecer, fazer e aplicar em nosso cotidiano. Mussar é uma disciplina de práticas transformativas baseada nas ideias e nos ensinamentos que encontramos nos textos.
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– Por que sigo repetindo os mesmos erros? Por que é tão difícil mudar meus padrões de comportamento?
George Gabanyi
M
ussar é uma tradição milenar judaica que nos oferece uma inspi radora perspectiva de vida. É também uma disciplina para nossa transformação pessoal. Através do estudo e da prática do Mussar, estudando e reconhecendo nossas middot (características da alma), podemos responder a perguntas como:
– Como posso me colocar melhor em relação a meu cônjuge, meus filhos, pais, colegas de trabalhos, sem invadir o espaço deles? Como reconhecer meus limites?–Que passos dar para aproximar meu dia a dia de minhas necessidades es pirituais? Como ter tempo para fazer tudo que gostaria?
– Por que estou sempre irritado com tal pessoa?
O Movimento Mussar
Até o século 19, mussar era tão somente uma práti ca introspectiva usada por indivíduos buscando alcançar a santidade. O Rabino Israel Salanter (1810-1883) na Li tuânia percebeu a necessidade de melhorar o sistema edu cacional da época como forma de combater a intensa as similação causada ao mesmo tempo pelo antissemitismo e pelo Iluminismo. Criou, então, a metodologia que é a base dos estudos de mussar em todo o mundo até os dias atuais.
A partir do começo do século 21 há um renascimen to do estudo de mussar entre judeus não ortodoxos. O The Mussar Institute, fundado pelo Dr. Alan Morinis em 1974, e o The Mussar Leadership Program, fundado pelo Rabino Ira F. Stone, estão entre as instituições que procu ram difundir o estudo de mussar em entidades liberais. Os livros Climbing Jacob’s Ladder e Everyday Holiness, escritos por Morinis, e A responsible life, escrito por Stone, pro vocaram o aumento do interesse no movimento mussar. Mussar tem sido descrito recentemente como “um cres cente fenômeno” dentro do movimento reformista e con servador nos Estados Unidos. O TMI, The Mussar Institu te, movimento do qual faço parte, tem programas de mus sar direcionados para lideres e rabinos dos dois movimen tos, além de vários cursos para o público laico.
Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 31
No final do século 19 e início do século 20, surgiram três grandes ramificações do movimento mussar: Kelm, Slobodka e Novaradok, desenvolvidas pelos três principais discípulos do Rabino Salanter, tendo sido criadas muitas yeshivot que complementavam os ensinamentos de Torá e Talmud com estudos de mussar, possibilitando uma for mação muito mais sólida aos seus milhares de alunos.
peito; devemos aplicar os conhecimentos adquiridos em si tuações práticas em nossas vidas.
Infelizmente, com o Holocausto, a maioria destas ye shivot e seus alunos desapareceram fazendo com que o mo vimento mussar ficasse esquecido.
Metodologia
O foco de mussar é no aperfeiçoamento das middot, das características da alma.
O ponto-chave e principal fator motivador para apren der e estudar mussar é o reconhecimento de que não so mos perfeitos, pelo menos em algum aspecto de nos
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– Visite um amigo enfermo, telefone para uma pessoa idosa, vá até a casa de um enlutado levar seu abraço amigo – se já é um hábito seu, continue, se não, comece e senti
2. Raiva – Kaas. “A raiva traz todas as formas de in ferno.”
Você termina seu dia escrevendo em um diário, que pode ser um caderno, um computador, notebook..., tudo o que você observou a respeito da característica que você está estudando no momento. Você não deve se preocupar com a quantidade e qualidade do que for escrever, mas sim com que as palavras reflitam com honestidade suas obser vações e sentimentos.
Vaad e Chevruta
Existem na literatura de mussar inúmeras middot que são estudadas de acordo com as necessidades do “currí culo espiritual” de cada um. Todos possuímos em maior ou menor grau a necessidade de estudar todas as caracte rísticas, sendo que para uns é mais importante dar mais atenção à paciência, outros à raiva, outros ao amor, e assim por diante. Como exemplo de middot e suas frases de reforço, temos:
(muitos deixam a frase escrita ao lado da cama), o que nos auxilia a focar nossa atenção na característica que estamos estudando. É importante esclarecer que a frase é um au xiliar e você pode usar a que melhor lhe convier e não necessariamente as acima citadas.
O estudo das seis middot acima, por exemplo, se dá em um período de 13 semanas, alternando reuniões em gru po (vaad) e reuniões com seu parceiro de estudos (chevru ta) e uma reunião de finalização de curso. Nas reuniões de grupo, dirigidas por um facilitador, cada um coloca como está indo seu trabalho com a característica em estudo, sen do feitas perguntas e colocações, sempre respeitando todos e cada um. Uma regra básica nestes grupos é a confidencia lidade e o não julgamento da opinião alheia, permitindo que todos possam expor seus pensamentos e sentimentos em total segurança. Na semana alternada, os membros do grupo se reúnem em pares em local e horário convenien tes a ambos e aprofundam a conversa a respeito da midá que está sendo estudada.
5. Honra – Kavod. “Cada pessoa, uma alma santa.”
4. Confiança – Bitachon. “Toda vida está nas mãos d’Aquele que me fez.”
Com o estudo de mussar, não esperamos Elul para fazer nossa contabilidade interna, mas o fazemos diariamen te com a observação de nossa conduta, de nosso compor tamento
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O método desenvolvido pelo Rabino Salanter é ba seado em: estudo de textos, reuniões de grupo, reunião com um companheiro de estudo (chevruta), frase matuti na, diário noturno e aplicação prática.
6. Entusiasmo – Zerizut. “Se não for agora, quando?”
3. Gratidão – Hakarat Há Tov. “Meu copo está repleto de dádivas.”
Cheshbon Há Nefesh (contabilidade da alma)
sa vida, e que podemos melhorar e aperfeiçoar esta e/ou aquela característica.
Acabamos de terminar a “maratona” das grandes festas iniciada no mês de Elul e terminando 52 dias depois com a festa de Simchat Torá, quando passamos longos períodos na sinagoga refletindo como foi o ano que está terminando e como será o que está para iniciar. Nesse período fazemos uma contabilidade de nossa alma, para ver o que fizemos de bom e devemos continuar no próximo ano e o que não fizemos de bom e devemos deixar para trás e transformar para não incorrer nos mesmos erros.
Aplicação Prática
1. Humildade – Anavah. “Não mais que meu lugar, não menos que meu espaço.”
Midá
Quero enfatizar que é fundamental a prática junto com o estudo de mussar. Estudo e prática são inseparáveis, as sim como alma e corpo. Aliás, os sábios de mussar dizem que nós não temos uma alma e, sim, que nós somos “uma alma coberta por um corpo”.
Alguns exemplos de aplicação prática do estudo de mussar:–Em vez de dar R$ 1.000,00 de tzedaka, dê 100 vezes 10 reais, que é para a mente se acostumar com atos de bon dade e nos transformar em pessoas mais generosas.
Comodiário.observamos acima, cada midá tem uma frase de reforço que deve ser lida em voz alta logo ao despertar
Em 2011/2012 fiz o manchin training (treinamento de facilitador) no Mussar Institute, me qualificando para
Queremos(kedusha).simplesmente passar pela vida ou vivê-la?
rá que é uma experiência engrandecedora, que muitas ve zes nos traz um bem-estar ainda maior do que para a pes soa –visitada.Aoencontrar um pedinte na rua, não o julgue se é bêbado, vagabundo, se está “alugando uma criança” etc. e sim lhe dê uma contribuição e, mais ainda, olhe nos seus olhos, lhe dirija uma palavra amiga; nunca sabemos a ra zão que levou essa pessoa a estar lá.
Comecei meus estudos de mussar em 2009 na Comunidade Shalom em São Paulo com Raquel Reichardt e me fez muito bem estudar os textos, as reuniões de grupo e as conversas com meu chevruta; infelizmente na época não houve continuidade, talvez não fosse o momento adequa do, mas ficou em mim a vontade de continuar com os es tudos de mussar e observar mais ainda minhas middot.
O estudo e a prática de mussar começam a partir da premissa de que todos nós estamos de certa forma incom pletos e que a viagem da vida pode e deve ser uma pro gressão constante em busca de aperfeiçoamento. Deve mos compreender melhor quem somos e qual nossa mis são nesta vida e aprender a superar os obstáculos que nos impedem de atingir um maior grau de plenitude (shlemut) e santidade
George Gabanyi é empresário, membro do conselho da Comuni dade Shalom de São Paulo e diretor do TMI-The Mussar Institute.
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Poderia citar muitos exemplos, mas o importante é lembrar que estes atos são uma forma de tikun olam, de reparar o mundo, ou seja, de fazer nossa parte como par ceiros que somos de Deus na criação e no aperfeiçoamen to do mundo em que vivemos.
Experiência Pessoal
O que mais gosto quando facilito um grupo de estudos de mussar é que tudo que os participantes fazem, também faço, estudo os textos novamente, leio a frase em voz alta pela manhã, observo atentamente o que acontece à mi nha volta com aquela característica que está sendo estuda da e ao final do dia escrevo minhas observações no diário.
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ser facilitador de cursos de mussar. Interessante que o meu chevruta da época, um americano de St. Louis, Missouri, se tornou um de meus melhores amigos e seguimos “che vrutando” semanalmente até hoje. Já facilitei vários gru pos de estudo, participei de encontros de mussar nos Esta dos Unidos e hoje em dia faço parte da diretoria do TMI (The Mussar Institute).
Rabina Elyse
(cont. p. 36)
uando criança, me sentia em casa no movimento Reformista. Mas à medida que eu cresci e me tornei mais observadora, a partir da escola secundária e mais ainda durante meus anos de universidade em Bran deis, fui atraída a observar shabat com mais plenitude, a manter kashrut, a rezar com talit e kipá. Vivi por vários anos nos limites da comunidade tradicional, tornando-me totalmente shomeret shabat.1
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PROPOSTASGoldstein E QUESTÕES PARA O REFORMISTAMOVIMENTO
“Verdadeira religiosidade.” Eu me pergunto como po demos conseguir isso no Judaísmo Reformista. Como podemos ser um movimento dos melhores e mais brilhan tes, dos mais competentes – porque o judaísmo é uma re ligião de competências – dos mais envolvidos, dos mais es pirituais. Sim, com muito espaço para aqueles à margem – aqueles que não são “os mais” –, mas também com um
Q
definido. Finalmente foi o meu feminismo que me trouxe de volta a me identificar em todos os aspectos, não apenas filosóficos, com o Judaísmo Reformista. O meu feminis mo foi um impulso para muito mais: as ideias de autono mia pessoal, a liberdade de escolha, a evolução das defini ções de Deus e a revelação continuada associaram-se com a procura engajada de traduzir essas ideias numa vida ju daica de verdadeira religiosidade.
Oscilei então entre o movimento conservador, os mi nianim2 “tradicionais igualitários”, e o mundo ortodoxo dos ba’ale teshuva3 (muitos dos quais tinham sido crianças reformistas como eu). Minha casa reformista às vezes me parecia estar espiritualmente à deriva, sem qualquer con junto óbvio de expectativas, sem códigos claros ou guias para o comportamento ritual e nenhum sistema de crença
Por um Judaísmo Reformista de “Alcance”
O questionamento constante é um dos traços marcantes do judaísmo, talvez inaugurado por Abraão, nosso Patriarca, ao questionar Deus quanto à sua intenção de destruir Gomorra, num dos diálogos mais marcantes da Torá. Para ilustrar esta faceta do judaísmo, convidamos dois rabinos, um do Canadá e outro do Brasil, a apresentarem suas visões a respeito do futuro do Movimento Reformista.
Por outro lado, brasileiros e russos têm dificuldades para aceitar a celebração judaica de casamentos homoafe
Rabino Uri Lam
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“O mundo se sustenta sobre três coisas: a Torá, o Serviço Divino e os Atos de Bondade.” (Pirkei Avot 1:2)
E
m fevereiro de 2016 tive a oportunidade de par ticipar de um encontro com outros 20 rabinos e rabinas reformistas do mundo inteiro, no Hebrew Union College (HUC-JIR) em Jerusalém, para discutir mos processos de conversão e casamentos homoafetivos. Mais do que deliberativo, foi um encontro consultivo. A única coisa que ficou clara foi a nossa diversidade: o juda ísmo reformista tem inúmeros valores e práticas ao redor do mundo. O judeu reformista russo, por exemplo, aceita melhor do que o brasileiro a questão da ambilinearidade, ao reconhecer como judeu quem é filho de pai judeu ou de mãe judia, desde que educado como judeu.
Davar Acher 1
tivos – já comuns em Israel, Estados Unidos e em alguns países da Europa. Em muitos lugares as rabinas são a maioria; em outros são raridade. Por entender que é impossível estabelecer um padrão global – a meu ver indesejável, em respeito ao pluralismo e ao livre-arbítrio prezados pelo judaísmo reformista – apresentarei três questões locais: Primeira questão: Qual é a nossa Torá? Do que estamos falando quando falamos de judaísmo reformista no Brasil? É essencial sabermos quem realmente somos para colocar mos isso em prática. Quando sou convidado a falar sobre judaísmo reformista, costumo apresentar os principais va lores e as práticas reformistas; mas ao mesmo tempo con to que, no nosso país, nem sempre nossos membros acre ditam nestes valores, nem são estas as práticas em muitas de nossas congregações. Alguns destes valores foram bem colocados pela rabina Goldstein: quem é Deus para nós? Com que seriedade lidamos com o cumprimento ou não das mitzvot? E será que as mulheres, os gays, os casais in ter-religiosos e seus filhos, os idosos e os deficientes são respeitados e incluídos em nossas comunidades de acordo com o que chamamos de Judaísmo Reformista? Até onde
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1. Shomeret Shabat (masculino shomer shabat) quer dizer “observante do Shabat” e é um termo utiilizado para denominar quem não anda de carro no sábado, não aciona interruptores de aparelhos elétricos ou eletrônicos, não trabalha e todas as demais atividades proibidas pela interpretação mais fechada da halachá.
A segunda pergunta: como uma teísta que coloca Deus no centro das mitsvot, mesmo sendo uma judia reformis ta que não aceita que a Torá seja a palavra literal de Deus, pondero sobre o papel que Deus desempenha na concepção reformista das mitzvot. Se falamos da Torá como a palavra de Deus, então devemos estar seguindo tudo isso. Se não falamos sobre a Torá como palavra de Deus, então o que é ela para nós? Estou tão orgulhosa que nosso movimento tenha colocado Deus de volta na agenda. Mas minha pe rene pergunta sobre o lugar de Deus em nossa observância ainda não foi respondida. Como diferenciar? A palavra de Deus é apenas as coisas que gostamos? Apenas as coisas que ressoam com a consciência política do dia? Deus nos falou no Sinai de forma literal, metafórica, ou não falou nada?
Foi o meu feminismo que me trouxe de volta a me identificar com o Judaísmo Reformista. O feminismo foi um impulso para muito mais: as ideias de autonomia pessoal, a liberdade de escolha, a evolução das definições de Deus e a continuada.revelação 34)
(cont. p.
Rabina Elyse Goldstein é norte-americana e mora em Toronto, no Canadá. Ela serve na sinagoga City Shul, no centro de Toronto, e é a presidente do Toronto Board of Rabbis, uma instituição intern Traduzidodenominacional.doinglês por Raul C. Gottlieb
5. Mitsvot (singular mitsvá), literalmente “mandamentos”, são as obrigações religio sas e sociais prescritas pela lei judaica.
6. Tsedaká e tikun olam: caridade e atos de promoção de bem-estar social.

2. Minianim (singular minian) é, tecnicamente, o conjunto de 10 pessoas necessá rio para as orações judaicas. Por associação “minian” é usado para definir a reza em comunidade.
A terceira pergunta: como nós pode mos ser judeus reformistas da “direita” em termos de observância ritual e ainda assim permanecermos firmemente no campo da “esquerda” ao tratar de política, como a mudança litúrgica?Eu me esforço para in tegrar essas duas formas de ser, de modo que, enquanto eu clamo por limites mais rigorosos no que diz respeito ao papel do não judeu em nossas sinagogas, por exem plo, também peço limites mais relaxados no que diz respeito ao papel dos homosse xuais. Como equilibramos essas duas in clinações em nosso movimento? Que su posições nós fazemos para ser ambos?
3. Ba’ale teshuvá, literalmente “mestres da resposta”, denota as pessoas que aderem à ortodoxia, sem terem nascido em meio ortodoxo.
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4. O “movimento baseado em escolhas” é o movimento reformista, que advoga que as pessoas podem escolher quais aspectos da halachá desejam observar.
centro que é sólido, claro e comprometido com o judaísmo como sendo muito mais do que apenas um modo cultural de comer ou Gostaria,cantar.então, de fazer três pergun tas sobre a natureza da vida religiosa re formista.Aprimeira pergunta: como os judeus reformistas mais observantes se encaixam num movimento baseado em escolhas4, quando escolheram observar muitas mits vot5 que outras pessoas não fizeram? Existe uma quantidade maior que o razoável de judeus reformistas que praticam pou co, se importam menos ainda e exigem serem parte do nosso movimento. “Eu não faço nada, então devo ser Reformista.” Quando al guém chega a um rabino Reformista procurando conver são, quais são exatamente as expectativas que fazem uma pessoa ser considerada um “Judeu Reformista”? Existe al guma coisa que ela deve ou não deve fazer? Pode apenas se “sentir” judeu, fazer alguma tsedaká e tikkun olam6, ou há algum contexto de exigências rituais?
Notas
Estes três desafios, levados a sério, nos forçariam a criar um judaísmo reformista de “alcance”, pelo qual a pessoa deve lutar para conquistar. Espero ver isso ainda.
Terceira questão: Atos de Bondade: como lidamos com o outro que quer ser um de nós? Como lidamos, de um modo reformista, com a conversão ao judaísmo? Não é segredo que, nos últimos anos, cresce exponencialmente o número de pessoas que desejam ser parte do povo judeu.
falam mais alto as nossas convicções pessoais e até onde nos dispomos a reformar nossas práticas? Qual é a nossa Torá?
(cont. p. 35)
Rabino Uri Lam é formado pelo HUC de Jerusalém e serve à CIM-Congregação Israelita Mineira.
Segunda questão: Como é o nosso Serviço Divino? A Cabalá na vida judai ca reformista. A rabina Goldstein se diz orgulhosa por termos retornado Deus à agenda reformista. Eu gostaria de incluir a Cabalá nessa agenda. Alguns veem a Cabalá como superstição; eu enten do que muitos fazem uso supersticioso não só da Cabalá, mas de toda a tradi ção judaica; e não é disso que estou fa lando. Segundo o Rabino Lawrence Kushner, em seu arti go What 9-Letter Word Has Been Deleted from Reform Tea chings? (www.reformjudaismmag.net/rjmag-90s/900lk. html), é hora de corrigir este erro e deixar de entender que ser reformista e conhecer o aspecto místico do judaís mo é um paradoxo. Não é.
Em Israel, na comunidade reformista Beit Daniel, em Tel Aviv, as turmas de conversão crescem ano a ano e isso é comemorado abertamente. A mesma tendência se per cebe na Europa, para não falarmos dos Estados Unidos, onde em boa parte das comunidades reformistas o con vertido é parte significativa do dia a dia das congregações. Todo líder comunitário e rabino no Brasil sabe como é grande o número de pessoas que nos procuram queren do ser judeus. Eu me pergunto se, pelo fato de nem sa bermos direito o que é Judaísmo Reformista, temos di ficuldade de incluí-los como parte das nossas comunida des. Atos de Bondade: Minha questão é: se ao restringir mos demais os processos de conversão, nossas comunida des perdem um capital humano que, se bem orientado, pode não só contribuir muito com as comunidades judai cas reformistas como também trazer de volta judeus afas tados há uma ou duas gerações.
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Notas
Concordo com Raul Gottlieb quando ele diz que, após o Iluminismo (ou seja, há mais de 200 anos, 200 anos!), todas as pessoas do universo (pelo menos da par te “iluminada” dele) constroem identida des por Nascidosopção.judeus ou convertidos ao judaísmo, somos igualmente judeus – e todos nós por opção. Portanto, é ridícu lo discriminar alguém por ele ser igual a você – e mais embaraçoso ainda quan do isso ocorre entre judeus que se pre tendem progressistas. Devemos enfrentar este tema de frente, pois em muitas das nossas comunida des existe uma resistência odiosa aos convertidos e aos candidatos à conversão. A reversão deste comportamento pre cisa ser tratada dentro do nosso movimento com coragem, abertamente, pois diz respeito não só ao cumprimento da mitzvá de amar ao guer, como diz respeito ao próprio futu ro das comunidades judaicas reformistas no Brasil. Quan do as identidades são fluidas e livres, assim como judeus optam por não seguir o judaísmo, não judeus têm o direito de optar por serem judeus. Não devemos ter medo deles.
Será que as mulheres, os gays, os emrespeitadosseusinter-religiososcasaisefilhos,osidososeosdeficientessãoeincluídosnossascomunidadesdeacordocomoquechamamosdeJudaísmoReformista?
1. Davar Acher significa “Uma Outra Palavra”.
Eu mesmo acordei para isso durante a minha forma ção rabínica no HUC em Jerusalém. Quase no final do curso, os alunos reivindicaram que estudássemos Cabalá. Hoje em dia, em Israel, a Cabalá permeia o Movimento de Renovação Judaica, que inclui o Movimento Reformista. Nossos valores de igualdade, inclusão, diversidade e livre -arbítrio refletem-se em textos cabalísticos carregados de simbolismos relacionados ao feminino e ao masculino, co nectados a uma energia espiritual livre de séculos de opres são, principalmente no que tange às mulheres. Em Jerusalém estudamos com a Dra. Melilla Hellner-Eshed, reno mada professora de Cabalá em Israel.
No novo programa israelense de formação rabínica do HUC, iniciado em outubro de 2016, o curso da Dra. Me lilla já é dado desde o primeiro ano. Além de excelente pro fessora, Melilla reza em sinagogas dos movimentos Refor mista e Renewal, junto a outros judeus em busca de uma vida judaica espiritualmente mais profunda, meditativa e significativa. E nós? Como é o nosso Serviço Divino? Po demos incluir a Cabalá na vida judaica reformista brasilei ra também, em nossos cursos e práticas religiosas.
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Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 39
antissemitismo na França vem aumentando nos últimos dez anos. Porém, o antissemitismo que cresce tem um novo formato e é, ainda, pouco entendido e sentido para quem vive no Brasil. Um judeu hoje em dia não tem dificuldade para conseguir trabalho pelo fato de ser judeu, mas as crianças judias vão cada vez mais para escolas privadas, pois as escolas públicas ficaram perigosas para a integridade emocional e física delas.
A forma tradicional de antissemitismo perdeu força após a Segunda Guer ra Mundial e vinha tendo nos negacionistas sua principal forma de expressão. Este antissemitismo ainda está relativamente discreto na França e na Europa, pois a extrema-direita tem se alimentado do sentimento antimuçulmano e an ti-imigração (xenofobia). Na França, em particular, a extrema-direita é encar nada pela Marine Le Pen, filha de Jean-Marie Le Pen, do partido Front Natio nal. Sua propaganda é baseada no ódio aos muçulmanos e aos estrangeiros e na saída da França da União Europeia e da zona do euro.
NAEANTISSEMITISMOAISLAMIZAÇÃOFRANÇA
O crescimento do sentimento antimuçulmano vem mascarando o antisse mitismo. As pessoas não têm mais vergonha de falar mal dos árabes nas ruas e donos de empresas já até declaram que não empregam mais muçulmanos (prin cipalmente depois que um dono de uma transportadora foi decapitado pelo empregado perto de Lyon). Existe até, de certa forma, um sentimento pró-ju
Eduardo S. Klein
Existem duas vertentes de antissemitismo com princípios bem distintos. A primeira é a forma clássica, tradicional ou secular, que conhecemos e que le vou ao caso Dreyfus (militar francês que foi acusado de entregar documentos secretos aos alemães no fim do século XIX) e que culminou com o nazismo.
Existe até, de certa forma, um sentimento pró-judeu na França, pois muita gente se identificou com os judeus pelo fato de todos serem alvos do terrorismo. Não devemos esquecer que, como a história nos mostra, essas mesmas pessoas que colocam todos os muçulmanos num saco só, num contexto um pouco sematitudesdemonstrariamdiferente,igualmenteantissemitas,muitoesforço.
O
A segunda geração (os filhos dos traba lhadores vindos do Maghreb), muitos já franceses nascidos na França, teve aces so à escola e instrução, porém, de manei ra geral, continuaram com bastante difi culdade em relação ao mercado de traba lho. Mesmo tendo acesso à escola, o nível de instrução era mais baixo que a média, continuavam falando árabe ao invés de francês e não hou ve uma cultura/esforço de integração à sociedade francesa. Esta segunda geração não vivia mais em “favelas”, mas con tinuava vivendo em periferias pobres longe dos centros das cidades, com transporte precário e obviamente com pou co acesso à cultura francesa.
Esta geração também não se integrou, continua em grande parte tendo o árabe como língua principal, é mais pobre que a média nacional e tem uma taxa de desempre go de 20% a 30% enquanto que a taxa nacional está em torno de 9%.
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Este novo antissemitismo é muito preocupante por dois motivos. Em primeiro, pois ele está crescendo muito mais rápido que o outro com a radicalização cada vez maior da população muçulmana. Um estudo recente, de setembro de 2016, estima que 28% dos muçulmanos re jeita os valores republicanos. Em segundo, porque ele pas sa de agressões verbais a físicas com muita rapidez.
Este ambiente de pobreza, falta de instrução, desem prego elevado e rancor é um dos fatores da radicalização islâmica, pois é mais fácil recrutar jovens perdidos, vulne ráveis e com raiva do sistema. Contudo, obviamente, isto não explica tudo, pois as gerações anteriores viviam em condições piores do que as de hoje (e não eram radicais)
Alguns se perguntam como muçulmanos podem ser antissemitas se os árabes também são semitas. Não vamos brincar com as palavras. O termo antissemitismo se refe re ao racismo contra judeus. Não há ambiguidade. O ter mo judeofobia não retrata a realidade, pois as pessoas não têm medo dos judeus e sim preconceito.
A França tem a maior população muçulmana da Eu ropa. A principal razão para o grande número de muçul manos no território francês é a descolonização do nor te da África (principalmente Argélia, Marrocos e Tuní sia) nos anos 60. Costuma-se se referir a esta região como Maghreb.Nofim dos anos 60, início dos 70, os homens entre 20 e 45 anos vieram trabalhar na França, principalmente no
O vemantimuçulmanodocrescimentosentimentomascarando o antissemitismo. As pessoas não têm mais vergonha de falar mal dos árabes nas ruas e donos de empresas já até declaram que não empregam muçulmanos.mais
ramo da construção civil, com incentivos do próprio governo francês, pois consti tuíam uma mão de obra barata. Estes ho mens se beneficiaram da lei de agrupamento familiar e puderam trazer suas fa mílias (mulheres e filhos) para a França.
De onde vêm estes muçulmanos?
A terceira geração, os jovens de hoje, alimentou um rancor enorme em relação a esta história e a esta não in tegração. É proibido fazer um censo de acordo com crité rios étnicos ou religiosos e, logo, não se sabe ao certo quan tos muçulmanos vivem na França. Esta restrição vem di retamente da declaração dos direitos humanos: os chama dos “3 tés” (liberté, égalité, fraternité), segundo os quais a igualdade implica que não se julgue as pessoas segundo as origens das mesmas. Estima-se que existam de 4 a 5 mi lhões de muçulmanos vivendo hoje na França. Esta estimativa (e outras) é (são) feita(s) principalmente com base em critérios geográficos e estatísticos.
deu, uma forma de empatia conosco, pois muita gente se identificou com os judeus pelo fato de todos serem alvos do terro rismo. Não devemos esquecer que, como a história nos mostra, essas mesmas pes soas que colocam todos os muçulmanos num saco só, num contexto um pouco di ferente, demonstrariam igualmente atitu des antissemitas, sem muito esforço.
A segunda forma é um antissemitis mo árabe/muçulmano. Sua causa princi pal é o fato de o mundo muçulmano não aceitar Israel. Todo mundo fala dos “re fugiados palestinos”, mas ninguém lem bra que a partir da criação do Estado de Israel os judeus que viviam em países ára bes foram obrigados a deixar seus países de origem. Prova velmente por causa das duas formas de antissemitismo, es tes “refugiados judeus” não interessam ao mundo. Os mu çulmanos na Europa, de maneira geral, são extremamen te hostis aos judeus.
Esta primeira geração vivia em con dições econômicas e sociais miseráveis.
Durante anos, a questão do radicalismo islâmico foi colocada por baixo do tapete pela classe política france sa. Qualquer pessoa que criticasse o fundamentalismo is lâmico era tachado de islamófobo. Até hoje, encontra-se esta atitude principalmente à esquerda. À direita, ocorre o “oposto”: cada vez mais incitação a banir os muçulma nos da sociedade.
O governo e a classe política
Louyot/istockphoto.comGuillaume
O assunto começou a ser mais abordado após os ata ques ao Charlie Hebdo e ao HyperCasher. Antes disso, qua se não se falava de radicalismo islâmico e de terrorismo. Pela primeira vez, os franceses se sentiram atingidos. Em relação aos judeus, infelizmente, o sentimento é que se os

e também encontramos jovens franceses terroristas (inclu sive que foram para a Síria) de origem católica/sem reli gião que se converteram ao islamismo. Como então expli car este processo de islamização?
mente pelo ódio à sociedade francesa laica, pela destrui ção de Israel e pela morte dos judeus e franceses “infiéis”. As mulheres se cobrem com véu integral ou parcial e mui tas famílias levam as filhas à força para o Maghreb para se casarem com homens mais velhos e em seguida voltarem para a França com o marido, que obviamente também será um radical. Todos irão desfrutar das ajudas do governo e de todas as regalias do sistema social. Esta situação é tão comum que isto não choca mais ninguém, todo mundo se acostumou com esta realidade.
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Em primeiro lugar, a conversão ao islamismo é extre mamente simples. Em segundo, os intelectuais franceses evocam um déficit de ideologia na França, ou seja, cada vez menos pessoas praticam uma religião ou têm um engaja mento político e o Islã vem preencher esse vazio. Até pou quíssimo tempo atrás (alguns meses), as mesquitas france sas eram financiadas por países estrangeiros (do Maghreb, da Arábia Saudita, do Irã) e estes países impunham a ideo logia salafista e seus próprios imãs para radicalizar e re crutar os jovens franceses, sem nenhum controle do Esta do. Por outro lado, nos últimos dez anos, o Estado fran cês tem se beneficiado cada vez mais de novos mercados nos países árabes (venda de aviões, construções, setor ener gético) e de financiamentos em diversas áreas (aeropor tos, clubes de futebol, renovação de monumentos históri cos etc.). Em outras palavras, a economia francesa depende dos países árabes e existe um conflito de interesses ex tremamente forte que impede que o Estado combata esta intervenção estrangeira na comunidade muçulmana fran cesa como deveria.
Estes muçulmanos salafistas radicais advocam aberta
Os terroristas que cometeram os atentados eram fran ceses ou belgas. Existem muitos centros de radicalização e mesquitas com discursos antissemita e antifrancês e o governo faz muito pouco para combatê-los. Frequentemen te, jornalistas denunciam mesquitas que são centros de ra dicalização. Se os jornalistas sabem, a inteligência também deve saber e tudo continua igual, ou seja, esses centros não são fechados ou combatidos. Existe uma política, princi
terroristas tivessem continuado a atacar somente alvos ju daicos, nada teria mudado. Em 2011, houve um atenta do em Toulouse, onde um terrorista matou crianças numa escola judaica e militares franceses de origem árabe. Não houve toda essa repercussão, nem mobilização do gover no/polícia/população.Ogovernoestáfazendo o que pode para combater o terrorismo, que já está impregnado na sociedade, mas ain da faz muito pouco para atacar as raízes da radicalização que levam ao terrorismo.

Após os atentados de janeiro 2015, o governo deu mais recursos para a polícia, a inteligência, a justiça e até vota ram novas leis (algumas até mesmo sem muito consenso, pois dão liberdade demais para a inteligência). Quase todas as sinagogas e escolas judaicas têm proteção do exérci to. Após os ataques de novembro de 2015, mais recursos foram liberados, mais ataques aéreos ao ISIS foram feitos e ainda mais pessoas se sentiram tocadas.
palmente à esquerda, de vitimizar os muçulmanos “mo derados” e estes mesmos muçulmanos dizem que o terro rismo não tem nada a ver com o Islã, que o Islã é uma re ligião de paz e isso é o suficiente para ninguém poder fa lar nada, senão é imediatamente acusado de islamofobia. Existem obviamente exceções: de vez em quando se ouvem vozes de representantes dos muçulmanos assumindo que o terrorismo tem um caráter religioso e que isso tem que ser combatido. Mas é uma grande minoria.
Ano que vem, em abril, ocorrerá a eleição presidencial. A primária da direita já está acontecendo e as primárias da esquerda ainda vão começar. A esquerda está totalmente desunida e uma boa parte dela “acusa” François Hollande (atual presidente, de esquerda) de fazer políticas econômi cas liberais (de direita). Enquanto a direita (tirando evi dentemente o Front Nacional da Marine Le Pen) está or ganizando uma primária, a esquerda não conseguiu se re unir nem para isso. Estão fazendo três. Segundo as pesqui sas, o segundo turno será entre Marine Le Pen e o candida to da direita, o que acentuará o debate em torno de ques tões imigratórias e de identidade.
Eduardo S. Klein é carioca, engenheiro e cresceu na comunida de judaica do Rio de Janeiro. Quando morava no Rio, era voluntário na ARI e no Lar União e atualmente na sinagoga de Lyon, França, onde mora há três anos com a esposa, francesa, e suas duas filhas.
A questão da identidade nacional francesa está no centro dos programas políticos, embora o desemprego altíssi mo e a França sendo um dos únicos países da UE que não consegue relançar a economia. Em tempos de crises (e nes te caso de múltiplas crises: econômica, política e social), a situação nunca é confortável para nós, judeus.
Quando houve o ataque a Charlie Hebdo, ouvia-se muito dos jovens (não somente muçulmanos, mas de clas ses desfavorecidas em geral) falar que “eles tinham mereci do”, sob o pretexto de não se rir em tema de religião. Após os atentados de novembro, ninguém dizia mais isso. Todo mundo, inclusive uma grande parte da população muçul mana, se sentiu mais afetado.
Existem inclusive associações e ONGs feministas de fendendo o “direito” de usar véu para cobrir o rosto quase integralmente. O governo não sabe gerenciar isso. Existe uma lei que proíbe o uso da burqa em espaço público, po rém ela é praticamente não aplicada, pois gerou na época, 2010, confrontos entre a polícia e a população muçulma na. O governo, na época Nicolas Sarkosy (direita), cedeu. Imagine ser parado numa blitz bêbado, receber uma mul ta, continuar dirigindo e ir pagá-la no Detran ainda bêba do. As poucas vezes que a lei foi aplicada foi assim: a mu lher de burca recebia a multa, não tirava a burca e ia de burca à delegacia para pagá-la. E obviamente também não tirava ao entrar na delegacia. É uma piada.
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Revista da Associação Religiosa Israelita- ARI | devarim | 43 Currículo inovador: Núcleo Comum em diálogo com Cultura Judaica Tecnologia integrada ao projeto pedagógico, da Educação Infantil ao Ensino MATRÍCULASMédioABERTAS EM IPANEMA E LARANJEIRAS. AGENDE UMA VISITA! Uma escola judaica renovada: plural, vibrante e conectada. Alto rendimento nos exames de Cambridge e vestibulares Sede Laranjeiras tel 21 2156-6100 Unidade Infantil Ipanema tel 21 2513-3318 Integrantewww.eliezermax.com.brdaRededeEscolas Judaicas Pluralistas





















sos. Dada a natural reação da nossa comunidade, fui solicitado a visitar o Secretário de Educação, reconhecidamen te amigo dos judeus, para solicitar uma providência, que foi de imediato tomada. Os catecismos foram recolhidos – e aliás jamais retornaram às nossas salas de aula. Esse é o pensamento natural do povo brasileiro.
O Papa Bento XVI reconhece que Jesus reivindicava, de fato, um direito real, jamais baseado na força contra Roma, mas na paz de Deus, “o único poder que salva”. Ele era visto como filho de David, ou mesmo um novo Moisés.
pós realizar uma conferência sobre “Diálogo com o mundo”, no Conselho Técnico da Confedera ção Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), no dia 14 de junho de 2016, fui homenageado com uma série de sete colocações, em geral de exaltação ao texto apresentado.
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Papa Bento XVI (Cardeal Ratzinger)
“A reivindicação da realeza messiânica era um delito políti co, que devia ser punido pela justiça romana.”
O MISTÉRIO DA MORTE DE CRISTOArnaldoNiskier
Contei na CNC um episódio de que participei, na dé cada de 1960. Havia um forte movimento, no Rio de Ja neiro, acusando o povo israelita de deicida. A Secretaria de Estado de Educação, na época ocupada por Carlos Flexa Ribeiro, se esmerava na distribuição de catecismos perver
Dessas obras pode-se extrair um conjunto de decisi vas conclusões, a seguir expostas. A principal, talvez, seja
Com uma linguagem precisa e muitas informações só lidas, o autor procurou colocar luz sobre os mistérios da vida de Jesus, a partir da sua entrada em Jerusalém, vin do da Galileia. Frequentou, na Cidade Santa, como judeu que era, o famoso Templo, destruído nos anos 70 d.C. pe los romanos. Houve divergências com alguns judeus con temporâneos, que não reconheciam a realeza de Jesus, já então considerado pelos seus seguidores como rei da paz, da simplicidade e dos pobres.
Sobre o mistério que cerca a morte de Jesus Cristo, com suas várias versões, utilizo fontes insuspeitas para tirar mi nhas conclusões. Não só o livro mencionado do Papa Ben to XVI, que li de um fôlego só numa demorada espera no Aeroporto de Orly, mas também o notável trabalho do es critor paulista Nelson Câmara (Do réu Jesus Cristo, Terra Comunicação, 2013.)
De modo claro, como nos diz a história, depois dos seus dois martírios, Cristo foi crucificado dentro dos pos tulados do direito romano, sendo descabida a acusação por muito tempo explorada de deicídio feita aos judeus.
Depois dos elogios, o professor e jurista Célio Borja pe diu licença para discordar do nosso ponto de vista a res peito da morte de Cristo. Como os juízes judeus do Siné drio não tinham competência para aplicar a pena de mor te, transferiram essa responsabilidade para o direito roma no, representado por Herodes e Pilatos. Este, demonstran do sua covardia, transformou-se em juiz e algoz, depois de simbolicamente lavar as mãos, como se não tivesse nada que ver com o assunto.
A
Deve-se considerar que os judeus, na época, eram representados por diversas facções, como os saduceus (aris tocracia sacerdotal corrupta), fariseus, essênios, zelotas ou
Nessedescendentes.ambientede intrigas e conflitos, Caifás (Sumo Sacerdote) e seu sogro Anás se sobressaíram, cobrando do governo romano uma atitude drástica contra o que chama vam de ameaça representada pelas ações de Cristo, dono de uma retórica avassaladora.
Jesus sempre se manteve fiel aos fundamentos do judaísmo, sua origem. Era ligado no Antigo Testamento, com o Pentatêuco contando o Gênesis, o Êxodo, o Levítico, o Números e o Deuteronômio.
Interior da Sinagoga Santa Maria la Blanca em Toledo, Espanha.

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o fato de que Jesus sempre se manteve fiel aos fundamentos do judaísmo, sua ori gem. Era ligado no Antigo Testamento, com o Pentatêuco contando o Gênesis, o Êxodo, o Levítico, o Números e o Deu teronômio. Para a sua missão, Jesus es colheu 12 apóstolos: Simão (a quem deu o nome de Pedro), Tiago, João (seu ir mão), André, Felipe, Bartolomeu, Ma teus, Tomé, Tiago, Tadeu, Simão o Zelo te e Judas Iscariotes, que o entregou.
As crianças de Deus dispersas não eram somente os judeus, mas as crianças do patriarca Abraão: pessoas que, como ele, estavam à procura de Deus, como os muçulmanos dele também
Ao mesmo tempo, os romanos, com uma população de 50 milhões de pessoas, seguiam uma religião politeísta, baseada na crença em vá rios deuses. O Império Romano, com a Lei da XII Tábua de 449 a.C., rejeitava a pregação de Jesus Cristo sobre a existência de um Deus único. Os judeus sempre se manti veram monoteístas e fiéis ao Velho Testamento editado por Moisés. Era essa a posição de Jesus Cristo. Foi nesse pano rama que maus juízes do Sinédrio (70 membros) judaico fizeram a delação contra Jesus Cristo e o entregaram à au toridade romana, à qual coube a decretação da sua mor te, crucificado.
Os membros do Sinédrio à época de monstraram grande perplexidade diante do perigo que representava o movimen to revolucionário em torno de Jesus, so bretudo em virtude do seu carisma. Jesus deveria morrer pela nação. Na linguagem hebraica, isso exprimiria a esperança de que, com a vinda do Messias, os israelitas dispersos pelo mundo seriam reunidos no seu próprio país.
Aunión/istockphoto.comGarcíaJuan
Segundo Mateus, o Templo era um local misto de co mércio e orações. Quando Jesus entrou no Templo, expul sou de lá todos os que vendiam e compravam: “Minha casa será chamada de oração”.
A condenação de Jesus foi uma necessidade política dos maus sacerdotes do Templo. No seu templo, falava-se o aramaico em casa, usava-se o hebraico na leitura da Bíblia e o grego no comércio e na política. Eram as línguas usuais.
Jesus foi, então, acusado de blasfêmia, crime passível de condenação à morte. Havia no Sinédrio 39 dos seus 71 membros. Com testemunhas falsas e o julgamento noturno ilegal, Jesus permaneceu em silêncio diante dos seus acusadores. O Sinédrio já tinha a decisão pronta an tes mesmo da prisão e do julgamento. Todo o cenário fora montado ilegalmente para a condenação.
O templo sagrado era também uma boa fonte de renda. No seu interior se desenvolvia uma grande atividade comercial. Escribas e fariseus, por essas e outras, eram con trários à doutrina pregada por Jesus.
A acusação de crime de blasfêmia levaria, segundo a lei mosaica, à punição da pena de morte por apedreja mento (Antigo Testamento). Os juízes do Sinédrio decla raram-se incompetentes para aplicar a pena de morte e o processo foi levado ao procurador romano Pôncio Pilatos. Só aos romanos era lícito decretar a pena de morte (e por crucificação).Aosedeclarar Messias de Israel, Jesus cometera o crime de blasfêmia pela hermenêutica do texto da Torá. Mas seu reino não era deste mundo. Por isso, nada violava as leis ro manas. Quando Pilatos perguntou “Então, tu és Rei?”, Ele respondeu: “Tu o dizes: sou Rei. Para isso nasci e para isso vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Quem é da verdade escuta a minha voz”.
O Sinédrio era constituído de um Sumo Sacerdote como juiz principal, uma Câmara Religiosa de 23 sacer dotes, uma Câmara Legal de 23 escribas e uma Câmara Popular de 23 anciãos. Nenhum deles deveria ter menos de 40 anos de idade. Altos sacerdotes ordenaram a prisão e o julgamento de Jesus e foram eles que subornaram Ju das com as famosas 30 moedas de prata. Os seus pais se guiam rigidamente as leis mosaicas e eram obedientes às rígidas leis tributárias de Roma. Jesus sempre foi fiel aos mandamentos da lei de Moisés e pregava sua obediência.
O julgamento de Jesus, na verdade, foi uma farsa. Não houve mandado legal de prisão, houve dispensa das testemunhas óbvias, que seriam os apóstolos, e houve ação na véspera da festa de Pessach, o que configurava um absur do na lei mosaica. O interrogatório também foi irregular. Quando Anás perguntou a Jesus o que tinha sido ensina do, recebeu a explicação de que sempre ensinara os temas
Jesus respeitava o Pentatêuco, mas divergia dos seus contemporâneos na interpretação do texto legal. Fez crí ticas aos escribas do Templo e aos fariseus, vendilhões do mesmo Templo, dos quais deveria se afastar para ganhar o reino dos céus. Guardava o dia de sábado e comemorava a libertação dos israelitas da escravidão no Egito. Res peitava a Mishná (a lei) e o Guemará, que é a interpreta ção rabínica. Ele não violava a lei judaica e nem afronta va a lei romana.
Com isso ficou claro que Jesus não se considerava deste mundo, portanto não havia ameaça ao reino de César. De via ser absolvido, mesmo com a acusação de que Ele sub
Como entrar no Reino dos Céus
Outro processo foi criado diante do governador roma no Pôncio Pilatos, este bem mais rigoroso do que o feito pelo Sinédrio, que foi considerado mais um interrogatório profundo do que propriamente um processo. Havia dúvidas sobre o comportamento de Jesus em relação à Torá, onde se encontra toda a doutrina judaica. Houve uma acu sação de blasfêmia contra o Templo, com Jesus defendendo a sua purificação.
essenciais do judaísmo: “Eu falei abertamente ao mundo; sempre ensinei nas sinagogas e no Templo, onde os judeus se reúnem. Nada disso em segredo”. Jesus não testemunha va contra si mesmo, o que irritou a plateia. Anás o enviou preso a Caifás, o Sumo Sacerdote, que deveria arrolar pelo menos duas testemunhas idôneas, o que não ocorreu. Esse julgamento foi atentatório aos preceitos hebraicos.
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A segunda acusação referia-se à sua pretensão messiâ nica, colocando-se ao lado de Deus, quando para a fé de Israel existia um só e único Deus. Foi por essa razão que, na Cruz, foi inscrita a expressão INRI (Jesus de Nazaré Rei dos Judeus). Ele, assim, não era reconhecido como fi lho de Deus.
sicários. Mesmo com essa divisão, Jesus não era contra o judaísmo e nem o judaísmo era contra Jesus. Ele era co nhecido como rabi ou rabino, palavra que significa mestre ou professor, derivada da raiz hebraica rav.
Por causa desse julgamento-espetáculo, durante sécu los a culpa pela morte de Cristo foi imputada aos judeus, ao povo inteiro, o que constitui um evidente absurdo. Isso chegou a justificar pogroms e até mesmo o famigerado Holocausto. Procura-se obscurecer o fato de que a Pales tina e toda a Judeia estavam sob domínio militar romano. O Tribunal Judaico, por 30 anos, foi ocupado por maus juízes, do clã Anás-Caifás. Houve nesse tempo um claro desrespeito à lei de Moisés. Um juiz correto jamais fugiria às suas respon sabilidades lavando as mãos, como fez Pilatos.
gundo João, aqueles são simplesmente os ‘judeus’. Mas esse termo, em João, não indica de modo algum o povo de Israel en quanto tal, e menos ainda reveste um caráter ‘racista’. Em úl tima análise, o próprio João, quanto à nacionalidade, era is raelita, tal como Jesus e todos os Seus. A comunidade primi tiva era inteiramente formada por israelitas. Em João, o re ferido termo tem um significado específico e rigorosamente li mitado: designa a aristocracia do Templo. Portanto, no quar to Evangelho o círculo dos acusadores que pretendiam a mor te de Jesus é descrito com precisão e claramente limitado: tra ta-se precisamente da aristocracia do Templo”.
Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, na Sumateo lógica, argumentam que Jesus Cristo foi preso, flagelado, julgado e crucificado porque quis, para cumprir seu vati cínio, pois sendo filho de Deus, se o quisesse, poderia ter evitado. Teria agido assim em benefício da humanidade.
levava o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia até aqui, como disse Pilatos, que encaminhou Jesus a outro juízo julgador, o rei Herodes Antipas, um judeu de duvidosa origem. Mas voltou o assunto a Pilatos, que teve a chance de anistiar Jesus, utilizando-se do indulto da Pás coa. Mas entre Jesus e Barrabás, foi este o anistiado, pois tinha um grande número de simpatizantes, embora fosse acusado de homicídio. Barrabás era um salteador, embora considerado herói nacional hebreu.
Mentira histórica
Pode-se entender melhor o que aconteceu recorrendo às explicações do Papa Bento XVI a respeito do que ele chama de “mentira histórica”:
Não foi por outra razão que São Tomás de Aquino du vida se Jesus Cristo foi morto por outrem ou por si mes mo, arvorando-se em Salvador do povo. Deve-se desmis tificar as aleivosias contra o povo judeu. O Sinédrio é que foi injusto, imoral e ilegal. Jesus não teve ninguém que o defendesse, nenhuma testemunha, nenhuma aplicação da lei judaica. Ele foi perseguido não pelo povo judeu, mas pelos algozes do Sinédrio, nos 30 anos de domínio de Anás e Caifás. Foi uma perseguição política, que não represen tava o verdadeiro pensamento do povo judeu.
Detalhe do interior da Sinagoga Santa Maria la Blanca em Toledo, Espanha.

Há uma outra versão que se encontra em Renan: “Sen do o Messias, poderia evitar a morte. Por que não o quis? O amor por sua obra o venceu”.
“Quem eram precisamente os acusadores? Quem insistiu para que Jesus fosse condenado à morte? Nas respostas dos Evangelhos, há diferenças sobre as quais devemos refletir. Se
Aunión/istockphoto.comGarcíaJuan
“Não julgueis que eu vim para destruir a lei e os Profe tas; não vim para destruir, mas sim para cumprir”.
Nosso objetivo é colocar um pouco mais de luz em todo esse processo, com a reiteração da importância de Je sus de Nazaré na história da humanidade. Ele foi um clás sico judeu do seu tempo, com a missão renovadora, e não de criação de uma religião nova. Tanto que, na véspera da sua morte, comemorou com os discípulos o seder de Pás coa (Pessach), em Jerusalém. Jesus viveu todo o simbolis mo dessa Devemoscelebração.concluir afirmando que no tempo de Cris to existia na Palestina uma pequena minoria de judeus. A grande maioria fizera o movimento chamado de “Diáspora”, espalhando-se por regiões da Europa e da Ásia. Na Palestina não haveria 1 milhão de judeus, enquanto espa
Assim, são totalmente descabidas as razões que levaram judeus e cristãos a se separarem há dois mil anos. No ju daísmo moderno reconhece-se em Jesus as mais altas virtudes morais. Para o filósofo Martin Buber, Jesus era o “Grande Irmão”.
Bibliografia
Niskier, Arnaldo. A Sabedoria Judaica. S.P., Ed. Vozes, 1994, 2ª ed.
Papa Bento XVI. Jesus de Nazaré. S.P., Ed. Planeta, 2011, 3 volumes. Câmara, Nelson. Do réu Jesus Cristo. S.P., Terra Comunicação, 2014. Schlesinger, Hugo e Porto, Humberto. Jesus era judeu. S.P., Edições Paulinas, 1979.
Jesus não era contra o judaísmo e nem o judaísmo era contra Jesus. Ele era conhecido como rabi ou rabino, palavra que significa mestre ou professor, derivada da raiz hebraica rav.
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Seus ensinamentos refletiram expressões perfeitamen te idênticas a textos do Talmud e da Midrash; numa pala vra, viveu e morreu judeu.
Podemos concluir que na Bíblia se expressa que Deus, em virtude de promessa, uniu a terra de Israel ao povo elei to e lhe confiou uma missão que se prolongará até o fim dos tempos. Para Jesus havia esse significado transcendente que lhe despertava grande amor pela Cidade Santa, em sua forte vinculação à terra e ao povo de Abrahão, ao qual pertenceu em todos os momentos da sua vida.
Josefo, Flávio. História dos Hebreus. S.P., CPAD, 2013.
É uma ideia generosa, que merece a mais ampla aco lhida. É por isso que se defende hoje a necessidade do diá logo inter-religioso da humanidade, na direção da justiça, do amor e da paz.
Religião e Estado
Ainda a propósito da conferência rea lizada no Conselho Técnico da CNC, re cebemos do Embaixador José Botafogo Gonçalves, respeitado pensador, uma in teressante comunicação em que aborda o papel das religiões nas relações entre Es tados soberanos. A melhor prática seria a separação entre religião e Estado. O ecu menismo é um bom instrumento para a construção da paz, afirma Botafogo. E mais: “A Santa Sé negociou há anos um documento com a Igreja Luterana que reduz drasticamente as divergências teológicas entre as duas igrejas. O Velho e o Novo Testamentos sempre foram objetos de exegese, já que seu con teúdo, embora revelado por Deus, foi escrito por homens, seres imperfeitos. Cristãos e judeus devem, em conjunto, empreender esforços religiosos e diplomáticos para esten der, com eficácia, ao mundo muçulmano o diálogo (no caso, triálogo) ecumênico.
Para Max Brod, Jesus é o intérprete da mensagem de amor e de justiça de Israel.
Numa das suas expressões mais autênticas, Jesus falou:
Lafer, Celso. Hanna Arendt, pensamento, persuasão e poder. S.P., Paz e Terra, 2003.
Torá, a lei de Moisés. S.P., Ed. Sêfer / Templo Israelita Brasileiro Ohel Yaacov, 2001.
Arnaldo Niskier é membro da Academia Brasileira de Letras, jor nalista, professor e escritor. Este texto foi escrito em 23 de junho de 2016.
Por fim, pode-se invocar o pensamento do cientista Al bert Einstein, para quem “o mistério de Jesus é um abis mo de luz”.
lhados pelo mundo havia mais uns cinco ou seis milhões. Seis séculos antes da Era Cristã tinham começado as deportações da Assíria e da Babilônia, havia uma colô nia militar judaica e havia numerosas co munidades em Roma e nas principais ci dades do Império, assim como no Oriente, no Império dos partas. Como afirmou Juvenal, nos sábados não havia comércio em Roma, em virtude da presença dos judeus. Na sua maioria eles falavam o grego. Pouco falavam e entendiam o aramaico.
Niskier, Arnaldo. Diálogo com o mundo. R.J., Edições Consultor, 2016. Bíblia Sagrada. Petrópolis, Ed. Vozes, 1982.
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á pouco mais de um mês, os Movimentos Re formista e Conservador, junto com vertentes feministas da ortodoxia, lograram pela primeira vez conduzir um serviço religioso feminino de Rosh Chodesh completo (ou seja, incluindo a leitura da Torá) junto ao Kotel Ha’maaravi (ou simplesmente Kotel –o Muro das Lamentações, em Jerusalém).
Todos os textos desta seção se referem a este aconteci mento.
planada frente ao Muro e não tradicionalmente associada com o local da memória judaica. Este acordo sempre foi entendido como sendo temporário e, em janeiro deste ano, após intensas gestões conduzidas a pedido do primeiroministro pelo presidente da Agência Judaica Nathan Sharansky, o governo firmou o compromisso de construir uma área para rezas igualitárias na frente do Muro.

Contudo, de lá para cá o assunto foi congelado pelo governo, que cede a pressões de setores ortodoxos que ten tam sabotar o acordo que firmaram. Assim que, conseguir ler da Torá no Muro reaquece este debate e se constitui em mais um passo de uma longa e penosa caminhada em bus ca da liberdade de expressão religiosa para todas as corren tes judaicas em Israel.
EM POUCAS PALAVRAS
Fotografias cedidas pelo Movimento Massorti.
Há cerca de 20 anos, as Nashim HaKotel (Mulheres do Muro) se reúnem em todos os começos de mês judai co para rezar no Muro. Já há algum tempo, e sempre sob forte – às vezes fisicamente – e violenta oposição por parte da ortodoxia, elas conseguem fazer uma parte da reza lá. Contudo, jamais conseguiram ler da Torá, conforme pres creve o Maisritual.recentemente, elas “conquistaram o direito” de fa zer essa leitura numa área lateral, localizada abaixo da es-
H
Mas ainda não era hora de come morar. Não nos esperavam momentos fáceis. Começamos a ouvir os insul tos dos ortodoxos que se aproximavam pelas escadas que descem da cidade em direção à esplanada. Eles nos cer caram. Nós, como tínhamos muito cla ro qual era o alvo, não respondemos a estes ataques. Inclusive aos primeiros empurrões e insultos de perto (de mui
Amanhece em Jerusalém. É quartafeira, 2 de novembro de 2016. São 6h30 de uma manhã fria.
to perto) não nos perturbamos e a mar cha continuou. Até que eles começa ram a atacar aqueles que estavam car regando os rolos da Torá, tentando ar rancá-los de suas mãos.
Olhar de perto e sentir em primei ra mão a fúria descontrolada daque les que dizem “defender a tradição”, ao mesmo tempo em que nos chama vam de “nazistas”, nos dava mais for ças para enfrentá-los e aprofundava a convicção de que estávamos fazendo a coisa certa. Finalmente, em meio a muita violência e agressão física e ver bal, chegamos.
Sabíamos que não seria uma mar cha fácil e não tínhamos muita espe rança de lograr passagem. Afinal, há uma decisão do rabino que adminis tra o Kotel que proíbe qualquer grupo não ortodoxo de entrar na área do Ko tel, que, por obscuros desígnios políti cos, está sob o controle da ortodoxia, carregando um (ou mais, é claro) Se fer Torá. Mas nós estávamos reunidos lá para tentar levar os nossos rolos sa grados até o Kotel e lá fazer as orações usando-os.Oplano consistia nos rabinos refor mistas e conservadores entrarem com os rolos da Torá e, uma vez que esti véssemos no pátio do Kotel, entregá -los às mulheres para que elas pudes sem utilizá-los na seção das mulheres junto ao Muro.
A instrução que recebemos foi clara e direta: caminhar juntos calmamente, sem fazer provocações e esperar que desta vez não bloqueiem o nosso ca minho.Começamos a andar e alguém co meçou a cantar “Kol haolam kulo ge sher tzar meod / Ve haikar lo lefached klal” (O mundo inteiro é uma ponte mui to estreita / E o importante é não ter medo) – a célebre composição de Reb
Eu ainda não entendi o que nos im pulsionou. Se foi a firme convicção de alcançar nosso objetivo ou se foi a in capacidade de compreender como pessoas que se dizem religiosas ata cam violentamente um semelhante pela simples questão de ele expressar a sua religião de uma forma um pouco dife rente. Mas, qualquer que seja a moti vação, agimos: adiantamos o corpo para resistir aos golpes e aos empur rões, bloqueamos os ataques e prote gemos nossos companheiros e os ro los de Torá que carregavam.
UM MOMENTO HISTÓRICO Edy Huberman
O sol começa a aparecer e ser refle tido nas pedras da Cidade Velha. Jun to ao Shaar Ha’ashpot, o portão da Ci dade Velha mais próximo ao ingresso no Kotel, estão se reunindo algumas centenas de pessoas, inclusive Ricar do e eu. A intenção é acompanhar o Nashim HaKotel na reza matutina de Rosh Chodesh, como têm feito há qua se vinte anos.
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Vale ressaltar que ainda hoje temos de lutar para a realização de um direito tão básico quanto ainda distante: que as mulheres que assim o desejarem possam carregar e ler um Sefer Torá, usar talit, kipá e tefilin.
ao controle de seguran ça, tivemos a primeira surpresa: não en contramos nem a habitual negativa nem a polícia. Uma das pessoas que condu zia a marcha, encorajando aqueles que estavam mais para trás, subiu num dos bancos para que todos pudessem vê -lo e avisou: “Passamos! Desta vez pu demos entrar!” É muito difícil explicar a emoção que sentimos naquele momen to: abraços, lágrimas, arrepios e a pro funda convicção de que estávamos vi vendo um momento histórico.
Nachman de Bratislav. E todos nos jun tamos, sentindo fisicamente as pala vras enquanto saiam de nossos lábios. As melodias foram variando, mas man tivemo-nos convencidos que “haikar lo lefached klal Chegando”.
Quanto melhor poderíamos viver se,
Anat Hoffman, a presidente do mo vimento Mulheres do Muro, que há quase 20 anos promove rezas no novo mês judaico no Kotel, esta va muito feliz. “Sinto como se neste ano Simchat Torá (a festa que celebra a alegria pela Torá) tivesse vindo um pouco mais tarde. Pela primeira vez na história, um rolo da Torá entrou na se ção feminina do Muro. Hoje é um dia histórico. As mulheres devem ser per mitidas de ler da Torá em qualquer dia de suas vidas, basta estarem interes sadas. E de celebrar bat mitsvá. Este dia está chegando!”

Edy Huberman é Diretor-Executivo da Fundación Judaica de Buenos Aires
Já Yizhar Hess, diretor do movi mento conservador em Israel, colo cou o dedo numa ferida: “O gover no de Israel foi muito determinado em sua condenação sobre o não reconhe cimento pela Unesco da conexão do povo judeu com o Kotel, mas hoje este mesmo governo está negando a co nexão de metade do povo judeu com o KotelOutra”. voz importante é a do Rabino Rick Jacobs, presidente do movimen to Reformista dos Estados Unidos. Ele disse que nem ele nem nenhum outro lí der vai ser dissuadido pela violência do Rosh Chodesh Cheshvan: “Não com prometeremos nosso direito de estar aqui. Mudaremos este lugar, mudare mos este país e faremos daqui uma casa para todo o povo judeu”. ü
Comunidade, amigos e familiares que estavam ali conosco marchando e can tando, dando os passos para chegar mos a um Kotel igualitário.
Hoje eu entendi as palavras de Abraham J. Heschel, quando disse que na marcha com Martin Luther King ele estava orando com seus pés. E eu tam bém percebi que ainda há um longo ca minho a Amanhecepercorrer.emJerusalém. Começa a aparecer um vislumbre de esperança. ü
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Um a um, os rolos da Torá foram en tregues às mulheres que puderam en trar com eles na área feminina e, num dia que entrará para a história, abri-los e ler a partir deles em frente ao Kotel Nesse mesmo Kotel que é herança do povo judeu para toda a humanidade. Que, por sua relevância, não pode ser sectário e excludente. Que deve refletir a variedade e a pluralidade de formas e ideias que formatam o ser e o fazer de um povo que sempre se caracterizou por respeitar as diferenças e por cres cer através delas e não apesar delas.
DECLARAÇÕES DOS LÍDERES DOS MOVIMENTOS LIBERAIS
não apenas no Kotel, mas em todas as comunidades, as correntes ortodoxas pudessem entender que não são nem as únicas intérpretes da vontade divi na nem as únicas habilitadas a definir quem é judeu e como devemos viven ciar o Tivejudaísmo.asortede compartilhar este mo mento com Ricardo Rotholtz, líder da comunidade Mishkán e da WUPJ-LA. E tenho certeza que ele e eu não está vamos sozinhos. Marchamos acompa nhados por aqueles que, desde longe, compartilharam nossa emoção em es tar hoje no lugar certo e na hora certa.
O Rabino Daniel Freelander, presi dente da WUPJ ficou emocionado: “Foi arrepiante. Caminhar com mais de uma dezena de rolos da Torá através da se gurança em direção ao Kotel e depois passar os rolos para as mulheres foi um momento inspirador e um momento de reafirmação”.Paraopresidente do movimento Conservador (Massorti) dos Estados Unidos, o Rabino Steven Wernick –que já foi considerado um dos rabinos mais influentes dos EUA –, é ridículo viver numa época onde mulheres são CEO das maiores empresas do mun
do, juizes de Suprema Corte em inú meros países, são chefes de Estado e presidem parlamentos, mas não podem fazer uma aliá à Torá. Segundo ele, nos últimos 20 anos o entendimento sobre pluralidade e igualdade evoluiu muito. Referindo-se especificamente ao acor do ele disse: “Ninguém está pedindo para os ortodoxos serem menos orto doxos. A beleza do acordo é que ele acomoda a todos no nosso espaço mais sagrado”.
judaicas, acrescentou: “Devemos dar a todos a sensação de estar em casa. O Kotel está no coração do povo judeu, assim que cada indivíduo tem que se sentir em casa quando vai para lá”.
Também não é o território de nasci mento que nos une. Nas nações mo dernas, o povo tem um sentido territo rial, você se liga com seu compatrio ta por conexão a um limite geográfico. Você pode ser brasileiro e não morar no Brasil, mas você não pode ser bra sileiro e nunca ter morado no Brasil (a menos das poucas exceções dos filhos de casais residentes do exterior). En
REFLEXÃO SOBRE O ACORDO DO KOTEL
Após o acontecido, em 2 de novem bro o movimento ortodoxo Ne’ema nei Torá Va’Avodá produziu um vídeo no qual os rabinos Shlomo Riskin, Benny Lau e Ronen Lubitsch criticam o desca so do governo na promoção da igual dade das correntes judaicas religiosas em Israel, mesmo depois do acordo as sinado em janeiro.
O CEO do movimento reformista em Israel, Rabino Gilad Kariv, congratulou a coragem e o senso de responsabili dade de seus colegas afirmando tam bém que ele não tem dúvidas de que uma grande maioria dos sionistas re ligiosos apoia a abordagem inclusiva ao invés do separatismo e da exclusão tentada pela ultraortodoxia.
Vozes de fora de Israel também se fizeram ouvir. A International Rabbinic Fellowship, que congrega rabinos or todoxos de Estados Unidos, Canadá, América do Sul e Israel, divulgou um comunicado enfático pedindo ao go verno para implementar o acordo fir mado em janeiro de 2016.
rável quantidade não supera a barrei ra de algumas expressões em hebraico. Muitos apenas conseguem juntar as le tras com grande dificuldade e uma par cela não desprezível consegue tão so mente reconhecer o formato e o som dasTambémletras. não temos os mesmos gos tos musicais, literários ou culinários. A música ritual sefaradi é tão distante da
Seguramente o povo judeu não compartilha a mesma origem an cestral. Não obstante a Torá fixar a ori gem dos judeus numa família (Abraão – Isaque – Jacó – 12 tribos), a conver são é um processo válido de ingresso no povo judeu e até mesmo valorizado pelas nossas tradições, que fizeram de Ruth, a moabita – um povo com o qual a Torá proibia a interação (o que é mais uma prova do caráter evolutivo do ju daísmo) –, a ancestral da mais brilhan te família real de nossa história: o Rei David (que, segundo o ideário expres so no Talmud, “chai ve kayam”, ou seja, ainda vive e persiste) e em consequên cia ancestral do próprio Mashiach.
quanto isto, você pode ser judeu e ja mais ter morado ou ao menos visitado Israel. Também pode ser judeu sem ja mais ter tido a mais leve conexão com dezenas de países onde vivem multi dões de outros judeus.
Igualmente não compartilhamos um mesmo idioma. Menos da metade dos judeus do mundo usa o hebraico como idioma principal. Uma conside
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O rabino Shlomo Riskin, rabino-che fe fundador da cidade de Efrat na Cis jordânia, declarou que o judaísmo como um todo e o Muro das Lamentações em particular são importantes demais e pre ciosos demais para serem relegados unicamente aos judeus ortodoxos.

O Rabino Lau, um respeitado estu dioso e autor de livros sobre as fontes
Já o Rabino Lubitsch, líder do Ne’e manei Torá Va’Avodá, destacou que te ria sido bem melhor se todos [movi mentos religiosos judaicos] sempre ti vessem sido reconhecidos.
GANHANDO APOIOS IMPORTANTES
Estes apoios indicam que a ortodo xia moderna se afasta cada vez mais da ultraortodoxia, repudiando o poder exercido de forma discricionária e mui tas vezes nada espritual do Rabinato de Israel, criando interessantes alian ças com os movimentos liberais. É um movimento auspicioso. ü
Não devemos permitir que ela vire letra vazia. Sua implementação criará um modelo que tem o potencial de co locar nossas comunidades num pata mar mais elevado e fraterno do que o atual. ü
Nossa religião tem diversas verten tes. Nisso o judaísmo não é original. O cristianismo é dividido em dezenas de correntes. Idem para o Islamismo, para
houver uma outra alternativa para a pessoa. Nos marcos que incluem todo o povo é preciso achar uma forma de incluir a todos.
No tocante a espaço físico, não há nenhum marco mais significativo para o povo judeu do que o Kotel, a peque na parcela do grande Templo de Jeru salém que permanece em pé. É inegá vel que não há substituto para aque le espaço.Tendoisto em vista que o acordo do Kotel firmado em janeiro de 2016 é formidável pelo fato de agregar a to dos, sem diminuir ninguém. Há uma área para celebrações nacionais, uma área para os que encontram a espiri tualidade rezando conforme os minha guim (costumes) ortodoxos e uma área para os que necessitam estar em am biente igualitário para atingir sua espi ritualidade.Cadaum dos espaços não desvalo riza o outro. Eles coexistem lado a lado. Como disse o Rabino Wernick: “Nin guém está pedindo para os ortodoxos serem menos ortodoxos”.

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Este tipo de arranjo deve prosperar não só para ressignificar o Kotel mas também para servir de exemplo em nossasFrequentementecomunidades.nas comunidades enfrentamos a mesma problemática do Kotel. E frequentemente a primeira rea ção na busca de uma solução é ten tar achar um mínimo denominador co mum. Mas este denominador pode re sultar tão mínimo a ponto de sacrificar o evento ou ação. Outras vezes as solu ções são dadas na base do voto majo ritário, o que sempre exclui as minorias que, é sempre bom lembrar, também fa zem parte da coletividade. A solução do Kotel é admirável porque ela soma em vez de reduzir ou impor a maioria sobre a minoria.
ashkenazi como Beethoven de Um-Kul thum (se você não a conhece, ouça algo desta grande cantora egípcia no YouTube).Duascoisas nos unem e nos defi nem como povo. A primeira é a certeza residente em cada um de nós que com partilhamos um destino comum e o que acontecer de ruim com um dos nossos muitos grupamentos acabará afetando a todos.Asegunda é a religião comum. Cla ro que muitos judeus dizem não ter re ligião alguma. Contudo, devem ser con tados como judeus todos os que, ao serem indagados a respeito, respon dem que se tivessem uma religião esta seria a Estesjudaica.sãoos nossas maiores laços e eles são fortes suficientes para nos considerarmos um povo. Um povo pe queno e singular, no qual a religião é um traço de união muito importante.
o Candomblé, para o Budismo, para o Hinduísmo, para o Xintoísmo e assim por diante. Uma pesquisa sobre as di ferentes religiões na Wikipedia resulta muito interessante: nenhum dos verbe tes deixa de ter um tópico dedicado às suasAssubdivisões.diversasvertentes judaicas se or ganizam em torno de rituais semelhan tes, porém não idênticos. Cada forma ritual almeja expressar as crenças e vi sões particulares de sua vertente.
Claro que cada grupo é livre para praticar o ritual a seu modo e proibir formas que julga inapropriadas. Mas as limitações e os interditos só podem ser impostos a quem os aceita volun tariamente, o que resulta que eles só têm validade intramuros, dentro dos marcos de cada vertente. Se uma pes soa não estiver confortável com a vi são de mundo de uma corrente e com o seu subjacente ritual ela é livre para se afastar daquela comunidade e pro curar uma outra mais condizente com suasContudo,visões. isto é válido apenas se
OCCUPY WORLD Paulo Geiger
Fronteiras nacionais, assim como âmbitos familiares, tor cidas esportivas, religiões, preferências culturais, são funda mentais para a percepção e a inclusão de alguém num meio de afins, ou semelhantes, num sentido de pertinência, para facultar, facilitar e fortalecer a identificação com um grupo, criar objetivos e vivências e fazeres comuns, suscitar solida riedades. Mas todos esses âmbitos são parte de um âmbito muito maior, em que a diversidade aumenta o alcance da hu manidade e da natureza como um todo, oferece opções que não se teriam sem ela, opções que melhoram a vida e até po dem salvar a vida. O processo da globalização parecia ser um grande avanço, não no sentido do mercado, das multina cionais, da pasteurização das diferenças, mas no da informa ção, da interação, do conhecimento das diversidades e do respeito a elas, da percepção dos interesses comuns e do destino comum que aguarda todos que existem e vivem no planeta, e no sentido das atitudes e medidas que favoreçam o bem maior, o equilíbrio, a equidade, a solidariedade, a res ponsabilidade coletiva.
semanas pensei que ia dedicar estas cócegas à eleição nos EUA. Mas diante do espetáculo midiático na campanha desisti, antes de saber o resultado. Que aliás con firmou, como fato real, a mesma apreensão que eu alimenta va com a Dizendohipótese.issonão estou tomando posição especificamente contra a decisão do interior (sul, centro e centro-oeste) dos EUA (ironia velada, mas fato geopolítico). Os americanos têm todo o direito de escolher quem acham melhor para governar seu país (embora isso possa ser a raiz de problemas que afe tarão o mundo), isso não está em questão e não precisa de minha, sua, nossa aprovação. Nem estou tomando posição contra Trump em si mesmo, até porque nem sabemos como vai governar, apesar de suas declarações (e apesar, infeliz mente, de já ter uma noção, a julgar por suas escolhas, que confirmam as declarações).
ceito da tolerância, outros se alimentam da intolerância. Al guns são pacíficos, outros claramente agressivos e ameaça dores. Há grandes diferenças nos objetivos e nos métodos e no nível de ‘fechamento’, mas todos configuram uma espé cie de tsimtsum, uma contração para dentro do próprio um bigo, uma radicalização consigo mesmo, uma pseudoautos suficiência num sistema fechado de altíssima entropia (ve jam as Cócegas em Devarim 29), em que as energias para trocas (com o meio exterior, em colaborações, projetos co muns, interações, solidariedades, humanizações, defesa do meio ambiente comum, defesa do planeta) são preteridas, pois as energias são usadas para defender a si mesmo do exterior e de quem, no interior, se vê TAMBÉM como parte de um mundo e de uma humanidade maior.
Não se trata apenas de Trump, e sim de como ele se en caixa numa tendência que se dissemina no mundo. Ao escre ver ‘tendência’ não me estou referindo a ideologias, políticas, visões sociais que configurem ou convirjam para uma única e coerente e clara finalidade, mas a um processo, no qual vá rias ideias e movimentos com motivações distintas, que le vam a coisas distintas, são alimentados por uma inclinação comum. Para simplificar algo que não é simples, dando no mes e caras, esqueçamos Trump e olhemos em volta. Putin, Erdogan, Le Pen, Brexit, Kim Jong Il, Maduro, Rafael Correa, Daniel Ortega, os aiatolás, o radicalismo islâmico instituído ou não, só para citar os que mais aparecem no noticiário, e assim mesmo omitindo muitos por esquecimento ou econo mia de espaço. É claro que não estou pondo todos no mes mo saco. Alguns desses processos são democráticos, outros absolutamente autocráticos. Alguns se enquadram no con
Isso tudo, inclusive, sempre foi, e é, muito judaico, pois está no substrato de um povo que nunca poderia ser, nem pretendeu ser, o dominador do mundo (nem teria valor quan titativo para isso), e cuja própria existência nele se definia por servi-lo com a palavra de Deus, ki miTsion tetse Torá, udvar Adonai meIerushalaim (o que realmente aconteceu), e por ser mamlechet kohanim, um reino de sacerdotes a serviço da vontade divina para toda a humanidade. A identidade judai ca, nas leis, na tradição, na história e na cultura, pressupõe a interação com a humanidade, com a natureza, com o univer so. Não é papo de pilpul, está nas mitsvot
Durante
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O que me fez desistir de escrever sobre isso foi perceber que o dramaticamente inflado processo eleitoral nos EUA, com toda a sua inegável e tremenda importância, na verda de não é tão importante diante de um quadro muito mais glo bal, um processo que não se limita à visão que os america nos têm de si mesmos e do que querem para seu país e para o mundo. A questão não começa e acaba nos EUA ou em quem vai ser seu presidente, com todo o carnaval da mídia e com todos os aspectos exóticos que o acompanharam. O show (literalmente show) acabou. E, tendo acabado, pode mos esquecer a mis-en-scène e olhar para uma realidade que não é só americana.
CurvaBezier/istockphoto.com
Enquanto os defensores de Massada cometiam o suicí dio em nome da identidade soberana, o judaísmo achou em Iavne, até mesmo no exílio, um caminho para se integrar no mundo, interagir com o mundo, mesmo um mundo que lhe foi hostil e continua hostil há mais de vinte séculos, e essa interação lhe permitiu voltar a ter sua identidade soberana, suas fronteiras nacionais, seu papel renovado na interação com o mundo. Foi na abertura que os judeus reencontra ram suas fronteiras e hoje podem novamente defendê-las, se for Nãonecessário.estamosem situação de Massada, nem nos EUA com Trump, nem na França com Le Pen, nem na Rússia com Putin, nem na Turquia com Erdogan. Não estamos falando de fatos, que são diferentes uns dos outros, e sim de uma tendência, que é a mesma. Há remédios que acabam com o doente jun to com a doença. O mundo não está saudável, para ninguém. A responsabilidade coletiva é mais urgente que nunca. Pos sam os que criam processos e fatos que determinam o des tino de todos nós serem responsáveis por todos nós, como dizemos em hebraico, arevim zé lazé.
Mas quem poderá fazer com que eles realmente sejam?
Esta é a verdadeira questão prática e filosófica dos dile mas contemporâneos. Como agir em função de uma ideia
Com isso tudo não se está contestando as fronteiras das identidades, nacionais, culturais, religiosas, e todas as outras, nem o direito de defendê-las, de mantê-las, de viver num con texto ao qual se sinta pertencer. É inegável que têm crescido os problemas e as ameaças a esse direito. A permeabilidade de todas essas fronteiras, não só as nacionais, tem suscita do consequências nem sempre favoráveis a essa idealística interação em benefício de todos: colonialismo, imperialismo, truculência econômica, multinacionais predadoras, suprema cias e subserviências, intolerância e opressão religiosas, e até mesmo, em nome de valores humanitários, invasões não permitidas e não desejadas de culturas, identidades e hábi tos por imigrantes (e refugiados) legais e ilegais. Mesmo le vando em conta a dramaticidade dos fatos que fizeram de seres humanos refugiados, poder-se-ia perguntar: como, en tão, não se fechar, como defesa à diluição de valores e iden tidades em outros valores e outras identidades, não convida dos, não desejados?
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A partir das diversas identidades – religiões, culturas, na ções, caracteres e índoles, cujas fronteiras se definem por si mesmas e são importantes –, a própria sobrevivência de to das elas num único planeta cheio de diversidades pressu põe colaboração, solidariedade e responsabilidade uns com os outros. A autodefesa pelo fechamento das fronteiras po líticas, econômicas, culturais, religiosas, num mundo tão in terdependente (inclusive no aspecto ecológico, como única fonte e lugar para a sobrevivência de todos, pelo menos en quanto não se descobrem outros mundos no cosmo onde o homem possa viver) tende ao isolamento; e o isolamento num mundo de interdependências tende ao suicídio.

OccupyNós. world.
boa, e não apenas contra uma situação ruim. Já escrevi nes te espaço sobre Massada. A ameaça de extinção dos seis centos judeus da fortaleza não era interpretativa, não era as sunto de debates entre pseudocertezas, não era uma ‘sensa ção’ de perda, nem ‘medo de perda da identidade’. Era amea ça existencial real. Por isso os defensores de Massada se fe charam para se defender. Defender sua própria identidade soberana. Mas a sobrevivência do judaísmo como identida de aconteceu em Iavne.
cócegas no raciocínio

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